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ELENISIA MARIA DE OLIVEIRA

MOVIMENTO DE MULHERES DE ANDRADINA:


POLÍTICA, RESISTÊNCIA E FÉ NA REDEMOCRATIZAÇÃO DO
BRASIL

Dourados
2020
ELENISIA MARIA DE OLIVEIRA

MOVIMENTO DE MULHERES DE ANDRADINA:


POLÍTICA, RESISTÊNCIA E FÉ NA REDEMOCRATIZAÇÃO DO
BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


-Graduação em História da Faculdade de Ciências
Humanas da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD) como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em História.

Área de concentração: Sociedade, Política e


Representações.

Orientador: Prof. Dr. Linderval Augusto Monteiro

Coorientação: Prof. Dra. Claudia Regina Nichnig

Dourados
2020
ELENISIA MARIA DE OLIVEIRA

MOVIMENTO DE MULHERES DE ANDRADINA: POLÍTICA,


RESISTÊNCIA E FÉ NA REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/UFGD

Aprovada em ______ de __________________ de _________.

BANCA EXAMINADORA:

Presidente e orientador:
Linderval Augusto Monteiro (Dr., UFGD)
________________________________________

2º Examinador:
Fernando Perli (Dr., UFGD)
________________________________________

3º Examinador:
Mariana Esteves de Oliveira (Dra., UFMS)
________________________________________
AGRADECIMENTO

Por mais que no mestrado a gente tenha autonomia em relação à nossa pesquisa, não
posso dizer que senti solidão, pois não estive só nesse processo. As palavras de apoio, gestos,
afagos, a compreensão, a presença (mesmo que não físicas) de familiares, amigos e
professores, me permitiram chegar até aqui e por isso, sou imensamente grata a cada um
desses.
Aos amigos, agradeço especialmente Rafaely Zambianco, Mariely Zambianco e Laíssa
Thaila Vicente que me incentivaram e me derem todo apoio emocional necessário para a
construção dessa dissertação. Aos meus professores, agradeço ao meu orientador Linderval
Augusto Monteiro; à Mariana Esteves de Oliveira, que me apresentou o meu objeto de
pesquisa e muitas das fontes que trabalhei; ao professor Rafael Athaídes, um incentivador do
qual as aulas contribuíram para que eu passasse no processo seletivo; ao Fernando Perli, que
de maneira generosa me apontou alguns caminhos; à Maria Celma Borges, uma incentivadora
e grande inspiração para mim; e ao Vitor Wagner de Oliveira, que de maneira generosa, leu
parte do meu texto e contribuiu com indicação de leitura. Agradeço especialmente à minha
coorientadora Claudia Nichnig que incentivou e me deu o suporte teórico necessários nessa
caminhada.
Á família, primeiramente agradeço ao meu pai, Edignaldo Francisco de Oliveira, que
me ensinou desde cedo o valor da educação; à minha mãe, Maria José Lima, que mesmo com
pouca leitura, lia os meus cadernos e me parabenizava pelas páginas preenchidas; a minha
prima/irmã Cristiane Oliveira, por suas palavras de apoio e por estar sempre comigo (mesmo
que a distância); e aos meus irmãos Rita e Edmilson Oliveira que me foram base.
Cheguei à teoria machucada, a dor dentro de
mim era tão intensa que eu não conseguia
continuar vivendo. Cheguei à teoria
desesperada, querendo compreender o que
estava acontecendo, ao redor e dentro de mim.
Mais importante, queria fazer a dor ir embora.
Via na teoria, na época, um local de cura.
(Bell Hooks)
RESUMO

O presente trabalho centra-se na trajetória do Movimento de Mulheres de Andradina (MMA)


que nasceu em meados da década 1970, nas periferias da cidade de Andradina-SP, junto às
Comunidades Eclesiais de Base, e se desenvolveu no seio do Instituto Administrativo Jesus
Bom Pastor (IAJES), uma organização ligada à Igreja Católica e orientada pela Teologia da
Libertação. Isso em um período em que o Brasil, a exemplo de outros países da América
Latina, encontrava-se sob um regime civil-militar. O MMA, que em um primeiro momento
desenvolvia trabalhos assistencialistas, objetivando a atender às necessidades mais imediatas
da população pobre, ao longo de sua trajetória, por influência da Teologia da Libertação e
pelo contato com outros movimentos de mulheres e feministas, forjou-se na luta contra a
exploração da classe trabalhadora e pela igualdade de direito das mulheres em relação aos
homens. Outrossim, atuou no processo de reabertura democrática do Brasil e pela
Constituinte; lutas que resultaram, entre outras conquistas, na promulgação da Constituição
Cidadã de 1988.

Palavras-chaves: Movimento de Mulheres; Andradina; Teologia da Libertação.


ABSTRACT

The present work focuses on the trajectory of the Movimento de Mulheres de Andradina
(MMA), which was born in the mid-1970s, on the periphery of the city of Andradina-SP,
together with the development the Base Ecclesial Communities, and developed within the
Institute Administrative Jesus Bom Pastor (IAJES), an organization linked to the Catholic
Church and guided by Liberation Theology.This was at a time when Brazil, an example of
other Latin American countries, found itself under a civil-military regime. The MMA, which
in the first moment develops assistance work, aiming to meet the most immediate needs of the
population, throughout its trajectory, influencing Liberation Theology and contact with other
women's and feminist movements, it was forged in the fight against the exploitation of the
working class and the equal right women compared to men. Furthermore, he acted in the
process of democratic reopening of Brazil and by the Constitution; struggles that resulted,
among other conquests, promulgation of the Citizen Constitution of 1988.

Kywords: women's movement, Andradina, Liberation Theology.


LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS

CEB- Comunidade Eclesial de Base

CNDM- Conselho Nacional do Direito da Mulher

CNBB- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

MCV- Movimento do Custo de Vida

MMA- Movimento de Mulheres de Andradina

MRM- Movimento Regional de Mulheres

PAS- Postos de Atendimentos Sanitários

PE- Plano de Emergência

PPC - Plano Pastoral de Conjunto

PT- Partido dos Trabalhadores

TL- Teologia da Libertação

SAB- Sociedade Amigos de Bairro


LISTA DE ILUSTRAÇÕES E QUADROS

Imagem 1: Movimento Contra a Carestia. ........................................................................ 53


Imagem 2: Movimento Contra a Carestia ......................................................................... 53

Quadro 1 – A bancada feminista na Constituinte ............................................................ 116


Quadro 2 – Direitos exigidos pelos movimentos de mulheres ........................................ 148

Figura 1 – Questionário de visita ...................................................................................... 41


Figura 2 – Etapa local........................................................................................................ 91
Figura 3 – Etapa Regional ................................................................................................. 91
Figura 4 – Etapa nacional .................................................................................................. 92
Figura 5 – Conquista dos boias-frias de Lins .................................................................... 94
Figura 6 – Cristo e os oprimidos ....................................................................................... 99
Figura 7 – As mulheres na Constituinte .......................................................................... 130
Figura 8 – Folhetim produzido pela deputada Irmã Passoni ........................................... 130
Figura 9 – Recurso iconográfico apresentado no caderno “Movimento Popular de
Mulheres” ........................................................................................................................ 140
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 20
DO CONTEXTO AOS PRIMEIROS PASSOS ................................................................... 20
1.1 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO .......................................................................................... 21
1.2 ANDRADINA, O LUGAR DA EXPERIÊNCIA .......................................................................... 26
1.3 OS PRIMEIROS PASSOS DE UM CAMINHAR: AS VISITADORAS ............................................. 32
1.4 O MOVIMENTO DO CUSTO DE VIDA: DA INSPIRAÇÃO À AÇÃO ............................................ 48
1.4.1 A HERANÇA DO MCV PARA AS MULHERES DE ANDRADINA ............................................ 52
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 57
FIRMANDO OS PASSOS ..................................................................................................... 57
2.1 O MOVIMENTO DE MULHERES DE ANDRADINA ............................................................... 57
2.2 UM NOVO FAZER POLÍTICO ............................................................................................. 66
2.3 A AGENDA DO MMA ....................................................................................................... 73
2.4 MULHER E RELIGIÃO: A CARACTERÍSTICA DO MMA ....................................................... 78
2.4.1 IDENTIDADE E AFETIVIDADE POLÍTICAS E SOCIAIS DO MMA ....................................... 81
2.4.2 AS BASES TEÓRICAS ..................................................................................................... 86
2.5 A ORGANIZAÇÃO EM REDES ............................................................................................ 90
2.5.1 O JORNAL “A VOZ DO POVO” ....................................................................................... 93
2.5.2 O MMA E OS ENCONTROS DE MULHERES DO NOROESTE PAULISTA ........................... 101
CAPÍTULO III ..................................................................................................................... 109
A CONSTITUINTE.............................................................................................................. 109
3.1 A CRIAÇÃO/ATUAÇÃO DO CNDM: CONSTITUINTE PRA VALER TEM QUE TER PALAVRA DE
MULHER ............................................................................................................................... 112
3.2 A REDE MULHER ........................................................................................................... 113
3.3 O “LOBBY DO BATOM” NO PARLAMENTO ....................................................................... 115
3.4 A CONSTITUINTE O MMR E O MMA ............................................................................. 118
3.5 MMA, MRM E A APROXIMAÇÃO COM A AGENDA FEMINISTA ...................................... 141
3.6 ANO 1988 E A RETA FINAL DA CONSTITUINTE ............................................................... 143
3.7 OS DIREITOS CONQUISTADOS ........................................................................................ 147
3.8 PÓS-CONSTITUINTE ........................................................................................................ 150
BREVES CONSIDERAÇÕES ............................................................................................ 152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 155
12

INTRODUÇÃO

A cidade de Andradina – SP, forjada na dialética de exploração e resistência,


protagonizada pelos donos do latifúndio, do poder econômico e político, e por aqueles que
resistiam a esses poderes, assistiu no alvorecer da década de 1970 ao germinar de um
movimento de mulheres, entre outros movimentos que envolviam o campo e a cidade. Um
movimento que nasceu nas Comunidades Eclesiais de Base1 e cresceu no seio do IAJES –
Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor (instituição ligada à Igreja Católica) e que, no
decorrer da sua trajetória e constituição passou a assumir uma postura de resistência diante
das condições de exploração da classe trabalhadora2, como veremos adiante.

Trata-se de um período em que o Brasil, a exemplo de uma parte da América Latina,


encontrava-se imersa em uma ditadura civil-militar, fruto do Golpe de 1964, cujo advento
teve motivações internas e externas. No âmbito interno:

[...] O que se procurava impedir era a transição de uma democracia restrita para uma
democracia de participação ampliada, que prometia não uma “democracia populista”
ou uma “democracia de massas” (como muitos apregoam), mas que ameaçava o
início da consolidação de um regime democrático-burguês, no qual vários setores
das classes trabalhadoras (e mesmo de massas sociais mais ou menos
marginalizadas, no campo ou na cidade) contavam com um espaço político próprio.
(FERNANDES, 1980, p.113).

No aspecto externo, o golpe fez parte de um plano mais amplo, “que levou a Guerra
Fria e a doutrina do desenvolvimento com segurança para as periferias do mundo”
(FERNANDES, 1980, p.114). O golpe de 1964, apoiado pelo centro hegemônico do
capitalismo, com intuito de controlar a insurgência do comunismo, buscou silenciar os
trabalhadores e desse modo acabou com a ampliação, mesmo que superficial, de uma espécie
de democracia burguesa. Um advento que só foi possível porque a classe burguesa, por meio

1
A determinação semântica das CEBs, pode-se afirmar que são comunidades pelo fato de reunir pessoas que
comungam a mesma fé [...] estas pessoas se reúnem, normalmente, em pequenos grupos, e de maneira geral
pertencem a uma mesma vizinhança geográfica. São eclesiais porque constituídas de cristãos reunidos em
razão de sua fé e em comunhão com toda a Igreja. É justamente este dado eclesial que confere pertinência e
identidade às pequenas comunidades. São de base porque são integradas por pessoas das camadas populares
(TEIXEIRA, 1988, p. 306)
2
A classe aqui assume o sentido explicitado por Thompson: por classe entendo o fenômeno histórico que unifica
uma série de fenômenos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência
quanto na consciência. Ressalto que é um fenômeno Histórico. Não vejo a classe como uma estrutura nem
como uma categoria, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas
ações humanas (THOMPSON, 2004, p. 9).
13

de suas instituições (econômicas, políticas, militares, judiciais, policiais e, em certo nível,


religiosas), movidas pelo interesse de manter seus privilégios, uniram forças e atuaram
politicamente.

Em uma perspectiva marxista, de análise de estrutura e superestrutura, é possível


afirmar que o golpe de 1964 encontrava-se no contexto do desenvolvimento do capitalismo
monopolista (SINGER, 1984). Todavia, o regime militar não conseguiu anular as diferentes
forças de resistência ao sistema, pois no dia a dia, no cotidiano das fábricas e no seio dos
movimentos sociais, rurais e urbanos, a classe trabalhadora empunhou a desobediência civil
como uma de suas principais armas (OLIVEIRA, 2016). Alguns membros da Igreja Católica
caminharam lado a lado com os movimentos sociais nesse momento, orientados por uma
corrente teológica progressista que nascia e se desenvolvia concomitantemente.

Após a Encíclica Mater et Magistra (1961) e o Concílio do Vaticano II, a Igreja


Católica voltou seu olhar para as causas sociais. Atentos aos acontecimentos na Europa,
religiosos latino-americanos passaram a externar as suas insatisfações diante da exploração da
classe trabalhadora, sobretudo do homem/mulher latino-americano(a), e ainda questionaram a
postura da igreja diante disso.

Na década de 1960, Gustavo Gutierrez, Juan Luiz e outros teólogos apresentaram e


organizaram inúmeros encontros para refletir sobre questões como justiça, fé, Evangelho,
entre outros temas. Em Chimbote, no Peru, no ano de 1968 surgiu o que seria o embrião da
Teologia da Libertação (TL), uma doutrina progressista que reivindicava uma nova forma de
pensar a fé cristã e que foi consolidada na Conferência de Medellín ocorrida no mesmo ano
(SILVA, 2006). Essa teologia reconhecia a condição histórica de exploração em que a
América Latina se encontrava submetida e por isso almejava libertar essa região do
imperialismo americano. Ao mesmo tempo, os teólogos da libertação identificavam a
exploração do homem pelo homem como sendo uma prática inerente ao capitalismo. Isto
posto, esta ala da Igreja Católica se colocava ao lado da classe trabalhadora na luta contra a
opressão e outras mazelas impostas por esse sistema. Nesse sentido, “enquanto a sociedade
não fosse justa, não haveria unidade na igreja, mas, por outro lado, quando a igreja vai se
convertendo à causa do pobre ela dá largos passos no caminho da unidade” (SILVA, 2006,
p.102).

De acordo com Oliveira (2016), a Teologia da Libertação (TL), embora não sem
reação, se espalhou por toda a América Latina, por meio de uma rede de comunicação que se
14

dava via conferências, seminários e encontros episcopais e chegava às periferias, em lugares


em que a opressão e exploração do trabalhador se davam de formas ainda mais cruéis, dado o
contexto de pobreza resultante dos desmandos dos grupos que detinham o poder econômico e
político local.

Nesse contexto, em meados da década de 1970, nasceu em Andradina, no bairro


periférico Pereira Jordão, da junção do Conselho Pastoral e do Conselho Social e
Administrativo, o Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor – IAJES (COSTA, 2017, p.39).
Instituição definida pelos próprios membros como “uma entidade ligada à Igreja Católica e
aos movimentos populares de bairro de Andradina”, que objetivava “alcançar o envolvimento
sempre maior da população da periferia no desenvolvimento comunitário. A Fundação do
IAJES, pelo padre José Vanin e outros padres e leigos, ocorreu em meados da década de
1970, tendo como principal atividade as ações das visitadoras3 (nome que recebiam devido à
atividade que desenvolviam), que percorriam os bairros das periferias procurando identificar a
condição de vida dos moradores e moradoras com intuito de auxiliar aqueles que se
encontravam em estado de vulnerabilidade social.

As visitadoras, moradoras dos bairros em que atuavam, em suas práticas passaram a


enxergar, à luz da Teologia da Libertação como teoria, a pobreza e a miséria em que se
encontravam imersas, conforme Oliveira (2016). Essas mulheres integravam as Comunidades
Eclesiais de Base (CEB’s), entidades que no primeiro momento se caracterizavam como
espaço de formação litúrgica e também política.

O IAJES, descrito por Oliveira (2016) como espaço e tempo dessas experiências, a
partir de 1976 se estende para outros bairros de Andradina e unifica o trabalho das paróquias;
o padre Vanin se muda para a igreja matriz da cidade, Igreja Nossa Senhora das Graças.
Nesse momento, graças à elaboração de um projeto que tinha como carro-chefe o trabalho
desenvolvido pelas visitadoras, agências de financiamento e cooperação internacionais4
passaram a colaborar financeiramente com o Instituto. A chegada do Padre Giancarlo Oliveri,
em 1973, contribuiu ainda mais para o amadurecimento da instituição. Da mesma forma, a
organização de mulheres amadureceu ao percorrer novos caminhos e tecer novas teias de
contato. O Movimento Contra o Custo de Vida, que floresceu na periferia de São Paulo, a

3
Todavia, a atuação das mulheres, junto à Igreja e às CEBs, precede o IAJES, como sinaliza Costa(2017, p.2) e
como é possível observar em algumas fontes, como no Caderno Mulher Povo de Julho de 1982: “Através do
trabalho social da Igreja, muitas mulheres se engajaram nas CEB’s e no IAJES, como Visitadoras”.
4
A MISEREOR e ADVENIAT da Alemanha. A MISEREOR, junto com a CEBEMO da Holanda, de acordo
com Costa (2017, p.40), se tornaram parceiras do IAJES.
15

partir da organização de mulheres que integravam o Clube de Mães5, foi incorporado pelas
visitadoras andradinenses, sendo um marco de memória do movimento.

Em 1982, as visitadoras implementaram o programa “Encontro das Mulheres”, que


deu origem aos “Movimentos de Mulheres de Andradina (MMA)”. Essas mulheres, pobres,
pertencentes à classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que lutavam contra as injustiças
sociais e para que as pessoas se tornassem sujeitos de sua própria história, conforme Oliveira
(2016), se engajavam na luta contra a carestia, contra a violência direcionada às mulheres e
pela maior participação das mulheres na política. A partir de 1982 as visitadoras, que já se
identificavam com o Movimento de Mulheres de Andradina, se ligaram a outros movimentos
de mulheres no Brasil (em uma menor proporção, na América Latina), como o Movimento
Regional de Mulheres que incorporava representantes das organizações de mulheres do
Noroeste Paulista e da cidade de Três Lagoas – MS. Neste processo, o movimento elaborou
seus estatutos e passou a atuar cada vez mais politicamente. Algumas das integrantes se
filiaram a partidos políticos, como o Partido dos Trabalhadores (PT)6, o que levou a uma
maior autonomia em relação ao IAJES e ampliou as suas frentes de atuação.

A década de 1980, marcada pela insurgência de novos sujeitos sociais, aproximou o


MMA de outras organizações de mulheres, bem como do Movimento Feminista, a exemplo
das feministas autônomas7. No caso do Brasil, o feminismo, mesmo sendo influenciado pelas
experiências europeias e norte-americanas que reivindicam emancipação, tem seu início8 em
um momento de forte autoritarismo político, pós-golpe militar de 1964, e por isso tem suas
especificidades, que é a contestação da ordem política dada (SARTI, 2004). Uma parte
considerável dos movimentos de mulheres nesse contexto está ligada a grupos de ideologia
marxista que se encontravam na clandestinidade. Mesmo com as limitações impostas pelo
sistema vigente, o movimento feminista corroborou para a ampliação significativa da
participação da mulher na sociedade e para o reconhecimento das opressões sofridas por essa.

