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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

THAÍS VANESSA LARA

CINEMATECA BRASILEIRA: CINEMA, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO


SOCIAL

AS AÇÕES EDUCATIVAS DO DEPARTAMENTO DE CINEMA


INFANTO-JUVENIL
(1954-1966)

CAMPINAS

2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES

THAÍS VANESSA LARA

CINEMATECA BRASILEIRA: CINEMA, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO


SOCIAL
As ações educativas do Departamento de Cinema Infanto-juvenil
(1954-1966)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de
Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do
título de Mestra em Multimeios.

ORIENTADOR: FÁBIO NAURAS AKHRAS

Este exemplar corresponde à versão final da


Dissertação defendida pela aluna Thaís Vanessa
Lara e orientada pelo Prof. Dr. Fábio Nauras Akhras.

CAMPINAS
2015
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): FAPESP, 2013/05916-3; FAPESP,
2013/20817-1

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350

Lara, Thaís Vanessa, 1987-


L32c LarCinemateca Brasileira: cinema, educação e inclusão social - As ações
educativas do Departamento de Cinema Infanto-juvenil (1954 - 1966) / Thaís
Vanessa Lara. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

LarOrientador: Fábio Nauras Akhras.


LarDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Artes.

Lar1. Laurito, Ilka Brunhilde, 1925. 2. Centro de Ciências, Letras e Artes de


Campinas. 3. Cinemateca Brasileira. 4. Cinema na educação
. I. Akhras, Fábio Nauras. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de
Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Brazilian Cinematheque: cinema, education and social inclusion
Palavras-chave em inglês:
Laurito, Ilka Brunhilde, 1925
Center of Sciences, Letters and Arts of Campinas
Brazilian Cinematheque
Moving-pictures in education
Área de concentração: Multimeios
Titulação: Mestra em Multimeios
Banca examinadora:
Fábio Nauras Akhras [Orientador]
Március César Soares Freire
Eduardo Victorio Morettin
Data de defesa: 25-11-2015
Programa de Pós-Graduação: Multimeios

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


À Ilka Laurito e a todas as crianças e jovens que participaram das
atividades do Departamento de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca
Brasileira.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo


(FAPESP), cujo financiamento por meio da bolsa de pesquisa permitiu minha dedicação
integral a este trabalho e a realização da pesquisa no acervo da Cinemateca Francesa.
Ao meu orientador Fábio Nauras Akhras agradeço pela atenção, paciência e confiança
depositada e, sobretudo, pela liberdade com que conduziu este trabalho.
Aos professores membros da banca de qualificação e defesa, tanto titulares como
suplentes, pela solicitude.
Agradeço a todos os funcionários do Instituto de Artes da Unicamp e do Programa de
Pós-Graduação em Multimeios, em especial à Carlos Gianetti e Silvia Shiroma.
Meu agradecimento especial à Fábio Kawano que me abriu as portas da Cinemateca
Brasileira e me apresentou o mundo dos arquivos de filmes. A ele soma-se uma imensa
gratidão à Claudio Piovesan, Ivan Xavier, José Francisco Mattos, Maria Fernanda
Coelho, Maria Teresa Silva, Mariana Menna, Fernanda Valim e Tereza Ruiz.
Aos estagiários da catalogação/preservação de 2010 que se tornaram amigos e
companheiros de vida: Bruno Peres, Bruna Zavatti, Henrique Viana, Marina Aleixo
Renata Ayala e Bruno Martins (o não estagiário-mais agregado).
À família Laurito, em especial à Maria Eugênia por possibilitar a consulta aos
documentos de Ilka Brunhilde Laurito.
Aos funcionários do Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca Brasileira, em
especial à Alexandre Miyazato e Gabriela de Queiroz que possibilitaram meu acesso ao
arquivo do Departamento Infanto-Juvenil. Sem vocês esse trabalho não seria o mesmo.
À Diógenes Lawand e Felipe Sanches do Centro de Referência em Educação – Mario
Covas (CRE-Mario Covas).
À equipe do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa – CEDAP/Assis.
Ao Sr. Marino Zigiatti pelas conversas sobre a Ilka Laurito e pelo acesso ao arquivo
Institucional do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (CCLA).
À Maurice Capovilla e Rosa Maria Maciel pelas entrevistas.
Ao Professor Laurent Véray que supervisionou meu estágio na França.
À Elodie Jane, Francesca Veneziano, Sébastien Ronceray e Tania Tavares do
Departamento Pedagógico da Cinemateca Francesa.
À Claudia Garrocini minha primeira e sempre orientadora-amiga. Obrigada por tudo.
À Milena Leite, amiga que o mestrado me deu. Muito obrigada pelas muitas
hospedagens em Campinas, a cidade ficou mais colorida e sonora com nossas
conversas e ânsias quanto ao futuro. Que a vida nos permita cruzar sempre os
caminhos.
À Ana Bia e Diego Custódio irmãos que eu pude escolher.
À Rafa El Nantes por me mostrar o mundo do cinema.
À Daiane Cabral, Leticia Rodrigues e Sarah Trevisan pela amizade.
À Bruno Mota, o eterno Brunis, das aventuras de “perfume na salada” aos “bolos
paulistanos”.
À minha mãe dedico o meu imenso agradecimento pelo seu amor incondicional que fez
com ela acreditasse em mim em momentos que eu mesma desacreditava. E
principalmente por me ensinar que o “futuro” sempre esteve nos livros.
À minha irmã Deise e ao meu pai Antônio que moram no céu e no meu coração.
À Mayara Lara minha eterna flor de maracujá. À você todo o meu amor.
À Yann Lhermite pela paciência, pelo carinho, cuidado e amor dedicado nesses anos
de companheirismo. Obrigada pelas numerosas leituras e revisões do meu “français-
brésilien”.
“E só agora compreendo realmente o que a Cinemateca tem
feito pela cultura brasileira.”
Ilka Brunhilde Laurito
RESUMO

Esta pesquisa teve por finalidade identificar as ações educativas da Cinemateca


Brasileira, com relação, especialmente às atividades do Departamento de Cinema
Infanto-juvenil. O recorte temporal escolhido, entre 1954 e 1966, abarca a criação do
Departamento de Cinema Infanto-juvenil, momento em que ocorreu na instituição uma
intensa ação no campo educativo, dirigido pela poetisa e professora Ilka Brunhilde
Laurito. Para tanto, buscou-se analisar a bibliografia referente aos arquivos de filmes
educativos e a Cinemateca Brasileira, além de documentos administrativos do
Departamento Infanto-juvenil. Também foram analisadas as notícias veiculadas pelos
jornais O Estado de S. Paulo, Correio Paulistano e Diário do Povo, do período em
questão, que trataram do tema.

Palavras-chave: Cinemateca Brasileira, cinema educativo, cinema infanto-juvenil, Ilka


Brunhilde Laurito, cineclubismo infantil, Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas
ABSTRACT

This research was aimed to identify the educational activities of the Brazilian
Cinematheque, specifically regarding the activities of the Department of Children and
Youth Film. The time frame chosen, between 1954 and 1966, includes the creation of
the Department of Children and Youth Film, which at the time was in an intense action at
the educational field, headed by the poet and teacher Ilka Brunhilde Laurito. To this end,
we sought to examine the literature on the educational film archives and the Brazilian
Cinematheque, as well as official documents of the Department of Children and Youth
Film. It was also analyzed the news published by the newspapers O Estado de S. Paulo,
Correio Paulistano and Diário do Povo that dealt with the topic at the period in question.

Key words: Brazilian Cinematheque, educational cinema, films for children and youth,
Ilka Brunhilde Laurito, childrens’ cineclubism, Center of Sciences, Letters and Arts of
Campinas
RÉSUMÉ

Cette recherche a eu pour finalité d'identifier les actions éducatives de la


Cinémathèque brésilienne et plus particulièrement celles en relation aux activités du
Département du Cinéma Infanto-juvenil. La période d'étude choisie s'étale de 1954 à
1966 et comprend la création du Département de Cinéma Infanto-juvenil, moment d'une
intense action au sein de l'institution dans le champ éducatif dirigé par la poétesse et
enseignante Ilka Brunhilde Laurito. Ainsi chercherons nous à analyser la bibliographie
afférente aux archives de films éducatifs et à la Cinémathèque Brésilienne ainsi que les
documents administratifs du Département Infanto-juvenil. Ont été également analysées
les observations véhiculées par les journaux O Estado de S. Paulo, Correio Paulistano
et Diário do Povo qui traitèrent sur cette période du sujet.

Mots-clés: Cinémathèque Brésilienne, cinéma éducative, cinéma infanto-juvénile,


cineclubismo infantile, Ilka Brunhilde Laurito, Centre de Sciences, Lettres et Arts de
Campinas
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - REVISTA LE CINÉMA CHEZ SOI, N°6. OUT. 1926 ................................................. 45

FIGURA 2 - LE CINÉMATHÈQUE PATHÉ - REVISTA LE CINÉMA CHEZ SOI, N° 6. OUT. 192 ......... 45

FIGURA 3 - II CURSO DE FORMAÇÃO CINEMATOGRÁFICA DO CCLA ...................................... 92

FIGURA 4 - ILKA APRESENTANDO UMA SESSÃO DO CINECLUBINHO DA BIBLIOTECA

CAETANO DE CAMPOS ........................................................................................................ 132

FIGURA 6 - EXPOSIÇÃO INVENÇÃO DO CINEMA ................................................................... 134


LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – ATIVIDADES DO SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA AO ENSINO – MUSEU NACIONAL  ...................................  37  

TABELA 2 - PALESTRAS REALIZADAS ENTRE 1962 E 1963  ...........................................................................................  116  

TABELA 3 - FILMES PROJETADOS NO CINECLUBINHO DO CCLA ENTRE 1961 E 1962  ......................................  129  

TABELA 4 - FILMES PROJETADOS NO CINECLUBINHO DA BIBLIOTECA "CAETANO DE CAMPOS"  .....................  135  

TABELA 5 - FILMES PROJETADOS NO CINECLUBINHO DE SANTOS ENTRE 1962 E 1963  ...................................  137  
Ooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO   1  

CAPÍTULO  I    -­‐  CINEMA,  EDUCAÇÃO  E  ARQUIVOS  DE  FILMES:  DOS  MUSEUS  ÀS  CINEMATECAS   8  

1.  AS  PRIMEIRAS  COLEÇÕES  DE  FILMES  EDUCATIVOS   9  


2.  OS  MUSEUS  PEDAGÓGICOS  E  AS  PRIMEIRAS  COLEÇÕES  EDUCATIVAS   14  
2.1  O  MUSEU  PEDAGÓGICO  DE  PARIS   16  
2.2    O  MUSEU  ESCOLAR  DA  BÉLGICA   17  
2.3  O  MUSEU  NACIONAL   18  
2.4  O  MUSEU  ESCOLAR  NACIONAL  E  O  PEDAGOGIUM   21  
3.  AS  CINEMATECAS  EDUCATIVAS   26  
3.1  A  CINEMATECA  DA  CIDADE  DE  PARIS   30  
3.2  LES  OFFICES  DU  CINÉMA  ÉDUCATEUR   34  
3.3  A  CINEMATECA  COOPERATIVA  DO  ENSINO  LAICO   36  
3.4  THE  CHILDREN’S  FILM  LIBRARY   40  
4.  AS  “CINEMATECAS  MODERNAS”  E  SUAS  AÇÕES  EDUCATIVAS   44  
4.1  BRITISH  FILM  INSTITUTE   48  
4.2  A  FILM  LIBRARY  DO  MUSEUM  OF  MODERN  ART  DE  NOVA  IORQUE   52  

CAPÍTULO  II  -­‐  CINEMATECA  BRASILEIRA:  CINEMA,  EDUCAÇÃO  E  INCLUSÃO  SOCIAL   56  

1.  BREVE  HISTÓRIA  DA  INSTITUIÇÃO   57  


1.1  A  I  RETROSPECTIVA  DO  CINEMA  BRASILEIRO  E  O  I  FESTIVAL  INTERNACIONAL  DE  CINEMA   60  
1.2  O  FESTIVAL  DE  CINEMA  INFANTIL  E  O  FESTIVAL  DE  CINEMA  CIENTÍFICO   62  
2.  AS  ATIVIDADES  EDUCATIVAS:  A  PROGRAMAÇÃO  INFANTIL  E  OS  CURSOS  DE  CINEMA   67  
3.  DO  CINECLUBINHO  DO  CCLA  AO  DEPARTAMENTO  DE  CINEMA  INFANTO-­‐JUVENIL   70  
3.1  O  CENTRO  DE  CIÊNCIAS,  LETRAS  E  ARTES  DE  CAMPINAS   72  
3.2  A  EXPERIÊNCIA  DE  ILKA  BRUNHILDE  LAURITO  NO  CCLA  
  78  
CAPÍTULO  III  -­‐  O  DEPARTAMENTO  DE  CINEMA  INFANTO-­‐JUVENIL  DA  CINEMATECA  
BRASILEIRA   80  
1.  O  DEPARTAMENTO:  ENFIM  UMA  REALIDADE   81  
1.1  ORGANIZAÇÃO   84  
1.2  O  ACERVO   87  
2.  AS  AÇÕES  EDUCATIVAS  DO  DEPARTAMENTO  INFANTO-­‐JUVENIL   96  
2.1  AS  EXIBIÇÕES  DE  FILMES:  CINECLUBES,  ESCOLAS  E  PARQUES   100  
2.2  CINECLUBISMO  INFANTIL  NO  BRASIL   105  
3.  O  CINEMA  EDUCATIVO  NO  DEPARTAMENTO  DE  CINEMA  INFANTO-­‐JUVENIL  –  CONCEITOS  E  DIREÇÕES   121  
3.1.  O  CINEMA  NO  CURRÍCULO  DA  ESCOLA  PADRE  MANOEL  DE  PAIVA   129  

CONSIDERAÇÕES  FINAIS   136  

REFERÊNCIAS   142  

APÊNDICE    A  -­‐    INSTITUIÇÕES  ESTRANGEIRAS  CONTATADAS     148  

ANEXO  I  -­‐  FORMULÁRIOS  DO  DEPARTAMENTO  DE  CINEMA  INFANTO-­‐JUVENIL   149  

ANEXO  II  -­‐  DESENHOS  E  RESENHAS  REALIZADOS  PELAS  CRIANÇAS   154  


INTRODUÇÃO

Este trabalho contribuirá para a compreensão da origem do movimento de


formação dos arquivos de filmes educativos. Nosso objetivo é estudar as ações
educativas da Cinemateca Brasileira, com relação, especialmente às atividades do
Departamento de Cinema Infanto-juvenil. Quando iniciamos esta pesquisa, em 2013,
partimos apenas da informação de que havia existido, na década de 60, na Cinemateca
Brasileira um “trabalho com crianças” e que um livro tinha sido publicado: Cinema e
Infância (1962). No decorrer das investigações descobrimos a existência de um
Departamento com um trabalho consistente que se desdobrava em muitas outras
ações. Desta maneira, o contato e a exploração dos acervos nos conduziu a três
caminhos: 1) relacionar a história dos arquivos de filmes sob a ótica da educação; 2)
investigar a relação da Cinemateca Brasileira com a educação; 3) narrar a criação do
Departamento de Cinema Infanto-juvenil destacando suas ações educativas.
Do século XVII ao XIX, os museus se multiplicaram e foram responsáveis
pela mobilização do mundo. A eles podem-se somar as exposições universais que
tinham por finalidade mostrar o desenvolvimento da ciência e da indústria dos países, e
que também acabaram influenciando a criação e propagação dos museus educativos.
Seriam estes museus os responsáveis pelos primeiros serviços de guarda de placas de
vidros para lanternas mágicas e, em seguida, dos filmes “naturais” e educativos. No
sentido de explorar o início da formação dos departamentos e seções de filmes dos
museus e, posteriormente, das novas instituições que foram constituídas
exclusivamente para guardar e difundir os filmes educativos é que esta pesquisa se
propõe a resgatar as origens do movimento das cinematecas educativas e infantis com
o objetivo de investigar de que maneira estas instituições influenciaram na estruturação
do Departamento de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca Brasileira.
Desse modo, inicialmente, estudamos em paralelo a formação dos museus
educativos/pedagógicos na França, na Bélgica e no Brasil. O propósito foi fazer uma
síntese desses acontecimentos e ressaltar sua importância para a origem das
cinematecas educativas. Em seguida, identificamos e analisamos as cinematecas
infantis e educativas à procura de entender como os filmes chegaram às escolas.

1
Nesse sentido, fez-se necessário uma aproximação maior com a história desses
arquivos a fim de verificar as influências estruturais e ideológicas que ecoariam na
experiência brasileira.
A partir desse percurso histórico sobre os arquivos de filmes, investigamos a
relação da Cinemateca Brasileira com a educação. Fundada em 1946, a Cinemateca
Brasileira é uma instituição importante para a história cultural do país tanto pelo seu
trabalho de preservação audiovisual quanto pela difusão da cultura cinematográfica.
Nesse sentido, buscamos compreender como ocorreu sua formação e qual foi a
importância dada à educação e aos filmes infantis em sua programação. Por fim,
analisamos a criação do Departamento de Cinema Infanto-juvenil e sistematizamos
suas atividades de difusão cinematográfica (formação e exibição), de formação de
cineclubes infantis e de inserção do cinema no currículo escolar.
Diante do quadro apresentado, torna-se necessário apontar e explicar duas
opções. Primeiro, ao analisarmos os arquivos de filmes educativos notamos que as
instituições francesas aparecem em maior quantidade, pois o contato com o acervo do
Departamento Infanto-juvenil nos indicou que as influências, em grande parte, vieram
da França. Esse fato, não significa que as experiências francesas foram mais
importantes e nem exclui a produção infantil/educativa de países como:
Tchecoslováquia e Rússia. Entretanto, por conta de uma barreira linguística, a
pesquisadora teve acesso aos textos e pesquisas acadêmicas em língua francesa e
inglesa.
O segundo ponto, é que embora nos documentos da Cinemateca Brasileira o
novo departamento dirigido por Ilka Laurito seja referenciado muitas vezes como
“Departamento Infantil” ou “Seção Infanto-juvenil”, neste trabalho optamos por chamar
de Departamento de Cinema Infanto-juvenil, porque as ações educativas não se
limitavam somente a infância. E a própria Ilka Laurito afirmaria que “tudo aquilo que
sugiro em relação a uma seção infantil é válido também para uma seção juvenil”1.

1
LAURITO, Ilka. [Carta] 17 de abril de 1961. Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.

2
A revisão bibliográfica: os arquivos de filmes e a educação

Em relação as questões históricas sobre os arquivos de filmes educativos


não temos uma obra que referencie todas ou parte dessas instituições. Os poucos
trabalhos existentes estão publicados em língua estrangeira e estudam pontualmente a
trajetória de filmotecas e cinematecas educativas europeias. Entre as publicações,
destacam-se os títulos: Les offices du Cinéma Educateur (BORDE ET
PERRIN,1992); Cinéma-École: Aller-Retour (NOURRISSON ET JEUNET, 2001); The
British Film Institute, the Government and Film Culture, 1933–2000 (NOWELL-
SMITH ET DUPIN, 2014); Cinéma pédagogique et scientifique. À la redécouverte
des archives (PASTRE-ROBERT ET DUBOST, 2004); Mémoires de l'ombre et du
son: une archéologie de l'audio-visuel (PERRIAULT ,1981) e Histoire du Cinéma à
l’École (PORTIER, 2004).
Para Jacques Perriault (2004) a falta de interesse destinada ao audiovisual
antigo, as projeções luminosas e ao teatro óptico pelo viés histórico social da cultura e
da recepção gerou uma “invisibilidade” aos filmes científicos e pedagógicos
ocasionando, assim poucos estudos relacionados as suas coleções. Segundo o
pesquisador francês “tudo acontece como se a opinião pública, os cinéfilos e os
pesquisadores considerassem unanimemente esses documentos como produtos
menores” 2. Perriault, elenca duas razões para essa situação:
A primeira “razão de invisibilidade” seria proveniente da crença por parte de
pesquisadores e da opinião pública de que as primeiras projeções luminosas nasceram
com os irmãos Lumière esquecendo-se dos estudos pré-cinematográficos3.
A segunda razão seria a deficiência de uma comunidade científica dispersa.
Com relação a essa comunidade, Perriault afirma que poucos são os pesquisadores
que engajam seus estudos nesse sujeito, pois as instituições de ensino não os vão

2
PERRIAULT, Jacques. L’apport des archives du film pédagogique et scientifique aux sciences de l’homme et de la
société. In: Cinéma pédagogique et scientifique. À la redécouverte des archives. Lyon: ENS Éditions, 2004. p.8.
3
Alguns pesquisadores como GAUDREAULT, A.; GUNNING, T. (1989), MANNONI (2003), COSTA (1995) têm
trabalhos dedicados ao pré-cinema.

3
recrutar, além de não dispor de cursos sobre o tema. Ademais, as publicações
existentes são poucas e não existem revistas científicas nesse domínio.
No contexto brasileiro os estudos relacionados aos arquivos de filmes foram
na maior parte realizados por profissionais da Cinemateca Brasileira e concentram-se
sobre os trabalhos de preservação, catalogação e documentação, tais como as quatro
dissertações de mestrado defendidas na Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo: A representação de palavras do conteúdo de imagens
em movimento: uma perspectiva documentária (MATTOS, 2002); Rastros de
perícia, método e intuição: descrição do arquivo Paulo Emilio Salles Gomes
(FUTEMMA, 2006); A experiência brasileira na conservação audiovisual: um
estudo de caso (COELHO, 2009); Filmes Domésticos: uma abordagem a partir do
acervo da Cinemateca Brasileira (FOSTER, 2010). A eles, soma-se a tese A
Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil, (SOUZA, 2009) e a
publicação do livro: A Cinemateca Brasileira: Das luzes aos anos de Chumbo
(JUNIOR, 2010) que relata uma perspectiva política e cultural da instituição, ainda
nessa obra temos um anexo sobre atuação de Ilka Brunhilde Laurito na Cinemateca
Brasileira.
Quanto aos arquivos de filmes educativos e ao Departamento Infanto-juvenil
da Cinemateca Brasileira, não encontramos nenhuma obra que trate especificamente
do tema. No campo da educação, a dissertação Escola e cinema: o cinema educativo
na Escola Caetano de Campos em São Paulo entre os anos 30 e 60 (ABREU, 1999)
aborda a utilização do cinema na Escola Caetano de Campos e sistematiza as
exibições de filmes realizadas pela Cinemateca Brasileira.

Metodologia: seleção e análise das fontes

A reconstituição dos fatos referentes à criação do Departamento de Cinema


Infanto-juvenil foi exaustiva, especialmente, pela ausência de estudos prévios que
abordassem o mesmo corpus documental. Além disso, os diversos arquivos que

4
puderam ser consultados encontravam-se sem catalogação e exigiram uma seleção
minuciosa da documentação esparsa. O que tornou o acesso, a organização e a
sistematização dos acontecimentos ainda mais complexa, pois percebemos a
necessidade de nomear, descrever, e organizar cronologicamente todo o material.
Soma-se, ainda, o fato de que, por vezes, alguns documentos se contradiziam ou não
foram localizados.
Nesse aspecto, as informações restituídas aqui são fornecidas por duas
etapas:
• I Fase - Coleta de Dados. Os dados da pesquisa foram coletados nos
seguintes locais: Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca
Brasileira; Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas; Centro de
Referência em Educação/ CRE- Mário Covas e Centro de
Documentação de Apoio à Pesquisa – CEDAP/Assis.

No Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca Brasileira foram


localizados os documentos (atas, relatórios e ofícios) que compreendem os projetos
políticos da instituição relacionados à educação entre 1954 e 1970. Foram consultados
também os relatórios administrativos anuais assinados por Ilka Brunhilde Laurito e as
correspondências do Departamento de Cinema Infanto-juvenil. Já no arquivo
institucional do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas selecionamos todos os
materiais relacionados ao Cineclubinho e as atas de conselho de 1960 a 1966. No
Centro de Referência em Educação/ CRE- Mário Covas foi estudado o jornal escolar
“Nosso Esforço” do período de 1962 a 1970, além do relatório da Biblioteca Infantil
“Caetano de Campos”. Por fim, analisamos as correspondências trocadas entre Ilka
Laurito e o escritor João Antônio presentes no Centro de Documentação de Apoio à
Pesquisa – CEDAP/Assis e entrevistamos, por e-mail, o cineasta Maurice Capovilla e a
aluna Rosa Maria Maciel que participou do Cineclubinho da Biblioteca Caetano de
Campos.

5
• II Fase - Análise dos Documentos: organização e sistematização das
informações coletadas.

A metodologia adotada para a realização da análise dos documentos


reunidos no acervo da Cinemateca Brasileira foi a descrição de conteúdo. Utilizou-se
como critério de seleção do material: o período estudado (1954-1966), o tema “cinema
educativo” e os nomes “Ilka Laurito”, “Departamento Infantil” e “Departamento Infanto-
juvenil”. Em seguida ordenou-se por tipo de documento (escrito ou audiovisual), por
autor e por data. Organizados os documentos, iniciou-se a classificação por pertinência
ao tema da dissertação. Essa etapa da pesquisa é descrita pela pesquisadora Arlette
Farge, como:

Quando se decide estudar um tema amplo, é necessário primeiro extrair de


todo o documento o que se destaca no objeto. Pode-se então atravessar longas
séries de documentos e isolar aquilo de que se necessita [...] O trabalho é
simples; consiste em despojar, depois recolher um certo gênero de documento:
a série, assim organizada, serve de objeto de pesquisa [...]. Seja qual for o
objetivo, a pesquisa nesse caso é efetuada a partir do mesmo, do idêntico
aparente, e a coleção de textos recolhidos será tratada em seguida tentando
romper o jogo das semelhanças para encontrar o dessemelhante, e mesmo o
singular (FARGE, 2009, p.65-6).

Desta maneira, o conjunto de dados extraídos formaram a primeira fonte


histórica do trabalho. A partir deste ponto deu-se início um processo de comparação do
conteúdo documental dos diferentes acervos que posteriormente tornaram-se o corpus
desta dissertação. Aos documentos dos arquivos consultados, somam as notícias
veiculadas pelos jornais O Estado de S. Paulo, Correio Paulistano e Diário do Povo no
período de 1961 a 1966.
***

Em relação à organização do trabalho, esta dissertação divide-se em três


capítulos que permitem compreendermos a origem dos arquivos de filmes educativos e
a importância da atuação da Cinemateca Brasileira para a educação cinematográfica

6
efetuada por meio do Departamento de Cinema Infanto-juvenil.
No primeiro capítulo, intitulado “Cinema, Educação e Arquivos de filmes:
dos museus às cinematecas” realizamos uma abordagem histórica sobre a formação
das primeiras coleções de filmes educativos dos museus escolares/pedagógicos até o
surgimento das cinematecas modernas, passando pela criação das cinematecas
educativas. Ainda apresentamos, a partir da bibliografia existente, considerações sobre
as ações educativas do British Film Institute e da Film Library do Museum of Modern Art
de Nova Iorque.
Já o segundo capítulo, “Cinemateca Brasileira: cinema, educação e inclusão
social” é dedicado à análise da formação da Cinemateca Brasileira e de suas ações
educativas. Para isso, identificamos na programação da instituição as exibições para
crianças, os cursos e os seminários de cinema.
O terceiro e último capítulo, narra a história do Departamento de Cinema
Infanto-juvenil da Cinemateca Brasileira e sistematiza suas atividades de formação
(cursos e palestras), de difusão (exibição) e de criação dos cineclubes infantis do
CCLA, da Biblioteca Infantil “Caetano de Campos” e do Cineclube de Santos. Além
disso, investigamos as concepções de cinema educativo desenvolvidas pelo
Departamento Infanto-juvenil para o projeto de inserção do cinema no currículo escolar
da Escola Padre Manoel de Paiva.
Seguem-se aos capítulos, o apêndice A com uma lista de instituições
internacionais que se corresponderam com o Departamento Infanto-juvenil da
Cinemateca Brasileira e dois anexos. O anexo I contém os cinco formulários elaborados
por Ilka Laurito para as sessões dos cineclubes infantis. No anexo II estão os desenhos
e resenhas de filmes feitos pelas crianças dos cineclubinhos.
E por fim, esclarecemos que para facilitar a leitura e compreensão do texto
optamos por: a) atualizar a ortográfica dos documentos de época; b) traduzir as
citações que estivessem em língua estrangeira. Assim, a tradução de trechos
estrangeiros neste trabalho é nossa, exceto quando citada outra fonte.

7
CAPÍTULO I

CINEMA, EDUCAÇÃO E ARQUIVOS DE FILMES: DOS MUSEUS ÀS CINEMATECAS

Para relacionar cinema, educação e arquivos de filmes no Brasil é preciso


compreender como esses três conceitos se uniram ao longo da história. A utilização
das imagens com intenção pedagógica data do século XVII. Lanterna mágica,
microscópio solar, cinematógrafo e por fim o cinema como conhecemos hoje tiveram
sua história entrelaçada ao ensino. Porém, é justamente a noção de memória, mas
precisamente de salvaguarda e preservação da produção humana - histórica, política,
econômica e religiosa - que estimulou o colecionismo e posteriormente a formação de
instituições responsáveis por manter essas obras. No caso dos filmes, é a partir da
publicação, em 1898, dos textos de Boleslas Matuszewski que surgem as primeiras
discussões em torno da conservação dos registros cinematográficos. Entretanto, o tema
receberia notoriedade no meio educativo com o conceito de “documentação
pedagógica” que era entendido como um método de guardar e difundir os
conhecimentos escolares. Nesse contexto, os aparelhos de projeção de imagens
também seriam objetos de colecionismo, consulta e circulação entre escolas.
Primeiramente com as placas de lanternas mágicas (fixas ou com movimentos), depois
com os diafilmes e filmes. É por conta desse movimento, de armazenamento e
distribuição, que se constituíram os arquivos de filmes educativos.
A criação do Departamento de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca
Brasileira está vinculada as formulações e as transformações das práticas de difusão e
conservação dos filmes. Nesse sentido, para entender a formação desses arquivos de
filmes educativos, que desencadeou na criação do Departamento em 1961,
começaremos por analisar essas práticas dentro de um contexto internacional em
busca de contextualizar como a influência dessas ações estrangeiras se evidenciaram
no Brasil.

8
1. As primeiras coleções de filmes educativos

As primeiras experiências de documentação das imagens educativas


ocorreram em meados do século XIX, com os museus educativos ou pedagógicos,
centros de documentação e, posteriormente, com as cinematecas. O uso das projeções
luminosas e da lanterna mágica com intenção pedagógica data de meados do século
XVII. O princípio dessa utilização pode ser atribuído ao jesuíta Athanasius Kircher
(1602-1680)4 que “apresentava sessões de projeção luminosa, usando espelhos
côncavos com letras gravadas, ou lentes biconvexas sobre as quais pintava imagens.” 5
Para Jacques Perriault (2012, p.2), o padre Kircher utilizava-se das projeções para a
catequese. A fim de propagar a fé, ele projetava imagens das histórias bíblicas. “A
companhia de Jesus teve um papel consequente e durável sobre a educação e sobre
as tecnologias para a formação [...] A questão da instrumentação foi muito trabalhada
no século XVII”.
Em 1659, a Lanterna Mágica teria seus primeiros vestígios de existência.
Laurent Mannoni (2003, p.58), atribui sua criação a dois grandes personagens da
história do pré-cinema: Athanasius Kircher, “seu pseudo-inventor”, e Christiaan
Huygens, “seu verdadeiro pai”. Ao longo do século XVII, e até o fim do XIX, a nova
invenção passou por várias mudanças. Porém, seu princípio permanece o mesmo:

Trata-se de uma caixa óptica de madeira, folha de ferro, cobre ou cartão, de


forma cúbica, esférica ou cilíndrica, que projeta sobre uma tela branca (tecido,
parede caiada ou mesmo couro branco, no século XVIII), numa sala escurecida,
imagens pintadas sobre uma placa de vidro [...] A imagem é “fixa” ou “animada”,
pois a placa comporta um sistema mecânico que permite dar movimento ao
assunto representado. (MANNONI, 2003, p.58) .

4
Kircher Athanasius nasceu em 2 de maio de 1602, na cidade de Geisa, na Alemanha. Em 1646 publicou o livro Ars
magna lucis et umbrae - A grande arte da luz e da Sombra. Segundo o pesquisador Laurent Mannoni, a obra é um
verdadeiro monumento da história pré-cinematográfica, pois aborda todos os assuntos de catóptrica e dióptrica. Para
mais informações sobre o tema, ver: MANNONI, L. A grande arte da luz e da sombra. Arqueologia do cinema.
São Paulo: Editora SENAC/SP:UNESP, 2003.
5
Ibid., p.49.

9
A lanterna mágica recebera cunho informativo graças aos lanternistas
ambulantes, que viajavam pelos vilarejos com suas caixas amarradas às costas e
projetavam, em seus espetáculos, vistas das grandes cidades da Europa. Um dos
primeiros projecionistas ambulantes com objetivos científicos foi o matemático
dinamarquês Thomas Walgenstein (1627-1681) que, em 1659, deixa a Dinamarca em
direção à Itália.

A utilização da lanterna mágica como instrumento de propagação do saber,


tinha sido um dos primeiros passos em direção do ensino por este aspecto, pelo
seu lado ás vezes lúdico, maravilhoso e didático. Graças a ela, a ideia da
imagem concebida como ferramenta educativa estava lançada. (DEVOS, 1996,
p.8)

Embora a lanterna mágica tenha tido uma hegemonia, outros aparelhos


foram inventados e ganharam popularidade. É o caso do microscópio solar ou lanterna
de microscópio, criada na metade do século XVIII. O instrumento provocou mudanças
nos espetáculos de projeções luminosas, exibindo, além das vistas pintadas à mão,
objetos preparados para o microscópio, tais como insetos vivos. O microscópio solar
atraiu a atenção de cientistas e professores, que “poderiam ilustrar seus cursos de
ciências físicas e naturais, e suas explicações se tornariam mais fáceis e
compreensíveis a grandes audiências” (MANNONI, 2003, p.141). No contexto brasileiro,
Maria da Silva (2006) afirma que o microscópio solar foi introduzido na corte do Rio de
janeiro como divertimento científico e instrutivo.
Diante da popularização dos instrumentos ópticos e de sua inclusão nos
locais da ciência, os poderes públicos europeus iniciaram as primeiras experiências de
documentação. A partir do século XVII a sociedade começava a valorizar a memória e
se formavam as primeiras coleções. Assim, a origem dos museus está associada ao
colecionismo. Nesta mesma época, ocorreu a proliferação do gabinete de curiosidade,
que concebeu “a museografia como forma de organizar a experiência humana” 6.

6
BASTOS, M. Pro Patria Laboremus: Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897). Bragança Paulista, SP:
EDUSF, 2002. p. 253.

10
Laurent Mannoni afirma que a câmera obscura estava presente em todos os gabinetes
da época.

Esses gabinetes, cuja moda atravessou séculos, reuniam numa sala, ou sobre
um móvel grande, raridades naturais (pedras preciosas, fetos, animais
empalhados), instrumentos de física e de óptica, moedas antigas, gravuras dos
grandes mestres, em síntese, tudo o que espicaçava a “curiosidade”. Eram, de
certa forma, museus pré-cinematográficos: além da câmara obscura, exibiam
também lentes, prismas, anamorfoses, discos com imagens e toda sorte de
“espelhos de prazer” ou espelhos mágicos, cujas projeções se rivalizavam com
as da câmara obscura. (MANNONI, 2003 p.43-44)

Para Bastos (2002. p.253), esse fenômeno social foi amplamente difundido e
“pouco a pouco, a natureza e a organização das coleções em museus transformam-se,
rompendo com a tradição da curiosidade”. Em relação aos filmes, Raymond Borde
(1983, p.30-6) esclarece que a ideia de conservação inicia-se em 1898, com Boleslas
Matuszewski, cinegrafista dos irmãos Lumière, que escreveu os textos “Une nouvelle
source de l’histoire: création d’un dépôt de cinématographie historique” e “La
photographie animée, ce qu’elle doit être”, sugerindo a criação de um arquivo para
guardar os registros cinematográficos. Para Matuszewski, era importante conservar as
imagens históricas que retratassem a vida cotidiana das cidades, das festas e das
escolas. Esses filmes documentários poderiam reconstruir o passado. As ações
propostas pelo cinegrafista se limitavam à cidade de Paris. No que diz respeito aos
filmes de ficção, o conselho era guardar somente os que fossem históricos, ou tivessem
aspectos da capital francesa.
Sublinhamos que a invenção do cinematógrafo dos irmãos Lumière, em
1895, intensificou as pesquisas em torno da utilização das imagens no ensino. Países
como Alemanha, EUA, França, Inglaterra e Itália se esforçaram em desenvolver o uso
do cinema na educação7. Desta maneira a medicina foi uma das primeiras a adotar o

7
Neste trabalho os termos “cinema na educação” e “cinema educativo” abrangem os filmes pedagógicos, científicos
e escolares, ainda que como conceito e prática estes filmes sejam diferentes, dentro da proposta da dissertação nos
pareceu coerente mantermos as duas terminologias para designar as imagens em movimento realizadas com fins de
ensino.

11
cinematógrafo, para o ensino da cirurgia. O médico francês Eugène Louis Doyen (1859-
1916) tinha um grande interesse pelas imagens e, em 1897, publicou, junto com o
médico Roussel, o Atlas de microbiologie illustré com 541 fotografias. De acordo com
Thierry Lefebvre (2004 apud Vignaux, 2004a, p.2), o médico construiu sua clínica em
Paris, composta por uma sala de radiografia, um laboratório de microfotografia, um
serviço de fotografia e de cinematografia que compreendia um laboratório e um estúdio
de filmagens, com uma sala de conferência munida de aparelho de projeção.
Eugène Doyen ficaria conhecido por apresentar suas operações filmadas na
reunião anual da Associação médica britânica, em 29 de julho de 1898, que ocorreu em
Edimburgo. Porém, segundo Valérie Vignaux (2004b, p.2) foi o polonês Boleslas
Matuszewski o primeiro a declarar, em la Photographie animée, ter registrado, antes de
Doyen, os trabalhos de vários médicos e cirurgiões franceses.

Os médicos Ballet, Brissaud, Babinski, dos hospitais Saint-Antoine e La Pitié.


Com a ajuda deles e sob elevada direção, tomei nos seus serviços numerosos
casos interessantes. Isso aconteceu em abril e maio de 1898. Eu anoto a data
exata; ela tem sua importância na gênese da cinematografia médica: é - pelo
menos ao meu conhecimento - a onde a ideia tomou realmente corpos, e onde
nós passamos do terreno das investigações ao dos resultados. […] Para o mês
de junho de 1898, certo barulho se fazia em torno da minha ideia no meio
especial que se interessava por ela, e o Sr. Doyen me fez o favor de adotá-la
(Boleslas Matuszewski apud Vignaux, 2004b, p.1).

Como consequência desses acontecimentos, forma-se uma “cinematografia


8
científica” que ganha corpus, inicialmente, com três experiências: as fotografias de
uma crise epilética feitas, em 1906, pelo doutor Chase de Boston; as filmagens de
órgãos internos, em 1910, pelos médicos Rieder, Kaestle e pelo engenheiro Rosenthal;
a inclusão do cinematógrafo na Escola de Aplicação de Val de Grâce pelo professor de

8
Thierry Lefebvre escreve no artigo De la Science à l’avant-garde – petit panorama que “o filme de divulgação
científica conhece seu apogeu na França entre 1910 e o início da Primeira Guerra mundial. Durante esse breve
período, a maior parte das companhias cinematográficas francesas tinham departamentos de produção
especializados. Esse era o caso da Pathé, da Gaumont, mais também da Éclair, da Éclipse, da Cosmograph e
muitas outras.” (LEFEBVRE, T. De la Science à l’avant-garde – petit panorama. In:_____. Images, science,
mouvement. Autour de Marey. Paris: L’HARMATTAN/SÉMIA, 2003. p.103).

12
medicina operatória Dr. Henri Billet. Tais iniciativas desencadearam uma preocupação
com a conservação dos filmes.

É preciso reunir as observações cinematográficas vindas de todos os pontos do


mundo onde se estudam os mesmos fenômenos mórbidos. Eu queria ver fundar
sob qualquer patrocínio considerável Arquivos centrais onde seriam
classificados e catalogados todos os documentos deste tipo. […] Fiz o que pude
para formar o primeiro acervo. A partir do mês de maio de 1897, tinha tomado,
em hospitais de São Petersburgo e de Varsóvia, películas de operações
importantes (como amputações de perna, e partos complicados) e de
movimentos nervosos nas doenças mentais. (Matuszewski apud Vignaux
2004b, p.2).

