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Memorial do Convento

Memorial do Convento constitui um montanha de penas, enquanto os


memorial da época, mas pode ser percevejos começam a sair das fendas, dos
considerado como um romance do tipo refegos, e se deixam cair do alto dossel,
social, na medida em que é feita a análise assim tornando mais rápida a viagem.
das condições sociais, morais e económicas D João também sonhará esta noite, nos
da corte de D. João V e do povo. seus aposentos. Sonhará com o filho que
poderá advir da promessa da construção do
convento de Mafra.
Resumo da Obra
Capítulo I
Capítulo II
Já há dois anos que D. João V está
casado com D. Maria e até agora ela ainda Se a conceção da rainha ocorresse, seria
não engravidou. A rainha reza novenas e, vista como mais um entre os vários milagres
duas vezes por semana, recebe o rei nos seus tradicionalmente relacionados à ordem de
aposentos. São Francisco.
Quando ambos se casaram, o rei Diz-se, por exemplo, que um tal frei
dormia com a rainha todos os dias, mas Miguel da Anunciação, mesmo depois de
devido ao cobertor de penas que ela trouxe morto, conservara o seu corpo intacto
da Áustria e porque com o passar do tempo, durante dias, atraindo, desde então, uma
os odores de ambos faziam com que o grande quantidade de devotos para a sua
cobertor ficasse com um cheiro igreja.
insuportável, o rei deixou de dormir com a Noutra ocasião, a imagem de Santo
rainha. António, que vigiava uma igreja
El-rei está a montar em puzzle a Basílica franciscana, locomovera-se até à janela,
de S. Pedro de Roma para se distrair e onde ladrões tentavam entrar, pregando-
porque gosta. Mas a rainha está á espera do lhes assim um grande susto.
rei para que ele cumpra o seu dever Este caíra ao chão, tendo sido socorrido
conjugal. E para os aposentos da rainha o por fiéis, onde acabou por se recuperar.
rei se dirige, mas, entretanto, chegou ao Outro caso, é o do furto de três
castelo D. Nuno da Cunha, bispo lâmpadas de prata do convento de S.
inquisidor, e traz consigo um franciscano Francisco de Xabregas no qual entraram
velho. gatunos pela claraboia e, passando junto à
Afirma o bispo que o frei António de S. capela de Santo António, nada ali
José assegurou que se o rei se dignasse a roubaram.
construir um convento em Mafra, teria Entrando na igreja, os frades deram
descendência. Enquanto isso, a rainha com ele às escuras, e verificaram que não
conversa com a marquesa de Unhão, rezam era o azeite que faltava, mas as lâmpadas
jaculatórias e proferem nomes de santos. que haviam sido levadas; os religiosos ainda
Após a saída do bispo e do frei, o rei puderam ver as correntes de onde pendiam
anuncia-se e, consumado o acto, D. Maria as lâmpadas se balançando e saíram em
tem que "guardar o choco", a conselho dos patrulhas pelas estradas, atrás dos ladrões.
médicos e murmura orações, pedindo ao Desconfiados de que os ladrões
menos um filho que seja. D. Maria sonha pudessem estar ainda escondidos na igreja,
com o infante D. Francisco, seu cunhado e deram a volta, percorreram-na e só então,
dorme em paz, adormecida, invisível sob a
viram que no altar de Santo António, rico Passada a Quaresma, todas as mulheres
em prata, nada havia sido mexido. retornaram para a reclusão das suas casas.
O frade, inflamado pelo zelo, culpou
Santo António por ter deixado ali passar
alguém, sem que nada lhe tirasse, e ir roubar
Capítulo IV
ao altar-mor: O frade deixou que o Menino
"como fiador", até que o santo se dignasse a Baltasar regressa a Lisboa, vindo da
devolver as lâmpadas. guerra, onde perdeu a mão esquerda numa
Dormiram os frades, alguns temerosos batalha contra Espanha, para decidir a
que o santo se desforrasse do insulto... quem pertencia o trono espanhol.
Na manhã seguinte, apareceu na Ao voltar a Lisboa traz consigo os ferros
portaria do convento um estudante que, que mandara fazer para substituir a mão
querendo falar ao prelado (bispo), revelou que perdera na guerra.
estarem as lâmpadas no Mosteiro da A caminho de Lisboa Baltasar mata um
Cotovia, dos padres da Companhia de homem de dois que o tentaram assaltar.
Jesus. Não sabia se ficaria em Lisboa ou se
Desta forma, faz-nos desconfiar que o seguiria para Mafra onde estavam os seus
tal estudante, apesar de querer ser padre, pais, enquanto não se decide vagueia pelas
fora o autor do furto e que, arrependido, ruas da capital, onde conhece João Elvas,
deixara lá as lâmpadas, por não ter coragem que também fora soldado, com quem passa
de as devolver pessoalmente. a noite junto de outros mendigos num
Voltaram as lâmpadas a S. Francisco de telheiro abandonado.
Xabregas, e o responsável não foi Antes de dormirem todos contaram
descoberto. histórias de assassinatos e mortes que
De referir, que o narrador volta ao caso ocorreram na cidade, as quais compararam
do frei António de S. José, e faz-nos de com mortes que alguns presenciaram na
novo desconfiar de que o frei, através do guerra.
confessor de D. Maria Ana, tinha sabido da
gravidez da rainha muito antes do rei.
Capítulo V
Capítulo III
D. Maria Ana está de luto pela morte
do seu irmão José, imperador da Áustria.
Passado o "Entrudo", como de costume, Apesar de o rei ter declarado luto, a
durante a Quaresma as ruas encheram-se de cidade está alegre, pois vai haver um auto-
gente que fazia cada uma as suas de-fé.
penitências. É domingo e os moradores gostam de
Segundo a tradição, a Quaresma era a ver as torturas impostas aos condenados.
única época em que as mulheres podiam O rei não irá participar na festa, mas
percorrer as igrejas sozinhas e assim gozar jantará na inquisição juntamente com os
de uma rara liberdade que lhes permitia até irmãos, infantes e a rainha. Mesa recheada
mesmo encontrarem-se com os seus de comida, o rei não bebe, dando o
amantes secretos. exemplo.
Porém, D. Maria Ana não podia gozar Nas ruas o povo furioso grita
dessas liberdades pois, além de ser rainha, impropérios aos condenados e as mulheres
agora estava grávida. nas varandas guincham dizendo que a
Assim, tendo ido para a cama cedo, procissão é uma serpente enorme.
consolou-se em sonhar outra vez com D. Entre este mar de gente encontra-se
Francisco, seu cunhado. Sebastiana Maria de Jesus, mãe de
Blimunda, procurando sua filha. Sebastiana Homem primeiro tropeça, depois anda,
imaginava que Blimunda estaria também depois corre e um dia voará.
condenada a degredo. Baltasar dá a sua opinião
Acaba por ver a filha entre as pessoas argumentando que para o homem voar terá
que acompanham o auto, mas sabe que ela que nascer com asas.
não poderá falar-lhe, sob pena de O padre Bartolomeu alerta Baltasar
condenação. Blimunda acompanha o padre para o facto de ser um pecado ele dormir
Bartolomeu Lourenço. com Blimunda sem serem casados.