5
O Clube de Mães, que surgiu a partir de uma perspectiva assistencialista de senhoras da classe média do Lions
Clube e acabou sendo o início de um movimento de cunho social, político, religioso e contestatório em relação
à realidade excludente da família dessas mulheres (DINIZ, 2017, p.19).
6
O Partido dos Trabalhadores nasce em 1980, no estado de São Paulo, como resultado da articulação do
movimento operário e sindical, com insurgência do Novo Sindicalismo, conforme Santana (2012, p.782), e
com o apoio dos intelectuais e artistas, com orientação política de esquerda e dos movimentos sociais. O
partido reivindicava mudança da realidade social do trabalhador (do campo e da cidade).
7
Que integravam coletivos feministas organizados de maneira informal, não institucionalizado (ALVAREZ,
2014, p.27).
16

A partir de 1985 até 1988, a Constituinte ocupou um lugar de destaque nas demandas
do MMA. Tratava-se de importante movimento em prol da reabertura democrática e da
conquista de novos direitos, no qual as mulheres tiveram protagonismos e puderam
reivindicar pautas voltadas para o exercício pleno da cidadania, entre elas: a não
discriminação das mulheres e a igualdade de direitos em relação aos homens. As mulheres de
Andradina verticalizaram e ampliaram suas ações políticas, passando a compor a Comissão
Estadual de Mulheres de São Paulo e o Movimento Popular de Mulher que atuava em nível
nacional. Trabalhando em várias frentes, essas mulheres foram responsáveis por coletas de
milhares de assinaturas necessárias para aprovação das Emendas Populares. E esse foi um dos
momentos mais relevantes da história do movimento.

Apresentado o objeto, discorro agora sobre as abordagens e os métodos utilizados para


a construção desta pesquisa. As inúmeras fontes que hoje encontram-se disponíveis no Núcleo
de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro (seção do IAJES), da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul – CPTL, relacionadas ao Movimento de Mulheres de
Andradina, deixadas propositalmente por mulheres que integravam o movimento e pelo
IAJES, somadas à possibilidade da realização da História Oral, oportunizam a escrita de uma
“história vista de baixo”, a partir da abordagem histórico-dialética, com prerrogativas de
relacionar contexto e a história precedente do objeto de análise.

Igualmente, a diversidade dessas fontes, que vai desde o caderno de encontro,


passando por boletins informativos, possibilitou uma descrição densa, método que os micro-
-historiadores tomaram emprestado da antropologia cultural reivindicada por Geertz. O autor
defende um conceito semiótico de cultura por compreender que “o homem encontra-se
amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (GEERTZ, 2008, p4). A cultura seria
essas teias. Em sua análise, o autor não compreende a cultura como uma ciência experimental
em busca de leis, mas como “uma ciência interpretativa à procura de significado” (GEERTZ,
2008, p.4). Nesse sentido, o entrecruzamento das fontes do IAJES vem lançando luz acerca
das teias que encontravam-se envoltas às mulheres que compunham o movimento e, assim,
desvelando como essa rede de sociabilidade corroborou para a de suas identidades ao longo
do tempo; e, ainda, quais foram os signos apropriados e criados por essas mulheres.

O método/abordagem microanalítica tem tornado aparente as contradições vivenciadas


por essas mulheres, tendo em vista a ligação delas à Igreja Católica, uma instituição
reconhecidamente patriarcal, conforme Boff: “Eu, uma vez, já expus isso em um trabalho, que
17

representantes do cristianismo católico, masculino e feminino, porque na verdade o


catolicismo é extremamente patriarcal. Eu diria até quase machista, celibatário”9.

A microanálise nos aproxima da experiência humana, seja ela individual ou coletiva, e


dessa maneira desvela aspectos das relações que eram constituídas na comunidade estudada.
Entretanto, não se pode perder de vista que o interesse por essa abordagem não mora somente
na interpretação dos significados, mas na ambiguidade do mundo simbólico e na luta por
representação. Por mais que o Movimento de Mulheres de Andradina esteja localizado em
uma “pequena” cidade do noroeste paulista, o contexto circundante é muito mais abrangente.
Não seria absurdo afirmar a impossibilidade de compreender esse movimento sem o jogo de
escala. Essa afirmação justifica-se pelo fato de o Movimento ter surgido nas CEB’s e ter se
desenvolvido no IAJES, organizações ligadas à Igreja Católica, orientadas pela Teologia da
Libertação, não perdendo de vista que essa teologia emergiu no contexto da América Latina
como resposta às ações imperialistas norte-americanas que instauraram, junto aos militares e
parte de uma elite local, um cenário de ditadura.

A História Oral (HO) é outro/a método/abordagem presente nesta pesquisa. A HO


pode ser compreendida como uma disciplina voltada para a captação de narrativas e para
elaboração de documentos e que se faz mediante três elementos: depoente, pesquisador e
equipamento de gravação (MEIHY, 2006). O oralista10 se distancia da prática do simples
registro da oralidade ao promover análises de questões sociais do tempo presente, sendo:

A fita gravada, o texto passado do oral para o escrito, a organização da


exposição, o esclarecimento sobre as circunstâncias das entrevistas e o
encaminhamento dos resultados deve se constituir como parte do projeto. E
isso qualifica o caráter social dos trabalhos de história oral (MEIHY, 2006,
p.135).

Ou seja, não se trata somente de uma conversa mediada por um equipamento


gravador, a HO é amparada por uma metodologia complexa que se inicia na elaboração de um
projeto e “termina” na devolução do mesmo à comunidade que o gerou; tudo isso norteado
pela conduta ética que deve ser estabelecida pelo oralista em relação ao seu colaborador 11.

9
Entrevista concedida por Leonardo Boff ao programa Roda Viva. Disponível em:
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/94/entrevistados/leonardo_boff_1997.htm.
10
Termo usado por Meihy (2006) para identificar o historiador que trabalha com História Oral.
11
“Colaborador” é um termo importante na definição do relacionamento entre o entrevistador e o entrevistado.
Sobretudo, é fundamental porque estabelece uma relação de compromisso entre as partes (MEIHY, 2006,
p.124).
18

Nessa concepção, ainda de acordo com Meihy (2006), ao colaborador cabe o poder de veto
acerca do resultado apresentado, enquanto o oralista é colocado na condição de personagem
imerso em um jogo de autoridades.

Partindo desses preceitos, a escolha pela História Oral justifica-se porque compreendi
que esse método/disciplina desvelaria ainda mais aspectos das subjetividades (significados e
valores) presentes no cotidiano das mulheres do MMA. O caminho escolhido para isso, no
que concerne aos ramos que compõem a HO (história oral de vida, história oral temática,
tradição oral, história oral testemunhal), foi a história oral de vida. Nela a narrativa é
organizada a partir da trajetória pessoal das colaboradoras. A entrevista aberta, praticada na
história oral de vida, combinada com alguns estímulos pontuais, conduziu à rememoração e
descortinou aspectos individuais e coletivos acerca das entrevistadas e do contexto/estrutura
social no/a qual elas estão inseridas. Isso porque “a memória é um fenômeno individual, que
ocorre em um meio social dinâmico valendo-se de instrumentos socialmente criados e
compartilhados” (PORTELLI apud MEIHY 1994, p.68). Ou seja, a memória individual,
acessada pela história oral, não está dissociada da memória coletiva e nem da memória social.
É na memória que moram aspectos da identidade, pois é a última que empresta qualidade à
primeira, conforme Meihy (1994).

Sobre as entrevistas, optei por entrevistar três mulheres que aparecem com frequência
nas fontes escritas e que constatei que foram personagens importantes para o Movimento de
Mulheres, sendo: Maria da Silva Prates (a Bel do PT)12, a Assistente Social do IAJES e
articuladora do MMA; Belkiss Maria Maciel Kudlavicz13, também Assistente social do IAJES
e articuladora do movimento de mulheres; e Marivalda de Jesus Alves Barreiro14, Agente de
Saúde do IAJES e articuladora junto às Visitadoras e, posteriormente, ao MMA.

12
Nascida em Lins, filha de camponês pobre, Bel foi a primeira entre os sete irmãos que teve a oportunidade de
estudar. Bel formou-se assistente social na década de 1970 e logo depois de formada assumiu essa função no
IAJES, sendo contratada com o dinheiro oriundo das agências de financiamento internacional, conforme
veremos a seguir. Excerto retirado da entrevista realizada a partir do método da HO em 12 de dezembro de
2018, na cidade de Três Lagoas.
13
Filha de militar, Belkiss nasceu na cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade-MT e mudou-se ainda criança
para Lins onde logo cedo pode integrar o Grupo de Jovens da Igreja e teve a oportunidade de cursar Serviço
Social na Faculdade de Serviço Social de Lins. No Final da década de 1970, Belkiss se mudou para Andradina,
logo depois de formada e passa a atuar no IAJES. Excerto retirado da entrevista realizada a partir do método da
HO em 15 de março de 2019, na cidade de Três Lagoas.
14
Nascida em Ilhéus - Bahia, filha de José Alves dos Santos e Farides Maria de Jesus, Marivalda, a mais velha
de oito irmãos, veio com sua família para São Paulo em busca de uma vida melhor a exemplo de tantos outros
retirantes. Desde de cedo, dividia o tempo entre o trabalho de babá, o cuidados com os irmãos (tarefa que dividia
com a mãe) e participação nos Círculos Bíblicos realizados pelas Comunidade Eclesiais de Base. A mãe de
Marivalda não sabia ler e a levava para as atividades da Igreja para que ela fizesse a leitura da bíblia. Excerto
19

Outrossim, no que tange à escrita, optei por uma narrativa mais inteligível, que não
seja direcionada somente aos meus pares, e por isso considerarei as quatro etapas da
construção do documento indicado por Meihy (2006): transcrição absoluta, que considera os
sons e os vícios de linguagem; transcrição literal, que é passagem para escrita de todas as
palavras da entrevista; textualização, que organiza perguntas e respostas destacando algumas
palavras e frases; e, por fim, a transcrição, que é a forma que o texto é entregue ao público.
Nessa última fase, serão eliminados os vícios de linguagem e as questões levantadas pelo
historiador; o texto será “lapidado” de maneira que se torne de fácil leitura. Por fim, ainda se
tratando da HO, elegi a história oral híbrida por depreender que o cruzamento de fontes
favorecerá a compreensão acerca do contexto social o qual o movimento de mulheres está
inserido.

As metodologias apresentadas acima nortearam o processo de construção deste


trabalho que se insere no campo “História das Mulheres”; uma história que por séculos foi
relegada a um lugar de silêncio devido, entre outros aspectos, à ausência de fontes (visto que
as fontes ditas oficiais ocultavam as mulheres) e que só recentemente, na década de 1970,
ocupou seu lugar na historiografia, conforme Perrot (1994).

É por isso e por outras questões elencadas acima, na apresentação do objeto, que a
História Política é um campo presente neste trabalho. Não me refiro aqui à história política
praticada no século XIX, que foi duramente criticada por Marc Bloch (2001) na primeira
metade do século XX e por marxistas mais ortodoxos, mas da recente prática historiográfica
denominada por Rémond (2003) de uma nova história política. Nessa perspectiva o político é
visto como um campo autônomo, o lugar de expressão do social, do econômico e do cultural,
ou seja, trata-se da zona de conexão do corpo social. Há a ampliação do campo de estudo e
dos métodos, agora a história política não está mais ligada essencialmente ao Estado, mas sim
às relações de poder.

De acordo com Pereira (2008), a nova história política refletida por Rémond, em
vários aspectos, se aproxima das abordagens feitas por marxistas não ortodoxos como
Thompson, Poulantzas, Gramsci e outros, devido à problemática como: ampliação na
concepção do papel Estado, considerando a sua complexidade; as relações de poder que
compreende, entre outras questões, a emergência dos movimentos sociais; e sobretudo, “o

retirado da entrevista realizada a partir do método da HO em 11 de junho de 2020, nas cidades de São José do
Rio Preto e São Paulo, via ferramenta Google Meet.
20

reconhecimento da centralidade da história sobre qualquer formulação teórico-metodológica”


(PERREIRA, 2008, p.115).

Por fim, a análise crítica dos documentos, considerando o materialismo histórico


dialético, a microanálise e a História Oral corroboraram para a escrita de uma história vista de
baixo e que se posiciona no campo da História das Mulheres. Por meio dessas metodologias
(ou disciplina, no caso da história oral) narro a história do Movimento de Mulheres de
Andradina considerando as estruturas e os contextos sociais, mas sem perder de vista as
subjetividades e as contradições que permearam a história do MMA.

CAPÍTULO I

DO CONTEXTO AOS PRIMEIROS PASSOS


21

1.1 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

A década de 1960, que assistiu à instauração de ditaduras civis-militares em diversos


países da América Latina, foi testemunha das mudanças na Igreja Católica. Após a Encíclica
Mater et Magistra (1961) e o Concílio Vaticano II (1965), a Igreja voltou seu olhar para as
causas sociais. Houve um processo de democratização da teologia, “com o Concílio, ela
passou a ser vista como um debate e discurso próprio dos teólogos, ligados às bases
populares” (DELLA CAVA, 1985, p.3). Foi também durante o Concílio Vaticano II que a
Igreja se redefiniu como sendo “Povo de Deus”. Atentos aos acontecimentos na Europa,
religiosos latino-americanos, pertencentes a setores progressistas da igreja, passaram a
externar as suas insatisfações diante das atrocidades cometidas pelos regimes civis-militares
que acometiam vários países da região.

Havia nesse momento, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1960, uma
tendência dentro da Igreja, bem como em outros grupos pertencentes à sociedade civil
(estudantes, artistas, intelectuais etc.), de identificar-se com o “homem/mulher latino/a”, o
terceiro-mundista, conforme Silva (2006, p.17):

Eram os hermanos sofridos sob o mesmo brasão. Tal bloco histórico-social


era tão compreendido como vitimado pelo abandono de suas elites-
dirigentes, do Estado e das superestruturas de poder. Carentes de veículos de
representatividade ou expressão político-partidária que atendessem
minimamente às suas demandas. Extorquidos há séculos pela exploração
colonial, e nessa altura do desenvolvimento capitalista ocidental, pelo
imperialismo norte-americano, vítimas das sangrentas ditaduras militares
que violentaram nas décadas de 1960 a 1980 qualquer noção de direitos
humanos e/ou sociais dos seus cidadãos.

Com essa consciência, no final da década de 1960, Gustavo Gutierrez, Juan Luiz
Segundo, Leonardo Boff e outros teólogos, organizaram inúmeros encontros para refletir
acerca de temas como justiça, fé, Evangelho e sociedade, tendo o marxismo como base
analítica. Em Chimbote, no Peru, no ano de 1968 surge o que seria o embrião da Teologia da
Libertação, que se consolidou na Conferência dos Bispos em Medellín – Colômbia, ocorrida
no mesmo ano. Essa nova teologia, de viés progressista por reconhecer a condição histórica
de exploração que a América Latina vinha sendo submetida, reivindicava uma nova forma de
pensar a fé cristã, bem como almejava libertar essa região do imperialismo norte-americano.
22

O “Encontro Latino-Americano de Bispos de Medellín”, em 1968, estendeu a


definição para “o povo oprimido”, pelo qual a Igreja institucional, agora, teria que fazer uma
“opção preferencial” (DELLA CAVA, 1985, p.2). Para Gustavo Gutierrez, “negar o fato da
luta de classes é, na realidade, tomar partido em favor dos setores dominantes. A neutralidade
neste assunto é impossível” (GUTIERREZ, 1974, p.276-77, apud LÖWY, 1989, p.4). Os
teólogos da libertação identificavam a exploração do homem pelo homem como sendo uma
prática inerente ao capitalismo.

Outrossim, esta ala da Igreja Católica concebia que, enquanto a sociedade não fosse
justa, não haveria unidade na Igreja, mas, por outro lado, quando a Igreja vai se convertendo à
causa do pobre, ela dá largos passos no caminho da unidade (SILVA, 2006, p.102).

A Teologia da Libertação se espalhou pela América Latina e os religiosos


progressistas passaram a atuar nas periferias das cidades. Conforme Oliveira (2006), a TL
norteava as ações dos movimentos sociais ligados ao IAJES, entre eles, o movimento de
mulheres.

No que concerne às características, a “Teologia dos Pobres” está assentada em


preceitos de ordem marxista, ao mesmo tempo em que traz elementos do antigo e do novo
testamento. Nesse sentido, vale questionar: quais foram os fatores que favoreceram a
aproximação, a convergência da doutrina cristã com a teoria marxista? Para responder a isso,
Löwy (1989) referencia Max Weber e o conceito de afinidade eletiva que justifica a relação
entre uma manifestação religiosa (a ética protestante) e um ethos econômico (o espírito do
capitalismo). O autor explica que o conceito de afinidade eletiva se faz presente “quando duas
estruturas sociais, em um processo dinâmico e dialético, se aproximam a tal ponto que podem
vir a se fundir criando assim um outro elemento cultural” (LÖWY, 1989, p.4).

Todavia, esses elementos por si só não respondem à emergência dessa teologia.


Fatores como a crise do catolicismo no pós-guerra, a eleição do Papa João XXIII em 1958, a
crise do Stalinismo e a conjuntura política e econômica da América Latina, foram fatores
decisivos para o surgimento de uma ala mais progressista da Igreja. Igualmente, a TL sofreu
influência de outra prática libertadora que a precedeu na América Latina, mais
especificamente no Brasil: a Esquerda Cristã Brasileira, que se configurou como uma doutrina
solidária aos pobres, aos oprimidos, e que teve em sua práxis um movimento voltado à
emancipação, norteado pelo imperativo moral de advogar pelos pobres.
23

Para além do que foi mencionado, a Teologia dos Pobres se aproxima do marxismo
nos seguintes aspectos:

[...] universalismo, internacionalismo (“catolicismo” no sentido


etimológico). Doutrina e instituições transnacionais, visando a humanidade
como um todo. Humanismo, afirmação da unidade substancial do gênero
humano, acima de raças, etnias, nações. Crítica do individualismo. Como
observa o sociólogo marxista Lucien Goldmann, em seu livro sobre Pascal
(O Deus Oculto), tanto o marxismo como o cristianismo rejeitam o
individualismo puro (liberal/racionalista, hedonista ou empirista). Para
ambos, os valores supremos são transindividuais: “Deus para a religião, a
comunidade humana para o socialismo”. (LÖWY, 1989, p.4).

Nesse sentido, o anticapitalismo é uma posição natural entre o marxismo e a ética da


TL, considerando que a última também rejeita qualquer sistema impessoal, ou seja: a
comunidade humana está acima de questões individuais.

Voltando para o caso brasileiro, o trabalho empreendido na década de 1960 pela


Juventude Universitária Católica (JUC) e pela Juventude Estudante Católica (JEC),
corroborou para que o Brasil se tornasse o primeiro país da América Latina a articular o
marxismo e a fé cristã, forjando assim à Esquerda Cristã Brasileira. Circunstância que é
anterior à Teologia da Libertação e ao Concílio Vaticano II.

O fato de a Igreja Católica do Brasil ser precursora dessa guinada à esquerda se


explica, igualmente, pela histórica influência da Igreja Católica francesa no país, diferente do
restante do continente, onde os modelos ibéricos e italianos do cristianismo predominavam. O
modelo de teologia francesa do pós-guerra levantou os temas que foram consagrados pelo
Concílio Vaticano II. Foi na Igreja francesa que, durante o século XX, houve uma sucessão de
figuras das correntes socialistas, como Charles Peguy e o grupo Esprit, Témoignage Chretien
da Resistência (1940-45), de acordo com Löwy (1989).

Esses dois fatores talvez expliquem por que a TL foi aceita pela alta cúpula da Igreja
Católica brasileira. Não somente os religiosos mais à esquerda, mas, igualmente, os
moderados se posicionaram (oficialmente na Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) a
favor da TL. Entre esses estavam os bispos Dom Evaristo Arns, Dom Cláudio Hummes e
Dom Adriano Hipólito. Entretanto, “se o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
dava um imenso prestígio e força à Teologia da Libertação no país, por outro lado tornava o
seu discurso menos radical, e até mais suave, em comparação com outras regiões da América
24

Latina” (SILVA, 2006, p.71). Ou seja, no Brasil a TL acabou se confundindo com a


instituição Igreja e por isso teve uma característica bem menos radical que no restante da
América Latina. Assumindo uma postura mais reformista do que revolucionária, a igreja da
década de 1970 reivindicava a abertura política e a construção da cidadania (SILVA, 2006).

Com o recrudescimento do regime civil-militar que levou a torturas, desaparecimento


e mortes, a garantia aos direitos humanos tornou-se uma das principais reivindicações dos
teólogos da libertação. Atuando nessa direção, a Igreja buscou estabelecer um diálogo com a
criação de uma comissão bipartite, chegando a se reunir com a alta cúpula militar no início da
década de 1970 (SILVA, 2006). De um lado, havia interesse do exército no controle de ações
subversivas do clero progressista; por outro, os bispos exigiam maior transparência do
governo em suas ações.