Desta maneira, podemos considerar que a intenção de criar locais para


guarda dos filmes científicos, educativos e pedagógicos, data quase que do início do
cinematógrafo. Segundo Borde (1983), essas coleções se constituíram a partir de
particulares, a exemplo do milionário francês Albert Kahn que, em 1910, contrata
fotógrafos para registrar Paris, depois o mundo inteiro - reunindo 72.000 fotos - e que,
seguidamente, recruta operadores para registrar o cotidiano, as atualidades, as festas e
os espetáculos de rua. Na Dinamarca, o jornalista Anker Kirkebye tem uma curta
experiência ao organizar um arquivo centralizado na vida cotidiana da sociedade do
país. Já o jesuíta Joseph Joye começa na Suíça sua atuação com as projeções
luminosas de fins catequizantes. Ele conserta e exibe placas de lanterna mágica para
crianças e adultos. O abade constituiu um acervo com 16.000 diapositivos e 2.000
filmes, entre longas e curtas-metragens. Raymond Borde destaca que Joseph Joye
também reuniu em sua coleção, filmes recreativos e algumas ficções. Entretanto, não o
considera fundador de uma cinemateca, porque o acervo “não visa salvar uma arte e
ainda menos difundir a cultura que reside nele” (BORDE,1983, p.40).
Nos EUA, a Biblioteca do Congresso de Washington instituiu as leis do
copyright exigindo o depósito de uma cópia dos matérias protegidos pelas leis em seu
arquivo. Em relação aos filmes, a instituição começa a colecioná-los, em 1893, ao
receber o registro do Cinetoscópio de Thomas Edison. Devido ao fato dos filmes serem
realizados em suporte de Nitrato de Acetato, altamente inflamável, seu armazenamento

13
deveria ser feito em tiras de papel. Esse procedimento de cópias em papel era adotado
como forma de proteger o acervo documental existente na instituição, haja vista que os
incêndios causados pela combustão do nitrato eram frequentes. Enfatizamos, contudo,
que até o presente momento o objetivo da instituição era de proteger o direito legal das
obras cinematográficas. Em 1912, por conta de modificações nas leis de direitos
autorais a Biblioteca do Congresso recebe menor quantidade de cópias em papel.
Entretanto, continuaria a receber outros tipos de matérias relacionados aos filmes,
como roteiros, materiais de imprensa e fotografias. (MALTZ,A.; SHEFTER,M.R.; 2015,
p.40)
Outro tipo de acervo foram os arquivos militares, que se constituíram com o
objetivo de conservar as lembranças das armadas. Na França, criou-se o
L’Etablissement Photographique et Cinématographique des Armées (1914), na
Alemanha o Bild- und Filmamt (1917) e na Inglaterra o War Museum (1917). No que diz
respeito às ações dos poderes públicos, a questão sobre a constituição de um espaço
para abrigar os filmes seria pauta nas sessões do conselho municipal de Paris
defendidas por Henri Turot em 1906, Victor Perrot em 1911/1921, Emile Massard e
Léon Riotor em 1921.

2. Os museus pedagógicos e as primeiras coleções educativas

A questão da “documentação pedagógica”9 se lançaria como uma


inquietação por parte do poder público, que buscava comparar as atividades de ensino
nos países da Europa. Assim, no ano de 1817, Marc-Antoine Jullien publicou sua obra
Esquisses et vues préliminaires d'un ouvrage sur l'éducation comparée que, segundo

9
Joseph Majault afirma em sua obra Centres de documentation pédagogique en Europe Occidentale que “se o termo
de documentação pedagógica não figurou no livro Esquisses et vues préliminaires d'un ouvrage sur l'éducation
comparée, de M. A. Jullien, pelo menos o aparelho das instituições futuras encarregadas de reuni-los é claramente
definido: ‘A educação como todas as outras ciências e todas as artes, compõe-se de fatos e observações. Então
parece necessário formar para esta ciência, como se fez para os outros ramos dos nossos conhecimentos, as
coleções de fatos e de observações, arranjadas nos quadros analíticos, que permitam aproximar e comparar, para
deduzir princípios evidentes, regras determinadas, para que a educação torne-se uma ciência quase positiva’.”
(MAJAULT, J. Centres de documentation pédagogique en Europe Occidentale. Paris: UNESCO,1962. p.5, grifo
nosso).

14
Joseph Majault (1960, p.5) propunha elaborar um quadro comparativo dos principais
estabelecimentos de educação da época nos diferentes países europeus. O livro
ressaltava as diferentes maneiras em que a educação e a instrução pública eram
organizadas.
Com base na descrição efetuada por Majault (1962) sobre os Centros
Europeus de Documentação Pedagógica, vamos estabelecer aqui um breve percurso
histórico sobre a importância dos museus de educação ou pedagógicos para a
constituição das primeiras coleções de filmes educativos. Segundo o autor, é a partir do
meio do século XIX e início do XX que serão abertos, em diversos países (Inglaterra,
Canadá, Estados Unidos, Holanda e Áustria), os primeiros museus de educação ou
pedagogia, tendo por objetivo reunir coleções de materiais, informações estatísticas e
obras pedagógicas, e abrir suas salas e suas estantes aos livros e materiais
estrangeiros.

Se a denominação de “Museu” precedeu a de Centro de documentação, é que


na realidade as primeiras iniciativas tinham por objetivo apresentar os objetos
de ensino, os materiais de educação, sob a forma de exposições temporárias
ou permanentes mais que do que reunir num mesmo lugar e abrir à consulta do
público especializado ou não as coleções de documentos relativos à
organização do ensino e dos estudos (MAJAULT, 1962, p. 5).

Para Joseph Majault (1962, p.6), é somente a partir de 1879, com a criação
do Museu Pedagógico de Paris, que se “alarga a noção de documentação”. Assim, ao
lado da apresentação dos objetos, era preciso a criação de uma biblioteca para receber
todos os documentos históricos e estatísticos que dizem respeito à organização
escolar. O autor sublinha ainda, o importante papel desempenhado pelos museus, visto
que, entre 1851 e 1911 foram criados 72 museus pedagógicos no mundo. Essas
primeiras coleções dos museus desencadearam na formação dos primeiros arquivos
educativos. Analisaremos adiante a experiência do Museu Pedagógico de Paris (1879)
e do Museu Escolar da Bélgica (1880) que desenvolveram serviços ou seções
direcionadas ao cinema. Por fim, revisaremos a experiência brasileira com o Museu
Nacional (1818), o Museu Escolar Nacional (1883) e o Pedagogium (1890).

15
2.1 O Museu Pedagógico de Paris

Os primeiros projetos de um Museu Escolar em Paris foram estudados em


1867. Porém, o projeto de lei relativo à fundação de um Museu Pedagógico Nacional e
de um Escritório de Estatística Escolar só foram depositados no escritório da câmara
dos deputados em 1878. No ano seguinte, foram criados o Museu Pedagógico e a
Biblioteca Central do Ensino Primário.

No início do século XX um Serviço de Informação e de Estudos foi anexado à


instituição existente (decretos de 15 de julho de 1901 e 31 de março de 1903).
Na mesma época um serviço de projeções luminosas foi instalado; uma
ordem legislativa permitia a estas vistas circular em franquia postal em toda
a França para os membros do ensino. (MAJAULT, 1962, p.20, grifo nosso)

A criação dos novos serviços tinha o propósito de coletar os documentos


destinados a divulgar a instrução pública no estrangeiro. No ano de 1903, as duas
instituições fundiram-se sob o nome “Musée pédagogique, bibliothèque, Office et
10
musée et l'Enseignement public” , cuja competência devia estender-se a todos os
graus do ensino. Segundo Emmanuelle Devos (1996, p.11), é a iniciativa de criar uma
cinemateca para a cidade de Paris fundada sobre o princípio de uma coleção de filmes
educativos que, unida a alguns professores que já utilizavam a lanterna mágica como
ferramenta de ensino, estimulou o 6° Congrès de l’Enseignement Technique (1912) em
Bordeaux, onde se discutiu “as lacunas e perigos ligados à difusão do cinema”. Após o
evento foram formuladas as “teorias em favor do cinema aplicado à educação”.
Em 1916, Paul Painlevé, ministro da instrução pública francesa, organiza
uma comissão extraparlamentar “encarregada de estudar os meios de popularizar a
utilização do cinematógrafo no ensino, e de incluir um depósito de filmes no Museu
Pedagógico” (DEVOS, 1996, p.11). O museu já possuía um acervo de placas de vidros

10
FRANÇA. Archives Nationales. Musée Pédagogique. État général des fonds des Archives nationales
(Pierrefitte-sur-Seine). Disponível em: <http://www.archivesnationales.culture.gouv.fr/chan/chan/series/pdf/71AJ.pdf
> Acesso em: 4 set. 2014.

16
destinado aos professores. Esse serviço de empréstimos de placas só fecharia em
1953.

O ministro da Instrução Pública lançou uma campanha em prol da introdução do


cinematógrafo no ensino. Esta campanha se traduz a partir de 1920 em
primeiro lugar pela concessão de aparelhos cinematográficos depois por
subvenções destinadas a permitir as escolas municipais de Paris e do
Departamento de La Seine de adquirir o material indispensável à projeção.
Quanto aos filmes, como nós já vimos, as escolas poderiam livremente
emprestá-los no acervo da “Cinemateca” do Museu Pedagógico. (DEVOS,
1996, p.16)

Para Nadège Mariotti (2003), a virada para o século XX se caracterizou pelo


contexto favorável às inovações pedagógicas e, no ano de 1920, foi criada a
Cinemateca Central do Ensino Público. Segundo a autora, a missão da nova
Cinemateca era “a expedição e a conservação de filmes pedagógicos dos âmbitos
educativos franceses. O primeiro catálogo constituído pela Cinemateca Central do
Ensino Público oferecia 1.000 títulos em empréstimo gratuito” (MARIOTTI, 2003, p.1).
Em 1936, o Ministério da Educação Nacional, atendendo ao pedido do
Instituto de Cooperação Intelectual fundado pela Sociedade das Nações, vincula o
Museu Pedagógico ao Centre National de Documentation Pédagogique (CNDP). A
considerar as circunstâncias, tudo indica que o acervo da seção de vistas das projeções
luminosas foi incorporado à nova instituição. Marriotti (2003, p.2) diz que “a coleção
consagrada à Primeira Guerra mundial se compõe neste caso de quatro filmes do
CNDP”, o que reforçaria essa compreensão, haja vista que o Museu pedagógico só foi
unido ao Centro Nacional de Documentação Pedagógica em 1936.

2.2 O Museu Escolar da Bélgica

Em 1877, ocorreu a primeira tentativa belga de criar um museu escolar,


porém somente três anos mais tarde, em 1880, o Museu Escolar Nacional foi criado, na
cidade de Bruxelas, por iniciativa da Liga de Ensino. Este período estava marcado por
uma forte oposição à orientação protestante na educação.

17
O conflito que cercava a lei escolar e o boicote subsequente à Exposição
nacional por parte da elite católica forneceu à elite liberal a ocasião de
promover seu ponto de vista aos visitantes [...] tal situação foi suscetível de dar
aos visitantes pouco informados das querelas políticas das elites, a impressão
de que o ensino público e laico era unânime e que a qualidade e a
sobrevivência deste eram inteiramente devidas à administração liberal.
(Constant, 2006, p.368)

Para Jean-François Constant (2006), a ausência da elite católica e do


Ministério da instrução pública na Exposição Nacional pode ter significado uma vontade
de “não agitar mais as cinzas da guerra escolar”, de forma que o ministério dispunha de
outras ocasiões para fazer valer suas ideias sobre o lugar do poder público, tais como
“a presença de um Congresso internacional sobre o ensino (1880) e [criação] de um
Museu escolar em Bruxelas” (CONSTANT, 2006, p.368).
Desta maneira, o Ministério da Instrução Pública se responsabilizou pelas
seções de documentação. Os serviços pertenciam à Direção-geral de Serviços
Educativos e das Relações Culturais. Das sete seções criadas, duas estão diretamente
ligadas ao interesse da nossa pesquisa: o serviço de cinema e o serviço de diafilmes. O
serviço de diafilmes se destinava ao empréstimo de filmes fixos que eram fornecidos às
escolas. Já o serviço de cinema tinha por finalidade o empréstimo das 9.000 cópias de
filmes, entre franceses, neerlandeses e ingleses, para os estabelecimentos de ensino.
No ano de 1957, o Ministério da instrução pública criou a administração dos estudos e
os dois departamentos se transformaram em serviço das técnicas audiovisuais, tendo a
seguinte subdivisão: cinema, filmes fixos e diapositivos, rádio e televisão.

2.3 O Museu Nacional

No Brasil, a trajetória dos museus se inicia no fim do século XVIII, com a


casa dos pássaros, seguida pela criação, em 1818, do Museu Real no Rio de Janeiro.
Em 1822, com a Independência, a instituição passou a se chamar Museu Imperial,
nome que iria conservar até a República, quando foi renomeada para Museu Nacional

18
do Rio de Janeiro. Segundo Margaret Lopes, o museu “foi por praticamente um século
uma das poucas e a principal instituição brasileira dedicada primordialmente à História
Natural” (LOPES, 1997, p.11).
Em 1910, a relação do Museu Nacional com o cinema teria tido início por
meio da organização de uma filmoteca com o objetivo de manter uma coleção de filmes
de história natural. Porém, há dúvidas quanto à data exata de sua criação. Carlos
Roberto afirma que o “Brasil teria sido pioneiro na criação de um setor dedicado ao
arquivamento de filmes com finalidades educativas”11, caso fossem encontrados
registros que comprovassem a existência da filmoteca nos primeiros anos do século
XX. Para o pesquisador, a informação foi fundamentada em um relatório escrito, em
1938, por Edgard Roquette-Pinto, sobre a situação do cinema educativo. Nesse
documento ele afirmava que “o emprego do cinema no ensino e na pesquisa
cinematográfica pode ser datado de 1910, quando foi iniciada a filmoteca do Museu
Nacional que mais tarde a Comissão Rondon enriqueceu notavelmente” (ROQUETTE-
PINTO, 1938, apud SOUZA, 2009 p.16). Conforme Carlos Roberto de Souza (2009,
p.16), não foi localizado nos arquivos do Museu Nacional nenhum registro sobre a
criação da filmoteca antes de 1927, quando se organizou o Serviço de Assistência ao
Ensino de História Natural.
O percurso de Edgard Roquette-Pinto, no Museu Nacional, tivera início em
1905, com sua contratação como auxiliar substituto da Seção de Antropologia,
Etnografia e Arqueologia da instituição. Em 1926, ele se tornaria diretor do Museu
Nacional e durante onze anos permaneceria na instituição. Na análise de Margaret
Lopes (1997, p.229) a atividade educativa da instituição vinha ganhando peso e se
consolidara com o “artigo 59 das ‘Disposições Gerais’ que propunha a criação de um
Museu Escolar”.

11
SOUZA, Carlos Roberto. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil. 2009, 310 p. Tese
(Doutorado) – Departamento de Cinema, Televisão e Rádio / Escola de Comunicação de Artes, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2009. p.15.

19
No início do século, essa especialidade de museu também se disseminou por
diversos países, no contexto das críticas ao ensino tradicional livresco,
integrando o movimento educacional conhecido por “Escola Nova”. No Brasil,
esse movimento teria seu auge no final da década de 1920, e dele participariam
ativamente os professores do Museu Nacional, como Roquette-Pinto. Museus
“Escolares” ou “Pedagógicos” foram criados a essa época em diversos países
na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Esses diferiam das
simples coleções mantidas pelas escolas por sua maior abrangência, dispondo
de coleções especiais para atendimento de professores e alunos. (LOPES,
1997, p.229)

Assim, o Museu Nacional criou um “serviço de atendimento às escolas – o


Museu escolar, cujos desdobramentos levariam à criação de seu serviço educativo na
década de 1930” (LOPES, 1997, p.231).
Em matéria da Revista Cinearte de 23 de março 1932, Roquette-pinto diz:

Um Museu moderno, sem cinema, não é Museu. A exposição fixa deve


seguir-se, sempre a exposição animada. O cinema, aqui, completa o ensino e
não pode aqui existir sem os vários outros departamentos que temos enchendo
todas as nossas salas. Mas essas mesmas salas, sem o auxílio capaz e
12
admirável do Cinema, nada seriam, também.

O Museu Nacional abrigaria o salão de conferências e filmes Marajó, que era


totalmente decorado ao “estilo brasileiro” e portava uma cabine de projeção com um
13
aparelho Krupp Ernemann . O Serviço de Assistência ao Ensino tinha um arquivo de
filmes contendo “mais de 150 películas todas cuidadosamente enlatadas e numeradas”
(CINEARTE, 23/03/1932). Qualquer instituição de ensino poderia fazer empréstimos na
Filmoteca do Museu Nacional. Em sua programação, constavam filmes sobre biologia,
botânica, zoologia e também geografia. Por exemplo, no acervo da filmoteca, era
possível encontrar “Em pleno coração do Brasil, Sertões de Mato Grosso, Marajó, Rio
Cuminá” 14 na seção cinematográfica da comissão Rondon.
Entre 1927 e 1931 o Serviço de assistência ao ensino teve a seguinte
movimentação:

12
Cf. Um Cinema de Films Educativos no Museu Nacional. Cinearte, Rio de Janeiro, n.317, p. 15. 23/mar/32.
13
Ibid., p.15.
14
Ibid., n. 318 p.38. 30 mar. 1932.

20
Tabela 1 – Atividades do Serviço de Assistência ao Ensino – Museu Nacional

# 1927 1928 1929 1930 1931 Totais


Escolas, cursos, etc... 4 36 24 19 20 103
Aulas, conferências, etc... 13 46 38 20 26 143
Alunos e visitantes... 59 4673 1415 2895 1845 11787
Dispositivos utilizados... 65 1185 1291 497 804 4142

Gravuras utilizadas... 8 16 21 63 0 188


Filmes exibidos... 0 35 50 51 24 170
Preparações e 893 1127 1112 1108 4229
determinações de material
escolar...

Fonte: Um Cinema de Filmes Educativos no Museu Nacional. Cinearte, Rio de Janeiro, n.


318, p.38. 30 mar 1932.

Para Lopes, o Museu Nacional contribuiu para a institucionalização das


ciências naturais no país, especializando diversas áreas do conhecimento e
profissionalizando naturalistas, além de manter atividades ao redor da educação. “O
Museu Nacional desde suas origens, nas primeiras décadas do século XIX, já atuava
como centro irradiador e de apoio às atividades de ensino das ciências naturais.”
(Lopes,1997, p.328). As ações educativas do então diretor do Museu Nacional,
Roquette-pinto, ganhariam força em 1936 com a criação do Instituto Nacional de
Cinema Educativo (INCE) que ele dirigiria até 1947.

2.4 O Museu Escolar Nacional e o Pedagogium

O Museu Escolar Nacional foi fundado no Rio de Janeiro em 2 de dezembro


de 1883, subsequente à realização da Exposição Pedagógica, que movimentou a
cidade com expositores de diversos países. Segundo Maria Bastos (2002, p.261), “a
partir de 1862, a participação do Brasil em exposições universais permite que o país

21
tome maior contato com o processo de consolidação da educação como signo de
civilização, de progresso, de sociedade moderna”. Assim, o deputado Franklin Doria,
que era secretário da comissão diretora da exposição, criou, com o apoio de Conde
d’Eu, a Associação Mantenedora do Museu Escolar Nacional, que estruturou uma
biblioteca, além de cursos, conferências públicas e exposições escolares.

Havendo-se malogrado a criação de um Museu de Instrução Publica, cuja ideia,


tivera em 1880 o finado educador brasileiro Dr. Pedro de Alcântara Lisboa, o
Museu Escolar é a primeira instituição desta espécie com que foi dotado o
nosso país e uma das primeiras que tem possuído o mundo civilizado [...] a
Comissão Diretora da nossa mencionada Exposição entendeu que esta
exposição oferecia ensejo ao estabelecimento do museu escolar. Além disto
vinha aproveitar os valiosos subsídios que nos ofereciam vários países
expositores entre os quais a Bélgica, cujas coleções mereceram preeminente
distinção do júri da Exposição Pedagógica. (FRANCO, 1885, p.7)

A associação tinha por objetivo:

prover a conservação e o desenvolvimento de um Museu [...] para fazer


conhecer, com relação ao Brasil e aos países estrangeiros, a história, a
estatística e o estado atual do ensino primário em todos os graus e, tanto
quanto possível, dos outros ramos de ensino. (FRANCO, 1885, p.3).

Durante os anos de 1885 e 1886, o Museu Escolar Nacional estabeleceu


uma atuação no campo educacional, promovendo uma Exposição (1885), a publicação
de um catálogo da biblioteca e do Museu e a Exposição de Objetos Escolares em 1886.
No que concerne ao acervo da instituição, um relatório da diretoria da associação de
1888 informava que a biblioteca tinha um acervo de 6.200 volumes, e que o museu
havia adquirido novos aparelhos “com mais de 900 grupos de objetos classificados
segundo as três seções: planos de construção de edifícios escolares, tipos de mobílias
15
escolares, instrumentos e aparelhos para ensino” . Esta última seção, conforme
explica Maria Bastos (2002, p.271-2), abrigaria em sua subdivisão um setor de
ornamentação escolar, que se compunha de fototipias, fotografias e litografias.

15
BASTOS, M. Pro Patria Laboremus: Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897). Bragança Paulista, SP:
EDUSF, 2002. p.271.

22
Ainda que tenha tido uma forte atuação no campo educativo, o Museu
Escolar passava por crises financeiras, pois a associação mantenedora do museu
sobrevivia de donativos e não tinha auxílio do poder público, o que enfraqueceria suas
atividades nos anos seguintes. Bastos (2002, p.272) explica que as discussões em
torno da criação de um museu pedagógico estavam presentes nas conferências
populares da Freguesia da Glória, e que, no ano de 1889, foi proferida uma conferência
sobre “A necessidade de um museu escolar, a cargo do Dr. João Kopke”. Convém,
lembrarmos, que o Museu Pedagógico de Paris e o Museu Escolar belga haviam sido
criados, respectivamente, em 1879 e 1880. Ou seja, um movimento em prol da
formação de uma instituição nos moldes europeus pulsava cada vez mais forte no meio
educacional.
Em 16 de agosto de 1890 é fundado o Pedagogium, com projeto do
inspetor-geral da Instrução Primária e Secundária Franklim Ramiz Galvão o novo
museu iria requisitar o acervo da biblioteca e o material clássico da extinta Associação
Mantenedora do Museu Escolar (1883) e da Associação Promotora da Instrução (1874)
para integrar sua coleção. (CARTOLANO, 1996 apud BASTOS, 2002, p.274).
Com sede no Rio de Janeiro, a nova instituição tinha por objetivo a difusão
dos museus escolares ou pedagógicos nos demais estados da República e a
organização de museus escolares nas escolas. Para Bastos (2000), as propostas do
Pedagogium se aproximavam das do Museu Pedagógico de Paris:

O Museu, visando aos benefícios do ensino e da propaganda educadora pela


demonstração visual, teria funções múltiplas: ‘apresentar, por espécimes
concretos, documentos autênticos e meios figurativos, a história do progresso
do ensino no país; demonstrar, por meios análogos, a sua situação atual; reunir,
em coleções completas, todos os instrumentos do material técnico do ensino;
oferecer ao exame do professorado os tipos e modelos mais aproveitáveis de
mobília escolar; juntar, numa exposição permanente, as amostras de todas as
invenções e aperfeiçoamentos, produzidos pela indústria nacional e estrangeira,
no tocante ao material clássico; constituir, mediante exemplificações gráficas,
planos, amostras, conferências e investigações especiais no seu laboratório [...]
estabelecer sistematicamente, com as províncias e com os países estrangeiros,
a permutação dos objetos, documentos, informações e serviços, que
interessem o ensino público em todos os seus graus; proporcionar aos
interessados na causa da educação nacional a mais completa biblioteca

23
pedagógica; criar, manter e desenvolver por todos os modos a estatística do
ensino no país; coligir e coordenar todos os dados possíveis acerca do mesmo
assunto no estrangeiro; publicar anualmente, em edições populares, o fruto
deste duplo trabalho.’ “(BARBOSA, Rui. Obras Completas. Vol. X - 1883. Tomo
m, p. 190-199 apud BASTOS, 2000, p.94).

Nesse sentido, a exemplo da instituição francesa, o Pedagogium publica a


Revista Pedagógica (1890-1897) e a coleção Memórias e Documentos Escolares16. No
caso das projeções luminosas, o inspetor Dr. Ramiz Galvão informa que “como
complemento ao museu, será de importância juntar-lhe os aparelhos para o ensino por
meio de projeções luminosas” (BASTOS, 2002, p.98). Em 18 de dezembro de 1890,
consta no Diário Oficial da República a abertura de concurso para aquisição de
coleções para a Exposição Pública, a ser realizada de 17 a 23 de fevereiro de 1891, no
Pedagogium. Entre as coleções solicitadas, encontrava-se uma de vistas para lanterna
mágica:

2ª Coleção – História pátria - Ensino intuitivo da história pátria por meio de


estampas murais coloridas, teatro infantil ou pequena lanterna mágica. Os
personagens devem figurar em cenas que atraiam a atenção infantil pelo
caráter dramático e concorram simultaneamente para os exercícios de
17
linguagem.

Após a exposição, uma comissão nomeada pelo conselho do museu


escolheria as coleções que deveriam ser adotadas na 1ª classe das escolas públicas
primárias. Os expositores podiam optar em receber uma premiação em dinheiro ou
“pelas vantagens resultantes da adoção garantida [das lanternas mágicas] por três anos
nas escolas públicas do Distrito Federal” 18. Assim, os expositores que fornecessem as

16
Maria Bastos explica que existe grande semelhança entre a Revista pedagógica e a Revue Pédagogique e entre
as coleções Memórias e Documentos Escolares e Mémoires et documents scolaires du Musée pédagogique “que
constava de documentos legislativos, documentos administrativos, orientações pedagógicas, documentos históricos,
catálogos, variedades científicas, literárias e gramaticais”. (BASTOS, Maria. Ferdinand Buisson no Brasil – Pistas,
vestígios e sinais de suas ideias pedagógicas (1870-1900). História da Educação. ASPHE/FAE/UFPel, Pelotas, set.
2000. p.100).
17
BRASIL. Inspectoria Geral da Instrução Primaria e Secundaria da Capital Federal dos Estados Unidos do Brazil.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 18 dez.1890. Seção 1, p.
5830, grifo nosso.
18
BRASIL. Classificação Geral das Mercadorias – Tarifa II. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Rio de Janeiro, 25 jun.1894. Seção 1, p. 2262, grifo nosso.

24
coleções eram obrigados a aceitar o preço estipulado pela comissão. Caso optassem
por receber o prêmio em dinheiro, deveriam ceder os direitos da coleção ao
Pedagogium.
Entre 1894 e 1896, a lanterna mágica aparece na classificação geral das
mercadorias – tarifa II - do Diário oficial da República 19. A pesquisa realizada em torno
da difusão da Lanterna mágica entre 1890 e 1896 no site do Jusbrasil não foi extensa,
pois o desenvolvimento dessa questão implicaria outro tipo de análise e
aprofundamentos, o que extrapolaria os limites temáticos deste trabalho20. Desta
maneira, não podemos afirmar que a exemplo do Museu pedagógico de Paris, o
Pedagogium tenha criado também um serviço de projeções luminosas que distribuísse
vistas para as instituições de ensino. Mas, sabemos que, durante o período de sua
existência, o museu foi responsável pela regulamentação e difusão dos museus
escolares e de suas coleções que como observamos podem ter incluído as lanternas
mágicas. Ademais, a instituição também realizou o levantamento de dados sobre a
situação escolar do país e das funções de ensino (cursos e conferências).
Até o momento, vimos que era latente o interesse pelas imagens no meio
educacional. E principalmente, que esse interesse vai se transformando em ações que
com o tempo ganham forma e se transformam em setores específicos como foi o caso
do Museu de Paris que, entre 1901 e 1903, constitui seu serviço de projeções
luminosas. Veremos que as transformações técnicas irão potencializar ainda mais o uso
das imagens nas instituições escolares.

19
De acordo com o art° 25 do Diário Oficial da República, 06/01/1895, a tarifa n.2 teria aplicação a todas as
mercadorias divididas em 9 classes segundo a pauta anexa a estas condições, e seus fretes seriam cobrados de
conformidade com os quadros em anexo. O que nos leva a acreditar que durante esse período pode ter havido uma
comercialização de lanternas mágicas. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/1597442/pg-2-secao-1-
diario-oficial-da-uniao-dou-de-07-01-1895/pdfView> Acesso em 19 nov. 2014.
20
Para mais informações sobre as lanternas mágicas no Brasil ver : TRUSZ, Alice. Entre lanternas mágicas e
cinematógrafos. São Paulo, SP : Terceiro Nome : Iniciativa Cultural, 2010.

25
3. As Cinematecas Educativas

O cinema educativo teve seu momento de sucesso a partir da primeira


década do século XX, com a chegada dos formatos reduzidos não inflamáveis, o filme
21
safety . Esses novos materiais permitiram às companhias cinematográficas, como
Pathé, Gaumont, Éclair e Éclipse, difundir seus filmes em escolas e centros
pedagógicos com segurança. As obras distribuídas nas escolas eram realizadas de
acordo com o nível dos estudantes e o conteúdo pedagógico das instituições de ensino.
Além da produção dos filmes, as companhias tornaram-se também editoras de
catálogos de filmes educativos e escolares.
No início dessa década havia ocorrido uma mudança no sistema comercial
das grandes companhias22 que ao invés de vender os filmes para feirantes e
concessionários passam a locá-los. Esse novo sistema desencadeou na
industrialização do cinema, pois o custo de exibição ficou mais barato e proporcionou o
aumento das salas fixas. Como consequência desse momento, as companhias
lançaram séries de filmes educativos, por exemplo: a Éclair produz a série Scientia,
formada por filmes científicos. Ao mesmo tempo, lança o projetor compacto Kinéclair,
idealizado pelo engenheiro Charles Dupuis, com um sistema de resfriamento da luz,
que permitia ao professor selecionar a imagem por sua “pertinência e interesse”, além
de possibilitar uma paralização sobre a imagem sem que houvesse perigo. Na mesma
linha, a Éclipse distribui os filmes do Doutor Doyen, e outras produtoras menos
conhecidas também acompanham esse movimento lançando filmes educativos ou de
“vulgarização” científica (LEFEBVRE, 2001. p.143).

21
Em 1909, a companhia americana Eastman Kodak anunciou a criação de uma nova película sobre suporte de
diacetato de celulose, intitulada “safety”. Segundo Fernanda Coelho, “sob o nome de “filme de segurança” (safety),
os acetatos de celulose - diacetato de celulose, acetato-propionato, acetato-butirato e triacetato de celulose-
substituíram as películas de nitrato. Lamentavelmente, a denominação ‘película de segurança’ justifica-se somente
porque é um tipo de plástico que queima com dificuldade e não são auto-inflamáveis (como o nitrato). Porém, as
condições necessárias para a sua conservação são tão exigentes quanto para as do nitrato. (COELHO, Maria
Fernanda. A experiência brasileira na conservação de acervos audiovisuais. Um estudo de caso. 2009. 288 p.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2009.p.241).
22
Iniciado pela companhia Pathé esse sistema ficou conhecido como “Golpe de Estado Pathé”, para mais
informações ver : SADOUL, George. História do Cinema Mundial. 1.V São Paulo: Martins Fontes, 1963. Capítulo V.

26
Para Aubert Michelle et al (2004, p.23), foi a companhia Pathé a grande
inovadora, lançando-se muito cedo na produção educativa graças aos seus formatos
reduzidos: o Pathé Kok 28 mm (1912), o Pathé-Baby 9,5 mm (1922) e o Pathé Rural
17,5 mm (1927). A coleção Pathé-Baby seria o maior sucesso da companhia, o primeiro
projetor lançado para o Natal de 1922 era destinado, inicialmente, apenas à projeção de
filmes - alugados ou comprados - que fizessem parte do catálogo Pathé-Baby. No ano
seguinte seria lançada a “Baby-Câmera” uma pequena câmera de filmar que tinha por
objetivo alcançar um público não profissional. Assim, a Société Pathé-Cinéma colocou
no mercado um produto não inflamável, de fácil manuseio com preço acessível. O novo
aparelho utilizava um filme de 9,5 mm com perfuração central que era mais econômico
que o formato standard 35 mm e mantinha uma boa qualidade de imagem nas
dimensões 6,5 x 8,8 mm (CRETON, 1999, p.150). O equipamento foi bem aceito na
França e o Pathé-Baby acabou sendo comercializado em outros países da Europa, na
América Latina e no Japão. No Brasil podem ser encontrados anúncios dos
equipamentos nas revistas Cinearte e A Scena Muda 23. Segundo a pesquisa de Daniel
Righi (2011), o Cine Educativo de João Penteado realizado, entre 1932 e 1952, na
escola Academia de Comércio Saldanha Marinho utilizava um projetor Pathé-Baby e
possuía filmes educativos produzidos nas décadas de 20 e 30 do século XX24. Para
Laurent Creton (1999, p.144), o Pathé-Baby “foi um sucesso comercial, que não
somente teve um papel importante no desenvolvimento do mercado de cinema amador,
mais ainda conheceu uma perenidade excepcional”.
Desde o lançamento do Pathé-Baby, a companhia Pathé disponibilizava um
catálogo no qual seguia uma lista dos filmes 9,5 mm disponíveis para locação e venda.
No vasto repertório constavam filmes de geografia, de física, de tecnologias, de
psicologia, de botânica, de biologia e de zoologia, além de versões reduzidas dos filmes

23
FOSTER, Lila. Filmes Domésticos: uma abordagem a partir do acervo da Cinemateca Brasileira. 2010. 133 p.
Dissertação (Mestrado em Imagem e Som), Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010. p.41.
24
RIGHI, Daniel. O Cine Educativo de João Penteado: iniciativa pedagógica de um anarquista durante a Era
Vargas. 2011. 122 p. Dissertação (Mestrado em Educação) , Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

27
clássicos da época, que já haviam sido exibidos comercialmente, e que eram
convertidos de 35 mm para 9,5 mm. Para Borde e Perrin:

a grande ideia de Charles Pathé foi de criar uma enorme cinemateca para
alimentar os projetores 9,5 mm. Ele pretendia que esta cinemateca contivesse
quase tudo que o cinema mundial produziu de bom desde 1895: cômicos
franceses e americanos, dramas, séries, diretores (por exemplo os filmes de
Griffith). Os títulos novos eram comprados pela Pathé e editados, em versões
frequentemente encurtadas (BORDE; PERRIN,1992, p.98).

A partir do lançamento da revista Le Cinéma Chez Soi, em 1926, esse


catálogo se tornaria uma coluna fixa intitulada: Cinémathèque Pathé e, posteriormente
Filmothèque Pathé. Essa revista Le Cinéma Chez Soi que havia sido fundada por André
J. - L. Breton e dirigida por Lucien Pierron era publicada mensalmente e dedicada à
família e ao meio escolar. De 1926 a 1935, a revista manteve um perfil direcionado a
destacar a importância do cinema para a educação. A partir de 1935, ela vai
progressivamente se especializando no cinema amador e recebe o título: Cinéma
d'enseignement et cinéma d'amateur.
Do início de sua comercialização, em 1922, até 1933, foram lançadas novas
versões do equipamento, que recebem modificações, tais como a reversibilidade do
filme e o tamanho das bobinas, que passam de 20 a 100 metros. Embora o Pathé-Baby
tenha se firmado no mercado a partir dos anos 30, o filme Kodak 16 mm começa a
ganhar espaço na Europa. Assim, em contrapartida, é lançado o Pathé Rural 17,5 mm,
com boa qualidade de imagem, porém nesse momento o filme de 16 mm já tinha se
tornado o principal formato reduzido. Em 1934, o Ministério da Educação Nacional
francês decidiu conceder subvenções para compra de aparelhos em formato 35 mm e
16 mm, acabando com a hegemonia do Pathé-Baby.
No decorrer do trabalho, verificaremos que não haverá uma padronização
quanto à utilização de um único formato na difusão dos filmes educativos pelas
instituições. Ora opta–se pelos formatos reduzidos, ora pelo standard 35 mm,
alternando conforme a seleção da programação. Antes de conhecermos como se
formaram as primeiras coleções das cinematecas educativas e infantis, é preciso

28
salientar que o período de 1920 e 1930 foi marcado pela militância em prol dos
trabalhadores, pelas sequelas da primeira guerra, pela intervenção da igreja
(moralização e ensino) e pelos movimentos de ensino laico. Notaremos que esses
fatores influenciaram no surgimento e na administração dessas instituições. Portanto
esboçaremos aqui, de forma concisa, o perfil destas, ressaltando os objetivos, a
composição do acervo e o processo de difusão dos filmes.

Figura 1 - Revista Le Cinéma Chez Soi, n°6. Out. 1926 Figura 2 - Le Cinémathèque Pathé - Revista Le Cinéma
Fonte: Arquivo de Periódicos – Cinemateca Francesa o Chez Soi, n° 6. Out. 1926
Fonte: Arquivo de Periódicos – Cinemateca Francesa

29
3.1 A Cinemateca da Cidade de Paris

Em 1898, Henri-Thomas Marsoulan, e mais tarde Henri Turot, em 1906,


apresentou ao conselho municipal de Paris uma proposta de criação de um arquivo
cinematográfico para a cidade. Emmanuelle Devos (1996, p.5) afirma que a ideia
principal era manter a memória de Paris e da vida parisiense. Afirma ainda que podem
ser utilizados termos como “musée d’archives cinématographiques”, “musée
cinégraphique” ou ainda “musée de la parole et du geste” para designar essas primeiras
tentativas de obter um local para a guarda dos filmes. Na petição dos autores constava
a solicitação de uma “instituição de arquivos cinematográficos em Paris, de uma
biblioteca de filmes para educação das escolas e a obrigação para todos os operadores
da capital de depositar um positivo nas coleções municipais”25. Sobre a aprovação da
proposta, Borde e Perrin relatam que “a criação havia sido enterrada, retomada (1911),
enterrada de novo, e estava em via de efetivação em 1921, graças a um personagem
muito parisiense Victor Perrot, que assina os seus artigos “Le dernier boulevardierr” e
que defende a causa dos “Archives Cinématographiques” na frente da “Commission du
Vieux Paris” (BORDE;PERRIN,1992,p.25). Em 1911, Victor Perrot retransmitiria o
discurso de Henri-Thomas Marsoulan e de Léon Riotor26, o que desencadearia, dez
anos mais tarde, a aprovação, pelo conselho municipal, do projeto de criação de uma
cinemateca. Para Pastre-Robert (2004, p.47), outro fator importante foram os fortes
argumentos de Léon Riotor no conselho municipal realizado em dezembro de 1924, que
realmente efetivou a criação da cinemateca de Paris em 1925 27.

25
Cf. Rapports et documents du conseil municipal de la ville de Paris, n°26 du 1° mars 1921. Citado por PASTRE-
ROBERT. Enfer, amnésie, rédemption: une histoire du fonds de la Cinémathèque Robert-Lyen. In: PASTRE-
ROBERT, B., DUBOST, M., MASSIT-FOLLÉA, F. (Orgs). Cinéma pédagogique et scientifique. À la redécouverte
des archives. Lyon: ENS Éditions, 2004. p.45.
26
Léon Riotor (1865-1946) era conselheiro municipal da prefeitura de Seine, fundou a Société l’Art à l’école e foi um
grande defensor do cinema de ensino. É atribuído a ele a concepção dos primeiros filmes de orientação e formação
profissional.
27
É notadamente, importante, ressaltar que, em 1922, havia sido criada a Cinémathèque de Saint-Étienne que tinha
por finalidade facilitar a utilização do cinema no contexto escolar. Criada pela cidade de Saint-Étienne, pela Inspeção
Acadêmica e pelo departamento de Loire, seu acervo inicial era composto de filmes instrutivos – documentários,
principalmente, da coleção Pathé, filmes de ficção e animação - doados pelo Ministério de Instrução Pública por

30
A cinemateca de Paris abriu suas portas em 1° de janeiro de 1926, sendo
financiada pelo departamento de La Seine e administrada pela Direção do material e
dos serviços administrativos do ensino primário. Adrien Bruneau, inspetor de ensino
artístico e profissional, seria o diretor de 1926 a 1937. Desde o início, a proposta de
recolher e guardar filmes estava presente como objetivo central da instituição. No texto
de Bruneau apud Devos (1995, p.64), o diretor informa que, entre os objetivos, existia o
de “conservação dos primeiros filmes de ensino e das coleções sobre a história do
cinema”. Béatrice de Pastre-Robert (2004) sublinha que entre a ideia de um arquivo de
filmes e de uma cinemateca escolar, também já figurava o ideal do depósito legal de
filmes. Porém somente no fim dos anos 40, esse sistema se tornaria uma realidade na
instituição.