Perto dela está um homem, Baltasar Depois Baltasar e Bartolomeu vão para
Mateus, o Sete-Sóis, a quem ela se dirige e S. Sebastião da Pedreira para verem a
cujo nome procura saber. máquina que Bartolomeu inventou para um
Voltando a sua casa, Blimunda leva dia poder voar e à qual chamou passarola.
consigo o padre e deixa a porta aberta para Quando chegaram, Bartolomeu
que o recém conhecido também possa mostrou o desenho da passarola a Baltasar
entrar. Jantaram... explicando-lhe como é que tencionava fazê-
Antes de sair o padre deitou a bênção la voar.
em tudo o que cercava o casal. Blimunda Após a explicação, Bartolomeu pede-
convida Baltasar para que fique morando lhe para o ajudar na construção da
na sua casa, pelo menos até que ele tivesse passarola.
que voltar a Mafra. Inicialmente Baltasar mostra-se receoso
Deitaram-se, Blimunda era virgem e em aceitar a proposta, mas depois de
entrega-se a ele. Com o sangue escorrido ela Bartolomeu dizer que o facto de Baltasar ser
desenhou uma cruz no peito de Baltasar. maneta não tem importância, então este
No dia seguinte, ao acordar, Blimunda, aceita o desafio.
sem abrir os olhos, come um pedaço de pão
e promete a Baltasar que nunca o olharia
"por dentro".
Capítulo VII

Capítulo VI No início deste capítulo a falta de


dinheiro é o grande obstáculo que Baltasar
tem de ultrapassar para começar a
Este capítulo começa com Baltasar Sete- construção da passarola.
Sóis a realçar a importância do pão para os Então Baltasar começa a trabalhar para
portugueses e o facto dos estrangeiros que ganhar o dinheiro necessário para poderem
vivem em Portugal estarem fartos de comer realizar o seu sonho, fazer a passarola voar.
pão. No decorrer deste capítulo o narrador
Assim eles produziram e trouxeram dos relata os assaltos que os portugueses
seus países os seus alimentos e vendiam-nos sofreram durante as suas viagens marítimas.
muito mais caros sendo difícil aos Fala também sobre a gravidez de D.
portugueses comprarem-nos. Maria Ana que teve uma menina, embora
Depois Baltasar conta a história caricata D. João quisesse um rapaz; mas o mais
de uma frota francesa; quando ela chegou a importante é que a menina nasceu saudável.
Portugal, os portugueses pensavam que Na altura do nascimento a seca que
vinha invadir o nosso país, afinal tratava-se durava há oito meses acabou, vindo assim
de um carregamento de bacalhau. muita chuva.
No decorrer do capítulo Baltasar fala Mais à frente o narrador narra o
com o padre Bartolomeu Lourenço, batizado da princesa, a quem chamaram
Bartolomeu diz sonhar que um dia Maria Xavier Francisca Leonor Bárbara e no
conseguirá voar e disse a Baltasar que o fim deste capítulo anuncia a morte de Frei
António de S. José.
Capítulo VIII Apesar de não ter a mão esquerda,
Baltasar tem a ajuda de Blimunda, uma
mulher vidente.
Baltasar e Blimunda estão a dormir na El-rei que ainda gosta de brinquedos
sua cama. Entretanto Blimunda acorda, e protege o padre da Inquisição. Este decide
estende a mão para o saquitel onde partir para a Holanda, terra de muitos
costuma guardar o pão, mas apenas acha o sábios sobre alquimia e éter, elemento que
lugar; então procura por baixo do faz com que os corpos se libertem do peso
travesseiro e no chão, no entanto Baltasar da terra.
diz-lhe para não procurar mais, porque não Nesta altura as freiras de Santa Mónica
irá encontrar o pão. manifestam-se contra a ordem de D. João V
Blimunda com os olhos fechados, de que elas só podem falar com familiares.
tapando-os com as mãos, implora a Baltasar O padre abençoou o soldado e a
para que lhe de o pão, mas este só lhe dará vidente, despediu-se e partiu, deixando a
o pão depois de Blimunda lhe contar que quinta e a máquina de voar ao cuidado
segredos esconde. deles. Antes de partir para Mafra, o par
Esta tenta sair da cama, mas Baltasar decide não ir ao auto-de-fé e vão assistir às
não deixa, e acaba por haver um conflito touradas, que é um bom divertimento.
entre eles e ele acaba por lhe dar o pão. As touradas é como assar o touro em
Passados uns breves momentos após vida, tortura-se o touro enquanto o público
Blimunda ter comido o pão virou-se para aplaude a mísera morte.
Baltasar e diz-lhe: "Eu posso ver as pessoas Cheira a carne queimada, mas o povo
por dentro, mas só o faço quando estou em nem nota pois está habituado ao churrasco
jejum e promete nunca ver Baltasar por do auto-de-fé.
dentro. Na madrugada seguinte Baltasar e
Ele não acredita. Então ela diz a Baltasar Blimunda partem para Mafra com uma
que lhe irá provar, que no dia seguinte trouxa e alguma comida.
quando acordassem iriam os dois à rua e ele
iria atrás para que Blimunda não o pudesse
ver, e Blimunda iria à frente de olhos
Capítulo X
fechados e que lhe diria o que veria por
dentro das pessoas, o que estaria no interior Baltasar e Blimunda chegam a Mafra
da terra, por baixo da pele e até por baixo a casa dos pais de Baltasar, mas só
das roupas, mas tudo isto acabaria quando encontram sua mãe em casa; o pai foi
o quarto da lua mudasse. E assim foi... trabalhar.
Entretanto nasceu o infante D. Pedro, Sua mãe fica chocada por ver seu
segundo filho dos reis D. João e D. Maria filho e ver que tinha perdido a mão.
Ana Josefa. Blimunda fica entre portas a espera que seu
marido chame para conhecer a sua nova
Capítulo IX família.
Ela entra e fica a falar um pouco com
sua sogra.
Baltasar e Blimunda mudam-se para a No fim do dia chega o seu pai João
quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião Francisco e conversam sobre o que tinha
da Pedreira, para trabalhar na construção acontecido na guerra. Blimunda fala um
da máquina de voar do Padre Bartolomeu pouco sobre a sua família e a uma dada
Lourenço. altura diz que sua mãe foi degredada
porque a tinham denunciado ao Santo
Oficio.