Todavia, esse diálogo não freou os desmandos dos militares, torturas, mortes, prisões,
exílios e censuras continuaram, o que exigiu dos religiosos uma nova postura: “Em 1970,
Dom Hélder Câmara denunciou em Paris a prática de tortura no Brasil, manchando a imagem
do regime e do País no exterior” (SILVA, 2006 p.74). Dessa forma, a Igreja se colocou como
uma frente declarada de oposição ao regime.

Além disso, a instituição denunciava a marginalização dos pobres que havia sido
acentuada com o chamado “milagre econômico”:

A marginalização manifesta-se através de situações que favorecem aos


beneficiários privilegiados do despojamento, da paciência e da miséria dos
outros. Ser marginalizado é ser mantido fora, à margem; é receber um salário
injusto, é ser privado de instrução, de atendimento médico, de crédito; é
passar fome, é habitar em barracos sórdidos, é ser privado da terra por
estruturas agrárias inadequadas e injustas. Ser marginalizado é, sobretudo,
não poder libertar-se destas situações. Ser marginalizado é não poder
participar livremente do processo de criatividade que forja a cultura original
de um povo. Ser marginalizado é não dispor de representatividade eficaz,
para fazer chegar os centros decisórios as próprias necessidades; é ser
contemplado, não como sujeito de direitos, mas como objeto de favores
outorgados na medida necessária à redução das reivindicações, é ser
manipulado pela propaganda. Ser marginalizado é não ter possibilidade de
participar, é ser privado do reconhecimento da dignidade que Deus conferiu
ao homem.15

15
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Exigências cristãs de uma ordem política, IX, 23,
1977. Disponível em: http://www.CNBB.org.br/documento_geral/LIVRO%2010-EXIGENCIAS.pdf. Acesso
em: 20 jun. 2006?
25

A marginalização e a exploração da pobreza por parte do sistema capitalista, para os


teólogos da libertação, significavam a usurpação da dignidade humana, conferida ao homem
por Deus. Entre todas as instituições que fizeram frente ao regime civil-militar no Brasil, a
Igreja Católica teve, sem dúvida, um lugar de destaque, conforme sublinha Kucinski (2001,
p.75):

Nenhuma instituição contribui tanto para o desnudamento ideológico do


regime militar quanto a Igreja Católica. Com 320 bispos, 12 mil padres e
cerca de 45 mil freiras espalhadas até o mais remoto vilarejo do país, a Igreja
Católica emerge como a única organização aparelhada para capitalizar o
descontentamento popular cotidianamente e em âmbito nacional. A única
capaz de rivalizar com os organismos do Estado pela amplitude de sua
presença geográfica e de seus recursos materiais e de infraestrutura.

Nesse sentido, a Igreja Católica, assentada na moral cristã oriunda da TL, ecoou as
vozes silenciadas e, somando forças com outras instituições e movimentos, fez ruir as
estruturas do regime militar, abrindo assim caminho para a reabertura democrática.
Entretanto, isso não ocorreu sem oposição.

A ala conservadora da Igreja não tardou a reagir à guinada mais à esquerda da


instituição, o que ocorreu desde o Concílio Vaticano II, de acordo com Della Cava (1985).
Uma oposição feita tanto na esfera filosófica quanto na política. Na primeira, o divino por ser
concebido como transcendental e imutável, opunha-se à concepção progressista que
considerava o enquadramento temporal e histórico. No que tange ao tema política, a dinâmica
interna de setores progressistas da Igreja os levou, frequentemente, a tomar posições contra o
sistema capitalista, bem como a questionar as estruturas hierárquicas e burocráticas da
instituição. Para esses religiosos, a luta de classe permeava todas as relações humanas
socialmente construídas, atravessando assim as relações de gênero, raça e até mesmo
religiosas, tendo em vista que as hierarquias e a manutenção de privilégios, inerentes ao
sistema capitalista, eram reproduzidas também dentro da própria Igreja.

O posicionamento progressista provocou um verdadeiro incômodo nos conservadores


e esses passaram a se posicionar politicamente de maneira cada vez mais contundente na
tentativa de enfraquecer seus opositores; estratégia que surtiu resultado, sobretudo na década
de 1980. A chegada de Karol Józef Wojtyła ao cargo mais alto da Igreja Católica, em 1978,
resultou em significativas mudanças nas estruturas da instituição. As hipóteses levantadas no
primeiro momento pelos progressistas, como o explícito apoio do papa ao arcebispo de
26

Manágua, D. Obando y Bravo, que foi visto por parte da esquerda como parte de uma suposta
aliança entre o Vaticano e a Casa Branca para desmobilizar a TL no continente (SILVA,
2006, p.124), se confirmou no decorrer da década de 1980.

Desde então, a cúpula do Vaticano trabalhava para coibir as ações de cunho


progressista. No ano de 1983, Gustavo Gutierrez, um dos expoentes da TL, foi severamente
advertido sobre suas práticas. Dois anos mais tarde foi a vez de outro teólogo: “Em 1985
iniciou os colóquios em Roma entre Leonardo Boff e Joseph Ratzinger, que impuseram o
silêncio obsequioso ao teólogo brasileiro e que mais tarde abandonaria sua condição de
religioso franciscano” (SILVA, 2006, p.124). Concomitantemente, por toda a América Latina
os bispos progressistas foram sendo trocados por outros de perfis conservadores.

A América Latina tornou-se um lugar de constante vigilância. Com o intuito de


controlar os subversivos, foram emitidos inúmeros documentos que orientavam sobre como
deveria ser a conduta dos religiosos. No documento Instrução Sobre a Liberdade Cristã e a
Libertação, o Vaticano condenava a aproximação entre o materialismo histórico e a teologia,
alegando que o primeiro alimenta o ódio entre as classes.

Os vários ataques realizados pelos conservadores contra a TL não a fizeram sucumbir,


ao contrário, ela se manteve viva nas práticas eclesiais de muitos religiosos. Todavia, a
reabertura democrática que trouxe a paz aos corações daqueles que se colocavam contra o
regime civil-militar, também criou a falsa impressão de que todos os problemas haviam sido
solucionados e por isso a TL, que tem em seu cerne a busca por uma sociedade mais justa, já
não tinha mais tanta razão de ser. No entanto, não é possível pensar a história dissociada do
espaço, do lugar da experiência. Nesse sentido, a narrativa acerca da cidade de Andradina se
faz necessária para descortinar aspectos materiais e subjetivos essenciais para se compreender
o nascimento do Movimento de Mulheres de Andradina (MMA) e sua atuação.

1.2 ANDRADINA, O LUGAR DA EXPERIÊNCIA

Muito antes da fundação de Andradina, a região que ela ocupa hoje já fazia parte de
um projeto integracionista do Estado que objetivava assimilar a província de Mato Grosso ao
restante do País e assim garantir a manutenção dos territórios nacionais, de acordo com
Oliveira (2006). Todavia, essa integração, com a implantação da Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil, “considerada pela elite política brasileira do início do século XX como uma obra
civilizacional capaz de integrar a nação e levar o progresso ao interior do país”,
27

(TRUBILIANO, 2015, p.5), não se deu de forma pacífica. A implementação da NOB (Estrada
de Ferro Noroeste do Brasil) foi denominada por Maria Inês Malta Castro (1993) como
“barbárie progressista”, por significar o extermínio da população indígena e a exploração
perversa dos trabalhadores. O projeto não foi criado somente para tornar viável a agricultura
de exportação, mas para atender a ganância de grupos capitalistas (empreiteiros,
subempreiteiros, engenheiros, agenciadores etc.) que viam na construção da linha férrea um
investimento rentável e muito lucrativo. Tratava-se de um grupo pertencente a uma classe
social abastada com acesso a recursos tecnológicos e financeiros.

O desprezo pela vida humana, a ideia de progresso a qualquer custo e a impunidade,


orientavam a brutal relação entre os responsáveis pelo empreendimento e a população
indígena, sendo que as ações dos primeiros eram vistas com tons de heroísmo e patriotismo
(GHIRARDELLO, 2002, p.42). Um projeto de ambiciosos que coloca em conflito direto dois
grupos pertencentes às minorias políticas, os trabalhadores pobres, em sua maioria migrantes
atraídos pelo sonho do progresso, e os povos originários.

A chegada do progresso, como resultante do desenvolvimento capitalista, colocou em


condição de quase extinção os povos originários que ali habitavam (Guarani, Oti e
Kaigangues), em especial os kaigangues, etnias que por muitos séculos se mantiveram fora do
controle dos conquistadores, de acordo com Pinheiro (1992). A implementação da NOB
acentuou a luta histórica entre os indígenas e não indígenas pelo território, mas, dessa vez, o
financiamento do Estado tornava um dos lados mais forte e esse não era o lado dos povos
originários. A ferrovia contratava grupos de homens armados para realizar batidas nas aldeias
com o intuito de prender e executar os nativos.

Do outro lado do conflito, encontrava-se a frente de expansão, formada por migrantes,


população pobre, imigrantes e deportados. Falamos de um momento em que imperava uma
ideologia que tentava disciplinar o trabalhador nacional, historicamente representado como
preguiçoso, desqualificado para o mercado, de acordo com Moratelli (2009).

A NOB para esses trabalhadores representava o inferno (GHIRARDELLO, 2002). As


condições de trabalho eram subumanas, muitas horas de labor; exposição às intempéries, às
altas temperaturas e aos insetos; excesso de esforço físico; doenças contraídas devido à má
condição sanitária etc. No entanto, Castro (1993) ressalta que pouco ou nada foi feito pela
empresa construtora para combater as moléstias que acometiam as pessoas e, como resultado
dessa omissão, muitos trabalhadores morreram em serviço.
28

Nessa guerra, como em qualquer outra, os grandes perdedores foram aqueles que se
encontraram nas frentes de batalha, nesse caso os nativos e os trabalhadores, que, embora
estando em lados opostos, compartilharam das mesmas mazelas. Os únicos ganhadores foram
os responsáveis pelo empreendimento, que usando o pretexto das circunstâncias não
favoráveis para justificar a péssima qualidade da obra e a superexploração do trabalho,
garantiram os grandes lucros.

Antes mesmo do empreendimento da ferrovia, as lavouras de café, a partir das últimas


décadas do século XIX, já contavam com a presença de inúmeros trabalhadores nacionais e
imigrantes (via imigração subvencionada16). Foram esses, somados aos migrantes nordestinos,
que pegaram em foices e enxadas para desbravar a mata virgem e construir estradas, cafezais
e roças (com diversos tipos de alimentos e algodão) em todo Noroeste Paulista. Tratava-se de
uma frente de expansão caracterizada pelo uso privado das terras devolutas, para a qual a terra
não se configura como mercadoria. É por isso que a figura central da frente de expansão é a
do ocupante ou posseiro, de acordo com Martins (1971).

Durante o Estado Novo17, Vargas, assentado no discurso nacionalista, tencionando


controlar os territórios e a população, retomou o projeto integracionista de outrora,
rebatizando-o com o nome de Marcha para o Oeste. Com investimento pesado em
propaganda, o líder carismático apontava a integração nacional como único caminho possível
para o Brasil sair da condição de subdesenvolvido e alcançar modernidade.

Entretanto, a “terra prometida” da propaganda varguista em nada se assemelhava com


a realidade, posto que compreendia um projeto de expansão territorial de viés liberal e
civilizatório, que preparava o terreno para o desenvolvimento capitalista, para a integração do
país ao mundo moderno (TRUBILIANO,2015), mas que não tinha o menor
comprometimento com o social. Para Martins (2000), a modernidade nos trópicos se
apresenta como uma anomalia, pois ao mesmo tempo em que se tem aplicação de tecnologias
no processo produtivo, cria-se um exército reserva de mão de obra e de subempregos, onde o
lucro se dá com a exploração da pobreza. Nela, o desenvolvimento econômico e social cresce
de forma desigual e combinada em consequência da alienação do trabalho. O capitalismo,
inerente a essa modernidade, conforme o autor, mistifica desmitificando quando alimenta
ilusões sobre as possibilidades de vidas alternativas, ao mesmo tempo que as restringem

16
Financiada pelo Estado.
17
Período que vai de 1937 a 1945, em que foi redigida a Constituição de 1937, e que marca uma fase mais
autoritária do Governo Vargas.
29

àqueles que detêm o capital. A afirmação de Martins vai ao encontro do processo de expansão
que ocorreu na região que compreende Andradina que, iniciado nos primeiros anos do século
XX, foi acentuado com o projeto integracionista de Vargas.

Andradina foi fundada no ano de 1937, mesmo ano da chegada da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil. A NOB fazia parte do projeto desenvolvimentista do então governo
Vargas, inspirado no projeto integracionista18 de outrora, que buscava incorporar a economia
nacional às vastas áreas do interior do país e assim suplantar os limites coloniais. As áreas que
deveriam produzir alimentos e matérias-primas funcionariam também como mercado
consumidor dos produtos industrializados, de maneira a absorver o excesso da população
urbana. Ou seja, tinha a função de sustentar a política de industrialização, conforme autores
como Lenharo (1986), Schallenberger e Schneide (2010).

Utilizando de investimento pesado em propaganda, o governo tencionava despertar


nas pessoas, sobretudo na população mais pobre, o interesse de migrar para o sertão19
(vendido por jornais, revistas, rádios etc., como o lugar do progresso). A figura dos
bandeirantes, das bandeiras, era costumeiramente reverenciada por aqueles que apoiavam a
marcha.

Nesse contexto, chegou às terras que posteriormente se constituiu Andradina, mais


uma frente de expansão, bem como outras frentes pioneiras. Uma grande parte dos migrantes
da frente de expansão era composta por nordestinos – ou nortistas – como eram chamados
(OLIVEIRA, 2016). Eram homens, mulheres e crianças que, fugindo da seca, da miséria e da
fome, rumavam para terras desconhecidas em busca de dias melhores. A princípio a travessia,
que durava em média 4 a 6 dias, era feita costumeiramente nos chamados paus de arara,
conforme Almeida (2008). As condições eram precárias, os assentos de madeira, a exposição
às intempéries, a fome (quando só se trazia na bagagem água e farinha pra comer) faziam
parte do martírio desses retirantes.

18
Trata-se de um projeto que buscava reforçar a soberania do Estado Nacional, buscando fortalecer as fronteiras
e integrar o Noroeste ao restante do País (QUEIROZ, 1997, p.177).
19
“Sertão” é uma das categorias mais recorrentes no pensamento social do brasileiro, especialmente no conjunto
de nossa historiografia. Está presente desde o século XVII, nos relatos dos curiosos, cronistas e viajantes que
visitaram o País e o descreveram, assim como, a partir do século XVII, aparece nas primeiras tentativas de
elaboração de uma história do Brasil, como a realizada por frei Vicente do Salvador. No período
compreendido entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, mais precisamente entre
1870 e 1940, o sertão chegou a constituir categoria absolutamente essencial (mesmo quando rejeitada) em
todas as construções historiográficas que tinham como tema básico a nação brasileira (AMADO,1995, p.146).
30

Na bagagem, além da farinha com água que matava a fome e a sede durante a viagem,
os retirantes traziam saudade (da família, dos amigos, do lugar), expectativas e sonhos,
conforme Oliveira (2016). As terras férteis do interior paulista alimentavam a esperança de
dias melhores. O plantar, o colher e o criar logo passaram a fazer parte do cotidiano dos
recém-chegados, era preciso produzir não só para colher o alimento de cada dia, mas
igualmente para garantir a permanência nas terras arrendadas. Roças de milho, feijão,
amendoim etc., somadas à criação de porcos, galinhas e outros víveres, compunham, junto
com os cafezais, a paisagem do Noroeste Paulista naquele momento.

Como não poderia ser diferente, algumas manifestações culturais, sobretudo as ligadas
à religiosidade, como Folia de Reis, a Festa da Bandeira de São Pedro e outras, foram
reproduzidas nesse novo lugar, segundo a autora.

Entretanto, o plano de permanecer na terra e ali construir um futuro esbarrou nos


interesses dos pioneiros. O arrendamento das terras foi considerado por alguns latifundiários
da região (inclusive pelo mais famoso, Moura Andrade) como uma economia não rentável, e
por isso a paisagem da cidade começou a mudar. As plantações de capim foram substituindo
as roças e o gado foi empurrando as pessoas para a cidade (OLIVEIRA, 2016). Entre despejos
e ameaças, a cultura pecuarista foi ganhando cada vez mais espaço e os trabalhadores se
viram obrigados a partir. E esse não é um caso isolado. Para Martins (1980),
costumeiramente, o trabalhador da frente de expansão que é expropriado, também em muitos
casos é forçado pela frente pioneira a deixar a sua terra e procurar um outro lugar.

Muitos foram os que migraram para a cidade, como uma forma de acomodação, mas
outros tantos optaram por resistir. Em se tratando de resistência, o caso da Fazenda Primavera,
localizada nos municípios de Andradina, Nova Independência e Castilho, no interior paulista,
é um expoente na luta pelo direito de permanência na terra, reconhecida como marco inicial
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 2016,
p.67).

Uma luta que, tendo início da década de 1960, constituiu-se a partir da organização
dos trabalhadores cientes da exploração a que vinham sendo submetidos enquanto posseiros
(como atraso do pagamento da colheita, agiotagem, alto custo do produto no armazém da
fazenda etc.,) e que decidiram ficar e resistir a mais esse desmando dos ditos “donos da terra”.
Uma luta árdua na qual os camponeses iam se forjando. De maneira astuta, esses descobriram
que a propriedade conferida ao empresário José João Abdalla estranhamente não tinha
31

escritura, conforme Oliveira (2016) e, por meio da contratação de advogados, reivindicaram a


desapropriação da terra. Nesse sentido, Martins teceu a seguinte consideração:

Se o direito é construído sobre o torto, sobre a usurpação do direito do outro,


desvenda para o outro o seu direito. É nesse sentido que a cerca não fecha,
abre: abre a consciência do direito lesado, abre a luta pelos direitos, abre a
luta contra o direito edificado sobre a injustiça. (MARTINS, 1988 apud
BORGES 2006, p.59).

Do outro lado, o latifundiário respondia com a contratação de jagunços e o emprego da


violência. Todavia, as artimanhas daqueles que detinham o poder político e econômico não
foram suficientes para desmobilizar os trabalhadores que, com o apoio da Igreja, seguiram
resistindo. Depois de décadas de muita violência, angústia, desânimo, resistência e fé,
permaneceram ali. Uma resistência que, construída a duras penas sob o jugo dos fazendeiros e
diante da omissão do Estado, foi se delineando com a recusa dos trabalhadores em deixar para
trás as galinhas e porcos, as roças de milho, feijão, batata, amendoim.
Sobre os que partiram, o êxodo rural teve como consequência a formação de uma
cidade desordenada e populosa. Os trabalhadores expulsos do campo, com o pouco que
tinham, foram se alocando nas regiões periféricas da cidade e lá construíram suas moradas. Os
bairros como Pereira Jordão, Rodoviária, Passarelli, Botega, Stella Maris, Vila Mineira, Santa
Cecília, Antena, Jardim Alvorada, surgem como consequência desse movimento desordenado,
somado aos resultados de outros ciclos econômicos que se sobrepunham nestes tempos e
lugares, a exemplo das construções de barragens como de Ilha Solteira e Castilho/Três Lagoas
(OLIVEIRA, 2016). Esses ciclos migratórios que ocorreram desde a formação da cidade (na
década de 1930) e que foram acentuados com a construção das barragens, promoveram
inchaços urbanos.
Não muito diferente dos que ficaram, os que partiram também tiveram muitas pelejas,
era preciso se acostumar com a dinâmica da cidade e também a outras formas de trabalhos
que já não contemplavam a lida com a terra. Era tempo de tecer novos sonhos.
O desemprego, a pobreza, a falta de infraestrutura, de saneamento básico faziam parte
do cotidiano dos recém-chegados que foram se acomodando à margem da cidade. Todavia,
esse acomodar-se não deve ser interpretado enquanto sinônimo de resignar-se, mas sim como
uma estratégia de resistência, essa que foi estimulada pelos teólogos da libertação que chegam
em Andradina no final da década de 1960 e início de 1970, e atravessa o Movimento de
Mulheres de Andradina (MMA).
32

1.3 OS PRIMEIROS PASSOS DE UM CAMINHAR: AS VISITADORAS

Entre o final da década 1960 e início da de 1970, chegou em Andradina um grupo de


padres que aos poucos foi modificando as práticas eclesiais da Igreja e, por conseguinte, a
rotina de parte dos moradores dos bairros pobres da cidade. Como já vimos anteriormente,
falamos de um período de profundas crises na América Latina e de transformação da Igreja. O
Papa João XXIII, ciente da condição política e social dessa região e temendo que houvesse, a
exemplo do que ocorreu em Cuba, uma revolução, solicitou que fosse criado um plano
pastoral que atendesse a realidade da região (BEOZZO, 2006).

