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urologia – oncologia – cirurgia vascular

volume 5

cirurgia vascular
oncologia
urologia
ONCOLOGIA

Ernesto Reggio
Eduardo Bertolli
Luciana Ragazzo
ONC O LO G I A

CAPÍTULO

1
Princípios de cirurgia oncológica
Eduardo Bertolli

Pontos essenciais A - Biópsia


- Noções básicas de cirurgia oncológica; A biópsia consiste na retirada de tecido para diagnóstico
- Particularidades no manejo dos sarcomas de partes moles. anatomopatológico. Pode ser incisional, quando retira um
fragmento da lesão, ou excisional, quando retira toda a le-
1. Introdução são. A biópsia por punção com agulha grossa (tipo Tru-cut®
ou core-biopsy, Figuras 1A, 1B e 1C) permite a avaliação
Câncer significa o crescimento anormal de células em histológica, enquanto a punção com agulha fina permite a
qualquer tecido corporal do hospedeiro. Essas células anor- avaliação citológica e tem indicações precisas (exemplo: ti-
mais se proliferam localmente, invadem e atravessam as reoide, linfonodos; Figura 1D).
barreiras tissulares normais, reproduzindo-se indefinida-
mente. As massas de células neoplásicas disseminam-se
pelo organismo, levando à morte se não forem erradicadas.
Durante muito tempo, a cirurgia era considerada o úni-
co método curativo no tratamento do câncer. Atualmente,
com os avanços da farmacologia e os estudos da biologia
tumoral, foi possível compreender a evolução dos tumores
e o uso terapêutico de drogas antineoplásicas. A radiação
ionizante de alta energia também se mostrou útil na terapia
do câncer. Utilizam-se ondas eletromagnéticas de raio x e Figura 1 - Esquematização da biópsia com agulha tipo Tru-cut®
raios-gama ou partículas subatômicas, como as partículas (esquerda) e esquematização da biópsia com agulha fina (direita)
betas, elétrons e nêutrons. Dessa maneira, cirurgia e radio- Deve-se planejar a biópsia de modo a não comprome-
terapia constituem medidas de tratamento locorregional, ter o tratamento definitivo. Assim, as biópsias de membros
enquanto a quimioterapia pode ser utilizada em esquema devem ser feitas sempre no sentido longitudinal, seguindo
de adjuvância ou neoadjuvância; ou ainda como tratamen- o maior eixo do membro. Já as biópsias em tronco e dorso
to sistêmico, nos casos em que há metástases. devem acompanhar as linhas de força da pele. Biópsias mal
Devido às particularidades oncológicas, serão aborda- planejadas podem comprometer o restante do tratamen-
dos neste capítulo os sarcomas de partes moles.
to e, em alguns tumores, são consideradas fatores de pior
prognóstico.
2. Tratamento do tumor primário Em alguns tipos de tumores, é comum a biópsia de con-
Tabela 1 - Princípios propostos por Halsted gelação. O material retirado durante a cirurgia é imediata-
- Determinação do diagnóstico histopatológico por meio de bi- mente avaliado pelo patologista que pode determinar com-
ópsias; prometimento de margens, linfonodos etc.
- Assepsia oncológica;
B - Cirurgia
- Remoção em bloco do(s) órgão(s) acometido(s) pela doença
maligna com margens cirúrgicas livres, macro e microscópi-
A disseminação dos tumores pode ocorrer por contigui-
cas, associadas à retirada da área de drenagem linfática lo- dade, via linfática e hematogênica. Esses mecanismos justi-
corregional; ficam a retirada em bloco e a necessidade da linfadenecto-
- Reparação, reconstrução e restauração das funções dos órgãos. mia nas cirurgias com intuito curativo.
Essa etapa depende da extensão da ressecção e do local anatô- A retirada da área de drenagem linfática faz parte da
mico, podendo ser uma simples sutura até as grandes recons- cirurgia de diversos tipos de tumores. Em alguns casos,
truções ósseas e de partes moles com retalhos pediculados, pode ser feita com intuito de amostragem (exemplo: linfa-
retalhos microcirúrgicos e próteses.
denectomia ilíaco-obturatória na prostatectomia radical),

116
PRINCÍPIOS DE CIRURGIA ONCOLÓGICA

para completar estadiamento (exemplo: linfadenectomia


regional no câncer colorretal) ou até com valor terapêutico
(exemplo: linfadenectomia em cadeia acometida por mela-
noma maligno ou câncer de mama).
A radioterapia e a cirurgia proporcionam melhor contro-
le locorregional em alguns tumores e podem ser emprega-
das antes e depois do procedimento. Atualmente, é pos-
sível empregar a radioterapia intraoperatória, que consiste
em aplicar, no próprio leito cirúrgico, a radiação ionizante,
após a retirada do tumor primário (Figura 2), como em al-
guns casos de sarcomas ou em câncer de mama. A radiação
local proporciona um campo local ideal com menor dose
ionizante. Poucos centros médicos no Brasil dispõem desse

ONCOLOGIA
recurso nos dias de hoje.

Figura 2 - Radioterapia intraoperatória após amputação abdomi-


noperineal de reto por neoplasia avançada de canal anal, realiza-
da no Hospital A. C. Camargo, São Paulo/SP – Brasil

O uso de quimioterapia intraperitoneal hipertérmica é


indicado em alguns casos específicos, como pseudomixoma
peritoneal, câncer gástrico localmente avançado e dissemi-
Figura 3 - Citorredução com quimioterapia intraperitoneal hiper-
nação peritoneal de câncer colorretal e ovário. Também são
térmica, realizada no Hospital A. C. Camargo, São Paulo/SP – Bra-
poucos os centros médicos que realizam esse procedimen-
sil: (A) disseminação peritoneal; (B) tumor mucinoso de apêndice
to (Figura 3). cecal; (C) cavidade abdominal com cânulas de perfusão e termô-
metros e (D) sistema de perfusão intraperitoneal hipertérmico

A cirurgia pode ser empregada para tratamentos pa-


liativos, oferecendo maior qualidade de vida ao paciente
com tumores avançados ou em casos de recorrência tu-
moral, e para alívio de sintomas obstrutivos, controle de
hemorragia e anemia, fixação de fraturas patológicas, en-
tre outros. Em algumas condições, a cirurgia mesmo palia-
tiva pode trazer aumento da sobrevida (exemplo: câncer
gástrico).
A radioterapia proporciona um controle local com taxas
semelhantes às da cirurgia em alguns tipos de tumores.
Essa modalidade é utilizada nos casos em que o risco de
complicações cirúrgicas é grande (exemplo: câncer de prós-
tata), nos locais onde se desejam manter as funções orgâni-

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ONC O LOG I A

cas preservadas (exemplo: câncer de laringe) ou em locais célula mesenquimal primitiva, que reproduzem os com-
de difícil reconstrução pós-operatória (exemplo: tumores ponentes de partes moles, exceto os tumores ósseos e
de cabeça e pescoço). Nesses casos, os pacientes devem as neoplasias de origem hematolinfopoética (Tabela 2).
realizar seguimento rigoroso e, em caso de recorrência, a Incluem-se, nesse conceito, músculos, tendões, tecidos
cirurgia de resgate pode ser empregada. fibrosos, gordura, vasos sanguíneos, nervos e tecidos ao
redor das articulações (tecido sinovial). São mais comuns
nas extremidades do corpo e em volta de órgãos. Qua-
3. Sarcomas de partes moles renta e três por cento ocorrem nas extremidades, 34% ao
redor de órgãos (exemplo: retroperitônio), 10% no tron-
A - Definição
co e 13% em outros locais. Podem ocorrer em adultos e
Os Sarcomas de Partes Moles (SPM) correspondem crianças, com diferenças epidemiológicas e de abordagem
histogenicamente a neoplasias malignas com origem na (Tabelas 2 e 3).
Tabela 2 - Exemplos de sarcomas em adultos
Tecido de origem Tipo de câncer Localização habitual no corpo
- Fibrossarcoma; - Braços, pernas e tronco;
Tecido fibroso - Histiocitoma maligno; - Pernas;
- Dermatofibrossarcoma. - Tronco.
Gordura - Lipossarcoma. - Braços, pernas e tronco.
Estriado - Rabdomiossarcoma; - Braços e pernas;
Músculos
Liso - Leiomiossarcomas. - Útero e trato digestivo.
- Hemangiossarcoma; - Braços, pernas e tronco;
Vasos sanguíneos
- Sarcoma de Kaposi. - Pernas, tronco.
Vasos linfáticos - Linfangiossarcoma. - Braços.
Tecidos sinoviais (envolvendo as cavidades articulares,
- Sarcoma sinovial. - Pernas.
bainhas dos tendões)
Nervos periféricos - Neurofibrossarcoma. - Braços, pernas e tronco.
- Condrossarcoma; - Pernas;
Cartilagem e tecidos ósseos
- Osteossarcoma. - Pernas e tronco.
- Hemangiopericitoma;
Outros tipos
- Miofibrossarcoma.

Tabela 3 - Exemplos de sarcomas na infância


Tecido de origem Tipo de câncer Localização habitual no corpo Idade
- Rabdomiossarcoma
- Cabeça, pescoço e geniturinário; Lactente a 4 anos
embrionário;
Músculos estriado/liso
- Alveolar; - Braços, pernas, cabeça e pescoço; Lactente a 19 anos
- Leiomiossarcoma. - Tronco. 15 a 19 anos
- Fibrossarcoma; - Braços e pernas;
- Histiocitoma fibroso
Tecido fibroso - Pernas; 15 a 19 anos
maligno;
- Dermatofibrossarcoma. - Tronco.
Gordura - Lipossarcoma. - Braços e pernas. 15 a 19 anos
- Hemangiopericitoma
Vasos sanguíneos - Braços, pernas, tronco, cabeça e pescoço. Lactente a 4 anos
infantil.
Tecido sinovial - Sarcoma sinovial. - Pernas, braços e tronco. 15 a 19 anos
- Tumores da bainha
nervosa periférica
(também chamados de
Nervos periféricos - Braços, pernas e tronco. 15 a 19 anos
neurofibrossarcomas,
schwannomas, sarcomas
neurogênicos).
Cartilagem e tecidos - Condrossarcoma mixoide;
- Pernas. 10 a 14 anos
ósseos - Osteossarcoma.

118
PRINCÍPIOS DE CIRURGIA ONCOLÓGICA

B - Fatores de risco do gene FH) e retinoblastoma hereditário (alterações no


gene RB1).
A origem de muitos SPMs não é conhecida. Entretanto,
exposição à radiação ionizante e certos produtos químicos C - Quadro clínico
podem ser os fatores de risco mais conhecidos para a maio-
ria dos tumores. A apresentação clínica é, geralmente, o surgimento de um
nódulo ou massa, mas raramente são dolorosos ou causado-
A radiação externa é o fator de risco mais bem estabele-
res de outros sintomas. São dados que sugerem malignidade
cido para os SPMs. Pacientes que foram tratados com radio-
nos SPMs o tamanho maior que 5cm, o crescimento rápido
terapia para cânceres de retina, mama, cabeça e pescoço,
e a consistência da lesão. A história de traumas prévios não
testículos ou sistema linfático têm maior probabilidade de
tem nenhuma relação com o aparecimento da lesão.
desenvolverem o SPM. Outro fator de risco é a exposição A biópsia deve ser bem planejada, tomando-se todos
a certos produtos químicos, incluindo substâncias como os cuidados previamente citados. O procedimento deve ser
arsênico, herbicidas e conservantes de madeira à base de realizado sem que haja a contaminação do trajeto e/ou da

ONCOLOGIA
clorofenóis. pele, pois isso dificultaria o tratamento cirúrgico e a progra-
Outras doenças associadas podem aumentar o risco mação de reconstrução (retalhos).
para SPM. Muitos estudos demonstraram que têm alto Para a investigação e o estadiamento, utilizam-se méto-
risco, para o desenvolvimento dos SPM, os portadores de dos de imagem como a Tomografia Computadorizada (TC)
síndrome de Li-Fraumeni (associada a alterações do gene e a ressonância magnética, em especial a última por ser
supressor tumoral - p53); doença de von Recklinghausen, bastante adequada à visualização de partes moles (Figura
também chamada de neurofibromatose tipo 1 (associa- 4). Como o principal sítio de metástases dos sarcomas são
da a alterações no gene NF-1); leiomiomatose hereditá- os pulmões, é indispensável a TC de tórax no estadiamento
ria; a síndrome do câncer de células renais (alterações dos pacientes.

Figura 4 - Imagens de RNM de sarcoma de membro inferior

119
ONC O LOG I A

O sistema RNM é o mais comumente usado no estadia-


mento dos SPMs e considera o tamanho do tumor, se su-
perficial ou profundo, a situação dos linfonodos regionais
e a presença ou ausência de metástases. O grau histológico
de malignidade também pode ser classificado como: G1 –
bem diferenciado; G2 – moderadamente diferenciado; G3
– pouco diferenciado; G4 – indiferenciado.

D - Tratamento
O planejamento terapêutico de pacientes com SPM
deve ser multidisciplinar. O ideal, sempre que possível, é
a ressecção com margens tridimensionais de pelo menos
2cm (Figura 5). Entretanto, em sarcomas retroperitone-
ais, esse tipo de ressecção é inviável na maioria das vezes,
sendo necessárias ressecções marginais. Para os pacientes
cujos tumores não são passíveis de ressecção com margem
adequada, o grau histológico é o fator determinante da con-
duta a ser adotada. Alguns grandes tumores de baixo grau
respondem razoavelmente bem à radioterapia e à quimio-
terapia pré-operatórias, a ponto de permitir cirurgia com
preservação do membro.

Figura 5 - Lipossarcoma de baixo grau no braço esquerdo: (A) deli-


mitação da área a ser ressecada; (B) status pós-ressecção; (C) peça
ressecada e (D) reconstrução com retalho lateral do braço

4. Resumo
Quadro-resumo
- O tratamento das neoplasias pode ser feito por meio de medi-
das de controle locorregional (cirurgia e radioterapia) ou sistê-
mico (quimioterapia);
- São princípios básicos de cirurgia oncológica a biópsia adequa-
da, a remoção em bloco dos tecidos comprometidos com a lin-
fadenectomia regional e a reconstrução;
- É possível associar cirurgia com radioterapia intraoperatória ou
quimioterapia intraoperatória, em casos especiais;
- O manejo dos sarcomas pode ser complexo e exige equipe mul-
tidisciplinar;
- A biópsia deve ser cuidadosamente planejada para não com-
prometer o resultado final.

120
CAPÍTULO

2
Câncer de pele
Eduardo Bertolli

Ceratose actínica e cornos cutâneos podem preceder o


Pontos essenciais carcinoma espinocelular (Figuras 2B e C). A doença de Bo-
wen (Figura 2C) equivale ao carcinoma espinocelular in situ
- Principais aspectos do câncer de pele não melanoma; que, quando ocorre no pênis, recebe o nome de eritroplasia
- Principais aspectos na abordagem do melanoma. de Queyrat (Figura 1).
Papilomatose oral corresponde ao carcinoma in situ da
cavidade oral. A remoção cirúrgica é indicada para diagnós-
1. Introdução tico e tratamento das lesões.
As neoplasias de pele constituem o tipo de câncer mais
comum no Brasil. Infelizmente, a maioria dessas lesões é
negligenciada por parte do paciente ou, até mesmo, do mé-
dico que presta o 1º atendimento. Ainda hoje, é comum a
retirada de lesões cutâneas que não são enviadas para es-
tudo anatomopatológico.
Pelo comportamento biológico e pela incidência, as ne-
oplasias de pele podem ser divididas nos casos de não me-
lanomas e melanomas.

2. Lesões pré-malignas
As lesões cutâneas são queixas frequentes na prática
médica. Existem lesões benignas e outras de comporta-
mento incerto, que podem ser consideradas pré-malignas
(Tabela 1).

Tabela 1 - Lesões cutâneas benignas e pré-malignas


- Ceratose seborreica (Figura 2A); Figura 1 - Eritroplasia de Queyrat
- Nevo epidérmico linear (nevo verrucoso);
- Nevo comedônico;
Lesões benignas
- Acantoma de células claras;
- Cistos;
- Disceratoma verrucoso.
- Ceratose actínica;
- Leucoplasia oral;
- Papilomatose oral florida;
Lesões pré-malignas - Doença de Bowen;
- Eritroplasia de Queyrat;
- Corno cutâneo;
- Ceratoacantoma.

121
ONC O LOG I A

O CBC é o tipo mais comum, compreendendo 75% dos


tumores epiteliais malignos e localiza-se, preferencialmen-
te, em áreas do corpo expostas ao sol, como face, orelhas,
pescoço, couro cabeludo e tronco (Figura 3).
Clinicamente, o CBC foi classificado em papulonodular,
noduloulcerado, superficial, terebrante, vegetante, pigmen-
tado, esclerodermiforme, planocicatricial e cístico. Na forma
nodular, o CBC apresenta-se como pápula rósea, com bordas
perláceas e aparência translúcida com finas telangiectasias,
de progressivo crescimento. Conforme a progressão da lesão,
há a possibilidade de ulceração (forma noduloulcerativa). O
CBC tende a ser agressivo localmente, com baixa incidência
de metástases linfonodais e sistêmicas.

Figura 2 - Lesões benignas e pré-malignas: (A) ceratose seborreica;


(B) ceratose actínica; (C) doença de Bowen e (D) corno cutâneo

3. Câncer de pele não melanoma


Os principais tipos de câncer de pele não melanoma são
o carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular
(CEC).