O pai de Baltasar fica preocupado, Capítulo XI
porque pensa que ela é judia ou cristã nova,
mas Baltasar diz ao seu pai que sua sogra
tinha sido degredada por ter visões e ouvir O padre Bartolomeu regressou da
vozes, diz ainda que pretendem ficar em Holanda, não sabemos se trouxe ou não os
Mafra e que estão a pensar em comprar segredos que buscava.
casa. Foi à Quinta de S. Sebastião da
Seu pai conta-lhe que vendeu as terras Pedreira; três anos inteiros haviam se
que tinha na vela, ao rei, porque queria passado e tudo estava abandonado, o
construir um convento de frades. material que trabalhara disperso pelo chão,
João e Sete-Sois foram à salgadeira e "ninguém adivinharia o que ali andar
tiraram um bocado de toucinho, que perpetrando."
dividiram em quatro tiras e colocaram uma O padre vê rastos de Baltasar, mas não
em cada fatia de pão e distribuíram por vê os de Blimunda e julga que ela morrera.
todos. Depois, parte para Coimbra, não sem
Ficam a olhar Blimunda para verem se antes passar por Mafra, onde vai ver os
ela come a sua fatia, seu pai já podia tirar homens que iniciam o trabalho do
sua dúvida se ela era ou não judia, mas ela Convento.
come-a e assim o sogro fica mais Procurou por Baltasar e Blimunda,
descansado. junto do pároco que informa que os casara
Baltasar diz a seu pai que precisa de em Lisboa. Blimunda veio abrir a porta e
arranjar um emprego para si e para sua reconheceu-o pelo vulto, quando
mulher, todos ficaram com dúvidas se ele desmontava.
conseguiria arranjar trabalho devido à mão. Beijou-lhe a mão. Marta Maria
No outro dia, conheceram a nova estranhou que a sua nora fosse abrir a porta
parente, Inês e seu marido que falaram a quem não batesse ainda.
sobre a morte do filho do el-rei e do seu Mais tarde, chegam Baltasar e o pai e
filho que está doente. Baltasar caminha aquele, por convivência com Blimunda, ao
sobre as terras da vela e relembra os ver a mula adivinha tratar-se do padre.
momentos que ali passou, encontra o seu Marta Maria, que já desconfiava ter uma
cunhado e conversa sobre o convento que "nascida" (tumor) no ventre, lamenta nada
ali se construirá, e sobre os frades que irão ter a oferecer ao padre, nem comida, nem
vir viver para ali. abrigo para passar a noite.
Ao chegar a casa encontra sua mãe a O padre Bartolomeu dorme na casa do
falar com sua mulher sobre a rainha que pároco e, pela madrugada, chegam
agora visita muitas igrejas e muitos Blimunda e Baltasar. Ela sem comer.
conventos onde reza pelo seu marido que Bartolomeu ama-os, eles sabem;
está muito doente. Baltasar pergunta se o éter é a alma e o
D. Maria fica em Lisboa a rezar padre diz que não, que é da vontade dos
enquanto seu marido se acaba de curar vivos que ele se compõe. Blimunda
naqueles campos de Azeitão, onde os espantou-se e o padre pediu que ela o
franciscanos da Arrábida estão a assistir. olhasse por dentro. Ela viu uma nuvem
O infante D. Francisco sozinho em escura, à altura do estômago.
Lisboa tenta fazer a corte a sua cunhada Era da vontade, diferente da alma, o
deitando contas à morte do rei. que faria voar a passarola. Bartolomeu
D. Maria diz-lhe que seu marido ainda montou na mula, disse que ia a Coimbra e
não morreu e que não pensa em se casar de que, quando voltasse a Lisboa, mandaria
novo. avisar os dois para que lá estivessem.
Baltasar ofereceu o pão a Blimunda, Quando Bartolomeu de Gusmão
mas ela pediu, primeiro, para ver a vontade chegou e viu o fole pronto, peça por peça
dos homens que trabalhavam no convento. desenhada e feita por Sete-Sóis, ficou
contente e disse; "Um dia voarão os filhos
do homem."
Capítulo XII Encomendou a Blimunda duas mil
vontades dos homens e mulheres que
O filho mais velho de Inês Antónia e morreriam a fim de que, junto com âmbar
Álvaro Diogo morreu há três meses de e imãs, pudessem fazer subir a nau que
bexigas; Álvaro tem a promessa de construíam.
conseguir emprego na construção do O padre distribui tarefas, indica a Sete-
convento; Marta Maria sofre de dores Sóis onde comprar ferro, vime e peles para
terríveis no ventre. os foles, pede segredo absoluto de tudo o
João Francisco está infeliz porque o que estão a fazer.
filho partirá novamente para Lisboa, e o Trabalham na passarola quase um ano
convento dará trabalho a muitos homens. inteiro, procissões passam em delírio pelas
Blimunda foi à missa em jejum e viu que ruas, povo misturado ao clero, clero
dentro da hóstia também havia a tal nuvem misturado aos nobres.
fechada, vontade dos homens...
O padre Bartolomeu de Gusmão Capítulo XIV
escreve de Coimbra e diz ter chegado bem,
mas agora viera uma nova carta para que
seguissem para Lisboa "tão cedo pudessem". O padre Bartolomeu Lourenço voltou a
Partiram em dois meses, porque o rei Coimbra já doutor em cânones, e agora
vinha a Mafra inaugurar a obra do pode ser visto na casa de uma viúva.
convento. Sete-Sóis e Blimunda D. João manda vir da Itália o maestro
conseguiram lugar na igreja. barroco Domenico Scarlatti, a fim de dar
No dia seguinte formou-se a procissão, lições de música à sua filha, a infanta D.
o rei apareceu. A pedra principal foi Maria Bárbara. Scarlatti e Bartolomeu
benzida; foi tanta a pompa que se gastaram tornam-se amigos, partilhando as mesmas
nisso duzentos miI cruzados. ideias e sonhos.
Partiram Baltasar e Blimunda para Confiante em Scarlatti, o padre leva-o a
Lisboa. A mãe Marta Maria despede-se do S. Sebastião da Pedreira e apresenta os
filho dizendo que não o tornará a ver. amigos e a passarola a Scarlatti. Blimunda
Blimunda e Sete-Sóis dormem na estrada. chega da horta trazendo "brincos de cereja",
Por fim chegaram à quinta onde esperariam a fim de brincar com Baltasar.
o padre voador. Mal chegaram, choveu. Quando os viu, o músico pensou:
Vénus e Vulcano...
O padre diz a Scarlatti que ele e Baltasar
Capítulo XIII têm ambos 35 anos e que não poderiam ser
pai e filho.
Os arames e os ferros enferrujaram-se e Mas poderiam ser irmãos, portanto,
os panos da passarola cobrem-se de mofo; desde o começo da história, o tempo que se
o vime, ressequido, destrança-se. passou pode ser contado, nove anos.
Baltasar experimenta os ferros, tudo Mostrada a passarola por dentro, retira-
perdido, é melhor começar outra vez. se Scarlatti, mas promete voltar e trazer o
Enquanto o padre não chega, constrói- cravo, que tocará enquanto Blimunda e
se a forja, vão a um ferreiro e vêm como se Baltasar trabalham.
faz o fole. O padre lá permaneceu, onde treinou o
seu sermão para que os dois ouvissem.
Discutem sobre Deus uno, trino. Blimunda máquina de voar, está pronta. Em S.
adormeceu com a cabeça apoiada no Sebastião da Pedreira, Baltasar e Blimunda,
ombro de Baltasar. têm de deixar a quinta que foi perdida por
Um pouco mais tarde ele levou-a para El-rei para o Duque de Aveiro.
dormir. O padre saiu para o pátio, e toda a O Padre Bartolomeu Lourenço,
noite ali permaneceu, tomado por aguarda a vinda de El-rei para provar a
tentações. máquina e quer dividir a glória e a fama do
seu invento com Blimunda e Baltasar.
