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MULHERES // SÉCS.

XIII-XIV

RAINHA SANTA ISABEL era a filha mais velha de Pedro III O Grande
e de Constança de Hohenstaufen, prince-

Memória
sa da Sicília. Escolhida pelo rei português
D. Dinis, de entre um lote de possíveis can-
didatas, como a esposa ideal, casaram-se por

que não se apaga


procuração em Barcelona quando ela tinha
apenas 12 anos, e ele 21. Só se conheceram
pessoalmente quatro meses depois, no dia
de verão em que D. Dinis a foi esperar à raia
de Beira e se celebrou a boda em Trancoso.
Protagonista de uma das mais famosas histórias Daí a lenda do solar de A-de-Barros.
do folclore português, a mulher de D. Dinis Isabel de Aragão teve quatro filhos com
é «muito de nossa casa» D. Dinis, um dos quais o futuro rei Afonso
IV, e serviu de apaziguadora numa contenda

N
entre este e o pai que redundou em guerra
a velha estrada da Guarda a La- ver uma explicação: o milagre das rosas foi civil. Foi quando D. Dinis, já sexagenário,
mego, na aldeia de A-de-Barros, primitivamente atribuído à avó da nossa manifestou o desejo de ver suceder-lhe no
existe um solar do qual se conta Rainha Santa, Isabel da Hungria, casada trono não o filho que tivera com Isabel, mas
na região que foi onde D. Dinis com o landgrave Luís da Turíngia e tam- um outro Afonso, este de apelido Sanches,
e a Rainha Santa Isabel passa- bém ela canonizada pela Igreja Católica. que tivera com uma Aldonça Rodrigues da
ram a noite de núpcias. Como Quem formulou a pergunta desapiedada Talha e que chegara a nomear mordomo
o casamento em questão ocorreu em finais terá sido, pois, um príncipe alemão, e não da coroa, um cargo quase equivalente ao
do século XIII e a construção brasonada um rei português. A história tornou-se co- do atual primeiro-ministro. Despeitado,
de alvenaria de granito aponta para o sé- nhecida internacionalmente, e por cá não o filho legítimo entrou em conflito com o
culo XVII, a impossibilidade de o casal ali terão tardado a atribuir à neta o papel de- pai, tendo-se travado algumas escaramuças
ter pernoitado é manifesta. Mas a crença sempenhado pela avó. entre as hostes de ambos. A batalha final,
arreigada atesta a popularidade do casal porventura decisiva, iria desenrolar-se nos
D. Dinis–Isabel de Aragão (vulgo Rainha Saída noturna campos de Alvalade, a alguma distância
Santa), uma popularidade que tem resistido Mas quem foi esta Rainha Santa Isabel que das portas da Lisboa medieval mas hoje um
bem ao desgaste de 800 anos. persiste em manter-se lembrada? Infanta de bairro da cidade. Quando, após uma troca
Se ainda hoje se ouve por vezes dizer que Aragão, «espanhola» portanto, como hoje inicial de flechas, os exércitos de D. Dinis e
«el-rei D. Dinis fez tudo quanto quis», a diríamos, nasceu em Saragoça em 1270 e de D. Afonso se encontravam já alinhados
presença da Rainha Santa no folclore, essa, e prontos para o combate corpo-a-corpo,
é inquestionável. Não deve haver portu- surgiu a Rainha Santa montada numa mula
guês adulto que nunca tenha ouvido falar a interpor-se entre ambos. Logo os comba-
do «milagre das rosas». Segundo essa lenda, tentes baixaram os pendões e as lanças e, de
a rainha saiu numa manhã de inverno do joelho em terra, prestaram homenagem ao
castelo do Sabugal, onde na altura se en- vulto feminino
contrava com o marido – cognominado de Isabel de Aragão desenvolveu atividades
O Lavrador – levando embrulhados nas piedosas ao longo de toda a vida e sobreviveu
largas vestes pães para distribuir pelos 11 anos a um marido que lhe dava constantes
pobres da localidade. Mas eis que surgiu preocupações.
D. Dinis e lhe perguntou, de cenho franzido, Conta-se que não costumava sair depois
o que levava no regaço. «São rosas, senhor», do pôr-do-sol, mas certa vez decidiu proce-
respondeu D. Isabel. Desconfiado, o rei in- der de modo diferente. D. Dinis quase todas
sistiu: «Rosas no inverno?!...» A rainha O papel principal as noites se ausentava do palácio com um
abriu então o regaço e mostrou ao marido na famosa lenda grupo de homens de confiança. Chegou aos
o que ali estava: rosas, em vez dos pães que do Milagre das Rosas, ouvidos de Isabel que o marido visitava um
originariamente lá colocara. convento que o próprio fundara alguns anos
Esta historieta não se coaduna muito
que toda a gente antes. O objectivo seriam encontros galantes
com a ideia de um D. Dinis justo e bom conhece, é também com as senhoras que lá viviam. Na tal noite,
administrador (talvez amigo do povo) que atribuído a sua avó, Isabel e algumas damas de companhia mu-
ficou para a posteridade. Mas parece ha- Isabel da Hungria niram-se de archotes e, antecipando-se ao

8 VISÃO H I S T Ó R I A

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