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SOLARIZAÇÃO DO SOLO PARA CULTIVO DE HORTALIÇAS

Raquel Ghini

EMBRAPA Meio Ambiente, CP 69, CEP 13820-000, Jaguariúna, SP, Brasil. E-


mail: raquel@cnpma.embrapa.br

Introdução

As doenças de plantas causadas por microrganismos habitantes do solo


constituem um dos principais problemas fitossanitários para diversas culturas
devido às dificuldades encontradas para seu controle. Esses patógenos, que
incluem diversas espécies de fungos, bactérias e nematóides, podem destruir
as sementes ou outros órgãos de propagação, causar tombamento de plântulas,
apodrecimento e destruição de raízes ou murcha, devido a danos no sistema
vascular. Como conseqüência, há uma queda na quantidade e qualidade da
produção, originando sérios prejuízos ao agricultor.
Medidas baseadas na exclusão são as mais recomendadas, consistindo
na prevenção da entrada e estabelecimento do patógeno na área, por meio do
plantio de mudas e sementes sadias, irrigação com água não contaminada,
além de evitar o transporte de solo ou materiais e ferramentas contaminadas
para a área. Porém, uma vez que o patógeno se estabeleceu, é muito difícil a
sua erradicação. As variedades resistentes nem sempre estão disponíveis e
podem também não possuir as características agronômicas desejadas pelo
agricultor. A enxertia de plantas suscetíveis em porta-enxertos resistentes ao
patógeno tem sido usada para resolver alguns problemas, porém não é
aplicável a todos os casos. O controle químico também apresenta diversos
problemas, pois são poucos os fungicidas para o controle desses patógenos,
além de apresentarem altos custos, problemas de resíduos no ambiente e
eficiência nem sempre garantida. Em face desses problemas, foi desenvolvida
a solarização, que é um método não químico, portanto, com menores riscos ao
agricultor e ao ambiente, além de ser de fácil aplicação.

Conceito e mecanismos

A solarização é um método de desinfestação do solo para o controle de


fitopatógenos, plantas daninhas e pragas, por meio do uso de energia solar,
desenvolvido em Israel, por KATAN et al. (1976). O tratamento consiste na
cobertura do solo, manualmente ou de forma mecanizada, com um filme
plástico transparente, preferencialmente no período de maior incidência de
radiação solar.
A cobertura com o plástico promove o aquecimento do solo, sendo que nas
camadas mais superficiais, o aquecimento é maior. Desse modo, os patógenos
localizados na superfície do solo são eliminados por efeito direto das maiores
temperaturas atingidas. Por outro lado, nas camadas mais profundas, onde

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são atingidas somente temperaturas subletais, o controle ocorre devido aos
processos microbianos induzidos pela solarização. Durante o tratamento, as
temperaturas atingidas permitem a sobrevivência de alguns grupos de
microrganismos que, de modo geral, são saprófitas, dentre eles muitos
antagonistas, mais competitivo
.,s do que os patógenos de plantas. Como conseqüência, há uma alteração
na composição microbiana, em favor de antagonistas, estimulando a
supressividade do solo a patógenos. Por esse motivo, a reinfestação de um
solo solarizado é mais difícil do que um solo que sofreu um tratamento
esterilizante, como no caso do vapor ou um biocida químico, como, por
exemplo, a fumigação. A maior dificuldade de reinfestação permite que o
tratamento com solarização dure por períodos maiores do que os demais
tratamentos, isto é, por diversos ciclos da cultura.