No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) elaborou em 1962


um Plano de Emergência (PE), que consistiu numa preparação para o Concílio II. O objetivo
era preparar a Igreja para uma renovação educacional, ministerial e paroquial (TEIXEIRA,
1988). O PE serviu de base para a criação do Plano Pastoral de Conjunto (PPC), que
verticalizou a discussão sobre a renovação da Igreja:

O PPC atuaria a partir de seis linhas de trabalho, baseadas na promoção e na


ação sugerida pelo Vaticano II, como promover a mais plena unidade no seio
da Igreja Católica, empreender ações missionárias, catequética, litúrgica,
ecumênica, o aprofundamento doutrinal, a reflexão teológica e a melhor
inserção do povo de Deus na construção de um mundo, segundo os desígnios
de Deus. (PPC, 1966, p.11 apud COSTA, 2017, p.30).

Nessa doutrina não havia separação entre sociedade e os desígnios divinos, a Igreja
colocava-se a serviço da comunidade. Nesse sentido, “O PPC agrupava as diretrizes
fundamentais da ação pastoral para o desenvolvimento de estratégias de transformação da
Igreja Católica no Brasil” (COSTA, 2017, p.31), numa tentativa de reaproximar a instituição
do seu povo e quebrar com as hierarquias tradicionais.

Em se tratando de Andradina, os padres que ali chegaram respondiam à Diocese de


Lins e, consequentemente, ao Bispo Dom Pedro Paulo Koop20 (um importante líder religioso

20
Dom Pedro Paulo Koop, que assumiu a Diocese de Lins em 1964, participou do Concílio Vaticano II e, em
Lins, foi um dos fomentadores e presidente do Instituto Paulista de Promoção Humana (IPPH), da
Comunidade Educacional do Trabalho (CET) e do Instituto Teológico de Lins (ITEL ). Dom Pedro Paulo
Koop que, “por ser holandês, ligou-se de imediato à Conferência Episcopal Holandesa e aos teólogos de seu
país, criando laços de amizade duradoura”. Esses laços, ao que veremos, podem ter facilitado o apoio às ações
do IAJES, em Andradina, pelas agências de cooperação holandesas e alemãs, como a Katholieke Organisatie
33

expoente da Teologia da Libertação na região e um dos grandes responsáveis pelas ações


progressistas em Andradina). Entre eles estavam Padre René, Vicente Vanin e José Vanin.
Sendo o último o responsável pela implementação do IAJES, instituição que nasceu na
Paróquia Jesus Bom Pastor, localizada no bairro Pereira Jordão, no início da década de 1970,
conforme Oliveira (2016).

José Vanin, que chegou em Andradina já na administração de Koop, organizava, com


os padres René e Vicente, os círculos bíblicos nos bairros pobres da cidade e, com isso, junto
aos leigos (católicos que não compunham o clero), criaram as primeiras Comunidades
Eclesiais de Base: “Fim dos anos de 1960. Nascem em Andradina as primeiras Comunidades
Eclesiais de Base”, sendo elas Antena-Rodoviária, Pereira Jordão, Stella Maris e Vila
Mineira, no ano de 1969. “A do Pereira Jordão, em 1969, começa sua vida autônoma como
Paróquia Jesus Bom Pastor”21.

Durante o estudo do evangelho, falava-se dos problemas enfrentados pelos moradores


em seus cotidianos. A ausência de escolas, a precariedade de serviço de saúde, a falta do
sistema de saneamento básico, o alto custo de vida eram temas recorrentes e por isso motivo
de insatisfação.

Os padres, liderados por Vanin, formaram grupos (compostos em sua maioria por
mulheres) e desenvolveram trabalhos sociais com base na educação libertadora22 e, por meio
dela, foram desvelando questões relativas à exploração do homem pelo homem, como:
“descobrem que os pobres aumentam sempre mais, que é necessário achar a raiz do problema,
que o evangelho não é só uma mensagem assistencialista, de piedade, mas de ação
libertadora”23.

Nesse sentido, Vanin reconhece a necessidade de iniciar um trabalho que estivesse


para além do estudo do evangelho e assim projetou um espaço para que fossem desenvolvidas

voor Medefinanciering van Ontwikkelingsprogramma’s (CEBEMO) e a Katholische Zentralstelle für


Entwicklungshilde (MISEREOR) (COSTA, 2017, p.36).
21
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo, criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
22
Pelo que se pode observar em inúmeras fontes do IAJES, educação libertadora compreende a formação de um
sujeito crítico, que fosse capaz de reconhecer as estruturas sociais à qual está inserido e a qual classe social o
mesmo pertence. Vale ressaltar que nesse momento os padres de Andradina já tiveram contato com a Teologia
da Libertação e, por isso, a base analítica desses passa a ser o marxismo.
23
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
34

ações que viessem a sanar algumas das carências da população mais necessitada, como
emprego e formação. A criação e do Centro Comunitário Jesus Bom Pastor data desse
período, em 1969:

[...] iniciou-se a construção de um pequeno salão comunitário, sede da


paróquia, que se diferenciava dos prédios convencionais, substituindo as
capelas. O espaço passou a ser utilizado tanto para atividades dos moradores
– como festas, reuniões e cursos profissionalizantes – quanto para
celebrações e missas. (COSTA, 2017, p.37).

Pretendia-se nele atender os bairros como Campo de Aviação, João Jordão, Vila Bom
Jesus, João Leite (Figueira), Parque Morumbi, Antena e Comercial. A obra foi feita de
maneira coletiva e colaborativa e contou com a participação de membros das comunidades
que frequentavam os círculos bíblicos, conforme Costa (2017). As ações não pararam por aí,
os voluntários, aproximadamente trinta, tocaram as diversas atividades no Centro
Comunitário, dentre elas: cursos profissionalizantes, educação de jovens e adultos e outras.

Um ano após a ampliação do centro comunitário, nasce o IAJES. A criação do Centro


Comunitário e do Instituto ocorreu de maneira orgânica: a partir do grupo de estudo, formou
equipes de trabalho e deu início às suas atividades. Conforme Bel, a assistente social do
IAJES:

Nas Comunidades Eclesiais de Base havia muitas mulheres e notamos que


deveríamos iniciar um trabalho com elas que estivesse para além do estudo
do evangelho. Fomos formando uma equipe de trabalho ali, por quê? Tinha
muita pobreza, muito trabalho social para fazer. (BEL, 2018, p.2)24.

O IAJES, por sua vez, é descrito por Oliveira (2016) como:

O Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor, uma entidade ligada à Igreja


Católica e às comunidades populares dos bairros de Andradina, que se
uniram para formar o conjunto organizado das atividades das Comunidades
Cristãs de Base no campo social e objetivar conseguir um envolvimento
sempre maior da população da periferia, no processo de seu
desenvolvimento comunitário, através de intervenções que visem como meta
prioritária a educação popular libertadora (OLIVEIRA, 2016, p.83).

24
Fontes orais produzidas por meio da entrevista com Maria Prates - Assistente social, integrante do IAJES no
ano de 2018.
35

O intuito era de amenizar os efeitos causados tanto pela condição local de


expropriação, quanto pelas políticas econômicas e sociais adotadas pelos governos (federação,
estado e município) no auge da Ditadura Militar, que resultaram na acentuação da
desigualdade social.

A política econômica implementada pelos militares, denominada por esses de


“Milagre Econômico”, garantiu a concentração de renda nas mãos da burguesia e também dos
tecnocratas que, oriundos da classe média, ocuparam cargos no alto escalão do governo e das
multinacionais. Outrossim, superexploração do trabalho, que garantia os grandes lucros dos
capitalistas, somada ao arrocho salarial, resultou em fome, desnutrição, doença, mortalidade
infantil, entre outras mazelas impostas à população mais pobre, conforme Castilho (2016).

No caso de Andradina, havia uma política de manutenção de privilégios que, feita por
meio de revezamento no poder, garantia a concentração de latifúndio e de renda nas mãos de
duas famílias: os Moura Andrade e os “turcos”25. Andradina ficou conhecida nacionalmente
como a “Terra do Rei do Gado”26, o latifúndio e a cultura pecuarista determinavam o “modo
de produção” local, não como mero reflexo da infraestrutura econômica da sociedade
andradinense, mas na interação e retroalimentação entre cultura e estruturas econômico-
-sociais. Uma cidade que assistiu à chegada do progresso simbolizado pela implantação da
linha férrea Noroeste Paulista, mas que se manteve conservadora no tocante aos temas sociais,
como por exemplo, a exploração arcaica do trabalho. A tecnologia não era aplicada para
melhoria da qualidade de vida do trabalhador.

Em se tratando de latifúndio, a ala progressista da Igreja de Andradina e da Diocese de


Lins também apoiou a luta histórica dos trabalhadores posseiros pelo direito de permanecer
nas terras ocupadas, imprimida contra o latifundiário/pecuarista José João Abdalla, que teve
como palco a Fazenda Primavera. Uma peleja árdua na qual camponeses, e aqueles que
atuavam junto a esses, foram se forjando. Com a experiência dessa luta, os religiosos
experimentaram e aprimoraram estratégias de resistência (OLIVEIRA, 2016).
Voltando aos padres progressistas, em meados da década de 1970 assume a Paróquia
Nossa Senhora das Graças27 o Padre Giancarlo Oliveri28 (o profeta João Carlos, como

25
Apelido atribuído à família Salomão que, de acordo com Oliveira (2016), passou a compor o legislativo e
judiciário a partir de 1952.
27
Paróquia que foi ampliada posteriormente pelo Padre José Vanin e que se tornou a sede do IAJES (COSTA,
2017).
36

popularmente era conhecido), um intelectual que viria a se tornar um dos grandes


responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção do IAJES e das organizações ligadas ao
Instituto, em especial ao movimento de mulheres. A chegada de João Carlos Oliveri
significou “uma fase riquíssima das ações pastorais na cidade” (COSTA, 2017, p.58).

Todavia, o padre João Carlos não veio sozinho para Andradina, com ele estava Maria
da Silva Prates, chamada por seus familiares e amigos de Bel, que viria a se tornar uma das
principais articuladoras do IAJES e do Movimento de Mulheres29.

Recém-formada pela Faculdade de Serviço Social de Lins30, Bel assumiu a função de


assistente social no IAJES. De acordo com Costa (2017):

Em 1974, Izabel Prates foi contratada para ser a nova assistente social com
verbas das agências de cooperação internacionais, ADVENIAT e
MISEREOR, e ajudas governamentais, através da Secretaria de Assistência
Social do município. Assim, a organização e dinamização das ações e o
número de pessoas atendidas foram intensificados. (COSTA, 2017, p.46).

Bel, que desde 1968 militava junto à juventude católica, casou-se com o Padre João
Carlos. Ambos moraram com outros padres e suas esposas na Paróquia Nossa Senhora das
Graças, logo após a unificação das paróquias.

A quebra do celibato foi mais um tema que integrou a agenda política dos padres
progressistas (João Carlos, René Parren, Vicente e Vanin), que se casaram com a autorização
do Bispo de Lins, Dom Koop31. Todavia, o casamento não foi muito bem aceito pela
comunidade e, por isso, o Bispo foi convidado para elucidar a situação:

28
Nascido na região de Paiva, na Itália, em 13 de abril de 1940, Giancarlo Oliveri viveu e cresceu na região da
Sicília, onde estudou Teologia e Filosofia, formando-se Padre em 1967. Nos dois anos seguintes, ensinou no
seminário e trabalhou na Pastoral Vocacional e da Juventude até vir para o Brasil, em 1969, para trabalhar
como missionário em Lucélia – SP. Entre 1970-1973 organizou grupos de jovens, círculos bíblicos e
atividades sociopolíticas. De 1973 a 1974 estudou teologia pastoral em Roma. Quando retornou ao Brasil,
tornou-se vigário na Paróquia Nossa Senhora das Graças em Andradina.
29
Por ser a única Assistente Social no primeiro momento do IAJES, era dela que vinha a maior verba que
garantia a manutenção da comunidade Nossa Senhora das Graças, que se formou com a unificação do IAJES.
30
Instituição que tem uma significativa relevância para a história do MMA. A Faculdade de Serviço Social de
Lins (FSSL) é fundada em 1958, por uma confluência de “esforços”:[...] dos esforços e interesse da Legião
Brasileira de Assistência – LBA (que representa o Estado) apoiada pela Igreja Católica e pelo Serviço Social
Rural , que solicitaram à Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado a criação de uma Escola de
Serviço Social no interior do Estado de São Paulo. Esta Congregação já tinha como um de seus objetivos a
formação de assistentes sociais, criando escola de serviço social em todo o País (FERREIRA, 1982, p.15 apud
ROSA, 2016, p.128).
31
Durante sua participação no Concílio Vaticano II, Dom Pedro Paulo ganhou destaque devido à intervenção
que pedia a ordenação de padres casados, para que cumprissem, sob os mandamentos do Evangelho, a
37

Dom Koop explicou a “novidade” da quebra de celibato dos padres


andradinenses, já que havia participado das reuniões conciliares e sugeriu a
inclusão, nas pautas do Concílio Vaticano II, do tema de ordenação de
homens casados para o sacerdócio devido à falta de sacerdotes. Embora a
proposta tenha sido recusada, aparentemente, o bispo autorizou a
permanência de padres que se casaram em suas funções, desde que fossem
aprovados pela comunidade. Assim, em Andradina, os padres que se
casaram assumiram funções de diáconos de missas e confissões. (COSTA,
2017, p.59-60).

De acordo com a Belkiss, a reação partiu da ala conservadora da Igreja, o cursilhistas,


mas que na verdade, eles não se opunham ao casamento em si, mas o usaram como mote para
atacar os padres progressistas: “mas não, os cursilhistas não eram contra o casamento
propriamente dito, mas eram contrários a essa nova Igreja da Libertação, essa igreja mais
preocupada com os pobres. E isso começou a incomodar, né!?”32

Embora tenha gerado alguns desconfortos, o casamento dos padres não interferiu na
realização dos trabalhos desses junto à comunidade, ao contrário, seguiram atuando na Igreja,
nas Comunidades Eclesiais de Base e no IAJES.

Nesse momento, as CEB’s eram compostas majoritariamente por mulheres (dezenas


delas, moradoras da periferia, se engajaram junto à CEB’s e ao IAJES), a exemplo do que
ocorria também em outras religiões, conforme aponta Rosado-Nunes (2005, p.364):

As mulheres compõem, de fato, a maioria da população de fiéis. ‘Em nome


de Deus’, tornam-se ativistas, freiras, obreiras, pastoras, bispas, mães-de-
-santo, políticas... Na sombra ou nos palcos e altares, grande parte das fiéis
carrega para a igreja o marido, os filhos, a família, o círculo social e
profissional onde atuam grande número de mulheres.

Mulheres que ficavam nos bastidores, invisibilizadas, mas que estavam presentes nas
atividades cotidianas da Igreja. Contudo, ainda segundo Rosado-Nunes (2005), isso não
significa que as mulheres são mais religiosas que os homens, mas que os papéis são distintos.
Sobretudo nas religiões judaico-cristãs, os homens elaboram os dogmas, enquanto as

“evangelização e o pastoreio das comunidades, privadas longamente da presença sacerdotal e da celebração


eucarística”, devido à escassez de padres. A intervenção do bispo acabou vazando para a imprensa e foi
publicada pelo jornal Le Monde, em outubro de 1965, ocasionando uma grande agitação. No entanto, essa
discussão foi retirada da agenda conciliar (COSTA, 2017, p.35).
32
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Belkiss Maria Maciel kudlavicz, em
Março de 2019.
38

mulheres atuam no “campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da
memória do grupo religioso” (ROSADO-NUNES, 2005, p.363).

No caso de Andradina, “através do trabalho assistencial da igreja muitas mulheres do


bairro descobrem sua vocação e se engajam como visitadoras”33. Essas mulheres foram pouco
a pouco ocupando funções de animadoras dos círculos bíblicos e assumindo cargos de
liderança nas CEB’s e, posteriormente, nas Sociedades Amigos do Bairro (SAB’s)34, onde,
em alguns casos, se tornaram membros da diretoria”35.

No caso de Bel, o salário que recebia pela função de Assistente Social no IAJES era
uma das principais fontes de renda daqueles (os padres, suas esposas) que foram morar na
comunidade Nossa Senhora das Graças, após a unificação do IAJES. Além disso, ela e
posteriormente a Belkiss, desempenhava funções de suma importância para a manutenção da
instituição, dentre elas: acompanhamento das atividades desenvolvidas pelas visitadoras e a
escolha dos agentes de saúde; aulas voltadas para a educação libertadora, elaboração de
material pedagógico; e outras.

E foi com as mulheres que o IAJES desenvolveu um dos seus primeiros e mais
relevantes trabalhos, classificado por Bel como o “carro-chefe” da instituição. O trabalho das
mulheres, no entanto, é anterior à criação do IAJES: “As visitadoras participaram do
desenvolvimento das atividades, inicialmente pelas CEB’s e depois pelo IAJES, atuando na
execução das ações dos projetos realizados junto aos moradores” (COSTA, 2017, p.51). Ou
seja, as mulheres estavam presentes desde os círculos bíblicos e eram reconhecidas pelo
trabalho que desenvolviam: “Vanin relatou que, nos primeiros anos de atuação, a equipe de
trabalho social era coordenada por Matilde, assistente social, e por Elvira, “incansável
secretária”, que trabalhavam na organização social e pastoral das diferentes atividades e
serviços” (COSTA, 2017, p.45).

33
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
34
“As Sociedades Amigos de Bairro podem ser consideradas como movimentos sociais de Ação Localizada (ao
menos inicialmente), que traduzem falência do Estado capitalista em atender à população com infraestrutura
urbana e acesso a lazer e educação nas periferias das cidades. Elas eclodem contra o isolamento social,
econômico, político e cultural que o capitalismo provoca ao inchar as periferias”. (OLIVEIRA, 2016, p.145).
35
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
39

Essas mulheres, que logo ganharam o nome de Visitadoras devido à atividade que
exerciam, percorriam os bairros pobres de Andradina procurando identificar, por meio da
aplicação de questionários e da análise dos mesmos, a condição de vida da população:
“Visitar o bairro e descobrir a necessidade de ir ao encontro dos doentes, dos pobres, das
crianças e tentar alguma coisa para minorar os sofrimentos”36.

Nos primeiros anos do IAJES, o trabalho desenvolvido pelas visitadoras tinha um viés
mais assistencialista, e consistia em mapeamento das famílias mais vulneráveis e entrega de
cestas básicas. No entanto, esse trabalho serviu de base para realização de atividades futuras.
Para planejar qualquer ação seria necessário conhecer objetivamente a situação de cada bairro,
suas necessidades e possibilidades. Através das visitas das mulheres ligadas aos movimentos
pastorais da Igreja Católica de Andradina, foi possível fazer levantamentos das condições dos
moradores e da infraestrutura dos bairros através de questionários que combinavam questões
sobre a religiosidade de cada um e situação profissional (COSTA, 2017).

No ano de 1976, “o IAJES estende-se para a cidade toda. A pastoral da Igreja unifica-
-se em torno da prioridade das CEB’s e da opção popular”37. Fato que acarretou o aumento do
trabalho e demandou uma melhor organização por parte dos membros do instituto.

