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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE DIREITO

DELEGAÇÃO DA BEIRA

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DO TESTE ESCRITO DE DIREITO DO

TRABALHO

[Teste escrito de 30 de Abril de 2008]

Grupo I

No caso em apreço existia um aparente conflito de fontes hierarquicamente diferentes


(regulamento de empresa e um uso). Diz-se aparente porque os regulamentos de
empresa não são fontes de direito (cfr. art. 14.º/ 2 da Lei do Trabalho), e portanto a
questão não se resolvia à luz das regras da hierarquia das fontes laborais (art. 16.º da Lei
do Trabalho).

A questão deveria ser resolvida nos seguintes termos:

1) Aferir se a “casual Friday” constituía um uso laboral [caso constituísse um uso


prevaleceria sobre o regulamento de empresa, o qual não pode afastar fontes
laborais]
2) Caso se verificasse que não se tratava de um uso e que por conseguinte a
“Casual Friday” poderia unilateralmente abolida pela entidade empregadora,
cumpriria aferir se o regulamento de empresa era válido.

No que concerne à natureza da prática “casual Friday”, cumpria aferir se era um uso
laboral nos termos do artigo 13.º n.º 2 da Lei do Trabalho (LT).

Ora, o artigo 13.º n.º 2 estabelece três requisitos cumulativos para que se possa afirmar
que se está em presença de um uso laboral:
(i) Não contrariedade à lei; (ii) as partes não terem convencionado a sua
inaplicabilidade; (iii) não serem contrários à boa fé;

Quanto ao primeiro requisito não existe nenhuma disposição na lei que impeça que os
trabalhadores possam vestir-se em determinados dias de modo informal, a não ser que a
natureza das funções careça de especial indumentária (facto que não se podia deduzir da
matéria de facto da hipótese, e cujo o regime é em regra assegurado pelas normas
laborais de higiene e segurança no trabalho).

Em relação ao segundo requisito, não resultava da hipótese que as partes tivessem


convencionado a inaplicabilidade do uso laboral.

A questão cingia-se portanto ao requisito da boa-fé. A este respeito deveria ser


sublinhado que à luz da boa-fé (tutela da confiança e primazia da materialidade
subjacente) a prática da “casual friday” só seria admissível se tutelasse uma finalidade
séria ou interesse sério para a situação jurídico-laboral.

A finalidade séria prática reiterada deve ser entendida como a conduta relevante para a
situação laboral, no sentido de ser útil e benéfico para a saudável execução e
sustentação da prestação laboral.

Da matéria de facto da hipótese não ser retiravam fundamentos pláusiveis para se


considerar a prática da “casual Friday” era relevante para a execução da prestação
laboral, nem se tutelava nenhum valor atendível para a execução da prestação laboral,
tanto mais que o poder de definir a indumentária dos trabalhadores insere-se no poder
de direcção da entidade empregadora.

O argumento invocado pelos trabalhadores “da descontracção que fomenta a


produtividade” não procede no âmbito dos valores que tutelam a situação jurídico-
laboral, pois as próprias normas laborais já acautelam o direito ao repouso dos
trabalhadores.

Assumindo-se que não se tratava de um uso e que se tratava de uma liberalidade da


empresa, cumpria agora ver se o método adoptado pela entidade empregadora para
retirar a liberalidade era válido.
Deveria assumir-se que a indumentária ou código de vestuário dos trabalhadores é uma
matéria inserida no poder de direcção da entidade empregadora atinente à organização
do trabalho (cfr. Art. 60.º e 61.º/1 da LT). O poder de conformar a indumentária
utilizada pelos trabalhadores é uma manifestação do poder de direcção da entidade
empregadora.

Se exercido dentro dos limites legais, o exercício do poder de direcção da entidade


empregadora não carece do consentimento dos trabalhadores, pelo que a fixação de
regras sobre a indumentária poderia ser fixada unilateralmente.

Contudo, verificou-se que no caso em apreço a fixação da indumentária havia sido


realizada através de um regulamento interno denominado “Nova Política da
empresa”(cfr. Art. 14º da LT).

Faz-se notar que a denominação apresentada pela entidade empregadora não altera a
natureza do instrumento, o qual por conter normas respeitantes à organização e
disciplina do trabalho deveria ser entendido como um regulamento interno da empresa,
o qual é obrigatório para as médias e grandes empresas (matéria sobre a qual a hipótese
não fornecia elementos).

Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 61.º da LT, os regulamentos internos que tenham por
objecto normas de organização e disciplina do trabalho devem ser precedidas de
consulta ao comité sindical ou na falta deste ao órgão sindical competente e sujeito à
comunicação ao órgão competente da administração do trabalho. Ademais, os
regulamentos internos devem ser divulgados aos trabalhadores, nos termos do número 4
do artigo 61.º da LT.

Verificava-se que na aprovação do regulamento interno não tinham sido respeitados os


requisitos dos números 2 e 4 do artigo 61.º da LT.

O não cumprimento do regime de aprovação dos regulamentos internos implica a sua


ineficácia perante os trabalhadores, os quais poderiam manter a prática da “casual
Friday” se a sua proibição apenas se baseasse no referido regulamento interno.

Grupo II
No caso sub judice sob a aparência de um conflito entre um regulamento interno e uma
convenção colectiva, existia efectivamente um conflito hierárquico de fontes de direito
entre a Lei e um instrumento de regulamentação colectiva.

Os regulamentos internos não são fontes de direito, pelo que não existia nenhum
conflito hierárquico entre o regulamento interno e a convenção colectiva (cfr. Art. 14.º
n.º 2 da LT).

Nestes termos, um regulamento interno não pode afastar uma convenção colectiva, pelo
que independentemente do método de aprovação do regulamento (não era necessário
questionar o método de aprovação do regulamento interno), este nunca poderia afastar
uma fonte de direito.

Contudo, a questão não estava resolvida, pois a norma da convenção colectiva


respeitante à atribuição de um dia de feriado conflituava com as regras dos feriados
constantes da Lei do Trabalho (cfr. Artigo 96.º n.º 2 da LT).

Verificava-se, portanto, um conflito hierárquico entre fontes de grau diferente que


deveria ser dirimido nos termos do número 1 do artigo 16.º e artigo 17.º da LT.

Caso se demonstrasse que a fonte hierarquicamente inferior (convenção colectiva) era


mais favorável aos trabalhadores do que a fonte superior (lei), seria esta a fonte inferior
a regular a matéria.

Contudo, a aplicação de uma fonte hierarquicamente inferior em detrimento da


aplicação de uma fonte superior, não é ilimitada pois está dependente da verificação de
determinados requisitos previstos nos artigos 16.º/1 da LT e também no artigo 17.º da
LT.

Para que uma fonte inferior laboral se sobreponha a uma fonte superior é necessário que
a fonte superior permita que a fonte inferior disponha sobre aquela matéria e é
necessário ainda que a fonte inferior contenha uma regime mais favorável ao
trabalhador do que a fonte superior. (cfr art. 16.º/1 da LT)

No caso em apreço, a norma legal (art.96/2 da LT) sobre os feriados revestia uma
natureza imperativa absoluta, no sentido de não permitir que outras fontes legais ou as
partes pudessem prever disposições sobre essa matéria, que alterassem o figurino legal.
É uma matéria que não se encontra na disponibilidade das partes, independentemente da
favorabilidade para os trabalhadores que represente um eventual regime previsto pelas
partes.

Tendo em conta o exposto, a norma legal sobre os feriados (por ser dotada de
imperatividade absoluta) não poderia afastada pela norma da convenção colectiva.

A norma da convenção colectiva não era aplicável e estava inquinada de nulidade (art.
51.º/1 da LT)

Pelo exposto, Chalana não gozava de nenhum direito nessa matéria, apenas era titular de
uma expectativa não tutelada, pois assentava em uma convenção colectiva que continha
um regime nulo.

Independentemente das disposições do regulamento interno (as quais não podiam


afastar uma convenção colectiva) Chalana não teria direito gozar feriado no dia 2 de
Maio, por tal facto contrariar a lei.

Faz-se notar, em tom de conclusão, que as entidades empregadoras podem celebrar dias
festivos (como era o caso da hipótese), conquanto que não os qualifiquem como
feriados (pois dessa qualificação decorrem implicações regimentais para os
trabalhadores) e não sejam prejudicados os direitos dos trabalhadores (v.g.
remuneração, férias, tempo de trabalho etc).

Américo Oliveira Fragoso

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