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Claudio Marcio Amaral de Oliveira Lima1, Flávia Pegado Junqueira2, Mônica Cristina
Salazar Rodrigues2, César Augusto Salazar Gutierrez2, Romeu Côrtes Domingues3,
Antonio Carlos Coutinho Junior4
Resumo A fístula perianal é uma condição incomum com tendência a recorrência, que usualmente é decorrente de
infecção prévia não observada à cirurgia. A ressonância magnética mostra com acurácia a anatomia da re-
gião e a relação da fístula com o diafragma pélvico e a fossa isquiorretal, classificando-a em cinco tipos. A
ressonância magnética é superior a qualquer outra modalidade para a detecção de focos infecciosos na re-
gião perianal, incluindo a exploração cirúrgica. Tem a capacidade de guiar o procedimento cirúrgico, reduzindo
a taxa de recorrência em 75% em pacientes com doença complexa.
Unitermos: Imagem por ressonância magnética; Fístula; Perianal; Esfíncter; Abscesso; Infecção.
Abstract Fistula in ano is an uncommon condition that has a tendency to recur despite seemingly appropriate surgery.
Recurrent fistula in ano is usually caused by infection that was missed during surgical exploration. Magnetic
resonance imaging has been shown to accurately demonstrate the anatomy of the perianal region as well as
the fistula’s relationship with the pelvic diaphragm and ischiorectal fossa, allowing the classification of fistulas
into five types. Magnetic resonance imaging depicts infectious foci in the perianal region better than any
other investigation modality, including surgical exploration. Magnetic resonance image-guided surgery helps
to reduce postoperative recurrence by 75% in patients with complex disease.
Keywords: Magnetic resonance imaging; Fistula; Perianal; Sphincter; Abscess; Infection.
Lima CMAO, Junqueira FP, Rodrigues MCS, Gutierrez CAS, Domingues RC, Coutinho Junior AC. Avaliação por ressonância
magnética das fístulas perianais: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2010;43(5):330–335.
24; TI: 150). Após a administração venosa muito bem a relação do trajeto fistuloso
do meio de contraste são realizadas sequên- com o complexo esfincteriano e a fossa
cias pesadas em T1 com supressão de gor- isquioanal. Outra grande vantagem é a ca-
dura nos planos axial (FOV: 230 mm; es- pacidade de demonstrar abscessos clinica-
pessura: 3,0 mm; GAP: 30%; matriz: 256 mente ocultos(4).
× 100; NEX: 2; TA: 1:47 min; TR: 511; TE: Os abscessos apresentam alto sinal em
7,9) e coronal (FOV: 230 mm; espessura: T2 e STIR e sinal iso ou levemente hipe-
3,0 mm; GAP: 30%; matriz: 256 × 100; rintenso em T1, por causa da presença de
NEX: 2; TA: 1:47 min; TR: 511; TE: 7,9). alto conteúdo proteico em seu interior;
eventualmente, este conteúdo muito ele-
DISCUSSÃO vado pode demonstrar redução do sinal em
T2. A presença de gás no interior do abs-
A fístula perianal é uma condição inco- Figura 1. Alusão a um relógio projetado sobre a cesso é demonstrada pela ausência de sinal
região anal em imagem de RM no plano axial.
mum, mas importante, com elevada mor- em todas as sequências. Os trajetos fistu-
bidade, acometendo aproximadamente 10 losos apresentam-se como estruturas tubu-
em cada 100 mil pessoas, sendo mais fre- mente, há uma abertura para o canal anal liformes com características de sinal seme-
quente em homens(4). (orifício proximal) ao nível da linha den- lhantes às do abscesso. Após a administra-
O canal anal é essencialmente um cilin- teada, que é originalmente o local de dre- ção venosa do gadolínio é possível identi-
dro envolto por dois músculos, o esfíncter nagem da glândula; a partir daí a fístula ficar as paredes do abscesso e dos trajetos
anal interno (EI) e o esfíncter anal externo pode alcançar a pele da região perianal por fistulosos espessadas e captantes de con-
(EE), compostos, respectivamente, por uma variedade de trajetos e ainda penetrar traste e, também, o conteúdo, usualmente
musculatura lisa e estriada. O EE é a con- e envolver com graus variáveis o EE e te- hipointenso em T1.
tinuação do músculo elevador do ânus e o cidos circunvizinhos(4,5).