O mapeamento passou a ser mais detalhado, abordando questões mais complexas. As


visitadoras elaboraram questionários a serem aplicados aos moradores da periferia com
objetivo de fazer levantamento detalhado das condições de vida e trabalho dos mesmos. A
ação de aplicação do questionário também era meio para introduzir discussões políticas, que
traziam orientações sobre a conduta que deveria ser assumida diante dos entrevistados, sendo:
“A) explique brevemente o que é o orçamento, o plano que está escrito o que o governo vai
fazer no ano que vem; B) Está sendo feito pelas SAB’s um orçamento popular, depois de
pronto, vai ser exigido que o prefeito assine; C) perguntar os problemas do local onde mora,
se a pessoa for vaga, ler a lista abaixo”38. A “lista abaixo”, referenciada o item “c” do
questionário, trata de um conjunto de questões ligadas às condições sociais do entrevistado e à

36
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
37
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
38
Informações retiradas de um questionário de mapeamento que se encontra-se na pasta de mulheres (389), do
acervo do IAJES – do Centro de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
40

infraestrutura encontrada nos bairros pesquisados, como é possível observar na imagem


abaixo39

39
Questionário de mapeamento que se encontra na pasta de mulheres (389) do acervo do IAJES – do Centro de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
41

Figura 1 – Questionário de visita

Fonte: Questionário que está contido na pasta 389 do acervo do IAJES.

Em outros questionários aparecem perguntas acerca da carestia, inflação,


aposentadoria, desemprego e outros temas. Esse trabalho, após tabulado, desvelava as
principais carências dos moradores dessas comunidades, ou seja, as demandas sociais.
Conforme é possível observar no item B do questionário, as informações colhidas nas
entrevistas igualmente eram utilizadas pelo IAJES e as Sociedades Amigos de Bairro
(SAB’s), para indicar ao prefeito onde deveria ser aplicado o orçamento, conforme será
aprofundado no próximo capítulo.

Esse trabalho, feito à luz do evangelho, que exigia uma boa capacidade de
comunicação por parte de quem o executava, proporcionava uma aproximação entre essas
mulheres e os moradores. Elas eram, em geral, moradoras dos bairros onde atuavam, em sua
42

práxis, paulatinamente iam tomando consciência das condições de pobreza dos seus visitados,
condições que elas próprias viviam:

[...] mulheres voluntárias davam corpo à entidade, faziam o papel de


visitadoras buscando encontrar as necessidades, os problemas, fornecendo
assim “auxílio” nesses casos aos moradores; tomando consciência então da
pobreza e de problemas relacionados às questões estruturais. (OLIVEIRA,
2016, p.83).

A tomada de consciência, fomentada por uma teologia libertadora que se aproximava


do marxismo, consistiu no reconhecimento por parte dessas mulheres das estruturas sociais e
da condição de pobreza em que estavam inseridas. Condição evidenciada no projeto de
construção do Centro Comunitário Jesus Bom Pastor:

O salário médio é de C$ 8100,00 para uma família de 5 filhos. Mais da


metade das residências são de madeira (460); apenas 228 são de alvenaria e
destas apenas 20 podem ser consideradas boas e há uma somente de luxo. O
bairro está sem iluminação e com péssimo serviço de abastecimento de água.
De sua população, 868 pessoas são analfabetas40.

A descrição que consta no projeto desvela o estado de vulnerabilidade social no qual


se encontravam os moradores do bairro Pereira Jordão, mas que não era uma exclusividade
deles. Outros bairros de Andradina habitados pela classe trabalhadora, apresentavam
condições semelhantes, tanto na questão de moradia como infraestrutura. Sendo que o último
contribui para o alto índice de analfabetismo.

E toda essa precariedade não era devido somente ao êxodo rural41, mas era, sobretudo,
resultado da desigualdade social e da ótica mercadológica das cidades até a década de 1980.

[...] na década de 1980 o diagnóstico de que a precariedade da vida nas


cidades brasileiras teria decorrido de uma migração intensa foi contestado, e
a questão da má distribuição passou a ser apontada como a nova raiz do

40
Projeto de construção do Centro Comunitário Jesus Bom Pastor, 1970, Andradina, p. 1. Projeto de construção
do Centro Comunitário Jesus Bom Pastor, 10 de junho de 1970, Andradina, SP. Encontra-se no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),
campus de Três Lagoas, na caixa 320 do fundo documental João Carlos Oliveri.
41
De fato, a “desnaturalização” da sociedade brasileira, na segunda metade do século XX, foi uma realidade. De
acordo com Luiz César de Queiroz Ribeiro: entre os anos 1940 e os anos 1970 deu-se uma aceleração enorme
e o país saiu de uma distribuição da população em que 60% a 70% morava no campo e chegou à década de 70
em situação exatamente inversa, 70% da população morava na cidade” (RIBEIRO, 2009, p.240 apud
VERSIANI, 2010, p.249).
43

problema. Introduzia-se a ideia de que a origem da desordem urbana estava


primordialmente em um conflito distributivo e não no fato do crescimento
populacional das cidades. E, mais, sobreveio a compreensão de que, ao custo
de enorme prejuízo para o conjunto maior da população, para alguns seria
vantajosa, do ponto de vista econômico, a existência de problemas
relacionados à infraestrutura de transporte público, habitação, saneamento,
entre outros; vantajosa para aqueles setores da sociedade brasileira que se
serviam da cidade como uma mercadoria, nela identificando uma fonte de
lucros privados. (VERSIANI, 2010, p.249).

Condição essa que era reconhecida pelas visitadoras na cidade de Andradina, cuja
consciência contribuía para o desenvolvimento das atividades delas. Os trabalhos
desenvolvidos pelas visitadoras colocam o IAJES em evidência e o mesmo passou a receber
visitantes de diferentes lugares do Brasil e do mundo e, conforme Bel:

Recebíamos pessoas do Brasil e do mundo, eram amigos que vinham fazer


estágio, curso com a gente. Lembro-me de alguns: os argentinos, os
chilenos... a juventude do PCdoB da zona Leste de São Paulo também. A
Marilda Iamamoto (uma assistente social que hoje escreve livros dessa
grossura...) ficou com a gente uma semana, eu cheguei a ir na casa dela
depois42.

Como é possível observar no relato de Bel, o IAJES foi aos poucos se configurando
como um espaço de formação, de trocas de experiência, de confluência de ideias, de
alteridade. Ao mesmo tempo, se inseria numa rede de sociabilidade com outras instituições e
organizações nacionais e internacionais. Laços que foram se estreitando ainda mais, quando o
Pe. João Carlos passou a escrever “cartas aos amigos”:

Eram as “Cartas aos Amigos”, em que se avaliavam as trajetórias, os passos


e os programas do conjunto de entidades e atividades, que se convencionou
chamar Novas Formas de Ser Igreja. Na primeira delas, numa discussão
justamente da temática do “novo”, João Carlos Oliveri se pôs a questionar os
rumos desse “novo”, uma vez que o “velho” insistia em retornar, ainda que
com outras roupagens, e assim ele discutiu sobre a reação neoconservadora
da Igreja. (OLIVEIRA, 2006, p.67).

Todas essas experiências foram de suma importância no que tange à ampliação dos
trabalhos das visitadoras: “Devido à evangelização libertadora, elas foram assumindo papéis
semelhantes ao de uma secretaria do governo, do prefeito, ou seja, elas pensavam: se o

42
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
44

prefeito não faz, nós vamos ter que fazer”43. As atividades, que no primeiro momento tinham
um caráter assistencialista, foram sendo aprimoradas pouco a pouco, como o trabalho de
educação popular realizado com algumas categorias como donas de casa, boias-frias,
lavadeiras, bordadeiras, domésticas etc. Educação popular que se traduz no “esforço de
mobilização, organização e capacitação das classes populares para o exercício do poder”
(PELOSO, 2012, p.11).

Nesse sentido, o mapeamento das populações vulneráveis e o trabalho de viés mais


assistencialista já não era a única atividade das visitadoras. Foram elas as responsáveis, junto
ao IAJES, as CEB’s e posteriormente a SAB’s, por implementar o programa de saúde
(baseado em modelos de saúde preventiva), voltado ao atendimento das famílias pobres, em
1979: “As visitadoras começam a se interessar, sempre mais, pelos problemas da saúde do
povo: participaram de uma primeira pesquisa sobre as condições de saúde dos moradores da
periferia, fornecendo seu trabalho voluntário de apoio aos ambulatórios”44.

Entre as mulheres que compunham o grupo estavam: Marivalda, Ana, Chica, Flô,
Cleuza, Toninha, Miquelina, Marisa e outras (COSTA, 2017, p.70). O movimento crescia e se
fortalecia e com ele o IAJES:

O programa da saúde comunitária desenvolveu-se de forma dinâmica e


transformou-se na linha central de atuação do IAJES; isso aconteceu porque
as entradas de verbas para este representavam mais da metade das entradas
financeiras do instituto” (OLIVEIRA, 2016, p.87).

Em suas práxis essas mulheres, e consequentemente o IAJES, foram compreendendo


que a saúde era um dos temas que mais sensibilizavam a população e que por meio dela era
possível iniciar a discussão sobre a transformação social, que se fazia tão necessária naquele
momento. No ano de 1981, foi lançada a campanha “Saúde do Povo”, na qual as mulheres
mais uma vez foram as protagonistas:

As mulheres se tornaram as melhores ativistas dessa nova iniciativa.


Organizaram-se para distribuir os convites para as assembleias de saúde nos

43
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
44
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
45

bairros que contam com a participação de 1.000 pessoas. Só na Vila Mineira


mais de cem famílias são visitadas45.

Um protagonismo construído por meio de um trabalho de base consistente e que


resultou em bons frutos para a comunidade. Lê-se como trabalho de base a “ação política,
transformadora realizada por militantes de uma organização popular que mete o corpo numa
realidade concreta para despertar, organizar o povo na solução do problema do cotidiano e
ligar essa luta à luta geral contra a opressão” (PELOSO, 2012, p.10).

Para o lançamento da campanha “Saúde do Povo”, as Visitadoras organizaram um


evento que recebeu o nome de “Feira Verde”, a qual consistia em exposições e vendas de
verduras, ervas medicinais e amostra de remédios, produzidos pelas moradoras dos bairros
periféricos. Sobre os remédios, esses eram caseiros, preparados por elas, um saber
costumeiramente passado de mãe para filha. Aproximadamente, duzentos exemplares de
plantas foram cultivados nas hortas das famílias dos bairros próximos à Paróquia Nossa
Senhora das Graças. E “mais uma vez, foram as mulheres que se organizaram para fazer a
cerca (cortar bambu e trazê-lo), carpir o terreno, plantar, aguar etc.”46.

Para Marivalda, a Feira Verde foi também uma estratégia de aproximação empregada
pela Vistiadoras, em parceria com o IAJES, em relação as mulheres dos bairros periféricos:

A Feira Verde nasceu assim, começou com uma discussão sobre como chamar a
dona Maria lá do final da Botega (bairro periférico da cidade), por exemplo, pra ir na
nossa reunião sendo que ela tinha um monte de filhos, então, seria difícil ela ir. Mas,
quando ficamos sabendo que essa dona Maria conhecia, por exemplo, uma erva que
dava pra fazer chá e que tinha inclusive no próprio quintal, partimos daí, a
convidamos para nos ensinar. Conhecíamos várias mulheres que sabiam de planta
medicinais (como a valeriana que serve para acalmar as crianças e a mulher para sua
lida) e sobre a plantação de orgânico dentro do seus próprios quintais.

Ou seja, compreendia-se que a melhor maneira de trazer as mulheres para dentro do


movimento, era partir da realidade delas, identificar as possíveis habilidades e valoriza-las.
Para Marvilda, esse trabalho foi muito significativo:

45
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.8) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro
46
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p. 8) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
46

Eu vejo que isso não é pouca coisa, mulheres semialfabetizada que saiam lá do fim
do bairro e falavam e de suas experiências, não é pouca coisa! Elas traziam
crescimento para a vida delas e para a vida de tantas outras mulheres. Então, era isso
que dava o crescimento e o salto para a participação na política, para uma
participação mais ampla nos vários movimentos. E isso, eu sempre avaliei como
muito positivo. Mulheres que já tinham visão de mudança e de transformação.

A partir da colocação da Marivalda, é possível depreender que para as Visitadoras,


assim como para o IAJES, a transformação social deveria se dá primeiro no micro, nas
relações cotidianas, na tomada de consciência sobre qual lugar social se ocupa.

A Feira Verde que a priori seria somente um evento de abertura do programa “Saúde
do Povo”, de acordo com Marivalda, tornou-se tradição e acontecia em vários bairros entre os
meses de Março a Maio. Ao término de cada evento as verduras e ervas medicinais eram
distribuídas para as famílias das pessoas que participaram e para a população mais vulnerável
economicamente. Além disso, as hortas eram cultivadas nos terrenos baldios que, por sua vez,
passavam a ter uma função social. As mulheres davam função pública aos espaços que, em
grande parte das vezes, eram privados.

Todavia, as contradições, igualmente, faziam parte do cotidiano das organizações de


mulheres, bem como do IAJES. À medida que se intensifica o trabalho, apareciam as
dissidências: “1977 a reflexão se torna mais intensa. Acontecem divisões nas comunidades.
Há sempre elementos menos preparados ou mais influenciados pela ideologia dominante, que
se assusta perante a necessária mudança”47.

Em 1980, as atividades de prevenção e auxílio aos problemas das crianças carentes da


periferia foram cortadas do IAJES por falta de financiamento, em seu lugar foi incluído um
programa voltado para profissionalização das mulheres, subsidiado pelas agências de
financiamento internacionais (OLIVEIRA,2016). Esse é um dos exemplos que demonstra que
os programas direcionados à causa das mulheres eram os mantenedores financeiros do
instituto que, entre outras tantas ações, possibilitou a construção dos ambulatórios, como
veremos adiante. Foi também em meados década de 1980 que o IAJES, e junto com ele o
movimento de mulheres e o Conselho Social de Saúde, pressionou o poder público para que
os ambulatórios/laboratórios passassem a ser responsabilidade do Estado:

47
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
47

Quanto à parte de atendimento à população, deverá continuar e crescer o


esforço junto à Prefeitura Municipal para que assuma, pelo menos
parcialmente, o encargo de manutenção dos ambulatórios, dentro de um
plano integrado de saúde para a cidade, deverá ser solicitada também a
participação da Secretaria de Saúde do Estado48.

Pauta que havia sido, em anos anteriores, motivo de ampla discussão: “No conselho e
na assembleia do IAJES havia duas correntes: um grupo dizia que esse tipo de serviço deveria
ser pedido ao Estado; o outro afirmava que o povo não faria questão por um serviço que não
estava acostumado”49.

Outras reivindicações, igualmente, foram feitas, como: fornecimento gratuito de


medicamento por parte do CEME (órgão federal); distribuição de leite; a ampliação do
atendimento médico e da aplicação de vacinas nos ambulatórios.

Nos bairros que não havia ambulatório, o IAJES cobrou do poder público a criação de
Postos de Atendimentos Sanitários (PAS), que seriam criados pela prefeitura e geridos pela
população, em territórios que o instituto já atuava, como Cecap, Cohab e Delmond. O PAS
seria coordenado por um agente técnico de saúde, indicado pelo IAJES, que receberia o apoio
de outro técnico da educação popular. Objetivava-se liberar as verbas do IAJES para que esse
ampliasse seu trabalho na região.

Até aqui é possível ressaltar que a atuação do MMA, que primeiro era mais
assistencialista, foi tomando um corpo político. Nas páginas seguintes, veremos que as
visitadoras vão sendo influenciadas por outros movimentos e, aos poucos, vão ganhando
autonomia em relação ao IAJES. Dentre esses, destaco o Movimento do Custo de Vida
(MCV) que floresceu nos primeiros anos da década de 1970, na cidade de São Paulo, e que
chegou em Andradina pelas mãos das visitadoras.

48
Excerto retirado do documento intitulado de “Proposta a respeito do planos e metas do IAJES” (p.4).
Documento contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro.
49
Excerto retirado do documento intitulado de “Proposta a respeito do planos e metas do IAJES” (p.4).
Documento contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro.
48

1.4 O MOVIMENTO DO CUSTO DE VIDA: DA INSPIRAÇÃO À AÇÃO

Em meados da década de 1970, um movimento iniciado nas Periferias de São Paulo


ganha repercussão em todo o País e passa a ser incorporado pelas Mulheres do IAJES. Não há
dúvida de que entre os principais movimentos que influenciaram o MMA está o Movimento
do Custo de Vida (MCV). Foi atuando nele que as visitadoras compreenderam o caráter
político da mobilização e, assim, ampliaram horizontes. O MCV teve início em 1973, na
Paróquia da Vila Remo, localizada na Zona Sul de São Paulo, quando um grupo de mulheres
que integravam os Clubes de Mães da região decidiram escrever uma carta para as
autoridades municipais relatando as dificuldades enfrentadas por elas devido ao alto custo de
vida:

As mulheres, que sempre discutiam inúmeros problemas tais como


alimentação, transporte, moradia, saúde etc., acabaram por concluir que tudo
se resumia em um item: custo de vida! Pensaram numa carta para a
autoridade e a ideia foi logo assumida por toda a região. (CASTILHO, 2016,
p.260).

Essas mulheres, paulatinamente, foram percebendo que a dificuldade de se colocar


comida na panela para alimentar os filhos não era algo individual e isolado: “O mais doido é
quando a gente sabe que os filhos estão com fome e não tem o que pôr na panela”50. Trata-se
de um período em que a política adotada pelos militares, que compreendia a superexploração
do trabalho, o arrocho salarial e o baixo poder de consumo, teve impacto direto na cultura
alimentar da classe trabalhadora. Nesse sentido, a carta direcionada às autoridades não
somente fazia queixa da condição em que viviam as mulheres pobres e suas famílias, mas
também pedia providências contra o alto custo de vida.

As principais características do MCV se traduzem no trabalho de base e na


horizontalidade. As decisões eram tomadas em assembleias. As conversas eram feitas em
espaços diversos, como paróquias e centros comunitários. Grupos de estudos e outras ações
marcavam a dinâmica do MCV. Integrantes de outros movimentos, dentre eles sindical,
estudantil e as SAB’s também participavam das assembleias. A partir de 1975, o movimento
se consolidou.

[...] dos Clubes de Mães, o movimento contra a carestia foi incorporado por
várias organizações de bairros de São Paulo. Nesse mesmo ano, durante uma
assembleia que aconteceu na localidade de origem do movimento,

50
Fala das mulheres integrantes dos clubes de mães (CASTILHO, 2016, p. 258).
49

consensuou-se sobre a importância de demonstrar para as autoridades, a


partir de dados coletados por meio de levantamento, os impactos do alto
custo de vida para a população das periferias cidade. Poucos meses depois
“sessenta clubes de mães saíram às ruas, de casa em casa, com 2 mil
formulários para serem preenchidos e depois tabulados. Todos queriam
participar. Muitas donas de casa pediam formulários extras para entregarem
aos vizinhos ausentes”. (CASTILHO, 2016, p.261).

Após a tabulação, o resultado apresentado foi o seguinte:

[...] ganha, em média, um salário mínimo e meio. Com isso a mulher e o


filho mais velho também são obrigados a procurar emprego, aumentando a
renda familiar para pouco mais de três salários. Dos Cr$ 1.688,00 mensais
que entravam numa dessas casas, em 1975, Cr$ 992,00 eram gastos em
alimentação. Com o resto deveria ser pago o aluguel, prestações da casa ou
terreno, roupa, condução, remédios, material escolar, luz e água.
(CASTILHO, 2016, p.262).

As informações levantadas nos questionários, somadas aos cálculos oferecidos pelo


Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, revelaram que “para
cobrir despesas com a alimentação de uma família de quatro pessoas, o operário deveria
trabalhar 262 horas por mês, em 1965. Em 1976 já era obrigado a trabalhar 546 horas e 33
minutos para isso: 18 horas e 13 minutos por dia” (CASTILHO, 2016, p.261). Com esses
dados em mãos, o MCV decidiu lançar um abaixo-assinado contra a carestia. O lançamento
ocorreu no dia 12 de março de 1976, no colégio Arquidiocesano da Vila Mariana, Zona Sul de
São Paulo, e contou com um público de mais de sete mil pessoas. De acordo com o autor, o
documento exigia o congelamento dos preços dos produtos alimentícios de primeira
necessidade e, ainda, o aumento dos salários de maneira que fosse maior que o custo de vida.
O movimento, que começou pequeno e que suas organizadoras não tinham ideia do seu
potencial de mobilização, se espalhou por outros bairros e, a partir de 1978, tomou proporções
nacionais, chegando até Andradina. No final da década de 1970, o MCV havia coletado mais
de um milhão e duzentas mil assinaturas (CASTILHO, 2016, p.261).