Porém o Padre anda agitado e receoso
Capítulo XV de que o acusem de feiticeiro e judeu,
embora conte com o apoio de El-rei.
Scarlatti voltou muitas vezes à quinta e O tempo passa, El-rei não chega; já é
pedia que não parassem o trabalho; ali, em Outono e a máquina necessita de sol para
meio aos ruídos e grandes barulhos, se erguer do chão!
confusão, tocava o cravo. Certo dia, eis que o Padre Bartolomeu
Há um surto de varíola em Lisboa, Lourenço chega pálido e assustado dizendo
oriundo de uma nau vinda do Brasil. O que tinha de fugir, pois o Santo Ofício já
padre pede à Blimunda que vá à cidade e andava à sua procura para o prender!
recolha as vontades das pessoas. É assim que Apontou a passarola e disse que iriam
ela, em jejum, durante um dia inteiro se põe fugir nela!
a recolher tais vontades. Depois de preparada pedem ajuda ao
Um mês depois, são mais de mil Anjo Custódio para aquela "viagem"... e
vontades presas ao frasco em que Blimunda partiram pelos ares sacudidos pelos ventos
as recolhia. E quando a epidemia terminou, até onde o destino os quis levar.
ela tinha aprisionado duas mil vontades. Passam por momentos de medo,
Foi então que caiu doente. Nada a euforia, deslumbramento e felicidade,
curava da extrema magreza; mas um dia, considerando-se loucos. Lá do alto avistam
Scarlatti pôs-se a tocar e ela abriu os olhos e Lisboa, o Terreiro do Paço, as ruas, etc...
chorou. Nesta altura procuram o padre para o
O maestro veio, então, todos os dias, prender e percebem que este fugiu. A noite
quer fizesse chuva ou sol; e a saúde de chega, sem sol a máquina começa a perder
Blimunda voltou depressa. altitude.... Estão assustados.
Um dia, Baltasar e Blimunda vão a O Padre Bartolomeu Lourenço,
Lisboa e encontram Bartolomeu doente, resignado, espera o fim, mas Blimunda
magro e pálido. Parecia ter medo de algo. como que inspirada, consegue controlar a
máquina com a ajuda de Baltasar e evitam
o pior.
Capítulo XVI Uma vez em terra firme, deixam-se
escorregar para fora e consideram um
Neste capítulo, comenta-se fortemente milagre terem-se salvo sem qualquer
a governação do reino, criticando a ferimento.
maneira de se fazer justiça, onde o poder e Não sabem onde estão. O Padre acha
a riqueza se sobrepõem sempre àqueles que que vão encontrá-los e que morrerão.
nada têm nem podem... Blimunda e Baltasar, confiantes, acreditam
Até mesmo o destino, se calhar, foi que se se salvaram daquele perigo, salvar-
injusto ao deixar morrer afogado o Infante se-ão dos próximos, e estão prontos para
D. Miguel, poupando a vida ao seu irmão o fazer a máquina voar no dia seguinte.
Infante D. Francisco. Cansados e depois de comerem algo,
Entretanto, criada pelo Padre adormecem, Blimunda e Baltasar.
Bartolomeu Lourenço, a passarola, a
O Padre está doente, tenta pegar lume onde tinha fugido e como não falavam de
na passarola, mas os dois não o permitem. Baltasar nem Blimunda resolveu vir a Mafra
Afasta-se para umas moitas e nunca mais é verificar se estavam vivos.
visto. Nessa noite soube-se que quando a
Baltasar vai procurá-lo, mas em vão. máquina caiu o padre havia fugido e nunca
Cobriram a máquina de ramos e folhas para mais voltara. No dia seguinte Scarlatti partiu
impedi-la de voar. para Lisboa.
Na manhã seguinte, desceram pelo
mesmo sítio onde o Padre desaparecera sem
deixar rasto, mas nem sombra dele. E lá
Capítulo XVIII
partiram os dois.
Ao fim de dois dias chegam a Mafra, D. João V estava sentado numa cadeira
onde havia uma Procissão na rua que dava escrevendo os seus bens e riquezas no rol.
graças a Deus por haver mandado voar El-rei meditou acerca do que iria fazer
sobre as obras da Basílica o seu Espírito às tão grandes somas de dinheiro, chegando
Santo!... à conclusão que a alma seria a primeira
atenção, mandando construir o convento
Capítulo XVII de Mafra, pagando com o ouro das suas
minas e fazendas.
Todos os materiais utilizados no
Numa altura em que se passam tantos convento eram de qualidade. De Portugal a
prodígios, Blimunda e Sete-Sóis têm que pedra, o tijolo e a lenha para queimar, o
guardar segredo porque se assim não fosse arquiteto alemão, italianos mestres dos
algo lhes aconteceria. carpinteiros e da Holanda os sinos e os
Na casa dos pais de Baltasar, o par carrilhões.
estava infeliz pela perda da mãe, mas Inês O convento levou 8 anos a ser
Antónia contou-lhes maravilhada os construído.
benefícios do Espírito Santo. Blimunda, Inês Antónia, Álvaro Diogo
No dia seguinte Baltasar saiu de casa e o filho esperavam Baltasar, para jantarem
com o cunhado à procura de emprego na com o velho João Francisco que mal mexe
obra de construção do convento. as suas pernas.
A Mafra chegou notícias que tinha Acabado o jantar Álvaro Diogo dorme
ocorrido um pequeno terramoto em Lisboa a sesta. Baltasar bebe desde que soube da
derrubando beirais e chaminés. Passados morte do padre Bartolomeu Lourenço e da
mais de dois meses, Baltasar e Blimunda sua passarola, foi um choque muito grande.
foram viver para Mafra. Baltasar e seus amigos conversam acerca
Baltasar fez uma jornada e foi ver que a das suas vidas e falam de como eram as suas
máquina de voar estava no mesmo sítio, na vidas antes de trabalharem em Mafra.
mesma posição, descaída para um lado e Baltasar tem 40 anos, sua mãe já
apoiada na asa debaixo de uma cobertura morreu e seu pai mal pode andar. Esteve na
de ramagens já secas. guerra e aí perdeu a sua mão, voltando a
Dois meses mais tarde, Blimunda vem Mafra mais tarde.
esperá-lo ao caminho e conta-lhe que Sete Sois comenta que nem sabe se
Scarlatti está na casa do Visconde. Scarlatti perdeu a sua mão na guerra ou se foi o Sol
tinha feito um pedido ao rei para poder que a queimou, porque afirma que subiu
visitar as obras do convento e o Visconde uma serra tão alta que quando estendeu a
hospedarão, apesar de não gostar de mão tocou no Sol e queimou-o.
música. Seus colegas comentaram que era
Scarlatti disse a Baltasar que o padre impossível visto que só tocaria no Sol 'Se
Bartolomeu teria morrido em Toledo para
voasse como os pássaros, ou então seria Capítulo XX
bruxo.