O sistema de depósito fez uma aparição maciça depois da guerra, a partir de


1948-49. Os organismos depositantes foram em geral administrações como o
Ministério da Saúde ou os serviços culturais ou de propaganda das embaixadas
estrangeiras: EUA, Inglaterra, Suíça, Noruega, Holanda, Canadá. Cada ano um
balanço das saídas dos filmes para os estabelecimentos escolares era enviado
aos organismos depositantes. No decorrer dos anos, algumas destas
instituições retiraram seus depósitos (PASTRE-ROBERT, 2004, p.49).

Não queremos aqui nos aprofundar na questão de qual foi o período exato
que a instituição estabeleceu uma política de depósito legal, mas sim chamar a atenção
para a ocorrência de uma preocupação desde o princípio com a conservação do filme.
No que concerne à constituição do acervo, Devos (1996) e Pastre-Robert
(2004) explicam que a cinemateca tinha como política a compra, encomenda e
produção de filmes. É justamente “a compra de direitos e a tiragem de cópias novas de

intermédio da Cinemateca do Museu Pedagógico. Responsável pelo empréstimo de filmes às escolas, a


Cinémathèque seria reconhecida pelo desenvolvimento, a partir de 1926, do Ciné-Journal stéphanois que registrava
os eventos municipais e a vida cotidiana da cidade. A princípio, essas imagens eram projetadas nas escolas. Mas,
rapidamente ganharam as sessões do Cinéma Educateur e das pequenas salas da cidade. No entanto, as mudanças
técnicas do pós segunda guerra iriam enfraquecer as atividades da cinemateca. A este fato, soma-se o fim do
financiamento do Ciné-Journal pela prefeitura de Saint-Étienne. Para mais informações ver: VIAL. Gérard. De l’Office
du cinéma éducateur à la médiathèque 1895. Mille huit cent quatre-vingt-quinze. N° 41, p. 127-133, 2003.

31
acordo com negativo” que enriqueceriam o arquivo, “além de guardar sua
independência e de respeitar sua direção pedagógica” (PASTRE-ROBERT, 2004, p.49).
A cinemateca de Paris tinha como objetivo reunir e difundir no ensino, filmes adaptados
aos programas escolares, que muitas vezes se tornavam difíceis de serem encontrados
nas companhias cinematográficas, como Pathé, Gaumont e Éclair. Desta maneira,
mantinha um laboratório fotográfico28, onde compunha seus filmes educativos através
da montagem de imagens de origens diversas. A instituição modificava os intertítulos ou
adicionava aos já existentes, quando julgava haverem lacunas de mapas e esquemas
animados. Segundo Pastre-Robert (2004, p.49), a remontagem dos filmes era algo
natural na época, e cita o prefácio do repertório de 1935 onde M. Masbou explica:

Um laboratório de fotografia que (lhe) permite [...] de tirar parte dos filmes
documentários ou de atualidades que encontra no comércio recortando-os de
outra forma, adiantando ou completando tanto pela introdução de legendas
precisas, de esquemas e de mapas, que os tornem mais facilmente utilizáveis
(PASTRE-ROBERT, 2004, p.49).

Pastre-Robert (2001, p.105) esclarece que a ausência de documentos


escritos sobre a atividade e o modo de funcionamento da cinemateca de Paris impedem
uma abordagem profunda de seu funcionamento. É somente a partir dos filmes e das
fotografias publicadas no catálogo de 1935 que se pode compreender como ocorreram
algumas de suas ações. Esse documento era direcionado aos professores das escolas
primárias da região de La Seine, e oferecia um conhecimento dos campos do saber por
meio de imagens. De acordo com a análise da autora, o catálogo era constituído pela
enciclopédia de filmes de ensino Gaumont (1929), e refletia uma tendência na “escolha
do gênero dos filmes, dos materiais ilustrados, mas também da escolha técnica:

28
Emmanuelle Devos afirma que no relatório do conselho municipal escrito por Adrian Bruneau a cinemateca era
formada por uma sala de projeção com 400 lugares, um laboratório de fotografia, um ateliê de montagem e
preparação do filme, um ateliê de desenho e legendas, um espaço para as coleções de filmes de Paris que “oferecia
todas garantias de segurança e conservação”, uma biblioteca de cinema, uma sala de exposição permanente com os
melhores aparelhos escolares, uma sala de reunião e por fim um museu do cinema de ensino que estava em
construção, porém de acordo com os documentos acessados pela pesquisadora no arquivo do Musée École de la
Perrine à Laval tudo indica que a descrição feita por Bruneau pertencia a sua escola “Art et Publicité” criada em 1920
e que anos mais tarde abrigaria a cinemateca de cidade de Paris. In: DEVOS, E. La cinémathèque de la ville de
Paris. Les idées et les faits (1906-1938). 1996. 110 p. Dissertação (Mestrado em Cinema e Audiovisual) –
Universidade Sorbonne Nouvelle Paris III, Paris, 1996. p. 62.

32
formato 35 mm mudo, conjunto revelador de um engajamento pedagógico e estético”
(PASTRE-ROBERT, 2004, p.105).
O acervo de filmes da cinemateca de Paris era específico às necessidades
do ensino primário, e possuíam a seguinte divisão: “ciências naturais; física e química;
lições de coisas; higiene; geografia; grandes documentários; fatos históricos; ensino
artístico; orientação profissional; escolas profissionais; exercícios físicos” (DEVOS,
1996, p. 87).
A cinemateca de Paris abrigou em seu espaço duas instituições: a
Cinémathèque Centrale d’Enseignement Professionnel e l’Office Cinématographique
d’Enseignement et d’Éducation de Paris. A Cinémathèque Centrale d’Enseignement
Professionnel foi criada em 27 de janeiro de 1926, com o objetivo de reunir filmes sobre
as atividades profissionais. Sua atuação não se restringiu a Paris e ao departamento de
La Seine, estendendo-se por toda a França, por intermédio da criação de cinematecas
regionais entre 1924 e 1933. Essas instituições mantiveram uma administração
independente, porém a direção geral era comum. A partir de abril de 1929, o Office
Cinématographique d’Enseignement et d’Éducation de Paris dividiria o espaço com a
Cinémathèque Centrale d’Enseignement Professionnel e a Cinémathèque de la Ville de
Paris. Ele fazia parte da iniciativa da direção geral de ensino técnico, de criar “agências”
com a finalidade de difundir filmes nos horários extraescolares, e sua programação era
formada por sessões recreativas. Tanto a Cinémathèque Centrale como o Office
Cinématographique mantiveram administrações independentes, entretanto suas
estruturas e atividades influenciariam diretamente a Cinemateca de Paris, tornando-se
complementares.
Durante a segunda guerra mundial a atuação da Cinemateca da Cidade de
Paris foi limitada devido, principalmente, a três razões: a restrição das atividades
associativas extraescolares que restringia o acesso de uma parte de seus usuários; a
escassez de película; e a censura e requisições dos alemães. Em 1948, a instituição
retomaria suas atividades apoiando um grupo de professores do Ciné-Club des
Instituteurs que, descontentes com os filmes pedagógicos do mercado, passam a

33
realizar seus próprios filmes. A cinemateca fornecia o material – películas 8 mm, 9,5
mm e 16mm, câmeras 16mm e equipamentos de luz – aos professores, além de
comprar para o acervo da instituição os filmes produzidos por eles. A parceria entre a
cinemateca e o Ciné-Club des Instituteurs se desfaz em 1951, porque os professores
passam a utilizar o material fornecido para uso pessoal.
Entre 1951 e 1959, a cinemateca de Paris investiria novamente na produção
de filmes. A partir de 1955, o novo diretor Gaston Gathier e seus colaboradores Claude
Ehrmann e Pierre Briottet realizaram 11 filmes concebidos para as crianças das escolas
maternais. Os filmes, idealizados como ferramenta de ensino, permitiam “uma
impregnação pelas crianças dos códigos próprios da linguagem cinematográfica e
conduzia a aquisição de uma ‘certa cultura fílmica’” (PASTRE-ROBERT, 2004, p.110).
Atualmente a instituição foi renomeada Cinemateca Robert Lynen de Paris e,
embora passe por crises financeiras, mantém suas atividades de empréstimo e exibição
de filmes em escolas.

3.2 Les Offices du Cinéma Éducateur

Entre 1925 e 1933, os Offices du Cinéma Éducateur foram criados na


França, com o objetivo de descentralizar a distribuição dos filmes e atingir a população
rural e popular. Organizados por associações culturais ou filantrópicas, os Offices eram
organismos semiprivados que, embora recebessem subvenção do Estado, mantinham
autonomia na gestão e no gerenciamento do seu acervo cinematográfico. A atuação
dos Offices era regional e a administração individual. Entretanto, os dirigentes estavam
normalmente vinculados às escolas laicas, e se opunham às questões religiosas.
Assim, suas concepções de ordem moral, social e política, encontravam-se
entrelaçadas. “Eles combatiam a influência da igreja. Eles militavam para a laicidade, o
ideal cooperativo, o pacifismo, a emancipação trabalhadora. No campo, eles tentariam
erradicar com o êxodo rural trazendo aos camponeses uma distração da cidade”
(BORDE; PERRIN,1992, p.8).

34
Em relação à difusão, os Offices distribuíam filmes em 35 mm em escolas,
sociedades laicas e organizações rurais. A programação formava-se de curtas-
metragens pedagógicos, longas-metragens de ficção, desenhos animados e cômicos
americanos e franceses, que faziam parte da sessão recreativa. Borde e Perrin (1992,
p. 8), afirmam que os Offices tiveram papel importante na salvação e divulgação dos
filmes mudos, pois, com a chegada do filme sonoro, na década de 1930, a maioria das
salas comerciais passaram por renovações técnicas, e a publicidade estava totalmente
voltada para o sonoro. Neste sentido, ocorre uma onda de abandono e destruição dos
filmes antigos. Os Offices aproveitam a situação para comprar os antigos aparelhos de
projeção, além de procurar reunir os filmes clássicos da época.
A diferença entre os Offices du Cinéma Éducateur e as demais cinematecas
educativas francesas estava na programação. Os Offices iriam priorizar os filmes de
ficção em detrimento de outros. “Eles abrirão as portas das escolas e das organizações
rurais aos filmes recreativos, o que significa, tudo simplesmente, ao cinema que nós
amamos. Os Offices por conseguinte edificaram-se a partir das redes escolares que vão
absorver e transcender” (PERRIN, 2001, p.130). As sessões realizadas pelos Offices
compreendiam um Ciné-revue, um cômico, um longa-metragem e outro cômico. Quanto
à origem dos filmes de longa metragem: 57% eram estrangeiros sendo 37%
29
americanos, 9% alemães e 11% de outros países . Para Borde e Perrin (1992, p.43),
os Offices olhavam largamente o mundo, principalmente para o mundo antigo, pois os
filmes mais antigos eram de 1918, enquanto os mais novos eram de 1929, e estes
foram distribuídos até a segunda guerra mundial. No caso dos curtas-metragens, a
maior parte eram de cômicos americanos, a exemplo de Charles Chaplin, Harold Lloyd
e Buster Keaton.

O papel dos Offices que difundiam maciçamente os cômicos da Grande Época,


foi prodigioso. Digamos nitidamente: durante os dez anos que separou o sonoro
da guerra, não existia mais que duas maneiras de ter acesso aos Mack Sennett:
1 - Na rede muda do Cinéma Éducateur, em 35 mm, e em versões integrais.

29
Dados constantes em: BORDE, R., PERRIN, C. Les Offices du Cinéma Educateur et la survivance du muet
(1925-1940). Lyon: Presses universitaires de Lyon, 1992. p.43.

35
2 - Nas famílias, em versões encurtadas, e em formato reduzido (9,5 mm) com
projetores de apartamentos. (PERRIN, 2001, p.136).

No que se refere à formação do acervo, uma parte dos filmes poderia


originar-se do estado, mas cada Office dispunha de autonomia para comprá-los, além
de alguns produzirem seus próprios filmes. À exemplo, o Office de Paris recebia em
forma de depósito os filmes de algumas instituições públicas que lhe confiavam os
materiais com o objetivo de incentivar a “utilização do cinema no ensino e de facilitar a
criação de sessões de cinema educador” (DEVOS,1996, p.86). Em 1930, o acervo do
Office abrigaria 386 filmes vindos do Museu Pedagógico, do Ministério da Agricultura,
da Secretaria de Higiene Social, das agências econômicas coloniais, dos
departamentos e outros provenientes de compra.
Em 1939, com a chegada da guerra, os Offices du Cinéma Éducateur ainda
produziriam filmes de atualidades sobre a guerra - Magazines de la France en Guerre -,
a fim de alcançar as cidades do interior em que não haviam salas comerciais onde as
pessoas pudessem seguir as notícias do conflito, mas a expansão da guerra impede a
continuidade das filmagens.

3.3 A Cinemateca Cooperativa do Ensino Laico

Diferente da Cinemateca da Cidade de Paris e dos Offices Cinéma


Éducateur, a Cinemateca Cooperativa do Ensino Laico (C.E.L) seria formada no seio
do movimento educacional popular. Oficialmente foi criada em Bordeaux, no mês de
Outubro de 1927, por iniciativa do educador Célestin Freinet, que vinha desenvolvendo
na França uma pedagogia de interação entre professores e alunos. Em 16 de Janeiro
de 1927, Freinet sugere, por meio da revista L’École Émancipée, a criação de uma
Cinémathèque Coopérative des films Pathé-Baby, e faz uma pesquisa a fim de saber
quantos professores eram proprietários de aparelhos Pathé-Baby. Segundo Henri
Portier (2001, p.114), uma equipe de cinéfilos guiada por Rémy Boyau iniciou o trabalho
coletando verbas e gerenciando o primeiro serviço de locação de filmes. A criação

36
oficial da Cinemateca Cooperativa somente seria votada pelos membros da l’Imprimerie
à l’École, movimento pedagógico liderado por Freinet, no Congrès Syndical de Tours,
em 1927. Nesse congresso Freinet e Rémy Boyau apresentam os primeiros filmes
escolares.

Célestin Freinet apresentou aos congressistas dois pequenos filmes intitulados


“Les élèves de Bar-sur-Loup ao travail” que ele tinha filmado em Pathé-Baby
(formato 9,5 mm) e que mostravam seus alunos elaborando e tirando seus
textos sobre a pequena impressora rudimentar [...] Do mesmo modo, Rémy
Boyau de Gironde fez ver quaisquer cenas filmadas da vida de sua escola
(PORTIER, 2001, p.114).

A Cinemateca C.E.L foi constituída como uma sociedade anônima pelos


professores Marguerite Bouscarrut, Jean Gorce, Odette e Rémy Boyau. O estatuto da
instituição tinha cinco objetivos: “1. Adquirir, fabricar e fazer circular entre os
professores laicos os filmes cinematográficos que apresentam o máximo de valor
pedagógico; 2. Intervir junto às companhias cinematográficas para obter uma produção
melhor; 3. Facilitar a aquisição de aparelhos cinematográficos e filmes; 4. Empregar
todos os meios materiais e pedagógicos suscetíveis aos sócios que utilizam o cinema
na tarefa escolar e extraescolar; e 5. Constituir, por acumulação de fundos de reserva e
de todos outros fundos que pudessem ser integrados, um capital coletivo indivisível
destinado à expansão do cinema escolar.” 30
Em relação ao acervo da instituição, Portier (2001, p. 115) afirma que, após
um ano de atividades, a instituição teve um balanço de 7.905 filmes expedidos em 540
despachos. No ano seguinte, a Cinemateca C.E.L teria expedido 16.111 filmes de 10 m
e 193 bobinas de 100 m, e esses aluguéis continuariam regulares nos anos seguintes.
É importante relembrar que as companhias cinematográficas tiveram um papel
importante nesse período, com o lançamento dos equipamentos leves e a produção de
filmes. Sendo assim a sociedade Pathé teve uma participação mensurável no
crescimento do acervo da Cinemateca C.E.L ao conceder 10% de desconto na
30
PORTIER, Henri. De l’utilisation du film comme outil pédagogique à l’appropriation du cinéma par les élèves
comme outil de création. In: NOURRISSON, D.; Jeunet, P. (Orgs). Cinéma-École: Aller-Retour. Lyon: Publications
de l’Université de Saint-Étienne, 2001. p.114.

37
aquisição de filmes de ensino da coleção 9,5 mm Pathé-Baby. O que levaria a
instituição a completar, em 1929, sua coleção de filmes de ensino do catálogo Pathé-
Baby. Outro fator relevante para a composição do acervo foi a subvenção do Estado
francês, a partir 1928, para a compra de materiais cinematográficos. Desta maneira, a
Cinemateca C.E.L adquiriu uma motocâmera Pathé-Baby de filmagens, que permitiu
aos professores realizarem filmes sobre seus alunos, suas regiões e suas atividades.

A ideia é de expandir a impressora à escola e os jornais fabricados em comum,


pelos filmes que os alunos filmarão com as câmeras Pathé-Baby. Assim as
“classes Freinet”, que formam um pouco dos círculos no ensino primário,
poderão se corresponder de um lado a outro da França. (BORDE;
PERRIN,1992, p.99)

Além de incentivar a criação de filmes por alunos e professores, a


cinemateca acabaria absorvendo também outras atividades escolares, como a
tipografia, o rádio e os discos.
A programação das sessões promovidas pela C.E.L era formada, como
vimos, por filmes do catálogo Pathé-Baby que incluíam os documentários, os filmes
recreativos (desenhos animados do gato Félix), os cômicos, além dos filmes realizados
pelos professores e alunos. No que se refere a qualidade das sessões, estas estavam
longe de ser satisfatórias, sobretudo as projeções. Henri Portier relata a situação
citando a descrição feita por Freinet, do relatório de René Daniel : “Como não havia
eletricidade no município [...] O professor tinha consequentemente uma primeira
manivela para fornecer a iluminação, e uma segunda manivela para assegurar o bom
desenvolvimento do filme” (PORTIER, 2001, p.116).
Mas a insatisfação maior era com a temática dos documentários da coleção
Pathé-Baby. Principalmente, no tratamento dado à questão do “proletariado”, que “era
voluntariamente esquecido”. A esse respeito, Freinet escreveu para a revista l’École
Émancipée, em Junho 1928: “Nós não queremos ficar eternamente à disposição das
companhias de filmes: devemos realizá-los nós mesmos” (FREINET apud PORTIER,
2001, p.118). Em 1931, a Cinemateca C.E.L forma uma equipe de filmagem, e começa

38
a estabelecer contatos com cineastas profissionais e militantes, sugerindo a
possibilidade de filmar em formato standard 35 mm e, posteriormente, fazer cópias em
formato reduzido 9,5 mm para o sócios da cinemateca.
Raymond Borde e Charles Perrin (1992, p.100-1) destacam a importância da
liberdade dos filmes documentários produzidos pela Cinemateca C.E.L, que já possuía
em seu acervo filmes realizados por professores, entre eles o próprio Freinet, e
editados pela cinemateca.31 Destes restam alguns trechos de Fabrication des parfums
aux environs de Cannes (C. Freinet), La culture de l’Olivier e l’industrie de l’Olivier
(H. Bourguignon), Um combat de coqs (J.Roger). Todavia, o filme que recebeu maior
notoriedade foi Prix et Profits ou La pomme de terre de 1931, dirigido por Yves
Allégret, com roteiro de Yves Allégret e Michel Collinet e imagens de Eli Lotar. A
película mostra, através da plantação de batata, qual era o caminho percorrido desde a
produção até o consumo, destacando a evolução do preço. “As cenas permitirão
igualmente mostrar a vida cotidiana difícil de uma família camponesa e de uma família
trabalhadora, a exploração capitalista, mais também a ideologia burguesa que é
veiculada nos manuais escolares da época” (PERRIN, 2001, p.119).

O filme se inscreve no grande momento da luta da classe trabalhadora pela sua


emancipação. “La Pomme de Terre escreve Freinet à época, poderia desfilar na
casa do vagabundo, do grevista, do frequentador assíduo das sopas populares,
do estudante pobre, e explorar toda a miséria do proletariado oposta, por
contraste, as refeições burguesas” (BORDE; PERRIN,1992, p.100).

Segundo Perrin (2001, p.119), o filme foi realizado em 35 mm, com um


orçamento reduzido, e teve a interpretação de amigos que ajudaram sendo figurantes,
entres eles: os irmãos Jacques e Pierre Prévert, o ator, roteirista e editor Marcel
Duhamel, a dançarina Isabelle Kloukowski e Lily Masson, filha do pintor André Masson.
Em 1932, o filme seria lançado no Congresso da Federação Unitária do Ensino em
Bordeaux, sendo bem recebido pelos congressistas. Depois de quatro anos, La Pomme
de Terre estava disponível a todos os membros do Movimento Freinet no formato
Pathé-Baby (9,5 mm). A Cinemateca C.E.L encerra suas atividades de produção e
31
Para conhecer mais títulos ver: Portier, 2001, p.118.

39
locação de filmes, e também de vendas de materiais cinematográficos, com a chegada
da segunda Guerra Mundial. Entre 1953 e 1956, a cinemateca C.E.L retomaria suas
atividades sob a presidência de Honoré Alziary, e com o apoio de Célestin Freinet como
tesoureiro.

3.4 The Children’s Film Library

Do outro lado do oceano, na terra da indústria cinematográfica, em setembro


de 1946, o The Children’s Film Library foi criado pela Motion Picture Association of
America. Constituído como uma Cinemateca Infantil, tinha por objetivo colocar filmes à
disposição dos diretores de cinemas destinados a organizar sessões especiais para
crianças de 8 a 12 anos. O acervo inicial da instituição era formado de 28 filmes
antigos, cedidos por “uma dezena de sociedades produtoras das quais sete eram
membros da Motion Picture Association of America” (STORCK, 1950, p.133).
Embora fosse presidido por Marjorie Granger Dawson, o The Children’s Film
Library era dirigido pelo National Children’s Film Library Committee, um comitê
voluntário formado por vinte membros, em maioria mulheres, encarregado de selecionar
e aprovar os filmes recreativos para crianças. O objetivo do comitê “era de assegurar o
fornecimento suficiente de filmes recreativos as salas, de todo o território dos Estados
Unidos, que têm programas especiais para as crianças”. (Dawson apud Storck, 1950,
p.161). Esse comitê era auxiliado por um conselho consultivo composto por
especialistas da infância e da psicologia. A seleção dos filmes tinha como critério a
qualidade social, educativa, moral e recreativa.

No curso de um período de três anos (1946-1949), o Comitê visionou as


primeiras cópias, em torno de 400 grandes filmes e decidiu, de acordo com o
seu valor educativo, social, religioso e [ou] moral, se eles convinham a um
público composto exclusivamente de crianças de 8 a 12 anos. Sobre este
número global, 175 filmes foram julgados “aceitáveis”, enquanto 79 eram
“recomendáveis” para programas especiais para crianças. Estes filmes
recomendados são adquiridos automaticamente pela Cinemateca das crianças,
no fim do período de projeção pública, e constituem assim uma reserva de bons

40
filmes recreativos para crianças. Além disso, em torno de 360 curtas-metragens
foram aprovados ao público juvenil. (STORCK, 1950, p.161, grifo nosso)

Para o National Children’s Film Library Committee, as situações cotidianas


que ressaltassem os princípios democráticos e familiares eram consideradas
qualidades sociais. Assim, os personagens dos filmes deveriam evocar tolerância:

Os personagens que pertencem a grupos minoritários dos Estados Unidos da


América, ou os cidadãos dos países estrangeiros, devem ser descritos como
indivíduos antes que sob uma forma estereotipada (“o negro”, “o judaico”, “o
Italiano”). É permissível representar certas diferenças de ordem econômica,
mas seria inadmissível insistir sobre o snobismo ou as distinções de castas. O
filme não deve conter nenhum exemplo de intolerância em relação a um grupo
social qualquer dos Estados Unidos da América. (STORCK, 1950, p.163)

No que tange a qualidade educativa, Marjorie Dawson (1950, p.163) explica


que todos os filmes possuem preciosos ensinamentos. Porém é necessário subdividi-
los em duas categorias: filmes com qualidades históricas e filmes com qualidades de
atualidade. As qualidades históricas deveriam tratar da “representação dos EUA, dos
seus costumes, ideias e dos princípios dominantes nas diferentes épocas da história e
também nos diferentes países do mundo”. Quanto às qualidades de atualidade, estas
precisavam se remeter ao universo adulto, o que despertará nas crianças e jovens a
curiosidade, mostrando-lhes “como vivem e como agem as pessoas e quais as
consequências de seus atos”. Os temas principais abordariam as diferenças
geográficas de cada país, o progresso da ciência e da literatura.
A qualidade moral era regida pelo Production Code d’Administration, o
Código Hays, que foi instituído em Hollywood em 1934. Para Meneguello (1996, p.137),
o código tinha por objetivo controlar a imoralidade dos filmes e das vidas pessoais dos
astros. Entre as situações censuradas constavam, por exemplo, “que os personagens
imorais deviam ser castigados ao final dos filmes, se possível com a morte; proibia
qualquer sugestão de relações sexuais; proibia que se retratassem viciados, hereges,
crianças nuas ou cenas de partos, mesmo que em silhueta; e finalmente proibia cenas

41
ambientadas em quartos, a não ser que tivessem duas camas separadas”. Para
Marjorie Dawson (1950), a utilização do código facilitava o trabalho do comitê.

Os filmes americanos procuram ilustrar o princípio que “o crime não paga” ou


“nada de bom pode sair de uma má ação”. De 8 a 12 anos, as crianças têm um
sentido moral muito desenvolvido, que estabelece uma distinção brutal entre o
bem e o mal [...] Também o Comitê toma grande cuidado que os valores éticos
e morais, como eles são apresentados a este grupo de idade, sejam claros e
bem definidos. Um vilão simpático é coisa inadmissível. Mesmo
provisoriamente, a distinção entre o bem e o mal deve nunca enfraquecer. Em
todos os casos, o filme deve conformar-se às normas de moralidade
geralmente aceitas na América de hoje. (DAWSON, 1950, p.164, grifo nosso)

As questões sobre a influência das imagens nas crianças, principalmente


das cenas de violência, seriam tema da Exposição Internacional de Arte
Cinematográfica de Veneza de 1950, em que os trabalhos de Mary Field e de Sonika
Bo foram destaque.

Nós abordamos hoje a fase mais rica em promessas para o desenvolvimento


da cinematografia para crianças, a obra apaixonante de algumas raras pessoas
dentre as quais não posso esquecer-me de citar o nome ilustre de Mary Field
na Grã-Bretanha – e de Sonika Bo na França – afirmando-se a um tal ponto que
ela teve êxito para impor à atenção do mundo inteiro o problema dos filmes
para as crianças. (PETRUCCI,1951, p.11)

As interdições impostas pela censura em diversos países foram analisadas


no evento, em especial, assuntos como a delinquência, a sexualidade e a moralidade.
Conforme o capítulo II, veremos que a nocividade das imagens também foi uma
preocupação da direção do Departamento Infanto-juvenil da Cinemateca Brasileira.
O último critério estipulado pelo The Children’s Film Library era a qualidade
recreativa do filme. A equipe considerava que o sucesso de um filme recreativo para
crianças dependia de um roteiro claro, “trama bem feita”, com muita ação e pouco
diálogo. Assim, os filmes selecionados e julgados pelo comitê eram apresentados em
uma sessão promovida pela instituição a espectadores de 8 a 12 anos, que decidiam o
valor recreativo do filme. Durante a avaliação do público infantil, os membros do comitê

42
observavam o interesse que as crianças manifestavam durante a projeção e mesmo
filmes de alta qualidade eram rejeitados se aborrecessem os jovens. Se fosse verificado
que cenas isoladas causavam o aborrecimento ou que alguns trechos estavam em
desacordo com as qualidades estipuladas pelo comitê (educativa, moral, social ou
psicológica), poderiam ser realizados acordos com os produtores a fim de retirá-las.
Ressaltamos, contudo, que os filmes somente eram liberados para exibição
comercial depois do parecer do comitê. Portanto, o National Children’s Film Library
Committee fixou duas classificações para os filmes inéditos ou reeditados e distribuídos
no comércio: “1. Children’s Programs Recommend – Esse certificado se aplicava aos
filmes inéditos ou reeditados reconhecidos pela alta qualidade; e 2. Children’s Programs
Acceptable - se aplicava aos filmes inéditos ou reeditados recomendáveis em razão de
seu valor educativo, moral ou social, cuja qualidade não era excepcional” (STORCK,
1950, p.135). Além de regulamentar a exibição dos filmes recreativos, o The Children’s
Film Library mantinha no acervo uma coleção de filmes escolhidos pelo comitê.
Segundo Dawson, as cópias dos filmes recomendados eram conservadas por cada
centro regional de troca, como parte da coleção da instituição. Todos os exibidores que
desejassem mostrar esses filmes em sessões especiais para crianças podiam obtê-los
a um preço reduzido. O exibidores precisavam se dirigir ao The Children’s Film Library
ou ir diretamente ao distribuidor.
Diferente das instituições estudadas até o momento, o The Children’s Film
Library não julgava ser necessário a produção de filmes especializados para crianças
maiores de 8 anos, pois acreditava que a partir dessa idade já era possível distinguir
entre o mundo real e o imaginário. Para Dawson, a criança estava integrada no mundo
adulto e tinha se habituado a viver nele. Em relação aos pequenos espectadores
americanos, ela afirma: “nossas crianças têm já uma vasta experiência dos filmes
destinados ao público de todas as idades. Os filmes realizados especialmente para eles
não alcançam o sucesso e são julgados cansativos por eles” (STORCK, 1950, p.166).
Outro diferencial é que a instituição americana não fazia empréstimos para escolas,
associações e cineclubes: o atendimento da Film Library estava focado nas salas

43
comerciais. Porém, poderiam ser realizadas sessões especiais para grupos escolares.
Sobre o assunto, Marjorie Dawson (1950, p.178) afirma que “com base em sua
experiência e sob longa reflexão, o comitê da cinemateca das crianças considera que a
projeção dos filmes recreativos destinados aos espectadores juvenis deve fazer-se nas
salas de cinema comuns”. Outra colocação a ser feita é que, embora o The Children’s
Film Library mantivesse como critério para seleção dos filmes a qualidade educativa,
seu objetivo era selecionar e constituir um acervo somente de filmes recreativos.
No que se refere ao acervo de filmes, a instituição encontrava dificuldades
para adquirir obras, pois os produtores não queriam correr o risco de ter gastos tirando
uma nova cópia que poderia não ser aceita pelo comitê. E, quando se tratava de filmes
antigos reeditados, os produtores não podiam ceder os direitos à The Children’s Film
Library. Desta maneira, o comitê analisava, especialmente, filmes de 35 mm destinados
aos adultos que eram distribuídos pelas sociedades afiliadas à Motion Picture
Association of America e que poderiam vir a fazer parte do acervo da instituição.

4. As “cinematecas modernas” e suas ações educativas

Com base nesse percurso histórico observamos que a necessidade de reunir


e guardar os filmes educativos em locais especializados atravessou os objetivos dos
museus escolares/pedagógicos e desencadeou na formação das cinematecas
educativas e infantis. Algumas destas instituições, Museu Pedagógico de Paris e
Cinemateca da Cidade de Paris, pensaram além da difusão cinematográfica e iniciaram
discussões em torno de questões como a conservação do filme e o depósito legal.
Entretanto, a noção de conservação iria realmente ganhar espaço na passagem do
cinema mudo para o sonoro. Segundo a análise de Borde (1988, p.16-27) existiram três
momentos críticos de destruição dos filmes: o primeiro antes da primeira Guerra, o
segundo com a chegada do cinema sonoro e o terceiro nos anos 50 com o nitrato.
A partir de meados 1910, ocorreu a primeira crise de destruição do chamado
primeiro cinema. Os filmes passam por mudanças, eles ganham maior duração e atores

44
especializados que substituem as fantasias e os artistas das famosas comédias. As
transformações sucedidas fizeram com que os pequenos filmes apresentados em
feiras, cafés e teatros perdessem seu valor artístico. Nesse sentido, os antigos filmes
passam a ser chamados de “Vieux ciné” e perdem espaço no mercado que começa a
vendê-los à indústria química. Estima-se que para o período de 1895 a 1915 foram
perdidos em torno de 80% da produção mundial (BORDE, 1988, p.17).
O segundo momento sucedeu no fim dos anos 20 com a rejeição do cinema
mudo. A chegada do filme sonoro transforma o mercado cinematográfico e o
comportamento do público. José Quental explica que:

A passagem para o cinema sonoro acarretou a transformação de quase toda a


cadeia cinematográfica. Desde o processamento da película nos laboratórios,
passando pela estrutura física dos estúdios, que precisaram ser isolados
acusticamente, chegando as câmeras, que foram blindadas acusticamente para
que o ruído do motor não fosse gravado, e até mesmo os atores, aos quais
passou a exigir boa voz (QUENTAL, 2012, p.27).

Podemos afirmar que, novamente, a ideia do “Vieux ciné” ganha lugar e uma
nova onda de destruição se instaura. Porém, dessa vez o desaparecimento de muitos
filmes iria gerar um choque cultural que ocasionaria em mudanças quanto à
conservação dos filmes. É necessário esclarecer dois fatores importantes para
compreendermos as transformações ocorridas em relação à salvaguarda dos filmes: o
primeiro é a valorização do cinema como arte e o segundo é a formação do movimento
cineclubista.
A cinematografia no início era vista como uma diversão das classes
populares (proletariados, pobres e marginais) das grandes cidades. A partir de 1910 e
1920, surgem os primeiros críticos e teóricos que iniciam as discussões em torno da
elevação do cinema como arte, equiparando-o com as Belas Artes. Este movimento
crítico ganharia força em 1921, com o italiano radicado na França Ricciotto Canudo32,
que cria o Club des Amis du Septième Art, e com Louis Delluc e Charles de Vesme, que

32
A partir de 1911, Ricciotto Canudo cunha a expressão Sétima Arte para designar o cinema em seus escritos
publicados em Manifeste des Sept Arts e em Esthétique du Septième Art.

45
resgatam o termo cineclube por meio do periódico Le Journal du Ciné-Club33. Canudo
tinha a intenção de provar “por todos os meios o caráter artístico do cinema”, ele
pretendia “elevar o nível intelectual da produção francesa” e “colocar tudo em obra de
modo a lançar ao cinema os talentos criadores, os escritores e os poetas”.
(MANONNI,1994, p.170). Suas ações incentivaram a formação de novos cineclubes
que promoviam sessões com filmes, clássicos ou da vanguarda francesa, de difícil
acesso, a fim de ensinar a linguagem cinematográfica. Segundo Jean Mitry (1987 apud
Manonni, 1994, p.173), é somente a partir de 1925 que seria desenvolvido esse formato
de cineclube que conhecemos atualmente com sessão acompanhada de uma
apresentação e de um debate.
Na década de 30, com o advento do cinema sonoro, os clubes de cinema se
transformam. O ideal da reflexão crítica perde-se perante aos filmes falados. Este
momento marcou “o fim de um certo gênero de cineclubes intelectuais, aqueles que
sustentavam apaixonadamente os filmes estrangeiros difíceis, ou a excepcional
vanguarda francesa, que não pôde resistir à vaga dos filmes falados comerciais”
(MANONNI,1994, p.172). Na direção oposta da maioria, alguns clubes de cinema
mudam sua postura diante da destruição dos filmes mudos que tornaram-se raridades.
Inicia-se a formação de cineclubes direcionados à exibição do mudo, e com uma
preocupação em formar e conservar uma coleção de filmes, tais como o Cercle du
Cinéma fundado, em 1935, por Henri Langlois, Gerorge Franju e Jean Mitry. No ano
seguinte o cineclube se transformaria na Cinemateca Francesa. Laurent Manonni
(2006, p.23) considera que as “verdadeiras cinematecas” nascem da “carência
progressiva” dos cineclubes que se renderam ao cinema sonoro.
Deste contexto eclodem os arquivos de filmes, tais como: o Svenska
Filmsamfundet (1933), em Estocolmo; o British Film Institute (1933), em Londres, o

33
Laurent Manonni afirma que o termo Cineclube não foi criado por Louis Delluc, pois em “14 de abril de 1907,
Edmond Benoit-Lévy, diretor da revista Phono-Ciné-Gazette, anuncia a fundação do primeiro ciné-club, instalado nº
5, Boulevard Montmartre, em Paris, na sede de um cinema Pathé e da futura sociedade Omnia”. (MANONNI, L.
“Ciné-clubs et Clubs”. In: Dictionnaire du cinéma mondial: mouvements, écoles, courants tendances et genres.
Org Alain et Odette Virmaux. Editions du Rocher, 1994. p.170-175. Tradução Fausto Côrrea Jr., publicado em
http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com.br/2008/12/cineclubes-e-clubes.html).

46
Reichsfilmarchiv (1934), em Berlim; a Film Library do Museum of Modern Art de Nova
Iorque (1935) e a Cinemateca Francesa (1936), em Paris. Esses arquivos tinham por
missão salvaguardar os filmes, valorizar e difundir a cultura cinematográfica. Raymond
Borde (1983) denomina estas novas instituições de cinematecas modernas. Para o
autor, os arquivos de filmes fundados a partir deste momento se diferenciam dos
antigos por considerar o cinema como arte, como patrimônio cultural que deveria ser
valorizado, não se restringindo mais a visualizar o filme como um documento
cinematográfico histórico sem valor artístico. “Uma cinemateca moderna, não é
somente uma boia de salvação para uma arte do visível, não é somente uma reserva
de materiais para a sociologia ou uma casa de prazer, é também um gigantesco
laboratório” (BORDE,1983, p.27).
As cinematecas modernas iriam contribuir no desenvolvimento dos estudos
sobre a história e a estética dos filmes e, principalmente, da arquivística fílmica. Neste
sentido, a Federação Internacional dos Arquivos de Filmes (FIAF) foi criada, em 1938,
com sede em Paris, por quatro instituições: a Film Library do Museu de Arte Moderna
de Nova Iorque, o Reichsfilmarchiv, o National Film Library – BFI e a Cinemateca
Francesa. A instituição tinha por finalidade reunir os arquivos de filmes – que
visionavam conservar os filmes e seus documentos - e “desenvolver uma cooperação
mais íntima entre as diferentes cinematecas nacionais e de facilitar as trocas
internacionais dos filmes históricos, educativos ou artístico” (BORDE, 1983, p.72).
No início dos anos 50, ocorreu o terceiro momento de destruição dos filmes
com a mudança da película de nitrato de celulose pela de acetato celulose que não é
auto-inflamável. À época as cinematecas já possuíam o reconhecimento do meio
cinematográfico, porém não foi suficiente para impedir outra onda de destruição. Não
iremos resumir aqui a história destes arquivos ou sublinhar a importância que tiveram
na preservação e difusão dos filmes, pois o objetivo desta pesquisa é analisar as ações
realizadas, por estas instituições, em torno da educação cinematográfica nas escolas,
universidades e organizações educativas. Desta maneira, escolhemos analisar, de

47
forma breve, duas instituições que nasceram com um viés educativo: o British Film
Institute e a Film Library do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA).
Entretanto, antes de prosseguirmos, é preciso esclarecer que apesar da
Cinemateca Francesa ter sido um referencial na difusão da cultura cinematográfica e ter
influenciado a criação de inúmeros arquivos de filmes no mundo, no que concerne ao
campo educativo, mas especificamente, na concepção de um departamento
pedagógico ou Infanto-juvenil, a instituição somente iria instituir seu “Departamento
34
Pedagógico” nos primeiros anos da década de 90. Assim, uma análise desse
departamento extrapolaria os limites temporais deste estudo que se detém ao período
de 1954 a 1966. Ressaltamos, contudo, que o cenário francês dispunha de outras
instituições, como observamos no capítulo I, que realizaram este tipo de atividade no
período em questão.

4.1 British Film Institute

Em 1932, o projeto de criação do British Film Institute (BFI) foi concebido, a


partir do relatório The film in national life publicado pela Commission on Educational and
Cultural Films que havia sido instituída em 1929, após uma conferência organizada pelo
British Institute of Adult Education e pela Association of Scientific Workers. Essa
conferência reuniu organizações educativas, científicas e sociais inglesas que
acreditavam “que o filme constituía um poder na vida nacional” e deveria ser utilizado de
35
forma “construtiva a serviço dos interesses da educação” . No documento estava
previsto a concepção de um Instituto Nacional do Filme que refletisse sobre estas

34
Em 1993, o Departamento Pedagógico da Cinemateca Francesa foi criado com o objetivo de investigar uma
pedagogia do cinema que aproximasse o ver e o fazer e que tornasse compreensível a história do cinema.
Atualmente o departamento é dividido em quatro setores: “Cent ans de Jeunesse”, “actions en milieu scolaire et
partenariats”, “programmation et activités Jeune Public sur le temps livrée” e “formations et stages pour les adultes”.
Suas atividades se concentram em organizar: uma programação destinada ao público jovem; ateliês de cinema para
estudantes do maternal ao nível universitário; formação para adultos e professores. Ademais, o Departamento edita
a coleção Ateliers du Cinéma que aborda o cinema em situação didática.
35
FRANCIS, Barbey. L'Éducation aux médias, de l'ambiguïté du concept aux défis d'une pratique éducative.
Paris: Publibook/Société écrivains, 2010. p. 77.