As mulheres de Andradina, dada a repercussão do MCV, perceberam que enfrentavam


as mesmas dificuldades que suas iguais de São Paulo e incorporaram o movimento, o qual foi
denominado por elas como Movimento Contra a Carestia. Outrossim, enxergaram a
oportunidade de entrarem numa luta que estivesse para além dos limites dos bairros e até
mesmo da cidade, de relevância nacional.
50

Com essa motivação, as mulheres saíram às ruas com atividades preestabelecidas:

1 – visitas nas casas: bem ao estilo visitadoras, as mulheres vão de casa em


casa, dialogando com a população sobre o custo de vida e sobre a necessária
tomada de posição do povo: é um trabalho de conscientização capilar
acompanhado de coleta de assinaturas a serem enviadas ao presidente da
república. 2 – grupinhos de mulheres fazem piquetes nas ruas principais, nos
centros de saúde e em outros locais, expondo painéis, alertando a população
sobre os problemas e continuando com o abaixo-assinado51.

Entre visitas e piquetes, as mulheres de Andradina somaram 8.064 assinaturas, “o


maior número obtido por cidade do interior proporcionalmente aos habitantes52”.

Todavia, o aumento do custo de vida não resultou somente na coleta de assinaturas,


algumas mulheres do MCV em São Paulo promoveram saques nos supermercados, conforme
Munhoz (1989). É possível afirmar que o levante do MMA, somado a diversos outros por
todo o Brasil, se aproxima da experiência relatada por E. P. Thompson, quando analisou a
“economia moral da multidão inglesa no século XVIII”. De acordo com o autor:

É certamente verdade que os motins eram provocados pelo aumento dos


preços, por maus procedimentos dos comerciantes ou pela fome. Mas essas
queixas operavam dentro de um consenso popular a respeito do que eram
práticas legítimas e ilegítimas na atividade do mercado, dos moleiros, dos
que faziam o pão etc. Isso, por sua vez, tinha como fundamento uma visão
consistente de vários grupos na comunidade, as quais, consideradas em
conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos pobres.
Desrespeito a esses pressupostos morais, tanto quanto a privação real, era
motivo habitual para a ação direta. (THOMPSON, 1998, p.152).

Em sua análise Thompson (1998) abarca o universo dos limites da lei/ordem/justiça e


demonstra que a resistência contra as injustiças ganha legitimidade mesmo quando rompem a
ordem legal.

Guardada as especificidades do caso inglês, o MCV considerava injusto e, ilegítimo o


aumento do custo de vida, tendo em vista que essas práticas iam de encontro aos preceitos
morais de parte da sociedade que, entre outras questões, não coadunava com a conduta do

51
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.5) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
52
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
51

governo de desassistir o povo. Isso explica por que os atos de saques e quebra-quebras
ocorridos em São Paulo naquele período eram endossados e justificados. Para o MCV, imoral
era a fome.

Aqueles que integravam o movimento também estavam cientes das escolhas


econômicas do governo militar que garantia o privilégio da elite em detrimento ao povo.
Tema que era apresentado e discutido nas assembleias e reproduzidos nos piquetes.

Em 27 de agosto de 1978, em plena Ditadura Militar, as mulheres de Andradina


somaram-se a outras mulheres de diferentes localidades do estado, até mesmo do país,
participaram da grande manifestação que aconteceram em São Paulo contra a carestia,
conforme relata Bel: “Em São Paulo, as mulheres também se mobilizaram contra o custo de
vida e organizaram encontros... Então, algumas das nossas mulheres, entre elas a Belkiss,
foram participar. Elas tiveram que enfrentar as bombas”53. Para Belkiss o evento marcou sua
trajetória:

Nós colhemos 1300 assinaturas e aí fomos levar em São Paulo essas assinaturas.
Foram a dona Ivanilda, a dona Valdete (mãe da Chepa, que já faleceu) e eu. Fomos
três bocós lá pra São Paulo. Para um encontro, um ato que iria ter lá na Praça da Sé,
na Igreja da Sé. [...] Nós fomos lá pra dá trabalho para os outros, porque o povo lá
era tudo macaco veio, né!? Tudo com medo do que podia acontecer e ainda tendo
que cuidar de nós, porque fomos em três mulheres. Teve bomba de gás
lacrimogênio, teve dispersão, teve esparramento. Mas foi bonito nós lá. Foi assim,
foi interessante esse tempo.54

O medo da repressão não impediu a ida de Belkiss, Ivanilda e Valdete à São Paulo e
nem tirou a beleza do ato de acordou com Belkiss.

Na tarde do dia 13 de setembro de 1978, uma comissão com cinco representantes


protocolou e entregou em Brasília o abaixo-assinado com mais de um milhão e duzentas mil
assinaturas. O grupo foi recebido pelo general Euler Bentes Monteiro, pelos senadores
Evandro Carreira e Franco Montoro, e pelo presidente do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), o deputado Ulysses Guimarães (CASTILHO, 2016, p.290).

53
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018 em Três Lagoas – MS. Ao fazer o relato, Bel chora como se relacionasse as vivências
de outrora com questões iminentes do tempo presente. Eu havia realizado a entrevista dois meses após a
eleição de Jair Bolsonaro.
54
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), em
Março de 2019 em Três Lagoas – MS.
52

Em síntese, o MCV, organizado por mulheres que integravam os Clubes de Mães, em


resposta à falta de “comida na panela”, emergiu de maneira orgânica e, incorporado por
diferentes categorias (dona de casa, operários, estudantes etc.), teve ressonância por todo
estado de São Paulo e pelo País. Um movimento que atravessou a história do MMA e que foi
incorporado à luta das mulheres de Andradina.

1.4.1 A HERANÇA DO MCV PARA AS MULHERES DE ANDRADINA

O Movimento do Custo de Vida ou Contra a Carestia, como ficou popularmente


conhecido, deixou bons frutos em Andradina. Graças a esse movimento, as visitadoras se
tornaram ainda mais conhecidas e inspiraram a atuação de outros movimentos na cidade:

[...] em 1979 o Movimento Contra o Custo de Vida provocou um salto


qualitativo na organização das mulheres. Os grupos começam a ser mais
abertos. Além das visitadoras, outras mulheres participaram, até de outras
igrejas. Em diversos bairros as mulheres fazem pesquisas de preços e
discutem sobre o salário mínimo55.

Em 1980, no dia da luta contra a carestia, as mulheres de Andradina organizam um


comício em frente à Igreja Matriz com o intuito de protestar contra o aumento do custo de
vida. Após muitos testemunhos e palavras de ordem, as mais de 200 mulheres puxaram a
passeata intitulada de “Panela Vazia”:

Terminada a concentração, elas mesmas decidem: “Vamos para a rua”.


Desfilam pela rua principal protestando contra a carestia. Levantam suas
panelas e suas faixas. Gritam: “Abaixo a carestia porque a panela está
vazia”. O evento mexeu com a rotina da cidade: o comércio parou,
balconistas e fregueses deixaram as lojas para assistir. É uma novidade na
cidade, por si só uma vitória56”.

A marcha que foi registada pelo movimento:

55
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
56
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.7) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
53

Imagem 1: Movimento Contra a Carestia.

Fonte: Pasta de imagens do Movimento de Mulheres de Andradina57.

Imagem 2: Movimento Contra a Carestia

Fontes: Pasta de imagens do Movimento de Mulheres58

57
Este documento encontra-se na no Centro de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro, Seção do
IAJES; pertencente ao curso de História UFMS-CPTL.
58
Este documento encontra-se na no Centro de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro, Seção do
IAJES; pertencente ao curso de História UFMS-CPTL.
54

Na imagem 1, é possível ver elementos da organização do ato as faixas e cartazes que


comunicam a motivação da luta enquanto acontecia a marchar. Na imagem 2, nota-se o
símbolo da luta, as panelas vazias que remetem à fome. Ainda na mesma imagem, observa-se
as diferentes gerações de mulheres, bem como a participação de homens e crianças.

O ato que, conforme o excerto acima, foi sucesso e mexeu com o cotidiano da cidade,
motivou ainda mais o movimento para a criação de novos eventos e articulações.

O ano de 1981 foi bastante promissor para as Visitadoras. No dia 08 de março, Dia
Internacional da Mulher, aconteceu o Primeiro Encontro das Mulheres de Andradina. Trata-se
do momento em que as mulheres iam tomando consciência da sua força dentro das
organizações, dos movimentos sociais. Nesse mesmo ano, as mulheres foram protagonistas de
vários eventos que ocorreram na cidade:

Início da campanha por melhorias do INPS59 (distribuição de panfletos e


início de abaixo-assinado). Encontro de mulheres no bairro Stella Maris;
mais de 70 participaram e discutiram os problemas das famílias e da mulher
trabalhadora. Participação majoritária de mulheres em frente ao INPS (mais
de 400); o abaixo-assinado contém mais de 6.400 assinaturas60.

Assinaturas que eram recolhidas com objetivo de cobrar do poder público ações para
diminuir as filas do INPS, as quais, de acordo com Belkiss, virava quarteirão: “nós tivemos
um trabalho contra as filas do INPS. Filas que viravam quarteirão. E a gente ia lá e pegava
assinatura da população”. Entretanto, ainda conforme Belkiss, as mobilizações eram avaliadas
nos seus percursos e, em algumas vezes, chegava-se a conclusão da sua inviabilidade:
“Depois a gente viu que para acabar com fila era preciso ter um sistema muito fabuloso”61.
As mulheres, igualmente, pressionaram os representantes do poder público. As
moradoras do Pereira Jordão foram à Câmara Municipal com cartazes e faixas e cobraram dos
vereadores solução para a situação precária do sistema de água e esgoto do bairro. O
Movimento foi apoiado por alguns vereadores e rechaçado por outros. Os locutores de rádio
teceram inúmeras críticas aos protestos, sendo que em resposta as mulheres fizeram outra
manifestação, dessa vez na inauguração do bairro Stella Maris, onde também levaram faixas e

59
O Instituto Nacional do Seguro Social, atual Instituto Nacional do Seguro Social.
60
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.8) – julho de 1982. O
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
61
Excerto retirado do trabalho de história oral realizado com Belkiss Maria Maciel Kudlavicz, sendo a entrevista
realizada em Março de 2019, na cidade de Três Lagoas.
55

cartazes. E dois dias depois, com a participação dos integrantes da SAB’s, ocuparam outra vez
a Câmara de Vereadores. Durante o ato, houve inúmeras manifestações:

O povo da Câmara aplaude os vereadores que dão apoio e vaia os da


situação que tinham atacado as mulheres. Elementos do povo, entre eles
diversas mulheres, conquistaram a tribuna e falaram na Câmara. Uma das
líderes cita a bíblia, como o que está por trás de todo o movimento popular e
das mulheres em particular62.

Diferente do que ocorria na Europa, sobretudo na França, no mesmo período, em que


o movimento feminista buscava romper com as instituições patriarcais, os movimentos de
mulheres no Brasil, bem como da América Latina, encontravam na Igreja (de viés
progressista63) mais que um ponto de apoio, pois muitos movimentos de mulheres nascem ou
se fortalecem nela. Isso porque havia um forte trabalho de base exercido pela Igreja dos
pobres nas periferias das cidades, conforme Costa (2008). A afirmação da autora, vai ao
encontro da experiência das mulheres de Andradina, a exemplo do que já foi apresentado,
pois era nessa instituição que as visitadoras encontravam apoio e acolhimento.

Todavia, para essas mulheres nem tudo eram flores, elas precisaram lidar com as
contradições da caminhada. Na medida em que crescia o movimento, para algumas delas
também aumentavam as cobranças, as tensões na família:

As tensões se davam pela luta que as mulheres têm que enfrentar todos os
dias, por exemplo, tinha maridos que diziam: você nunca ligou pra lutar pelo
social, pra sair de casa e agora você quer sair pra tudo, né? Vamos parar de
participar desse negócio aí; a sua participação tá incomodando a nossa
família; agora você não cuida mais da gente, só cuida do movimento, né?64

As atividades desenvolvidas pelas visitadoras demandavam cada vez mais tempo e


dedicação, os encontros passaram a ocorrer quinzenalmente com o crescimento da equipe, e
por isso essas mulheres se ausentavam de casa e das funções domésticas (lavar, passar,
limpar, arrumar e cuidar dos filhos), que são atribuídas às mulheres no espectro de uma

62
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
63
Como mencionado anteriormente, havia nesse momento uma polarização no Vaticano, de um lado os
conservadores, do outro os progressistas.
64
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
56

sociedade patriarcal65. Além disso, a autonomia adquirida no fazer-se cotidiano também


provocava incômodo em pessoas próximas, muitas vezes seus maridos. Entretanto, “as pedras
no meio do caminho” não serviram para desmobilizar a organização dessas mulheres, ao
contrário, entre tensões e contradições, elas seguiram com o movimento, numa espécie de
passo a passo num caminhar que também era feito de pausas e sem tempo determinado.

Vimos até aqui acerca da primeira fase do MMA, quando as mulheres respondiam
pelo nome de visitadoras, que: primeiro, a trajetória do movimento se confunde com a do
IAJES, logo está ligado à Igreja Católica e à Teologia da Libertação; segundo, o trabalho
desenvolvido pelas visitadoras tornou-se o grande responsável, o carro-chefe (nas palavras da
Bel), pela criação e manutenção do IAJES, tendo em vista que foi financiado pelas agências
internacionais; terceiro, o IAJES foi o “espaço tempo” (OLIVEIRA, 2016) da experiência
dessas mulheres, o lugar da formação da identidade delas enquanto mulheres pertencentes à
classe trabalhadora. Nesse sentido, é possível afirmar que havia uma relação retroalimentada
entre o IAJES e o movimento de mulheres, não é possível dissociar uma coisa da outra. As
atividades realizadas pelas visitadoras tornam-se bandeiras das ações de luta que forjam o fazer-
se do movimento de mulheres primeiro em torno da saúde do povo, depois no engajamento de
temas diversos. O viés político, que aparece já na primeira fase do movimento, vai se
tornando cada vez mais evidente, conforme será apresentado nos próximos capítulos.

65
Para Saffioti (2013), a função social da mulher é reduzida ao trabalho doméstico, ao ser cuidadora. A única
responsável pela manutenção da família.
57

CAPÍTULO II

FIRMANDO OS PASSOS

2.1 O MOVIMENTO DE MULHERES DE ANDRADINA

O final da década de 1970 e início dos anos 1980 significou um período de mudança
para a organização de mulheres de Andradina, interior paulista, até então chamadas de
Visitadoras. A ida do Padre Vanin para a Paróquia Nossa Senhora da Graça 66, localizada na
periferia de Andradina, resultou na unificação das três paróquias (São Sebastião, Jesus Bom
Pastor e Nossa Senhora da Graça) e na ampliação dos trabalhos. O IAJES, a partir de 1976 se
estendeu para diversos bairros da cidade, sendo doze no total: Pereira Jordão, Nossa Senhora
das Graças, Rodoviária, Passarelli, Botega, Stella Maris, Vila Mineira, Santa Cecília, Antena,
Jardim Alvorada, São Sebastião e Peliciari, (COSTA, 2017). Nesse momento, agências de
financiamento externo (como ADVENIAT MISEREOR) responderam positivamente aos
projetos, sobretudo aos que eram direcionados à mulher, enviados e investiram no Instituto.
Isso graças também à atuação do profeta João Carlos, um dos grandes intelectuais do IAJES,
que se dedicou ao Movimento de Mulheres. Fatos que somados corroboraram para o
amadurecimento o MMA. Contudo, esse processo se deu também porque as mulheres foram
percorrendo novos caminhos, tecendo novas teias de contato com outros movimentos de
mulheres, feministas e partidos políticos, por exemplo.

Falamos de um período em que havia uma efervescência em torno do tema mulher,


fenômeno que corroborou para a eclosão do feminismo no Brasil. O trabalho desenvolvido
pelo feminismo europeu e norte-americano reverberou positivamente e teve como
consequência, em 1975, a criação do Ano Internacional da Mulher67. Além disso, devido aos

66
Nos últimos anos da década de 1970, o Padre Vanin, que foi um dos principais responsáveis pelo IAJES, se
mudou para a Paróquia Nossa Senhora das Graças e formou uma comunidade com outros religiosos que
moravam lá.
67
Sob a influência e pressão dos movimentos feministas, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em
1967, a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. Em 1972, a Assembleia Geral
da ONU proclamou o ano de 1975 como o Ano Internacional das Mulheres, demonstrando preocupação com
as violações dos direitos humanos das mulheres em todo o mundo. A ONU realizou, nesse mesmo ano, na
cidade do México, a I Conferência Mundial das Mulheres, que impulsionou a aprovação, em 1979, pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres − Declaration on the Elimination of Violence violencia-de-genero-1a-reimpressao.indd 18
58

baixos salários, muitas mulheres, sobretudo da classe média, foram para o mercado de
trabalho para complementar a renda familiar, conforme Castilho (2016).

Com a ampliação do mercado de trabalho e do sistema educacional, as mulheres


passaram a ocupar cada vez mais os espaços antes destinados aos homens e isso corroborou
para a mudança cultural com novos comportamentos afetivos e sexuais relacionados ao acesso
a métodos anticoncepcionais e com o recurso às terapias psicológicas e à psicanálise.
Outrossim, “novas experiências cotidianas entraram em conflito com o padrão tradicional de
valores nas relações familiares, sobretudo, por seu caráter autoritário e patriarcal” (SARTI,
2004, p.39). Todas essas questões trouxeram visibilidade aos movimentos de mulheres e
feministas.

Nessa maré favorável, fruto de muita luta, as visitadoras, no ano de 1982, apoiadas
pelo IAJES e articuladas com outros grupos de mulheres ligados à diocese de Lins – SP,
implementaram o programa “Encontro das Mulheres”, como será apresentado adiante. Muda-
-se aí ou, talvez, ampliam-se as reivindicações que vão da política ao lazer: “08.02. Mais de
cem mulheres do Pereira Jordão reúnem-se para discutir o problema da taxa de água na
presença de jornalista do Jornal da região o Estado de São Paulo”68. No tocante ao lazer:

Os bairros de Jardim Alvorada e Passareli, organizaram uma tarde de lazer.


Futebol feminino, das moças, e corrida das mulheres, das mães de família,
onde participavam até senhoras idosas, derrubando preconceitos para alegria
de divertir o povo, atraindo mais de 1.000 espectadores69.

Trata-se das mesmas mulheres que se reuniam para falar dos problemas por elas
vividos, que faziam mutirão para fortalecer famílias em estado de vulnerabilidade social. Era
do lazer, do riso, do encontro de gerações. O ano era 1982.

09/01/2018 17:22:14 Violência de gênero contra mulheres 19 Against Women (Cedaw),1 dando valor jurídico
à Declaração de 1967 (BARSTED, 2016).
68
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
69
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
59

No mesmo período, a organização de mulheres de Andradina se autodenominou de


“Movimentos de Mulheres de Andradina” e, dessa maneira, foram alinhando suas atividades a
um fazer político70:

Essas mulheres, e com elas o IAJES, construíram, gradualmente, um corpo


de ideias geradas entre reflexões teológicas progressistas e as experiências
vividas diante da condição de pobreza e de problemas sociais com os quais
se deparavam nesses primeiros tempos de trabalho da entidade. (OLIVEIRA,
2016, p.84).

O reconhecimento da condição de pobreza na qual estavam inseridas norteou o


trabalho das mulheres do MMA. Havia por parte delas um grande engajamento na luta contra
a carestia, por creches, pela maior participação da mulher na política e contra a violência
direcionada a ela, entre outras pautas que surgiam, conforme o movimento ia se consolidando.

A peleja contra as injustiças sociais e para que as pessoas se percebessem sujeitos de


sua própria história, conforme Oliveira (2016), se fixava no horizonte da organização. Em
todo esse processo de formação de identidade, sobretudo enquanto mulheres pertencentes à
classe trabalhadora, o movimento caminhou junto à Igreja, apoiado pelos padres progressistas,
como é possível observar na fala da Bel: “Tivemos sorte, era uma equipe de religiosos que
pensava no crescimento da mulher, que queria ver a mudança, a transformação... esse olhar
mais crítico, mais apurado”71.