EI é a parte terminal do músculo circular A relação das fístulas com a muscula- Classificação das fístulas perianais
do intestino(5). O espaço interesfincteriano tura perianal é bem demonstrada com uma As fístulas já eram conhecidas de Hipó-
(EIE) é um plano entre o EI e o EE, onde há combinação de imagens nos diversos pla- crates e sempre descritas no decorrer dos
uma fina camada de gordura contendo te- nos, assim como as diferentes combinações séculos, recebendo especial atenção no
cido frouxo. Lateralmente ao complexo es- de sequências e a utilização de gadolínio século 19, quando, em 1835, Frederick
fincteriano situa-se a fossa isquioanal, com- fornecem excelente contraste entre os tra- Salmon fundou o Benevolent Dispensary
posta por gordura e uma rede transversa de jetos fistulosos e o tecido adjacente. O es- for the Relief of the Poor Afflicted with
tecido conectivo fibroelástico(5). A presen- tudo pela RM é atualmente o mais indicado Fistula and Other Diseases of the Rectum
ça das glândulas anais dentro dos tecidos para o diagnóstico e classificação destas and Lower Intestines, o agora mundialmente
circunvizinhos é variável, sendo que em lesões, que é realizada de acordo com o famoso St. Mark’s Hospital em Londres,
cerca de um a dois terços da população trajeto que une as aberturas internas e ex- Inglaterra. Muito do que sabemos sobre as
estão situadas no EIE. Estas glândulas fo- ternas da fistula(4–6). fístulas perianais vem do trabalho dos ci-
ram relacionadas com as fístulas perianais A escolha da bobina é uma preferência rurgiões deste hospital(4).
pela primeira vez por Chiari, que sugeriu individual. A utilização da bobina abdomi- Em 1934, Milligan e Morgan categori-
que as glândulas eram a fonte da infecção nal de superfície não requer preparo do pa- zaram as fístulas em abaixo, acima e den-
(teoria criptoglandular)(5). Atualmente, a ciente, sendo também muito bem tolerada. tro do músculo puborretal, chamando a
maioria dos pesquisadores concorda com As bobinas endoanais são mal toleradas atenção para a incontinência pós-operató-
esta hipótese(5). pelos pacientes sintomáticos e, devido ao ria altamente provável no caso de fístula
Por definição, fistula é um trajeto anor- limitado campo de visão, podem não per- alta com abordagem cirúrgica inadequada.
mal entre duas superfícies epiteliais. O mitir a observação da extensão total das Esta classificação foi modificada e refinada
curso anatômico de uma fístula será ditado fístulas. Por todas essas razões e ainda pela por outros autores, inclusive por Parks et
pela localização da glândula anal infectada pouca disponibilidade e aceitação da bo- al.(7), que analisaram uma série consecutiva
e os planos anatômicos adjacentes. Os ci- bina endoluminal, a bobina abdominal de de 400 pacientes do St. Mark’s Hospital,
rurgiões descrevem o local e a direção dos superfície é utilizada como padrão para as classificando as fístulas de acordo com a
trajetos fistulosos recorrendo à alusão da fístulas perianais(3–5). hipótese criptoglandular em quatro grupos:
imagem de um relógio (Figura 1), com a O papel da RM no diagnóstico das fís- interesfincteriana, transesfincteriana, su-
visão da região anal do paciente na posi- tulas perianais e de suas complicações vem praesfincteriana e extraesfincteriana(5,6).