48
questões e, sobretudo, que ajudasse a construir uma política para o filme que
vinculasse estruturas do governo, organizações sociais e produtores de filme. Para
estabelecer o plano do Instituto, a comissão analisou pesquisas realizadas por
diferentes associações e organizações sobre o filme e seu caráter educativo em dois
períodos, de 1916 a 1926 e entre 1929 e 1932. Resultando na seguinte constatação: no
primeiro período, existiam dúvidas em relação ao “papel auxiliar que o cinema podia ter
na educação”. Já no segundo, “houve um otimismo por parte dos representantes da
educação” (FRANCIS, 2010, p.77).
O relatório não tratava somente da questão educativa, mas previa também a
criação de uma cinemateca e um centro de documentação que se tornariam um núcleo
de ligação entre a indústria, os produtores, os distribuidores e as associações culturais
e educativas. O Instituto Nacional do Filme deveria ser público e ter um decreto real
(Charter Royal).

As organizações comerciais cinematográficas, porém, temendo que o novo


órgão se envolvesse com assuntos de censura e tentasse direcionar a
produção, reagiram e fizeram pressão suficiente para que, quando o British Film
Institute foi constituído, em setembro 1933, tivesse forma jurídica de uma
associação privada sem fins lucrativos (SOUZA, 2009, p.21).

Para consolidar sua hegemonia, as companhias cinematográficas


conseguiram participar do conselho administrativo que possuía três representantes da
educação, três das companhias cinematográficas, três da sociedade, um do British
Institute of Adult Education e um do Cinematograph Exhibitors Association. Porém, o
“comércio logo percebeu que o BFI não teria forças para atrapalhar os negócios e
praticamente retirou suas forças do conselho” (SOUZA, 2009, p.21). Em 1983, o British
Film Institute recebeu o Charter Royal, que foi modificado em 2000. Entre os
departamentos criados estavam a National Film Library, que desempenharia uma
importante atuação na guarda e conservação dos filmes, se tornando conhecida pelas
ações do seu diretor Ernest Lindgren, em relação ao desenvolvimento técnico da

49
preservação dos filmes. Já o BFI Education ficaria encarregado de produzir recursos e
materiais educativos sobre os filmes para professores e alunos.
Desde a idealização do BFI até os anos 1960, a questão educativa esteve
presente com um objetivo protecionista. Os filmes eram vistos como uma influência
para crianças e jovens, pois podiam transmitir falsos valores morais e sociais. Assim, o
instituto era responsável pela classificação dos filmes, que seguiam quatro categorias:
“A” somente adultos; “B” adultos e adolescentes; “C” Filmes que não parecem assustar
as crianças nem causar qualquer perturbação psicológica; “D” Filmes que agrada à
todos particularmente as crianças e que não parecem assustar, nem causar qualquer
perturbação psicológica (STORCK, 1950, p.94). Para Cary Bazalgette, inicialmente, o
papel educativo do BFI era indefinido e avançava lentamente. “Existia certa confusão
em torno da verdadeira função do BFI, tensões que se refletiam nos debates sobre a
alfabetização midiática não somente no cinema, mas em outros meios também”
(BAZALGETTE, 2010, p.16). Na década de 30, além da National Film Library, criou-se a
revista Sight and Sound. Em 1950, formou-se o BFI Education e dois anos mais tarde
seria aberto o Teatro Nacional do Cinema em Londres.
O BFI Education tinha por objetivo a elaboração de uma pedagogia para as
instituições de ensino e a educação informal de adultos. Em abril de 1950, Stanley
Reed assumiria o cargo de Film Appreciation Officer. Posteriormente, em 1956, se
tornaria secretário e por fim diretor da Instituição em 1964. Em relação a sua atuação
no campo educativo, Reed teria um desempenho importante na fundação da Sociedade
dos Professores de Filme (SFT), que formaria professores de cinema e trabalharia em
conjunto com o BFI na organização de atividades e publicações em torno da
valorização e da constituição de uma educação para o cinema. É preciso esclarecer
que existia na Inglaterra, desde 1912, uma censura ao acesso de crianças aos
espetáculos cinematográficos e, durante o ano de 1950, o governo inglês lançou o
relatório Wheare Report sobre as crianças e o cinema. Esse documento procurava
considerar as categorias de censura dos filmes, as atividades recreativas
cinematográficas para crianças - clubes de cinemas infantis que programavam sessões,

50
normalmente aos sábados de manhã, direcionadas a este público – e incentivar o
ensino da “apreciação de filmes” em situações extracurriculares. Neste sentido, Stanley
Reed, citando o relatório, introduz, por meio do BFI Education, o Film Guide, um cartaz
mensal que as escolas podiam assinar. O “Guide foi projetado para referir as
sucessivas ondas de filmes lançados, de modo que os estudantes pudessem conectar
sua própria visão do filme no cinema local com as informações gerais sobre os filmes
que viram rotineiramente” (BOLAS, 2012, p.134). De janeiro de 1954 a setembro de
1959, o Film Guide seria produzido pelo BFI. A partir de outubro de 1959, o cartaz é
renomeado para Screen Guide, a fim de inserir também a televisão e as produções da
Sociedade de Educação do Filme e da Televisão (SEFT) 36.
Em 1957, outro nome importante se juntaria a equipe do BFI Education, o
professor Paddy Wannel, que se responsabiliza pelos cursos de férias (BFI Summer
School). Ele mudaria as diretrizes do departamento ao “incentivar os debates em torno
da cultura popular e questionar o ensino do ‘gosto’” (BOLAS, 2012, p. 135). O BFI
Education programava:

a exibição de películas, especialmente documentários, como via para


conscientizar e generalizar os temas sociais de importância, assim como para
educar o público em sua seleção de películas. O BFI se envolveu também em
debates sobre os efeitos do cinema sobre as crianças, defendendo uma postura
partidária do desenvolvimento de atitudes críticas entre as crianças a hora de
ver as películas, favorecendo a exibição de películas de qualidade
(BAZALGETTE, 2010, p.16).

Na década de 60, o BFI Education promoveu a apreciação crítica nos


espectadores por meio de suas atividades, muitas das quais vinculadas à educação
formal, em torno de uma educação cinematográfica. Em 1971 Paddy Wannel e outros
membros da equipe deixariam o departamento por motivos de divergências em relação
as novas propostas estabelecidas para o BFI Education.

36
BOLAS, Terry. Paddy Whannel and BFI Education. In: The British Film Institute, the government and film
culture, 1933 – 2000. Manchester: Manchester University Press, 2012. p.148, nota 9.

51
Conforme o capítulo III, veremos que Ilka Laurito, diretora do Departamento
de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca Brasileira, observaria as atividades do BFI
Education num estágio realizado, em 1964, na instituição inglesa.

4.2 A Film Library do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque

O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque foi criado em 1929, com o objetivo
de aproximar o público da vanguarda artística, promovendo assim uma compreensão
das artes visuais da época. Seu primeiro diretor, Alfredo Barr, era um entusiasta das
artes e, ao elaborar o plano de criação do museu, idealizou vários departamentos que
pudessem incluir as belas artes e a arte popular e comercial. Em 1935 Barr com a
colaboração de Iris Barry - diretora da biblioteca do museu – encaminha no relatório
anual à Fundação Rockefeller, mantenedora do museu, uma justificativa para a
necessidade de fundar um arquivo fílmico nos Estados Unidos. Assim, a Film Library foi
instituída como um departamento de cinema que teria por responsabilidade a
preservação e a exibição de filmes de valor artístico. A fundação do novo departamento
estava associada, principalmente, ao desenvolvimento de uma metodologia para a
educação cinematográfica. Alfredo Barr afirmaria que “O público americano que devia
apreciar e apoiar bons filmes nunca teve a oportunidade de consolidar seu gosto.”37
Nesse sentido, o relatório de criação do departamento destaca como objetivo central:

reunir uma coleção de filmes capaz de ilustrar, tanto do ponto de vista histórico,
como artístico, os passos mais significativos do desenvolvimento do cinema
desde o início e torná-la acessível, em condições razoáveis, a universidades,
escolas, museus e outras instituições educativas (BANDY,1993, p.20).

Dirigida pela inglesa Iris Barry, a Film Library buscaria a colaboração das
indústrias cinematográficas americanas para conseguir alcançar sua missão de reunir,
catalogar e divulgar os filmes. Barry (1993, p.31) afirmaria que desde a elaboração do
37
BANDY, Mary. Do outro lado do cinema: Iris Barry e a fundação da Cinemateca do MOMA, em 1938. In: The
Museum of Modern Art New York. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1993. p.20.

52
relatório era evidente a necessidade de uma parceria com Hollywood, pois “a maioria
dos filmes que interessavam à coleção eram propriedade particular dos diversos
membros da indústria e estavam sujeitos à imponderabilidade da oferta, da cedência ou
do direito de exibição”. Sublinhamos que Iris Barry tinha um vasto conhecimento
cinematográfico. Entre 1923 e 1930 trabalhou, em Londres, como crítica de cinema e
participou do movimento cineclubista europeu. Em Nova Iorque, foi uma das fundadoras
do clube de cinema New York Film Society e no Museu de Arte Moderna era
responsável pela biblioteca e pelo boletim mensal da instituição que tinha uma seção
dedicada ao cinema. Barry seria a primeira conservadora da Film Library e
desempenharia um papel fundamental na preservação e difusão de filmes junto à FIAF.
Em maio de 1935 a criação da Film Library foi aprovada pelos grupos
econômicos da Fundação Rockfeller. No mesmo ano John Abbot, marido de Iris, seria
eleito diretor da Film Library e juntos iriam iniciar a persuasão das companhias de
Hollywood para doarem filmes ao museu. A preocupação dos industriais do cinema era
de que o museu se tornasse um concorrente, afinal eles “iriam ou não perder dinheiro
com o negócio? E porque razão colocar os produtos disponíveis num museu?” 38. Barry
e Abbot esclareceriam que o objetivo da Film Library era criar uma consciência da
história do cinema, restaurando e preservando o patrimônio cinematográfico desde o
princípio e que o cuidado inadequado poderia levar os filmes ao desaparecimento. No
que se refere à exibição dos filmes, eles asseguraram que a programação estaria
disponível somente para instituições educativas e seriam gratuitas. No mês de
setembro, a Paramount, a Century-Fox e a Warner Bros haviam assegurado doações
ao museu e no ano seguinte um acordo feito pela Paramount e a M.G.M – assinado por
grande parte dos estúdios - permitiria a Film Library fazer cópias dos negativos de todos
os filmes produzidos pelos estúdios, com a condição de que os custos pelas cópias
fossem pagos pelo museu e de que as exibições tivessem fins educativos.

38
BARRY, Iris. A Cinemateca do Museu de Arte Moderna. In: The Museum of Modern Art New York. Lisboa:
Cinemateca Portuguesa, 1993. p.23.

53
Com os filmes recebidos, Iris Barry organizou, inicialmente, dois programas:
“Uma breve resenha do cinema americano, 1894-1932” e “Alguns filmes americanos
memoráveis, 1894-1934”. Destinados a estudar a evolução da história do cinema,
estariam à disposição de universidades e museus a partir de janeiro de 1936 (BARRY,
1993, p.23). Os programas eram formados por uma série de cinco blocos com duração
de 2h cada, constituídos da seguinte maneira: “1. Evolução da Narrativa; 2. Os
primórdios do cinema americano; 3. D.W. Griffith; 4. A influência alemã; e 5. Os
sonoros”. As instituições que não possuíam aparelho sonoro tinham a disposição a
série: “5.a O fim da era do silêncio”. O segundo programa “Alguns filmes americanos
memoráveis, 1894-1934” seguia o mesmo padrão do primeiro. A programação
idealizada pela Film Library era organizada por algumas instituições como atividades
extracurriculares, cursos acadêmicos ou ministrados sob a direção de um departamento
de belas-artes ou de arte dramática e vinha encontrando êxito: “ desde 1 janeiro deste
ano [1936], os nossos programas de cinema já foram emprestados a 72 universidades
e sociedades e a popularidade da cinemateca cresce sem parar” (BARRY, 1993, p.35).

Particularmente compensador, pelo menos para mim [Iris Barry], é o fato de um


número crescente de universidades americanas e de cursos de educação de
adultos terem agora, e pela primeira vez em muitas cidades, a possibilidade de
efetuarem um estudo sério e crítico deste novo e poderoso meio de
comunicação (BARRY, 1993, p.32).

Os filmes eram difundidos em formato 16 mm ou 35 mm, não inflamáveis,


pelo valor de 125 dólares o conjunto com as cinco séries. No caso de aquisição unitária,
cada série custaria 40 dólares. Em cada sessão eram distribuídos folhetos explicativos,
críticos ou analíticos, para todos os presentes. A Film Library também fornecia “música
adequada para acompanhar os filmes mudos”39. Embora os programas privilegiassem o
cinema americano, Iris Barry buscava sempre inserir filmes europeus em sua seleção.
Enfatizamos que, por meio deste trabalho de exibição, foi possível chamar a atenção

39
BARRY, Iris. A Cinemateca do Museu de Arte Moderna. In: The Museum of Modern Art New York. Lisboa:
Cinemateca Portuguesa, 1993. p.33.

54
para a necessidade de preservar os filmes antigos. “A ação desenvolvida durante os
quatro primeiros anos [da Film Library] foi providencial. Sem ela teriam sido perdidos
para sempre filmes essenciais para os estudos cinematográficos, realizados de 1896 a
1918” (GOMES,1981, p.58).
A importância das atividades realizadas por Barry ultrapassou a questão da
preservação de filmes. No que concerne à difusão da cultura cinematográfica, elas se
tornaram imprescindíveis para a formação universitária. Por exemplo, no ano de 1935,
existia somente um curso universitário de cinema nos Estados Unidos. Já em 1957
haviam “cerca de setenta e cinco, além das centenas de cursos de apreciação
cinematográfica que funcionavam nas escolas secundárias, e de clubes criados nas
cidades onde não existe uma instituição escolar para enquadrar o movimento de cultura
cinematográfica” 40.

Barry deu curso de cinema na Universidade de Columbia durante três anos e


atores, escritores, diretores, andavam de um lado para o outro, da Europa e de
Nova Iorque para Hollywood – Hitchcock, Cagney, Selznick, Vidor – e falavam
de suas experiências, nas aulas. (BANDY, 1993, p.24)

A pesquisa de Cecile Starr, publicada na “The Saturday Review”, concluiria


que mais de 80% da criação dessas instituições foi “possível graças aos programas
circulantes da Film Library” (GOMES,1981, p.58). Em 1946, Barry torna-se diretora da
Film Library. Ao mesmo tempo assume a presidência da FIAF e participa como júri do I
Festival de Cannes. A Film Library se tornara um dos importantes arquivos de filmes.
Iris Barry deixaria a instituição em 1951.

40
GOMES, Paulo Emilio. Relatório da “Film Library”. In: Críticas de cinema no Suplemento literário. 1.v. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1981.

55
CAPÍTULO II

CINEMATECA BRASILEIRA: CINEMA, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL

Na primeira parte do trabalho, verificamos os principais projetos de formação


de espaços próprios para a guarda e difusão de filmes. Notamos que eles atingiram
esferas educativas e culturais e, principalmente, que ultrapassaram a questão de
somente armazenar e fornecer filmes para atingir preocupações com a formação
cultural e a preservação do material cinematográfico. No Brasil, a criação de uma
cinemateca envolveria intelectuais e uma burguesia paulistana. E seguiria dois
modelos: o da Cinemateca Francesa, ao ser criada a partir de um cineclube, e o da Film
Library do MoMA por estar vinculada ao Museu de Arte Moderna de São Paulo. Esses
fatores orientariam decisivamente suas atividades educativas e culturais.
Antes de continuarmos nosso estudo sobre a Cinemateca Brasileira, é
preciso esclarecer que nesta pesquisa entendemos inclusão social como: a promoção
de ações que buscam dar acesso aos bens culturais às pessoas marginalizadas pela
sociedade. Nesse sentido, a Cinemateca Brasileira desde sua criação idealizou levar
cultura cinematográfica à população desfavorecida. Nem sempre os projetos se
concretizaram como afirmaria Paulo Emilio em uma observação no relatório de 1962: “A
FCB [Fundação Cinemateca Brasileira] não dispôs nunca de recursos para empreender
uma ação popular mais ampla. Seu terreno social de ação tem sido a classe média
culta” (SOUZA, 2009, p. 79).
Ainda que as ações da Cinemateca não atingissem diretamente a população
mais pobre, seu trabalho de difusão iria alcançar intelectuais interessados em ampliar e
levar essa cultura a outros ambientes. Como foi o caso de Ilka Laurito que não apenas
administrou o Departamento de Cinema Infanto-juvenil como também inseriu o cinema
nas escolas e comunidades. É justamente seguindo esta direção que analisamos suas
ações orientadas à educação e a inclusão social.

56
1. Breve História da Instituição

A história da formação da Cinemateca Brasileira está atrelada às


manifestações em torno da cultura cinematográfica desencadeadas, em 1940, na
Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo que resultou na criação do Clube
de Cinema de São Paulo por Paulo Emilio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado,
Cícero Cristiano de Souza e Lourival Gomes Machado. O Clube de Cinema de São
Paulo continuava os passos do Chaplin Club – primeiro cineclube brasileiro organizado
no Rio de Janeiro, que funcionou de 1928 a 1931 – que seguia o modelo dos
cineclubes franceses com exibição de filmes, em especial dos silenciosos, seguida de
discussões. Após algumas sessões, o clube seria fechado pelo Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) com a justificativa de não possuir registro e de não
recolher as taxas obrigatórias.
Em 1946, Paulo Emilio iria para Paris estudar estética cinematográfica no
Institut des Hautes Études Cinématographiques (IDHEC). Meses após seu embarque,
Antonio Candido de Melo e Souza escreveria uma carta anunciando a criação do
segundo Clube de Cinema de São Paulo por Francisco Almeida Salles, Rubem Biáfora,
Múcio P. Ferreira, José Araújo Nabuco e Lourival Gomes Machado. Entusiasmado com
a novidade Paulo Emilio passaria a trocar correspondências com Almeida Salles e, em
1947, torna-se representante do Clube de Cinema, na Europa, inscrevendo-o na
Federação Internacional dos Clubes de Cinema que havia sido fundada no Festival de
Cannes daquele ano. Na mesma época, Paulo Emilio esclarece para os membros do
Clube de Cinema a diferença entre a Federação Internacional dos Clubes de Cinema e
a Federação Internacional de Arquivos de Filmes (FIAF) e sugere a criação de uma
“Filmoteca Brasileira, ou Filmoteca de São Paulo” 41 para que possam conseguir cópias
de filmes. Ele ainda pede a autorização para filiar a futura instituição à FIAF e ressalta
que aguarda rapidamente uma resposta.

41
GOMES, Paulo Emilio. [Carta] 23 de novembro de 1947 apud SOUZA, Carlos Roberto. A Cinemateca Brasileira e
a preservação de filmes no Brasil. 2009. 310 p. Tese (Doutorado) – Departamento de Cinema, Televisão e Rádio /
Escola de Comunicação de Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 56.

57
A inquietação com que Paulo aguardava notícias de São Paulo tinha razão de
ser. A essa altura ele havia pago e remetido para o Brasil duas partidas de
filmes para uma filmoteca que até então existia apenas enquanto intenção
exclusivamente dele. Mais ainda: a candidatura da Filmoteca de São Paulo,
oficialmente representada por Paulo Emilio, fora aceita numa reunião da Fiaf
em Paris, em abril de 1948, sob a responsabilidade da Cinémathèque Française
e da Film Library do MoMA; e a hipotética instituição foi confirmada como
membro efetivo da Federação em uma outra reunião, realizada durante o verão
europeu. (SOUZA, 2009, p.57)

Em 05 de Março de 1949, foi criada a Filmoteca do Museu de Arte Moderna


42
de São Paulo como um departamento de cinema do museu que tinha por missão a
prospecção, a preservação e a difusão dos filmes. A Comissão de Cinema responsável
pela Filmoteca era formada por Almeida Salles, Rubem Biáfora, Múcio P. Ferreira, José
Araújo Nabuco, Benedito J. Duarte, Rubem Müller, Saulo Guimarães, Manuel Tavares e
Paulo Emilio, que continuava na Europa. Os diretores da Filmoteca seriam Lourival
Gomes Machado e Almeida Salles. A inauguração oficial ocorreu cinco dias depois da
criação, com uma programação composta pelos filmes La Passion de Jeanne d’Arc/O
Martírio de Joana d’Arc (Carl Dreyer, 1928) e os curtas-metragens Un Drame chez
les fantoches (Émile Cohl,1908) e Petit Moritz enlève Rosalie (Henri Gambart, 1911)
que haviam sido enviados por Paulo Emilio. A sessão foi um sucesso, a elite paulista
inteira comparecera à inauguração do departamento de cinema, e nas semanas
seguintes não se falou em outro assunto que não fosse a Filmoteca.
Em relação à prospecção de filmes, a filmoteca iria buscar parceria com
todas as instituições congêneres. Por intermédio de Paulo Emilio iniciou-se um contato
com a Cinemateca Francesa, por causa de alguns incidentes com filmes de René Clair
vindos deste arquivo, a Filmoteca se voltaria “momentaneamente” para a Film Library
do MoMA e para o National Film Library de Londres. Segundo José Inácio (2002, p.306)

42
Há controvérsias quanto à data exata de criação da Cinemateca Brasileira. Fausto Correa Jr. acredita que fora
criada em 1937 quando Paulo Emilio Salles Gomes chega pela primeira vez na França. In: A Cinemateca Brasileira:
das luzes aos anos de chumbo. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p.87. Já Carlos Roberto, considera sua criação a
partir da década de 1940 e sua real efetivação com a inauguração do segundo Cineclube de São Paulo em 1946. In:
SOUZA, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil. Tese (Doutorado)
Departamento de Cinema, Televisão e Rádio / Escola de Comunicações e Artes/USP, 2009. p. 11.

58
o acervo da Filmoteca do MAM combinava três aspectos: “a vertente clássica, formada
por Paulo Emilio; a de vanguarda, iniciada com a compra de filmes de Maya Deren, e
uma terceira, a de filmes de arte, de forma a integrar o acervo pictórico com o de
imagens em movimento...”. Sublinhamos que entre os filmes escolhidos por Lourival
Gomes que seriam enviados pela Film Library do MoMA, em Maio de 1951, constava o
desenho Felix, the cat que na década de 60 faria parte da programação do
Departamento de Cinema Infanto-juvenil.
No que diz respeito à difusão de filmes para crianças e jovens, ou em
contexto educativo, os primeiros anos de atuação já sinalizavam o caráter pedagógico
da instituição. Entre 1950 e 1954 localizamos nos relatórios de difusão menção às
sessões infantis. Contudo, não existe uma lista dos filmes que foram exibidos no
período43. É somente a partir do I Festival Internacional de Cinema (1954) que o tema
ganharia reconhecimento e as exibições se intensificariam. Considera-se pertinente
fazer uma observação em relação à missão cultural da Filmoteca, e mais tarde futura
Cinemateca Brasileira, a fim de compreendermos os propósitos de suas atividades
educativas. Para tanto, relembraremos uma fala de Alfred Barr diretor do MoMA entre
1929 e 1935:

O público americano que devia apreciar e apoiar bons filmes, nunca teve a
oportunidade de consolidar seu gosto. É surpreendente como as pessoas mais
ligadas a modernidade na pintura, na literatura ou no teatro, são tão ignorantes
quanto ao cinema moderno (BANDY, 1993, p.20).

Em 23 de março de 1957, Paulo Emilio escreve no Suplemento Literário do


Jornal O Estado de São Paulo, que

É a cultura cinematográfica das elites, incluindo os próprios cineastas, que


precisava ser promovida, a fim de se criarem quadros que por sua vez

43
Ressaltamos que a Cinemateca Brasileira teve sua história marcada por três incêndios, de 1957, 1969, 1982, e
muitos documentos, equipamentos e filmes foram perdidos.

59
trabalharão para elevar o gosto e as exigências do povo em matéria de cinema
(GOMES,1981, p.96).

Para Alfred Barr e Paulo Emilio o cinema era mal compreendido pela elite.
Eles acreditavam ser preciso aprimorar lhes o gosto incutindo-os uma apreciação crítica
dos filmes, ou seja, fornecendo-lhes uma cultura cinematográfica por meio do acesso
às obras históricas do cinema. Nesse sentido, a Film Library do MoMA e a Cinemateca
Brasileira realizariam mostras, festivais e cursos que atraíssem tanto as elites como a
população. Ao mesmo tempo, as instituições desenvolveram também programas
educativos que divulgavam a história do cinema em associações, escolas e
universidades. No caso brasileiro, Paulo Emilio ressalta que é mediante a formação de
novos “quadros” que poderão ser elevados “o gosto e as exigências do povo”. Assim,
as ações educativas da cinemateca ocorreriam em dois aspectos: as atividades
culturais (festivais, mostras) e atividades educativas (cursos, palestras, publicações,
seminários). Além disso, a instituição incentivou a criação de cursos universitários de
cinema. Concentraremos nossa análise nas atividades educativas da Cinemateca
Brasileira, mas para compreendermos as origens do movimento que desencadeou a
criação do Departamento de Cinema Infanto-juvenil. Analisaremos, de forma concisa, a
I Retrospectiva do Cinema Brasileiro e o I Festival Internacional de Cinema, em especial
o Festival de Cinema Infantil e o Festival de Cinema Científico. Por fim, examinaremos
os registros existentes sobre as exibições para crianças, os cursos e os seminários de
cinema.

1.1 A I Retrospectiva do Cinema Brasileiro e o I Festival Internacional de Cinema

Em continuidade ao seu plano de difusão, a Filmoteca e o Clube de Cinema -


que até esse momento existiam concomitantemente - elaboram um segundo programa
com os filmes recebidos. As exibições também obtiveram sucesso junto ao público, mas
seria a I Retrospectiva do Cinema Brasileiro que aumentaria o prestígio da instituição.

60
Carlos Roberto de Souza (2009, p.60-1) pontua que dois fatores podem ter incentivado
a exibição dos filmes nacionais. O primeiro, é que Paulo Emilio vinha explicando aos
amigos da Filmoteca de São Paulo, desde a elaboração do estatuto da instituição, que
era preciso reunir documentos sobre a história do cinema, especialmente, do cinema
brasileiro e que, se possível, fosse adquirida uma cópia dos filmes. Além disso, insistia
na formação de uma lista de todos os filmes produzidos no país. O segundo fator foi a
publicação, em julho de 1948 na revista A Scena Muda, do artigo de Jurandyr Noronha:
“Indicações para a organização de uma Filmoteca Brasileira”, que descreve de forma
minuciosa as tarefas de um arquivo de filme, principalmente no que concerne à
valorização do patrimônio cinematográfico nacional brasileiro. Caio Scheiby que à
época trabalhava na Filmoteca, seria estimulado pelo artigo e pela efervescência
cinematográfica paulistana – criação da Vera Cruz, da Maristela e da Multifilmes - a
produzir e realizar filmes. Esse contato com o meio cinematográfico, em especial com
nomes como Adhemar Gonzaga e B.J Duarte, desencadearia uma retrospectiva do
cinema brasileiro.
Em 28 de novembro de 1952, foi inaugurada a I Retrospectiva do Cinema
Brasileiro formada por 32 filmes, entre antigos e modernos, que eram sempre
apresentados por críticos, diretores e atores. O evento “firmou ainda mais o prestígio da
Filmoteca” agradando o público e a crítica. No que se refere ao papel educativo da
Retrospectiva, Correa Jr. (2010, p.128-135) estuda, a partir do que considera os
“intuitos educacionais e memorialísticos da Filmoteca do MAM”, os textos publicados no
catálogo do evento. De acordo com sua análise, podemos levantar dois pontos em
comum a todos os textos: o primeiro é a ausência de uma formação cinematográfica,
tanto para os profissionais quanto para o público, que pudesse resultar no aumento da
qualidade do filme brasileiro. O segundo refere-se à constituição de uma cinemateca ou
filmoteca que pudesse preservar os filmes ao mesmo tempo em que realizasse um
trabalho pedagógico. Para Fausto Correa Jr.:

Almeida Salles constata o principal: a total falta de condições para sistematizar


uma memória do cinema no Brasil (a ausência de trabalhos monográficos, do

61
registro de depoimentos e de biografias dos personagens da história do cinema
brasileiro) era consequência da inexistência de uma filmoteca brasileira ‘que
permitisse a conservação das obras do passado e as reexibisse, para um
exame das características peculiares de cada período’ (CORREA JR., 2010,
p.129).

Enfatizamos que até esse momento a Filmoteca do MAM ainda estava


voltada a prospecção de filmes europeus e americanos. É somente a partir da
realização da I Retrospectiva do Cinema Brasileiro que os filmes nacionais ganhariam
importância para a conservação e exibição. Fernanda Coelho afirma que a “filosofia” de
conservação dos filmes (consertos de perfuração e de emendas, e substituição de
pontas) “começa a ter contornos mais definidos, mesmo que ainda sem muitos
resultados práticos. Quando Paulo Emilio assume a direção da Filmoteca do MAM, em
1954 – e mais concretamente só após o incêndio de 1957” (COELHO, 2009, p.27).
O I Festival Internacional de Cinema foi realizado em 1954, pela
comemoração do IV centenário da cidade de São Paulo. Paulo Emilio, que anos antes
já vinha participando da organização do evento, entrando em contato com os arquivos,
convidando os cineastas e organizando os catálogos, chega ao país no final de 1953, a
fim de integrar a comissão executiva do Festival. O evento transformou-se num marco
da difusão da cultura cinematográfica no Brasil exibindo clássicos do cinema
internacional e apresentando ainda, várias mostras paralelas: o Festival de Cinema
Científico, o Festival de Cinema Infantil, a II Retrospectiva de Cinema Brasileiro e as
Jornadas Nacionais, além da Retrospectiva Eric Von Stroheim com presença do diretor.
Entre a programação do festival, duas mostras são objetos da nossa análise: o Festival
de Cinema Infantil e o Festival de Cinema Científico.

1.2 O Festival de Cinema Infantil e o Festival de Cinema Científico

A sessão de estreia do Festival de Cinema Infantil ocorreu no dia 15 de


fevereiro, às 15h30, no Teatro Leopoldo Froes. Organizado por Sonika Bo, fundadora
do cineclube infantil Cendrillon de Paris, e pela Comissão Executiva do festival, o local

62
ficou lotado e contou com a presença da primeira dama paulista e do secretário-geral
do festival José Gonçalves de Andrade Figueira. A diretora do clube infantil ficou
visivelmente comovida e agradeceu a presença de todos. O festival infantil tinha como
finalidade exibir para as crianças brasileiras uma seleção de obras de qualidade, que
haviam sido pensadas e criadas especialmente para elas. Sonika Bo, que desde 1932
vinha trabalhando o cinema infantil através de seu cineclube, tornara-se, ao lado da
inglesa Mary Field44, uma das referências no assunto. Assim, ao elaborar a mostra para
o festival brasileiro, traz uma seleção de filmes de sua cinemateca infantil que possuía
em torno de 800 títulos, muitos dos quais doados pela Dinamarca, Inglaterra, Polônia e
Tchecoslováquia (STORCK, 1950, p.135). É de notar que estes países, em especial a
Inglaterra e a Tchecoslováquia, mantinham produções regulares de filmes para o
público juvenil. No caso dos ingleses, os filmes eram produzidos pela Children’s
Entertainment Films que fora criada, em 1944, por Arthur Rank da sociedade Gaumont-
British. Já os tchecos tinham uma indústria cinematográfica controlada pelo Estado,
desde 1945, e tornaram-se especialistas em desenhos animados e filmes de
marionetes. Neste sentido, na sessão de abertura foram apresentados os filmes: Le
ravin des aigles/O pastor de Renas (Sücksdorff), Palle Alene I Verden/ O menino
que ficou sozinho no mundo (Astrid e Bjarne Henning-Jensen, 1949), Zanzabelle à
Paris/Zanzabelle, a girafa, em Paris (Ladislas Starewitch, 1947), Gazouilly, petit
oiseau / Gazouilly, o passarinho (Ladislas Starewitch, 1953) e Le fusil de chasse/ O
fuzil de caça.
A programação do Festival de Cinema Infantil foi formada por filmes de
animação, marionetes e curtas de ficção. Para Sonika Bo, uma sessão infantil não
poderia ultrapassar duas horas de duração e, cada filme apresentado não poderia
conter mais de 20 minutos. No que diz respeito à qualidade das películas, a diretora-
fundadora do Cendrillon considera que um “filme deveria aliar distração à instrução, isto

44
Em 1944, a Children’s Entertainment Films foi criada, por Arthur Rank, com o objetivo de produzir filmes para
crianças e adolescentes. Mary Field foi nomeada diretora, e durante o período de 1945 a 1949 foram realizados 180
filmes. Mais informações ver: BAUCHARD, P. La Presse, le film, et radio pour enfants. Paris: UNESCO, 1952.
p.75.

63
é, deve-se apresentar um conjunto que desperte todo o interesse social e psicológico
da criança. Tais películas devem ter sequência lógica e beleza e não conter cenas
impressionantes ou cruéis”45. Ainda, atenta que um “programa ideal” deveria ser
constituído por um “documentário de natureza com animais; um filme cômico; um filme
de imaginação (seja fantástico, seja filme de marionetes ou um conto para crianças);
um filme harmonioso, sobre a dança ou sobre a neve, por exemplo; um filme de ação e
um desenho animado em cor” (STORCK, 1950, p.127). Em relação às animações da
Walt Disney, o jornal O Estado de São Paulo sublinha no artigo “A importância do
cinema na educação da criança” a opinião de Bo sobre o tema:

Apesar de considerar Walt Disney um verdadeiro mago do desenho animado,


não o aceita como produtor de fitas infantis porque seus trabalhos não são
feitos com o objetivo de atender aos interesses da criança. Na verdade
possuem sutilezas que estão fora do alcance da mentalidade infantil [...] Pensa,
entretanto, que as personagens de Disney, como o “Pato Donald”, “Pluto” e
outros, agradam aos pequenos espectadores, devendo, porém, ser dosados
para não se tornarem cansativos. (O ESTADO DE SP, 14/02/54, p.12)

Entre as dez películas escolhidas por Sonika Bo para serem exibidas em São
Paulo, dois filmes de marionetes, com direção de Ladislas Starewitch, haviam sido
produzidos por ela: Zanzabelle à Paris/Zanzabelle, a girafa, em Paris (1947) e
Gazouilly, petit oiseau / Gazouilly, o passarinho (1957). O primeiro recebeu o prêmio
de Veneza em 1949. Quanto à origem dos filmes do festival infantil: 5 eram franceses e
5 de outros países sendo 2 dinamarqueses, 1 tcheco, 1 sueco e 1 russo. Em relação à
escolha dos filmes e a reação do público mirim brasileiro, Bo afirmaria:

os senhores podem constatar como eu que os pequenos brasileiros deliraram


diante dos filmes que lhes apresentei e, mesmo não compreendendo língua
estrangeira, seguiram perfeitamente o enredo e a reação era semelhante à das
crianças francesas” (FOLHA DA MANHÃ, 20/02/54, p.3).

45
BO, S. A importância do Cinema na Educação da Criança. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 14 fev.1954. p.12.

64
O Festival de Cinema Infantil percorreu diversos bairros da cidade de São
Paulo, com sessões gratuitas todas as manhãs, nos seguintes cinemas: Sabará,
Vogue, Braz, Star, São Geraldo, Carlos Gomes, Santo Antônio, Vila Carrão, Brasil e
Ipiranga em que foram exibidos os filmes: Les petits de la ferme/ Os animaizinhos da
fazenda; La flûte magique/ A flauta mágica (Paul Grimault, 1946); L’École des
facteurs/A escola de carteiros (Jacques Tati, 1947); Zanzabelle à Paris/Zanzabelle,
a girafa, em Paris (Ladislas Starewitch, 1947), Gazouilly, petit oiseau / Gazouilly, o
passarinho (Ladislas Starewitch, 1953), Palle Alene I Verden/ O menino que ficou
sozinho no mundo (Astrid e Bjarne Henning-Jensen,1949), Qui aime pardonne/Quem
quer bem perdoa, Ukolébavka/Acalanto (H. Tyrlova,1948), Le ravin des aigles/O
pastor de Renas (Sücksdorff) e Le fusil de chasse/ O fuzil de caça. Por sua temática
itinerante, o festival alcançou um público de 50 mil espectadores que lotaram as salas
de cinemas. O encerramento do Festival Infantil ocorreu no dia 26 de fevereiro, às 14h
no Cine Marrocos com a presença do diretor Rodolfo Nanni e a exibição do seu filme O
Saci (1951). Sobre as exibições infantis, Sonika Bo, em sua entrevista de
agradecimento ao jornal Folha da Manhã, declara que todos viram o sucesso que a
programação do clube infantil Cendrillon havia alcançado entre as crianças brasileiras e
aproveita o momento para fazer um último pedido de que, após sua partida, não fique
somente “Uma bela recordação”, mas “que do meu trabalho surja com urgência uma
aplicação prática, ou seja, organizar sessões populares do verdadeiro cinema para
crianças” 46. Podemos afirmar que seu pedido seria realizado, sete anos mais tarde, por
Ilka Brunhilde Laurito, com o Departamento de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca
Brasileira.
A inauguração do Festival de Cinema Científico ocorreu no Museu de Arte
Moderna com a palestra do diretor do INCE, Pedro Gouveia Filho, sobre os “Aspectos
do cinema educativo no Brasil”. O festival científico tivera a organização de B.J. Duarte,
que se responsabilizou pela seleção dos documentários científicos nacionais. Do lado
internacional, a figura convidada para realizar a curadoria das obras estrangeiras foi o

46
Sonika Bo: “Muito Obrigada”. Folha da Manhã, São Paulo, 20 fev.1954. Boletim do Festival, p.3.

65
cineasta e cientista Jean Painlevé. Segundo Zanatto (2013, p.31), as obras
apresentadas foram divididas em duas categorias: documentários científicos e
documentários de divulgação científica. Na sessão de estreia exibiram-se os filmes:
Coração físico (Ost Walt), Indústria farmacêutica no Brasil (Humberto Mauro, 1948),
Minério e carvão (Humberto Mauro,1953), Lentes oftálmicas (Humberto Mauro,1953)
e O rato, animal de laboratório.
O convidado internacional despertou o interesse da mídia e do público.
Renomado cineasta e grande incentivador do cinema científico, Jean Painlevé era
diretor do Instituto Internacional do Cinema Científico e que, segundo ele, “a ideia da
fundação do instituto partiu do Sr. Roquette Pinto [...] e o Brasil foi o primeiro a enviar
filmes para a filmoteca internacional” 47. A missão do Instituto, sediado em Bruxelas, era
a de formar uma rede de cooperação entre os países em torno do cinema científico.
Nesse sentido, a instituição buscava manter-se atualizada quanto às descobertas do
campo cinematográfico, para que pudesse usar “as técnicas mais aperfeiçoadas no
serviço da ciência”. Em relação às obras de Painlevé, a coluna Personalidade do Dia,
do jornal Folha da Manhã, afirma:

Sozinho, inicialmente sem ajuda alguma e com equipamentos primitivos,


realizou mais de 40 filmes científicos e educativos! Universalmente apreciados
muitos deles premiados em diversos festivais e exposições cinematográficas
[...] Os melhores filmes de Painlevé, talvez por descobrirem um mundo
desconhecido pelo homem, são os consagrados à vida dos animais aquáticos...
(FOLHA DA MANHÃ, 14/02/55, p.7).

Em 19 de fevereiro, Jean Painlevé ministrou uma palestra, no Museu de Arte


Moderna, sobre o cinema científico. Após a conferência foram exibidos os filmes
Études radiocinématographiques sur la métamorphose de la Mouche/ Estudos
radiocinematográficos sobre a metamorfose da Mosca (Jean Painlevé), Die
Pferde/ Os cavalos, Biologie du Hamster/ Biologia do Hamster e Feathered
fishers/ Pescadores peludos (Noel Monkman,1950).

47
Mantem-se em dia o Cinema com as descobertas da ciência. Folha da Manhã, São Paulo, 18 fev.1954. Boletim do
Festival, p.2.