Todavia, vale ressaltar que esse apoio tinha suas limitações, as pautas estavam ligadas,
geralmente, aos estereótipos femininos, como o cuidado, enquanto questões ligadas ao
comportamento e à autonomia das mulheres em relação ao corpo e à liberdade sexual da
mulher não eram aprofundadas. Essas, a exemplo do que veremos adiante, serão aprofundadas
durante os encontros do Movimento Regional de Mulheres com a presença de algumas
feministas.

O MMA, assim como outros movimentos de mulheres ligados à Igreja no mesmo


período, tinha característica de movimento social72, o qual destinava suas demandas ao

70
A política aqui pode ser compreendida como “forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente
ligada ao poder. Ou analogamente, como “conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados”
(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p.953).
71
Fonte produzida por meio da História Oral, entrevista realizada com Maria da Silva Prates em 12 de dezembro
de 2018, em Três Lagoas – MS.
72
Como movimento social assimilo o conceito apresentado por Alberto Melucci (1989): “Eu defino
analiticamente um movimento social como uma forma de ação coletiva: (a) baseada na solidariedade, (b)
60

Estado, sendo esse o responsável por promover o bem-estar social, e por isso organizava-se
em torno das pautas como água, luz, esgoto etc. Segundo Sarti (2004):

[...] esses movimentos têm como parâmetro o mundo cotidiano da


reprodução – a família, a localidade e suas condições de vida que caracteriza
a forma tradicional de identificação social da mulher. Esses movimentos, o
referencial da existência das mulheres, foi o que as moveu politicamente.
(SARTI, 2004, p.39).

A relação estreita com a Igreja não significava ausência de autonomia por parte do
MMA: “Há um momento em que o movimento vai se tornando um pouco mais autônomo,
com agendas próprias”73 e, no decorrer da década de 1980, o MMA se liga a outros
movimentos de mulheres do Brasil e, em uma menor proporção, da América Latina, passando
a integrar em 1982 o Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista. No ano seguinte, a
organização já contava com dez grupos espalhados pela cidade:

Existem 10 grupos de mulheres. No início do trabalho eram grupos de


visitadoras, realizavam visitas para as pessoas carentes, doentes etc. De um
ano pra cá, está sendo ampliado o grupo de mulheres que trabalham em
conjunto com outros grupos: círculos bíblicos, CEB’s, SAB’s, etc.74.

Desses dez grupos, constituiu-se uma comissão que se reunia uma vez por mês. Nas
reuniões eram avaliadas as caminhadas e organizadas as diversas lutas. A Marivalda assinou
vários documentos, ela compôs a equipe de coordenação por anos. O crescimento do MMA,
dada a sua característica complexa, demandou um engajamento ainda maior por parte de suas
integrantes. Fazia-se necessário organizar melhor as atividades para que essas se
desenvolvessem de maneira a atender as demandas trazidas pelas representantes de cada
bairro. O maior desafio era fazer isso de maneira coletiva e colaborativa, sem perder de vista
o trabalho de base. A solução para esses e outros problemas elas foram encontrando em suas

desenvolvendo um conflito, (c) rompendo os limites do sistema em que ocorre a ação. Estas dimensões
permitem que os movimentos sociais sejam separados dos outros fenômenos coletivos (delinquência,
reivindicações organizadas, comportamento agregado de massa) que são, com muita frequência,
empiricamente associados com “movimentos” e “protesto”. Além disso, os diferentes tipos de movimentos
podem ser avaliados de acordo com o sistema de referência da ação (MELUCCI, 1989). O que nós
costumeiramente chamamos de movimento social muitas vezes contém uma pluralidade destes elementos e
devemos ser capazes de distingui-los se quisermos entender o resultado de uma dada ação coletiva”
(MELUCCI, 1989, p.57).
73
Fonte produzida por meio da História Oral, entrevista realizada com Maria da Silva Prates em 12 de dezembro
de 2018, em Três Lagoas – MS.
74
Relatório do encontro do Movimento de Mulheres de Andradina, referente ao primeiro e segundo semestres de
1985, que se encontra na caixa de número 391 no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro no acervo do IAJES.
61

práxis em várias frentes de lutas, considerando que muitas das integrantes do movimento
também participavam de outras organizações, as SAB’s e CEB’s. Os encontros regionais,
igualmente, foram determinantes nesse processo.

O MMA se forjou no fazer cotidiano, nas relações construídas, nas trocas, no


aprendizado, no enfrentamento das demandas sociais que surgiam. Em se tratando das
demandas, naquele momento, o alto custo de vida permanecia sendo uma das principais delas.
Em 1984 foram pensadas inúmeras estratégias para enfrentar essa questão. Entre as propostas
estavam o boicote aos supermercados e aos produtos com o maior índice de inflação.
Contudo, depois de muita reflexão, sobre qual seria o caminho mais viável para se alcançar o
objetivo, compreendeu-se que as compras comunitárias eram uma boa saída. Estratégias
aprendidas com o MCV de São Paulo, na década de 1970, de acordo com Castilho (2016,
p.237):

A experiência das compras comunitárias – registrada na matéria Uma


Solução Popular da edição 65 do jornal Movimento –, logo se estendeu a
outros locais da cidade de São Paulo chegando, ao menos, a 12 bairros
operários que também organizaram suas cooperativas comunitárias de
compras.

No caso de Andradina, as compras coletivas, articuladas junto às SAB’s, garantiam


acesso a produtos de qualidade, mas com um menor preço às famílias pobres. O Varejão
tornou-se símbolo dessa estratégia política:

O varejão foi estabelecido com propósitos comunitários e de cooperação


entre os pequenos produtores das áreas rurais de Andradina, dos posseiros
que viviam nos assentamentos da região e moradores dos bairros que
trabalhavam nas hortas comunitárias. Ao IAJES coube o papel de formação
cooperativista e técnicas de produção eficientes, além de interceder junto ao
poder público para a elaboração de novas propostas de iniciativas
econômicas comunitárias. (COSTA, 2017, p.87).

Ou seja, o IAJES desempenhava as funções administrativa e de formação política. Por


meio do Varejão foi implementada uma espécie de economia solidária, pois, ao mesmo tempo
que garantia produto de qualidade com baixo valor, por não ter atravessador, valorizava-se os
pequenos produtores. Outro caminho encontrado pelos movimentos populares foi o
Orçamento Participativo que teve início em meados da década de 1980.
62

Por Orçamento Popular ou Orçamento Participativo, conforme aparece na literatura,


compreende-se: “O processo pelo qual a população decide, de forma direta, a aplicação dos
recursos em obras e serviços que serão executados pela administração municipal”
(OLIVEIRA, 2005, p.27). Entre os movimentos populares de Andradina (movimento de
mulheres, SAB’s etc.) o O.P. era assimilado como uma construção popular:

[...] é aquele em que a população apresenta ao prefeito os principais


problemas e as propostas de solução para definir o que a prefeitura deve
fazer com o dinheiro arrecadado do povo. A população participa, dá opinião,
decide como é que vai ser gasto o dinheiro, dando palpites e sendo
entrevistada, ouvida. E um documento que é fruto da união e mobilização do
povo, e que precisa de muita união para que seja respeitado75.

Compreensão que, de acordo com Marivalda, foi construído junto à SAB’s, ao


movimento de mulheres e CEB’s, em parceria com o IAJES e com a ajuda de intelectuais de
fora:

[...] na discussão do orçamento participativo vinha de São Paulo o economista Dória


do PT, que ajudou muito. Sentávamos com as SAB’s junto com a equipe toda do
IAJES, as CEB’S e se fazia uma espécie de grande assembleia, onde ele explicava o
que que era o orçamento, o dinheiro que entrava, o dinheiro que saia, de como
funcionava essa parte do orçamento dentro da prefeitura, como que arrecadava esse
dinheiro, como que gastava, os tributos, enfim, uma grande aula para todos
entenderem76.

Ainda de acordo com Marivalda, a formação não se encerrava por aí, aos participantes,
cabiam a tarefa do multiplica o que havia sido aprendido:

Depois, cada associação de moradores fazia sua discussão em cada bairro, sendo
que, era uma média de 10 bairros, cada uma com um grupo desse organizado e
chamando o povo desse bairro para fazer essa discussão do orçamento participativo,
de como gastar o dinheiro que entra na prefeitura para mudar a realidade do bairro.
E tudo era anotado, por exemplo, sobre o que o morador do bairro da Vila Mineira,
que é um bairro grande de Andradina, pensava como o prefeito deveria usar o
dinheiro público para ter melhorias no seu bairro. Imagine o povo de um bairro bem
pobre dizer, por exemplo, que poderia usar para ter um posto de saúde, ou para ter
saneamento básico, para não ficar correndo esgoto a céu aberto, para ter escola
infantil e mais próxima de suas casas77.

75
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.7), edição 31, set./out. de 1985. Encontrado no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVOFormatado: Fonte: (Padrão) Times New Roman.
76
Excerto retirado da entrevista realizada com Marivalda de Jesus Barreiro, via google meet, a partir de método
da HO. São Paulo/SP – São José do Rio Preto/SP, 11 de junho de 2020.
77
Excerto retirado da entrevista realizada com Marivalda de Jesus Barreiro, via google meet, a partir de método
da HO. São Paulo/SP – São José do Rio Preto/SP, 11 de junho de 2020.
63

Um processo de formação que de acordo com Marvilda e conforme é ´possível


observar no excerto abaixo, surtiu efeito, os movimentos populares passara a reivindicar que o
Orçamento Municipal resultasse do O.P.: “O Movimento Popular de Andradina – Sociedade
Amigos de Bairros, Grupos de Mulheres etc., vem lutando desde o ano passado com o poder
local (Prefeitura), exigindo que o orçamento do Município seja aplicado naquilo que o povo
necessita”78.

Nesse sentido, o MMA, junto à SAB’s, CEB’s e ao IAJES, organizaram as estratégias


de ação: “Os grupos organizados se mobilizaram para exigir do poder local a prestação de
contas de como é usado o dinheiro do povo. Fizeram um encontro para analisar os balanços
dos anos anteriores e o orçamento para 1984”79. Com esses dados em mãos, foi iniciada a
consulta à população, por meio da aplicação de questionários, para a elaboração do orçamento
popular. Cada questionário continha cinquenta itens. Ao todo, foram aplicados 2.000, sendo
cinco tipos diferentes:

Um, com perguntas, respondido por pessoas que participam de alguma das
formas de organização existente: SAB’s, grupo de mulheres, CEB’s, grupo
de bordadeiras; um, com 21 perguntas, respondido pelas pessoas atendidas
por ambulatórios do IAJES, aplicado de casa em casa. Aos jovens foi
aplicado um questionário com 46 perguntas. Pela importância da folha de
pagamento na despesa da prefeitura, um dos questionários foi específico para
os funcionários. Os sem-terra, boias-frias, acampados, ou seja, os
trabalhadores rurais, responderam a um questionário próprio80.

A tabulação dos questionários desvelou os seguintes problemas: praga de pernilongo,


devido à ausência de serviço de saneamento básico; hiperinflação; desemprego; ausência de
um sistema de saúde adequado para o atendimento da população mais pobre, entre outros. O
documento do O.P., elaborado a partir desses dados, referente ao ano de 1985, que foi

78
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.7), edição 31, set./out. de 1985. Encontrado no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVOFormatado: Fonte: (Padrão) Times New Roman.
79
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 23, edição Março de 1984. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
80
Idem à referência 69.
64

entregue ao prefeito. Esse, por sua vez, se esquivou afirmando que estava recebendo o
documento tarde demais81.

Não obstante, a postura do prefeito não desmobilizou o trabalho, em 1985, foram


feitas novas mobilizações: “O Povo caminhou mais depressa. Elaboraram uma nova pesquisa,
obtiveram mais de 3.000 respostas, já tabularam e já encaminharam ao Prefeito, em Praça
Pública. É o Orçamento Popular para 1986”. No dia 31 de agosto foi entregue ao prefeito o
documento do O.P.:

Em 31 de agosto – entrega do Orçamento Popular para 86, com a festa do


povo na Praça Joaquim Moura de Andrade, com participação de mais ou
menos 700 pessoas. Foi entregue a II carta de Andradina ao sr. prefeito
municipal na presença de vereadores e da Deputada Federal Irma Passoni82,
que se comprometeu a encaminhar uma cópia dos documentos no Plenário
da Câmara83.

Entre as reivindicações de maior relevância encontrava-se a melhoria do sistema de


saúde, tanto na infraestrutura como em recursos humanos (médicos, enfermeiras, auxiliares)
dos postos de atendimento. O Movimento de Mulheres e o IAJES, além das visitas
preventivas, tencionava, por meio das agências financiadoras, construir mais
ambulatórios/laboratórios médicos nos bairros periféricos (COSTA, 2017). Meta que se
tornou realidade nos anos seguintes, quando foi feito um convênio entre IAJES e prefeitura.

O convênio, que de 1983 a 1984 fora exaustivamente discutido entre SAB’s,


IAJES e o conjunto da população, foi assinado em 1985, entre o instituto, a
Prefeitura Municipal e a Secretaria de Saúde, e preconizava direitos e
obrigações dos três partícipes, inclusive no âmbito da fiscalização do próprio
funcionamento, que ficaria a cargo de uma Comissão Popular de Saúde,
organizada a partir do IAJES e do Movimento Popular. (OLIVEIRA, 2006,
p.197).

Em 1985, havia nove ambulatórios na periferia da cidade que atendiam de segunda a


sexta-feira, três horas por dia e realizavam as seguintes atividades: “atendimento ambulatorial,

81
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1) número de exemplar 31, edição Março de 1985. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
82
Uma curiosidade é que o nome de Irma Passoni consta rabisco por caneta, todavia não encontrei em nenhum
outro documento algo que possa explicar a razão disso. Da mesma forma, não é possível precisar quando foi
feito o rabisco.
83
Excerto retirado do documento intitulado de “Relatório Movimento de Mulheres”, 1º e 2º semestre de 1985.
65

atendimento domiciliar (conforme necessário), atendimento médico semanal (1 hora de


clínico geral, 1 hora de pediatra); atividade educativa de saúde (assembleias, reuniões,
acompanhamento das comissões de saúde, palestras)”84. O laboratório cumpriu, entre outras
questões, duas importantes finalidades:

Melhorou muito o nível de atendimento sanitário à população, colocando à


disposição das classes de renda inferior um serviço normalmente usado pelas
rendas mais altas. Ajudou no processo da mesma população, dando maior
força política, as propostas do movimento popular apoiadas pelo IAJES e
ampliando a área de reivindicação do povo85.

Ou seja, o programa de saúde tinha para o IAJES uma função social ao mesmo tempo
que política. Por meio dessas conquistas, o povo ia reconhecendo os seus direitos. Nesse
projeto as mulheres do MMA desempenham papéis relevantes, como o acompanhamento dos
agentes de saúde e parte da formação desses no que tange ao sentido de uma educação
libertadora:

As reuniões com os agentes ocorreram no sábado, dentro do horário de


trabalho, com estudo e avaliação. Foram estudados alguns temas, como:
história da Igreja, realidade da América Latina, os movimentos populares,
reforma agrária, política de saúde, constituinte, doença contagiosa e bíblia86.

Trata-se de um momento, a década de 1980, em que no Brasil os movimentos de


mulheres e feministas passaram a atuar de maneira mais institucionalizada, técnica e
profissional por meio de ONGs87:

[...] e buscaram influenciar as políticas públicas em áreas específicas,


utilizando-se dos canais institucionais. A institucionalização do movimento
implicou, assim, o seu direcionamento para as questões que respondiam às
prioridades das agências financiadoras. (SARTI, 2004, p.8).

84
Informação retirada do documento intitulado de relatório do primeiro e segundo semestres de 1985, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
85
Informação retirada do documento intitulado de relatório do primeiro e segundo semestres de 1985, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
86
Excerto retirado do documento intitulado de Relatório do Movimento de Mulheres, primeiro e segundo
semestres de 1985, que está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
87
“As feministas autônomas” lançaram uma crítica feroz contra as ativistas a quem elas, pejorativamente,
etiquetavam de “institucionais” por terem, de forma ostensiva, “traído o feminismo” e “se vendido” às forças
nefastas do “patriarcado neoliberal global” (ALVAREZ, 2014, p.27).
66

Esse direcionamento que nos ensina Cintia Sarti faz com que temáticas como a fome,
as doenças, a violência doméstica e os direitos reprodutivos, fossem incluídas nessa agenda e
isso trouxe impacto para a área médica (SARTI, 2004). A reflexão se voltou para a concepção
sobre o uso social do corpo da mulher e a medicina direcionada a ela. Durante a Conferência
Nacional de Saúde e Direito da Mulher, realizada de 10 a 13 de outubro de 1986 em Brasília,
temas como aborto; saúde mental da mulher; mulher, saúde e cidadania; mulher, trabalho e
saúde; sexualidade feminina; entre tantos outros, foram destaques durante o encontro88. Como
já mencionado anteriormente, os temas ligados ao corpo e à sexualidade da mulher
apareceram com maior frequência a partir do processo da Constituinte.

Por fim, nesse item que denomino de “firmando os passos”, vimos que o trabalho
desenvolvido pelas Visitadoras corroborou para o crescimento do IAJES, considerando que
passou a ser financiado pelas agências financiadoras internacionais, e à medida que o instituto
crescia, o movimento, igualmente, se desenvolvia e firmava identidade enquanto Movimento
de Mulheres de Andradina (MMA). Do mesmo modo, alcançava outros lugares e encontrava
novas formas de fazer político.

2.2 UM NOVO FAZER POLÍTICO

A década de 1980, que traz consigo a luta pela reabertura democrática, essa como
pauta unificadora, considerando a Igreja como uma instituição de convergência, aproxima o
MMA de outras organizações políticas, a exemplo de partidos. Fato que conduz a organização
de mulheres para um outro lugar. Em um mover-se constante, as mulheres de Andradina
foram se organizando e atuando cada vez mais politicamente, passando, algumas delas, a
integrar partidos políticos surgidos no contexto das lutas do novo sindicalismo do final da
década de 1970 e início da de 1980.

Não muito diferente do que é hoje, a atividade doméstica e a dupla jornada de trabalho
afastaram por muito tempo as mulheres da vida pública, gerando um padrão diferenciado de
socialização e uma ausência dessas nos espaços de poder. No que tange às instituições e à
representação política, o discurso liberal vigente afirmava que a mulher já era representada,

88
Informações retiradas do relatório referente à Conferencia Nacional de Saúde e Direito da Mulher, realizada de
10 a 13 de outubro de 1986 em Brasília. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
67

pois havia conquistado o direito ao voto. Entretanto, o sufrágio, que no primeiro momento
parecia ser a solução no tocante à igualdade de direitos entre homens e mulheres, demonstrava
insuficiência, considerando que eram os homens que pensavam e criavam políticas públicas
para as mulheres.

As previsões dos liberais que afirmavam em suas teorias democráticas que o sufrágio
universal seria suficiente para resolver a questão referente à inclusão das minorias, não se
concretizaram na prática (MATOS, 2011). As mulheres, devido à sub-representação,
seguiram sofrendo com as desigualdades sociais e materiais. A tomada de consciência dessa
condição levou as mulheres a buscarem espaços no parlamento, com o intuito de construir um
processo democrático emancipatório que resultasse em justiça social. Trata-se de um
contraponto às teorias políticas hegemônicas que corroboram para invisibilização e
silenciamento da mulher. Para Pinto (2010, p.10), a partir de 1932, a mulher começou a
aparecer na ordem da dominação, do mundo público, como uma persona que deveria ser
controlada. A ela foram atribuídos lugares permitidos e lugares proibidos.

No caso brasileiro, devido ao contexto de ditadura, somente a partir da década de 1980


com a reabertura democrática, é que as mulheres puderam reivindicar maior
representatividade nesses espaços de decisão. Só aí houve condições para se buscar a justiça
social a partir de diferentes espaços, como a representação política (que a teoria liberal aponta
como inerente a um Estado democrático) por vias institucionais. Em se tratando de
Andradina, no caso do MMA especificamente, a atuação política das mulheres se manteve na
esfera microssocial, nas ações cotidianas junto aos moradores das comunidades, ao mesmo
tempo em que passou a ser efetuada no âmbito das instituições.