122
CÂNCER DE PELE

Não há critério uniforme na literatura a respeito das


margens cirúrgicas de ressecção nos cânceres de pele não
melanomas. Como orientação geral, para um CBC nodular
bem definido, ≤2cm de diâmetro, margens de 4mm são
adequadas na maioria dos casos. Entretanto, para tumores
de alto risco de recidiva (subtipo esclerodermiforme, radio-
terapia prévia ou tumores já recidivados) o ideal é obter
margens cirúrgicas de 10mm.
Quanto ao CEC, normalmente a margem de 5mm tam-
bém costuma ser suficiente. Pacientes com linfonodos cli-
nicamente suspeitos, ou com diagnóstico confirmado após
estudo anatomopatológico, têm indicação de linfadenec-
Figura 3 - Apresentações do carcinoma basocelular: (A) nodular; tomia radical ou seletiva e avaliação quanto à radioterapia

ONCOLOGIA
(B) esclerodermiforme; (C) multifocal; e (D) plano cicatricial adjuvante.
A radioterapia também pode ser considerada 1ª opção
O CEC, além de aparecer nas áreas já descritas, aparece em alguns casos. Pacientes idosos, com múltiplas lesões,
também no lábio inferior, nos membros superiores, no pê- principalmente na face, podem beneficiar-se dessa mo-
nis e em locais que sofreram algum tipo de trauma, como dalidade terapêutica, pois, além da menor morbidade, há
queimaduras ou cicatrizes. Ao contrário do CBC, raramente menor defeito estético e menor necessidade de grandes
apresenta coloração perlácea translúcida e telangiectasias, reconstruções.
sendo a apresentação mais comum a presença de placas ou
nódulos com graus variáveis de crostas, erosão e ulceração 4. Melanoma maligno
(Figura 4). Seu componente biológico é mais agressivo, com
maiores chances de metástases a distância, sendo a metás- A - Introdução
tase linfonodal mais frequente que a visceral. O melanoma é a neoplasia maligna de pele mais agressi-
va, com altos índices de mortalidade (75% de todas as mor-
tes por câncer de pele). No Brasil, o estado com maior inci-
dência é o Rio Grande do Sul (8,61 casos/100 mil habitantes
no sexo masculino e 7,68 casos/100 mil habitantes do sexo
feminino), seguido de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Desenvolve-se a partir de melanócitos presentes na epi-
derme, globo ocular e, mais raramente, mucosas genital e
oral. A prevalência é maior em adultos, podendo originar-se
de um nevo pigmentado ou de um lentigo maligno. A expo-
sição solar intermitente e intensa, principalmente de crian-
ças de pele clara, aumenta o risco de melanoma. História
familiar de câncer de pele, mesmo não melanoma, também
aumenta o risco de desenvolver essa neoplasia.

B - Diagnóstico
Nas fases iniciais, a forma cutânea caracteriza-se por
proliferação de células na junção dérmico-epidérmica, que
logo invade os tecidos adjacentes. As células variam em
número e na pigmentação do citoplasma, os núcleos são
relativamente grandes e, frequentemente, têm formato bi-
zarro, com nucléolos acidófilos proeminentes, e as figuras
de mitose são numerosas.
Dentre os tipos de melanoma, o mais comum é o exten-
sivo superficial (70%), seguido do nodular (15%), lentigino-
so maligno (10%) e acral (5%). O tipo lentiginoso maligno
ocorre, principalmente, entre idosos com exposição prolon-
gada ao sol e é o de melhor prognóstico. O tipo nodular,
por sua vez, é o de pior prognóstico. O tipo acral ocorre fre-
Figura 4 - Carcinoma espinocelular: (A) na região temporal e (B) quentemente em extremidades, tem crescimento rápido e
no lábio inferior é mais comum entre negros.

123
ONC O LOG I A

São consideradas lesões suspeitas ao exame físico aque- Franco comprometimento da derme reticular por cé-
las que apresentam características didaticamente conheci- Nível IV
lulas tumorais.
das como a regra do ABCD (Assimetria, Bordas irregulares, Infiltração das células tumorais no tecido celular sub-
Coloração mal-definida com variação na tonalidade e Diâ- Nível V
cutâneo.
metro >6mm – Figura 5). Diante da suspeita clínica de me-
lanoma, é preciso investigar o tempo de aparecimento da O crescimento radial do melanoma atinge os níveis I e II
lesão e variações recentes, além de fatores de risco pessoal de Clark. Os níveis III, IV e V correspondem à fase de cresci-
e história familiar. mento vertical.
Breslow classifica o melanoma em função da profundi-
dade linear da invasão e consiste no principal fator prog-
nóstico. As lesões com espessura entre 0,1 e 0,4mm são de
melhor evolução; aquelas entre 0,5 e 0,75mm apresentam
risco intermediário; e lesões acima de 0,75mm, são de alto
risco para metástases linfonodais.
Outros fatores prognósticos são a presença de ulceração
e/ou regressão, taxa mitótica e margens comprometidas. O
laudo de anatomia patológica da lesão inicial deve fornecer
todas essas informações.
Para estadiamento sistêmico, preconizam-se o raio x de
tórax, a ultrassonografia abdominal e a dosagem de DHL.
Outros exames, como ressonância magnética de crânio e o
PET-CT, devem ser solicitados quando há forte suspeita clí-
nica de metástases linfonodais ou a distância.
Figura 5 - Lesões suspeitas de melanoma: (A) assimetria; (B) bor-
das irregulares; (C) coloração heterogênea e (D) diâmetro >6mm D - Tratamento
O tratamento adequado, após a biópsia excisional, con-
C - Estadiamento siste na ampliação de margens e na pesquisa de linfonodo
sentinela em alguns casos.
O estadiamento do melanoma tem importância prog- A medida da ampliação de margens depende da espes-
nóstica e orienta o tratamento. É feita uma análise anato- sura da lesão. Melanomas in situ devem ter as margens am-
mopatológica e do nível de invasão, de acordo com Clark e pliadas em 0,5cm; melanomas com infiltração de até 1mm
Breslow (Figura 6).
necessitam de 1cm de margem; infiltração de até 2mm ne-
cessita de 2cm de margem. Não há benefício comprovado
de ampliações maiores que 2cm, mesmo que a infiltração
seja superior a 2mm.
O conceito de linfonodo sentinela foi proposto por
Morton em 1992 e corresponde ao 1º linfonodo a receber
a drenagem linfática do tumor. Sua pesquisa está indicada
aos casos de melanoma com Breslow maior que 0,75 mm.
Com o novo estadiamento proposto pela AJCC-UICC, mela-
nomas com índice mitótico >1/10 CGA (ou acima de 0mm3)
também têm indicação de pesquisa de linfonodo sentinela,
independentemente da espessura. Outras indicações são
Figura 6 - Níveis de Clark e Breslow àqueles com Breslow menor que 0,75mm, mas com fatores
de risco como Clark IV ou V; fase vertical; ulceração ou re-
gressão e invasão angiolinfática.
Tabela 2 - Níveis de propagação em profundidade da lesão do me- O estudo do linfonodo sentinela pode ser feito no pré-ope-
lanoma segundo Clark
ratório pela linfocintilografia, que consiste no mapeamento
Proliferação intraepidérmica sem componente invasi- por medicina nuclear após a injeção de dextrana marcada com
Nível I
vo (melanoma in situ).
isótopo radioativo. Também pode ser feito no intraoperatório
Nível II Infiltração de células isoladas na derme papilar. por meio da injeção de azul patente no plano intradérmico. A
Comprometimento da derme papilar por células tu- associação dos 2 métodos permite a identificação do linfono-
Nível III
morais chegando próximas à derme reticular. do sentinela em cerca de 98% dos casos (Figura 7).

124
CÂNCER DE PELE

A retirada do linfonodo permite analisar seu compro-


metimento (histologia e imuno-histoquímica). Quando o
resultado é negativo, a segurança de que não há dissemina-
ção tumoral linfática é alta. Por outro lado, se ocorre conta-
minação metastática dos linfonodos estudados, indica-se o
esvaziamento linfonodal radical da cadeia comprometida.
Quando o paciente já apresenta linfonodos palpáveis
na região de drenagem linfática correspondente à região
do melanoma maligno, deve-se proceder ao esvaziamento
linfonodal radical. Nos acometimentos da região inguinal,
realiza-se o esvaziamento inguinal superficial e profundo na
cirurgia inicial de retirada da lesão.
Metástases a distância devem ser avaliadas caso a caso,

ONCOLOGIA
e a indicação de remoção depende de cada situação em
estudo, discutida em reunião multidisciplinar na instituição
hospitalar.
a) Quimioterapia
A quimioterapia complementar é empregada nos casos
de alto risco de recidiva e nos casos de doença sistêmica
(metástases). As drogas antitumorais têm pouco efeito na
doença metastática. Os agentes mais utilizados são dacar-
bazina (DTIC), nitrosureias, interleucina-2 e alfa-interferon
(taxas de resposta de 10 a 20%). Atualmente, o ipilimuma-
be vem ganhando espaço como a 1ª medicação capaz de
alterar a história natural da sobrevida de pacientes com
melanoma. Entretanto, seu uso não está disponível em lar-
ga escala e os efeitos colaterais ainda não são plenamente
conhecidos.
b) Perfusão/infusão isolada hipertérmica de membros
A autoperfusão e a infusão isolada de membros com hi-
pertermia, modalidades terapêuticas empregadas em cen-
tros especializados, são indicadas a pacientes que apresen-
tam recidiva em trânsito nos tecidos profundos dos mem-
bros inferiores ou satelitose, e sem evidência de doença
metastática visceral. Realiza-se a circulação extracorpórea
isolada do membro, e aplicam-se as drogas antineoplásicas
em hipertermia. Usa-se mais comumente o melfalana, as-
sociado ou não à dactinomicina.

5. Resumo
Quadro-resumo
- O câncer de pele é a neoplasia mais comum no Brasil;
- Os CBCs costumam apresentar agressividade local, mas baixo
potencial de metástases;
- Os CEC têm maior potencial de disseminação linfonodal e a
distância;
- O melanoma é o tumor de pele com maior mortalidade. O
tratamento dependerá da espessura da pele acometida e do
comprometimento linfonodal.
Figura 7 - Sequência da pesquisa de linfonodo sentinela: injeta-se
o azul patente no plano intradérmico, após a injeção prévia de ra-
diofármaco, e considera-se linfonodo sentinela aquele corado pelo
azul patente e com captação pelo gama-probe

125
ONC O LO G I A

CAPÍTULO

3
Mastologia
Flávia Fairbanks Lima de Oliveira Marino / Eduardo Bertolli

Parte I
Doenças benignas da mama
1. Doenças infecciosas da mama
As mastites dividem-se em 2 grandes grupos, agudas e crônicas, cujas características são descritas a seguir.
Tabela 1 - Principais características das mastites
Mastites agudas Mastite crônica recorrente Mastite da ectasia ductal
O agente mais frequente é o Staphylococcus
Etiologia: Gram negativos e anaeróbios. Não há processo infeccioso.
aureus.
90% em tabagistas, ocorre por metaplasia escamosa Dilatação crônica dos ductos
dos ductos terminais e consequente obstrução das terminais, acúmulos de detritos
Mais comum em primíparas. mamas (tabagismo), causando infecção crônica e e extravasamento para o tecido
recorrente com abscessos que se fistulizam para a intersticial, causando reação
região periareolar, drenando-se espontaneamente. inflamatória.
Ocorre, geralmente, entre a 2ª e a 5ª semanas Ocorre por volta da 6ª década de
4ª e 5ª décadas de vida e não associada à lactação.
de puerpério. vida.
Diagnóstico clínico: tumoração
Quadro clínico: dor local, febre, hiperemia, Diagnóstico clínico: abscesso com fístula periareolar,
dolorosa retroareolar com fibrose e
edema. febre baixa e linfonodomegalia dolorosa axilar.
retração papilar.
Tratamento:
- Suspensão das mamas;
- Drenagem do leite excedente;
- Limpeza adequada do mamilo;
- Não suspensão da amamentação; Tratamento:
- Calor local; - Cessação do tabagismo;
- Analgésicos e AINHs; - AINHs e antibióticos (metronidazol e cefalosporinas
Tratamento: AINHs e cuidados
- Antibióticos (cefalosporina de 1ª geração), de 1ª e 2ª gerações) para esfriar o processo
locais.
2g/dia, de 7 a 10 dias. infeccioso;
- Em caso de abscesso: - Ressecção cirúrgica dos ductos acometidos e do
· Drenagem cirúrgica; trajeto fistuloso.
· Cultura de secreção;
· Antibióticos de 2º espectro;
· Suspensão da amamentação;
· Compressa fria e agonista dopaminérgico.

A - Mastites agudas
Em geral, as mastites agudas são associadas à lactação. Na maior parte das vezes, ocorrem unilateralmente e apresen-
tam boa evolução, sendo mais frequentes em primíparas, por volta da 2ª e da 5ª semanas de puerpério (Figura 1A). As
mastites lactacionais são classificadas, segundo a Epidemiologia:

126
M A S T O LO G I A

a) Epidêmica -areolares. A dilatação é seguida de acúmulo de detritos da


A forma epidêmica está associada a infecções por cepas descamação do próprio ducto e subsequente rotura da pa-
altamente virulentas de Staphylococcus aureus em recém- rede ductal, com extravasamento de material para o tecido
-nascidos nos berçários e nas maternidades, sendo, portan- intersticial adjacente, ocasionando uma reação inflamató-
to, uma infecção hospitalar. Dessa forma, tende a ocorrer ria. Em geral, não há concomitância de quadro infeccioso.
precocemente, até o 4º dia de puerpério. O diagnóstico é O diagnóstico é clínico, e pode, muitas vezes, ser detec-
clínico, podendo ser realizadas cultura para abscessos e ul- tada tumoração dolorosa retroareolar com fibrose e retra-
trassonografia para confirmação. ção da papila. A mamografia mostra aumento da densidade
Realiza-se antibioticoterapia intravenosa segundo o an- na região retroareolar e pode ou não evidenciar ductos di-
tibiograma, e, devido à alta chance de recorrência, sugere- latados, enquanto a ultrassonografia mostra ectasia ductal.
-se a suspensão da amamentação com drogas agonistas O tratamento é feito com anti-inflamatórios e cuidados
dopaminérgicas e compressas frias. Não deve ser realizado locais. A cirurgia fica restrita aos casos com tumor associa-
o esvaziamento manual, o que pode estimular a produção do e em que não haja resposta ao tratamento clínico.

ONCOLOGIA
de leite. O abscesso é drenado e explorado cirurgicamente. c) Outras
b) Não epidêmica (esporádica) A mama pode, ainda, ser acometida por outros proces-
A forma esporádica é a mais comum e acontece, geral- sos inflamatórios e/ou infecciosos, porém em menor inci-
mente, após a 2ª semana de puerpério. Os agentes envol- dência. Dentre eles, podem-se citar a tuberculose mamária
vidos são o Staphylococcus aureus e, em menor frequência, que, frequentemente, causa o aparecimento de fístulas crô-
o Staphylococcus epidermidis e o Streptococcus do grupo B. nicas não periareolares (Figura 1B); as mastites parasitárias
A principal forma de contaminação é a inoculação da bacté- como miíase, filariose e outros; e a sífilis, que pode acome-
ria, a partir da orofaringe do lactente, por meio de fissuras ter a mama nas suas fases primária, secundária ou terciária.
do mamilo ou pelos orifícios ductais. O diagnóstico é feito Vale alegar ainda a mastite oleogranulomatosa, comum
da mesma maneira que o da forma epidêmica. em indivíduos de ambos os sexos que injetam silicone lí-
O tratamento pode ser realizado com antibioticoterapia quido, parafina ou cera de abelha nas mamas. Estas podem
por via oral ou intravenosa, nos casos mais severos. Não é ne- também ser acometidas por processos fúngicos, como can-
cessária a suspensão da amamentação, e o esvaziamento da didíase, e virais, como herpes-simples ou zóster. O trata-
mama comprometida deve ser estimulado. Em caso de abs- mento é específico para cada caso.
cesso, pode-se suspender temporariamente a amamentação
na mama acometida, e o acúmulo de pus deve ser drenado.

B - Mastites crônicas
a) Abscesso periareolar recidivante (recorrente)
É uma infecção crônica, com recorrências frequentes e
evolução para fístulas que, em geral, aparecem na transição
da aréola com a pele da mama. Acomete, principalmente,
as mulheres fumantes na 4ª e na 5ª décadas de vida, rara-
mente no sexo masculino. Não se associa à lactação, mas ao Figura 1 - Doenças inflamatórias da mama: (A) mastite puerperal
tabagismo, uma vez que este leva à metaplasia escamosa e e (B) tuberculose mamária
à obstrução por queratina nos ductos terminais da mama.
Consequentemente, ocorrem estase das secreções mamá-
rias, dilatação dos ductos terminais e colonização destes 2. Lesões benignas da mama
por bactérias, mais comumente anaeróbias e Gram nega-
tivas. O processo tende a fistulizar no local de menor resis- A - Cistos mamários
tência da pele, ou seja, na região periareolar.
O diagnóstico é clínico e, na fase de abscesso, deve ser São lesões consideradas decorrentes do processo de
tratado com antibioticoterapia (em geral, metronidazol e involução das mamas e são mais frequentes em mulheres
cefalosporinas de 1ª ou 2ª geração) e anti-inflamatórios. Es- na pré-menopausa, por volta dos 40 anos. Consistem na
friado o processo, realiza-se a cirurgia para a ressecção dos dilatação e no consequente acúmulo de secreção de uma
ductos acometidos e do trajeto fistuloso. É muito importan- unidade ductolobular terminal. Assim, são lesões arredon-
te que a paciente seja orientada e desestimulada a fumar. dadas, circunscritas e móveis, que podem ter consistência
amolecida ou endurecida ao exame físico.
b) Mastite da ectasia ductal A melhor maneira de diferenciá-los das lesões sólidas é por
Ocorre em mulheres por volta da 6ª década de vida, em meio da ultrassonografia das mamas, que mostra lesões cir-
decorrência da dilatação crônica dos ductos terminais infra- cunscritas e anecoicas, com reforço acústico posterior (Figura 2).