66
No que se refere aos filmes exibidos no Festival de Cinema científico, estes
foram formados por obras da Alemanha, Austrália, EUA, França e Itália. O Brasil esteve
representado pelos filmes de B.J. Duarte e pelos três documentários do INCE: O
Puraquê (Humberto Mauro,1942), Miocárdio em Cultura (Humberto Mauro,1942) e
Penetração de Radio-Iodo na Tireoide (1944). O Festival de Cinema Científico teve
sessão de encerramento no dia 25 de fevereiro com a conferência de Jean Painlevé.
O I Festival Internacional de Cinema tornou-se um sucesso nacional e
internacional e, após seu encerramento, Ciccillo Matarazzo propõe à Paulo Emilio de
assumir o cargo de conservador-chefe da Filmoteca do MAM. O convite foi aceito e ele
desembarcaria definitivamente, no final de maio, no Brasil. Um novo tempo se
estabelece na Filmoteca do MAM. Segundo Souza (2002, p.362) “sem perder de vista o
modelo da Cinemateca Francesa, esperava-se, com sua permanência no Brasil, que
ele viesse para encarregar-se da instalação do Museu do Cinema de São Paulo”. O
momento cultural por qual passava o país aliado à chegada de Paulo Emilio fez surgir
uma nova perspectiva para o cinema nacional, principalmente para a filmoteca, que
buscou sob sua direção: organizar o acervo, adquirido em grande parte por compra ou
doação durante o festival; incentivar a conservação dos filmes por meio da “campanha
do Contratipo”; motivar doação de aparelhos antigos – dioramas, praxinoscópios,
lanternas mágicas – para a estruturação do Museu. Para Paulo Emilio, o museu estaria
incumbido de realizar “cursos, exposições, seminários de especialização artística e
técnica e a formação de uma Filmoteca Educacional para a difusão entre as escolas
primárias, secundárias e universidades” (SOUZA, 2002, p.362).

2. As atividades educativas: a Programação Infantil e os Cursos de Cinema

Entre 1955 e 1959, a Filmoteca do MAM, posteriormente Cinemateca


Brasileira, intensificaria suas ações de difusão da cultura cinematográfica através da
organização de Festivais - Festival de Cinema Italiano (1955); Retrospectiva de filmes
sobre Arte (1955); Semana de Cultura Cinematográfica (1959) - mostras, ciclos de

67
estudos e cursos de cinema48. Dentre as atividades elaboradas, estava a exibição de
filmes para crianças e jovens. No ano de 1955, a realização de uma programação
infantil pela Filmoteca do MAM foi mencionada em diversos jornais: O Tempo, Tribuna
da Imprensa, Shopping News e Última Hora. Em 11 setembro, por exemplo, o jornal O
tempo noticiava o acordo de colaboração entre a Filmoteca do MAM e a Secretaria de
Educação e Cultura do município de São Paulo para a execução de espetáculos
cinematográficos destinados às crianças e jovens com o objetivo de apresentar filmes
com temas variados e educativos. O acordo entre as instituições previa a execução de
sessões reservadas ao público infantil, devendo ser gratuitas e acontecer todos os
domingos, às 10h, no Teatro Leopoldo Froes. Uma observação fora estabelecida:
somente seria permitida a entrada de adultos acompanhados de crianças. Na primeira
sessão, realizada na mesma data, exibiu-se o filme O Circo/The cirque de Charles
Chaplin. Ainda, de acordo com o jornal, outros cinemas da cidade deveriam realizar
sessões, exibindo simultaneamente os filmes programados.
As exibições programadas pela Filmoteca do MAM suscitariam diferentes
opiniões na imprensa. O Shopping News, de 25 de setembro, dedicaria uma introdução
ao tema cinema e crianças através do artigo “Filmes para crianças”, que se concentrou
em afirmar a inadequação dos filmes adultos serem exibidos para crianças e
adolescentes, pois havia diferença na mentalidade e na experiência de vida. E advertia
que a censura, ao proibir algumas produções, considerava somente algumas
perspectivas do problema, tais como a sexualidade, o crime, etc.; O que “não
representa todos os elementos relativos à questão”. Nesse sentido, o texto explicava
que as crianças tinham “seus problemas e sua visão de mundo” e que os chamados
“programas infantis” nem sempre solucionavam o problema, porque não eram
apropriados ao público Infanto-juvenil. Sobre as exibições realizadas pela filmoteca, o
artigo declara que a iniciativa não solucionaria o problema do cinema para o público

48
Para mais informações sobre os Ciclos de Estudos e as Mostras realizadas ver: ZANATTO, Rafael Morato. Luzes
e Sombras: Paulo Emilio Salles Gomes e a cultura cinematográfica (1954-59). 2013. 185 p. Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, UNESP – Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

68
infantil, porém poderia remediar parcialmente a situação dando “às crianças as fitas
adequadas, rigorosamente selecionadas, sem perigo de qualquer deturpação”.
Já o crítico Flávio Pilla, do jornal Última Hora, vinha desenvolvendo uma
“campanha diária” contra a Secretaria de Educação e Cultura por causa da cessão do
Teatro Leopoldo Froes à filmoteca do MAM. Segundo Flávio Pilla, aquele era um
espaço teatral e como tal sua programação deveria ser formada no mínimo por 50%
dos espetáculos direcionados a esta arte. Para esclarecer a situação, o conservador
adjunto da filmoteca do MAM, Rudá de Andrade, é convidado a comparecer à redação
daquele jornal para explicar como se daria o programa que a Filmoteca realizaria em
benefício do público infantil. O crítico afirmara no artigo “E a paz voltará a reinar” de 11
de outubro que

foi um “bate-papo” longo, onde reciprocamente expusemos nossos pontos-de-


vista, tanto em defesa dos interesses do teatro, como do cinema. Mas o
programa, o que é mais importante, a ser realizado, é de boa origem, e ficou
acordado que haverá, sempre em boa proporção em relação ao cinema,
apresentações de teatro infantil naquela casa de espetáculos.

Flávio Pilla explicaria aos leitores que a iniciativa da exibição de filmes e


apresentações para o público mirim viera do Museu de Arte Moderna e que não havia
nenhuma colaboração da Secretaria de Educação e Cultura na organização da
programação. O crítico, ainda, sublinha que embora não se tenha conseguido fixar 50%
da programação ao teatro infantil, a “boa intenção de Rudá e da filmoteca estão de
corpo presente, e não podemos nos furtar a tão interessante colaboração”. Ao final,
Pilla afirma que o assunto está encerrado. “Desfaz-se o luto, e a paz voltará a reinar”.
As sessões infantis da filmoteca não se restringiram a programação no
Teatro Leopoldo Froes. Segundo Rafael Zanatto,

a Filmoteca também realizava exibições aleatórias no interior de sua estrutura


ou em colaboração com outras instituições, como a parceria com a Biblioteca
Infantil que rendeu no gratuito Festival Chaplin destinado ao público infantil.
(ZANATTO, 2013, p. 43)

69
Em relação à documentação e prospecção de filmes, as atividades da
Filmoteca continuaram intensas e o espaço da rua Sete de Abril tornou-se insuficiente
para abrigar as obras. Desta maneira, Paulo Emilio, que já vinha pensando na
possibilidade de estabelecer convênios com os poderes públicos, propõe a separação
do Museu de Arte Moderna. Em 1956, a Cinemateca Brasileira se transforma em uma
sociedade civil, porém a dissociação com o MAM não romperia todas as relações com a
instituição. A cinemateca continuaria a manter as projeções de cinema no museu.
Esclareceremos que as sessões de cinema interessavam aos administradores do
museu, pois atraiam novos sócios para o MAM (SOUZA, 2002, p.360).
No que se refere aos cursos de cinema, a cinemateca tinha como política
divulgar a cultura cinematográfica nos cineclubes, escolas e universidades. Nesse
sentido, realizou-se o Curso para Dirigentes de Cineclubes (1958), o Curso de
Formação Cinematográfica (1960), a I Convenção da Crítica Cinematográfica (1960),
entre outros cursos e seminários realizados pelo país. Por exemplo, Caio Scheiby
participaria, a convite do Departamento de Cultural da Faculdade de Direito de Recife,
da exibição de alguns filmes clássicos pertencentes ao acervo da cinemateca e
coordenaria o movimento cineclubista do nordeste49. Além disso, Paulo Emilio e a
equipe da instituição incentivariam a criação dos primeiros cursos universitários de
cinema (Escola Superior de Cinema São Luís, Escola de Comunicação e Artes -
ECA/USP -, Curso de Cinema da Universidade de Brasília). Ressaltamos, contudo, que
existia em São Paulo, desde 1950, o Seminário de Cinema do Museu de Arte de São
Paulo (MASP), que resultou no curso de cinema da Fundação Armando Álvares
Penteado (FAAP).

3. Do Cineclubinho do CCLA ao Departamento de Cinema Infanto-juvenil

Devido a repercussão alcançada pelas atividades de difusão da Cinemateca


na impressa e nos meios culturais, muitos cinéfilos e cineclubes do interior de São

49
Cine-Clubes: Recife-PE. Revista de Cultura Cinematográfica, n. 17, p.37, maio, 1960.

70
Paulo e de outros Estados entrariam em contato com a instituição em busca de
participar dos cursos e seminários ou com a intenção de pedir orientação técnica e
empréstimos de filmes. Este foi o caso do Centro de Ciências, Letras e Artes de
Campinas (CCLA) que por intermédio de Marino Ziggiatti iria estabelecer, ainda no final
da década de 50, uma parceria com a Cinemateca que alguns anos depois
desencadeou na formação do primeiro cineclube infantil orientado pelo Departamento
de Cinema Infanto-juvenil. É importante salientar que a cidade de Campinas havia
criado em 1947, um Serviço de Cinema Educativo que funcionou de forma descontinua
até 1973 e deu origem, em 1976, ao Museu da Imagem e do Som. Porém, seriam as
atividades de exibição do Cineclubinho infantil criado por Ilka Laurito que atrairiam a
atenção da imprensa e da sociedade local.
A escritora, poetisa e professora de português Ilka Brunhilde Gallo Laurito
(1925-2012) é a figura central na criação do Departamento Infanto-juvenil da
Cinemateca Brasileira. Formada em Letras pela Universidade de São Paulo em 1949,
iniciou sua carreira com o livro de poesia Caminho (1947). Anos mais tarde publicaria
Autobiografia de Mãos Dadas (1958), Janela de Apartamento (1968) e Genetrix
(1982). Durante as décadas de 1960 e 1980 trabalhou no ensino secundário e superior,
lecionando os cursos de língua portuguesa e literatura.
Na área cultural tornou-se responsável, em 1960, pelo Departamento de
Literatura do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas. De 1961 a 1966 dirigiu o
Departamento de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca Brasileira e publicou o livro
Cinema e Infância (1962) - Cadernos da Cinemateca 2. A convite de Rudá de
Andrade, atuou como Conselheira na mesma instituição de 1978 a 2005. Entre 1969 e
1975 participou do movimento Poesia na Praça, com a exposição de seus poemas na
Praça da República, em São Paulo.
Na década de 1980, organizou o livro Casimiro de Abreu (1982) e Cinema
e Verdade (1988) em coautoria com Flora Bender. Em 1987 recebeu o Prêmio Jabuti
de Poesia, pelo livro Canteiro de Obras, e em 1990, o Prêmio Jabuti de Literatura
Juvenil, pelo livro: A Menina que Fez a América. Nos anos 90, publicou Crônica:

71
História, Teoria e Prática (1993), em coautoria com Flora Bender, e Parque de
Diversões (1995).
Embora grande parte de sua obra seja dedica a literatura, Ilka Laurito foi uma
amante do cinema. Em sua trajetória como educadora e poetisa sempre ambicionou
unir a sua paixão pela arte em seus textos. Além de suas publicações, Laurito ainda iria
colaborar com os jornais Correio Paulistano e o Estado de S. Paulo.

3.1 O Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas

Fundado em 31 de Outubro de 1901 na cidade de Campinas, o Centro de


Ciências, Letras e Artes - CCLA foi idealizado por um grupo de cientistas e intelectuais
da época, vindos do Instituto Agronômico e do Ginásio, entre eles: Cesar Bierrenbach,
Edmundo Krug, José de Campos Novaes, Francisco de Paula Magalhães Gomes, Henri
Potel, Adolph Hempel e Henrique Maximiliano Coelho Netto. A instituição buscava
reunir, a princípio, jovens interessados em discutir teses e estudos científicos. Os
encontros, no início, eram esporádicos e estritamente voltados para as atividades
científicas, predominavam temas relacionados à medicina, engenharia, agropecuária e
ferrovias que seriam expandidos por incentivo de Henrique Maximiliano Coelho Netto às
áreas artísticas e literárias. Durante as primeiras décadas do século, o CCLA
transformou-se no principal centro catalisador de cultura. Organizou encontros e
seminários recebendo personalidades como: Euclides da Cunha, Santos Dumont, Ruy
Barbosa, Vital Brasil, Benedito Calixto, Pedro Alexandrino e Campos Sales.
Mantendo-se sempre na vanguarda dos movimentos artísticos, o centro
lança em 1902 a Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes, que tinha por objetivo
divulgar as novidades científicas e culturais do país, além de relatar os acontecimentos
da própria instituição.

A edição de número 31, de Junho de 1913, daria destaque à “Exposição


Segall”, realizada no Centro. O acontecimento é significativo, porque o lituano
Lasar Segall, recém-chegado ao Brasil, trazia da Europa as novidades, na área
das artes plásticas, representadas pelos movimentos de inspiração

72
expressionista. A exposição vem divulgada não apenas nos espaços destinados
ao “Noticiário” da Revista, como também em texto de um colaborador [...] Os
cronistas de Campinas teriam sido, de qualquer modo, e com eles o CCLA,
mais receptivos às novas formas de expressão artística representadas nas telas
de Segall que os da Capital, que se mostrara um tanto reticente quanto à
novidade. (Mazzola; Borges, 2002, p.40)

Em 1961, o CCLA abrigaria novamente uma Exposição de Lasar Segall,


agora com desenhos inéditos do artista. Entre 1902 e 1959 a Revista do CCLA teve
edições contínuas com alguns curtos períodos de interrupções. Nos anos de 1972,
1976 e mais recentemente, em maio de 2014, foram lançados volumes isolados da
Revista numa tentativa de retomar sua periodicidade.
No que se refere à questão cinematográfica, esta não passaria despercebida
pelo centro e a efervescência do movimento de cineclubes de São Paulo chega à
Campinas em 1952, por intermédio de Marino Ziggiatti que, com o apoio de Bráulio
Mendes Nogueira, organiza algumas sessões de filmes clássicos, cedidos pela
Filmoteca do MAM, no Clube de Engenharia de Campinas. O jovem engenheiro de 23
anos que acabara de se formar na Universidade Mackenzie, estava de volta à cidade e
tinha a intenção de manter contato com os colegas cineclubistas da capital. Assim,
acaba sendo convidado pelo então diretor Roberto Pinto Moura a criar e chefiar o
Departamento de Cinema do CCLA. Com o objetivo de divulgar a cultura
cinematográfica e de formar público, as atividades do departamento incluiriam a criação
de um cineclube, além da realização de “palestras, diversos ciclos de cinema, como
francês e italiano e curso de iniciação ao cinema com a colaboração da Fundação
Cinemateca Brasileira e diretores do Centro dos Cine-clubes do Estado de São Paulo”
(MAZZOLA; BORGES, 2002, p.78).
A partir de 1955, foram localizados no arquivo institucional do CCLA
correspondências com a Cinemateca Brasileira assinadas por Rudá de Andrade e
Paulo Emilio Salles Gomes, referentes à integração na “Campanha de Divulgação de
Arte Cinematográfica”. Segundo José Inácio, essa campanha teria sido iniciada após o
incêndio de 1957.

73
a Cinemateca tinha voltado a fazer circular um pequeno acervo de filmes em 16
mm entre os cineclubes. Uma “Campanha de Divulgação da Arte
Cinematográfica” foi iniciada nos moldes da antiga “Campanha do Contratipo”.
Pedia-se a doação de 25 mil cruzeiros aos aderentes, que receberiam de volta
o direito de exibição de 25 filmes [...] A “Campanha da Catástrofe”, apelido dado
por Rudá à “Campanha de Divulgação”, possibilitou a ampliação das fitas
(SOUZA, 2002. p. 374).

Porém, o recibo assinado por Paulo Emilio referente ao pagamento de uma


quota, no valor de quatro mil cruzeiros, à “Campanha Divulgação da Arte
50
Cinematográfica” data de 10/06/55. Tudo indica que os documentos tratavam da
organização de algumas exibições pontuais, pois Rudá sugere, em carta de 25 de
Agosto de 195551, que algum representante do centro vá até a cinemateca para
discutirem detalhes da programação, tais como: bitolas, transporte e datas. Além disso,
é a partir de 1958 que se intensificam as correspondências entre as duas instituições.
De Julho a Dezembro ocorreu a Mostra “Breve História da Arte Cinematográfica” no
auditório do CCLA e sua programação foi composta por doze temas seguidos de
exibições, dos quais seis foram apresentados pela equipe da cinemateca. Entre eles:
Gustavo Dahl que falou sobre o cinema mudo expressionista e cinema nórdico; Rudá
de Andrade sobre a evolução do cinema contemporâneo e sobre o cinema do após-
guerra; Caio Scheiby sobre cinema oriental moderno e Paulo Emilio sobre cinema
52
campineiro . É preciso, contudo, ressaltar que neste mesmo ano havia sido iniciado
em janeiro o Curso para Dirigentes de Cineclubes em São Paulo, no qual Gustavo Dahl
e Marino Ziggiatti participaram como alunos. O curso ocorreu até novembro e podemos
notar, através do folheto do Curso e da Mostra, a presença comum dos palestrantes:
Álvaro Malheiros, Rudá de Andrade, Caio Scheiby, Carlos Vieira, Hélio Furtado do
Amaral e Paulo Emilio Sales Gomes.
De fevereiro a abril de 1959, o Departamento de Cinema do CCLA participa,
com o apoio do Centro de Cineclubes, da Cinemateca da Embaixada da França e da

50
GOMES, Paulo Emilio. [Recibo Provisório] 10 de junho de 1955. Arquivo Institucional/CCLA.
51
ANDRADE, Rudá. [carta] 23 de agosto de 1955. Arquivo Institucional/CCLA.
52
Breve História da Arte Cinematográfica. [Catálogo] Arquivo Institucional/CCLA.

74
Cinemateca Brasileira do “Ciclo de Revisão do Cinema Francês”, que foi apresentado
nos cineclubes de Avaré, Dom Vital em São Paulo, Marília e Santos. Em junho de 1960,
o departamento daria continuidade as suas ações culturais realizando o Festival
Lamorisse que exibiu os filmes: Bim, le petit âne/Bim (1949), Crin Blanc/Crina-
Branca (1952) e Le Balon Rouge/ O Balão Vermelho (1956). Aliás, como veremos
adiante, é nesse Festival que Ilka Laurito, que era diretora do setor de Literatura do
Centro, se apaixona pelo filme Crina Branca e inicia seu trabalho de cinema para
crianças.
Na sequência, foi promovido em agosto e setembro o II Curso de Formação
Cinematográfica, com carga horária de 32 horas, o evento iria:

satisfazer um dos requisitos básicos para o funcionamento de um cineclube, o


qual seja, a apresentação de um ciclo didático de palestras, a fim de dar a seus
associados a oportunidade de tomarem contato com a arte cinematográfica e
adquirirem critério estético crítico, através do qual poderá o bom cinema
encontrar éco entre o público, e realizar assim sua grande finalidade: a
divulgação da cultura (FOLHETO, II curso de formação cinematográfica,1960,
p.3).

O curso foi divido em dois blocos: no primeiro, Paulo Emilio falou sobre a
“Linguagem do Cinema” e sobre “Estilos, Gêneros e Escolas Cinematográficas”.
Gustavo Dahl aprofundou a questão da “Estética do Filme” e da “Crítica
Cinematográfica”. O segundo bloco teve Luiz Souza Lima Macedo, que expôs os
“Métodos do Cine-fórum”, Caio Scheiby, que apresentou o “Passado e Presente do
Cinema Brasileiro” e Rudá de Andrade, que finalizou o evento com “Pesquisa Histórica
Cinematográfica” (FOLHETO, II Curso de Formação Cinematográfica, 1960, p.2).
É justamente nesse curso que Ilka Laurito teria feito seus primeiros contatos
com a equipe da Cinemateca, mais especificamente com Rudá de Andrade, que mais
tarde a convidaria para criar o Departamento de Cinema Infanto-juvenil. Em entrevista
Ilka explicaria, “eu tinha assistido a uma série de palestras da equipe da cinemateca [...]

75
e fiquei muito entusiasmada. Fiquei cinéfila. Eu já era apaixonada por cinema e virei
cinéfila. Quis transmitir isso para os meus alunos”. 53

Figura 3 - II Curso de Formação Cinematográfica do CCLA. Paulo Emilio em pé no centro. A sua frente sentados da
esquerda para direita Heládio Brito, Marino ZIggiatti e Rudá de Andrade. Do outro lado na segunda fileira na primeira
cadeira está Ilka Laurito.
Fonte: Arquivo Institucional/CCLA.

Com a mesma orientação educativa, o centro realizou de 14 a 19 de


novembro o “Ciclo de Filmes Científicos”, em que as exibições seguiram a seguinte
divisão temática: astronomia, geografia, zoologia, história, física, cosmografia,
etnografia e sociologia, arqueologia e biologia. O Departamento de Cinema do CCLA
tornou-se referência na cidade e suas atividades desencadearam na criação do
Cineclube Universitário da PUC-Campinas. Na mesma época, além das atividades
voltadas para o cinema, foram implantados cursos de idiomas e um curso infantil de
53
Entrevista de Ilka Laurito concedida à José Inácio de Melo e Souza em 11/03/1997. Arquivo José Inácio de Melo e
Souza/Cinemateca Brasileira.

76
pintura, orientado pelo artista Egas Francisco. Em 1961 o CCLA realizou uma “Semana
54
da Criança” , em comemoração ao 12 de outubro, com uma programação especial
que incluiu uma exposição de pintura infantil, sessões de teatro e cinema infantil, uma
exposição de livros sobre cinema e educação elaborada pela Cinemateca Brasileira e
uma palestra com Ilka Laurito sobre cineclube infantil. No ano seguinte a instituição
promoveu novamente o evento, que teve a exibição do filme O Balão Vermelho de
Lamorisse.
Para Dayse Fonseca, o CCLA foi responsável pela criação de todos os
movimentos culturais realizados na cidade de Campinas até o fim da década de 1960.

Ele [o Centro] foi, por assim, dizer formador da intelligentsia campineira. O


Cineclube Universitário, por exemplo, apesar de ter nascido na PUC-Campinas,
teve lá suas origens [...] Inúmeras promoções desse movimento de arte
aconteceram dentro do Centro, como ciclos de palestras, debates, e inclusive, a
própria inspiração para seu primeiro filme em 16 mm, Um pedreiro, com minha
direção, roteiro de Luiz Carlos Borges e a parte técnica do Henrique Oliveira
Junior. Depois desse filme, várias vezes premiado, vieram outros, apresentados
em estreia no Centro, como O artista dirigido pelo Borges, e Dez inglês para
Oswald de Andrade, dirigido pelo meu marido, o Rolf de Luna Fonseca.
(FONSECA apud MAZZOLA; BORGES, 2002, p.101, grifo nosso)

Em 1962 o Cineclube do CCLA realiza o Curso de Introdução à Cultura


Cinematográfica, ministrado pelos membros do Departamento de Cinema. No ano
seguinte, com o apoio da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e do Centro
de Cineclubes, organizou-se o Curso de Cinema para Educadores. Formado por 10
aulas e 5 sessões de filmes, o curso foi ministrado por: Alfredo Roberto Alves, Carlos
Vieira, Heládio Brito, Hélio Furtado do Amaral, Isak Patlajan, Odaléa Contatore, Marino
Ziggiatti, Maurício Rittner e Rodolpho Bueno. Ainda no campo educativo, foi realizado
nos dias 25 e 26 de Maio de 1963, o III Simpósio “O Cinema e a Criança”, em que Ilka
participara representando a Cinemateca Brasileira. Com a intenção de incentivar o
cinema amador, o CCLA promoveria, a partir de 1970 e durante cerca de dez anos, o
Festival de Cinema Super 8.

54
Inauguração da Mostra de Cinema da VI Bienal. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 out.1961, p.10.

77
3.2 A experiência de Ilka Brunhilde Laurito no CCLA

A sensibilidade artística de Ilka Laurito já era notável em suas atividades


como professora de português. Desde o início de sua carreira ela procurou se dedicar
ao ensino no sentido de promover uma educação estética. Nesse sentido, criou com os
alunos de Brotas, primeira cidade em que lecionou, a Academia de Letras. Em
Campinas, antes de começar seu contato com o Centro de Ciências Letras e Artes,
havia realizado, no ensino secundário, seminários de teatro, corais falados e aulas de
interpretação de poesia. Como diretora do setor de Literatura do CCLA organizou, de 6
a 13 de junho de 1960, a “Semana Mário de Andrade”, com uma programação formada
por exposição e conferências sobre o autor, ministradas por professores da cidade de
São Paulo. No mesmo ano, ministrou uma palestra sobre Colodi, o autor de Pinóquio,
para os alunos da 4ª e 5ª série na Biblioteca Infantil da Escola Caetano de Campos.
Na questão do cinema para crianças o Centro de Ciências, Letras e Artes se
mostrara pioneiro, pois foi realizado, em 19 de agosto, pelo setor de Literatura Infantil,
uma palestra com a professora Bárbara Vasconcellos sobre o cinema e a criança.
Ademais, o próprio Departamento de Cinema mantinha na sua programação sessões
destinadas ao público infantil 55. Por meio de sua intensa participação nas atividades do
centro e, principalmente, nas sessões do Cineclube do Departamento de Cinema, Ilka
Laurito depara-se, no Festival Lamorisse, com os filmes Bim, Crina Branca e O balão
Vermelho que foram exibidos para adultos e crianças. Ao se encantar com o filme
Crina Branca decidiu, com a autorização e o auxílio do Departamento de Cinema, fazer
uma sessão especial para os seus alunos da 1ª série experimental, que haviam iniciado
naquele ano no Instituto de Educação Carlos Gomes. De acordo com o relatório da
secretaria do CCLA, Ilka, através do departamento de literatura, fez imprimir no dia 27
de junho 120 cópias de uma “circular às crianças do Instituto Carlos Gomes”56, o que
provavelmente tratava-se do convite para a sessão. Após a exibição do filme organizou-

55
Para mais informações sobre a programação ver Relatório do CCLA de 1960/61. Arquivo Institucional/CCLA.
56
Dados retirados do Relatório da Secretaria do CCLA, disponível no Relatório Geral de 1960. Arquivo
Institucional/CCLA.

78
se um debate com as crianças. Posteriormente Laurito declararia, em carta à Almeida
57
Salles: “eu fizera cineclubismo infantil, sem o saber” . Em entrevista concedida a
Theresinha Aguiar do Jornal Diário do Povo, ela relata sua impressão quanto à primeira
sessão infantil: “Creio que me encontrei nessa ocasião, e que encontrei o cinema como
forma de realização, uma síntese de todas as tentativas que eu vinha fazendo até então
de unir a Arte à Educação” 58.
Desde então, Ilka inicia uma pesquisa, na biblioteca e no Departamento de
Cinema do CCLA, de toda bibliografia disponível sobre o tema cinema e infância. À
procura de aprofundar seus conhecimentos em cinema, participa do II Curso de
Formação Cinematográfica e começa um contato com a equipe da cinemateca: “com
cada um deles, procurei conversar sobre o assunto que me preocupava” 59. Em janeiro
de 1961, Ilka participara da III Jornada de Cineclubes no Rio de Janeiro, onde assistiu a
uma palestra da delegação do cineclube argentino Rio Cuarto sobre cineclubes infantis,
o que contribuiu não só para conhecer as atividades desenvolvidas em outros países,
mas também para tomar consciência da realidade nacional sobre o tema. Influenciada
pelo trabalho realizado por Sonika Bo no Cineclube Cendrillon de Paris, decidiu criar e
dirigir um cineclube infantil dentro do Departamento de Cinema do CCLA, que recebeu
orientação e apoio da Cinemateca Brasileira.

57
LAURITO, Ilka. [Carta] 17 de abril de 1961. Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
58
AGUIAR, Theresinha. Cineclubinho do Centro de Ciências – Criação belíssima da poetisa “Ilka Laurito”. Jornal
Diário do Povo, Campinas, 07 mai.1961.
59
LAURITO, I. [Carta] 17 de abril de 1961. Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.

79
CAPÍTULO III

O DEPARTAMENTO DE CINEMA INFANTO-JUVENIL DA CINEMATECA


BRASILEIRA

A Cinemateca Brasileira continuava seu plano de difusão da cultura


cinematográfica e a década de 60 seria marcada por grandes festivais: Cinema Italiano
(1960), Panorama do Cinema Indiano e Cinema Russo e Soviético (1961), Cinema
Polonês (1962), Cinema Britânico (1963). Considerada como a “época de ouro”, esse
período foi repleto de atividades com mostras, palestras e a publicação dos Cadernos
da Cinemateca. Entretanto, a situação financeira da instituição continuaria sendo um
desafio a ser vencido.
É nesse momento de euforia e incertezas que o Departamento de Cinema
Infanto-juvenil foi constituído e suas atividades começaram a ganhar forma. É
necessário, contudo, ressaltar que embora o novo departamento tenha sido organizado
como um setor da Cinemateca Brasileira, os problemas estruturais da instituição serão
notáveis, em especial, na questão financeira (formação de equipe, acervo, etc.). Pois,
como iremos observar os planos pedagógicos/conceituais ficariam inteiramente a cargo
de Ilka Brunhilde Laurito. Sublinhamos, ainda, que esse fato não isola ou retira a
influência dos dirigentes do arquivo, mas salienta que Ilka Laurito, na maior parte do
tempo, idealizou, organizou e manteve autonomia na gestão e no gerenciamento dos
planos que foram implantados e desenvolvidos pelo Departamento de Cinema Infanto-
juvenil.

80
1. O Departamento: enfim uma realidade

A criação do Departamento de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca


Brasileira está diretamente relacionada com o Cineclubinho do CCLA. No momento em
que Ilka Laurito decidiu criar o cineclube infantil, ela já mantinha um bom
relacionamento com a cinemateca. As consultas à biblioteca e ao próprio acervo da
instituição eram constantes e a aproximou da equipe, de tal maneira, que durante a
organização da primeira sessão do Cineclubinho, que ocorreu em 25 de Março de
1961, no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, ela contaria diretamente com
o auxílio de Maurice Capovilla que, à época, trabalhava na difusão de filmes. Em
relação ao assunto, Laurito declara que “na Cinemateca Brasileira, não só colhi material
teórico necessário para o início dos trabalhos que desejava realizar, como recebi ideias,
orientação e apoio de todos os elementos que ali trabalham em prol da difusão da
cultura cinematográfica” 60. Nesse sentido, não aconteceriam mais que duas sessões do
Cineclubinho até que viesse o convite oficial de Rudá de Andrade para que Ilka
apresentasse um projeto de criação de um departamento ou seção infantil para a
Cinemateca Brasileira.
O plano de um departamento infantil foi entregue a Paulo Emilio, que se
entusiasmou. Sobre a situação, Ilka afirma “eu me lembro dele saindo do gabinete dele
e me olhando como se ele estivesse me vendo pela primeira vez. Ele já tinha sido
apresentado a mim, e depois o Rudá me disse que ele havia comentado: ‘Eu não sabia
61
que ela tinha essa sensibilidade’” . Em 17 de abril de 1961, Francisco Luiz Almeida
Salles, presidente da cinemateca, recebeu o plano oficial de criação do futuro
departamento infantil. A resposta viria oito dias mais tarde em carta de Almeida Salles:
“Devemos dizer-lhe que consideramos o seu plano para a criação de um Departamento
Infantil na Cinemateca Brasileira, dos mais oportunos, e comunicamos-lhe que esse

60
LAURITO, Ilka. [Carta] 17 de abril de 1961. Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
61
Entrevista de Ilka Laurito concedida à José Inácio de Melo e Souza em 11/03/1997. Arquivo José Inácio de Melo e
Souza/Cinemateca Brasileira.

81
departamento fica criado, com um cargo executivo que é o seu”62. Em 25 de abril de
1961, foi criado na Cinemateca Brasileira o Departamento de Cinema Infanto-juvenil,
dirigido por Ilka Brunhilde Laurito63. No que diz respeito ao novo departamento, Cecília
Thompson afirma que:

com a mesma finalidade de difusão [da Cinemateca Brasileira], mas já para um


público determinado e fundamental no processo do desenvolvimento cultural, a
Cinemateca criou um Departamento Infantil, que tem a seu cargo tanto a
elaboração de um acervo apropriado quanto a difusão cultural do cinema para
crianças e adolescentes em cineclubes e escolas. (THOMPSON,1964, p.8, grifo
nosso)

Os objetivos do Departamento descritos no plano inicial previam o


“levantamento, no acervo da própria Cinemateca, de todo material fílmico” que
interessassem aos jovens. Incluía-se para tal a organização e orientação de um
cineclube infantil piloto, para que se pudesse avaliar a aceitação dos filmes pelo público
Infanto-juvenil; a “seleção do material que se encontra nos consulados, nas filmotecas
comerciais, ou outras entidades” a este ponto destacava-se não só a qualidade cultural
dos filmes, mas principalmente a técnica, pois “o público infantil é muito mais
impaciente que o adulto e todas as observações se frustram, diante de uma projeção
interrompida ou pouco nítida”; a “elaboração de uma lista de filmes, da atualidade e do
passado, não produzidos especialmente para crianças, mas adequados a elas, e que
possam enriquecer o acervo da instituição”; o “estabelecimento de contato com as
Cinematecas Infantis estrangeiras que já possuem listas de filmes, catalogados por
idades” o interesse era verificar “até que ponto a criança brasileira se identifica à
mentalidade da estrangeira”; o “estudo das condições pelas quais as produtoras
estrangeiras que fazem filmes essencialmente infantis ou juvenis, poderiam iniciar uma
distribuição no Brasil ou contribuir para o acervo da cinemateca”. Nesse tópico Ilka
ressalta que há filmes infantis que foram premiados internacionalmente e “que são
62
SALLES, Francisco. [Carta] 25 de abril de 1961. CB 844/61- Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
63
Ilka Brunhilde Laurito escreveu em algumas matérias de jornais que a criação do Departamento de Cinema
Infanto-juvenil ocorrera em 25/03/61, data da primeira exibição do cineclubinho do CCLA. Talvez a autora quisesse
dar mais valor as atividades em desenvolvimento ou o fato de um representante da Cinemateca Brasileira ter
orientado as sessões do cineclubinho, desde o início, fez com ela vinculasse essa data à criação do Departamento.

82
totalmente desconhecidos da nossa infância”; e por fim, que o “estímulo à criação do
filme para a infância brasileira, de assunto essencialmente nacional”. Previa-se a
criação de “concursos de roteiros e de sugestões à atividade criadora de caráter
didático ou recreativo dentre os elementos do cineclubismo adulto” 64.
A Cinemateca Brasileira passava por um momento de crise. A instabilidade
financeira decorrente dos atrasos no pagamento do convênio – juros da Dívida
Municipal - com a prefeitura de São Paulo obrigou a instituição a procurar outras
parcerias no governo estadual e na União. Em 1959, para conseguir recursos, a
cinemateca realizou dois eventos patrocinados: a Semana de Cultura Cinematográfica
para a Comissão Estadual de Cinema e o Festival História do Cinema Francês para V
Bienal. Os valores recebidos permitiram que a instituição se estruturasse
funcionalmente, possibilitando a contratação de Gustavo Dahl como secretário e
“liberando os dirigentes para pensarem em outros problemas”, tais como “a formulação
de um projeto com a União” 65. Segundo José Inácio, um convênio com o estado tinha
sido discutido com a Comissão Estadual de Cinema no ano anterior, e a transformação
jurídica de Sociedade Civil para Fundação começara naquele momento. “Desse modo,
em 1/12/60 realizou-se a reunião de instituição da Fundação Cinemateca Brasileira, que
passaria a ter existência legal no primeiro dia do ano seguinte” (SOUZA, 2002, p.384).
A mudança ocorrera como exigência para a concretização do convênio com o governo
do Estado de São Paulo, que foi assinado em 17/03/1961, mas que seria publicado
somente em setembro do ano corrente.
Em decorrência desses fatores, Almeida Salles esclarece que, a respeito dos
objetivos propostos por Ilka Laurito, era necessário consolidar os convênios com os
governos estadual e federal para que fossem destinadas “verbas adequadas ao
Departamento Infantil, para a aquisição de filmes e outros materiais, e para as
66
atividades complementares” . No que tange, porém ao cineclube infantil piloto, o

64
LAURITO, Ilka. [Carta] 17 de abril de 1961. Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
65
SOUZA, José Inácio de Melo. Paulo Emilio no Paraíso. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 384.
66
SALLES, Francisco. [Carta] 25 de abril de 1961. CB 844/61- Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.

83
presidente iria sugerir a anexação do Cineclubinho já em desenvolvimento no CCLA de
Campinas como sendo “centro experimental” da Cinemateca Brasileira.

1.1 Organização

O Departamento de Cinema Infanto-juvenil transformou-se numa realidade.


Ilka Laurito se instala no último andar do Prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera,
local que abrigou a sede da cinemateca após o incêndio de 1957, e o qual ocuparia até
1994. A propósito das instalações, Laurito afirmaria que “eram domésticas. A gente
levava cadeira, a gente levava mesa. Eu levei minha escrivaninha para lá. Fazia um
ambiente muito amistoso. Cada um tinha a sua salinha (...)”67. A época, a cinemateca
era formada por Maurice Capovilla na difusão, Jean-Claude Bernardet na
documentação, Sérgio Lima no Arquivo de Documentação Histórica - ele embarcaria,
em setembro, para Paris a fim de realizar um estágio na Cinemateca Francesa -, Caio
Scheiby no Arquivo Histórico do Cinema Brasileiro e Yolanda na secretaria, mas que,
no momento, já não estava mais regularmente na instituição por causa de sua mudança
para a Índia e que seria substituída pela voluntária Ana Maria Smith Pimentel. Na
conservadoria continuavam Paulo Emilio Salles Gomes e Rudá de Andrade. Ilka
Laurito, assim como Ana Pimentel, era voluntária e para se manter trabalhava como
professora de português. Inicialmente continuou a residir em Campinas, onde lecionava
no Instituto de Educação Carlos Gomes. Com o aumento das atividades do
departamento, muda-se para São Paulo, mais especificamente para a rua Joaquim
Távora, tornando-se vizinha de Paulo Emilio. A rotina de trabalho na cinemateca ocorria
semanalmente das 13h às 17h30. Oficialmente a equipe do Departamento de Cinema
Infanto-juvenil se resumia à Ilka Laurito como diretora. Entretanto, ela recebia a ajuda
de Capovilla nas sessões do Cineclubinho, principalmente na aquisição dos filmes e
manuseio dos aparelhos de projeções, além de auxiliar com explicações técnicas para

67
Entrevista de Ilka Laurito concedida à José Inácio de Melo e Souza em 11/03/1997. Arquivo José Inácio de Melo e
Souza/Cinemateca Brasileira.

84
as crianças. Em entrevista concedida a autora68, Maurice Capovilla afirma não se
lembrar das atividades realizadas junto ao Departamento de Cinema Infanto-juvenil. Ele
relata que seu contato com Ilka Laurito ocorreu em função da amizade com o escritor
João Antônio que era um amigo comum. Porém quando lhe foi perguntado sobre
algumas correspondências trocas, além de relatórios existentes no arquivo da
Cinemateca, o cineasta explica que a memória é falha. Mas confirma que na época era
diretor do Departamento de Difusão Cultural e que se “dedicava a montar cineclubes
em São Paulo, interior e outros Estados”. Possivelmente é por conta do envolvimento
de Capovilla com a formação de cineclubes que a colaboração com Ilka Laurito e o
Departamento Infanto-juvenil tenha nascido. Como podemos verificar através das
correspondências e relatórios do período de 1961 a 1963.
Em carta de 19/04/61, Maurice escreve:

Ilka, grandes novidades. Encontrei-me ontem com Samuel Pfromm [...] tendo
me referido ao cineclube infantil consegui o interesse dele, até entusiasmo [...]
No sábado, por ocasião da aula de Caio, espero que nos encontremos para
69
traçar as novas Diretrizes e Bases do Cineclube Infantil. Um abraço, Maurice .

