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I- Qual é a diferença básica entre a Semântica Gerativa e a Sintaxe Gerativa?

A Semântica Gerativa analisa os verbos por meio da decomposição em predicados


primitivos. Ela originou-se a partir da abordagem estruturalista, em que as análises de
decomposição dos itens lexicais eram feitas através de traços semânticos (análise
componencial). A título de exemplo, pode-se citar o item lexical homem, que, nessa
análise, pode ser decomposto nos seguintes traços [+humano, +masculino, +adulto]. O
aparato formal da lógica também é usado na abordagem componencial, e traços
semânticos passam a ser interpretados como predicados no sentido da Lógica de
Predicados. No entanto, no lugar da representação linear da lógica utiliza-se a estrutura
arbórea da análise sintática dos gerativistas.
De acordo com os linguistas adeptos a essa abordagem, a Semântica seria a parte central
da arquitetura da gramática, em oposição à ideia da centralidade da Sintaxe proposta por
Chomsky (1965). Dessa forma, a estrutura profunda da gramática, que na abordagem
Chomskyana tinha motivação sintática, passou a ser considerada como uma
representação da estrutura semântica. Assim, pode-se dizer que os sintaticistas gerativos
seguiam a tendência de excluir ou de tornar mínimo o papel da semântica na gramática.

II- A Semântica Gerativa foi duramente criticada, o que acabou levando a teoria
ao seu esvaziamento. Entretanto, os semanticistas gerativos deixaram um legado
muito importante para os estudos recentes em Semântica Lexical. Explique qual
foi esse legado.

O grande legado da Semântica Gerativa, que perpetuou-se nos estudos linguísticos, foi a
ideia de decomposição do sentido dos itens que são expressos por meio de um sistema
de predicados primitivos. São muitos os autores que continuam a explorar a ideia de que
o significado dos verbos pode ser decomposto em elementos básicos, utilizando-se da
noção de predicados primitivos nas decomposições lexicais. Entre eles, pode-se citar
semanticistas lexicais, como Jackendoff (1983, 1987, 1990), Pinker (1989), linguistas
cognitivistas, como Croft (1980, 1991, 1994) e Goldberg (1995, 1998), semanticistas
formais, como Dowty (1979), Parsons (1990) ou até mesmo gerativistas, como Larson
(1988) e Hale e Keyser (1992, 1993, 2002).

III- Utilize paráfrases como as propostas por Lakoff e Wunderlich ou aplique o


teste do quase para evidenciar que os verbos a seguir são compostos por elementos
semânticos menores: coroar, empacotar, encaixotar, encerar, fortalecer,
infantilizar.

 O rei foi coroado pelo papa. → O papa colocou uma coroa na cabeça do rei.
 Paulo empacotou o presente de João. → Paulo colocou o presente de João em
um pacote.
 Pedro encaixotou os móveis para a mudança. → Pedro colocou os móveis em
caixas/caixotes para a mudança.
 João quase encerou o chão. → O que João quase fez foi encerar o chão. → O
que João fez foi quase encerar o chão. [ SUBEVENTO 1 a ação de João [SUBEVENTO 2 o
chão ficar encerado] ].
 João fortaleceu seus músculos na academia. → O que João quase fez foi
fortalecer seus músculos na academia. → O que João fez foi quase fortalecer
seus músculos na academia. [SUBEVENTO 1 a ação de João [SUBEVENTO 2 os músculos
ficarem fortalecidos] ].
 Não podemos nos infantilizar diante das pessoas. → Não podemos nos tornar
um infantis diante das pessoas.

IV- Explique o que é a estrutura recorrente e a raiz das representações de


decomposição em predicados primitivos. Dê um exemplo.