127
ONC O LOG I A

Quando muito pequenos (em geral, <3mm) ou quando o con- - Lesões arredondadas, circunscritas e móveis;
teúdo do cisto é espesso, pode ser difícil, mesmo à ultrassono- - USG de mamas é o melhor exame para diferenciar
Quadro
grafia, diferenciá-los de lesões sólidas. Nessa situação, a punção cistos de lesões sólidas na mama (lesão circunscrita
clínico
com agulha fina (PAAF) esclarece o diagnóstico. e anecoica com reforço acústico posterior);
- Cisto simples tem frequência de malignidade <1%.
- Conduta expectante na maioria dos casos.
- Indicar Punção Aspirativa com Agulha Fina
(PAAF):
1 - Cistos dolorosos.
2 - Cistos que causem prejuízo estético.
3 - Diferenciação de lesões sólidas.
- Cirúrgico:
1 - Citologia suspeita.
Tratamento
2 - Recidiva após 2 a 3 punções.
3 - Massa residual pós-punção.
4 - Vegetação intracística (não deve ser puncionado
previamente).
5 - Cistos gigantes (volume aspirado >50mL).
6 - Líquido sanguinolento no PAAF.
7 - Achados mamográficos suspeitos após o
Figura 2 - Aspecto ultrassonográfico de cisto mamário anecoico esvaziamento do cisto.
com reforço acústico

Os cistos podem ser classificados, segundo seu diâme- B - Fibroadenoma


tro, em microcistos e macrocistos. Os valores para tal classi- O fibroadenoma (FA) é o tumor sólido benigno mais fre-
ficação variam na literatura, podendo ser de 3mm, segundo quente das mamas e acomete cerca de 10 a 15% das mu-
Cooper, 5mm ou até 1cm, para Harris. Há ainda uma clas- lheres, sobretudo na faixa etária entre 20 e 30 anos. Alguns
sificação de acordo com as características histológicas dos autores não o consideram um tumor propriamente dito,
cistos, que os divide em tipo I, ou apócrinos, e tipo II. Os do mas o classificam, juntamente com os cistos, nas chama-
tipo I são mais associados à multiplicidade e às recidivas. das Alterações do Normal Desenvolvimento e Involução das
A conduta pode ser expectante ou ativa, por meio PAAF. mamas (ANDI).
Esta última é reservada a cistos dolorosos ou que causem Na maioria das vezes, são lesões unilaterais, móveis,
prejuízo estético à paciente, ou ainda quando se deseja bem delimitadas, ovais ou lobuladas, de consistência fibro-
diferenciá-los de lesões sólidas (Figura 3). A frequência de elástica, que atingem dimensões de até 3cm (Figura 4B).
malignidade em cistos simples é menor do que 1%, o que
Quando acometem mulheres mais jovens e apresentam
leva alguns autores a não sugerirem, de rotina, a análise ci-
crescimento rápido e tamanhos superiores a 5cm, deve-se
tológica do líquido do cisto, desde que seja citrino.
suspeitar da variante juvenil do FA.
Após a punção, a paciente deve ser reavaliada dentro de
São lesões hormônio-dependentes que, microscopica-
3 a 6 semanas quanto à recidiva.
mente, apresentam componente epitelial e conjuntivo e
expressam receptores para estrogênio e progesterona.

Figura 3 - Conduta nos cistos

Tabela 2 - Lesões benignas da mama


- Mais frequente na pré-menopausa (4ª década de
Incidência
vida).

128
M A S T O LO G I A

ONCOLOGIA
Figura 4 - Fibroadenoma de mama: (A) aspecto ultrassonográfico
(lesão de forma geralmente elíptica com sombra acústica) e (B)
aspecto macroscópico

Quanto à relação com doenças malignas da mama, pa-


rece haver um risco aumentado, porém pequeno, de desen-
volvimento de carcinoma. A transformação do próprio FA em
lesão maligna é rara (0,1%); quando ocorre, o tipo mais fre-
quente é o carcinoma lobular in situ – lesão de risco, mas não
considerado um câncer – em mulheres acima dos 40 anos.
Embora se chegue com altos índices de certeza ao diag-
nóstico de um FA, por meio do quadro clínico e da ultrassono-
grafia, recomenda-se o tríplice diagnóstico, somando-se aos
2 métodos citados a PAAF ou a biópsia com agulha grossa.
Na certeza diagnóstica, a conduta pode ser expectante,
com seguimento clínico e ultrassonográfico semestral nos
Figura 5 - Aspecto mamográfico dos tumores phyllodes
primeiros 2 anos, em mulheres jovens (Figura 4A). A litera-
tura apresenta divergências quanto a partir de que idade
deve ser preconizada a exérese cirúrgica do FA, variando D - Papiloma
entre 25, 35 e 40 anos de idade. De qualquer modo, se a
paciente se sente ansiosa quanto à presença do FA, se há O papiloma é uma lesão proliferativa dos ductos maio-
prejuízo estético ou, ainda, se a paciente apresenta fatores res, subareolares, em geral única, que acomete mulheres
de risco para o desenvolvimento de câncer de mama, a exé- na pré-menopausa e se manifesta como fluxo papilar he-
rese deve ser recomendada, independentemente da idade. morrágico, espontâneo e intermitente. Pode haver espessa-
mento retroareolar palpável. Em pacientes após os 60 anos,
C - Tumor phyllodes com fluxo papilar sanguinolento, o diagnóstico diferencial
deve ser feito com carcinoma papilífero.
O tumor phyllodes, também denominado Cystosarcoma Em cerca de 10% das vezes, encontra-se a chamada
phyllodes em razão das projeções foliáceas de tecido tumo- papilomatose ou a síndrome do papiloma múltiplo. Nesse
ral no interior de cavidades císticas, é uma neoplasia mista caso, as lesões são múltiplas e periféricas, e o fluxo papilar
de tecido epitelial e conectivo, caracterizando-se por um é menos frequente. A papilomatose tem maior associação a
crescimento rápido e podendo apresentar grandes dimen- carcinoma ductal in situ e lesões atípicas da mama.
sões no momento do diagnóstico (Figura 5). Seu crescimen- O tratamento consiste na exérese cirúrgica do ducto
to depende de alguns fatores, como traumatismo, lactação acometido.
e gravidez. É um tumor raro, que representa 0,5% de todos
os tumores mamários. A recidiva é frequente, porém rara-
mente metastatiza e, quando isso ocorre, geralmente é por
3. Dor mamária
via hematogênica. A bilateralidade é rara, representando A dor mamária compreende uma das principais queixas
cerca de 1%. em consultórios de ginecologistas e mastologistas e desper-

129
ONC O LOG I A

ta grande preocupação por parte das pacientes. O 1º passo no mínimo, 4 meses. Em menor frequência, utilizam-se ago-
na abordagem da mulher com dor mamária consiste na ten- nistas dopaminérgicos, complexos vitamínicos, analgésicos,
tativa de determinar se, de fato, a dor é de origem mamária anti-inflamatórios, diuréticos e antiestrogênicos.
ou não. Quadros inflamatórios da parede torácica, nervos
intercostais e de outras estruturas podem causar dor re- Tabela 3 - Alteração funcional benigna das mamas
ferida nas mamas, sem que estas estejam acometidas por Principal causa de dor mamária na menacme, antigamente
qualquer processo patológico. A dor mamária pode ser cí- chamada de displasia mamária: dor cíclica e intumescimento
clica (dor piorada no período pré-menstrual) e acíclica (não mamário, principalmente pré-menstrual, bilateral.
relacionada com o período menstrual). A dor acíclica pode Principais hormônios envolvidos: estrogênio e, em 2º plano, a
estar relacionada a afecções mamárias próprias (processos prolactina (retenção hídrica e de sódio e produção de mediadores
inflamatórios, traumas etc.) ou a afecções ligadas à pare- inflamatórios).
de torácica (mialgias, neurites, dores ósseas e articulares, Fatores emocionais potencializam a reação dolorosa (não é um
dermatites e flebites). A intensidade pode ser: leve (mais evento psicossomático).
comum) – não interfere nas atividades diárias da paciente; Fatores agravantes:
moderada – incomoda, mas sem interferir nas atividades - Cafeína e outras metilxantinas;
diárias; e intensa – interfere nas atividades diárias, sendo - Estresse;
necessário o frequente uso de medicamentos. - Tabagismo;
- Hipotireoidismo.
A - Alteração funcional benigna das mamas Quadro histológico: fibrose, proliferação epitelial leve e
microcistos.
A principal causa de dor mamária em mulheres na me-
Não eleva o risco de câncer de mama.
nacme são as chamadas Alterações Funcionais (ou Fibro-
císticas) Benignas das Mamas (AFBM), termo que substitui, Diagnóstico: principalmente clínico.
desde 1994, o antigo termo displasia mamária. Embora Tratamento:
algumas pacientes ainda o utilizem, há confusão, uma vez - Orientação verbal, esclarecimento e tranquilização do paciente
em 1º plano.
que engloba, sob a mesma denominação, lesões com dife-
- Sintomáticos (restritos a pacientes com sintomatologia intensa):
rentes riscos para o desenvolvimento de câncer de mama.
· Ácido gamalinoleico;
Assim, com o conhecimento anatomopatológico das dife- · Analgésicos e AINHs;
rentes lesões mamárias, as lesões foram renomeadas, e · Diuréticos ou ansiolíticos;
apenas algumas alterações se encaixam, hoje, na denomi- · ACO (se desejar anticoncepção);
nação AFBM. · Casos graves: antiestrogênicos (tamoxifeno, danazol).
A AFBM caracteriza-se por quadro de dor cíclica geral-
mente acompanhada de intumescimento mamário, sobre- B - Ectasia ductal
tudo no período pré-menstrual. Sua fisiopatologia envolve
Ectasia ductal é a dilatação dos ductos com consequen-
fatores emocionais e hormonais, que levam à retenção hí-
drica e de sódio e à produção de substâncias mediadoras te acúmulo de secreção e inflamação periductal (Figura 6).
de inflamação nas células mamárias. O principal hormônio Geralmente, é assintomática, podendo ser causa de dor
envolvido é o estrogênio, seguido pela prolactina. não cíclica. Acomete, principalmente, mulheres na pós-
A mastalgia da AFBM não é um evento psicossomático, -menopausa. O tratamento é feito com analgésicos e anti-
mas os fatores emocionais desempenham um papel impor- -inflamatórios e, raramente, por meio da exérese cirúrgica
tante, potencializando a reação dolorosa. Não raramente, a dos ductos acometidos.
mastalgia é apenas a exteriorização do medo de desenvol-
ver câncer de mama. A ingesta excessiva de metilxantinas
e de cafeína parece estar relacionada à maior sensibilidade
das mamas aos hormônios.
O quadro histológico consiste em fibrose, proliferação
epitelial leve e microcistos, alterações que não elevam o ris-
co de desenvolvimento de câncer de mama. Esse dado é de
extrema importância durante a abordagem. A 1ª conduta
na AFBM deve ser sempre a orientação verbal e esclareci-
mentos; a terapêutica medicamentosa fica restrita aos ca-
sos que não responderem ou aos quais a sintomatologia for
muito intensa.
Na falha da orientação verbal, a droga mais utilizada é o
ácido gama-linoleico, que aumenta a síntese de prostaglan-
dina E1 pelas células da mama. O tratamento deve ser de, Figura 6 - Aspecto ultrassonográfico da ectasia ductal

130
M A S T O LO G I A

C - Dor de origem extramamária sarcomas também são tumores malignos que podem com-
prometer as mamas, porém se originam do componente es-
Os principais diagnósticos diferenciais incluem: tromal e perfazem 0,5 a 1% do total das afecções malignas
- Costocondrite (síndrome de Tietze); desses órgãos.
- Radiculopatia cervical; Podem ainda ser sede de metástases de outros tumo-
- Neurite intercostal; res, como linfoma e carcinoma espinocelular de diferentes
- Tromboflebite da veia epigástrica superficial (doença órgãos. A incidência delas é ainda mais rara.
de Mondor); O câncer de mama é a principal causa de morte por cân-
- Angina, dispepsia e pleurite. cer entre as mulheres no Brasil. Os dados do INCA estima-
O tratamento é específico para cada etiologia. vam, para 2010, 49.240 novos casos com uma incidência de
68,04 casos para 100.000 mulheres, somente no estado de
4. Alteração da fisiologia mamária: galac- São Paulo.
A incidência aumenta com o decorrer da vida, sendo
torreia

ONCOLOGIA
de 1:6.000 aos 30 anos, chegando a 1:8 aos 80 (dados de
Denomina-se galactorreia a produção inapropriada, não estatística americanos; no Brasil, é de, aproximadamente,
fisiológica de leite. Em geral, é multiductal e bilateral, uma 1:20). Metade do risco durante toda a vida acontece após
vez que é provocada por ação hormonal. Múltiplos fatores os 50 anos.
estão envolvidos na síntese e na liberação de prolactina, e, As maiores incidências estão nos EUA e no Norte Euro-
dessa forma, existem diferentes patologias que podem le- peu, seguidas do Sul e Leste Europeus e América do Sul;
var à galactorreia. as menores incidências são encontradas no continente asi-
A secreção de prolactina pode estar aumentada pela ático. No Brasil, a incidência global, a partir dos 35 anos,
presença de adenomas hipofisários ou por hipotireoidismo. é de 60 a 100/100.000 mulheres-ano. As regiões de maior
Inúmeros medicamentos podem ter, como efeito adverso, incidência da doença são, em ordem decrescente, Sudes-
inibição da produção e/ou dos receptores de dopamina com te, Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Norte. A maior incidência
consequente aumento da secreção de prolactina e galactor- está no Rio Grande do Sul, com 81,57 casos novos/100.000
reia, uma vez sabido que a dopamina inibe a produção de mulheres-ano.
prolactina pelo hipotálamo. Os principais são fenotiazina e
derivados – metildopa, opioides, reserpina e derivados, an- 2. História natural e fatores de risco
fetaminas, benzodiazepínicos e antidepressivos tricíclicos.
Todo câncer de mama tem origem genética, embora
Anticoncepcionais orais combinados, sobretudo os de do-
apenas 10 a 15% sejam de causa familiar. Isso significa que,
sagens mais elevadas, podem elevar os níveis de prolactina,
para que um câncer possa surgir, é necessária uma altera-
causando secreção inapropriada de leite.
Outras situações menos frequentes, mas que podem ção no DNA da célula. Porém, em apenas 10 a 15% das ve-
zes, tal alteração é herdada das gerações anteriores.
causar galactorreia, são estresse, tumores renais ou pul-
monares e estímulo persistente e prolongado dos mamilos A célula mamária alterada geneticamente perde sua ca-
como sucção, presença de cicatrizes, herpes-zóster e, até pacidade de reparo do DNA e de autorregulação da morte
mesmo, piercing. celular. Com essa perda de controle da proliferação, ocorre
O tratamento consiste, na maioria das vezes, no uso de um crescimento indiscriminado daquele clone de células, as
drogas agonistas dopaminérgicas, e a cirurgia transesfenoi- quais, à medida que se tornam mais indiferenciadas, adqui-
dal fica reservada a casos raros, uma vez que seu índice de rem capacidade de invadir tecidos vizinhos e de enviar me-
recidiva é bastante elevado. As principais drogas são a bro- tástases a distância. No caso do câncer de mama, a principal
mocriptina e a cabergolina, com menos efeitos colaterais e via de disseminação a distância é a cadeia linfática axilar.
maior facilidade posológica. Até o momento, foram identificados alguns genes envol-
vidos no processo de carcinogênese mamária. Os principais
são BRCA-1, BRCA-2, pT53, C-erb B2, bcl-2, ras e c-myc.
Parte II No entanto, nem todas as mulheres com células geneti-
camente alteradas desenvolvem câncer de mama. Sabe-se
Doenças malignas da mama que, além do dano ao DNA, alguns fatores estimulam essas
células a se reproduzirem. São os chamados fatores de pro-
1. Introdução moção, e o principal envolvido no carcinoma de mama é o
estrogênio. Este, portanto, não causa lesão genética, mas
As mamas podem ser sede de diferentes doenças ma- estimula a proliferação de células previamente alteradas.
lignas. As mais comuns são representadas pelos carcino- Dessa forma, os fatores de risco para câncer de mama
mas, tumores malignos originados nas células epiteliais dos são aqueles que aumentam a chance da mulher ser geneti-
ductos e lóbulos mamários. Correspondem a cerca de 98% camente alterada ou que a submetem a uma exposição es-
dos casos e podem apresentar diferenças histológicas. Os trogênica prolongada (Tabela 4). Hoje, sabe-se que a proges-