No que diz respeito a atuação de Capovilla no Departamento Infanto-juvenil,


Ilka relata “o auxílio de Maurice foi inestimável. Ele se entusiasmou tanto, que se
ofereceu espontaneamente para auxiliar-me todos os sábados de sessão” [...] “Na
cinemateca Brasileira, onde eu fui fazer a programação por seis meses, junto com
Maurice, troquei ideias com o Rudá” 70. A Capovilla, somava-se Ana Maria Pimentel,
que também era professora, e que iria aderir a alguns projetos de exibição do
departamento. Rudá de Andrade e Paulo Emilio se tornaram conselheiros permanentes.
Com efeito, Ilka Laurito se empenhou em formar uma equipe especializada
em cinema e infância, que seria composta por psicólogos e orientadores educacionais,
além da participação ativa de especialistas em cinema (diretores, críticos, membros de

68
Entrevista concedida por e-mail em 14/04/15.
69
CAPOVILLA, Maurice. [Carta] 19 de abril de 1961. CB 766/61 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
70
LAURITO, Ilka. [Relatório Sessões do Cineclubinho do CCLA] 25 e 27 de Março de 1961. Acervo Departamento
Infantil/Cinemateca Brasileira.

85
cineclubes adultos, etc...). Nesse sentido, buscou constituir um grupo de colaboradores
do Departamento de Cinema Infanto-juvenil vindos de diferentes áreas. Desta maneira,
com a finalidade de estabelecer um estudo em torno das pesquisas filmológicas,
firmou-se contato com o professor Samuel Pfromm71, da Universidade de São Paulo
(USP) e com a professora Nelda de Fillipi da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Em correspondência ao Prof. Pfromm, Laurito o convida para participar do
grupo de colaboradores e esclarece:

Essa seção, cuja direção, como você sabe, está à meu cargo, necessita a
orientação de pessoas como você, que se dedicam à pesquisa filmológica. O
que pretendemos, por ora, é constituir um acervo de filmes adequados à
infância, avaliá-los, catalogá-los por idade, observar a reação do público a que
eles se destinam, colher dados, enfim, para uma futura produção
cinematográfica brasileira. A par dessa parte, queremos também colaborar com
aqueles que, como você, dedicam-se às pesquisas, fornecendo-lhes o material
72
humano e o campo da experimentação .

Na mesma direção, também foi contatado o Prof. Enzo Azzi, que era
responsável pelos estudos de psico-filmologia do Instituto de Psicologia da
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Como vamos trabalhar num campo que muito lhe deve interessar, esperamos
contar com a sua preciosa colaboração, através de sugestões, publicações ou
indicações bibliográficas, assim como ficamos inteiramente ao seu dispor para
73
auxiliá-lo em qualquer trabalho que deseja encetar no âmbito da pesquisa .

Em 1962, o Departamento de Cinema Infanto-juvenil organiza na


Universidade Católica de São Paulo uma exposição com todo o material produzido pelo
departamento.

71
O professor Samuel Pfromm Netto (1932-2012) formou-se na Faculdade de Educação, na década de 1950, e
exerceu suas atividades de ensino e pesquisa, na Universidade de São Paulo (USP), no Instituto de Psicologia. Na
escola desenvolveu pesquisas em torno da relação entre as mídias (Cinema, TV e Rádio) e o ensino. Entre 1960 e
1970, participou da equipe do Serviço de Recursos Audiovisuais (SRAV/CRPE-USP), inicialmente, em projetos de
produção de filmes educativos e posteriormente na implantação da TV Universitária da USP. Sua bibliografia sobre o
tema compreende os seguintes títulos: Telas que ensinam (1998), Tecnologia da educação e comunicação de
massa (1977) e Comunicação de massa (1972).
72
LAURITO, Ilka. [Carta] 01 de fevereiro de 1962. CB 289/62 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
73
Idem., [Carta] 01 de fevereiro de 1962. CB 290/62 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.

86
Ademais, no que concerne a estrutura do Departamento Infanto-juvenil, o
plano de trabalho de 1962 previa como meta a ser cumprida a formação de “um
Conselho Consultivo de, no mínimo, três membros, para orientar a seção infantil” 74. Por
causa da instabilidade financeira da Cinemateca Brasileira, a equipe idealizada por Ilka
Laurito nunca chegou a ser constituída.

1.2 O acervo

Como pudemos observar, um dos objetivos centrais do Departamento


Infanto-juvenil era a elaboração de um acervo de filmes direcionados à infância que
seria chamado de “Cinemateca Infantil”. Para formar uma coleção de títulos adequados
era preciso pesquisar filmes de diferentes fontes nacionais e internacionais. Nesse
sentido, Ilka Laurito iniciou uma peregrinação pelos consulados, pelas filmotecas
comerciais (Fotóptica, Mesbla, Polifilmes) e filmotecas das companhias de aviação
(Scandinaviam e Pan-america) e de petróleo (Shell e Esso), além do acervo do Instituto
Nacional de Cinema Educativo – INCE, da seção de Cinema Educativo do Serviço de
Expansão Cultural da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e do Serviço de
Recursos Audiovisuais da Cidade Universitária – SRAV-USP. A esses locais se soma o
próprio acervo da cinemateca, e a iniciativa de estabelecer contatos com as instituições
congêneres estrangeiras que já possuíam uma coleção. Antes de definirmos como se
deu a compilação nos acervos, é preciso esclarecer quais foram os critérios utilizados
para a seleção dos filmes. Ou seja, o que era um bom filme para crianças e
adolescentes?
Para a diretora do Departamento Infanto-juvenil, os filmes deveriam conter
valores humanos e estéticos e, sempre que possível, ter um caráter educativo. A
finalidade principal era a cultura cinematográfica, assim a questão educativa
ultrapassava as disciplinas escolares e era vista como forma de instrução e cultura que
não incluía somente filmes sobre higiene, zoologia, meios de transporte, etc. Mas

74
Plano de trabalho 1962. Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.

87
compreendia películas sobre as artes e, especialmente, sobre a arte cinematográfica.
Em entrevista ao Jornal O Estado de SP, Ilka Laurito define quais filmes eram
recomendados e cita o exemplo de uma sessão:

Os filmes esteticamente bem realizados e que contenham valores humanos:


isto se pode aplicar a qualquer gênero. Lembro-me de já ter passado “No tempo
das Diligências” para um público de adolescentes, e ter percebido até que ponto
a “torcida”, durante a indefectível luta contra índios, pôde ser equivalente à
profunda compreensão do fenômeno de um “mocinho” e de uma “mocinha” cujo
romance e cujo heroísmo continham toda uma ação psicológica. (O ESTADO
DE SP,11/06/62)

Inquirida sobre quais filmes deveriam ser evitados, ela afirma:

Fundamentalmente, todo filme que dê uma falsa visão da realidade. E todo


filme superficial e inconsequente: acredito que a infância deva ser tratada com
seriedade e respeito [...] Não creio que se precise recorrer ao pieguismo ou
sentimentalismo fácil para se tocar a sensibilidade de uma criança. Nem
inventarem histórias inócuas e extremamente simplistas, no pretexto de serem
compreensíveis. (O ESTADO DE SP, 11/06/62.)

Nesse sentido, os filmes escolhidos pelo Departamento Infanto-juvenil


intencionavam contar a história do cinema através dos clássicos, sem entrar no mérito
do “bom cinema” para infância e juventude pregado principalmente pelas instituições
religiosas. Ressaltamos, entretanto, que determinados documentos, em especial,
destinados para as instituições de ensino mencionariam o tema “mau cinema” e suas
influências, porém o assunto não receberia considerável atenção. Acredita-se que o
conteúdo tenha sido introduzido nos documentos devido a influência religiosa no campo
educacional. No que diz respeito as exibições, os católicos tinham interesse nos
assuntos do cinema desde as primeiras sessões do cinematógrafo. Assim, em 1936, é
lançada a Encíclica Vigilanti Cura, pelo Papa Pio XI, que define sua posição em face ao
cinema, traça diretrizes para a ação dos católicos e institui a classificação moral dos
filmes. A segunda Encíclica, a Miranda Prorsus, é escrita pelo Papa Pio XII, em 1957, e
não se preocupava exclusivamente com o espectador e com o crítico cinematográfico,
mas com as atividades cinematográficas. Segundo Vivian Malusá (2008, p.2), “essa

88
influência teve, por um longo período, seus reflexos em toda atividade cineclubista
brasileira, espalhando-se por quase todo o país”. Em 1951, no Rio de Janeiro, a Ação
Social Arquidiocesana inicia um curso de cinema no seu Centro de Estudos. O objetivo
central do curso era formar o espectador, visando filmes com moral religiosa. Da
mesma forma, o Centro de Orientação Cinematográfica (COC), presidido pelo Pe.
Guido Logger, ministrava cursos de cultura cinematográfica pelo país. Estas atividades
foram analisadas por Ilka Laurito, principalmente, as sessões promovidas por Humberto
Diderot e o livro “Iniciação ao Cinema Infantil” (1965), do Frei Urbano Plentz. Além
disso, os cineclubes de origem católica se tornariam os maiores incentivadores da
criação de seções infanto-juvenis dentro dos clubes adultos e nas escolas; e apoiariam
veementemente as ações do Departamento de Cinema Infanto-juvenil da Cinemateca.
Para Ilka Laurito, a pesquisa nos acervos deveria ser por filmes
(documentários, desenhos animados, curtas e longas–metragens) que fizessem as
crianças e jovens reconhecer uma obra de qualidade artística. Assim, os critérios para a
seleção dos filmes se dividem em quatro vertentes: filmes adultos adequados as
crianças; filmes infantis; filmes realizados por crianças e jovens; filmes sobre crianças
destinados aos professores, psicólogos e pedagogos. Este último critério viria ao
encontro com um dos objetivos do Departamento Infanto-juvenil de estabelecer uma
Cinemateca Infantil e ser um centro de informações que pudesse assessorar todas as
pessoas e instituições que se interessassem pelo tema.
A prospecção de filmes de 16 mm e 35 mm para o acervo ocorreu em quatro
fases que, em determinados momentos, sucederam-se simultaneamente. A primeira
seleção do material existente direcionado às crianças foi realizada no próprio acervo da
Cinemateca Brasileira. Estabeleceu-se um processo de separação dos filmes infantis
ou adultos que poderiam servir para o público Infanto-juvenil. Em entrevista, Ilka Laurito
afirma que a “cinemateca tinha uma série de documentários preciosos feitos pelo
National Film Board do Canadá, que eram esplendidos e que podiam ser perfeitamente

89
trabalhados com crianças” 75. A experiência de utilizar filmes do próprio acervo ou filmes
comerciais para exibições infantis já tinha sido praticada pela The Children’s Film
Library. Nesse sentido, o Departamento Infanto-juvenil seguiria o mesmo caminho e,
além de utilizar os documentários canadenses, também seriam selecionados filmes de
Charles Chaplin e longas nacionais que seguissem os critérios estabelecidos. Ilka
Laurito constataria que no acervo da Cinemateca Brasileira não havia grande variedade
de filmes infantis. Por consequência, começou uma procura nos consulados,
embaixadas e filmotecas privadas e comerciais de São Paulo. A ideia era constituir um
catálogo76 com todos os títulos pertinentes à infância que pudessem ser encontrados
nessas instituições paulistas.
Nesta perspectiva, a segunda tentativa de aquisição de filmes ocorreu por
meio de contato com os consulados e as instituições congêneres estrangeiras. É
preciso enfatizar que a situação financeira da Cinemateca Brasileira fez com que a
procura por filmes nessas instituições fosse realizada com a intenção de firmar
convênios de empréstimos ou doações, visto que as condições não permitiam a compra
de películas para o acervo. Assim, a diretora do Departamento Infanto-juvenil
estabelece contato com os consulados e consegue das repartições francesas, suecas e
tchecas o empréstimo de filmes por um ano. Em geral, o acordo com as instituições
consulares exigia que o departamento da cinemateca enviasse um relatório trimestral
ou anual mencionando todas as projeções realizadas durante o período de concessão.
Em 16 de abril de 1963, por exemplo, Ilka Laurito escreve ao cônsul da
Tchecoslováquia relatando a circulação do filme Como as crianças pintam, de Jiri
Jerabek, e lhe pede a renovação da cessão da obra por mais um ano. A diretora do
departamento ainda argumenta que o filme havia sido utilizado com “inteligência e
proveito” 77 pela Cinemateca Brasileira.

75
Entrevista de Ilka Laurito concedida à José Inácio de Melo e Souza em 11/03/1997. Arquivo José Inácio de Melo e
Souza/Cinemateca Brasileira.
76
O Departamento Infanto-juvenil da Cinemateca produziu um catálogo dos filmes disponíveis nas filmotecas de São
Paulo, em que constava a seleção dos títulos julgados adequados as crianças e jovens. Posteriormente, o catálogo
foi enviado para cineclubes e pessoas interessadas no assunto. Infelizmente não encontramos nenhuma versão
deste documento durante o andamento desta pesquisa.
77
LAURITO, Ilka. [Carta] 16 de abril de 1963. CB 361/63 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira

90
A parceria com os consulados tornou-se uma boa alternativa e o
Departamento Infanto-juvenil não cessou em buscar novos convênios. Em carta ao
consulado geral do Japão, Laurito agradece o empréstimo das obras Bonecas
Japonesas e canções infantis e argumenta:

Assim é que gostaríamos de poder contar, no nosso acervo, com alguns filmes
adequados à infância, através dos quais difundiríamos a cultura, a paisagem e
os costumes do Japão [...] estudando a lista que o consulado geral do Japão
nos forneceu, podemos destacar os seguintes filmes, que seriam do maior
interesse para o nosso Departamento: “Bonecas Japonesas”, “canções infantis”,
“Fuji”, “Japão encantador” e outros que poderiam servir de educação e
78
recreação às nossas crianças .

No que diz respeito aos contatos com as instituições congêneres


estrangeiras, Ilka Laurito organizaria uma lista com as cinematecas, fundações,
produtoras e distribuidoras que possuíam departamentos especializados no público
Infanto-juvenil. A intenção era de, igualmente aos consulados, conseguir convênios de
empréstimos ou doações de filmes e/ou publicações (livros, revistas, catálogos,
materiais didáticos, etc.). Os primeiros ofícios enviados a estas instituições ocorreriam,
ainda, em 1961, como nos informa a carta de 20 de novembro79 destinada ao National
Film Board do Canadá. Nela constam informações sobre a criação do novo
departamento da cinemateca, suas intenções e necessidades.
Num segundo momento, o documento descreve o bom relacionamento entre
a Cinemateca Brasileira e as autoridades daquele país e cita como exemplo a doação
feita pelo consulado canadense das obras de Mac Laren que vinham sendo difundidas
pelo Brasil. No mais, esclarece o desejo de iniciar um contato com o National Film
Board, tendo em conta que a instituição já conservava uma vasta experiência na
produção de filmes para crianças e nas exibições em escolas. Por fim, Laurito pede a
doação de matérias sobre o tema - filmes, fotografias e questionários - que pudessem
ajudar a organizar o novo departamento da cinemateca.

78
Idem., [Carta] 30 de março de 1962. CB 529/62 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira
79
LAURITO, Ilka [Carta] 20 de novembro de 1961. CB 2923/61 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira

91
Sublinhamos que o jornal O Estado de São Paulo noticiaria em 19 de
novembro que

acompanhado pelo adido cultural do consulado do Canadá, compareceu ontem


na Cinemateca o Sr. Wilfred S. Jobbins, representante do “National Film
Board”, organização oficial canadense para o cinema educativo. O objetivo da
visita oficial foi o lançamento de bases para uma colaboração mais efetiva entre
as duas organizações. (O ESTADO DE SP, 19/11/1961)

Em resposta ao contato do Departamento Infanto-juvenil, W.S. Jobbins,


representante do National Film Board na América Latina, oferece o empréstimo de
cinco obras por um ano, com a condição de receber a cada três meses um relatório de
exibição dos filmes. O acordo foi concretizado e o departamento da cinemateca
selecionou três películas da instituição canadense: Angotee: Story of an Eskimo Boy
(Douglas Wilkinson,1953), The story of Peter and the potter (Donald Peters, 1953) e
Teeth are to Keep (Jim Mackay, Dino Rigolo,1949) 80.
De acordo com a carta de 30 de março de 1962, Ilka afirma que outra
instituição que cederia filmes ao Departamento seria o British Film Institute. As
correspondências encontradas no arquivo da cinemateca não fazem referência a filmes,
e sim a publicações enviadas. Entretanto nas seções de filmes infantis e informativos
do catálogo de difusão da Cinemateca Brasileira encontramos vários títulos que foram
emprestados pelo Conselho Britânico, o que nos leva à interpretação de que o convênio
com a instituição inglesa fora estabelecido. Outro fator relevante é que, no ano
seguinte, Ilka Laurito iria realizar um estágio nessa instituição.
Ademais, no arquivo institucional da Cinemateca Brasileira foram localizadas
correspondências - em alemão, francês e inglês - trocadas com 25 instituições81 que
enviaram algum tipo de material didático sobre as atividades desenvolvidas em torno do
cinema infantil ou educativo nos seus países.

80
LAURITO, Ilka. [Carta] 18 de Janeiro de 1962. CB 158/62 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira
81
O Departamento de Cinema Infanto-juvenil entrou em contato com outras instituições, porém optamos por
considerar somente as que efetivaram um contato com a entidade brasileira. Para verificar quais foram as instituições
que se corresponderam com o departamento ver lista “Instituições estrangeiras contatadas” no apêndice.

92
Os empréstimos dos consulados, do National Film Board e do conselho
Britânico não foram suficientes para a difusão cultural. Desta maneira, a terceira via de
acesso aos filmes foi a locação em filmotecas privadas e comerciais. A relação entre as
multinacionais, em especial as empresas petrolíferas, com os meios de comunicação e
cultura começaram na década de 40. A empresa americana de petróleo Esso
patrocinaria o jornal Repórter Esso, no rádio e depois na televisão, e criaria também a
Filmoteca Esso. Em contrapartida a companhia Shell funda sua filmoteca, em 1942,
com sede em São Paulo e no Rio de Janeiro, composta principalmente por
documentários82. Além das filmotecas privadas, consolidaram-se no mercado as
companhias comerciais Fotóptica, Mesbla e Polifilmes.
O departamento da cinemateca estabeleceria contatos com as filmotecas,
porém, a procura por filmes para serem alugados se tornou uma missão difícil, pois as
obras eram antigas e encontravam-se em mal estado de conservação. Além disso, as
filmotecas não possuíam uma lista atualizada dos filmes para locação. Maurice
Capovilla explica à Ilka, em carta de 5 de abril de 1961, que a Fotóptica onde ele havia
ido buscar os filmes “apresentou um catálogo tão antigo, que os filmes que nós
escolhemos já não existem mais” 83. Ademais, uma das dificuldades em realizar esses
empréstimos se dava primeiramente pela ausência de filmes adultos ou infantis que
atendessem os critérios estabelecidos para serem exibidos ao público Infanto-juvenil. O
segundo problema era a inesperada e constante troca dos filmes locados por parte das
filmotecas. Embora existissem essas adversidades no funcionamento das filmotecas, o
Departamento Infanto-juvenil manteria boa parte dos filmes exibidos nas sessões do
Cineclubinho do CCLA vindos desses estabelecimentos.
Em busca de incluir documentários e filmes nacionais na programação das
sessões infantis realizadas pelo Departamento Infanto-juvenil, Ilka Laurito daria início a

82
A partir da década de 70, a empresa patrocinaria o programa Globo Shell Especial, uma série de documentários,
veiculada pela Rede Globo. A Filmoteca Shell teria grande importância na difusão de filmes e lançaria, na época, a
campanha “venha assistir um dos filmes educativos Shell” que tinha por finalidade emprestar gratuitamente
documentários para associações, igrejas e estabelecimentos de ensino. Mais informações ver: FRANÇA, Andréa. O
pensamento do documentário na televisão brasileira: a década de 1970. ECO-POS, n°2,V.14, 2011.
83
CAPOVILLA, M. [Ofício] 5 de abril de 1961. CB 642/61 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira

93
quarta fase de constituição de um acervo, ao procurar estabelecer contato com três
entidades públicas: o INCE; o departamento de Cinema Educativo do Serviço de
Expansão Cultural da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo; e o Serviço de
Recursos Audiovisuais da Cidade Universitária – SRAV-USP. O Instituto Nacional de
Cinema Educativo criado, em 1936, por Roquette-Pinto, teria como objetivo promover e
orientar a utilização do cinema, especialmente como processo auxiliar do ensino, e
ainda como meio de educação popular em geral84. O INCE funcionou de 1936 a 1966,
produzindo sob a direção-técnica de Humberto Mauro mais de 400 documentários85
educativos de curtas e médias metragens. A exibição era direcionada às escolas,
instituições culturais e salas de cinema. Ilka Laurito que havia visitado as instalações do
Instituto em janeiro de 1961, durante sua estádia no Rio de Janeiro por conta da III
Jornada de Cineclubes, iria solicitar em maio, ao então diretor Flavio Tambellini, um
curso ou estágio previsto para ocorrer em julho. A intenção era expandir o
conhecimento do trabalho realizado pelo Instituto. Neste sentido, ressaltaria que
“gostaria, principalmente, de conhecer as realizações de Humberto Mauro” 86. O estágio
no INCE, ocorreu, provavelmente, em 1962, pois em uma carta enviada ao professor
Bandeira Duarte, em 26 de julho de 1962, Ilka escreve:

na hora em que fui despedir-me, o senhor não estava: deixei-lhe um


agradecimento por intermédio do sr. Jurandir, um agradecimento especial ao
senhor, pela amabilidade com que me atendeu e a paciência com que me
forneceu todas as informações de que eu necessitava [...] Aqui estou de volta a
Cinemateca... Espero voltar ao Rio sempre que possível [...] Dê minhas
lembranças especiais, por favor, ao sr. Humberto Mauro, que foi um prazer
87
conhecer e ouvir de perto .

Orientada pelo prof. Bandeira Duarte, Ilka enviaria um ofício à direção do


Instituto solicitando os filmes: Meus oito anos, João de Barro, Aboio e Catingas,
84
Art.41 da Lei de n. 378, de 13 de janeiro de 1937.
Disponível em http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102716 Acessado em 23 de janeiro,
2014.
85
SOUZA, Carlos Roberto de. Catálogo de filmes produzidos pelo INCE. Fundação do Cinema Brasileiro. Série
Documentos, MINC, 1990.
86
LAURITO, Ilka. Documento. 02 de maio de 1961. Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
87
Idem., [Carta]. 26 de julho de 1961. CB1217/62 Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.

94
Cantos de trabalho, Casinha pequenina, Engenhos e usinas, Manhã na Roça: o
carro de bois, Ponteio, Pinhal, Dragãozinho manso: Jonjoca, Jardim Zoológico do
Rio de Janeiro Cerâmica artística do Brasil, Congonhas do campo, Sabará, Cidade
de Salvador, Vicente de Carvalho, Coisas que os olhos não veem, O oxigênio, O
papel, Fantasia brasileira, Como se filmam e sonorizam os filmes. As películas
seriam cedidas em forma de empréstimo e ficariam depositadas na Cinemateca
Brasileira. Tudo indica que não foi possível o envio dos filmes, pois Ilka consideraria a
possibilidade de conseguir uma cópia de alguns destes filmes por intermédio do
departamento de Cinema Educativo do Serviço de Expansão Cultural.
A Seção de Cinema Educativo do Serviço de Expansão Cultural da
Secretaria de Educação foi criada, em 1957, por meio de um acordo de colaboração
entre o Ministério da Educação e Cultura e Governo do Estado de São Paulo. O acordo
visionava manter na Secretaria de Educação uma seção de cinema educativo, que
incluiria uma filmoteca que atendesse as necessidades das instituições de ensino
paulistas. Orientada pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), o Serviço de
Expansão Cultural receberia, deste instituto, projetores de 16 mm, filmes, diafilmes e
treinamento técnico para a equipe. Caberia ao órgão de cinema educativo de São Paulo
organizar estágios e cursos, estimular a criação de órgão de cinema educativo nos
municípios e providenciar a realização de filmes educativos, sobre aspectos geográficos
e históricos, que proporcionassem um conhecimento do estado88. Desta maneira, a
direção da seção de cinema iniciaria uma seleção no acervo do INCE com o intuito de
copiar os filmes que fossem interessantes para fazerem parte do acervo. Nesse
sentido, Ilka visionaria a oportunidade de incluir na lista do departamento da secretaria
de cultura, os filmes do INCE já selecionados pelo Departamento Infanto-juvenil da
cinemateca, pois a nova seção do governo paulista possuía grande quantidade de
películas virgens.

88
LEI N. 4.724, DE 6 DE MAIO DE 1958.
Disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1958/lei-4724-06.05.1958.html Acessado em 03 de
fevereiro, 2014.

95
A última instituição contatada foi o Serviço de Recursos Audiovisuais do
Centro Regional de Pesquisas Educacionais Prof. Queiroz Filho – CRPE/SRAV-USP.
Em 1955, com a finalidade de solidificar as pesquisas no campo educacional, foram
criados os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais nos estados do Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Pernambuco. O Centro
Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, vinculado à Universidade de São
Paulo, foi instalado na Cidade Universitária e abrigava uma biblioteca especializada em
Educação e Ciências Sociais, além de realizar atividades de documentação e estudos e
pesquisas educacionais, sociais e estatísticas (FAZENDA, 1987, p.62). Na década de
60 o centro fundou o Serviço de Recursos Audiovisuais (SRAV), a partir do programa
americano Ponto IV89, que, mediante o acordo entre o centro de audiovisual da
Universidade de Michigan e o Inep, recebeu a doação de equipamentos para “a
produção, montagem, sonorização e cópia de filmes educativos, assim como
equipamentos de áudio, projetores, equipamentos de estúdio”90. O Serviço de Recursos
Audiovisuais utilizaria os recursos audiovisuais como auxiliares no ensino primário e
secundário, produzindo filmes educativos e realizando tradução, adaptação e dublagem
das películas estrangeiras. Por meio do contato com o Prof. Samuel Pfromm, que fazia
parte da equipe do SRAV, Ilka examinaria alguns filmes da instituição para serem
exibidos pelo Departamento Infanto-juvenil.

2. As ações educativas do Departamento Infanto-juvenil

O Departamento de Cinema Infanto-juvenil iria estruturar suas ações


educativas com base na difusão cultural e na introdução do cinema no contexto escolar.
As atividades de difusão cultural estavam subdivididas em duas direções: exibição e
difusão escrita e oral. No que se refere às exibições, o objetivo era efetivar contato com

89
O Ponto IV tinha por finalidade ajudar países pobres a se modernizar tecnologicamente cooperando na criação de
centros de produção audiovisual. O programa fazia parte do plano Aliança para o Progresso que buscava ampliar, na
América Latina, a influência política e econômica dos Estados Unidos.
90
PFROMM, Samuel. Telas que ensinam: Mídia e Aprendizagem - Do Cinema às Tecnologias Digitais. São Paulo:
Alínea, 2011. p.93.

96
os cineclubes nacionais a fim de orientar e fornecer uma programação de filmes aos
cineclubes infantis, escolas, associações e orfanatos. Assim, a direção do
departamento faria um levantamento de todos os cineclubes adultos do país que
mantinham uma seção infantil ou que já haviam fundado um cineclube para crianças e
jovens. A finalidade era descobrir o que estava sendo feito no Brasil, em relação ao
tema, para posteriormente estudar uma programação adequada e incentivar o
movimento de cineclubismo infantil. Nesse sentido, Ilka Laurito iria estabelecer contato
com todos os cineclubes da lista de correspondentes da Cinemateca Brasileira e com o
Centro dos Cine-clubes.
Em relação à difusão escrita, iniciou-se um trabalho de constituição de um
acervo bibliográfico sobre o cinema e a infância. Ilka Laurito procurou compilar uma
literatura especializada. Visto que as publicações em língua portuguesa dedicadas ao
tema eram escassas e que a maioria dos livros e manuais estavam publicados em
língua estrangeira, principalmente em francês, inglês e italiano, ela começa a
elaboração de uma bibliografia básica sobre o tema que foi publicada com o título de
“Cinema e Infância” pelos Cadernos da Cinemateca em 1962. O livro destaca a
importância da educação cinematográfica e apresenta um plano de estudo para as
pessoas interessadas no assunto. A obra relaciona 240 publicações (artigos e livros)
referenciados por uma síntese dos temas abordados que estão organizados em quatro
seções temáticas: educação artística; iniciação cinematográfica; cinema e infância
(teoria) e (prática); e cinema na educação.
Na apresentação, a organizadora coloca em relevo a limitação do trabalho
realizado, considerando que “este plano de estudos e esta relação de livros, sua
maneira de a dispor e apresentar. Não é obra de equipe, embora as sugestões e
auxílios”91 e afirma que a obra se destina a “todos aqueles que, interessados nas várias
formas de expressão infantil, descobriram no cinema uma forma nova e atuante” entre
eles pais, professores, e pessoas que amam criança e cinema. A primeira seção aborda

91
LAURITO, ILKA. Cinema e Infância. Cadernos da Cinemateca. São Paulo: Fundação Cinemateca Brasileira,
1962, p.1.

97
a necessidade de conhecer o percurso das expressões artísticas a fim de que seja
possível realizar uma educação para as artes. Ilka Laurito explica que:

Cinema é arte. Aonde outras artes podem confluir, integrando-se e fundindo-se


numa expressão que serve a todas mas que é própria, inédita e exclusiva: a
expressão cinematográfica [...] Daí a necessidade de estudar e conhecer todas
as modalidades de expressão infantil; artes plásticas ou rítmicas; literatura
infantil; jogos, brinquedos; tudo que serve à criança de autoconhecimento, de
consciência de mundo adulto e de linguagem de seu próprio mundo (LAURITO,
1962, p.1).

Neste sentido, foram selecionadas 15 obras que situavam o cinema entre as


artes, além de estudá-lo como uma forma de expressão artística infantil. Dentre as
obras estavam: Belas Artes e Cinema, de Henri Lemaitre; O teatro na escola, de Olga
Obry; A música e a criança, de Walter Howard; Os brinquedos das crianças através do
tempo, de Leslie Daiken; e História da literatura infantil, de Jean Trigon.
Na segunda seção “Iniciação cinematográfica”, foram reunidos livros que
possibilitassem uma introdução à filosofia do cinema. Laurito afirma que “limitamo-nos,
entre a vasta bibliografia, a escolher alguns livros, a maioria de vulgarização, que
possam servir para que os educadores leigos em cinema tomem conhecimento
imediato com o mundo da expressão cinematográfica, nos seus aspectos
fundamentais”92. Esta seção se subdivide em 4 subitens: Filmologia, Psicologia e
Sociologia; Iniciação ao cinema – obras gerais; História do Cinema; e Linguagem e
Técnica Cinematográficas.
Cinema e infância, a terceira seção, foi dividida em teoria e prática em que
são abordadas questões desde a influência do cinema nas crianças e jovens à exibição
e produção de filmes. A primeira parte é fundamentada sobre as questões teóricas que
abrangem aspectos da filmologia e psicologia infantil, da influência do cinema e dos
filmes infantis. Já a segunda parte, concentra-se em dar subsídios para futuras
iniciativas de difusão da cultura cinematográfica para o público Infanto-juvenil seja por

92
LAURITO, ILKA. Cinema e Infância. Cadernos da Cinemateca. São Paulo: Fundação Cinemateca Brasileira,
1962, p.1.

98
meio dos cineclubinhos, das sessões em escolas ou em parques. Esta seção torna-se a
mais densa, pois reúne 124 artigos e livros sobre o tema.
Por fim, a quarta seção é dedicada ao Cinema na Educação. O conteúdo
desta parte discute o cinema entre os meios audiovisuais, o cinema como fator de
cultura, o cinema na escola e a situação brasileira. A seleção de livros da seção reúne
obras de Canuto Mendes, Venâncio Filho, Roquette-Pinto, Jean Painlevé e Jean
Benoit-Levy. Além do livro, Ilka Laurito escreveria, entre 1961 e 1964, para os jornais: O
Estado de São Paulo e o Correio Paulistano.
Já a difusão oral seria realizada com Simpósios, conferências, cursos e
palestras para o público em geral. O objetivo era chamar a atenção dos pais,
professores e pessoas ligadas ao ensino para a necessidade de implementar uma
educação cinematográfica para as crianças e jovens.

Tabela 2 - Palestras realizadas entre 1962 e 1963

Data Local Tema

18/08/62 Parque Leonor Cinema e infância - Proferida para professores de


Mendes de Barro jardim de infância da cidade de Santos.
05/09/62 Escola Padre Manoel Necessidade de uma cultura cinematográfica -
de Paiva Proferida para professores secundários e alunos.
29/09/62 Cinema como forma de expressão artística das
Teatro de Arena crianças - Proferida para professores primários do
curso de teatro infantil.
26/10/62 Faculdade de A integração do cinema na escola primária com a
Filosofia, Ciências e colaboração do cineclube de Marília. - Proferida
Letras de Marilia para professores e cineclubistas.
12/06/62 Sesc O Cinema e a integração social - Proferida para
assistentes sociais.
30/09/63 Instituto de Educação Cinema como atividade Extracurricular -
Anhanguera da Lapa Proferida para alunas do curso Normal.

99
10/10/63 Clube de Esporte de O Cineclube e a comunidade - Proferida durante o
Ilhabela I curso Intensivo de Formação do professor para o
litoral. Promovida pelo Departamento de Educação
do Estado de SP.

Fonte: Relatórios de 1962 e 1963. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

2.1 As exibições de filmes: cineclubes, escolas e parques

A Fundação [...] é uma entidade cultural que tem convênio com o Estado e que,
através de seu Departamento Infantil, vem desenvolvendo um trabalho de
difusão cinematográfica, de valor educativo e recreativo e cultural, nas escolas
e cineclubes infantis. Todas as sessões são orientadas no sentido de que se
desenvolva na criança uma atitude ativa em face do cinema, através do
93
desenvolvimento de seu espírito crítico e de sua cultura cinematográfica .

O governo do Estado de São Paulo vinha manifestando interesse em ampliar


a utilização do cinema nas escolas paulistas. Em 8 de agosto de 1961, o jornal Folha de
São Paulo anuncia que o governador Carvalho Pinto havia escrito um memorando para
o secretário de governo Marcio Porto pedindo que fosse realizado, por meio da
Comissão Estadual de Cinema, um levantamento das atividades de cinema educativo.
No documento deveriam constar as atividades dos “diversos órgãos da administração
estadual, quer nas secretarias, quer na Universidade. Tal levantamento deverá
abranger dados sobre pessoal, equipamento, instalações, recursos e operações que
94
realiza, campo de aplicação” . A comissão Estadual de Cinema teria 60 dias para
apresentar o relatório. Acredita-se que o pedido do governador de São Paulo tenha sido
motivado pela Campanha Nacional do Cinema Educativo que seria decretada
posteriormente, em 22 de agosto, pelo Ministério da Educação e Cultura. Esta

93
LAURITO, Ilka. Cinemateca Brasileira. Anexo n°4. Relatório da biblioteca Infantil “Caetano de Campos”, 15/12/62.
In: ABREU, Ailton. Escola e Cinema: o cinema educativo na escola Caetano de Campos em São Paulo entre os
anos de 30 e 60. 1999. 186 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica de São Paulo -
PUC/SP.
94
Atividades do Cinema Educativo. Folha de São Paulo, 06/08/61.

100
campanha do governo federal intencionava editar filmes e diafilmes educativos;
promover o desenvolvimento e a utilização em todo o país dos meios audiovisuais;
organizar seminários sobre cinema educativo; financiar mediante planejamento e
convênios a instalação de filmotecas regionais em estabelecimentos de ensino;
promover o aparelhamento de unidade móveis de projeção cinematográfica, fixa e
filmagem; prestar assistência técnica a iniciativa particular; conceder estágios de
ensinamentos das técnicas cinematográficas; financiar a produção de filmes educativos;
editar livros relativos ao cinema educativo; manter intercâmbio com instituições
nacionais e estrangeiras; cooperar com os órgãos federais, estaduais e municipais de
caráter educativos e por fim estabelecer convênios e ajuda mútua entre os órgãos
públicos.
Diante dessa preocupação dos poderes públicos com as sessões
cinematográficas educativas, a Cinemateca Brasileira buscou estabelecer um acordo de
colaboração com o governo de São Paulo, por meio de um convênio com a Secretaria
de Educação e Cultura que tinha por finalidade desenvolver no Estado o emprego
educativo do cinema em parques infantis, bibliotecas e outros lugares públicos. Além de
ser firmado também um acordo com o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE)
para colaborar na distribuição e orientação dos filmes daquela entidade.

A Fundação Cinemateca Brasileira é uma entidade eminentemente cultural,


que, a 13 de outubro de 1961, celebrou Convênio com o Governo do Estado de
S. Paulo para fins de preservação, conservação, prospecção e difusão de filmes
artísticos, históricos, e educativos no Estado de S. Paulo, comprometendo-se a:

A - responsabilizar-se pela prospecção em todo o território nacional, para


a localização e aquisição de filmes que mereçam ser preservados e
conservados, quer de natureza artística e de procedência nacional e
estrangeira, quer de documentos da historia, da paisagem e da vida
brasileira.
B - manter biblioteca especializada de cinema, para consulta dos
interessados e empréstimo em circulação.
C - promover, em caráter permanente, a difusão de filmes, em sessões
de natureza cultural, diretamente ou por cessão de cópias e material a
museus, bibliotecas, escolas, cineclubes e entidades culturais, sob forma
de exibições isoladas de filmes ou ciclos.

101
D - promover, periodicamente, cursos, conferencias, seminários, ou, em
caso de necessidade, congressos ou conclaves sobre assuntos culturais
do cinema.
E - organizar exposições circulantes ilustrativas da história do cinema e
seus problemas culturais, pedagógicos e sociais, em museus, bibliotecas,
escolas de qualquer grau, cineclubes e outras entidades culturais e de
ensino.
F – COLOCAR A DISPOSIÇÃO DA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO, A
FIM DE SER UTILIZADO NAS ESCOLAS ESTADUAIS, SEU ACERVO
DE FILMES CULTURAIS E EDUCATIVOS, dentro das finalidades que
presidiram ao convênio estabelecido entre o Ministério da Educação e
Cultura e a referida Secretaria pela Lei n° 4,724, de 6 de maio de 1958.

A colaboração entre o Cinema Educativo do Departamento de Educação e a


Cinemateca Brasileira, será feita através do Departamento Infantil desta última,
dirigido por quem redige este plano, a fim de entrosar trabalhos de grande
afinidade e completar um com o outro, dando-lhes uma dimensão maior e mais
95
profunda .

Não foram localizados outros documentos que comprovem a efetivação do


convênio entre a Cinemateca, por meio do Departamento Infanto-juvenil, com nenhum
órgão público. Porém, Ilka Laurito colaboraria na seleção de filmes e na promoção de
eventos do Departamento de Cinema do Serviço de Expansão Cultural do Estado de
São Paulo. Além disso, a divulgação via jornais das atividades do Departamento
Infanto-juvenil conduziram secretários de educação e cultural de outros municípios a
pedirem auxílio para a execução de programas infantis. Este foi o caso da Prefeitura de
São Caetano do Sul que por intermédio de Wilma Marques, chefe da secção de
Educação e Cultural, solicitou a participação da “professora especializada em projeções
de filmes infantis” 96 para um evento a ser realizado na cidade em outubro de 1962. O
jornal O Estado de São Paulo divulgaria a sessão infantil:

O Departamento Infantil da Cinemateca Brasileira recebeu convite da Secção


de Educação e Cultural da Prefeitura de São Caetano do Sul, a fim de colaborar
nas comemorações da “Semana da Criança”. Será realizada hoje uma projeção
de quatro filmes para crianças. Os filmes são os seguintes: “Nez au Vent” (de
Starewitch), “As aventuras no Mundo Novo (de Halas e Batchelor), “Le
Dimanche de Gazouly” (de Sonika Bo) e “A Ilha dos Pássaros” (de Marc de

95
LAURITO, Ilka. [Documento] sem data. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.
96
MARQUES, Wilma. [Ofício] 09 de outubro de 1962. Recebido em 11/10/62, CB 587. Acervo Departamento
Infantil/Cinemateca Brasileira.