Baltasar nega dizendo que não é bruxo Era a sexta ou sétima vez que Baltasar
e também diz que ninguém o ouviu dizer se deslocava a Monte Junto para consertar
que voou. a máquina que se ia destruindo com o
tempo. Mesmo protegida por mato e
Capítulo XIX silvado, as lâminas da máquina voadora
ficavam enferrujadas.
Baltasar aproveitava a viagem para
Durante muito tempo Baltasar puxou e colher vimes, que serviam para consertar os
empurrou carros de mão e um dia, com a rasgões que encontrava no entrançado da
ajuda de João Pequeno, puxou uma junta máquina.
de bois, fazendo companhia ao seu amigo Chegou o dia em que Blimunda decidiu
corcunda. acompanhar Baltasar na viagem.
Houve notícia que era preciso ir a Pêro Justificando-se que gostaria de conhecer
Pinheiro buscar uma pedra muito grande o percurso para o caso de necessitar
que lá estava. deslocar-se até ao local sozinha poder fazê-
Construíram lá um carro para carregar lo sem problemas.
a pedra, como se fosse uma nau da Índia Puseram-se a caminho depois das
com calhas. Foram para lá 400 bois e mais despedidas, com o burro que Baltasar
de vinte carros. arranjara para os ajudar na longa viagem
Ao amanhecer os homens partiram para que tinham pela frente.
cumprir 3 léguas até onde estava a pedra. Foram passando pelas vilas que
Diziam que nunca tinham visto uma coisa Blimunda ia decorando, até chegarem ao
como aquelas. destino.
Escavaram junto à pedra de forma a Durante o dia tentaram consertar a
levá-la inteira para Mafra. A pedra vinha máquina até ao pôr-do-sol. Passaram a
puxada a braços e Baltasar viu, num átimo noite na passarola e voltaram no dia
de segundo, sangue e viu que um dos seguinte a Mafra.
homens se ferira. Mesmo depois da longa viagem ainda
No primeiro dia não andaram mais de não tinham passado pelo pior, pois foi à
500 passos. No segundo dia foi pior porque hora do jantar, quando todos se juntaram,
o caminho era a descer e foi preciso meter que morreu o pai de Baltasar, João
calços nos carros. Francisco.
Um homem chamado Francisco
Marques morreu atropelado por um carro,
a roda passou-lhe sobre o ventre, quando
Capítulo XXI
chegou ao fundo do vale, o carro que
transportava a pedra desandou atingindo 2 D. João V queria construir uma basílica
animais, a seguir tiveram que os matar. de S. Pedro em Lisboa, mas o arquiteto de
Gastaram 8 dias entre Pêro Pinheiro e Mafra, que foi chamado pelo rei, João
Mafra, quando chegaram parecia que Frederico Ludwig, aconselhou-o a não
tinham vindo da guerra, vinham sujos e construir a basílica, porque demorava muito
esfarrapados. Todos se admiraram com o tempo a construir e D. João V poderia já
tamanho da pedra. não estar vivo quando acontecesse a
inauguração desta.
O rei decidiu aumentar o convento de
Mafra de oitenta para trezentos frades, e
assim foi, foram chamados o tesoureiro, o
mestre dos carpinteiros, o mestre dos construído em sua honra (por causa do seu
alvenéus, o abegão-mor e o engenheiro das nascimento).
minas.
Então começaram as obras, mas depois Capítulo XXIII
o rei decidiu que a inauguração do novo
convento seria no dia dos seus anos, que
calhava num domingo, daí a dois anos; De Portugal todo chegam homens e são
após essa data, o seu próximo dia de anos, escolhidos um por um.
que calhasse num domingo só seria daí dez A infanta Maria Bárbara casa-se com
anos e poderia ser muito tarde. Fernando de Espanha. Esta é a marca do
Como dois anos seria pouco tempo tempo narrativo de Saramago, ou seja, os
para a construção do novo convento, D. factos históricos.
João V mandou os seus homens irem buscar O noivo é dois anos mais novo que a
outros homens a todas as partes do país; noiva, e ele nunca poderá vir a ser rei,
estes eram recrutados contra a sua vontade, porque este é o sexto na linha sucessória.
como escravos, indo assim trabalhar para as Domenico Scarlatti toca no seu cravo
obras do convento, para este estar pronto a para a multidão de ignorantes, por ocasião
tempo. do casamento da Infanta Dona Maria
Alguns destes homens chegaram até a Bárbara, na fronteira com a Espanha.
morrer com fome e perdidos a tentar voltar Aqui, neste capítulo, o narrador
para casa. menciona a procissão que levará os santos
para serem colocados nos altares do
convento de Mafra: S. Francisco, Santa
Capítulo XXII Teresa, Santa Clara, S. Vicente, S. Sebastião
e Santa Isabel. Seguem também para Mafra
Este capítulo versa essencialmente sobre frei Manuel da Cruz e os seus noviços;
as famílias reais portuguesa e espanhola. trinta, e ali, quando chegam cansados, são
Desde muito cedo foram organizados recebidos em triunfo.
casamentos entre as duas como os que Baltasar vai para casa, o narrador
agora se vão realizar, o de Maria Vitória, anuncia-nos que ele está muito debilitado.
espanhola, que casou com o português José Depois já ceia, quando todos dormem,
e o de Maria Bárbara, portuguesa, com o Baltasar pega em Blimunda e leva-a a ver as
espanhol Fernando. estátuas, juntos, vêm a lua nascer enorme e
Maria Bárbara tem 17 anos, não é vermelha.
formosa, nem bonita, mas é boa rapariga. Ele anuncia-lhe que vai ao Monte Junto
No decorrer do capítulo apercebemo- na manhã seguinte, ver como está a
nos que iremos assistir ao percurso de Maria passarola.
Bárbara e da família real até Espanha, onde Ela pede-lhe para ter cuidado e ele
ela e vai casar. responde que ela fique sossegada, que o seu
Durante a viagem, a comitiva real passa dia ainda não chegou.
por várias cidades portuguesas e depara-se Olham os santos inertes, o que seria
com alguns problemas, principalmente os aquilo? Morte, santidade ou condenação?
meteorológicos, visto a chuva tornar os Quando amanheceu, Blimunda
caminhos muito complicados para passar. levantou-se e juntou comida para o farnel
Também podemos referir a construção do marido que ia ao Monte e acompanhou-
de várias propriedades reais para que se o até fora da vila: "Adeus Blimunda, Adeus
pudessem acolher durante a viagem. Baltasar", e separaram-se.
É de salientar que Maria Bárbara vai Ao chegar ao lugar onde estava a
para Espanha sem nunca ter visitado o passarola, Baltasar come as sardinhas que
convento de Mafra que estava a ser
Blimunda lhe tinha colocado no alforge: indecisos se aquilo que dizia era ou não falta
havia tanto trabalho a fazer... de juízo completo.