131
ONC O LOG I A

terona, considerada como exercendo efeito protetor nas cé- à microscopia, de invasão da membrana basal. Do ponto de
lulas mamárias até alguns anos, na verdade age em conjunto vista histológico, o CDIS apresenta diferentes padrões, sen-
com o estrogênio na promoção do carcinoma de mama. do mais comum a classificação que o divide em comedocar-
cinoma, sólido, micropapilar, cribiforme, papilífero.
Tabela 4 - Fatores de risco para o câncer de mama Atualmente, alguns patologistas não utilizam essa dife-
A proporção de câncer de mama entre mu- renciação; pode-se encontrar comedonecrose nos diferen-
Sexo
lheres e homens é de 100:1. tes padrões, não mais como um subtipo independente.
Idade O risco é maior entre mulheres de 45 a 55 anos. De qualquer maneira, a identificação de áreas de come-
Menarca precoce Após 55 anos, há aumento de 3% no Risco Re- donecrose, como um padrão independente ou como parte
e menopausa lativo (RR) por ano retardado. O risco é menor de outro, é de extrema importância, uma vez que os tumo-
tardia para as menopausadas antes dos 45 anos. res com comedonecrose têm maior chance de recidiva e de
História repro- Há maior risco para nuligestas e menor para microinvasão do que os que não apresentam esse padrão
dutiva as que tiveram a 1ª gestação até os 25 anos. (comedocarcinoma).
Terapia de repo- Após 5 anos de uso, há aumento de RR de Em 65% das vezes, o CDIS é detectado na sua forma sub-
sição hormonal 1,35 em mulheres sadias. clínica, por meio de mamografias de rastreamento. Quando
Evidências de discreto aumento no risco clinicamente evidente, pode aparecer como fluxo papilar, ge-
Contraceptivos
para usuárias de ACOs de alta dosagem (eti- ralmente espontâneo, uniductal e unilateral, tipo “água de
hormonais orais
nilestradiol, 50mg), após 5 a 10 anos de uso. rocha” ou sanguinolento, ou ainda como nódulo palpável.
Radiação ioni- Aumento do risco em idades precoces. A ra- A mamografia mostra microcalcificações pleomórficas,
zante diação da mamografia não aumenta o risco. lineares ou indeterminadas ou, mais raramente, nódulo ou
Câncer de mama assimetrias focais.
O RR é 5 vezes maior.
prévio O diagnóstico pode ser feito por meio de biópsia por
A hiperplasia atípica confere aumento do RR agulha grossa (core-biopsy), biópsia a vácuo (mamotomia)
Presença de
de 4 a 5 vezes. Esse risco aumenta para 11 ou biópsia cirúrgica. No caso de microcalcificações, a aná-
lesões mamárias
se, além disso, há parente de 1º grau com lise intraoperatória de congelação é bastante falha; dá-se
com atipia
câncer de mama. preferência ao estudo anatomopatológico em parafina. A
O risco é maior se mãe, irmãs ou filhas tive- PAAF, muito utilizada no passado, permite a identificação
Antecedente fa-
ram a doença, sobretudo na pré-menopausa de células neoplásicas, mas não a diferenciação do tumor
miliar de câncer
e se foi bilateral. RR de 2 a 4 vezes; se houver in situ e invasivo.
de mama
2 parentes, o RR aumenta para 14. O tratamento deve ser adequado a cada caso, a de-
Com presença de BRCA-1 e BRCA-2 mutados pender das características anatomopatológicas da lesão. A
(85% de risco ao longo da vida). Recente meta- fim de diminuir as recidivas locais pós-tratamento do CDIS,
História compro- -análise mostrou uma taxa de risco menor, de Silverstein propôs o índice prognóstico de Van Nuys, que
vada de heredita- 55% de risco até os 70 anos para BRCA-1 e de
confere um escore de risco de recidiva local para os CDIS,
riedade 47% para BRCA-2. A ausência de mutação nes-
considerando tamanho do tumor, características histológi-
ses genes não exclui a paciente do grupo de
risco, quando outros fatores estão presentes. cas e distância das margens cirúrgicas (Tabela 5). Em 2003,
esse índice foi modificado, passando a levar em conta, tam-
Obesidade, dieta
Aumento de risco, sobretudo na pós-meno- bém, a idade das pacientes, sendo de maior risco aquelas
rica em gordura,
pausa. com idade inferior a 40 anos. Assim, os tumores são pon-
álcool
tuados seguindo parâmetros e, então, analisados quanto
Diversos modelos estatísticos tentam predizer o risco a maior ou menor probabilidade de recidivar localmente.
de uma mulher desenvolver câncer de mama ao longo da Os de maior probabilidade são tratados de maneira mais
vida. Os mais utilizados são o de Gail, Claus, BRCAPRO e agressiva (incluindo radioterapia ou mastectomia) do que
de Tyrer-Cuzick; este último é o que apresenta maior acu- os outros (Tabela 6).
rácia. De qualquer forma, nenhum deles foi desenvolvido
para a população brasileira, com isso podem apresentar Tabela 5 - Índice de Van Nuys
distorções. 1 2 3
Tamanho
≤15 16 a 40 ≥40
(mm)
3. Tipos histológicos
Margem
≥10 1a9 ≤1
(mm)
A - Carcinoma ductal in situ Alto grau
Baixo grau sem Baixo grau com
O Carcinoma Ductal In Situ (CDIS) caracteriza-se pela Histologia com ou sem
comedonecrose comedonecrose
comedonecrose
presença de células tumorais intraductais, sem evidência,

132
M A S T O LO G I A

Tabela 6 - Tratamento de CDIs, segundo índice de Van Nuys nam-se aumentados, endurecidos e coalescentes, quando
Soma dos pontos Tratamento* comprometidos pela neoplasia.
3a4 Conservador Quanto aos exames complementares, a mamografia tí-
5a7 Cirurgia conservadora + radioterapia
pica de CDI mostra nódulo de alta densidade radiológica,
espiculado, podendo ou não conter microcalcificações. Fre-
8a9 Mastectomia
quentemente, quando presentes, estas manifestam áreas
8 a 9 com comedonecrose Mastectomia + linfonodo sentinela de extensão intraductal. A mamografia pode, ainda, mos-
* Deve-se realizar a análise de receptores tumorais nos tumores. trar área de distorção do parênquima, geralmente com o
Se positivo, associar hormonoterapia após o tratamento proposto. centro de alta densidade. Ao ultrassom, os nódulos são hi-
poecogênicos, irregulares ou arredondados, com margens
Quando a soma dos pontos for 3 ou 4, realiza-se tra-
indefinidas, e produzem sombreamento acústico posterior.
tamento conservador; entre 5 e 7, cirurgia conservadora e
irradiação das mamas; e 8 ou 9, indica-se a mastectomia.
Nos casos extensos e com comedonecrose, pela possi-

ONCOLOGIA
bilidade de focos de microinvasão não detectadas, faz-se
a análise do linfonodo sentinela ou esvaziamento axilar do
nível I de Berg. O Linfonodo Sentinela (LS) é o 1º linfonodo
axilar para onde drena a linfa e a metástase do câncer de
mama, geralmente contido no nível I de Berg.
Apenas nos tumores receptores hormonais positivos está
indicada a hormonoterapia após o tratamento primário, a
fim de diminuir os riscos de recidiva e de novos tumores. Figura 7 - Apresentações clínicas do câncer de mama

B - Carcinoma lobular in situ O diagnóstico histológico é feito por core-biopsy, mamo-


Na verdade, o Carcinoma Lobular In Situ (CLIS) é uma tomia ou biópsia incisional ou excisional e exame de conge-
lesão de risco para o desenvolvimento de carcinoma inva- lação ou parafina.
O CDI metastatiza, principalmente, para ossos, pleura,
sor, não um câncer propriamente dito. Não apresenta sin-
pulmão e fígado. A pesquisa primária de metástases é feita
tomatologia nem achado mamográfico característico. Na
por meio de radiografia de tórax, cintilografia óssea, ultras-
maioria das vezes, é detectado quando da biópsia por outra
som de abdome e dosagem do marcador tumoral CA-15-3.
lesão ou sintomas suspeitos. O risco de desenvolvimento
de carcinoma invasor é de 10 a 25%, podendo ser ductal ou
D - Carcinoma lobular invasivo
lobular, homo ou contralateral à lesão.
Detectado o CLIS, deve ser oferecido à paciente segui- O Carcinoma Lobular Invasivo (CLI) corresponde a 5 a
mento com exame clínico semestral e mamografia anual, 10% dos casos de câncer de mama. Microscopicamente, di-
complementada com ultrassom de mamas e ressonância fere do CDI por apresentar células pequenas e monótonas,
magnética, se necessário. Tamoxifeno profilático deve ser em arranjo linear tipo “fila indiana”. Apresenta alta porcen-
oferecido, considerando sempre os riscos e os seus bene- tagem de multifocalidade e bilateralidade. Clinicamente,
fícios. apresenta-se como espessamento mal definido, muitas ve-
zes de difícil percepção ao exame clínico.
C - Carcinoma ductal invasivo ou infiltrante A mamografia mostra, mais comumente, área de assi-
metria focal e distorção. O ultrassom pode mostrar área de
O Carcinoma Ductal Invasivo ou Infiltrante (CDI) é o
alteração textural. Para o diagnóstico anatomopatológico,
tipo mais frequente dentre os tumores malignos da mama
utilizam-se os mesmos métodos descritos para CDI.
(75%). Histologicamente, caracteriza-se pela presença de
células neoplásicas com intenso pleomorfismo, formação E - Outros
tubular e grupos pouco coesos, com invasão da membrana
basal e estroma adjacente. É frequente a presença de áreas Em frequência bem mais baixa, variando de 2 a 5%, en-
de CDIS estendendo-se além dos limites do CDI (componen- contram-se outros subtipos histológicos:
te intraductal extenso). - Carcinoma tubular;
O quadro clínico mais comum é um nódulo único, de - Carcinoma medular;
consistência pétrea, pouco móvel e indolor. Os nódulos - Carcinoma mucinoso ou coloide;
tornam-se clinicamente evidentes a partir de 1cm e podem - Carcinoma papilar;
ser detectados precocemente por meio de exames de ras- - Carcinoma apócrino.
treamento. Outros sintomas que podem estar associados
ao CDI são retração ou abaulamento de pele e fluxo papilar Esses tipos não apresentam quadros clínico ou radio-
semelhante ao do CDIS (Figura 7). Os gânglios axilares tor- lógico específicos e podem apresentar-se como quaisquer

133
ONC O LOG I A

dos achados já descritos. Os 4 primeiros tipos têm menor Com o intuito de identificar tais pacientes, foi desenvol-
incidência de comprometimento axilar e, portanto, melhor vido um teste genético (21 genes) denominado Oncotype-
prognóstico. -DX. Aplicado em mulheres com tumores positivos para
receptor de estrogênio, axila negativa, o teste confere um
F - Tipos especiais: carcinoma inflamatório e do- escore de risco de recorrência. Com base nesses resulta-
ença de Paget dos, a equipe médica poderá, então, adotar uma conduta
mais agressiva quanto à prescrição de quimioterapia para
a) Carcinoma inflamatório pacientes que, se julgadas apenas pelo status axilar, não se-
O mais agressivo dos tumores malignos da mama carac- riam submetidas a tal tratamento.
teriza-se por evolução rápida e prognóstico desfavorável, O estudo NSABP-20 determinou os níveis de corte como
com mortalidade de cerca de 90% em 1 ano se não trata- baixo risco (≤18), intermediário (entre 18 e 31) e alto risco
do com quimioterapia. Em 50% dos casos, há envolvimento (≥31). As pacientes que se enquadram no escore de alto ris-
axilar no momento do diagnóstico e, em 25%, metástases co devem receber quimioterapia adjuvante.
a distância. A frequência é rara: corresponde a 1 a 3% dos
tumores malignos da mama. B - Tamanho do tumor
Clinicamente, caracteriza-se por aumento súbito do vo- Quanto maior o tumor, maiores as chances de compro-
lume mamário, dor, eritema, espessamento difuso da pele metimento axilar.
(peau d’orange) e calor local. A mamografia mostra espes-
samento da pele e aumento difuso da densidade. Deve-se Tabela 7 - Relação entre tamanho tumoral e comprometimento
iniciar o tratamento com quimioterapia neoadjuvante, pois axilar
a doença é considerada sistêmica desde o diagnóstico. Se- Tamanho do tumor (cm) % de comprometimento axilar
gue-se, então, com cirurgia e/ou radioterapia, seguida de ≤1 20%
quimioterapia adjuvante. Comumente, são tumores recep- ≤3 Até 50%
tores negativos para estrogênio e progesterona, mas as pa-
cientes com positividade dos mesmos podem se beneficiar C - Tipos histológicos
de hormonoterapia adjuvante.
Os de pior prognóstico são lobular invasivo e ductal in-
b) Doença de Paget vasivo; os subtipos medular, mucinoso, tubular e papilar
A doença de Paget caracteriza-se por alterações eczema- puros têm melhor prognóstico. Mais do que o tipo histoló-
tosas da aréola e da papila, é geralmente unilateral e corres- gico, hoje em dia, busca-se analisar o comportamento tu-
ponde a até 4% dos casos de câncer de mama. Associa-se à moral com base na expressão de seus genes. Dessa forma,
lesão palpável em 48% dos casos. As células de Paget são cé- fala-se, atualmente, em assinatura genética do câncer de
lulas in situ e, frequentemente, estão associadas a CDIS. Pode mama. Usando microensaios baseados na expressão gênica
ocorrer a associação com carcinoma ductal invasivo. dos tumores, diversos autores classificaram os tumores de
O diagnóstico é clínico, e a confirmação ocorre por meio mama em luminal A, luminal B, basal (basaloide ou triplo
de biópsia da pele da aréola. No tumor adjacente, a massa negativo), HER-2 positivo e normal-like. Os tumores basa-
deve sofrer biópsia. A mamografia e a ultrassonografia po- loides e os que apresentam superexpressão de gene ERBB2
dem ser normais ou mostrar nódulo suspeito, geralmente são os de pior prognóstico.
retroareolar.
O prognóstico está mais relacionado à lesão subjacente D - Grau histológico e nuclear
do que à extensão da doença na pele. Desse modo, o tra- Quanto mais indiferenciado, pior o prognóstico. Assim,
tamento é feito de acordo com o tipo e o estadiamento do os de grau III têm sobrevida livre de doença e sobrevida glo-
tumor associado. Se houver apenas a lesão areolopapilar, bal consideravelmente menores do que os de graus I e II.
poderá ser realizada a quadrantectomia central.
E - Receptores hormonais
4. Fatores prognósticos
Melhor prognóstico para mulheres com tumores recep-
A - Status axilar tores positivos para estrogênio e progesterona, pois podem
beneficiar-se com antiestrogênicos.
É o principal fator prognóstico. As pacientes com 1 a 3
linfonodos comprometidos têm prognóstico melhor do que
aquelas com 4 ou mais. Embora se saiba que o status axilar
F - C-erb B2
é ainda o fator prognóstico mais importante, algumas pa- Os tumores com elevada expressão desse gene têm maior
cientes com axila negativa comportam-se como axila positi- chance de não responderem adequadamente à quimiotera-
va no que se refere à recorrência e à Sobrevida Livre de Do- pia; são, portanto, tumores de pior prognóstico. Cerca de
ença (SLD) e, portanto, podem beneficiar-se de tratamento 25% dos tumores ductais invasivos de mama apresentam su-
quimioterápico adjuvante. perexpressão desse gene. Há 2 técnicas para identificá-lo: o

134
M A S T O LO G I A

Herceptest, que identifica por imuno-histoquímica e confere - N1: micrometástase ou metástase para linfonodos au-
um escore em cruzes, podendo variar de zero a 3, e são consi- xiliares ipsilaterais móveis:
derados positivos os casos 3+; e o teste que se baseia em téc- • N1mi: micrometástase ≥0,2mm, mas <2cm;
nica de imunofluorescência (FISH). Apresenta maior acurácia • N1a: de 1 a 3 linfonodos axilares comprometidos,
e custo bem mais elevado, ficando como 2ª linha, quando nenhum >2mm;
o Herceptest é duvidoso (2+). As pacientes que apresentam • N1b: metástases macro ou micro em cadeia mamá-
FISH positivo ou Herceptest 3+ beneficiam-se do tratamento ria interna, detectada por linfonodo sentinela, mas
adjuvante com o anticorpo monoclonal trastuzumabe. sem evidência clínica;
Os fatores tipo histológico, BRCA e P53 mostraram-se de • N1c: de 1 a 3 linfonodos axilares e em mamária in-
menor valor prognóstico do que os outros, ficando a maior terna, detectada por linfonodo sentinela, mas sem
importância para o status axilar, o tamanho do tumor e o evidência clínica.
grau histológico.
- N2: metástases axilares ipsilaterais ou mamária interna:

ONCOLOGIA
5. Estadiamento • N2a: metástase para 4 a 9 linfonodos axilares ipsi-
laterais coalescentes ou aderidos a estruturas adja-
O carcinoma de mama é estadiado segundo o sistema centes, pelo menos um >2mm;
TNM, desenvolvido na França entre 1943 e 1952 e atualiza- • N2b: metástases clinicamente aparentes na cadeia
do de tempos em tempos. Atualmente, usa-se a 7ª edição, ganglionar da mamária interna na ausência de me-
proposta a partir de 2010 pelo American Joint Committee tástase axilar.
on Cancer (AJCC – Tabela 8).
- N3: metástase infraclavicular ipsilateral, ou axilar e
A - Classificação T – Tumor primário mamária interna cinicamente detectáveis, ou supra-
clavicular:
- Tx: tumor primário não pode ser avaliado; • N3a: metástase para linfonodo infraclavicular ou
- T0: não há evidência de tumor primário; acima de 10 linfonodos axilares;
- Tis: carcinoma in situ: • N3b: metástase para linfonodos da mamária inter-
• Carcinoma ductal in situ; na e axilar;
• Carcinoma lobular in situ; • N3c: metástase para linfonodo supraclavicular.
• Doença de Paget da papila sem tumor associado. ** Casos em que a metástase linfonodal consiste apenas de células
- T1: tumor ≤2cm: tumorais isoladas ou formando agrupamentos <0,2mm, que, em
• T1mic: carcinoma microinvasor, ≤0,1cm; sua maioria, são detectados pela imuno-histoquímica (I) ou por
biologia molecular (MOL), são classificados como pN0, pois,
• T1a: tumor maior que 0,1cm e ≤0,5cm;
tipicamente, não mostram evidência de atividade metastática.
• T1b: tumor maior que 0,5cm e ≤1cm;
• T1c: tumor maior que 1cm e ≤2cm. C - Classificação M – Metástase a distância
- T2: tumor maior que 2cm e ≤5cm; - Mx: metástase a distância não pode ser avaliada;
- T3: tumor >5cm; - M0: ausência de metástase a distância;
- T4: tumor de qualquer tamanho, com extensão para: - M1: presença de metástase a distância.
• T4a: parede torácica;
Tabela 8 - Classificação por estadios
• T4b: edema ou ulceração da pele;
Estadio 0 Tis N0 M0
• T4c: 4a + 4b;
Estadio I T1* N0 M0
• T4d: carcinoma inflamatório.
T0 N1 M0
Parede torácica inclui arcos costais, músculos intercostais e Estadio IIA T1* N1 M0
músculo serrátil anterior, mas não o músculo peitoral. Doença de T2 N0 M0
Paget associada a tumor é classificada de acordo com o tamanho Estadio IIB T2 N1 M0
do tumor. T3 N0 M0
T0 N2 M0
B - Classificação N – linfonodos regionais T1* N2 M0
Estadio IIIA
- Nx: linfonodos regionais não podem ser avaliados; T2 N2 M0
- N0: ausência de metástases para linfonodos regionais; T3 N1, N2 M0
- pN0: ausência de metástases para linfonodos regio- Estadio IIIB T4 N0, N1, N2 M0
nais: Estadio IIIC Qualquer T N3 M0
• pN0 - (I-/+)**; Estadio IV Qualquer T Qualquer N M1
• pN0 - (MOL -/+)**. * T1 inclui T1 mic.

135
ONC O LOG I A

6. Tratamento é somente paliativa, quando a radicalidade do tratamento


local não mais modificará o prognóstico já comprometido
O tratamento cirúrgico do câncer de mama envolve as de uma paciente.
chamadas cirurgias radicais, que são as mastectomias, e as A setorectomia é bastante semelhante à tumorectomia,
conservadoras, em que são preservadas variáveis porções porém com retirada de um pouco de tecido mamário ao
das mamas. redor do tumor, e é usada apenas nas mesmas situações
A 1ª cirurgia de fato racional para o tratamento do câncer descritas ou nos casos de carcinoma in situ de baixo grau
de mama foi descrita por William Halsted em 1894 e ampla- histológico e pequena extensão.
mente utilizada até meados do século XX, quando alguns es- A quadrantectomia clássica consiste na retirada do tu-
tudos passaram a questionar a real necessidade da retirada
mor com parte da mama ao redor, fragmento de pele e
completa da glândula mamária e mostraram que, em deter-
esvaziamento dos 3 níveis axilares. Classicamente, era in-
minadas situações, a retirada de parte da mama, seguida de
dicada para tumores de até 2 a 2,5cm. Atualmente, mais
radioterapia, apresentava semelhantes taxas de recorrência e
do que o tamanho tumoral, muitos grupos analisam a re-
sobrevida, com melhor resultado estético. A quadrantectomia
lação tamanho do tumor x tamanho da mama e realizam
seguida de radioterapia (QUART) foi proposta por Umberto Ve-
quadrantectomias em tumores maiores, desde que sejam
ronesi, do Instituto Europeu de Oncologia em Milão, e passou
bem analisadas as margens de tecido ao redor e que elas
a ser amplamente adotada a partir da década de 1970.
estejam livres de tumor. O conceito de “livre” pode variar
A mastectomia radical à Halsted consiste na retirada de
um pouco de um serviço para outro; é mais aceita a presen-
toda a glândula mamária, músculos peitorais maior e me-
ça de uma unidade ductoalveolar livre de doença.
nor e esvaziamento axilar dos níveis I, II e III de Berg. Anos
Outra variação da QUART de Veronesi é a não retirada de
mais tarde, Patey propôs a chamada mastectomia radical
pele, possível apenas quando o tumor se encontra distante
modificada, em que se preserva o músculo peitoral menor.
Auchincloss-Madden descreveu a mastectomia preservan- dela. É importante ressaltar que, sempre que for feita qual-
do-se ambos os músculos peitorais e realizando-se somente quer cirurgia conservadora de mama para o tratamento de le-
o esvaziamento dos gânglios da base da axila (nível I). Essas sões malignas, será mandatória a radioterapia, salvo em raros
são as 3 modalidades mais utilizadas de cirurgias radicais casos de tumorectomia paliativa. Diversos estudos têm sido
das mamas. Sempre que possível, quando a indicação cirúr- realizados com o objetivo de avaliar a eficácia de uma dose
gica for de mastectomia, tentam-se preservar os músculos única de radiação, realizada no intraoperatório, em substitui-
peitorais (Figura 8). Sua retirada só deve ser realizada se há ção à radioterapia convencional, pós-operatória. Os resultados
comprometimento tumoral deles. Pacientes com tumores da IORT têm sido satisfatórios quanto às taxas de recidiva local.
maiores que 5cm, localmente avançados ou com mais de 4 O esvaziamento linfonodal também evoluiu ao longo
linfonodos axilares comprometidos, devem ser submetidas dos anos. Pela técnica de Halsted, eram retirados linfono-
à radioterapia, mesmo após a mastectomia. dos axilares, da mamária interna, supra e infraclaviculares,
o que aumentava a morbidade e pouco acrescentava à so-
brevida. Passou-se, então, a realizar apenas a dissecção dos
linfonodos axilares, nos seus 3 níveis (Figura 9). A principal
complicação desse procedimento é o surgimento de linfe-
dema, que pode comprometer, consideravelmente, a movi-
mentação e a função daquele membro superior.

Figura 8 - Aspecto intraoperatório após mastectomia radical mo-


dificada à esquerda, com preservação do peitoral maior e menor

As cirurgias conservadoras de mama são tumorectomia,


setorectomia e quadrantectomia. A 1ª consiste na exérese
apenas do tumor, muito pouco ou quase nunca utilizada nos
casos de tumores malignos das mamas. Sua utilização para
câncer fica restrita às situações em que a retirada do tumor Figura 9 - Os 3 níveis linfonodais axilares

136
M A S T O LO G I A

Visando minimizar os efeitos deletérios da linfadenecto- segurança para tumores de até 5cm (T1-T2), desde que a
mia axilar completa, alguns grupos, dentre eles o de Milão axila não esteja comprometida clinicamente.
(Veronesi), passaram a estudar a possibilidade da retirada A melhor acurácia é verificada quando ambas as téc-
de apenas 1 ou poucos linfonodos. Descobriu-se que a dre- nicas são utilizadas concomitantemente. O uso do radioi-
nagem tumoral axilar respeita, em 99% das vezes, os níveis sótopo apresenta maior custo, porém a técnica com azul
axilares, comprometendo, primeiramente, o nível I e depois patente apresenta como inconvenientes a possibilidade de
os níveis II e III. Descobriu-se, também, a existência do que causar tatuagem na pele, a reação anafilática (rara, cerca de
se passou a chamar linfonodo sentinela, o 1º linfonodo a 1%), a propagação muito rápida do corante após a injeção
receber a drenagem linfática do tumor. Assim, depois de e a impossibilidade de identificação de sítios extra-axilares.
inúmeros estudos, concluiu-se que, se o linfonodo sentinela Quando o linfonodo sentinela se apresenta comprome-
estiver livre de doença, nos casos de tumores de até 3cm, a tido, há chance de 50% de estar acontecendo o mesmo com
outros linfonodos. Nesse caso, preconiza-se o esvaziamento
possibilidade de comprometimento de outro gânglio da ca-
axilar completo. Alguns autores aceitam a retirada apenas
deia é próxima a zero. Assim, passou-se a estudar o linfono-

ONCOLOGIA
dos níveis I e II.
do sentinela por meio de técnicas que utilizam corantes ou
O tratamento adjuvante sistêmico do câncer de mama
radiofármacos. O tamanho do tumor para o qual se realiza o
é realizado com quimioterapia e hormonoterapia. As indi-
sentinela também varia de serviço para serviço; segundo o cações e esquemas terapêuticos, bem como doses e tipos
guideline da ASCO 2005, a técnica pode ser empregada com de medicações e associações utilizadas, variam caso a caso.

Tabela 9 - Tratamento do câncer de mama


Categoria de risco Tratamento adjuvante
- Linfonodos negativos; - Nenhum ou hormonoterapia isolada;
- ER* ou PR** positivos;
- Tu ≤1cm ou grau I;
Baixo risco
- Ausência de invasão (linfática e perivascular); - Considerar Oncotype.
- HER*** 2 negativo;
- Idade ≥35 anos.
- Linfonodos negativos associados a, pelo menos, 1 dos
fatores:
· Tu >2cm ou grau II/III; - HT**** ou QT***** seguida de HT para os casos
Risco intermediário · Invasão presente; ER ou PR positivos;
· Idade <35 anos;
· HER 2 positivo.
- Um a 3 linfonodos positivos e HER 2 negativo. - Somente QT para os casos receptores negativos.
- HT ou QT seguida de HT para os casos ER ou PR
- Um a 3 linfonodos positivos e HER2 positivo;
Alto risco positivos;
- Quatro ou mais linfonodos positivos. - Somente QT para os casos receptores negativos.
* Positivo para o receptor de estrogênio.
** Positivo para o receptor de progesterona.
*** Positivo ou negativo para o receptor HER.
**** Hormonoterapia.
***** Quimioterapia.

7. Doença metastática A partir desses dados, avalia-se se o paciente será mais


bem conduzido com quimioterapia e/ou hormonoterapia.
Os sítios mais comuns para o aparecimento de metás-
Os objetivos devem ser controle da doença e manutenção
tases no câncer de mama são pulmão, fígado, ossos e cére-
da qualidade de vida.
bro. O tratamento da doença metastática deve ser realizado
A cirurgia fica restrita a procedimentos paliativos, como
considerando a biologia do tumor (receptores hormonais e
mastectomias higiênicas nos casos de infecção e toracocen-
HER-2), o estado menopausal, o sítio e o número de metás-
tese seguida de pleurodese nos derrames pleurais de difícil
tases, o intervalo livre de doença, tratamentos previamente
controle.
recebidos (e respostas obtidas) e, principalmente, as condi-
ções clínicas do paciente.

137
ONC O LOG I A

CAPÍTULO

4
Oncologia ginecológica
Flávia Fairbanks Lima de Oliveira Marino / Eduardo Bertolli

Introdução A - Etiologia
O sistema reprodutor feminino é sede de diversas pa-
tologias oncológicas, muitas de tratamento cirúrgico. O ci-
rurgião deve estar familiarizado com as doenças mais pre-
valentes e saber conduzi-las, pelo menos no que tange ao
diagnóstico, ao estadiamento e às orientações terapêuticas.
Este capítulo abordará, resumidamente, as principais neo-
plasias do corpo e colo uterino, além dos principais tumores
de ovários.

I - Útero
1. Neoplasias intraepiteliais cervicais
As Neoplasias Intraepiteliais escamosas do Colo uterino Figura 2 - Evolução das lesões pré-malignas
(NIC) correspondem a um grupo de alterações da matura-
Vários estudos mostram a relação direta entre a pre-
ção celular restritas ao epitélio (não invadem a membrana
sença do HPV e as NIC. Alguns tipos de HPV agregam-se ao
basal) e graduadas segundo a proporção de células imatu-
genoma celular e fazem que as células se desviem de seu
ras atípicas e grau de discariose.
processo natural de maturação, formando um novo tipo ce-
Essas lesões caracterizam-se pelo aumento da relação
lular anárquico e displásico e iniciando a carcinogênese do
núcleo/citoplasmática, atipias nucleares e mitoses e, geral-
colo uterino.
mente, são acompanhadas de sinais citológicos indicativos
Há cerca de 70 tipos de HPV, alguns de baixo risco (6, 11,
de infecção pelo papilomavírus (HPV). Podem ser classifi-
42, 43, 44; relacionados com condilomas) e outros de alto
cadas em 3 graus de intensidade: NIC I, II ou III. Por outro
risco (16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58; relacionados
lado, atualmente, há uma tendência a classificar tais lesões com NIC).
em 2 grupos: as de baixo grau (NIC I) e as de alto grau (NIC
II e III). Embora tal classificação sugira um aspecto evolutivo B - Diagnóstico
entre as NICs, tal padrão não é necessariamente observado.

Figura 3 - Evolução da neoplasia intraepitelial cervical até carci-


noma invasor

O diagnóstico das NICs baseia-se no tripé colpocitologia,


colposcopia e exame anatomopatológico. A colpocitologia,
pela nova classificação de Bethesda, de 1988, modificado
Figura 1 - Padrões histológicos das neoplasias intraepiteliais em 1991, propõe os seguintes achados para a citologia:

138
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

- Normal;
- Inflamatório;
- Achados anormais;
- Lesões intraepiteliais de significado indeterminado;
- Lesões intraepiteliais de baixo grau (NIC I e condiloma
plano);
- Lesões intraepiteliais compatíveis com carcinoma epi-
dermoide, adenocarcinoma e carcinoma de células
claras.

E a classificação citológica de Papanicolaou, de 1942,


prevê 5 grupos distintos:
- Classe I: epitélio normal;

ONCOLOGIA
- Classe II: alterações inflamatórias;
- Classe III: displasias:
• Classe IIIa: leve;
• Classe IIIb: moderada;
• Classe IIIc: acentuada.
- Classe IV: carcinoma in situ; Figura 5 - Espectro de achados da colposcopia. Extraído de www.
- Classe V: carcinoma invasor. colposcopia.com.br

Nas lesões pré-cancerosas, o que se nota é uma acen-


tuação das figuras descritas como os achados colposcópi-
cos anormais, tornando-as distintas de simples alterações
inflamatórias/infecciosas. Não é possível determinar, com
exatidão, o grau da lesão por meio da colposcopia, mas ape-
nas supor a sua existência e determinar a topografia correta
para exploração mais detalhada e seu eventual tratamento.

C - Tratamento
Figura 4 - Aparência no Papanicolaou
Não haveria razão para deixar de tratar as NICs. Con-
Sempre que se encontra um achado citológico alterado, tudo, atualmente, há quem questione essa assertiva. Evi-
propõe-se a investigação com a colposcopia. As principais dências atuais sugerem que as lesões de alto grau (NIC II e
indicações de sua realização são clínicas (alterações do exa- NIC III) devem ser tratadas com métodos excisionais (coni-
me físico) ou citológicas. A função mais importante da col- zação), ao passo que lesões de baixo grau (NIC I) permitem
poscopia é identificar a lesão e delinear sua extensão para a uma conduta mais conservadora, contanto que haja a ade-
realização de uma biópsia dirigida. quação dos métodos diagnósticos e a adesão da paciente
O exame consiste na visualização do colo e da vagina por (Figura 6).
meio de um colposcópio que permite um aumento de 6 a Assim, os princípios do tratamento baseiam-se em algu-
40 vezes da imagem da zona que está sendo analisada. Tal mas evidências:
exame é realizado com o auxílio de soluções, como soro fi- - A gravidade da lesão é definida pela histopatologia
siológico, ácido acético a 2 e a 5% e solução iodada de lugol. (não se pode tirar conclusão a partir do exame de Pa-
A partir da aplicação da solução de ácido acético, sur- panicolaou, e é necessária a confirmação histológica);
girão as figuras colposcópicas, algumas compatíveis com - Técnicas de biologia molecular (captura híbrida, PCR
a normalidade (achados colposcópicos normais) e outras para HPV) podem ser úteis, mas não indicam trata-
sugestivas de alterações no epitélio estudado (achados col- mento;
poscópicos anormais – Figura 5). - Tratar sempre as lesões de alto grau por métodos ex-
- Epitélio acetobranco: plano, micropapilar ou microin- cisionais (NIC II e NIC III), pois se sabe que, caso não
volução; sejam tratadas, 1 em cada 10 evoluirá para câncer in-
- Pontilhado; vasor em algum momento durante a vida da mulher;
- Mosaico; - Quanto às lesões de baixo grau (NIC I), as evidências
- Leucoplasia; sugerem que regressões espontâneas devem ocorrer,
- Vasos atípicos. e que esse grupo de lesões não está necessariamente

139
ONC O LOG I A

associado à progressão para o câncer invasor ao longo 2. Neoplasia do colo uterino


do tempo. O tratamento conservador exige a adesão
da paciente e a disponibilidade de material para acom-
panhamentos colpocitológico e colposcópico. A - Epidemiologia
O câncer de colo uterino representa cerca de 23% das
neoplasias ginecológicas, precedido apenas pelo câncer de
mama. Acomete, em média, mulheres entre 40 e 50 anos,
principalmente em regiões brasileiras mais carentes e com
piores indicadores de saúde. No Brasil, eram esperados
cerca de 18.430 novos casos para 2010, segundo dados do
INCA (Instituto Nacional do Câncer).
Possui fácil diagnóstico e baixo custo, o que favorece a
prevenção por meio do rastreamento pela citologia oncóti-
ca (Papanicolaou) e a educação sexual, visando à redução
dos principais fatores de risco: contaminação genital pelo
HPV. Vale ressaltar que a evolução para a forma invasora é
lenta e sucede, na maioria dos casos, a lesões intraepiteliais
(NIC). Estima-se que a progressão da doença de lesão intra-
epitelial para o câncer invasor ocorra em torno de 7 anos.
Os principais fatores de risco são início precoce de ativi-
dade sexual, multiparidade, promiscuidade, uso de contra-
ceptivos hormonais, carência nutricional (hipovitaminose
Figura 6 - Conduta na abordagem às neoplasias intraepiteliais cer-
vicais A, C e E), tabagismo, imunossupressão, infecção pelo vírus
HIV e infecção pelo vírus HPV (principalmente, os subtipos
O tratamento baseia-se nos métodos excisionais (retira- 16 e 18), considerado o principal fator etiológico da doença.
da da área acometida) ou de destruição local. Os métodos
excisionais são biópsia por bisturi, conização do colo uteri- B - Quadro clínico e diagnóstico
no com laser ou cirurgia de alta frequência, histerectomia As lesões precursoras do colo uterino (NIC) podem ser
total abdominal ou vaginal. assintomáticas ou oligossintomáticas. As pacientes porta-
Em caso de suspeita de câncer invasor, o método exci- doras da forma invasora da doença podem apresentar cor-
sional deve ser o de escolha. Caso a lesão penetre no canal rimento fétido, sangramento genital irregular, sinusorragia
endocervical, está contraindicado o método de destruição (sangramento às relações sexuais), caquexia, disúria/oligú-
local. No caso de discordância dos exames citológicos, col- ria/perda involuntária de urina por fístulas, dispareunia ou
poscópicos e anatomopatológico, indica-se o método exci- dor constante no baixo-ventre.
sional. O exame do abdome, em geral, é pouco informativo, já
o exame dos órgãos genitais internos é mais rico, podendo
Tabela 1 - Tratamento de lesões pré-invasivas do colo uterino
apresentar desde um aumento global do colo uterino com
NIC I - Realizar tratamento conservador com controle preservação de seu contorno e superfície até a presença de
colpocitológico trimestral no 1º ano e semestral no 2º. Cerca massas tumorais exofíticas, crateriformes, vegetantes, que
de 70% dos NICs I regridem espontaneamente. Indicações de
não têm quaisquer semelhanças anatômicas com o colo
conização em NIC I:
uterino normal (Figura 7A). A presença de necrose na su-
- Imunossupressão;
perfície dessas lesões é comum, ocasionando fáceis sangra-
- NIC I persistente por mais de 1 ano;
- NIC I recidivante.
mentos e infecções secundárias por germes anaeróbios que
exalam o odor característico.
NIC II e III - Realizar conização por:
- Bisturi frio;
- Laser de CO2;
- CAF (Cauterização de Alta Frequência).
A conização é um método diagnóstico e terapêutico se o grau
histológico é de lesão neoplásica intraepitelial.
Grau histológico indicando câncer de colo uterino invasor sugere
estadiamento específico, para avaliar o tipo de tratamento.
Figura 7 - Carcinoma avançado no colo de útero: (A) aspecto do
Lembramos que o diagnóstico de NIC deve ser feito com base na
colo uterino e (B) cirurgia de Wertheim-Meigs (histerectomia total
citologia e na colposcopia; a confirmação é dada somente com a
com parametrectomia e linfadenectomia pélvica; neste caso, um
histologia (biópsia dirigida ou conização). dos ovários foi preservado devido à idade da paciente)

140
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

A avaliação retal, por meio do exame digital, é um tem-


po imprescindível, pois avalia o comprometimento dos li-
gamentos paramétricos, mucosa retal, definindo aspectos
fundamentais do estadiamento da doença.
Pode-se, ainda, lançar mão de alguns exames subsidi-
ários para complementação propedêutica, como hemo-
grama completo, provas de função renal, ultrassonografia
pélvica e de vias urinárias; urografia excretora, cistoscopia e
retossigmoidoscopia; ressonância magnética e tomografia
de pelve; além de radiografia de tórax para estadiamento.

C - Patologia e estadiamento
O tipo histológico mais comum é o carcinoma de células

ONCOLOGIA
escamosas (CEC), que representam 90% dos casos. O ade-
nocarcinoma encontra-se em seguida. O grau de diferencia-
ção dos tumores, independente de seu tipo histológico, é
de suma importância prognóstica.
O câncer de colo uterino é o único tumor genital cujo
estadiamento é clínico. O estadiamento proposto pela FIGO
(Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) ba- Figura 8 - (A) Câncer de colo estadio IIa; (B) câncer de colo estadio
seia-se nos seguintes parâmetros: IIb; (C) câncer de colo estadio IIIa e (D) câncer de colo estadio IIIb

a) Estadio zero: câncer in situ.


D - Tratamento
b) Estadio I: restrito ao colo uterino.
O tratamento do câncer de colo uterino envolve cirur-
Câncer de colo microinvasor:
gia, rádio e quimioterapia, em associação ou isoladamente,
- Ia: câncer invasor diagnosticado apenas por microscopia de acordo com o estadiamento do tumor.
(invasão do espaço vascular não altera estadiamento).
• Ia1: invasão de até 3mm de profundidade e 7mm a) Estadio zero
de extensão; Trata-se de carcinoma in situ e deve ser tratado por mé-
• Ia2: invasão de 3 a 5mm de profundidade e 7mm todos excisionais do colo uterino por meio da conização
de extensão. clássica, ou da cirurgia de alta frequência. Essa conduta é
diagnóstica (pois confirma o câncer in situ ou pode revelar
- Ib: lesão clínica confinada ao colo e maiores que o es- a presença de doença invasora, que então merecerá outra
tadio Ia2. abordagem) e terapêutica.
• Ib1: lesão clínica não maior que 4cm;
• Ib2: lesão clínica maior que 4cm. b) Estadio Ia (carcinoma microinvasor)
Para o diagnóstico de carcinoma microinvasor e planeja-
c) Estadio II: envolvimento da vagina, mas não o 1/3 in- mento terapêutico, pressupõem-se a realização de coniza-
ferior ou invasão de 1 ou ambos os paramétrios sem invadir ção e a análise anatomopatológica que define a extensão e
a parede pélvica. a profundidade das lesões à microscopia.
- IIa: envolvimento da vagina, sem o 1/3 inferior; No estadio Ia1, a incidência de comprometimento linfo-
- IIb: envolvimento dos paramétrios sem atingir a pare- nodal é de, aproximadamente, 1%. Dessa forma, a amputa-
de pélvica. ção do colo uterino é tratamento suficiente, desde que não
haja comprometimento de margens ou invasão linfovascu-
d) Estadio III: envolvimento da vagina até seu 1/3 infe- lar nas mulheres com desejo reprodutivo.
rior ou de 1 ou ambos os paramétrios até a parede pélvica. Havendo invasão linfovascular, deve-se proceder à his-
- IIIa: envolvimento da vagina até o 1/3 inferior; terectomia total com parametrectomia e linfadenectomia
- IIIb: envolvimento de 1 ou ambos os paramétrios até pélvica.
a parede pélvica; urétero-hidronefrose com exclusão No caso de comprometimento das margens cirúrgicas,
renal por comprometimento ureteral. sem invasão linfovascular, pode-se apenas complementar
a cirurgia, realizando a histerectomia total abdominal, sem
e) Estadio IV: extensão da neoplasia para fora do trato exérese de paramétrios ou ligamentos uterossacros e vagina.
genital. No estadio Ia2, a terapêutica cirúrgica indicada é a re-
- IVa: envolvimento de reto e/ou bexiga; alização de histerectomia total por via abdominal, para-
- IVb: metástases a distância. metrectomia, retirada do 1/3 superior da vagina e linfade-

141
ONC O LOG I A

nectomia pélvica sistemática (cirurgia de Wertheim-Meigs Estadio IIb


– Figura 7B). Nesta cirurgia, indicada nos casos em que a Estadio IIIa
infiltração tumoral esteja acima de 5mm e naqueles em que Tratamento paliativo (quimioterapia, radiotera-
Estadio IIIb
o tumor invasivo restrinja-se ao colo uterino e 1/3 superior pia, cirurgia paliativa).
Estadio IVa
da vagina, removem-se o útero e seus ligamentos, o que
Estadio IVb
possibilita margem cirúrgica adequada, e também os linfo-
nodos pélvicos. E - Seguimento e prognóstico
c) Estadios Ib e IIa
Devem ser realizadas reavaliações clínicas e colpocitoló-
No estadio Ib1, o tratamento pode ser tanto cirúrgico gicas a cada 3 a 4 meses nos primeiros 2 anos. Os intervalos
como radioterápico. O 1º é reservado a pacientes jovens, aumentam para 6 meses do 3º ao 5º ano do seguimento, e
não obesas e sem comorbidades, com a vantagem da pre- o retorno torna-se anual após 5 anos.
servação dos ovários, manutenção de elasticidade vaginal e Os exames de imagem devem ser individualizados de
possibilidade de seguimento clínico morfológico mais fide- acordo com o estadiamento inicial da paciente e as queixas
digno. A radioterapia pode ocasionar vaginite, retite e cis- clínicas. O prognóstico (sobrevida em 5 anos) depende do
tite actínicas que provocam desconforto. A sobrevida após estadiamento (Tabela 3).
5 anos, no entanto, para os 2 tipos de tratamento, está em Tabela 3 - Prognóstico no câncer de colo de útero
torno de 80 a 90%.
Estadiamento SV em 5 anos
Nos estadios Ib2 e IIa, o tratamento cirúrgico é a mesma
Linfonodos negativos 85 a 90%
cirurgia de Wertheim-Meigs, mas, a depender do volume
Linfonodos comprometidos 25 a 66%
da massa tumoral inicial, propõe-se a radioterapia neoad-
Estadio I 80 a 95%
juvante (alguns autores propõem, ainda, o emprego da qui-
mioterapia neoadjuvante) para reduzir a massa tumoral e Estadio IIa 64 a 83%
diminuir a morbidade cirúrgica (lesão inadvertida de órgãos Estadio IIb 58 a 66%
pélvicos vizinhos, sangramento e infecção). Nesses casos, Estadio IIIa 45%
ressalta-se que o emprego da radioterapia exclusiva (sem Estadio IIIb 36%
o tratamento cirúrgico) apresenta resultados próximos do Estadio IV 14 %
tratamento com a cirurgia radical.
No caso de o estudo anatomopatológico da peça cirúrgi- 3. Câncer de endométrio
ca da operação de Wertheim-Meigs evidenciar comprome-
timento linfonodal, é imperativa a radioterapia adjuvante
A - Epidemiologia
(após a cirurgia) para complementação terapêutica.
Todos os casos de câncer de colo, cujo tipo histológico A média de idade do câncer de endométrio é de 62
evidencia um adenocarcinoma, merecem tratamento radio- anos; 15% dos casos em mulheres com menos de 50 anos,
terápico adjuvante, independente do estado de comprome- e de 20 a 25% em pacientes em pré-menopausa. O câncer
timento linfonodal. de endométrio é a neoplasia maligna genital feminina mais
comum nos países desenvolvidos – sem contar o câncer de
d) Estadios IIb, III e IV mama – e também a de melhor prognóstico em sua apre-
No estadio avançado da doença, o tratamento torna-se sentação típica.
paliativo, com assistências nutricional e higiênica à paciente. O adenocarcinoma endometrioide (tipo I de câncer de
Quando há comprometimento das vias urinárias com endométrio) é o tumor mais facilmente diagnosticável por
apresentar sintomas precocemente (sangramento), an-
obstrução delas, realiza-se nefrostomia para drenagem e
tes de atingir estadios avançados de invasão uterina, pela
tentativa de preservação da função renal. A colostomia é
disseminação linfática e pela cavidade abdominal. O tipo
indicada aos casos de obstrução intestinal. II do câncer de endométrio (adenocarcinoma seroso) tem
apresentações menos características: não tem relação com
Tabela 2 - Tratamento de câncer de colo uterino para cada estadio
estímulo estrogênico, mas com mutações genéticas. Essa
Estadio zero Colonização e estudo de margens e comprometi- forma é menos prevalente, responsável por menos de 20%
Estadio Ia1 mento linfovascular. dos tumores de endométrio, porém tem alta taxa de corre-
Estadio Ia2 lação com as “falhas” terapêuticas e recorrências, e se de-
Estadio Ib1 senvolve em permeio ao endométrio atrófico, portanto, em
Cirurgia de Wertheim-Meigs + radioterapia (Ib2
e IIa). mulheres mais velhas (acima de 65 anos).
Estadio Ib2
Algumas características epidemiológicas podem ser
Estadio IIa observadas entre as portadoras do câncer endometrial. A

142
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

base comum entre todos esses “fatores de risco” é a maior Em mulheres em uso de terapia hormonal, considera-se
exposição aos estrogênios, endógenos ou exógenos. Os normal o valor de espessura endometrial até 10mm. Se a
principais fatores são obesidade, nuliparidade, ciclos ano- mulher ainda não está na menopausa, mas apresenta um
vulatórios, terapia hormonal exclusiva com estrogênio ou endométrio denso, espesso e heterogêneo com quadro de
uso de tamoxifeno, alterações genéticas, a tríade obesida- sangramento irregular, também se recomenda avaliação
de-hipertensão-diabetes, entre outros. histológica do tecido endometrial.

C - Patologia e estadiamento
Os principais tipos histológicos dos cânceres de endo-
métrio são:
a) Adenocarcinoma
É o principal tipo histológico (88,2%); na prática, quando

ONCOLOGIA
se fala sobre câncer de endométrio, quase sempre se trata
desse tipo. Como subtipo, encontra-se o adenocarcinoma
clássico (59,6%), seguido do adenoacantoma (21,7%) e do
carcinoma adenoescamoso (6,9%).
b) Carcinoma de células claras
Representa 5,7% dos tumores do corpo uterino.
c) Adenocarcinoma seroso papilífero
Figura 9 - Fisiopatologia da hiperplasia endometrial
Cerca de 4,7% dos tumores.
B - Quadro clínico e diagnóstico d) Outros
O principal sinal e sintoma referido é o sangramento Carcinoma secretor (1,5%) e sarcoma (0,5%).
anormal em mulheres na perimenopausa e na pós-meno- Além do tipo, o grau histológico apresenta importante
pausa, o que não significa que a principal causa do sangra- papel no prognóstico da doença. Os graus variam de I a III:
mento pós-menopausa seja o câncer endometrial; pelo grau I significa componente sólido ≤5%; grau II, entre 5 e
contrário, os pólipos e, principalmente, a atrofia endome- 50%; e grau III, >50%.
trial são as causas mais comuns. No entanto, como dentre O estadiamento, obrigatoriamente cirúrgico, consiste na
todas as causas de sangramento genital pós-menopausa, as laparotomia, coleta de líquido peritoneal em que será anali-
neoplasias representam as mais graves, é mandatório pen- sada a presença de células neoplásicas, histerectomia total
sar em câncer endometrial na vigência de sinal/sintoma e com salpingooforectomia bilateral e linfadenectomia pélvi-
ca e retroperitoneal (para-aórtica, intercavoaórtica e para-
investigar adequadamente. Além de sangramento, outros
caval – Figura 10). O estadiamento varia de zero (carcinoma
sintomas possíveis são dor pélvica, corrimento, massa ab-
in situ) a 4b (metástase a distância) e está diretamente re-
dominal e emagrecimento.
lacionado às taxas de sobrevida em 5 anos. Outros fatores
Como rotina na investigação propedêutica de mulheres
prognósticos são o grau e o tipo histológico do tumor.
na perimenopausa com sangramento anormal ou mulheres
pós-menopausa, é obrigatória a solicitação de ultrassono-
grafia pélvica ou transvaginal para a avaliação da espessura
endometrial. Nas mulheres menopausadas sem reposição
hormonal, essa espessura endometrial não deve ultrapas-
sar 5mm. Quando isso acontece, torna-se necessária a aná-
lise do endométrio para diagnóstico histológico por meio
de histeroscopia com biópsia.

Tabela 4 - Correlação entre sintomas e avaliação ultrassonográ-


fica
Sintomas USG
Sangramento pós- Espessamento endometrial
menopausa. >5mm.
Dor pélvica. Aumento do volume uterino.
Leucorreia purulenta ou Doppler com vasos de baixa
sanguinolenta. resistência.

143
ONC O LOG I A

Tabela 5 - Estadiamento do câncer endometrial


0 Carcinoma in situ
I Confinado ao corpo do útero
Ia Endométrio
Ib Infiltra até 50% da espessura do miométrio
Ic Além de 50% da espessura do miométrio
II Corpo e colo do útero
IIa Glândulas cervicais
IIb Estroma cervical
III Restrito à pelve
IIIa Infiltra serosa, anexo ou citologia peritoneal positiva
IIIb Metástase vaginal
IIIc Linfonodos pélvicos
IV Além da pelve
IVa Mucosa da bexiga ou reto
IVb Metástases inguinais
Estadiamento completo deve acompanhar avaliação do grau
histológico (G1, G2, G3) – importante fator prognóstico.

D - Tratamento
A etapa cirúrgica inicial é fundamental para a confirmação
diagnóstica, e o estadiamento consiste na arma terapêutica
mais importante. Um bom resultado cirúrgico, com remoção
adequada dos órgãos já mencionados, da porção superior da
vagina ou mesmo omentectomia, também é fundamental
para facilitar as outras etapas terapêuticas que sucedem.
Tabela 6 - Cirurgia completa para estadiamento
- Coleta de citologia peritoneal;
- HTA + anexectomia bilateral;
- Linfadenectomia pélvica;
- Linfadenectomia para-aórtica;
- Omentectomia;
- Exérese de tumores pélvicos;
- Biópsias peritoneais.

Quando houver comprometimento linfonodal, deve-se


indicar a radioterapia pélvica complementar. Outras abor-
dagens para casos avançados podem ser a hormonoterapia
com altas doses de progestágenos (acetato de megestrol,
160mg/dia) e quimioterapia com drogas usadas habitual-
mente para tratamento de carcinoma de ovário (platina,
ciclofosfamida e taxol).

E - Seguimento e prognóstico
O seguimento é semelhante ao preconizado às pacien-
tes com câncer de colo de útero. O prognóstico também
Figura 10 - Cirurgia para câncer de endométrio: (A) aspecto do úte- depende do estadiamento e do grau histológico (Tabela 7).
ro removido e seccionado, evidenciando tumoração endometrial;
(B) aspecto intraoperatório após linfadenectomia retroperitoneal Tabela 7 - Prognóstico no câncer de endométrio
até a altura das renais; (C) aspecto intraoperatório após linfade- Estadio Sobrevida (%)
nectomia pélvica e (D) aspecto intraoperatório após linfadenecto-
mia ilíaco-obturatória Ia 91

144
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

Estadio Sobrevida (%) Do ponto de vista epidemiológico, atingem a mesma


Ib 88 faixa etária da população que os tumores malignos (5ª dé-
cada, em média), também têm menor incidência entre as
Ic 81
mulheres que foram usuárias de contraceptivos orais e po-
IIa 77 dem apresentar-se na forma totalmente assintomática ou
IIb 67 com sintomas como dismenorreia, alterações menstruais,
IIIa 60 dor e/ou aumento do volume abdominal.
IIIb 41 Há, também, tendência familiar à neoplasia de modo
IIIc 32 similar aos tumores malignos, e o diagnóstico costuma ser
feito por meio da ultrassonografia associada ao CA-125. A
IVa 20
ultrassonografia mostra imagem típica de tumoração sóli-
IVb 5
do-cística com septos espessos, normalmente maiores que
Grau Sobrevida (%) 1mm; o CA 125 costuma estar, normalmente, até 35U/mL.

ONCOLOGIA
1 92 O tratamento, de acordo com a FIGO, para pacientes
2 87 sem desejo reprodutivo, é a histerectomia total abdominal
3 74 com salpingooforectomia bilateral, eventualmente acom-
panhada de apendicectomia (quando for a variante muci-
II - Ovários nosa intestinal). Nos casos de mulheres jovens com tumo-
res estadio Ia, pode-se optar pela anexectomia unilateral.
1. Tumores de baixo potencial maligno ou Além disso, sugere-se que a cirurgia radical seja realizada
após a paciente ter completado a sua prole.
tumores proliferativos atípicos do ovário
Tais tumores costumam ter evolução mais próxima dos 2. Câncer de ovário
tumores benignos. Antigamente, eram conhecidos como
tumores borderline, mas o termo foi condenado pela FIGO Os tumores malignos de ovário representam um grande
(Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia). Re- desafio à prática médica atual, devido ao estado avançado
conheceu-se, também, que não se trata de um estágio ini- em que costumeiramente são diagnosticados, à sua parca
cial dos tumores malignos e, por outro lado, têm a mesma sintomatologia no início da doença e, também, às altas ta-
origem proliferativa dos outros mesoteliomas que acome- xas de mortalidade que ainda os acompanham.
tem tanto o ovário como o peritônio. Dentre os diferentes tipos histológicos que compõem o
No ovário, de acordo com o tipo de tecido a que mais se quadro das neoplasias malignas ovarianas, os tumores epi-
assemelham, recebem denominações distintas. Quando as- teliais representam cerca de 80%, sendo a variante serosa
sumem características de endotélio similar ao revestimento a mais frequente.
das trompas, são chamados serosos; similares ao endomé- Os métodos diagnósticos atualmente disponíveis são
pouco sensíveis e específicos; o exame clínico completo da
trio, endometrioides; similares ao epitélio endocervical,
pelve ainda parece ser o mais útil em termos de suspeita
mucinosos; e ainda similares às células transicionais da be-
de tumoração anexial; de modo que, independentemente
xiga, chamados de células claras.
da idade, qualquer aumento de volume ovariano deve ser
Os tipos mais frequentes são, em concordância com os
seguido criteriosamente, e toda tumoração do ovário con-
tumores tipicamente benignos e malignos, os serosos e mu-
siderada suspeita para neoplasia.
cinosos. Os serosos podem ser bilaterais, mas costumam
No Brasil, o câncer de ovário é o 8º em prevalência no
atingir dimensões inferiores às dos mucinosos (que são os
sexo feminino, e sua incidência está relacionada às melho-
de maiores volumes – Figura 11). Os tumores endometrioi-
res condições socioeconômicas da população. Em países
des são outra variante mais rara, como os tumores prolife-
desenvolvidos, exceto o Japão, a incidência do câncer de
rativos atípicos de células claras e os de Brenner (tumor de
ovário é de 3 a 7 vezes maior do que nos países em desen-
células transicionais).
volvimento.
Os fatores de risco absolutos ainda não estão totalmen-
te estabelecidos, mas, atualmente, alguns fatores são con-
siderados, como hereditariedade, raça branca, maior nível
socioeconômico e de desenvolvimento, menarca precoce e
menopausa tardia, nuliparidade, distúrbios na diferencia-
ção, distúrbio endócrino, irradiação prévia e endometriose.
Ainda não se conseguem estabelecer, com certeza, os
fatores protetores, mas, aparentemente, as mulheres que
Figura 11 - Tumores benignos de ovário: (A) cistoadenofibroma e usaram anovulatórios orais por mais de 1 ano, além daquelas
(B) cistoadenoma mucinoso que tiveram caxumba, estariam menos suscetíveis à doença.

145
ONC O LOG I A

A - Classificação dos tumores epiteliais especificidade do método para diagnosticar uma neoplasia
como maligna não é ideal; melhora um pouco quando asso-
Os carcinomas ovarianos podem ser classificados de
ciada à dopplerfluxometria, que permite ver vasos neofor-
acordo com sua origem:
mados com desarranjo arquitetural estimulados pelos fato-
a) Epitélio celômico res angiogênicos que acompanham os tumores malignos.
Cistoadenocarcinoma seroso. Quanto aos marcadores tumorais, o mais utilizado é o
É, também, o epitélio que dará o revestimento das tubas CA-125. Nas pacientes com câncer de ovário, ele se encon-
uterinas. É o tumor mais comum (40% dos tumores epite- tra elevado em mais de 80% dos casos. Assim como a ul-
liais), a faixa etária predominante é dos 40 aos 60 anos; em trassonografia, o CA-125 também não pode ser masculino
metade dos casos, pode ser bilateral. o método ideal de rastreamento, pois se apresenta elevado
em condições benignas (endometriose, MIPA, mioma, por
b) Epitélio semelhante ao canal endocervical exemplo) e não se altera em todas as mulheres com câncer
Cistoadenocarcinoma mucinoso. de ovário.
Corresponde a 15 a 20% dos carcinomas primários do Por todos os fatores já comentados, ainda hoje o diag-
ovário. Tem a característica de atingir os maiores volumes e nóstico de confirmação do câncer de ovário acontece na
é preenchido com conteúdo viscoso amarelado de aspecto própria cirurgia, a qual também já permite o estadiamento
gelatinoso. Como todos os tumores mucinosos, pode apre- da doença.
sentar o pseudomixoma peritoneal, como complicação, si-
tuação em que a cavidade abdominal se encontra preenchi- C - Estadiamento
da pelo material amarelo gelatinoso.
O estadiamento atual foi estabelecido pela FIGO (1988).
c) Cistoadenocarcinoma endometrioide - I: tumor limitado aos ovários.
É o câncer em que o epitélio se assemelha ao de reves- • Ia: tumor limitado a um ovário, sem ascite, cápsula
timento da cavidade endometrial. Corresponde a 15% dos íntegra sem tumor;
carcinomas primários do ovário, de aspecto macroscópio • Ib: tumor limitado a ambos os ovários, sem ascite,
parecido com o endometrioma ovariano. cápsulas íntegras sem tumor;
d) Outros tipos: • Ic: estadiamento A ou B com ascite ou lavado peri-
toneal positivo, tumor na superfície externa do ová-
- Tumor mesodérmico misto; rio ou cápsula rota.
- Carcinoma de células claras;
- Tumor de Brenner (células transicionais). - II: tumor envolvendo 1 ou ambos os ovários, com ex-
tensão para a pelve.
B - Quadro clínico e diagnóstico • IIa: envolvimento de útero ou tubas;
• IIb: envolvimento de outros órgãos pélvicos (peri-
Conforme já comentado, o diagnóstico ainda perma-
tônio, bexiga);
nece um grande desafio. O início do processo patológico é
• IIc: A ou B com ascite, lavado peritoneal positivo,
silencioso, assintomático ou com sintomas leves que não
cápsula rota ou tumor na superfície ovariana.
sugerem se tratar de uma neoplasia maligna. A doença pro-
gride com maior ou menor velocidade, e, com isso, surgem - III: tumor envolvendo 1 ou ambos os ovários com im-
os sintomas de aumento do volume abdominal, dispepsia, plantes peritoneais fora da pelve ou linfonodo retro-
flatulência, eructações e azia, associados a emagrecimento, peritoneal positivo. Tumor limitado à pelve verdadeira
inapetência e fraqueza. A ascite instala-se quando já existe com metástase para omento, intestino delgado ou su-
um avanço maior do processo, e, tardiamente, a paciente perfície hepática.
torna-se caquética. • IIIa: tumor limitado à pelve verdadeira com linfo-
Aceita-se, como premissa, e devido aos bons resulta- nodos negativos, mas microtumor (histológico) na
dos obtidos quando o tumor é tratado ainda em estados superfície peritoneal;
iniciais, que o diagnóstico precoce é o único recurso de que • IIIb: tumor ≤2cm de diâmetro limitado à pelve ver-
se dispõe para combater a doença. Armas de prevenção pri- dadeira com linfonodos negativos;
mária são desconhecidas; logo, é na prevenção secundária
• IIIc: tumor em 1 ou ambos os ovários, com derra-
que está a grande oportunidade de cura das pacientes.
me pleural positivo ou metástase em parênquima
Embora não haja um exame específico de rastreamento
hepático.
do câncer de ovário, utiliza-se a ultrassonografia como mé-
todo de diagnóstico de tumores anexiais, principalmente se
realizada por via transvaginal devido à maior proximidade
D - Tratamento
do transdutor com o órgão em questão, o que permite a A cirurgia constitui a arma terapêutica mais importante,
visualização mais detalhada dos ovários. Infelizmente, a principalmente quando se consegue aplicar o princípio da

146
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

citorredução, que consiste em deixar a menor massa tu- c) Carcinomas com baixo grau de malignidade – tumor
moral possível. O ideal é que restem, no máximo, 2cm de borderline
tumor para que se possam aplicar, posteriormente, os tra- - Estadio I: 95%;
tamentos adjuvantes, como quimioterapia e radioterapia. - Estadio II: 75 a 80%;
A cirurgia, obrigatoriamente, inclui a histerectomia total - Estadio III: 65 a 70%.
abdominal com salpingooforectomia bilateral, além de pes-
quisa de células neoplásicas em líquido ascítico ou, se a as- d) Tumores derivados do cordão sexual-estroma (so-
cite estiver ausente, pesquisa no lavado peritoneal (coloca- brevida em 5 anos por tipo tumoral)
-se soro fisiológico na cavidade e recupera-se uma amostra - Neoplasia confinada ao ovário: sobrevida de 85 a 90%;
em que se faz a pesquisa). Procede-se, também, à biópsia - Neoplasia com extensão extraovariana: sobrevida de
múltipla do peritônio pélvico, goteiras parietocólicas e dia- 55 a 60%;
fragma, além dos linfonodos pélvicos e para-aórticos. - Tumores de células de Sertoli e Leydig: pouco diferen-
O câncer de ovário dissemina-se por contiguidade, por ciados têm pior prognóstico.

ONCOLOGIA
via linfática e pelo implante de células que ficaram sobre-
e) Tumores germinativos do ovário (taxa de sobrevida
nadando no líquido ascítico ou que se mobilizaram com os
por tipo de tumor e intervalo de tempo)
movimentos respiratórios ou peristálticos. Com base nesse
conhecimento, dependendo do estadiamento cirúrgico en- - Disgerminomas (5 anos):
contrado, realiza-se ou não a linfadenectomia. • Estadio I: 90 a 95%;
A citorredução cirúrgica, seguida de quimioterapia in- • Outros estágios: 60 a 90%.
traperitoneal hipertérmica, pode ser utilizada em casos se- - Tumores do seio endodérmico (2 anos):
lecionados, mas ainda não é consenso. A radioterapia pode
• Estadio I e II: 90%;
ser empregada para terapêutica e também como tratamen-
• Estadio III e IV: 50%.
to paliativo; também tem melhores resultados quanto me-
nores as massas tumorais a serem abordadas, o que reforça - Teratomas imaturos (5 anos):
o princípio da citorredução. • Estadio I: 90 a 95%;
A quimioterapia também tem papel fundamental no • Todos os estágios: 70 a 80%;
tratamento adjuvante. Diversas drogas são empregadas: • Grau 1: 80%;
agentes alquilantes, drogas do grupo da cisplatina, taxol, • Grau 2: 60%;
antraciclinas, metotrexato, fluorouracil. O tamoxifeno e os • Grau 3: 30%.
progestógenos têm pouco efeito no tratamento do câncer
de ovário. Atualmente, o esquema de 1ª linha consiste na - Carcinoma embrionário (5 anos):
associação de platina a taxol. Outros esquemas utilizados • Todos os estadios: 40%.
são cisplatina + ciclofosfamida ou cisplatina + doxorrubicina
+ ciclofosfamida, e este tem maior toxicidade e não muda 3. Outros tipos de tumores ovarianos
o prognóstico em termos de intervalo livre de doença e de
sobrevida. não epiteliais
E - Prognóstico A - Tumores dos cordões sexuais
O prognóstico no câncer de ovário depende do tipo his- a) Estroma
tológico e do estadiamento. Cinco por cento de todos os tumores ovarianos são neo-
a) Carcinomas epiteliais do ovário plasias com potencial esteroidogênico.
- Estadio I: Ia = 85%, Ib = 70%, Ic = 60%; b) Tumores de células da granulosa
- Estadio II: IIa = 60%, IIb = 50%, IIc = 45%; De 1 a 3% das neoplasias ovarianas acometem a faixa
- Estadio III: IIIa = 30%, IIIb = 40%, IIIc = 20%; da menacme e pós-menopausa. Têm atividade hormonal
- Estadio IV: 8%. com produção estrogênica ou androgênica, logo seu qua-
dro clínico varia conforme a faixa etária acometida, desde
b) Doença residual, em todos os estadiamentos, após pseudopuberdade precoce isossexual, disfunção menstrual
cirurgia citorredutora inicial (hipermenorragia, espaniomenorreia, anovulia, esterilida-
- Microscópica: sobrevida de 40 a 60%; de) ou sangramento genital pós-menopausa, hiperplasia
endometrial, hirsutismo e virilização.
- Macroscópica (citorredução ótima): sobrevida de 30
a 35%; c) Tecomas
- Macroscópica (citorredução subótima): sobrevida de Um por cento dos tumores ovarianos é normalmente
5%. benigno.

147
ONC O LOG I A

d) Androblastomas néticas dos pseudo-hermafroditas, tornando necessária a


Tumores de células de Leydig-Sertoli. realização do cariótipo. Pode-se tentar a cirurgia conserva-
- Células de Sertoli do ovário: com a função de susten- dora em mulheres jovens, cujo estadiamento seja Ia; após
tação, podem produzir pequenas quantidades de es- a prole estar completa, devem ser submetidas à cirurgia
trogênios; radical. Nos estadios mais avançados, a cirurgia radical já
estará indicada, independente da idade ou da paridade da
- Células de Leydig: têm grande capacidade de produ- paciente.
ção de androgênios no ovário normal em desenvolvi-
mento. Tais grupamentos celulares são substituídos c) Tumor do seio endodérmico
pelos folículos primordiais, mas podem restar dessas É o 2º tumor maligno, em incidência, em crianças, ado-
células, e, a partir daí, desenvolvem-se as neoplasias. lescentes e mulheres jovens, representando 1 a 2% dos
São tumores raros, com comportamento benigno ou tumores ovarianos. As células neoplásicas assemelham-se
maligno, e podem ser bilaterais. a estruturas precoces do embrião como vesícula vitelínica.
Pode estar associado a outros tumores germinativos (tera-
B - Tumores de células germinativas tomas, coriocarcinomas) e é marcado por níveis elevados
Estes tumores correspondem aos oriundos das células de alfa-fetoproteína e, infelizmente, altamente letal. A qui-
germinativas da gônada embrionária. Representam 20% de mioterapia pós-operatória é obrigatória por 12 a 18 meses.
todos os tumores ovarianos, costumeiramente acometem d) Teratoma imaturo
mulheres jovens, portanto seu tratamento dependerá do ris- É o 3º tumor maligno mais comum em jovens e repre-
co de recidiva, do tipo histológico e do desejo reprodutivo. senta 1% dos tumores ovarianos. Composto de estruturas
imaturas derivadas dos 3 folhetos germinativos (ectoder-
me, mesoderme, endoderme), o prognóstico é determina-
do pela quantidade de elementos neurais imaturos. Tam-
bém é muito letal, o que torna obrigatória a associação de
cirurgia e quimioterapia.
e) Tumores altamente especializados
- Struma ovarii: neoplasia constituída totalmente ou
em grande parte por tecido tireoidiano; acomete a 4ª
e a 5ª décadas de vida, podendo ser assintomática ou
com sintomas tireotóxicos em 25% dos casos.
f) Tumor carcinoide
Tem a capacidade de sintetizar a serotonina, logo o qua-
dro clínico típico, quando presente, é a síndrome carcinoi-
de (rubor facial fugaz, diarreia, broncoespasmo, alterações
Figura 12 - Teratoma maduro: visão laparoscópica cardiovasculares).
g) Fibroma
a) Teratoma maduro
Representa de 1,5 a 6% dos tumores ovarianos benig-
É o tumor mais comum das mulheres jovens (40% de nos, acometendo, principalmente, a faixa dos 30 aos 50
todos os tumores ovarianos dessa faixa etária). Também anos. Tem sintomatologia inespecífica ou é assintomático
denominado cisto dermoide, é o tipo histológico mais fre- quando pequeno; quando maior que 6cm, pode associar-se
quente na infância, na adolescência e na gravidez (Figura à ascite e ao derrame pleural, constituindo a síndrome de
12). Raramente, é maligno (só 2% dos casos), e, em seu in- Meigs.
terior, podem-se identificar restos de cabelos, ossos, den-
tes, cartilagens e outros tecidos. O risco de malignização é h) Metástases do ovário
maior conforme mais avançada é a faixa etária da mulher. Normalmente, são secundárias às neoplasias de mama
Logo, nas jovens, o tratamento é mais conservador (tumo- ou do trato gastrintestinal.
rectomia ou ooforectomia, se necessário), e, nas pacientes Um tumor que se destaca é o tumor de Krukenberg, ca-
idosas, é mais radical (histerectomia total com salpingoofo- racterizado pela presença de células “em anel de sinete”,
rectomia bilateral). com característica mucossecretora. Costuma ser a metás-
tase ovariana de tumores malignos do trato gastrintestinal
b) Disgerminoma que se disseminaram por implantes da descamação das
Acomete, principalmente, a faixa entre 12 e 22 anos. células neoplásicas. Frequentemente, o tumor primário é
Eventualmente, podem desenvolver-se nas gônadas disge- o de estômago. Acomete mulheres na 4ª e na 5ª décadas

148
O N C O LO G I A G I N E C O L Ó G I C A

de vida, tem quadro clínico inespecífico, é, na maioria das


vezes, bilateral e deve ser sempre tratado cirurgicamente
com exérese do tumor primário e histerectomia total + ane-
xectomia bilateral + omentectomia. O prognóstico é muito
ruim, com altas taxas de mortalidade já no 1º ano pós-ci-
rurgia.
i) Outros tipos mais raros
Carcinoma embrionário, coriocarcinoma primitivo do
ovário, tumores de células germinativas mistos.

ONCOLOGIA

149
ONC O LOG I A

CAPÍTULO

5
Tumores do sistema nervoso central
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Mauro Augusto de Oliveira

1. Classificação Tumores das meninges


- Tumores mesenquimais;
Há diversas maneiras de classificar os tumores do
Sistema Nervoso Central (SNC): primário versus secundário - Lesões melanocíticas primárias;
(tumores metastáticos), pediátrico versus adulto, por locali- - Outros.
zação no sistema nervoso, pela célula de origem ou por sín- Linfomas e outros neoplasmas do tecido hematopoético
dromes típicas causadas pelo tumor. Não há um esquema Tumores de células-tronco
de classificação ideal. A classificação WHO (World Health Tumores da região selar
Organization) cita mais de 150 tipos diferentes de tumo- Tumores metastáticos
res cerebrais primários divididos em 7 categorias. Aqui, Fonte: OMS (2007).
serão divididos os tumores mais frequentes em primários
(benignos e malignos) e secundários (metástases do SNC).
2. Quadro clínico
Até 50% de todas as neoplasias do SNC são metástases de
cânceres de outros sítios, destacando-se pulmão e mama. Independente do tipo histológico da lesão, as manifes-
Dos tumores primários do SNC, 35% são de linhagem glial tações dos tumores intracranianos podem dever-se a inva-
(astrocitomas, por exemplo), 40% meninges e 25% outros são cerebral local, compressão de estruturas adjacentes ou
(neurônios, linfócitos). Os tumores cerebrais primários in- aumento da pressão intracraniana, podendo levar a edema
cluem tumores do parênquima cerebral, meninges, nervos perilesional, hidrocefalia ou desvio de estruturas críticas. O
cranianos e outras estruturas intracranianas (como hipófise quadro neurológico pode ter, como sintomas:
e glândula pineal).
- Déficitneurológico progressivo: é a apresentação
Tabela 1 - Classificação dos tumores cerebrais - WHO abreviada mais comum (68%), frequentemente fraqueza motora;
Tumores do tecido neuroepitelial
- Cefaleia: em 54%, normalmente, na forma de cefaleia
- Tumores dos astrócitos; do tipo tensional;
- Tumores oligodendrogliais;
- Tumores dos oligoastrócitos;
- Convulsão: em cerca de 26% dos casos.
- Tumores das células ependimárias;
O diagnóstico é obtido pela característica evolutiva e pro-
- Tumores do plexo coroide;
gressiva dos sintomas e, principalmente, por meio dos exa-
- Outros tumores neuroepiteliais; mes de neuroimagem, como Tomografia Computadorizada
- Tumores neuronais e neurogliais mistos; Contrastada (TCC), e pela Ressonância Nuclear Magnética
- Tumores da região da glândula pineal; (RNM) com contraste (gadolínio), que hoje constitui o exa-
- Tumores embrionários. me de escolha para a avaliação das lesões. Em linhas ge-
Tumores craniais e dos nervos paraespinhais rais, tumores de alto grau histológico manifestam-se com
- Schwannomas; achados neurológicos focais e alterações progressivas do
- Neurofibromas; estado mental; cefaleia e vômitos são comuns. Em tumores
de baixo grau histológico, a apresentação inicial mais carac-
- Tumores malignos da bainha de nervos periféricos.
terística é de convulsões, podendo não haver cefaleia, náu-
Tumores das meninges
seas ou sinais focais possivelmente ocasionados por edema
- Meningiomas; discreto.