102
Gastyne). A sessão será dirigida por Ilka Brunhilde Laurito. (O ESTADO DE SP,
17/10/62)

De acordo com o relatório de 1962, a sessão reuniu 2000 crianças e as


exibições de filmes infantis continuaram no interior de São Paulo. No mesmo ano foram
organizadas projeções em Bauru, Campinas, Marília, Mococa e Santa Isabel que
totalizaram um público de 1238 espectadores mirins. Na Capital paulista foram
realizadas sessões no Colégio Brasil-Europa, na Escolinha de Arte, na Escola Padre
Manoel de Paiva e no Instituto Educacional Alberto Comte que foram assistidas por
1640 alunos97. Noutros estados, o Departamento Infanto-juvenil estabeleceu contato
com cineclubes promovendo três sessões no Rio Grande do Sul em parceria com o
Cineclube Santo Ângelo e duas sessões em Minas Gerais em parceria com o Cineclube
Vagalume de Belo Horizonte.
Em 1963, foi realizada, na cidade de Rio Claro, uma projeção de curtas
metragens poloneses para crianças promovida em colaboração com o Museu de
História da Faculdade de Rio Claro. No ano corrente, ocorreu ainda a exibição de um
programa infantil idealizado junto com a Sociedade Amigos da Cinemateca em que
foram projetados os seguintes filmes: Messager d’hiver, Zaa, Le petit chameau blanc
(Yannick Bellon,1960), Patatras va à la pêche (Pierre Guilbaud,1961) e Zanzabelle à
Paris. Quanto à programação das projeções, o texto Programa Infantil escrito por Ilka
Laurito para um Festival de Cinema98, sugere que uma sessão infantil deveria integrar
um filme brasileiro, um filme mudo, um desenho animado, um filme de marionetes e um
documentário. Nem sempre essa programação era totalmente cumprida por falta de
filmes adequados. Em 1964, Laurito iria realizar um estágio na Europa e as projeções

97
LAURITO, Ilka. [ Relatório de 1962 ] Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.
98
Ilka Laurito escreve no texto “Programa Infantil” as bases de uma programação infantil. O documento foi
organizado para um Festival de Cinema, porém não consta no texto uma descrição do Festival, nem mesmo uma
data. Desta maneira, não foi possível identificar a que evento se referia o documento. Contudo, seguindo os matérias
(relatórios e questionários de sessão) utilizados pelo Departamento Infanto-juvenil nas exibições nos cineclubes
infantis e nas projeções em locais públicos nós pudemos analisar que as programações intencionavam seguir ou
seguiam, no caso dos cineclubinhos, a mesma ordem deste documento. Ver: LAURITO, Ilka. Programa Infantil.
Acervo Departamento Infanto-juvenil/ Cinemateca Brasileira.

103
de filmes se concentrariam nos cineclubes infantis criados pelo Departamento Infanto-
juvenil.
O contato com a literatura estrangeira lhe traria influências, principalmente
no que tange a organização do acervo e a criação dos cineclubes infantis. Porém, sua
viagem à Inglaterra ampliaria sua visão sobre as questões de acesso aos meios
audiovisuais para as populações desfavorecidas; a formação de professores em cinema
e a realização de filmes por crianças. Nesse sentido, para o município de São Paulo foi
estabelecido um plano de “Utilização do cinema nas obras assistências e educacionais”
que intencionavam auxiliar os poderes públicos. O programa formulado pelo
Departamento seguia a mesma estrutura de difusão que já era desenvolvida na
instituição, mas o projeto possuía uma direção mais social e previa uma ação diferente
para seis locais: 1. Parques e recantos infantis; 2.Bibliotecas Infantis Municipais; 3.
Escolas primárias municipais; 4.Obras assistenciais diversas; 5. Logrados públicos; 6.
Bairros periféricos. Esse projeto buscava incentivar a projeção quinzenal tanto de
caráter recreativa como educativa, principalmente em locais públicos, em associações
de paraplégicos, surdos-mudos, orfanatos, abrigos de menores, lares e asilos, hospitais
infantis, casas dos filhos de trabalhadores ou casa do pequeno trabalhador e na
periferia urbana.
É preciso compreender que em seu estágio em Londres, Ilka acompanhou
as atividades de oito instituições cinematográficas e educativas que desenvolviam
desde curso de cinema para professores até a realização de produções por e para
crianças e jovens. Essa experiência trouxe novas ideias que ela pensaria em adaptar
para o contexto brasileiro. Além da influência inglesa, a diretora do Departamento já
vinha se apoiando nas experiências de Sonika Bo e de Jean Michel, nas revistas de
cinema juvenil francesas e no exemplo do Cine-clube do Porto que dentro do
movimento de cineclubismo infantil difundido na Europa criou um setor infantil dirigido
por Maria Helena Alves. Assim, os cineclubes infantis acabaram se tornando a
prioridade do Departamento.

104
2.2 Cineclubismo Infantil no Brasil

Na década de 30 surgiu na Europa uma preocupação com a qualidade e o


conteúdo dos filmes exibidos ao público infantil. Na França, Sonika Bo formaria na
cidade de Paris, em 1933, o Cineclube infantil Cendrillon para crianças de 6 a 12 anos.
O objetivo do clube era programar sessões educativas e recreativas selecionadas
exclusivamente para este público. Seguindo a mesma direção de Bo, mas buscando
alcançar também um público mais velho, entre 6 e 16 anos, o professor Jean Michel,
criou na cidade de Valença, em 1946, o Cineclube de Jovens (Ciné-Club de Jeunes)
que buscou desenvolver a cultura cinematográfica por meio da exibição de “grandes
obras cinematográficas” que fossem acessíveis ao público Infanto-juvenil. Um fator que
diferenciava os cineclubes franceses era a orientação de seus diretores em relação a
programação. Sonika considerava que uma boa programação infantil deveria ser
formada por filmes de marionetes, desenhos animados, documentários e cômicos que
não poderiam ultrapassar 20 minutos. Além disso, os filmes com a presença de
crianças eram limitados a algumas produções e as sessões tinham sempre que ter um
caráter recreativo-educativo. Para Michel (1953) o objetivo do cineclube era formar
“espectadores-jovens”. Assim, o cinema não deveria ser compreendido do ponto de
vista moral e educativo pelos cineclubes, pois quando o cinema exercia uma função
moralizante os filmes eram vistos como nocivos e se desencadeavam falsas soluções,
como a censura e a exibição somente de filmes realizados especialmente para
crianças. Nesse sentido, as sessões do Ciné-club de Jeunes eram administradas pelos
próprios jovens eleitos em cada escola que, sob a orientação de um adulto ou
vinculados aos cineclubes de adultos, formavam o conselho administrativo. Este
conselho se reunia quinzenalmente para discutir questões de disciplina e para elaborar
a programação das sessões que era formada por documentários e longas-metragens
adultos. Salvo algumas alterações, Laurito mesclaria a estrutura dos dois clubes
franceses para a formação dos cineclubinhos orientados pelo Departamento Infanto-
juvenil da Cinemateca.

105
O primeiro contato de Ilka Laurito com a obra de Sonika Bo ocorrera na III
Jornada de Cineclubes (1961), com a palestra da delegação do cineclube argentino Rio
Cuarto. Em seu artigo para a Revista de Cultura Cinematográfica, Padre Edeimar
Massote elogiaria a atuação do cineclube.

Destaque especial merece a comitiva argentina, da cidade de Rio Cuarto, que


nos disse muito de suas experiências no campo do cinema para crianças e do
“cineclubismo infantil”. Excelente a iniciativa dos organizadores da Jornada em
trazer esta representação. (RCC, n°22, jun. 1962)

Sobre as atividades de cineclubismo infantil realizadas na capital francesa,


Ilka Laurito declararia que o “exemplo de Sonika Bo é um estímulo: o importante, na
questão cinema-infância, é aprender fazendo e, da experiência, partir para conclusões,
que possibilitem a produção, quer no campo recreativo como no educativo
propriamente dito” (LAURITO,1961, p.1).
No Brasil a criação de cineclubes infanto-juvenis ou estudantis teve início nas
instituições de ensino católicas. Rudá de Andrade escreveria, no artigo Infância e
cultura, que coincidentemente o desenvolvimento dos cineclubes católicos estavam
diretamente relacionados com o cineclubismo infantil.

O interesse do clero pela criança se extravasa nos movimentos


cinematográficos católicos de maneira acentuada e não é por menos que nos
trabalhos de cineclubismo infantil vem adquirindo substância no Rio Grande do
Sul e Minas Gerais estados dotados de inúmeros cineclubes estabelecidos em
99
organismos católicos .

Como já sublinhamos a igreja católica tinha muito interesse no cinema,


principalmente em combater o “mau cinema” com a educação cinematográfica. Assim,
manteve uma forte representação. Primeiro com a publicação das encíclicas e

99
ANDRADE, Rudá. Infância e cultura. Suplemento Literário. O Estado de São Paulo, 01/12/62, p.39.

106
seguidamente com a militância católica. Esta atuação orientou a formação de uma
“cultura cinematográfica tipicamente católica” 100.

Para a aquisição dessa cultura cinematográfica, a militância católica se baseava


na atuação em duas frentes de ação: cotação moral e formação de público
(cineclubes, cine-fóruns, debates, cursos, publicações sobre cinema e afins) – a
princípio mais tendente a uma posição de apoio a fiscalização, depois, para a
preocupação com a formação, que teve seu ápice entre meados das décadas
de 50 e 60 no Brasil. (MALUSA, 2007 p.5)

Na III Jornada de Cineclubes, Pe. Massote constata que o “ Rio Grande do


Sul, como sempre, deu mostras de ter talvez, o maior movimento “cineclubístico” do
país” e afirma “outro estado que surpreendeu foi o de Minas, com 25 entidades,
organizadas em federação”. Os dois estados se destacariam como mentores das
iniciativas direcionadas ao público Infanto-juvenil. Em Porto Alegre, o crítico
cinematográfico Humberto Didonet escreveu, em 1961, o livro “Cinema para Crianças”.
Um folheto que buscava orientar especialmente pais e educadores sobre os problemas
e a importância do cinema para as crianças. Militante católico, Didonet fundaria o
Cineclube Pro Deo, a Federação Gaúcha de Cineclubes e a Associação Rio-grandense
de Estudos Audiovisuais. Ele manteria contato com Ilka Laurito e faria empréstimos de
alguns filmes listados pelo Departamento Infanto-juvenil.
Outro nome importante para o cineclubismo infantil foi Carmen Gomes.
Colaboradora da Revista de Cultura Cinematográfica publicou artigos sobre cinema e
infância, cinema educativo e cineclubismo infantil. Por meio de suas atividades na
Federação de Cineclubes de Minas Gerais, ela buscou incentivar o funcionamento de
clubes de cinema ou/e sessões para alunos secundários. Em carta para Ilka, Carmen
relata:

Em Belo Horizonte temos procurado dar mais impulso à Federação de


Cineclubes de Minas Gerais, o que nos tem colocado bem dentro de iniciativas
visando dar mais cultura cinematográfica aos estudantes secundários e mais

100
MALUSÁ, Vivian. Católicos e Cinema na Capital Paulista – O Cine-Clube do Centro Dom Vital e a Escola
Superior de Cinema São Luis (1958-1972). 2007, 165 p. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Instituto de Artes /
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. p.5.

107
assistência aos cine-clubes locais [...] O interior do Estado tem solicitado,
também, a nossa colaboração, através de cursos e da fundação de cine-
101
clubes .

No que se refere ao cineclubismo infantil a instituição havia nomeado Eunice


e Graciema para dirigir as atividades do Cine-clube Infantil Vagalume e atuar como
Diretoras do Departamento de Cine-clubes infantis da Federação. A relação entre o
Departamento Infanto-juvenil e a instituição mineira foi de constante colaboração, entre
1962 e 1963, o relatório de exibição da Cinemateca registra o empréstimo de filmes
realizado, por intermédio do Frei Urbano, para o Cine-clube Vagalume e o Cine-clube
Santo Antônio. Em janeiro de 1962, a Federação de Minas organizou o curso “O
Cinema e a Criança” em que foram desenvolvidos temas desde a “História do cinema
102
para a infância” até instruções de “como escolher filmes para crianças” . Laurito
comentaria o evento, a “notícia do curso ‘O Cinema e a Criança’ entusiasmou-me:
vocês estão realizando um trabalho belíssimo, e eu gostaria de receber todos os
folhetos, apostilas ou livros sobre o assunto” 103.
Noutros estados também foram notáveis as atividades do movimento
católico. Em maio de 1960, a Revista de Cultura Cinematográfica noticiou um Encontro
sobre Cultura Cinematográfica organizado pela Ação Católica Cinematográfica, no mês
de janeiro, na cidade de Recife-PE. O evento tinha por finalidade “estudar os meios de
intensificar a campanha em favor da criação de núcleos de cultura cinematográfica”,
além de “possibilitar aos jovens uma melhor compreensão do fenômeno fílmico”. A
programação incluiu uma palestra da Madre Gabrielle Andasch sobre “Uma experiência
de Cine-Clubismo Estudantil” e uma apresentação do padre Cláudio Celestino que
explicou os princípios para a “Formação Cinematográfica dos jovens”104. A diretoria do
Encontro ainda produziu, no mês seguinte, um curso intensivo de orientação
cinematográfica para educadores.

101
GOMES, Carmen. [Carta] 29 de Julho de 1961. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.
102
FOLHETO. Cinema e a Criança. Federação de Cineclubes de Minas Gerais, 1962.
103
LAURTO, Ilka. [Carta] 05 de janeiro de 1962. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.
104
Cine-Clubes: Recife-PE. Revista de Cultura Cinematográfica, n. 17, p.37, maio, 1960.

108
Contrariando as diretrizes católicas que procuravam separar os filmes por
temas moralmente aceitáveis, Ilka Laurito iria propor um modelo de cineclube infantil
fundamentado em desenvolver o gosto pela arte cinematográfica. Sua revisão
bibliográfica realizada para o livro “Cinema e Infância” e a análise dos cineclubes
infantis internacionais seriam seu embasamento para a formação das experiências
nacionais.

O ponto de partida, acreditamos, é o trabalho do cine-clubismo Infanto-juvenil:


as projeções com apresentação e discussão, nas sessões especiais dos
cineclubes adultos; e a introdução do cinema, ainda que seja como atividade
extra, nas escolas primárias e secundárias, e mesmo em parques infantis, como
uma das múltiplas formas de recreação. É preciso que, desde cedo, a criança
brasileira se acostume a ver bom cinema. Queremos dizer bom cinema aquele
que é de boa qualidade artística e humana, ainda que seja feito por adultos
(LAURITO, 1962, p.58).

Assim, os cineclubinhos orientados pelo Departamento de Cinema


Infanto-juvenil da Cinemateca Brasileira seriam organizados em duas direções: clubes
infantis formados em escolas e clubes infantis ou seções infanto-juvenis em cineclubes
adultos. No primeiro caso, o cinema estaria inserido no contexto escolar como uma
atividade extra ou como observaremos mais adiante como uma disciplina. Já no
segundo caso, quando pertencendo ao movimento cineclubista a organização de
clubes infanto-juvenis estava desvinculada de compromissos escolares e doutrinários.
Entretanto, notaremos que o público do Cineclubinho do Centro de Ciências Letras e
Artes de Campinas seria formado por alunos da Escola Carlos Gomes.

2.2.1. O Cineclubinho Experimental do CCLA e da Cinemateca Brasileira

O Cineclubinho do Centro de Ciências Letras e Artes de Campinas foi


fundado em 25 de março de 1961 por Ilka Brunhilde Laurito e recebeu o apoio dos
membros do Cineclube da Instituição Campineira e da Cinemateca Brasileira.
Tratava-se de “um pequeno cineclube dentro de um grande cineclube”, que mantinha
sua organização independente. Orientado por Ilka Laurito, o Cineclubinho era

109
organizado por meio de uma agremiação com exigência de credenciais. Os sócios
tinham em média de 13 anos e, normalmente, eram alunos da Escola Carlos Gomes,
local que Laurito lecionava à época. No artigo “Difusão do Cinema entre as crianças” do
Jornal Correio Paulistano, são esclarecidos os motivos que levaram o cineclube infantil
a ser estruturado como uma agremiação que possuía distintivo e flâmula. Ilka Laurito
afirmaria que a finalidade era “ fazer as crianças amarem a entidade a que pertencem
105
dando lhes ao mesmo tempo o senso de responsabilidade” . Nesse sentido,
aproximando-se da organização proposta por Jean Michel para o Ciné-club de Jeunes,
o Cineclubinho do CCLA formaria também uma diretoria mirim e todo o valor
arrecadado pela tesouraria seria direcionado para a locação de filmes.

Em reunião inicial, os membros fundadores do cineclubinho reunidos pelo


orientador, elegeu sua diretoria, entre aqueles que mais interesse mostravam
para liderar o clube [...] A diretoria atual que deve reunir-se de 15 em 15 dias,
durante as semanas em que não há projeção, está assim constituída:
Presidente e vice que se encarregam da organização geral do clube;
secretario que redige as atas de todas as sessões, reuniões e excursões
do clube; secretario correspondente - que se encarrega de escrever às
filmotecas e a outros cineclubes infanto-juvenis; arquivista - que
coleciona as notícias relativas ao cineclubinho e guarda os recortes que
servem, mais tarde, para motivar o Jornal mural; operadores – os que já
tem alguma experiência com aparelhos de projeção ou que desejem
aprender a manejá-los; desenhistas – os que fazem desenhos de cenas
dos filmes apresentados ou que se preparam para uma futura produção
do cineclubinho; redator – que confecciona o Jornal Mural de cada
sessão, onde são afixados desenhos, críticas dos filmes passados,
artigos sobre cinema e todo o material que possa interessar às
finalidades do cineclubinho. (CORREIO PAULISTANO, 22/10/61)

As sessões do Cineclubinho ocorriam quinzenalmente aos sábados às 14h e


tinham duração de duas horas. Iniciava-se a sessão com uma apresentação realizada
por Ilka Laurito. Em seguida os filmes eram projetados e no final havia um debate com
a presença de um convidado (cineasta, ator ou profissional das artes), em que as
crianças podiam tirar dúvidas, além de expor suas opiniões à respeito dos filmes. Como
forma de documentar as sessões foram elaborados três formulários diferentes que
105
Difusão do cinema entre as crianças. Correio Paulistano. 22/10/61.

110
deveriam ser respondidos pelas crianças, pelo convidado adulto e pela orientadora.
Esclarecemos que uma das propostas de Laurito era que além de explicar aspectos dos
filmes ou de suas profissões os convidados deixassem suas opiniões e sugestões
mediante o preenchimento do formulário. Assim, ela poderia avaliar a qualidade das
projeções de acordo com os comentários pontuados. Entretanto, Ilka afirmaria que o
formulário para os convidados “jamais funcionou porque os adultos tinham mais
preguiça que as crianças para responder”106.
No que concerne a programação, esta era composta por um longa-metragem
e dois curtas-metragens, em geral um documentário e um desenho animado de caráter
educativo. A respeito da seleção dos filmes, Laurito afirmara que faltavam filmes
realizados para crianças e que dentro “dos recursos e das possibilidades atuais os que
desejam trabalhar pelo cinema da criança, tem de selecionar, entre o material disperso
nas várias entidades que possuem filmotecas” e como solução sublinha que no futuro a
seção Infanto-juvenil da Cinemateca teria uma filmoteca “rica e variada”107. As
dificuldades em conseguir filmes produzidos para crianças e jovens não era somente
um caso nacional, em carta para Carmen Gomes, Laurito explica que havia escrito para
algumas instituições estrangeiras (National Film Board, British Film, Ciné-club
Cendrillon), mas que “quanto ao problema vital, que é a constituição de um acervo
fílmico adequado [...] todos, na correspondência, queixam-se das mesmas dificuldades
financeiras de que nos queixamos” 108.
Para manter a programação do Cineclubinho, o Departamento de Cinema
Infanto-juvenil da Cinemateca se valeu inicialmente dos empréstimos efetuados nas
filmotecas e posteriormente dos filmes cedidos pelos consulados e instituições
estrangeiras que formariam um acervo temporário de difusão. No primeiro ano de
funcionamento foram realizadas 12 sessões que exibiram em torno de 36 filmes e
tiveram a participação de convidados como Carlos Vieira, Eduardo Curado, José
Marques de Oliveira, Marino Ziggiatti, Maurice Capovilla, Paulo Emilio Sales Gomes e

106
Transcrição de aula realizada por Ilka em 1966. Acervo Jean-Claude Bernardet/Cinemateca Brasileira.
107
LAURITO, Ilka. Importância das sessões infanto-juvenis. D 246/4. Cinemateca Brasileira.
108
LAURTO, Ilka. [Carta] 05 de janeiro de 1962. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

111
Rolf de Luna Fonseca. No que concerne a qualidade das projeções, os problemas eram
de ordem, principalmente, do estado do filme que por vezes partia durante a exibição; e
das legendas e áudios em língua estrangeira. Entre maio e setembro de 1962, foram
109
realizadas 6 sessões que reuniu um público de 337 crianças . Para o encerramento
das atividades do ano organizou-se o curso ABC do cinema para crianças de 6 à 14
anos. O evento foi divido em quatros encontros. No primeiro, falou-se sobre a História
do Cinema e foi exibido o filme Nascimento do Cinema. O segundo, introduziu o tema
da Linguagem no Cinema e teve a projeção de Crina Branca. O terceiro encontro,
exibiu The making of a movie e o tema abordado foi “Como se faz um filme”. Para
finalizar o curso, o terceiro encontro aprofundou a questão dos gêneros no cinema e em
seguida foram exibidos desenhos, comédias e documentários. O curso havia sido
estruturado para que em cada encontro um membro do cineclube adulto do CCLA
proferisse uma aula, porém Laurito relata em seus comentários sobre o desempenho do
evento que houve falhas administrativas. Pois somente Marino Ziggiati pôde ministrar
as aulas, além desse fato, outro problema estrutural foi a falta de divulgação do curso.
O número de participantes foi de 15 crianças, das quais apenas 6 assistiram todas as
aulas.
Durante os dois anos de atividade do Cineclubinho foram realizadas
palestras, cursos e exibidos filmes desde os clássicos do período silencioso ao
desenhos animados da Walt Disney.

109
Idem., [ Relatório de 1962 ] Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira

112
Tabela 3 - Filmes projetados no Cineclubinho do CCLA entre 1961 e 1962

Ano Filmes
O imigrante e O aventureiro; Un jardin public; História de Pedrinho e do oleiro;
O vaqueiro e seu cavalo; O ladrão de sonhos; Conserve seus dentes; Mickey, o
mágico; No Tempo do Pastelão; Loops, Recusa de uma cadeira em deixar-se
sentar e Le merle; Kit Carson; 3.000 m de profundidade; Dois palermas em
1961 Oxford; Vida animal nas montanhas rochosas; No tempo das diligências; O
homem mosca; O nascimento do cinema; Festival de ballet; Come to the fair;
Romance do Transporte; Nossa Cidade; Messages d’hiver; Bola de Cristal; O
saci;
Crina Branca; O pequeno mundo de Ig; Lição Merecida; Jardins Japoneses; O
1962 último dos moicanos; Nez au vent; Angotée, o pequeno o esquimó; Como as
crianças pintam; Cara de Fogo; Danças escocesas; A ilha dos pássaros; A
primeira Chance;

Fonte: Relatórios de 1961 e 1962. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

Com a transferência de Ilka Laurito para São Paulo, o Cineclubinho do CCLA


deixa de ter sua orientação direta. Assim, devido à ausência de uma equipe que
pudesse dar continuidade ao projeto as atividades foram interrompidas.

2.2.2. O Cineclubinho da Biblioteca Infantil “Caetano de Campos”

O Instituto de Educação Caetano de Campos fundando, em 1846, tornou-se


uma “escola-modelo” para os estabelecimentos de ensino paulistanos. Ilka Laurito que
havia concluído o curso primário no Instituto, em 1937, e que participara, como
110
jornalista, da equipe do jornal escolar Nosso Esforço mantinha uma relação muito
próxima com os educadores e, principalmente, com a bibliotecária Iracema Marques da

110
O Jornal Nosso Esforço editado regularmente, entre 1936 e 1967, pelos alunos da escola representou junto aos
relatórios de exibição da Cinemateca Brasileira (1962) as únicas fontes textuais sobre o Cineclubinho da Biblioteca
Infantil Caetano de Campos.

113
Silveira. Devido a este fato, a segunda experiência de formação de um cineclube infantil
ocorreria na Biblioteca Infantil “Caetano de Campos”. Produzidas como uma atividade
extracurricular, as projeções cinematográficas procuravam “integrar o cinema dentro da
educação utilizando-o como auxiliar do ensino e meio de formação humana”111. Nessa
perspectiva, em 05 de maio de 1962, ocorreu a primeira sessão do Cineclubinho da
Biblioteca com a presença de 78 crianças pré-selecionadas através de um questionário
sobre cinema que continha as seguintes questões: “1.Quais são as coisas que você
gosta de fazer aos domingos?; 2. Você já lidou com a máquina de cinema? Onde?; 3.
Diga o nome de um filme de que você gostou muito e conte, em poucas palavras, a sua
história” (RELATÓRIO,1962). A intenção era avaliar o interesse dos alunos a respeito
do cinema. Na inauguração, Ilka fez uma palestra sobre a importância de um cineclube
e explicou o que era uma cinemateca. Em seguida foi exibido no auditório da escola o
filme Crina Branca. O jornal Nosso Esforço daria destaque para a nova atividade e
afirmaria que a película de Lamorisse havia “sugerido motivos de interpretação e
debates por parte dos cineclubistas” e transcreve a opinião da aluna Rosa Maria Maciel
sobre o filme.
O filme “Crina Branca” que tinha a missão de ensinar às crianças, que homem e
animais devem viver em paz, é um verdadeiro poço de fantasia. Se fosse conto
de fadas, teria de ser fantástico. Mais um filme educativo, tem que ser a
realidade e, ao mesmo tempo atrativo.
Nunca foi possível, um menino que já estava sem forças, aguentar segurar um
cavalo pela corda e flutuar sobre a lama e leitos de rios. Também não é
possível, um cavalo vigoroso, dar um forte coice em um menino tão fraco e ele
cair no chão e se levantar sem nada haver acontecido.
No final, também houve fantasia. O menino e o cavalo nadaram muito tempo e
chegaram a uma ilha onde homens e animais são amigos.
Nunca existiu uma ilha assim. Se houvesse, logo começariam a ir para lá
homens maus, que maltratariam os animais. Mesmo que houvesse prisão eles
fugiriam e nunca seriam encontrados.
Portanto esta história é fantástica como um conto de fadas. Esse filme
reformado seria muito melhor (NOSSO ESFORÇO, 1962, p.5).

As sessões seguiriam a mesma estrutura do Cineclubinho do CCLA:


apresentação, em geral, realizada por Ilka Laurito, projeção dos filmes e debate. No
entanto observamos, através dos relatórios de exibição, que a seleção dos filmes teria
111
Cine-clubinho “Caetano de Campos”. Jornal Nosso Esforço. Ago/set. 1962, p.5.

114
um caráter mais educativo. Na maior parte da programação as obras sugeriam um tema
que pudesse ser trabalho em sala de aula. Por exemplo, na segunda sessão foi exibido
parcialmente o filme O descobrimento do Brasil de Humberto Mauro, pois um
problema no aparelho interrompeu a projeção no meio. Mesmo assim, foi conduzida
uma apresentação sobre o diretor do filme e sua carreira no Instituto Nacional de
Cinema Educativo (INCE), além de ter sido sublinhados os “aspectos de reconstituição
112
histórica do filme” . O filme voltaria a ser apresentado, em novembro, para 391
crianças do curso primário e ginásio (RELATÓRIO, 23/11/62). A partir da quarta sessão
seriam privilegiados assuntos como higiene, geografia e história.
No que se refere a qualidade das exibições, Laurito escreve no relatório de 6
maio de 1962, que faltavam cortinas negras no auditório e que a primeira projeção tinha
sido muito prejudicada pela luz. Esse comentário nos leva a considerar que a escolha
da biblioteca como local para as sessões posteriores tenha sido feita também em
decorrência deste fator. Numa visão inclusiva, o programa de 25 de março receberia
alunos surdos-mudos de uma classe especial.

Figura 4 - Ilka apresentando uma sessão do Cineclubinho da Biblioteca Caetano de Campos


Fonte: IECC/ Patrícia Golombek.

112
Cine-clubinho “Caetano de Campos”. Jornal Nosso Esforço. Ago/set. 1962, p.5.

115
No decorrer do mês de junho, as sessões foram aprimoradas. Houve
mudanças no ambiente de projeção, além da divisão e diminuição dos alunos em cada
sessão. Ilka ainda elaborou dois questionários um para filmes de ficção e outro para
filmes educativos. Eles deveriam ser preenchidos pelas crianças após do término da
sessão.
O Cineclubinho da Biblioteca “Caetano de Campos” assim como o Cineclube
infantil do CCLA teria uma direção composta por alunos. Para a eleição do presidente e
vice foi realizado um concurso de redação sobre o primeiro filme apresentado. Assim,
113
os autores dos dois melhores textos assumiriam o cargo. Pérsio Árida foi eleito o
presidente e Rosa Maria Maciel a vice-presidente. Em entrevista concedida Rosa Maria
nos conta que “segundo a Ilka, as duas [redações] estavam maravilhosas, mas o Pérsio
seria o presidente porque o presidente tinha que ser um homem e eu então ficaria de
vice porque era mulher”114. É preciso notar que a época se iniciava um movimento de
emancipação feminina. Rosa Maria sublinha, ainda, que “as mães mais avançadas que
começavam a usar calças compridas eram impedidas de entrar na Caetano de Campos
para irem conversar com uma professora ou com a diretora. Imagine ter uma presidenta
do Clube do cinema!”. Ressaltamos, contudo, que como vice-presidente Rosa teria uma
participação frequente nas atividades do Cineclubinho e na sessão de encerramento do
ano de 1962 faria um discurso em homenagem à Ilka Laurito e lhe entregaria flores.
Em 1963, o cineclubinho retomaria suas atividades. De 13 a 25 de maio, o
Departamento Infanto-juvenil da Cinemateca Brasileira organizou na entrada da
Biblioteca Infantil Caetano de Campos a exposição “Invenção do Cinema”. O evento

113
Pérsio Arida nasceu em São Paulo no dia 1º de março de 1952. Cursou História e Filosofia na Universidade de
São Paulo e formou-se em Economia na Faculdade de Economia e Administração da mesma universidade em 1975.
Em 1979 concluiu seus créditos de doutorado em Economia e escreveu uma tese, sem contudo defendê-la. Arida
obteria seu PhD em Economia anos mais tarde, em 1992, com a tese Essays on Brazilian Stabilization Programs
pelo MIT. Entre 1980 e 1984 foi professor dos cursos de graduação e pós-graduação do IPE-USP e, posteriormente,
da PUC/RJ. Em 1985 ingressou no setor público como secretário de Coordenação do Ministério do Planejamento
(gestão Sayad). Entre 1994 e 1995, foi presidente do Banco Central durante a gestão de Fernando Henrique
Cardoso como Presidente da República. In: MARTINS, Gustavo. BELGO, Túlio. Resenha – sobre BIDERMAN, Ciro;
COZAC, Luis Felipe L.; REGO, José Marcio. Conversas com Economistas Brasileiros. Pérsio Arida. São Paulo:
Editora 34, 1996 p. 319-339. Disponível em http://www.ufjf.br/oliveira_junior/files/2013/01/CcEB-14-P%C3%A9rsio-
Arida-FINAL.pdf Acessado em 4 de dezembro, 2015.
114
Entrevista concedida por e-mail em 16/04/15.

116
do mesmo ano, foram exibidos os filmes Zaa, o pequeno camelo branco e uma
seleção de desenhos animados que atingiram um público de 2087 crianças.
Esclarecemos que um mesmo filme chegava a ser projetado para 35 classes
distribuídas entre o curso primário, ginasial e colegial. Apresentamos abaixo os filmes
exibidos entre 1962 e 1964.

Tabela 4 - Filmes projetados no Cineclubinho da Biblioteca "Caetano de Campos"

Ano Filmes

Crina Branca; O Descobrimento do Brasil; O mundo do pequeno Ig; Un dimanche


de Gazoully; Angotée: o pequeno esquimó; conserve seus dentes; Danças
1962 escocesas; A ilha dos pássaros; Guia moderno da Saúde; O gato Felix; Latitude e
longitude; Dia e Noite;

1963 Zaa, o pequeno camelo branco; Desenhos animados

1964 A vida de Thomás Edson e a Série Gasparzinho

Fonte: Relatórios de Exibição de 1962 a 1964. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca


Brasileira e Jornal Nosso Esforço de 1962 a 1964. CRE-Mário Covas.

Em 1964, com a viagem de estudos de Laurito para a Europa, as exibições


diminuiriam. A última notícia sobre o Cineclubinho publicada no jornal Nosso Esforço
afirma “continuamos, embora com a ausência de nossa querida D. Ilka Laurito que viaja
pela Europa, com nossas sessões cinematográficas. Dois programas propiciamos aos
nossos pequenos leitores, agora no segundo semestre”. O jornal se referia a projeção
do filme A vida de Thomás Edson e a série Gasparzinho que foram projetadas para
1366 alunos. (NOSSO ESFORÇO, AGO/NOV. 1964).

2.2.3. O Cineclubinho de Santos

Em 1948, o Clube de Cinema de Santos foi fundado por intelectuais da


cidade que procuravam desenvolver a cultura cinematográfica, incentivar o

118
cineamodorismo e o cinema nacional. Além das projeções e debates, o cineclube
mantinha uma biblioteca com mais de 120 obras sobre cinema e coleções completas
das revistas Cahiers du cinéma, Imagem e Celuloide; e um conjunto de vários volumes
da A Scena muda, Cinelândia e Modern Screen. Em 1962, a diretoria do clube era
formada por Cid Marcos Braga Vasques (presidente), Geraldo de Figueiredo Forbes
(Secretário), Clovis Galvão (Secretário), Maurice Armand Legeard (tesoureiro) e Nilo
Rovai (tesoureiro). No conselho fiscal: José Demar Peres, Nelson Alfinito e Oberdan. O
Clube que havia se estabelecido como o ponto de encontro da cidade para ver e
discutir filmes mantinha contato com as instituições culturais da capital, entre as quais
com a Cinemateca Brasileira. Assim, prosseguindo com seu plano de difusão
cinematográfica, o Departamento Infanto-juvenil iniciaria a supervisão das sessões
infantis em Santos.
No dia 15 de junho, o jornal A Tribuna noticiava a ampliação das atividades
do Clube de Cinema que apresentaria no conservatório Lavignac o primeiro “Programa
Especial para Crianças”. O evento receberia a orientação da professora Ilka Laurito e
para a inauguração foram projetados os filmes Crina Branca, Aventuras artísticas,
Formação para o futuro e A cabra do senhor Seguin. A sessão obteve sucesso e
Laurito, com a ajuda dos membros do clube, fundaria o Departamento Infanto-juvenil
que, inicialmente, teria sua supervisão até que fosse formada uma equipe adequada.
Com o propósito de divulgar o cineclubismo infantil para os professores
organizou-se em 18 de agosto, no parque Leonor Mendes de Barros, a palestra
“Cinema para a infância” que teve uma sessão-modelo. O objetivo era que outras
instituições pudessem também realizar atividades semelhantes. A palestra repercutiu
no meio educacional e logo o novo Departamento do Cineclube de Santos teria o apoio
de Maria Lourdes da Silva Vicente. Ao lado de Laurito, ela seria responsável pela
elaboração dos programas seguintes. Tal como os outros cineclubinhos as sessões
eram quinzenais, precedidas de apresentação e finalizadas com um debate. Já na
programação além de serem utilizados os filmes do acervo da Cinemateca e das
filmotecas, seriam também projetados os filmes do Cineclube de Santos e da

119
Cinemateca do Serviço de Divulgação e Relações culturais dos EUA. Desta maneira,
notaremos uma presença maior de filmes educativos americanos. Sublinhamos,
contudo, que em 1961 o Serviço de Informações dos Estados Unidos (USIS) mantinha
no Brasil 15 cinematecas que emprestavam, em especial, filmes de 16 mm. Esses
filmes geralmente buscavam mostrar aspectos da vida americana e enfatizar o sistema
democrático do país. As películas eram emprestados pelas repartições oficiais ou
consulados americanos.

Tabela 5 - Filmes projetados no Cineclubinho de Santos entre 1962 e 1963

Ano Filmes

Crina Branca; Aventuras artísticas; Formação para o futuro; A cabra do senhor


Seguin; Carroussel Boreal; Nez au vent; conserve seus dentes; Ilha dos
pássaros; Rifa-se um Chimpanzé e Tira bota; Pantomimes de Marcel Marceau
(“Bip Domador”,” David e Golias, “A caça à borboleta”, os jogadores de dados”,
“A Marcha contra o vento” e “ adolescência, maturidade, velhice e morte”); O
1962 homem mosca; Danças escocesas; O saci; Angotée, o pequeno esquimó; A
historia de Pedrinho e do oleiro; Os viajantes do Bosque; Tchuk e Guek; Nunca
excite o leão; Estranha jornada; O gato e o rato; A vara encantada; O tesouro
do pirata; Sr. Elefante e O indesejável; Dentro da Colméia; como as crianças
pintam; Aladim e a lanterna magica; Duas bagatelas; A volta do gato Felix;
Seleções Walt Disney n°6; A vaquinha mecânica; Luluzinha em Hollywood; O
moderno guia da saúde; Pulo da galinha;
1963 Sargento Recruta

Fonte: Relatórios 1962-3. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira e Jornal Tribuna


de Santos de 1962-3. Hemeroteca/Cinemateca Brasileira.

Diferente dos outros cineclubes infantis, a experiência santista procuraria


desenvolver também atividades nos locais mais periféricos da cidade. Assim, as

120
projeções alternavam entre o Conservatório Lavignac, o Cine Bandeirantes e o
Educandário. Em carta à Maria de Lourdes, Ilka Laurito pede que a envie notícias sobre
as atividades no educandário e ressalta que seria muito importante manter as sessões.
“Gostaria que você encaminhasse o trabalho, pelo menos durante um ano, sozinha:
115
mesmo que seja uma vez por mês” . Por meio do jornal A Tribuna de Santos,
localizamos 8 programas direcionados às crianças. A partir de 1963, Maria de Lourdes
assumiria a direção do Departamento Infanto-juvenil do Clube de cinema de Santos.
Desta maneira, Laurito apenas supervisionaria o departamento, principalmente, em
relação ao empréstimo de filmes.

3. O cinema educativo no Departamento de Cinema Infanto-juvenil – conceitos e


direções

O cinema era entendido pela direção do Departamento de Cinema


Infanto-juvenil como “fator de humanização”, pois continha experiências novas de
educação da sensibilidade, de transmissão de ideias, de valores e problemas de um
indivíduo ou de uma coletividade. Nessa perspectiva, Ilka Laurito define o cinema
educativo como:

podemos chamar de cinema educativo não só aquele que informa, que ensina
noções novas ou ajuda a fixar noções antigas, mas também aquele que,
através da ficção, permite ao espectador sentir um acréscimo de sua
116
experiência de vida e um amadurecimento como pessoa humana .

Em entrevista ao Jornal O Estado de S. Paulo, Ilka complementa que num


sentido específico o cinema educativo acrescenta “informações novas, ou visualiza
117
noções que o puro aprendizado verbal torna de difícil fixação” . Nesse aspecto se
enquadram os filmes didáticos auxiliares de aulas, mas também todo o cinema que

115
LAURTO, Ilka. [Carta] 02 de maio de 1963. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.
116
LAURITO, Ilka. Anotações para a entrevista “Educar com o Cinema e não apesar” concedida ao Jornal O
Estado de S. Paulo. Hemeroteca/Cinemateca Brasileira.
117
Idem., Educar com o Cinema e não apesar. O Estado de S. Paulo. Hemeroteca/Cinemateca Brasileira.

121
ajude a formação da infância, seja pelo valor estético ou pela problemática humana que
apresentou.
Na direção contraria de outras instituições que priorizavam a utilização do
cinema como forma de instrução ou das associações religiosas que procuravam separar
o “bom cinema” para infância e juventude, a Cinemateca Brasileira buscava selecionar
filmes que pudessem “formar um público jovem ativo, com espírito crítico e estimular
possíveis vocações para o cinema nacional”. Assim, elaborou três propostas de
utilização do cinema em contexto educacional. A saber:

1 – Utilização do cinema como instrumento de Educação: não apenas como meio


auxiliar de ensino, mas como arte e forma de cultura, portanto, como um fim em
si mesmo. Sabemos que o cinema é a linguagem da nossa época, e como tal,
deve ser aprendida e ensinada servindo tanto de meio de comunicação como
de expressão.

2 – Utilização do cinema com função social e educadora: o cinema é o maior


veículos de ideias, e de informações da atualidade. Usá-lo para atingir os meios
mais pobres e mais afastados, é dar-lhe um sentido social e uma finalidade que
transcende a sua atuação nos centros culturais mais adiantados.

3- Utilização do Cinema como meio-auxiliar de ensino: a serviço de todas as


disciplinas, em todos os graus de ensino. (Laurito, 1962 – anotações para
palestra)

Desta maneira, Ilka Laurito elaborou dois planos de ação. O primeiro era
direcionado aos cineastas e produtoras de filmes e recomenda a criação de filmes
infantis com personagens representados por crianças. O plano geral de trabalho de
118
1963 remarca que a produção cinematográfica é um ponto importante a ser
desenvolvido. No que concerne a esse assunto são elencados três objetivos.
O primeiro objetivo era estabelecer contato com companhias
cinematográficas e cineastas para criar filmes de valor cultural e artístico sobre a
educação brasileira. Esses filmes deveriam documentar as atividades das classes
experimentais e das escolas de artes.