Passou a ser chamada de A Voadora, e
sentava-se, então, às portas, ouvindo as
Capítulo XXIV queixas das mulheres que lamentavam,
depois, que os seus homens não tivessem
Baltazar não voltou para casa, o que fez também desaparecido, para que elas
Blimunda não dormir aquela noite. pudessem, ao menos, devotar-lhes um
Esperara que ele voltasse ao cair do dia, amor tão grande como o de Blimunda a
haveria os festejos da sagração da basílica, Baltazar. E os homens, quando ela partia,
mas ele não voltara. ficavam tristes inexplicavelmente tristes.
Em jejum, olhando as pessoas que Voltava aos lugares por onde passara,
passavam para a festa, estava sentada numa sempre perguntando. Seis vezes passara por
vala e ali ficou, vendo o que os que Lisboa, esta, a que vinha agora, era a sétima.
passavam carregavam por dentro; Sem comer, o tempo era chegado para ela.
recebendo insultos, dizendo outros. Voltou No Rossio, finalmente encontrou Baltazar.
para casa, ceou com os cunhados e o Havia lá um auto-de-fé. Eram onze os
sobrinho. Não conseguiu dormir. condenados à fogueira; entre eles, estava
Não verá o rei quando ele vier a Mafra, António José da Silva, o Judeu,
vai esperar Baltazar pelos caminhos, comediógrafo autor das Guerras de Alecrim
desesperadamente tentando encontrá-lo, e Manjerona e Baltasar, ela olhou-o,
chegou até ao Monte Junto e encontra o recolheu a sua vontade, porque ele lhe
alforge, mas nem sinal de Baltasar nem da pertencia.
passarola, chora sem saber se ele morreu ou
vive. As Transgressões na obra
Encontra um frade que tenta violá-la e
mata-o com o espigão de Baltazar. Parte em
busca do seu amado. Transgressão do código religioso:
Voltou a Mafra pensando que se
tinham desencontrado, mas ele não estava Sumptuosidade do convento vs a
lá. simplicidade e a humildade (essência dos
À tardinha, chegaram Inês António e valores cristãos);
Álvaro Diogo e encontraram-na a dormir. Recrutamento à força;
De manhã, ela esquece-se de comer o pão e Construção da passarola vs a proibição
vê-os por dentro. de ascender a um plano superior/divino - 4
D. João V faz quarenta e um anos e é bases de solidez do projeto: Bartolomeu,
22 de outubro de 1730. Inaugura-se o Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
convento. A castidade vs as relações sexuais nos
conventos;
As estátuas dos santos vs a santidade
Capítulo XXV humana;
Missa, espaço de vivência espiritual vs
missa, espaço de namoros e de encontros
Durante nove anos, Blimunda andou
clandestinos;
pelos caminhos sempre à procura de
A bênção de Deus vs a bênção dos
Baltazar que sabia estar. Perguntou por ele
homens;
em todo o lado.
Funeral do Infante D. Pedro, espetáculo
Julgavam-na doida, mas ouvindo-lhe as
de pompa e circunstância vs funeral do
demais sensatas palavras e ações, ficavam
sobrinho de Baltasar, manifestação isolada
de dor.
Transgressão do código sexual:  Oposição entre opressores e oprimidos.

Sexo ritual protocolar para procriação Plano narrativo da construção da passarola:


vs sexo, entrega permanente e mútua de
corpos e almas. Construção de uma máquina capaz de subir
ao céu apenas com a vontade humana.
Transgressão linguística:
 Simboliza o espaço de sonho, criado
para alcançar a liberdade em tempos
Inversão de expressões bíblicas;
de Inquisição;
Jogos de palavras "os santos no
 Elogio do sonho de voar
oratório... não há melhor";
Desconstrução e reconstrução das
regras de pontuação;
Plano da narrativa da história de Baltasar e
Aforismos "Não está o homem livre... Blimunda:
com a verdade";
Confluência de registos de língua: Juntos, pelo amor, tornarão a terra
- Popular "Queres tu dizer na tua que habitável.
a merda é dinheiro, Não, majestade, é o
dinheiro que é merda";  Simboliza o verdadeiro amor,
- Familiar "correram o reino de ponta diferente do a mor do rei e da rainha.
a ponta e não os apanharam";
- Cuidado "Tirando as expressões As personagens em Memorial do
enfáticas esta mesma ordem já fora dada Convento
antes (...)".
As personagens dividem-se em
Transgressão ficcional: referenciais (históricas) e ficcionais.
As referenciais pertencem à História,
A Música vence a Doença; representam a classe dominante e o alto
A história vence a História; clero, mas são objeto de sátira.
O espaço da ficção é o espaço da As ficcionais são as personagens
Utopia, da Liberdade Suprema; criadas pelo autor que interatuam com as
O Sonho é a Transcendência Humana. reais tornando-se verosímeis. São símbolo
do contrapoder, do amor, do sonho e da
A ação em Memorial do Convento utopia.
A intencionalidade do autor
Plano da narrativa histórica: de Memorial do Convento é tornar
memorável o sofrimento e a dor, a tortura
Construção do Convento de Mafra e do e a tirania exercida sobre milhares de
povo que o construiu – resultado de uma homens que ajudaram a construir o
promessa do rei D. João V para que a rainha convento.
D. Maria de Áustria concebesse um A personagem central do romance é
herdeiro. o povo trabalhador, maltratado e a viver
em extrema pobreza.
 Simboliza o sofrimento e, até a morte, A individualização dos nomes,
do povo que trabalhou arduamente na pretende demonstrar que os trabalhadores
sua construção; eram seres humanos com rosto e vida
 É denunciado o sistema social e político, própria que renunciaram à sua identidade
com destaque para a exploração das para tornar possível a vontade do rei
classes desfavorecidas;
megalómano. sobressair os aspetos negativos deste
monarca. É apresentado como um rei
vaidoso, excentrico, superficial e adúltero.
Personagens Principais: As suas relações com a rainha surgem
apenas como cumprimento de um dever. O
 Baltasar rei simboliza o poder e a ordem, mas
 Blimunda também a indiferença perante o povo, que
 Padre Bartolomeu de Gusmão parece existir apenas para satisfazer as suas
 D. João V amabições.

D. Maria Ana de Áustria – Filha do


Personagens Secundárias: imperador Leopoldo I de Áustria, casou
com D. João V, a quem deu 6 filhos. Ao
 Sebastiana Maria de Jesus – mãe de longo da narrativa, d. Maria de Áustria é
Blimunda – condenada a ser açoitada apresentada como uma mulher devota,
em público e ao degredo pela submissa e medrosa, que reza novenas e se
Inquisição; culpabliza pela falta de um herdeiro. Trata-
 Ludovice – arquiteto do convento, de se de uma personagem sem grande
origem italiana; densidade psicológica.