Efeitos da solarização

O controle de diversas doenças de plantas causadas por patógenos


veiculados pelo solo foi relatado, tanto no Brasil, quanto no exterior. A redução
na incidência de doenças pode durar vários ciclos da cultura sem a
necessidade de repetir o tratamento de solarização. O efeito prolongado é
resultado da pronunciada redução da quantidade de inóculo associada a
uma mudança no equilíbrio biológico do solo, em favor de antagonistas,
induzindo a supressividade a patógenos e retardando a reinfestação. Com a
associação da solarização e outros métodos de controle, pode-se obter um
controle melhor e mais duradouro. O método é especialmente recomendado
para culturas de ciclo curto e sistema radicular pouco profundo, como a
maioria das hortaliças.
Além do controle de patógenos, diversas plantas daninhas também podem
ser controladas pela solarização. Em muitas hortas comerciais, a solarização
está sendo utilizada visando apenas o controle das plantas invasoras, visto
que significa uma grande redução de mão-de-obra. Geralmente, plantas
daninhas anuais são mais sensíveis à solarização do que as perenes.
Devido às dificuldades do agricultor em monitorar a temperatura do solo
ou a população do patógeno durante a solarização, o controle de plantas
daninhas constitui-se num excelente indicador da eficiência do método. A
presença de plantas invasoras pode significar que as temperaturas atingidas
não foram suficientes para um controle satisfatório. Quando a solarização é
bem sucedida, há o controle de plantas invasoras.
O uso de herbicidas pode ser reduzido nos solos solarizados devido ao
significativo controle apresentado. Outro motivo para a redução da quantidade
de determinados herbicidas de pré-emergência é o fato das populações de
microrganismos decompositores de tais produtos poderem ser reduzidas com
a solarização. Assim, há o aumento da eficiência e da persistência do herbicida
no solo, podendo ser observada, em certos casos, fitotoxicidade na cultura,
mesmo com a aplicação da dose recomendada do produto.

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Um maior crescimento de plantas é freqüentemente observado nos solos
solarizados, assim como uma maior produtividade. Esse efeito, que pode
ocorrer mesmo na ausência de patógenos, deve-se a diversos processos
desenvolvidos durante a solarização, que envolvem mudanças nos
componentes bióticos e abióticos do solo. O maior crescimento resulta do
controle de pragas ou patógenos primários e/ou secundários, alteração da
comunidade microbiana do solo em favor de antagonistas ou microrganismos
promotores de crescimento, inativação térmica de plantas invasoras e liberação
de nutrientes no solo, como por exemplo, nitrogênio (nas formas de amônia e
nitrato), cálcio e magnésio, devido à morte e decomposição de parte da
microbiota. Esses mecanismos, além de outros, como mudanças na composição
gasosa do solo, liberação de substâncias voláteis, melhoria da estrutura do
solo e penetração profunda da umidade, constituem um processo integrado
que altera o ambiente do solo, resultando em maior crescimento e produção
de plantas.

Características do tratamento

A duração do tratamento deve ser a maior possível, isto é, o plástico deve


permanecer no solo durante o maior período de tempo possível, até a data do
plantio. De modo geral, recomenda-se a permanência do plástico por 1 a 2
meses, em condições de campo. Em cultivo protegido, o tratamento pode ser
reduzido se as paredes laterais da estufa permanecerem fechadas durante a
solarização (LOPES et al., 2000). A época do tratamento deve ser a de maior
radiação solar. Para a região de Campinas, SP, o período de setembro a março
é o recomendado para a solarização (GHINI et al., 1994).
Para a colocação do plástico, o solo deve ser preparado de forma usual,
por meio de aração e gradagem, tentando eliminar os objetos pontiagudos,
que possam vir a perfurar o plástico. O solo deve estar úmido antes do início
da solarização, pois a umidade estimula a germinação de propágulos dos
patógenos, tornando-os mais sensíveis aos mecanismos de controle. Assim,
após uma chuva ou uma irrigação, o plástico é colocado manualmente ou
com auxílio de máquinas, sendo enterradas as bordas em sulcos com terra. O
plástico recomendado é o transparente, sendo que a sua espessura não tem
efeito na eficiência do tratamento, mas sim, no custo do material. Plásticos
mais espessos são mais caros, porém podem ser reaproveitados, especialmente
se forem usados dentro de estufas, onde o plástico se estraga com menor
facilidade.
A área tratada com a solarização deve ser a maior possível e contínua. A
solarização do solo em faixas ou canteiros não é recomendada devido à
possibilidade de reinfestação do solo solarizado com o inóculo presente na
área não tratada e devido ao “efeito de borda”. Esse efeito é causado pelas
menores temperaturas atingidas pelo solo nas bordas da área solarizada,
devido às perdas de calor para a área sem o plástico, resultando na
sobrevivência de patógenos nesse local. Estima-se que em uma faixa de 40 cm

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nas bordas, aproximadamente, as temperaturas atingidas não são suficientes
para um controle satisfatório (GRINSTEIN et al., 1995). Mesmo para o tratamento
de canteiros, sugere-se que a solarização seja realizada em área contínua e os
canteiros sejam construídos posteriormente.