118
LAURITO, Ilka. Cinema Educativo. Plano de trabalho apresentado ao Departamento de Educação, 1963. Acervo
Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

122
O segundo objetivo era a produção de filmes sobre os problemas culturais
brasileiros, tais como: os documentários de natureza sociológica, para fins de estudo e
conscientização. O filme Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) é citado como exemplo no
gênero.
O terceiro e último objetivo colocado era a criação de reportagens sobre as
atividades do Departamento Infanto-juvenil.
A efetivação de alguns desses objetivos pode ser constatada na parceria do
Departamento da Cinemateca Brasileira com o Instituto Nacional de Cinema Educativo
(INCE) que produziu e distribuiu a série “Brasilianas” de Humberto Mauro sobre as
canções folclóricas brasileiras.
O segundo plano foi a elaboração de um projeto modelo de inclusão do
cinema no currículo escolar. Para Ilka Laurito o cinema não deveria ser entendido
somente como auxiliar da educação, pois ela acreditava ser evidente a sua inserção em
todos os graus do ensino. E explica que

Segundo as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, são fins da Educação o


desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na
obra do bem comum; o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos
recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e
vencer as dificuldades do meio; a preservação e a expansão do meio cultural;
A integração do cinema na escola vem atender a cada uma das finalidades
citadas, desde que se use o filme, não só como veículo de informações visuais,
mas, fundamentalmente, como instrumento de formação ética, de educação
estética e como expressão de cultura. [...] Nenhum instrumento de Educação é
tão atual e atuante como o cinema, para servir a esses propósitos. Linguagem
de nosso tempo, a atração que exerce sobre crianças e jovens deve ser
canalizada em benefício desses. Canalização somente possível mediante a
integração do cinema nos quadros da escola brasileira, como matéria curricular,
119
basicamente, e extremamente, como atividade extracurricular .

Seguindo esta orientação, o projeto do Departamento Infanto-juvenil articulou


a integração do cinema em cada nível escolar. Para o curso primário ficou excluído o
cinema como disciplina, à época vigoravam-se as pesquisas em torno dos estudos

119
LAURITO, Ilka. Integração do Cinema na Escola. Apresentação IV Jornada Nacional de Cineclubes, 1963.
Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

123
filmológicos e haviam dúvidas sobre os benefícios da exibição de filmes para crianças
muito pequenas. Mesmo assim, Ilka Laurito iria aconselhar as escolas e bibliotecas
infantis que possuíssem aparelhos de projeção a utilizarem o cinema em suas
atividades para a educação moral, social, cívica e artística e declara que “o estudo do
comportamento de um personagem, a análise de hábitos e atitudes; a contemplação da
paisagem brasileira, os costumes, as tradições nacionais; o apurar da sensibilidade,
através da beleza dos temas, ou da criação formal, tudo isso poderia ser conseguido
120
através do cinema utilizado no curso primário” . A projeção dos filmes seguia a
mesma estrutura dos cineclubes infantis: apresentação, exibição e discussão dos
filmes.
No curso médio (ensino normal, técnico e colegial) o cinema receberia maior
importância, pois a direção do Departamento Infanto-juvenil considerava que o nível
intelectual dos alunos permitia um trabalho mais elaborado. Além disso, o próprio
currículo dos ginásios, escolas normais e colégios ofereciam mais oportunidades de
inserção da linguagem cinematográfica. Deste modo, o projeto ficou subdividido em
curso normal, ensino técnico, ginásio e colégio. Em relação ao curso normal ficou
estabelecido que numa “situação ideal de ensino”, o cinema seria integrado como
matéria a parte do currículo. Ilka esclarece que os futuros professores, os normalistas
iriam adquirir a “consciência exata do cinema como instrumento de educação, e a
cultura cinematográfica suficiente para usá-lo com inteligência na formação de seus
alunos” 121. Quanto ao modo de inclusão do cinema no currículo, o projeto sublinha as
dificuldades existentes em encontrar uma lacuna para integrá-lo e recomenda como
ponto de partida chamar a atenção e o interesse dos professores do curso para as
vantagens de se utilizar os filmes.
Nesse sentido, foram elaboradas algumas sugestões explicando como cada
disciplina poderia adotar o cinema em sala de aula. Apresentamos estas orientações no
quadro a seguir:

120
LAURITO, Ilka. Integração do Cinema na Escola. Apresentação IV Jornada Nacional de Cineclubes, 1963.
Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.
121
Idem.,

124
Disciplina Orientação
Ao professor desta matéria cabe a compreensão do
Metodologia do fenômeno cinematográfico como processo educativo
ensino em si mesmo, e como auxiliar de disciplina.

Ao professor desta matéria cabe incluir o cinema


como capítulo especial do programa, detendo-se na
Literatura Infantil análise da ficção cinematográfica em si mesma, ou na
adaptação da ficção literária.

Ao professor desta matéria cabe usar os filmes que


levantem problemas sociais, para o estudo vivo da
Sociologia disciplina, e encarar o cinema como fenômeno social
ele mesmo.
Aos professores destas matérias cabe compreender e
Pedagogia e demonstrar o valor educativo, quer no sentido da
Educação didática ou da temática.
Ao professor desta matéria cabe estudar o
comportamento do indivíduo-personagem de filmes,
Psicologia fazendo as necessárias inferências ao processo de
identificação e todos os problemas dele decorrentes.

Fonte: Informações retiradas de documento “Integração do Cinema na Escola”, Laurito, Ilka.


1963. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

Sublinhamos que o documento faz uma ressalva esclarecendo que a ênfase


dada nas orientações são referentes aos filmes de ficção e aos documentários, no
processo educacional, e não apenas ao filme didático, ao recurso audiovisual, à técnica
de ensino que é também o cinema. No que concerne a adequação correta de um

125
determinado modelo de filme, ou seja “bom cinema” x “o mau cinema”, Ilka escreve no
texto “cinema para a infância e juventude” que a influência do cinema sobre as crianças
pode se fazer nos hábitos e atitudes, no culto as estrelas e astros. Porém, quanto ao
problema da delinquência ela afirmaria que era um assunto controvertido.
(LAURITO,1962).
Para o ensino técnico que estava fragmentado em ensino agrícola, comercial
e industrial o plano previa uma estrutura para cada área. Assim, para o ensino agrícola
o cinema deveria ser visto como um fator de integração ao meio, no ensino comercial
como uma “abertura para uma humanização do ensino” e por fim como uma “expressão
artística” no caso do ensino industrial. Ilka explica que no ensino técnico, mas do que
em outras áreas do conhecimento, o cinema era uma “fonte inesgotável de
informações” e o seu caráter de auxiliar do ensino deveria orientar sua compreensão
para o domínio cultural. (LAURITO, 1963, p.3).
Seguindo as diretrizes do projeto, o cinema alcançaria seu viés cultural no
ginásio e no colegial, porque seria nessa etapa do ensino que a arte cinematográfica
poderia ser inserida na matéria de Prática Educativa. Esta disciplina pertencia ao
currículo escolar comum de todas as escolas brasileiras, e o cinema seria uma matéria
optativa com frequência obrigatória, mas sem nota. No que se refere a implantação
dessa matéria, caberia a cada escola, em cada Estado, inserir o cinema em seu
currículo ou em suas atividades extracurriculares. A direção do Departamento
Infanto-juvenil informa que a Lei de Diretrizes e Bases permite que cada
estabelecimento de ensino forme seu programa educacional e ressalta que o êxito
dessa disciplina dependia da formação de professores, diretores, inspetores escolares,
técnicos de educação e orientadores educacionais. Além de uma estrutura escolar que
abrigasse um serviço de cinema permanente. O projeto sintetiza essas necessidade de
integração em cinco pontos: “a) professores com cultura cinematográfica ou
profissionais de cinema com qualidades didáticas; b) programação de cursos: seu
espírito, suas finalidades; c) programações de projeções: seleção e adequação dos
filmes aos meios; d) material didático especializado: diapositivos, diafilmes, gravuras,

126
fotografias e filmes; e) equipamento escolar: projetor fixo, projetor cinematográfico e
epidiascópio”.
Como forma de auxiliar escolas e interessados em inserir o cinema como
disciplina, Ilka apresenta um “Plano Geral de Trabalho” para o Departamento de
Educação de São Paulo. Esse texto, elaborado em maio de 1963, estruturava a
organização e o desenvolvimento de um setor de Cinema Educativo na Instituição122. O
plano pontuava cinco divisões:

• Acervo: Seleção e classificação do filmes; copiagem ou contratipagem


dos filmes selecionados; preservação dos filmes.
• Difusão: Elaboração de catálogo dos filmes; levantamento das escolas
que possuíam equipamentos; circular às escolas sobre o
funcionamento do setor; organização da programação e de
questionários de aproveitamento do filme; orientação aos professores
e verificação do estado dos projetores, organização das escolas não
equipadas e da periferia ou rural.
• Prospecção: Levantamento de filmes e equipamentos nas escolas e
repartições governamentais.
• Outras atividades: organização e criação de slides para o ensino do
cinema.
• Produção cinematográfica: contato com companhias cinematográficas
e cineastas.

O novo setor seria orientado pelo Departamento Infanto-juvenil e seguiria o


modelo fixado nas atividades já desenvolvidas. Talvez por conta do convívio com os
membros da Cinemateca, o diferencial desse plano escrito por Ilka acontece justamente
em dois tópicos: preservação e prospecção. Nesses pontos evidenciamos uma

122
No texto intitulado “Entrevista à BBC” de 1964. Ilka Laurito afirma “tenho desenvolvido no Brasil trabalhos na
Cinemateca Brasileira, dirigindo um Departamento destinado ao estudo da infância e da juventude nas suas relações
com o cinema. E à frente da Seção de Cinema do Departamento de educação de S. Paulo”.

127
preocupação quanto ao estado de conservação das películas ao sugerir que os filmes
do acervo passassem por um trabalho constante de revisão e que era preciso realizar
um levantamento de todo o material cinematográfico (filme, projetor, diapositivo e
diafilme) que estivesse abandonado em escolas ou outras repartições do Estado. Com
relação ao tema, Ilka afirma que

conhecemos, desde já, da existência de projetores Pathé Frères e filmes de


época, no Instituto de Educação Carlos Gomes, de Campinas, e no Colégio
Culto à Ciência, também de Campinas. Esse material, preciosíssimo para um
arquivo de cinema, é, no entanto, inútil nas escolas atuais e corre o perigo cada
vez mais acelerado de estrago e perda.

Apesar de todo o empenho de Ilka, tudo indica que o projeto do setor não
saiu do papel e infelizmente grande parte desses materiais se perderam. Atualmente,
um trabalho de pesquisa vem sendo feito pela professora Maria Cristina Meneses da
Universidade Estadual de Campinas que, por meio do CIVILIS - Grupo de Estudos e
Pesquisa em História da Educação, Cultura Escolar e Cidadania, da Faculdade de
Educação, tem localizado e classificado os materiais encontrados nestas duas escolas
de Campinas.
Antes de continuarmos nossa análise de como ocorreu na prática a inserção
do cinema no currículo escolar, é importante, pontuarmos, que o Departamento de
Cinema Infanto-juvenil já havia realizado, em 1962, algumas projeções de filmes nos
colégios: Brasil-Europa, Escola Estadual Alberto Comte e na Escolinha de arte. No que
se refere as essas atividades existe quase uma total ausência de informações. Com
base no relatório de 1962, sabemos que sob a direção de Ana Maria Smith foram
realizadas dez sessões no Colégio Brasil-Europa com a presença de 352 alunos. De
acordo com o documento, o cinema era utilizado como auxiliar de ensino e atividade
extraclasse. No caso da Escolinha de Artes, duas sessões foram realizadas para 40
alunos. Examinando os documentos e cartas do acervo do Departamento Infanto-juvenil
pudemos depreender da leitura que nessas aulas foram exibidos filmes experimentais
de McLaren. E que diferentemente da escola anterior, o cinema foi trabalhado como

128
expressão artística e os alunos foram convidados a produzirem desenhos,
provavelmente em película, que posteriormente se tornariam um filme de animação. O
relatório geral de atividades de 1962, indica que o filme estava sendo montado pelo
cineasta Roberto Miller. Entretanto, em três anos de pesquisa não localizamos o filme e
nenhum documento sobre o tema. Convém lembrar que Ana Maria Smith era
professora nas duas instituições, além de ser secretária da Cinemateca, o que
provavelmente facilitou a introdução dessas atividades na escola.

3.1. O Cinema no currículo da Escola Padre Manoel de Paiva

O curso de Cinema, Prática Educativa foi inserido no currículo da Escola


Estadual Padre Manoel de Paiva localizada, na Vila Nova Conceição, em São Paulo no
ano letivo de 1963. As aulas tiveram início em março e eram realizadas duas vezes por
semana, no período noturno, para os alunos das 3ᵃˢ e 4ᵃˢ séries do ginásio. O programa
do curso buscava aliar teoria e aspectos práticos da produção dos filmes. Com intenção
de conhecer e sanar o interesse dos alunos, antes de iniciar as aulas, Ilka Laurito pediu
que respondessem a questão: “Que desejo saber sobre cinema?”. A partir das
respostas planejou as aulas. É preciso esclarecer que o conteúdo deveria conter
também uma educação artística e cívica que segundo Ilka já estava presente nos
filmes. Assim, para cada série foi elaborado um programa de ensino distinto. A terceira
série possuía um plano de ensino com introdução e três unidades temáticas, sendo que
a parte introdutória era igual aos dois níveis e abordava o conceito e a função do
cinema; e a crítica do filme por meio de conversa com os alunos. No caso das unidades
temáticas, o programa era formado por:

• I Unidade - Realização do Filme: Do argumento à tela


• II Unidade – Linguagem Cinematográfica
• III Unidade – Gêneros Cinematográficos

129
A introdução procurava triar o conhecimento dos alunos sobre o cinema.
Discutiam-se os filmes que estavam em cartaz na cidade. O objetivo era “preparar o
espírito para o programa a ser iniciado”. Na primeira unidade abordavam-se questões
gerais sobre a produção de um filme. A pretensão era esclarecer para os alunos como
era feito um filme, qual o trabalho para sua realização e qual era a equipe que o tornava
realidade. A segunda unidade, ensinava linguagem cinematográfica. Partindo do
princípio de cinema como arte, a intensão era traduzir a “linguagem própria” do cinema.
Nesse sentido, ensinava-se “o papel da imagem, a criação da câmera, as elipses,
metáforas e símbolos, os fenômenos sonoros, a montagem e a profundidade de campo,
123
os diálogos, o tempo e o espaço” . Essa unidade compreendia ainda um tópico
especial de técnica cinematográfica que era formado por informações sobre a
produção, a película e seus formatos, ação da luz, tipos de aparelhos, laboratórios e
sala de montagem, faixa sonora e técnicas de projeção. A terceira unidade, intitulada
“Gêneros Cinematográficos”, buscava ensinar por meio da análise e discussão do tema
dos filmes quais eram os principais gêneros do cinema (LAURITO,1963).
O programa previa que as aulas teóricas fossem acompanhadas de projeção
de slides e filmes. E também indicava a realização de trabalhos práticos; críticas dos
filmes em cartaz e aulas complementares dadas pela professora ou por convidados
com a intenção de proporcionar ao curso um caráter de centro cultural. Essas aulas
complementares tinham por tema: “A trucagem”; “A busca do movimento da imagem” e
“Estudos comparativos: cinema e pintura, literatura e cinema, cinema e teatro” e
deveriam ser exibidos os filmes Pantomimes, como exemplo de comparação entre
cinema e teatro; O saci para comparação entre cinema e literatura e Les Oursins para
refletir sobre cinema e ciência. Além desses títulos, o texto sugere a projeção de The
Making of movie e de filmes brasileiros. Esse material seria fornecido pela
Cinemateca, porém com o decorrer do curso, Ilka verificaria que seriam muitos os
problemas matérias e de espaço físico que impediriam, por exemplo, a exibição de

123
LAURITO, Ilka. Cinema, Prática Educativa. Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

130
filmes. Em seu relatório de 1963, ela afirma que “foram feitas duas projeções apenas,
por falta de equipamento e de sala especial na escola” 124.
Para as 4ᵃˢ séries, o programa se estruturava de forma mais densa. Além de
possuir 5 unidades de trabalho, o plano de ensino sugeria uma visita aos estúdios de
filmagens. Seguindo o mesmo padrão na introdução, as unidades eram:

• I Unidade – Pré-história do Cinema


• II Unidade – Nascimento do Cinema
• III Unidade – Breve História do Cinema Mudo
• IV Unidade – Breve História do Cinema Sonoro
• V Unidade – O Cinema Brasileiro

Notamos que este segundo programa iria incluir não somente uma
abordagem histórica do cinema como também abriria espaço para o cinema nacional.
Na primeira unidade foram ministradas aulas sobre as sombras chinesas, os
brinquedos ópticos e a cronofotografia. Já na segunda unidade o tema era os
precursores do cinema. A terceira e a quarta unidade tinham um viés histórico e
procuravam retratar a evolução do cinema por meio das características dos diretores e
atores do período mudo e sonoro.
Enfim, a quinta unidade era dedica ao cinema brasileiro e estava subdividida
em quatro tópicos: a) cinema mudo – São Paulo, Recife, Campinas e Cataguazes – os
pioneiros; b) cinema sonoro: os estúdios, os filmes, as obras e os autores; c)
importância artística, cultural e econômica; d) o documentário: seu valor e significado
para o estudo da realidade nacional (LAURTIO,1963). Entre os materiais ilustrativos
selecionados para as aulas estavam os slides sobre os aparelhos ópticos e os filmes
primitivos. No que se refere às projeções foram indicadas as películas: La naissance
du cinéma (Roger Leenhardt, 1946), Cinéma Lumière, Early Film Selection, O
homem Mosca/Safety Last (Sam Taylor e Fred Newmeyer, 1923), Le Million (René

124
Idem., [ Relatório de 1963 ] Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira.

131
Clair,1930). No que se refere ao cinema nacional, temos os curtas-metragens: O
mestre de Apipucos (1959) e o Poeta do Castelo (1959) de Joaquim Pedro de
Andrade; Primeira Chance (Roberto Santos, 1959); e Aruanda (Linduarte
Noronha,1960);
Em uma análise não extensa dos matérias pedagógicos criados por Ilka
Laurito, podemos observar uma similaridade entre o programa dos cursos de formação
cinematográfica ministrados pela Cinemateca Brasileira, no final do anos 50, no CCLA e
os planos de ensino idealizados por ela para as escolas secundárias. Acredita-se que o
fato de Ilka ter participado desses cursos tenha influenciado na divisão temática e na
referência bibliográfica e filmográfica.
Antes de prosseguirmos, é preciso esclarecer dois pontos sobre a parte
prática da inclusão do cinema no currículo escolar do colégio Padre Manoel de Paiva. A
primeira é que Ilka Laurito já lecionava a matéria de língua portuguesa na escola, o que
facilitou o processo de conscientização da direção quanto a necessidade de se ensinar
cinema. O segundo fator é que devido a sua experiência como diretora do
Departamento de Cinema Infanto-juvenil, ela havia aprendido como selecionar e
conseguir os filmes para serem projetados. Na visão de Ilka o cinema apresentado
como prática educativa incluía não somente uma educação artística e cívica, mas ia
além do método tradicional. As atividades desenvolvidas nos cineclubes infantis haviam
lhe provado ser positiva a utilização do filme, documentário e ficção, para o
levantamento e conscientização dos alunos. E para o contexto educativo, ela acreditava
que sua inclusão no currículo escolar podia “conferir à escola brasileira o caráter não de
edifício público isolado, mas de um organismo vivo e participante” (ESTADÃO,
25/04/63).
Entretanto, na prática, a situação se mostrou muito mais complexa. O
contato com os alunos lhe fariam perceber, desde a primeira aula, que o interesse entre
meninos e meninas iria variar de classe para classe. O que exigiria adaptação em suas
aulas. Para compreendermos melhor, segue abaixo um esclarecimento feito por Ilka
sobre a situação ao Padre Moisés Fumagalli:

132
nós, professores, devemos adaptar-nos às suas reais necessidades de saber,
pois através dessas necessidades, é que lhes poderemos ensinar o que
realmente nós queremos. Isso lhe digo porque senti que se tenho uma classe
de 4 série, só de rapazes, excelente para a discussão de problemas estéticos e
éticos que o cinema sugere, com uma certa profundidade, já tenho outra classe,
só de garotas, que se interessam de partida pelos “truques” e pelos astros.
Seria falso torcer seu gosto vivo ou passar por cima da sua curiosidade pelo
menos importante em cinema, na minha opinião, que é a trucagem: o que
interessa, realmente, é utilizar esse interesse, satisfazendo o interesse das
garotas e, através da narração pitoresca dos truques fazê-las compreender o
sentido da linguagem cinematográfica; e através do seu interesse pelos astros,
desperta-lhes problemas sobre a vocação cinematográfica ou sobre o “star-
125
system”, e o problema que é sua a influência sobre a adolescência .

Em relação ao material ilustrativo das aulas, ela sugere a “confecção de


slides com o material que se encontra em revistas e livros, a utilização de filmes da
Cinemateca ou de filmotecas particulares. E, sobretudo, aulas de crítica dos filmes que
os estudantes veem nos cinemas comerciais da cidade”. Contudo, as dificuldades do
cotidiano escolar obtidas nessa experiência de ensinar cinema por um ano levaria Ilka a
concluir que “não é possível ensinar cinema sem projetor” 126 .
Durante o ano letivo em que ministrou a matéria de Cinema, Prática
Educativa na escola Padre Manoel de Paiva, só foi possível realizar duas projeções. Na
primeira exibiu slides sobre o nascimento do cinema e na segunda foram projetados
fragmentos dos filmes: O Campeão/ The Champion (Charles Chaplin,1915) La
naissance du cinéma e O aboio e cantigas (Humberto Mauro,1954). A falta de
equipamentos, de espaço adequado e de uma equipe eram nítidas. Ela mesma relata
que para a projeção teve que arrumar um operador e exibir o filme no pátio com as
crianças mal acomodadas e com muita gritaria 127.
Para além desses efeitos, outro fator importante foi o comportamento dos
alunos em sala. Ilka escreve, no texto “Cinema para a Infância”, que os alunos estavam
mais “interessados em cabular para ir ao cinema do que assistir às aulas”. E explica

125
LAURITO, Ilka. [Carta] 14 de março de 1963. CB 524/63 - Arquivo Institucional/Cinemateca Brasileira.
126
Idem., Cinema para a infância. Palestra SESC 14/12/66. D-246/2 - Cinemateca Brasileira.
127
Entrevista de Ilka Laurito concedida à José Inácio de Melo e Souza em 11/03/1997. Arquivo José Inácio de Melo e
Souza/Cinemateca Brasileira.

133
que os alunos eram do curso noturno e normalmente “estavam cansados de uma rotina
128
de trabalho e que entravam noutra rotina escolar, da qual queriam fugir” . Mesmo
com as circunstâncias negativas, Ilka é enfática ao assegurar que a experiência teve
pontos positivos como, por exemplo, o interesse dos alunos pela linguagem
cinematográfica e sublinha, ainda, que os debates eram muito úteis.
Em geral, as atividades do Departamento Infanto-juvenil eram
acompanhadas pela imprensa, mas especificamente, pelo jornal O Estado de S. Paulo,
no qual Paulo Emilio escrevia para o suplemento literário e sedia sempre que
necessário o espaço para os membros da Cinemateca. Ilka, por exemplo, escreveu
diversos artigos narrando não somente as atividades do Departamento, mas
esclarecendo e argumentando em favor do cinema infantil/educativo e do movimento de
cineclubismo infanto-juvenil. Assim, uma atividade tão importante e inovadora para a
época não passaria despercebida.
Em 27 de Abril, Ilka publicaria, no suplemento literário, o artigo “Cinema,
prática educativa” que reservaria poucas linhas a experiência da escola paulista, pois a
intenção era chamar a atenção para o potencial da proposta: cinema na escola. E isso
ficou bem claro ao ressaltar a necessidade de criar um diálogo entre os poderes
públicos, os produtores, os cineastas e os gestores escolares para a formação de uma
equipe especializada. Além disso, o texto relata, de forma breve, a experiência
realizada no Colégio de João Pessoa, na Paraíba, que, em 1962, havia integrado o
cinema em seu currículo escolar. É importante, pontuarmos, contudo que o
Departamento Infanto-juvenil vinha, desde 1961, orientando instituições e escolas de
outros Estados quanto à criação de setores de cinema infantil e a organização do
cinema como matéria curricular ou como atividade extra. Esse foi o caso, por exemplo,
da Escola Estadual do Paraná – Escolinha de Arte; da Escola Parque de Brasília; e do
Colégio São Francisco de Sales, em Teresina. Mas, o foco principalmente do artigo de
Ilka seria justamente despertar a “atenção das autoridades competentes, para a

128
LAURITO, Ilka. Cinema para a infância. Palestra SESC 14/12/66. D-246/2 - Cinemateca Brasileira.

134
necessidade de equipamento das escolas primárias e secundárias com projetor
cinematográfico e sala-ambiente” (ESTADÃO, 27/04/63).
As aulas de cinema da Escola Padre Manoel de Paiva foram encerradas em
novembro e durante o período em que a disciplina foi ministrada foram produzidas
inúmeras resenhas e atividades relacionadas aos filmes trabalhos em aula. No ano
seguinte, Ilka Laurito iria realizar um estágio na Europa e a matéria não estaria mais no
currículo da instituição.

135
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos agora todas as dificuldades materiais por que temos que atravessar.
Sabemos o trabalho de desdobramento e quase de ubiquidade que temos que
realizar, proferindo palestras, participando de reuniões, fazendo exposições,
estabelecendo contatos, estudando experiências alheias, catequisando os
meios ainda não conscientes do problema, solicitando auxílios de todas as
espécies [...] semeamos ideias com entusiasmo, mas continuamos com as
mãos vazias, sem o material necessário para manter o nível e a continuidade
da tarefa que nos propusemos por falta de recursos econômicos adequados. E
a conclusão a que chegamos, é que só nos podem ajudar eficazmente os
poderes oficiais, sempre que tomarem consciência do trabalho que
intencionamos realizar e da importância que ele tem para a educação nacional
(LAURITO, 1963, p.5).

Com a experiência adquirida pelas atividades desempenhadas


conjuntamente no Departamento de Cinema Infanto-juvenil, nas escolas públicas e nos
serviços e setores de cinema educativo municipais e estaduais, Ilka Laurito havia se
conscientizado que para a constituição sólida de um setor de cinema infanto-juvenil era
preciso o apoio do Estado. Convém, sublinhar, contudo, que a própria Ilka acompanhou
as dificuldades financeiras da Cinemateca. Em 1963, por exemplo, ela relata em
correspondência, de 14/03/63, que o seu departamento era o único que, naquele ano,
estaria em atividades ininterruptas.
Em toda sua trajetória, o Departamento de Cinema Infanto-juvenil da
Cinemateca Brasileira buscou promover o cinema educativo e infanto-juvenil. Sua
intenção era orientar pessoas do cinema e da educação para as possibilidades
artísticas e culturais dos filmes. Permitindo que ao lado das artes visuais e da música, o
cinema pudesse ser reconhecido e principalmente amado pelo público infantil brasileiro.
As ações estabelecidas pela sua diretora, Ilka Laurito, ultrapassaram a cidade de São
Paulo e aportaram não somente no interior paulista como noutros estados do país.
Ainda que em meio a crises financeiras, em maio de 1964, Ilka iria fazer um estágio na
Europa com a intenção de ampliar seu conhecimento sobre as instituições
internacionais que organizavam uma educação cinematográfica e de criar possíveis
parcerias com outras instituições congêneres. Acolhida pelo British Council que a

136
129
concedeu uma bolsa de estudos, ela acompanha a programação de oito instituições
entre elas: o British Film Institute, a Children’s Film Foundation, a Televisão Educativa
da BBC e o Centre for Educational Television Oversea. Essa experiência lhe traz novas
perspectivas quanto ao cenário nacional, em especial, nas questões sociais, na
realização de filmes por crianças e adolescentes e na utilização da televisão como uma
nova alternativa. No texto “Entrevista à BBC”, Ilka explica:

tive a oportunidade de estabelecer vários contatos interessantes e conhecer


diferentes métodos de trabalho. Numa visão geral, posso dizer que embora os
problemas de integração da cultura cinematográfica num plano de cultura geral
sejam semelhantes aos brasileiros, pelas dificuldades de pessoal capacitado,
de material didático, de equipamentos, e de verba suficiente, posso dizer que
na Inglaterra a abertura desse novo caminho tem um adiantamento de vários
anos em relação ao Brasil.
Procurei visitar todas as organizações que na Inglaterra se preocupam com a
educação cinematográfica da infância e juventude e, numa atividade “correlata”
entrei em contato com a obra realizada pela televisão educativa. Acredito que
todas as ideias e informações que tenho colhido deverão passar futuramente
pelo crivo da seleção, no sentido de sua adaptabilidade a uma realidade
brasileira (LAURITO, 1966, Entrevista à BBC).

Após terminar seu período na Inglaterra, Ilka partiu para a França em busca
de ter contato com o trabalho realizado por Sonika Bo. Em paris, acompanha as
sessões do Cineclube Infantil Cendrillon. Em relação a essa experiência, Ilka diz: “Há
30 anos essa mulher faz filmes para a infância, desde de 1933. [...] Essa mulher é
pioneira. Não só fez o Cineclube infantil, como passou a realizar os filmes e os filmes
estão cheios de poesia”. 130
Ao retornar ao Brasil, Laurito encontrou dificuldades econômicas maiores
que a impediam de manter o Departamento de Cinema Infanto-juvenil que necessitava
de uma equipe, de material e de espaço adequados. As dificuldades, porém não foram
somente financeiras. Com a ascensão em 1964 da ditadura militar, um novo ciclo
político de censuras, cassações e prisões se instala no país. O que dificultou ainda

129
Ilka Laurito visitaria também as seguintes instituições: Society for Education in Film and Television, National
Committee for Audio-Visual AIDS in Education, Educational Foundation for Visual AIDS e o Overseas Visual Aids
Centre.
130
Transcrição de aula realizada por Ilka em 1966. Acervo Jean-Claude Bernardet/Cinemateca Brasileira.

137
mais as possibilidades de trabalho, haja vista que não somente a Cinemateca Brasileira
teria suas atividades engessadas. Mas grande parte de todas as instituições e artistas
nacionais. O relatório de atividades desse ano registra a realização do curso de cinema,
em janeiro e fevereiro, ministrado para professores. E ainda apresenta um relato do
estágio de Ilka Laurito com uma descrição das atividades efetuadas em cada instituição
Europeia.
Por consequência dessa situação o Departamento diminui suas atividades no
ano seguinte, mas não podemos afirmar que suas atividades estavam totalmente
paralisadas, porque Ilka escreve, em 21 de Junho 1965, uma carta ao diretor do
Colégio Estadual do Paraná, Roaldo Roda, explicando que o atraso em sua resposta é
decorrente do fato de estar indo a Cinemateca uma única vez por semana e
complementa que em decorrência da falta de funcionários e possibilidade materiais, ela
aproveitava para ajudar no trabalho dos outros companheiros.
Em 1966, um plano de uma Filmoteca Central foi elaborado por Ilka. Ao que
tudo indica, pela anotação a caneta, no canto do documento, o programa seria para a
prefeitura. O plano era uma síntese realista da experiência adquirida por Ilka nos
últimos anos como diretora do Departamento da Cinemateca. Seu planejamento previa
uma filmoteca central e outras filmotecas periféricas, o objetivo era que o acervo central
fosse distribuído pelos “bairros periféricos da cidade, e depositados em subprefeituras
ou mesmo em bibliotecas municipais, ou outras entidades adequadas”. A Cinemateca
Brasileira ficaria encarregada “da revisão e manutenção do acervo, bem como da
revisão das cópias das filmotecas periféricas num período anualmente pré-
estabelecido”. Tudo nos leva a crer que esse projeto de uma Filmoteca Central nunca
tenha saído do papel, pois nenhum outro documento ou correspondência se refere ou
cita o assunto. É preciso, contudo, pontuarmos ainda que numa palestra realizada no
Sesc, em 14 dezembro 1966, Ilka afirmaria que ficou dois anos em pausa, isto é,
desatualizada quanto ao “que se está fazendo no Brasil, no norte, no centro e no sul”131.
Em nenhum momento ela faz referência a criação de uma Filmoteca Central. No

131
LAURITO, Ilka. Cinema para a infância. Palestra SESC 14/12/66. D-246/2 - Cinemateca Brasileira.

138
mesmo ano numa aula ministrada à convite de Jean-Claude Bernardet, na Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), ela definiu esse
período de trabalho como “uma descoberta do cinema em relação à infância” 132.
A trajetória de Ilka Laurito na Cinemateca Brasileira, não terminaria com o fim
das atividades do Departamento de cinema Infanto-juvenil. A convite de Rudá de
Andrade, ela voltaria a instituição como conselheira. Cargo que iria exercer de 1978 a
2005. Em seu período de atuação localizamos, no ano de 1981, uma sugestão sua para
a criação de um pequeno Museu de Cinema, com peças da própria Cinemateca, que
pudesse ter atividades para escolas e outras instituições. A ideia foi bem recebida pelos
conselheiros que lhe atribuíram a tarefa de organizar o museu, porém não foram
localizadas nas atas das reuniões seguintes nenhuma referência ao tema. Podemos
afirmar que Ilka nunca deixou de incentivar o cinema educativo e infantil, em entrevista
a José Inácio ela afirma que como conselheira que raramente dava conselhos todas as
vezes que havia falado nas sessões foi “levantando ainda, quixotescamente, esta
possibilidade de se retomar este trabalho” e sublinha “até hoje [1997], eu acho que se
houvesse possibilidade de ser feito um trabalho bonito ligado à cinemateca, neste nível,
sessões especiais com debates, com preparação...seria um trabalho bonito 133”.
Neste trabalho pretendemos narrar a história do Departamento de Cinema
Infanto-juvenil com o objetivo de identificar suas ações educativas e analisar como
foram entendidas pelos administradores da Cinemateca Brasileira e como se efetivaram
na prática. Para que pudéssemos visualizar como ocorreu a formação dos arquivos de
filmes educativos no Brasil, optamos por começar nosso percurso abordando a
presença das imagens no ensino a partir de um contexto mais amplo, pensando nos
países europeus onde estas ações já estavam em desenvolvimento. Mesmo sabendo
que a situação desses países fosse distinta da realidade brasileira, não se pode negar a
influência, direita ou indireta, que desempenharam na criação das nossas instituições.

132
Transcrição de aula realizada por Ilka em 1966. Arquivo Jean-Claude Bernardet/Cinemateca Brasileira.
133
Entrevista de Ilka Laurito concedida à José Inácio de Melo e Souza em 11/03/1997. Arquivo José Inácio de Melo
e Souza/Cinemateca Brasileira.

139
Nesse sentido, analisamos a formação das primeiras coleções de filmes
educativos dos museus escolares/pedagógicos até o surgimento das cinematecas
modernas, passando pela criação das cinematecas educativas. E por fim, nos
dedicamos a Cinemateca Brasileira e as ações educativas do Departamento de Cinema
Infanto-juvenil que em seus três anos de atividades ininterruptas conseguiu chamar a
atenção de especialistas, professores e cineastas para o cinema educativo,
contribuindo na construção de um novo olhar sobre o filme e suas funções
educacionais.
É importante, contudo, pontuar que as ações educativas do Departamento
Infanto-juvenil destoaram do que normalmente era oferecido por outras instituições,
como o INCE, a seção de Cinema Educativo do Serviço de Expansão Cultural da
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e o Serviço de Recursos Audiovisuais
da Cidade Universitária. Ainda que saibamos que, em muitos momentos, essas
instituições foram aliadas do Departamento, podemos considerar que suas ações e
projetos foram inovadores mesmo quando se pensa no que é oferecido às escolas
atualmente pela Cinemateca Brasileira.
Se ponderarmos as atividades de cinema e educação que ocorreram depois
desta iniciativa, como, por exemplo, o Programa Cine Educação, idealizado pela
Cinemateca Brasileira em parceria com a assessoria Via Gutenberg e a Secretaria
Estadual de Educação de São Paulo vamos notar que o projeto se desenvolve em torno
de uma perspectiva do cinema somente como instrumento complementar do trabalho
pedagógico.
Ao nosso ver, esta pesquisa sublinha algumas questões quanto ao lugar que
a educação cinematográfica infanto-juvenil teve, no período de 1954 a 1966, na
Cinemateca Brasileira. Assim, ao concluirmos este trabalho parece necessário
esclarecer que o tema não se esgota aqui e que nossa intenção foi dar o primeiro passo
para futuras pesquisas. Pois, o acervo do Departamento Infanto-juvenil é composto por
uma variedade de documentos esparsos entre o Centro de Documentação da
Cinemateca Brasileira, os arquivos da escola Caetano de Campos e os documentos da

140
família Laurito. E como um quebra-cabeça que a cada nova peça se transforma,
acreditamos que esta dissertação foi a primeira peça de um grande jogo. Portanto,
esperamos contribuir com novos olhares sobre o papel da educação na Cinemateca
Brasileira.

141
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Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, UNESP – Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2013.

ARTIGOS

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Laurito”. Jornal Diário do Povo, Campinas, 07 mai.1961. p.

BO, S. A importância do Cinema na Educação da Criança. Jornal O Estado de S.


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Disponível em < http://centenaire.org/fr/tresors-darchives/fonds-publics/autres-
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p.28. Disponível em < http://www.icem-pedagogie-freinet.org/node/16716> Acesso em
15 set.2014.

ARQUIVOS

Acervo João Antônio – Centro de Documentação de Apoio à Pesquisa – CEDAP/Assis.

Arquivo Institucional - Centro de Ciências Letras e Artes de Campinas.

Cinemateca Brasileira

Cinemateca Francesa

DOCUMENTOS JURÍDICOS

BRASIL. Inspectoria Geral da Instrução Primaria e Secundaria da Capital Federal dos


Estados Unidos do Brazil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Rio de Janeiro, 18 dez.1890. Seção 1, p. 5830.

BRASIL. Classificação Geral das Mercadorias – Tarifa II. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 25 jun.1894. Seção 1, p. 2262.

FRANÇA. Archives Nationales. Musée Pédagogique. État général des fonds des
Archives nationales (Pierrefitte-sur-Seine). Disponível em:
<http://www.archivesnationales.culture.gouv.fr/chan/chan/series/pdf/71AJ.pdf > Acesso
em: 4 set. 2014.

ENTREVISTAS

Ilka Brunhilde Laurito - concedida à José Inácio de Melo e Souza em 11/03/1997.


Maria
Maurice Capovilla - concedida à autora em 14/04/2015

147
APÊNDICE A - Instituições Estrangeiras contatadas por ordem alfabética

Aktion der gute film


Audio Visual Department of Japan
Australian Council
British Film Institute
Brooks Foundation
Centre di Sociologia del Comunicazioni di Massa
Centre International du Cinéma pour la Jeunesse
Centro Nazionale de Sussidi Audiovisivi
Children’ film
Cinémathèque Central de l’Enseignement Public
Comité Hongrois du Film pour la Jeunesse
Commission Nationale Polonaise pour l’Éducation
Educational Film Exchange
Educational Film Library Association
Educational Film Producers Association of Japan
Educational Foundation for Visual AIDS
Ford Foundation
Foundation for Character Education
Gakushu Kenkyusha
Institut für Film und. Bild
La Science et la Culture
Mostra Internazionale d’Arte Cinematografica
National Education Association
Norsk Barnefilmnemd
UNESCO

148
ANEXO I - Formulários do Departamento de Cinema Infanto-Juvenil

Formulário 1 – Ilka Laurito

149
Formulário 2 - Convidado

150
Formulário 3 – Crianças

151
Formulário 4 – Curso: Cinema, Pratica Educativa

152
Formulário 5 – Apresentação

153
ANEXO II - Desenhos e resenhas realizados pelas crianças

Desenhos

Desenho sobre o filme “Angotee, pequeno esquimó” - Cineclubinho Biblioteca “Caetano de Campos”
Fonte: Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira

154
Desenho sobre o filme “O mundo do pequeno Ig” - Cineclubinho Biblioteca “Caetano de Campos”
Fonte: Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira

155
Desenho sobre o filme “O mundo do pequeno Ig” - Cineclubinho Biblioteca “Caetano de Campos”
Fonte: Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira

156
Resenhas

157
Resenha sobre o filme “Angotee, pequeno esquimó” - Cineclubinho Biblioteca “Caetano de Campos”
Fonte: Acervo Departamento Infanto-juvenil/Cinemateca Brasileira

158

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