 D. Nuno de Cunha – bispo inquisidor;
 Frei António de S. José – franciscano; Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão –
 Frei Boaventura de S. Gião – padre do Padre católico nascido no Brasil, veio para
paço; Portugal com o objetivo de aumentar os
 José, o imperador de Áustria; seus estudos. Inventou a passarola, projeto
 A princesa herdeira; que apresentou a D. João V, despertando o
 Domenico Scarlatti; seu interesse. No Memorial do Convento
 Infante D. Francisco; representa a sabedoria, o conhecimento
científico e o sonho de voar. Conta com a
 Gabriel;
ajuda de Blimunda e de Baltasar na
 Manuel Milheiro;
realização do seu sonho. Vive com medo da
 Leandro de Melo;
Inquisição, à qual consegue fugir graças à
 Casal Álvaro Diogo e Inês Antónia;
amizade com o rei, mas elouquece e acaba
 João Elvas; por morrer.
 João Francisco e Marta Maria;
 Povo (personagem coletiva); Domenico Scarlatti – Compositor iraliano
 Mulheres que surgem à janela; que vive em Portugal durante algum tempo
 Condenados pela Inquisição; e foi professor da infanta D. Maria Bárbara.
 Outros amigos e companheiros de de Distinguiu-se, principalmente como
Baltasar no trabalho de construção do organista e cravista. Em Memorial do
convento; Convento, associa-se ao projeto da
passarola e ajuda à elevação da máquina
Personagens históricas: voadora. A sua música tem poderes
curativos, pois salvam Blimunda.
D. João V – Rei de Portugal entre 1707 e
1750. Durante o seu reinado, tentou imitar Personagens fictícias:
o explendor da corte de Luís XIV. Mandou
construir o Convento de Mafra, uma obra Blimunda de Jesus – Blimunda Sete-Luas –
de grande importância, suportada pelas Possui o dom da clarividência. Em jejum,
remessas de ouro vindo do Brasil. Em consegue “ver por dentro” as vontades dos
Memorial do Convento, Saramago faz outros. Partilha com Baltasar um amor
verdadeiro e sem complexos que vai contra
os códigos establecidos. Quando a A ação desenvolve-se num espaço
passarola leva Baltasar, procura-o durante 9 temporal de, aproximadamente, 30 anos,
anos, até o encontrar de novo num auto de com o inicio por volta de 1711.
fé, em Lisboa. Ajuda na construção da Existem referências importantes, como
passarola com os seus poderes a bênção da primeira pedra do Convento
sobrenaturais, reunindo as vontades de Mafra (1717) e a sua sagração no 41º
necessárias para fazer erguer a máquina aniversário do rei D. João V (1730). Estas
voadora. Blimunda representa a vontade de datas permitem situar cronologicamente a
amar e acreditar para além das evidências. narrativa.
A ação termina em 1739, data em que
Baltasar Mateus – O sete-sois – Baltasar é a Blimunda encontra Baltasar num auto de
uma das personagens de densidade fé em Lisboa, juntamente com António José
psicológica da obra. Representa a miséria e da Silva, o Judeu, que de facto foi
a luta pela sobrevivência, numa época em executado nesse ano.
que o rei e os clérigos subjugam o povo às
suas vontades. Foi soldado na Guerra de Tempo do Discurso
Sucessão Espanhola, onde perdeu a mão
esquerda. Encontra, mais tarde, trabalho na
O tempo do discurso é organizado pelo
construção do Convento e conhece
narrador e detetado no próprio texto, pela
Blimunda num ato de fé. Com ela partilha
forma como relata os acontecimentos.
a mesma história de amor que serve de eixo É apresentado através da ordenação
à narrativa. No projeto da passarola, linear da diegese ou por alterações da
Baltasar representa o saber artesanal, pois
cronologia, por intermédio de analepse
vai ser ele quem vai realizar o trabalho de
(recuos) e prolepses (avanços).
construção da máquina voadora.

Em Memorial do Convento há uma Espaço em Memorial do Convento


evocação histórica de um espaço e tempo.
Pretende-se reconstituir um cenário da Espaço Físico
época através das procissões, autos de fé,
cortejos, touradas, festas e outeiros. Lisboa e Mafra são as cidades que
Os dois macro espaços fundamentais ao servem de cenário à ação principal, embora
desenvolvimento da ação são Lisboa as personagens passem por outros locais e
(espaço da corte, do poder) e Mafra encontremos relatos no texto dessa
(espaço da construção). passagem.
Os micro espaços abarcam zonas da Lisboa e Mafra são os macro espaços.
capital e arredores. Através de algumas Mafra é o espaço que faz a ligação com os
datas apontadas pelo narrador é possível factos históricos.
acompanhar a evolução cronológica da Os micro espaços relacionados com
narrativa, mas a evolução temporal é Mafra são o Alto da Vela (local escolhido
sugerida muito mais pelas transformações para a construção do Convento de Mafra),
sofridas pelas personagens, do que pelos Pero Pinheiro (palco do episódio do
marcos cronológicos. transporte de uma grande pedra para o
Convento), Serra do Barregudo, Serra de
Tempo em Memorial do Convento Montejunto e Torres Vedras.
Lisboa serve de palco e cenário das
Tempo da História – Diegese injustiças sociais.
Relacionados com Lisboa existem micro
espaços que se destacam, tais como o
Terreiro do Paço, o Rossio e São Sebastião
da Pesqueira (Local onde se construiu a cumprimento da vontade divina, à
passarola). construção da passarola, verdadeira
metáfora do homem que, pelo sonho e pela
Espaço Social vontade, se eleva acima da sua condição.
Os objetivos ideológicos da obra são a
É construído pelo relato de momentos denúncia e a crítica às mortes durante a
e o percurso de personagens representativas construção do convento de Mafra e o
de um grupo social. excesso de riqueza e luxo da corte e da
Por exemplo: Igreja.
- os autos da fé (Rossio) e as touradas A crítica e sátira social é feita à religião,
mostram os gostos desumanos e cruéis do ao clero, às ordens religiosas, ao povo, à
povo; prepotência do rei e às diferenças sociais.
- a morte dos condenados é festejada; Trata-se de uma caricatura da sociedade
-a procissão da quaresma (Lisboa) portuguesa do tempo de D. João V.
mostra os excessos praticados no Entrudo, a
penitência física; Dimensão simbólica
- o trabalho no convento simboliza o
espaço de servidão humana. Título “Memorial”
Espaço Psicológico Significa a grandiosidade e a tragédia;
Sugere memórias de um passado
O espaço psicológico é traduzido pela (construção do Convento de Mafra);
interioridade das personagens.
Revelado através de sonhos e Convento de Mafra
pensamentos.
Por exemplo: Uma promessa feita por D. João V. Este
- os sonhos de Baltasar quando lavrava projeto megalómano reflete um período de
o Alto da Vela; prosperidade económica para Portugal, e
- pensamentos do padro Bartolomeu simboliza a ambição desmedida deste
sobre o voo da passarola. monarca.
Paralelamente, o Convento de Mafra
Dimensão crítica enaltece a miséria e o grande sacrifício dos
homens que trabalharam na sua construção
O título Memorial do Convento tem para satisfazer um capricho do rei.
duplo valor simbólico: a evocação do
passado e o universo mágico criado pela Passarola
ficção.