De acordo com Cançado e Amaral, a decomposição de predicados é uma


metalinguagem utilizada para representar o sentido dos verbos ,e também uma forma de
analisar composicionalmente a semântica desses itens lexicais. Pode-se dizer que na
decomposição dos predicados, há uma estrutura semântica complexa de representação
dos verbos. Fazem parte dessa estrutura os elementos semânticos que compõem o
sentido do verbo, que são representados por predicados primitivos (elementos
predicadores que não são decomponíveis), seus argumentos (que podem ser elementos
primitivos, estruturas complexas ou variáveis) e modificadores (elementos primitivos).
Essa estrutura semântica pode ser dividida em duas partes: os componentes do
significado que são recorrentes entre os grupos de verbos e o sentido idiossincrático de
cada verbo, que é representado pelo que se denomina “raiz”. Os predicados, os
argumentos e os modificadores podem fazer parte da representação recorrente do
sentido do verbo, mas também podem ser a própria raiz do verbo, ou seja, podem
representar seu sentido idiossincrático, dependendo de sua natureza semântica. A
sintaxe da metalinguagem se realiza, então, da seguinte forma: predicados pedem um ou
dois argumentos para serem saturados e também podem ser modificados.
As raízes, apesar de representarem o sentido específico de um verbo, pertencem a
algumas categorias ontológicas, que, assim como os predicados, são categorias com um
número limitado (Levin e Rappaport Hovav, 2005) e podem ser argumentos, predicados
e modificadores. Como exemplo, pode-se citar o verbo fechar, que pertence à classe de
verbos de mudança de estado. Logo, fechar: [[X ACT vol] CAUSE [BECOME [Y
<FECHADO>]]]
O sentido do verbo fechar pode ser decomposto em uma mudança e um estado final, o
estado de fechado (algo que antes não estava fechado, mas agora passa a se tornar
fechado).
 Predicados primitivos (pedem argumentos para terem seu sentido saturado):
ACT, que indica a ação de X com volition, CAUSE, que indica o que X causa
em Y e BECOME, que indica o componente de mudança, de algo que antes não
estava aberto, mas que agora passou a estar;
 X e Y são as variáveis que indica os argumentos do verbo;
 Modificador: volition (elemento primitivo que aparece para modificar o
predicado primitivo ACT, quando X for agentivo)
 Raiz <FECHADO>, cuja categoria ontológica é STATE, representa o estado
final da mudança e o sentido idiossincrático do verbo.

Assim, <FECHADO> toma Y como argumento e, por sua vez, BECOME toma o
constituinte semântico [Y <FECHADO>] como argumento.
V- Qual é a sintaxe da metalinguagem de decomposição de predicados? Mostre no
exemplo acima um metapredicado e seus argumentos. O que seria um modificador
na estrutura?

Segundo Cançado e Amaral (2016), a sintaxe da metalinguagem de decomposição de


predicados estabelece que os predicados pedem um ou dois argumentos para terem o
seu sentido completo, e, além disso, também podem ser modificados. Utilizando o
exemplo da questão IV, do verbo fechar, pode-se dizer que temos a seguinte estrutura
de decomposição de predicados: [[X ACT vol] CAUSE [BECOME [Y <FECHADO>]]]
X e Y, nesse caso, são as variáveis, ACT, CAUSE e BECOME são os predicados
primitivos, que pede os argumentos X e Y para completarem o seu sentido e
<FECHADO> é a raiz, pois carrega o sentido idiossincrático do verbo. O modificador
dessa estrutura é volition.