ção de litotomia, correspondendo à visão aumentando cada vez mais. Os achados de O EIE é o caminho com menor resistên-
do canal anal nas imagens de RM nos pla- imagem mostram grande concordância cia para disseminação da infecção, facili-
nos axiais, facilitando assim a correlação com os achados cirúrgicos, mais do que em tando assim a suspeita da fístula do tipo
dos achados de imagem com os observados qualquer outro método de imagem, e as interesfincteriano, encontrada em 45% dos
durante o procedimento cirúrgico. Normal- técnicas nos diversos planos demonstram casos estudados por Parks et al., em que o
processo infeccioso está limitado ao EIE, Em 2000, Morris et al.(4), do St. James’s isquioanal o local mais comum. As ramifi-
não penetrando no EE, que é uma barreira University Hospital (Leeds, Inglaterra), em cações das fístulas no plano horizontal são
natural à disseminação da infecção. Num um estudo com mais de 300 pacientes, cor- descritas como “em ferradura”, se houver
processo infeccioso mais intenso, as fístu- relacionaram a classificação de Parks et al. extensão para ambos os lados do EIE(5).
las podem atravessar o EE e atingir a fossa com os achados de RM nos planos axiais e Tipo 1: fístula interesfincteriana li-
isquioanal, resultando no tipo transesfinc- coronais e classificaram as fístulas peria- near simples (Figura 2) – O trajeto fistu-
teriano, observado em 30% dos casos ori- nais em cinco tipos: interesfincteriana li- loso se estende do canal anal até a pele do
ginais de Parks et al. Em outras circunstân- near simples; interesfincteriana com abs- períneo, com trajeto confinado entre os
cias a fístula pode se estender a um plano cesso ou trajeto secundário; transesfincte- esfíncteres, não havendo ramificações para
acima do EIE, circundando parcialmente o riana; transesfincteriana com abscesso ou além do complexo esfincteriano. É de longe
músculo puborretal e atravessando o platô trajeto secundário na fossa isquioanal; e su- o tipo mais comum. As fossas isquioanais
do músculo elevador do ânus para atingir praesfincteriana/extraesfincteriana. Esta estão livres(4,5).
a pele perianal, resultando no tipo supraes- classificação não trata somente da demons- Tipo 2: fístula interesfincteriana com
fincteriano, observado em 20% dos casos. tração do trajeto fistuloso primário, mas abscesso ou trajeto secundário (Figura
Parks et al.(7) notaram, ainda, um quarto também das ramificações secundárias e dos 3) – Estas fístulas também estão confina-
tipo de fístula, em 5% dos casos, que repre- abscessos associados. Trata-se de um sis- das em um plano entre os esfíncteres, as-
senta a extensão de uma doença pélvica pri- tema de fácil aceitação porque utiliza mar- sim como seus trajetos secundários e/ou
mária que também atravessa o músculo ele- cos anatômicos nos planos axiais e coro- abscessos. Os trajetos secundários podem
vador do ânus e desce pela fossa isquior- nais, que são muito familiares aos radiolo- ter o formato de ferradura, cruzando a li-
retal até a pele, classificada como extraes- gistas, sendo de excelente aplicabilidade e nha média, ou podem ramificar-se num
fincteriana. A classificação de Parks et al. reprodutibilidade pois apresenta a melhor plano interesfincteriano ipsilateral(4,5).
foi muito criticada devido à natureza espe- correlação com a avaliação cirúrgica ini- Tipo 3: fístula transesfincteriana (Fi-
cífica do hospital e também porque não in- cial(4). Muitas fístulas começam como um gura 4) – O trajeto fistuloso atravessa as
cluía as fístulas submucosas, muito super- simples trajeto primário, porém infecções duas camadas do complexo esfincteriano,
ficiais e que não envolvem as estruturas es- não tratadas podem resultar em ramifica- arqueando-se para a pele através da fossa
fincterianas(5). ções (trajetos secundários), sendo a fossa isquioanal. Estas fístulas se distinguem
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS