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Abtract: This paper analyzes verbal interactions in a tutoring service. Our hypothesis is that the teacher
education program for virtual dialogue needs to consider the development of the communicational
capacity to promote the dialogic learning. We verify if the maintenance of the students interest, and if the
meaning construction are related to the flow of the dialogue kept by means of the language adjusted on the
part of the tutor.
Keywords: verbal interaction; dialogia; tutoring through the internet; dialogical education
Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar interações discursivas realizadas em um serviço de tutoria
on-line. Partimos do pressuposto de que a formação de educadores para o diálogo virtual em serviços de
tutoria on-line precisa considerar o desenvolvimento da capacidade comunicativa do educador para as
interações verbais que possam promover a aprendizagem dialogicca. Verificamos se a manutenção do
interesse do aluno e se o sucesso da construção do conhecimento estão diretamente relacionados ao fluxo
do diálogo mantido por meio da linguagem adequada por parte do tutor.
Palavras-chave: interação verbal, dialogia, tutoria pela internet, educação dialógica
Introdução
Pesquisas sobre a Educação a Distância (EaD) sugerem que o diálogo desempenha
função essencial para a aprendizagem [PETERS, 2001; SILVA, 2000, entre outros]. O entendimento
das formas de realização do diálogo virtual pode contribuir para a compreensão da complexidade
dos espaços educacionais não-presenciais e suas inter-relações com os atores da educação. Dentre
as possibilidades de pesquisa nessa área, escolhemos analisar como se dá o processo de
comunicação em atividades educacionais a distância.
Neste trabalho analisamos um episódio de interação entre tutor-aluno, ocorrido em um
sistema de tutoria on-line, durante estágio supervisionado de tutoria pela internet, realizado em
uma disciplina a distância de metodologia de ensino via telemática, oferecida para licenciandos
em química. Pressupomos que, além da preparação técnica para uso de ferramentas de
comunicação a distância ou de ambientes virtuais de aprendizagem, elementos como o
surgimento de novos gêneros discursivos, o conceito de educação dialógica e a importância do
diálogo problematizador para a construção de significados, se tomados em conta na ação do tutor,
podem influenciar na forma como ele irá praticar o processo de tutoria pela internet. Verificamos
se a manutenção do interesse do aluno e se o sucesso da construção do conhecimento estão
diretamente relacionados ao fluxo do diálogo mantido por meio da linguagem adequada por parte
do tutor. Para isso articulamos o conceito de educação dialógica elaborado por Freire [1977],
alguns fundamentos da perspectiva sociocultural sugeridos por Vigotski [2000], e a noção de
dialogia, voz e polifonia desenvolvidas por Bakhtin [1978; 2003].
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As mensagens do episódio estão numeradas pela ordem em que foram postadas. Trechos
que não compõem esta análise foram cortados e substituídos por (…). A escrita original foi
mantida.
A primeira informação a ser observada nesse episódio de interação é que o aluno retornou
ao serviço por seis vezes. O aluno revela sua intenção em construir um destilador (mensagem 1),
mas somente explicita que o destilador seria utilizado em uma feira de conhecimentos na
mensagem 8, quando seu discurso deixa entrever uma insatisfação com a falta da resposta
objetiva e agradece não mais retornando ao serviço para continuar a interação com o tutor, que
somente na mensagem 9 revela "Você não me avisou que tinha uma feira!!!".
O discurso utilizado pelo aluno é muito similar aos gêneros utilizados em sala de aula, no
qual se pressupõe uma resposta pronta à pergunta enviada. Quando o tutor encaminha sua
primeira mensagem (mensagem 2) a resposta não é objetiva, mas permeia a reflexão e convida o
aluno para a construção da resposta. O aluno, ao responder, traz para o episódio uma terceira voz,
trecho do livro, como sua parte para a construção da resposta. Quando o tutor continua tentando
construir a resposta, o aluno demonstra uma certa impaciência, pois a feira onde utilizará o
experimento está chegando (mensagem 8). Isso nos leva a inferir que o aluno espera mesmo uma
resposta pronta e uma relação assimétrica com o tutor, na qual este último deve dar uma resposta.
Na tentativa de problematizar as dúvidas do estudante, o tutor inicia, na mensagem 2
apresentando suas reflexões sobre a pergunta e convida o aluno para continuar a interação
"Aguardo discussão". O aluno, em resposta ao convite, retorna ao serviço citando um exemplo
retirado de um livro sobre a construção do destilador. O tutor considera rapidamente o discurso
citado e continua a interação discutindo os problemas que podem ser encontrados nesse
experimento quando na mensagem 7 afirma "... mas volto a frisar sobre os cuidados...".
Finalmente a última mensagem do tutor, apresenta a sugestão para a construção coletiva do
destilador, mensagem 10, mas a essa altura o aluno parece já ter se despedido do serviço e não
mais retornou.
Considerações preliminares
Nossa análise revela que a pergunta formulada pelo estudante traz características dos
gêneros discursivos praticados em sala de aula, portanto estruturados pelo discurso escolar, no
qual se pressupõe uma relação assimétrica entre professor e aluno, e que se espera uma resposta
pronta às perguntas enviadas. Como aponta Freire [1977], em seu estudo sobre a prática do
diálogo entre camponeses e agrônomos, a dificuldade em dialogar dos camponeses tem sua razão
na estrutura social em que vivem, fechada e opressora [Freire, 1977, p. 49], e, para Bakhtin
[1978], a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente a
estrutura da enunciação. Considerando essas afirmações, é de se esperar que os estudantes tentem
reproduzir o gênero discursivo escolar, mas de acordo com nossos pressupostos, o tutor deve
subverter essa situação e tentar uma ação dialógica. No episódio analisado, o tutor convida o
aluno para a reflexão, lançando mão de um discurso interativo de autoridade, mas coloca-se em
uma posição também de reflexão e revela não ser conhecedor de todas as respostas, mas, sim, de
quem irá buscar uma resposta, por exemplo, na mensagem 2 “estou pesquisando”.
Os inúmeros retornos do aluno ao sistema para estabelecer novas interações indicaram
que essa atitude do tutor foi importante para criar um fluxo de diálogo, entretanto, ele utiliza um
discurso de autoridade ao fazer afirmações imperativas sobre os perigos do experimento. Nessa
oportunidade de reflexão gerida pelo tutor, o aluno convoca a presença de um livro na construção
do diálogo, disputando, com a presença de outras vozes, a autoridade com o tutor. Apesar desta
disputa, ou justamente por causa dela, o tutor consegue estabelecer um fluxo de diálogo e
promover o retorno do aluno ao sistema. O tutor considera o discurso citado pelo aluno, fazendo
um breve comentário na mensagem 7: “É realmente interessante a descrição do destilador no
livro. Não li o livro, e portanto não conhecia a descrição. Pela descrição parece ser simples, mas
volto a frisar...” e retoma seu próprio discurso. O tutor manteve o discurso interativo de
autoridade [Mortimer e Scott, 2002], sem convocar outras vozes, como fez o aluno, o que talvez
pudesse ter contribuído para a construção da resposta esperada pelo aluno.
A participação do tutor H nas atividades das aulas foi bastante reduzida. Não é possível
saber se o ele realizou as leituras básicas, mas sua não participação nos fóruns e a maneira como
conduziu essa interação, leva-nos a inferir que o fato de não ter cumprido todas as atividades da
disciplina tenha prejudicado seu desempenho durante a tutoria. Mesmo superadas as dificuldades
técnicas de uso do sistema Tutor em Rede, o tutor H, que não se engajou na reflexão sobre a
interação dialógica, não cumpriu os objetivos mínimos esperados para a proposta de uma
educação dialógica, isto é, não realizou o diálogo virtual composto pelos elementos descritos em
nosso quadro teórico. Portanto, o domínio técnico das interfaces de comunicação é insuficiente
para garantir a interação dialógica. Além da preparação técnica para uso de ferramentas de
comunicação a distância ou de ambientes virtuais de aprendizagem, outros elementos devem ser
abordados em programas de formação de educadores. Por ora, podemos dizer que a manutenção
do interesse do aluno encerrou-se pelo fato de o tutor não ter sido bem-sucedido na parceria com
o aluno para a construção do conhecimento. Ainda assim, outras análises precisam ser realizadas
para podermos verificar regularidades no diálogo virtual e se se amplia a qualidade e a
quantidade dos enunciados de professores e alunos, a partir da dialogia.
Agradecimentos
Agradecemos à FAPESP-Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pela
bolsa de doutorado concedida para desenvolvimento da pesquisa que possibilitou gerar este
artigo.
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