150
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

Tabela 2 - Apresentação neurológica dos tumores cerebrais


Generalizadas Focais
Dor de cabeça Crise convulsiva
Crise convulsiva Fraqueza
Náuseas e vômitos Perda sensitiva
Depressão do nível de consciência Afasia
Disfunção neurocognitiva Disfunção visuoespacial
Fonte: UpToDate.

3. Tumores benignos primários

ONCOLOGIA
A - Meningioma
O meningioma constitui um tumor de crescimento len-
to extra-axial. Origina-se da aracnoide (não da dura-máter),
localiza-se mais comumente ao longo da foice, mas pode
ocorrer em qualquer local onde haja células aracnoides
(entre o cérebro e o crânio, ângulo pontocerebelar, forame
magno, dentro dos ventrículos e ao longo da medula espi- Figura 1 - RNM axial T1 com contraste: meningioma parietal direito
nal). Tem crescimento lento, circunscrito (não infiltrativo)
Tabela 3 - Características básicas dos meningiomas
e caráter potencialmente benigno. Pode ser múltiplo em
- Origem nas células meningoteliais da aracnoide;
até 8% dos casos, achado mais comum na neurofibroma-
- Grau variável de malignidade (semelhante aos gliomas): benig-
tose. Frequentemente se calcifica e causa hiperosteose do
no, atípico e maligno ou anaplásico;
osso adjacente. Ocorre, principalmente, entre os 40 e os 50
- Meningioma atípico: atividade micótica aumentada;
anos, com pico de incidência aos 45 anos. A proporção mu-
- Meningioma anaplásico: sinais positivos de malignidade.
lher X homem é de 1,8:1.
O tipo histológico mais comum é o meningoteliomatoso B - Neurinoma do acústico
ou sincicial. O quadro clínico dependerá da localização da
lesão, porém não é raro haver sintomas inespecíficos, ou O termo schwannoma vestibular tem sido proposto
como a denominação de escolha, uma vez que o tumor se
mesmo como achado de exame.
origina da bainha neurilemal da divisão superior do ner-
À TCC, aparece como massa de impregnação densa e
vo vestibular (VIII nervo craniano), não a divisão acústica.
homogênea, com uma ampla base de ligação ao longo da
Tipicamente, torna-se sintomático após os 30 anos. Pelo
borda dural. Pode haver pouco edema cerebral, ou este
menos 95% são unilaterais; na neurofibromatose tipo 2,
ser acentuado e estender-se através da substância branca
são bilaterais. Os sintomas estão relacionados a tamanho
de todo o hemisfério. À RNM, uma boa sequência para es-
do tumor, e os mais frequentes são zumbido, perda auditiva
tudar essa lesão é o T2WI. Além de avaliá-la em vários pla-
neurossensorial e dificuldades de equilíbrio. Tumores maio-
nos (axial, sagital e coronal), mostra a relação com os seios res podem causar dormência facial ou sintomas de tronco;
durais, que podem estar invadidos pela lesão; são isoin- raramente, produzem hidrocefalia. Na patologia, os tumo-
tensos na RM tanto em T1 como em T2. A imagem com res são compostos de fibras de Antonio A (células bipolares
contraste mostra realce brilhante e vascularização proe- estreitas e alongadas) e B (reticuladas frouxas). O principal
minente. A angiografia por subtração digital é importante diagnóstico diferencial é o meningioma e, menos frequen-
para avaliar a irrigação da lesão e possibilita, por meio de temente, com o neurinoma do nervo trigêmeo. A avaliação
procedimento endovascular, uma desvascularização de auditiva prévia é importante para o tratamento. A RNM é
sua irrigação, facilitando o controle do sangramento tran- o exame de escolha, sendo uma lesão ovalada ou redonda
soperatório e favorecendo um melhor plano de clivagem. com impregnação homogênea, centrada no canal auditivo
A cirurgia é o tratamento de escolha para os meningiomas interno. Grandes lesões podem mostrar áreas de aspecto
sintomáticos, e a sobrevida em 5 anos a pacientes com cístico. O tratamento pode ser expectante, radioterápico ou
meningiomas é de 91,3%. cirúrgico. O tumor é, quase sempre, ressecável.

151
ONC O LOG I A

Figura 3 - (1) Glândula hipofisária; (2) haste hipofisária; (3) quias-


ma óptico; (4) nervo oculomotor; (5) giro reto; (6) crista etmoidal;
(7) seio esfenoidal; (8) célula etmoidal; (9) bulbo olfatório

Tabela 5 - Manifestações do adenoma de hipófise


- Microadenomas: (1) galactorreia; (2) acromegalia/gigantismo;
(3) Cushing; (4) hipertireoidismo com TSH elevado (raro); (5)
falha primária da tireoide; (6) hormônio basal baixo/normal;
- Macroadenomas e carcinoma da hipófise: (1) paralisia dos
movimentos oculares, causando visão dupla ou visão turva; (2)
Figura 2 - Neurinoma do acústico em crianças sem associação a perda da visão periférica; (3) cegueira súbita; (4) dormência ou
neurofibromatose. Fonte: Arq. Neuro-Psiquiatr. vol. 57, n. 1, São dor facial; (5) dor de cabeça; (6) tontura; (7) perda de consci-
Paulo, Mar., 1999 ência (desmaio).

Tabela 4 - Características básicas dos neurinomas do acústico


4. Tumores malignos primários
- Neurinoma (schwannoma) acomete mais comumente o VIII
nervo, mas também podem ter sua origem no V par; São classificados em tumores gliais (gliomas), heman-
gioblastomas, meduloblastomas e linfomas primários do
- Neurinoma do acústico pode alargar o meato acústico interno;
SNC. Os gliomas podem ser divididos, principalmente, em
- Devido ao seu crescimento lento, pode comprimir estruturas astrocitomas (astrocitoma pilocítico, anaplásico e glioblas-
adjacentes (no neurinoma do acústico, pode haver manifesta- toma multiforme) e oligodendrogliomas.
ções clínicas relacionadas ao nervo facial e/ou trigêmeo).
A - Astrocitoma pilocítico
C - Adenoma de hipófise
Também chamado de astrocitoma cístico cerebelar ou
Os tumores da hipófise originam-se, primariamente, astrocitoma pilocítico juvenil, constitui um dos tumores
na adeno-hipófise e podem ser classificados pela função cerebrais pediátricos mais comuns e compreende de 27 a
endócrina (funcionais – prolactinomas, tumores produto- 40% dos tumores pediátricos da fossa posterior. É classifi-
res de ACTH, tumores produtores de GH e não funcionais) cado como grau I, com bom prognóstico. Frequentemente
ou pelo tamanho (microadenomas e macroadenomas). cístico, metade tem nódulos murais. O tratamento cirúrgico
São mais comuns na 3ª e na 4ª décadas de vida e afetam quase sempre é curativo.
igualmente ambos os sexos. O quadro clínico mais comum
é o distúrbio endócrino, com secreção aumentada em
75% dos pacientes com adenoma hipofisário. Em tumo-
res maiores, pode ocorrer efeito compressivo no quiasma
óptico, levando a uma hemianopsia bitemporal. O diag-
nóstico requer um perfil hormonal e exames de neuroima-
gem. O adenoma hipofisário é hipodenso na ressonância
magnética no estudo com contraste, e o tratamento clíni-
co é indicado, aos casos de prolactinomas, com agonistas
dopaminérgicos, como a bromocriptina e a cabergolina.
No caso de lesões maiores, o tratamento cirúrgico é reco-
mendado e pode ser abordado por via transesfenoidal ou
mesmo por craniotomia.
A Figura a seguir mostra a hipófise e suas relações com
as diferentes estruturas:

152
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

B - Astrocitoma anaplásico
É classificado como grau III e tem evolução agressiva,
com aspecto heterogêneo. É o 2º tumor mais comum.

C - Glioblastoma multiforme (GBM)


É o tumor cerebral primário mais comum e o astrocito-
ma mais maligno, classificado como grau IV. Tem péssimo
prognóstico, devido a seu comportamento agressivo e infil-
trativo, e apresenta-se nos exames de imagem com morfo-
logia multiforme, impregnação heterogênea do contraste e
áreas de necrose. Possui sobrevida média de 5 meses.
O GBM ocorre mais habitualmente na substância branca

ONCOLOGIA
subcortical dos hemisférios cerebrais. A localização combi-
nada frontotemporal é particularmente típica. A infiltração
do tumor muitas vezes se estende para o córtex adjacente
ou gânglios da base. Quando um tumor no córtex frontal
se espalha através do corpo através do corpo caloso para o
hemisfério contralateral, que cria a aparência de uma lesão
bilateral simétrica, surge o termo “glioma em borboleta”.
Locais menos frequentes de GBM são tronco cerebral (que
muitas vezes é encontrada em crianças afetadas), cerebelo
e da medula espinhal.
Claramente, são necessárias novas abordagens para o
tratamento do GBM. Um maior número de pacientes em
estudos clínicos gerará novas informações sobre terapias
em investigação. Novas abordagens, como uso de terapia
gênica e imunoterapia, bem como métodos aperfeiçoados
para o surgimento de terapias antiproliferativa, antiangio-
gênica e não invasivo, são auspiciosas.

Figura 4 - Ressonâncias magnéticas de astrocitomas em diversos Figura 5 - TC com contraste: glioblastoma multiforme de corpo
cortes anatômicos caloso

153
ONC O LOG I A

D - Oligodendrogliomas G - Linfomas do SNC


São tumores de crescimento lento e habitualmente se Podem ser primários ou secundários, ambos os tipos pa-
apresentam com convulsões. Calcificações são comuns. tologicamente idênticos. Suspeita-se deles nas lesões que
Apresentam características histológicas clássicas de cito- se contrastam homogeneamente na porção central da mas-
plasma de “ovo frito” e vascularização “em tela de arame”. sa cinzenta ou corpo caloso. Podem apresentar-se com pa-
Seu tratamento envolve cirurgia para alguns, quimioterapia ralisias múltiplas dos nervos cranianos e estar relacionados
para todos e radioterapia para transformação anaplásica. à AIDS. Seu principal diagnóstico diferencial é obtido com
neurotoxoplasmose. Tem boa resposta com radioterapia e
E - Hemangioblastoma corticoterapia, porém o prognóstico não é bom, devido à
É o tumor intra-axial mais comum na fossa posterior em alta taxa de recorrência (78%).
adultos. Pode ocorrer esporadicamente ou como parte da
doença de von Hippel-Lindau e estar associado à eritrocito- 5. Metástases do SNC
se (policitemia).
São os tumores mais comumente vistos clinicamente.
F - Meduloblastoma Segundo dados de necrópsia, 25% dos indivíduos com neo-
É o tumor maligno do SNC mais comum na Pediatria, plasias sistêmicas têm metástase cerebral. A via de dissemi-
com pico de incidência na 1ª década de vida. Geralmente, nação é principalmente hematogênica. As fontes mais co-
origina-se no vermis cerebelar, no assoalho do IV ventrícu- muns são câncer de pulmão (44%), mama (10%), rim (7%),
lo – localização que predispõe à hidrocefalia precoce –, e TGI (6%) e melanoma (3%).
aparece como uma lesão sólida, mediana, que se intensi- O tumor com maior taxa de sangramento é o melano-
fica com contraste. É altamente radiossensível e modera- ma. Nos exames de imagem, apresenta-se como lesão ar-
damente quimiossensível. Tem alta disseminação no eixo redondada, originando-se na junção da substância branca/
cranioespinal, e a recorrência é comum. Recomenda-se o cinzenta, com edema profundo da substância branca (“de-
tratamento cirúrgico. dos de edema”); pode ter impregnação anelar, que pode
ser confundida com abscesso. Múltiplas lesões em exames
de imagem sugerem o diagnóstico de metástases, porém
estas podem manifestar-se como lesão solitária em 50%
dos casos.
Lesões únicas com controle tumoral primário podem ter
tratamento cirúrgico. Em lesões múltiplas, o tratamento é
feito com radioterapia ou radiocirurgia estereotáxica, sem
cirurgia. Quimioterapia tem valor limitado para tumores do
SNC, devido à barreira hematoencefálica.

Figura 7 - RNM axial T1 com contraste: múltiplas metástases

Os glicocorticoides reduzem o edema vasogênico rela-


cionado com o tumor e são úteis no tratamento de alguns
pacientes com tumores intracranianos. Entretanto, não são
necessários em todos aqueles com neoplasia intracraniana,
a menos que haja evidência de hipertensão intracraniana,
Figura 6 - Correlação radioanatomopatológica dos tumores ence- cujos sinais e sintomas incluem cefaleia e vômitos, rebaixa-
fálicos. Fonte: Neurology and Clinical Neuroscience mento do nível de consciência, papiledema e evidência, em

154
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

neuroimagem, de efeito de massa significativo, apagamen- - O meningioma é um tumor benigno, de crescimento lento, com
to de sulcos, ou desvio da linha média. Um neurocirurgião calcificações e frequentes hiperosteoses do osso adjacente;
deve ser consultado em adição à administração de corticoi- - O glioblastoma multiforme é o tumor cerebral primário mais
de, uma vez que a deterioração produzida pela hipertensão comum e o astrocitoma mais maligno. Apresenta-se nos exa-
intracraniana pode evoluir rapidamente. O esquema usual mes de imagem com morfologia multiforme e impregnação
compreende dexametasona, 10mg IV, seguida por 4mg de heterogênea do contraste em áreas de necrose;
6/6h, podendo ser diminuída posteriormente, na depen- - Os tumores cerebrais mais vistos clinicamente são as metásta-
dência da resposta clínica. ses para SNC. As principais fontes são pulmão, mama, rim, TGI
Outro sítio de metástase para o SNC é a medula. Deve- e melanoma;
se suspeitar de metástases vertebrais em todo paciente - Com relação a metástases, os fatores de resultado associados
com história de malignidade, com dor na coluna vertebral a melhor prognóstico são: pontuação de Karnofsky alta, >70%;
de início subagudo, independente de achados neurológicos idade <70 anos; nenhuma doença sistêmica ou doença sistêmi-
ca controlada; nenhuma metástase sistêmica dentro de 1 ano
ao exame. A compressão da medula espinal secundária à

ONCOLOGIA
após o diagnóstico da lesão primária; paciente do sexo femi-
metástase ocorre em 5% de todos os pacientes com pro- nino;
cessos malignos ou pode ser a 1ª manifestação de uma ne-
- Cirurgia e WBRT (radioterapia em cérebro total) permanecem o
oplasia subjacente. Tumores mais comumente associados padrão de tratamento.
a essa complicação têm origem no pulmão, na próstata e · Dados emergentes sugerem que a quimioterapia e a radioci-
na mama. rurgia são tão promissoras quanto a cirurgia e WBRT, especial-
Na apresentação inicial, 95% dos pacientes têm dor, mente em pacientes com mais de 1 lesão cerebral;
localizada na coluna vertebral, 75% têm fraqueza neurogê- · Além disso, nenhuma diferença significativa foi observada en-
nica, e um nível sensitivo pode estar presente, indicando tre a radiocirurgia estereotáxica e a quimioterapia combinadas e
comprometimento medular. Sinais inequívocos de mielopa- a radiocirurgia nesta população de pacientes;
· Assim, os doentes de RAP (analise de participação de recur-
tia (Babinski, retenção urinária) não devem ser aguardados
sos) classe 2 ou 3 podem não ter vantagem de sobrevivência com
para solicitar neuroimagem, uma vez que, na ocasião em o tratamento agressivo e prolongado, e a radiocirurgia sozinha
que esses sintomas aparecem, já pode haver incapacidade pode ser uma opção terapêutica mais sensata.
permanente.
Radiografias da coluna podem mostrar evidências de
metástases em até 80% dos casos, porém o exame de es-
colha, na suspeita, é a RNM. A compressão da medula es-
pinal é uma emergência neurológica, e o tratamento deve
ser iniciado antes que se desenvolvam déficits neurológi-
cos. Altas doses de dexametasona constituem o tratamento
inicial de escolha. Radioterapia deve ser instituída o mais
precocemente possível. A cirurgia pode ser indicada a casos
de instabilidade medular. E a analgesia adequada é outro
aspecto importante do tratamento.
Processos malignos sólidos e hematológicos podem ge-
rar metástases nas meninges, produzindo carcinomatose
leptomeníngea. Os sinais e sintomas incluem alteração do
estado mental, hidrocefalia, neuropatias cranianas, fraque-
za e dor radicular. RNM é o exame de escolha nesses ca-
sos, e as metástases aparecem como área de impregnação
anômala dos meios de contraste, com aspecto nodular ou
linear, sendo focais ou difusas.
O exame citológico do LCE tem sensibilidade de 60%,
que pode elevar-se para até 90% com 3 punções.

6. Resumo
Quadro-resumo
- Cefaleia e convulsões são 2 das principais formas de apresenta-
ção dos tumores do SNC;
- Podem ocorrer hidrocefalia e sintomas focais que dependem do
tamanho e da localização dos tumores;

155

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