Coletor solar para produção de mudas

A produção de mudas sadias é muito importante para evitar a disseminação


de fitopatógenos habitantes do solo. Por esse motivo, foi desenvolvido um
equipamento que usa a energia solar para desinfestar o solo ou substrato
para a produção de mudas em bandejas ou sacos plásticos ou outros
recipientes.
O solarizador consiste, basicamente, de uma caixa de madeira (1,0 x 1,5
m) que contém seis tubos metálicos (15 cm de diâmetro) e uma cobertura de
plástico transparente, que permite a entrada dos raios solares. O solo é
colocado nos tubos pela abertura superior e, após o tratamento, retirado pela
inferior, por meio da força da gravidade. Os tubos podem ser de ferro
galvanizado (calhas de residências) ou alumínio (tubos de irrigação, por
exemplo) ou cobre, sendo pintados com tinta preta fosca pelo lado de fora. A
madeira utilizada deve ser de boa qualidade, para garantir uma maior
durabilidade do solarizador.
O equipamento deve ser instalado com exposição na face norte e um ângulo
de inclinação semelhante à latitude local acrescida de 10º. Por exemplo,
Jaguariúna, SP está localizada na latitude de 23°, assim a caixa deve ser
instalada com um ângulo de 33° de inclinação. A tampa refletora, constituída
por uma chapa de alumínio, tem a finalidade de aumentar a radiação recebida
pelos tubos. Entretanto, a tampa não é essencial para o funcionamento do
equipamento, haja vista que além de onerar a sua construção, eleva a
temperatura em apenas alguns graus. A colocação de isolantes térmicos
(isopor, lã de vidro) no fundo do coletor (entre a chapa de alumínio e a madeira)
pode auxiliar a retenção do calor no interior da caixa. Quanto menor a perda
de calor, mais eficiente será o tratamento.
Alguns patógenos habitantes do solo, como fungos, bactérias e nematóides,
podem ser inativados no coletor em algumas horas de tratamento, devido às
altas temperaturas atingidas (70 a 80º C, no período da tarde), porém
recomenda-se o tratamento por 1 ou 2 dias (GHINI, 1997).
O equipamento, quando comparado com outros sistemas tradicionais
de desinfestação (autoclaves, fornos à lenha ou aplicação de brometo de
metila) apresenta diversas vantagens: não consome energia elétrica ou
lenha, é de fácil manutenção e construção, não apresenta riscos para o
operador e tem baixo custo. Além disso, o uso do coletor permite a
sobrevivência de microrganismos termotolerantes benéficos que impedem
a reinfestação pelo patógeno, o que não ocorre nos tratamentos com
brometo de metila e autoclaves que esterilizam o solo, criando um “vácuo
biológico”.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GH I N I, R. Desinfestação do solo com o uso de energia solar: solarização e coletor solar.


Jaguariúna: Embrapa-CNPMA, 1997. 29p. (Embrapa-CNPMA. Circular Técni-
ca, 1).
GHINI, R.; PARAÍBA, L.C.; LIMA, M.W.P. Determinação de período para solarização
do solo na região de Campinas/SP. Summa Phytopathol., v.20, n.2, p.131-133,
1994.
GRINSTEIN, A.; K RITZMAN , G.; HETZRONI, A.; GAMLIEL, A.; MOR, M.; K ATAN , J. The border
effect of soil solarization. Crop Protect., v.14, n.4, p.315-320, 1995.
KATAN , J.; GREENBERGER, A.; ALON , H.; GRINSTEIN, A. Solar heating by polyethylene
mulching for the control of diseases caused by soil-borne pathogens. Phytopa-
thology, v.66, p.683-688, 1976.
LOPES, M.E.B.M.; GHINI, R.; TESSARIOLI, J.; PATRÍCIO, F.R.A. Solarização do solo para o
controle de Pythium na cultura do pepino em cultivo protegido. Summa Phyto-
pathol., v.26, n.2, p.224-227, 2000.

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