Entrecruzam-se a grandiosidade do O padre Bartolomeu de Gusmão
poder absoluto, o sonho e a utopia. inventou o aeróstato e chamou-lhe
A dimensão simbólica da obra está na passarola (pássaro e balão).
reinvenção da História para fazer o leitor D. João V forneceu-lhe os meios
refletir sobre o momento presente e extrair económicos para a construção da máquina.
moralidade para o futuro. A construção de uma máquina
voadora, ainda que através de
Sátira e crítica social conhecimentos científicos, opunha-se à
intolerância religiosa da época. Padre
Em Memorial do Convento opõe-se Bartolomeu, por medo da Inquisição,
alegoricamente a desumana construção do acabou por fugir e enlouquecer.
colossal convento, imposta por
A construção da passarola e a realização cumplicidade do narratário, implicando-o
do sonho de voar, simbolizam a elevação no relato. Controla a ação, as motivações e
do Homem a uma dimensão divina. os pensamentos das personagens. Possui um
conhecimento intemporal: move-se entre o
Baltasar Sete-Sois e Blimunda Sete-Luas passado e o presente, e antecipa a futuro.
Exprime as suas reflexões e os seus juízos
Representam a totalidade e perfeição valorativos. Parodia o passado histórico.
(sol e lua); Assume uma postura de contrapoder:
Representam o amor e a dessacraliza o poder régio e o poder
complementaridade (masculino/feminino). religiosos e dá voz aos que não são
considerados heróis.
Números
O narrador é Heterodiegético e
omnisciente, recorrendo a prolepses para
Três – Representa a trindade terrestre
falar de acontecimentos futuros.
(Bartolomeu, Baltasar e Blimunda) - o trio
representa a amizade e a unidade, o saber, É um narrador com o dom da ubiquidade,
o trabalho e a magia. pois relata o que está dentro e fora das
personagens, sabe o antes e o depois.
Sete – Totalidade e perfeição.
Homodiegético (Focalização interna) –
Nove – Representa a gestação e a
Manifesta visões particulares da realidade
renovação (nove anos andou Blimunda à
de acordo com as suas características
procura de Baltasar).
psicológicas e sociais. Enquanto indivíduos
pertencentes a uma determinada classe
Música social (detentora de poder ou não),
apresentam ideias e valores distintos.
Apresenta um Poder Mágico (eleva o Utilizam registos particulares de
homem e revela poderes curativos). enunciação, apropriados às características
que representam enquanto personagens.
Vontades Constituem frequentemente os porta-vozes
dos juízos de valor do autor. Apelam à
Representam o espírito; cumplicidade do narratário, implicando-o
As vontades unidas na mesma causa no relato. Controlam a ação, as motivações
podem vencer a ignorância, o fanatismo e a e os pensamentos das personagens.
intolerância, elevando o homem a uma Ex. A mãe de Blimunda, o patriarca da
nova dimensão. cidade de Lisboa, o Rei, Manuel Milho, etc.

Cobertor Memorial do Convento constitui um


dos mais estrondosos sucessos
Marca o casamento real por editoriais dos anos 80. Inaugura, na
conveniência. vida do seu autor, um período de
enorme êxito, a nível nacional e
internacional. Na carreira de
Pluralidade de narradores romancista, José Saramago consolida
com Memorial do Convento alguns
Narrador dos carateres estilísticos e temáticos
com que se distinguirá no panorama
Heterodiegético (Focalização omnisciente) do romance contemporâneo.
– Constitui frequentemente o porta voz dos
juízos de valor do autor. Apela á
O estilo de José Saramago Discurso expressivo – hipérboles,
comparações, metáforas, personificações,
O estilo saramaguiano é de subversão paralelismo anafórico, enumerações;
de convenções, nomeadamente, na Discurso argumentativo – jogo de palavras
pontuação. e de conceitos, aproximação à prosa
O estilo oralizante aproxima narrador barroca – cultismo e concetismo;
e leitor. Pode-se ler Memorial do
Convento à luz da época e da estética Predomínio dos tempos verbais – presente
barroca. e futuro;
A imitação do estilo barroco está
presente na construção sintática, nas figuras Uso subversivo da maiúscula – no interior
conceptuais e nos exagerados ornamentos da frase, inserindo o discurso direto;
retóricos, que em muito contribuem para
Persuasão do leitor – descrições plásticas,
prender a atenção do leitor.
subjetivas, sugestões visuais, apelo a todos
Ao recriar, pelas técnicas da paródia e
os sentidos (imagens visuais, auditivas,
do pastiche, o cenário histórico, as
olfativas, gustativas e táteis);
temáticas e a linguagem da época,
Saramago cria o género romance na Riqueza da linguagem – pela capacidade de
literatura barroca. reinvenção da escrita, pelo tom de crónica
Este romance é um elogio ao barroco. histórica, pela ironia que desperta e
Começa nesta obra o trajeto novelístico de provoca o leitor, pelas reflexões, pelos
José Saramago, que adota uma técnica de momentos de intimidade poética;
texto corrido.
Esta técnica integra o discurso das Pontuação – no discurso direto (diálogo) há
personagens no discurso do narrador, por ausência do travessão e dos dois pontos.
vezes sem quebra de pontuação ou Substituição do ponto de interrogação e
adotando uma pontuação subjetiva. O outros sinais pela virgula. O início de cada
narrador, por sua vez, vai acentuando o fala assinalado apenas pela maiúscula.
carácter oral da sua voz e emite juízos de
Marcas de oralidade – Expressões triviais,
valor sobre o texto que escreve.
frases idiomáticas, provérbios, ditados
A ausência de pontuação contribui
populares, aforismos, humor, ironia.
para a pluralidade de vozes que ocorre em
diálogo no texto, criando uma espécie de Mistura de discursos – direto, indireto,
linguagem coral. indireto livre e monólogo, a lembrar a
tradição oral (contador e ouvintes
A linguagem em Memorial do interagem);
Convento Registos de língua – abunda o nível de
língua familiar.
Ironia – Na descrição inicial do rei e da
rainha, que tem como objetivo ridiculariza- Conclusão
los;
Este romance narra a proeza dos
Recurso à intertextualidade – através da
operários que construíram o Convento de
referência a outros escritores como Camões
Mafra e relata, paralelamente, a aventura
ou Fernando Pessoa;
de construção da passarola voadora pelo
Referências religiosas e bíblicas – dogmas de padre Bartolomeu Gusmão, ajudado por
fé, rituais religiosos, o sagrado e o profano Baltasar e Blimunda.
misturam-se;
Na abordagem do assunto Histórico,
a reconstituição do passado faz-se de forma
exata e documentada e combina-se
também, no real quotidiano, o sobrenatural
e o fantástico, problematizando o sentido e
o devir da ação humana.
A narrativa está focalizada na história
de amor de Baltasar Sete-Sóis, soldado
maneta a trabalhar no estaleiro do
convento, e de Blimunda Sete-Luas, uma
visionária que capta as vontades humanas.
Memorial do Convento começa com
personagens nobres, mas é o povo que o
narrador mais valoriza.
As personagens são as figuras do
puzzle, possibilitando a mistura dos limites
da realidade e da ficção. Há personagens da
História, personagens reinterpretadas na
ficção e personagens individuais e
coletivas.

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