VI- Para os verbos azulejar, aquecer, guardar e empacotar, determine: a sentença


que exemplifica o verbo, as propriedades que o classificam em determinada classe,
a sua estrutura de predicados e o nome da classe.
AZULEJAR:
Sentença que exemplifica o verbo:
O homem azulejou o chão do banheiro
Verbo de mudança de posse, ou seja, verbo de locatum.
Estrutura de decomposição de predicados: [[X ACT volition] CAUSE [BECOME [Y
POSS<THING>]]].
Coarse-grained : é biargumental, pois depende de dois argumentos em sua estrutura
para ter seu sentido completo, é agentivo, transitivo-direto, aceita passivização e é um
verbo de accomplishment.
AQUECER:
Sentença que exemplifica o verbo:
A cozinheira aqueceu a comida
Verbo de mudança de estado opcionalmente agentivo
Estrutura de decomposição de predicados: [[X ACT volition] CAUSE [BECOME [Y
<RESULT-STATE>]]].
Coarse-grained : é biargumental, pois depende de dois argumentos em sua estrutura
para ter seu sentido completo, é causativo, transitivo-direto e é um verbo de
accomplishment.
O verbo aquecer apresenta volição opcional no primeiro argumento do verbo em sua
forma transitiva, mas pode também ocorrer com o clítico “se” na forma intransitiva.
GUARDAR:
Sentença que exemplifica o verbo:
A cozinheira guardou o feijão no pote
Verbo de mudança de estado locativo.
Coarse-grained : é triargumental, pois depende de três argumentos em sua estrutura
para ter seu sentido completo, é agentivo, aceita passivização e é um verbo de
accomplishment.
Estrutura de decomposição de predicados: [[X ACT volition] CAUSE [BECOME
[Y<RESULT- STATE>]LOC Z]]].
EMPACOTAR:
Exemplo de sentença que exemplifica o verbo:
O viajante empacotou suas roupas
Verbo de mudança de lugar, location.
Coarse-grained: é biargumental, pois depende de dois argumentos em sua estrutura para
ter seu sentido completo, é agentivo, transitivo-direto, aceita passivização e é um verbo
de accomplishment.
Estrutura de decomposição de predicados: [[X ACT] CAUSE [BECOME [Y
LOC<THING>]]]

VII- Quais as vantagens em se usar a linguagem de decomposição de predicados


para representar a estrutura argumental de verbos em relação à grade de papéis
temáticos?

Uma das vantagens em se usar a linguagem da decomposição dos predicados, em


relação à grade de papéis temáticos, para representar a estrutura argumental de verbos é
que a estrutura de decomposição de predicados é mais sucinta e não se baseia nas
definições, às vezes problemáticas, dos papéis temáticos. Além disso, há verbos que,
apesar de apresentarem a mesma grade temática, possuem propriedades muito
diferentes, que só podem ser percebidas a partir da decomposição de predicados.
Considerando, por exemplo, os verbos ensacar e emplacar em uma abordagem de
papéis temáticos, os dois possuem a mesma grade {Agente, Paciente}. Caso se optasse
por decompor também a propriedade de afetado, teríamos também uma representação
idêntica para os dois verbos: {Desencadeador/Controle, Afetado}. No entanto, esses
dois verbos, ensacar e emplacar, apesar de apresentarem a mesma grade temática,
possuem propriedades muito diferentes. Há, por exemplo, diferenças no que se refere ao
adjunto SP cognato, que no caso de ensacar pode ser nucleado por uma preposição
locativa, e no caso de emplacar não pode ser nucleado por uma preposição locativa, só
aceitando a preposição “com”.
Ensacar é um verbo que indica uma relação de mudança de lugar, já que ele se refere a
colocar X dentro de um saco, já o verbo emplacar indica uma relação de posse, pois ele
se refere a colocar placa no objeto. Utilizando a linguagem de decomposição de
predicados, cada um desses verbos seria representado de forma diferente: ensacar: [ [ X
ACT volition ] CAUSE [ BECOME [Y LOC ] ] ] , emplacar: [[X ACT volition]
CAUSE [ BECOME [Y POSS ] ] ]. Em cada estrutura, o argumento de BECOME é
diferente. No exemplo de ensacar, o argumento de BECOME é [Y LOC] e o predicado
primitivo LOC indica uma relação de locação, isto é, Y passa a estar em algum lugar. Já
em emplacar, o argumento de BECOME é [Y POSS] e o predicado primitivo POSS
indica que Y passa a ficar com algo. Desse modo, pode-se dizer que por meio dos
diferentes argumentos de BECOME, é possível captar as diferenças entre os dois verbos
apresentados. São essas informações que dividem os verbos em classes mais específicas
e que são capazes de prever as diferenças de comportamento entre eles. Essa é uma das
vantagens da utilização de uma abordagem de representação lexical por decomposição
de predicados, já que somente pelos papéis temáticos não é possível perceber essas
nuances. Além disso, a linguagem da decomposição de predicados permite representar
não somente as relações semânticas estabelecidas entre argumentos e predicados, mas
também a estrutura dos eventos, de onde se pode derivar o aspecto lexical, sendo
também uma grande vantagem em relação aos papéis temáticos, que não dizem sobre a
estrutura dos eventos.

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