O caminho trilhado para alcançar a esfera institucional foi a filiação a partidos que
naquele momento absorviam essas demandas, como o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) e especialmente o Partido dos Trabalhadores (PT). Para Alvarez (2014), o
PT foi um dos grandes apoiadores dos movimentos de mulheres e feministas nos anos 1980:

No Brasil, outro ator fundamental no campo feminista nos anos 1980 e 1990,
mas raramente reconhecido enquanto tal e situado claramente ‘para além da
sociedade civil’, foi o Partido dos Trabalhadores e, com ele, os movimentos
populares que então constituíam a sua base, impulsionaram a ampliação e
pluralização do campo feminista. Assim estimularam, mesmo que às vezes
inadvertidamente, a proliferação de feminismos “no plural” entre mulheres
populares, sindicalistas e militantes do movimento estudantil, por exemplo.
(ALVAREZ, 2014, p.25).
68

A afirmação de Alvarez (2014) vai ao encontro da experiência do MMA, que teve


algumas de suas integrantes filiadas a partidos políticos, mais especificamente, o PT:

As mulheres de Andradina passaram a ocupar um outro lugar na sociedade,


nós tivemos mulheres que ajudaram a organizar o PT, por exemplo, a
Valdete Bertuci (que é a mãe dessa Terezinha Bertulci que eu lhe falei), ela
foi uma das grandes lideranças (que ajudou a fundar o PT) e foi candidata
pela primeira vez em Andradina. O Lula esteve lá várias vezes para fundar o
PT. Há pessoas que foram formadas ali que começaram a trabalhar conosco
aos 15 anos e quando o Lula foi presidente estava lá, nas políticas públicas
para mulheres89.

As mulheres do MMA passaram a compreender que a igualdade de representação,


numa perspectiva democrática, significava justiça social e, do mesmo modo, era caminho para
a promoção da igualdade de direitos. Igualdade que, de acordo com Matos (2011), só será
alcançada se for acompanhada de transformações “da cultura política, de reformas
institucionais inovadoras em nível estadual e nacional, nas políticas eleitorais, em governos
locais, estaduais e nacionais, assim como nas práticas sociais” (MATOS, 2011, p.9).
Ademais, ainda de acordo com a autora, a modernização, a destradicionalização dos
costumes, é essencial para os avanços socioeconômicos das mulheres.

Entretanto, essa adesão partidária não foi recebida com bons olhos por todas as
integrantes do movimento, para Belkiss essa atitude se mostrava como precipitada: “na época
eu mesma não fui muito a favor disso não. Eu entrei no PT quando ele surgiu, mas não era
muito a favor de descambar. Achava que era cedo para o povo ir assim... pois talvez poderia
atrapalhar”90. Para Belkiss, a partidarização do movimento poderia vir a tirar o foco do grupo
e corrobora para a fragilização do mesmo.

Outrossim, essas mulheres encontraram inúmeros obstáculos na tentativa de ocupar


esse novo lugar social. Janeth, membro da executiva estadual do PT de SP, durante o V
Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, ocorrido no ano de 1984, no qual estavam
presentes representantes do MMA e que tinha como tema “a mulher na política”, discorreu
acerca do tratamento destinado à mulher na vida política a partir das perspectivas dos papéis
estereotipados e cristalizados: “Em primeiro lugar, a mulher é vista como incapaz de pensar,

89
Excerto do texto do trabalho/entrevista de História Oral realizada com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no
dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
90
Excerto do texto do trabalho/entrevista de História Oral realizada com Belkiss Maria Maciel Kudlavicz em
Março de 2019, em Três Lagoas – MS.
69

ela é vista como massa de manobra”91. No sentido da fala de Janeth, Maria José também
discorreu sobre o tema:

Quando eu lancei minha campanha, as mulheres que me incentivaram


tiraram o corpo fora. Eu fui pedir ajuda aos meus alunos, maiores de 18, e
disse que não tinha dinheiro para comprar votos. Eu ouvi as maiores
barbaridades das mulheres como vai lavar roupa, cozinhar. Eu faço tudo em
casa e ainda trabalho fora. A resistência que senti foi das próprias mulheres.
Um homem não entrega a falta do outro, mas a mulher entrega. A mulher é
cheia de preconceito de mulher contra a mulher. A luta profissional, política
dentro de casa não é fácil 92.

Os testemunhos de Janeth e Maria desvelam o lugar do “não político”, o não lugar


relegado à mulher, que é vista como incapaz de assumir um cargo de liderança, bem como
explicita os motivos da sub-representação dessa na esfera da política institucional. Nessa
direção, Célia Regina J. Pinto, ao refletir sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres
para acessar as instituições políticas, sublinha: “Dos lugares proibidos, certamente o espaço
da política era o mais claramente proibido e, por consequência, o mais difícil de romper”
(PINTO, 2010, p.23). Ainda segundo a autora, a presença da mulher no Parlamento, ocupando
um cargo de poder, coloca em xeque o status quo social que hierarquiza as categorias.

A presença da mulher no parlamento rompe com a hierarquia social, considerando que


um cargo de parlamentar se traduz em poder. As elites protegem os limites dos espaços de
exercício de poder (PINTO, 2010, p.23).

Outra questão que também fica evidenciada na fala de Maria José é que a mulher que
subvertia a ordem hegemônica, dada como natural, tinha que aprender a lidar com a
desaprovação de homens e até mesmo de mulheres, dentro e fora do seio familiar.

As colocações de Janete e Maria José vão ao encontro das arguições de Saffioti


(2013), presentes em sua obra “Mulheres e sociedade de classes”. Para a autora, a ordem
hegemônica, por meio da promoção da desigualdade educacional e cultural, contribuía para
manter a mulher “presa ao lar”, no cuidado da família ou no emprego doméstico e, dessa
forma, invisibilizada.

91
Excerto retirado do relatório do V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, ocorrido no ano de 1984 (p.4).
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
92
Relato de Maria José, de São José do Rio Preto, candidata a vereadora pelo PMDB. Excerto contido no
relatório do V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, ocorrido no ano de 1984 (p.5).
70

A condição de submissão da mulher em relação ao homem não pode ser vista


isoladamente, trata-se de um contrato social sexista que tem suas raízes no patriarcado93 e que
foi chancelado pelo sistema capitalista. Nesse sistema, a mulher, em comparação ao homem, é
considerada como deficiente (física e intelectualmente), compreendida enquanto “elemento
obstrutor do desenvolvimento social, quando, na verdade, é a sociedade que coloca obstáculo
ao desenvolvimento pleno da mulher” (SAFFIOTI, 2013, p.66).

Nesse sentido, Matos (2011) afirma que sujeito político, historicamente, é sinônimo de
“homem egoísta”, “agressivo”, enquanto que a mulher é descrita como doce, sensível,
conciliadora, cuidadora; logo, não serve para a vida política. Um construto que, refletido
também na questão material, legitimou a marginalização, os baixos salários e a
superexploração do trabalho da mulher (com a intensificação do trabalho e o aumento da
jornada) que a mantém subordinada economicamente e que garante os lucros dos capitalistas.
Isso sem mencionar o trabalho doméstico não remunerado que, de acordo com a autora Soraia
Carolina de Mello, está atrelado à hierarquização dos gêneros, com as funções sociais
atribuídas às mulheres e dicotomia do público ou do privado. Ao trabalho doméstico não é
atribuído um valor econômico, mesmo esse sendo essencial para manutenção do sistema
(MELLO, 2019, p.76).

Os relatos pessoais feitos por Janeth e Maria José, acerca das dificuldades enfrentadas
por elas no campo da política, são retratos da opressão sofrida pela mulher quando essa busca
romper com o lugar de subalternidade que lhe é imposto no seio de uma sociedade patriarcal.
Retratos que, ao serem reconhecidos, provocam um clamor por mudanças, como é possível
observar na fala de Janete: “Temos que desmistificar a ideia que a mulher não é capaz de
mudar essa concepção machista de que lugar de mulher é na cozinha. Então temos que educar
a menina de forma que ela perceba que é capaz de alguma coisa”94.

Ademais, Janeth aponta para a necessidade de uma educação libertadora capaz de


despertar a criticidade das “meninas”, de modo a corroborar com a compreensão dessas
acerca das diferentes opressões impostas à mulher na sociedade e as formas de romper com
elas. Nesse sentido, Bell Hoocks (2013) em “Ensinando a Transgredir”, ressalta a importância

93
A partir de autoras como Matos (2011) e Saffioti (2013), o patriarcado pode ser apreentendido como um
sistema contínuo de dominação masculina, ainda predomina nas estruturas estatais, mantendo por vezes
intactas as formas de divisão sexual do trabalho e perpetuando, por exemplo, também, a violência cotidiana
que as mulheres sofrem
94
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-
-se na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
71

de práticas pedagógicas que associam o feminismo a uma educação crítica que parta da
realidade das sujeitas, que reflita sobre as estruturas e que aponte caminhos para a libertação.

A convidada, ao referenciar Marta Suplicy, conclui: “O mundo será completo quando


existir a complementação do homem com a mulher. A gente tem que casar essas coisas,
dentro da concepção de que a gente é capaz de ser racional e sensível, porque o racional sem a
sensibilidade é imperfeito”95.

Outrossim, as convidadas do V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, que


ocorreu em São José do Rio Preto, em 21 de abril de 1984, apontam para a urgência de se
construir uma outra alternativa a esse sistema que promove assimetrias entre homens e
mulheres no tocante a conquistas e garantias de seus direitos. Ao analisar a fala de Janeth é
possível afirmar que ela, a exemplo de tantas outras mulheres que atuaram na política nesse
período (ou até mesmo períodos anteriores), se deu conta de que a ação política nasce em
resposta à opressão e é só por meio dela que se constrói a igualdade. Essa que se constitui
como resultado da tomada de consciência e do trabalho e requer muito comprometimento e
responsabilidade social. Conforme Janeth:

Fazer política não é só eleger um candidato, não é só parlamento, é


necessário que a população tenha um canal de participação através dos
conselhos populares. A concepção de muitos políticos é a seguinte: eu vou
arrumar os votos e depois de eleito vou arrumar minha vida. A luta política é
do dia a dia, é levada na organização de base. A primeira preocupação do PT
é a criação de núcleos96.

Além de denunciar as práticas corruptas recorrentes nos processos eleitorais vigentes,


Maria José aponta soluções para superá-las, como: a criação de canais de participação popular
e o trabalho de base. Soluções que, de acordo com a convidada, faziam parte do estatuto do
PT.

Nesse sentido, a formação continuada era descrita por Janeth como algo indispensável
para a militância:

95
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-
-se na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
96
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-
-se na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
72

Tem-se que discutir o que é conjuntura, tem-se que discutir o que é partido.
Para se filiar a um partido tem-se que ler muito, mas filiar é ser militante e
ser militante é “arregaçar as mangas” e lutar, participar de movimentos
sindicais, e nos partidos abrir os horizontes (porque no partido tem
companheiros populares, e com isto se entende). É importante a mulher se
atualizar, pois com o conjunto das várias forças que vai dar para vencer.
(p.6)97.

O PT, de acordo com Janeth, compreendia que o parlamento era um importante espaço
político de atuação e, por isso, investia em um forte trabalho de base e na formação de
“sujeitos políticos” que atuassem nas diferentes esferas da sociedade. Tratava-se de uma
educação contínua, teórica e prática, que partia da reflexão acerca da realidade da/os
sujeitas/os.

Indo ao encontro da fala de Janeth, Luiza Erundina (candidata a vice-prefeita de São


Paulo pelo Partido dos Trabalhadores), durante o VI Encontro de Mulheres do Noroeste
Paulista, que ocorreu no ano de 1985 na cidade de Andradina, ao ser questionada sobre o que
as mulheres iriam fazer para participar da vida política de suas cidades, respondeu:

Filiar-se ao partido, conhecer os programas e propostas dos partidos políticos


e participar ativamente; formar grupos de mulheres, convidar mulheres de
casa em casa sem se preocupar com o número de pessoas; usar os meios de
comunicação, talvez o Caso Verdade; participar das reuniões nas câmaras e
prefeituras; devolver o que é aprendido no encontro para a base; estudar a
Constituinte no Grupo; participar dos movimentos populares; acompanhar de
perto o trabalho dos vereadores e prefeitos; eleger mulheres para a
Constituinte; não ouvir as negativistas e lutar bastante.98

Ao responder, Erundina discorreu sobre as várias formas de participação política das


mulheres na esfera da vida pública, seja ela na militância de base, no acompanhamento das
decisões políticas, na produção do conhecimento e difusão do conhecimento, nos partidos
políticos, atuando na Constituinte etc. Ao mesmo tempo, a deputada reconheceu que, graças à

97
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.6). Excerto contido no
relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-se na pasta 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
98
Excerto retirado do relatório do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, p.2. Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
73

luta histórica, “a mulher tem ocupado espaços, começado a discutir política dentro e fora de
casa, começado a acreditar na sua própria força”99.

Retomando a fala, Janeth ressalta que sua atuação política antecede sua filiação: “A
minha participação na política não começou quando me candidatei a vereadora, mas quando
tive um privilégio de fazer uma faculdade. Me formando comecei a lecionar. Em 1978
fizemos greves”. Nesse sentido, é possível depreender que para Janetth, o “fazer político” não
se dá somente nas instituições políticas, mas práticas cotidianas, nas quebras de paradigmas.

Para além temas como preconceito e discriminação sofrido pelas mulheres, presentes
nas falas de Janeth, Maria José e Erundina, dúvidas sobre esse “novo” fazer político
apareceram nas falas das convidadas e públicos presentes no V Encontro de Mulheres do
Noroeste Paulista: Sonia de Votuporanga pediu dicas sobre qual partido escolher; a
representante de Três Lagoas – MS (a qual o nome não foi identificado na fonte), demonstra o
receio em ir até a Câmara por medo da repressão policial. Eram sentimentos que traduziam o
momento político pelo qual passava o Brasil, em meio à Ditadura Militar, as repressões e as
proibições eram constantes.

Sem embargo as limitações atribuídas à mulher em sua atuação nos espaços de poder,
e o medo da repressão não paralisam as mulheres de Andradina em seu novo fazer político.
Em 1988, conforme consta no relatório Coordenação do Movimento Regional de Mulheres
(MRM), produzido no mesmo ano, dos dezessete candidatos a vereador filiados ao PT, três
eram mulheres100.

2.3 A AGENDA DO MMA

As agendas do MMA, que na primeira fase girava em torno de temas como custo de
vida, saúde familiar e o acesso da população ao INPS, por exemplo, foram se ampliando e
cada vez mais se aproximando das pautas do movimento feminista do mesmo período. Isso
porque o feminismo brasileiro se colocou ao lado de instituições e movimentos que

99
Excerto retirado do relatório do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, p.2. Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
100
Relatório produzido pela Coordenação do Movimento Regional de Mulheres, referente ao encontro que
ocorreu em 30 e 31 de julho de 1988.
74

reivindicavam a reabertura política aproximando das questões específicas das mulheres, que
giravam em torno do acesso à igualdade em relação aos homens.

Entre os principais temas que passaram a compor a agenda do MMA, encontravam-se:


a equiparação salarial, a reivindicação por creches; e a denúncia e o enfrentamento da
violência doméstica. A primeira está atrelada diretamente ao processo de desenvolvimento
capitalista pelo qual passava o País, pois, ao acessarem o mercado de trabalho e ocuparem as
mesmas funções dos homens, não havia justificativa para a diferença salarial entre homens e
mulheres. O chamado “Milagre Econômico”, que ocorreu no período de 1968 a 1973, teve
uma consequência perversa para as classes menos abastadas, como visto anteriormente.

O aumento do custo de vida mudou a dinâmica da organização familiar, de acordo


com Castilho (2016); o salário de uma única pessoa já não era suficiente para pagar as contas
e, por isso, muitas mulheres, antes responsáveis pelas atividades do lar, passaram a
desenvolver atividades remuneradas das mais diversas, trabalhando em fábricas, no comércio,
como cuidadoras etc. Esse processo se dava de maneira paradoxal. Se por um lado a ida da
mulher para o mercado de trabalho contribuía para sua autonomia e provocava mudanças
significativas nos paradigmas socioculturais, por outro, a alocação dessa em funções
subalternas e a diferença salarial gerava grandes lucros para os capitalistas, ao mesmo tempo
em que garantiam a permanência da desigualdade sociomaterial da mulher (de maneira mais
acentuada no caso das mulheres pobres e negras), ou seja, os marcadores sociais de classe,
raça e gênero, acentuam as desigualdades em relação aos homens (MATOS, 2011).

Os temas recorrentes nas reuniões do MMA relacionavam-se ao questionamento sobre


a divisão sexual do trabalho assentada nas atribuições do masculino e feminino, como é
possível observar na fala da Janeth, integrante da executiva do PT:

(...) sou metalúrgica e fui registrada como auxiliar, sou furadeira. A lei diz
que para trabalho igual, salário igual, mas na realidade não é nada disso. A
mulher no serviço é vista como a pessoa que trabalha para ajudar a família.
A concepção que os homens têm é que a mulher trabalha para comprar
batons, roupas etc.101

101
Excerto contido no relatório do V Encontro Regional de Mulheres do Noroeste Paulista (p.7). Documento
encontra-se na pasta 390 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório
de Souza Carneiro.
75

De acordo com Janeth, ignorava-se o fato de que o salário das mulheres, sobretudo da
mais pobre, era também destinado à manutenção familiar. O arquétipo da mulher estava
associado à futilidade. Indo ao encontro da colocação de Janeth, Luis Felipe Miguel,
recorrendo ao conceito “essencialismo estratégico” cunhado por Gayatri Chakravorty Spivak
sublinha: “Os grupos em posição subalterna, como é o caso da mulher, tendem a ser reduzidos
a uma essência estereotipada” (MIGUEL, 2014, p 83) e isso tende a naturalizar o efeito da
opressão.

Somado a isso, a mulher cumpria dupla (até mesmo tripla) jornada de trabalho, já que
permanecia com a incumbência do trabalho doméstico e dos cuidados com os filhos102,
funções que de acordo com Soraia Carolina de Mello são construídas socioculturalmente,
desde a infância:

A socialização das crianças nessa divisão de funções (DURAN, 1983;


BELOTTI, 1981), indicando que é uma divisão ensinada e aprendida e,
portanto, não natural, também se evidencia. No caso das mulheres de classes
trabalhadoras, essa lógica também era reproduzida, apesar da duríssima
dupla ou tripla jornada de trabalho. Apesar dessa desproporção do peso das
duplas e triplas jornadas das mulheres dos estratos sociais mais baixos.
(MELLO,2019, p.82).

Ainda de acordo com a autora, a tripla jornada de trabalho é mais comum entre as
seguintes categorias: trabalhadoras rurais, trabalhadoras domésticas e militantes.

No que concerne ao cuidado dos filhos, devido ao “novo” modelo de organização


social, a responsabilidade pelos cuidados dos filhos pequenos103 foi outra questão suscitada:
com quem ficariam as crianças enquanto as mães estivessem trabalhando fora do lar? O que
fazer? A creche nesse contexto surge como uma necessidade para atender essa nova forma de
organização familiar, que resulta do modelo capitalista vigente no País. Ainda, de acordo com
Castilho (2016), essa instituição era um instrumento de combate à pobreza/desnutrição, visto
que garantiria as refeições das crianças que ali estavam constituindo-se. No tocante à classe,
102
De acordo como Coelho e Baptista, a sociedade moderna, com o advento do capitalismo, modificou a relação
familiar. Se, antes, a criança era inserida no meio adulto tão logo adquirisse condições físicas, passou a
merecer atenção específica, inclusive da medicina. E a mulher assumiu a responsabilidade pela educação dos
filhos, inclusive a transmissão de valores, numa função que atendia aos interesses do Estado e da Igreja. Pode-
-se dizer, portanto, que o mundo moderno atribuiu à mulher funções próprias do domínio privado, como os
cuidados da casa e dos filhos, na manutenção de uma estrutura que permitiu aos homens o envolvimento com
assuntos políticos e econômicos, próprios do domínio público (COELHO E BAPTISTA, 2009, p.87).
103
Vale ressaltar que em uma sociedade patriarcal, liberalista e capitalista, de acordo com Biroli (2014), cabe à
mulher o papel de cuidar dos filhos e garantir o desenvolvimento moral desses, da não democratização e da
não destradicionalização nas relações de gênero (MATOS, 2011, p.9).
76

as mulheres pobres vêm a ser as maiores beneficiadas com essa política pública, por não
terem condições materiais para pagar uma escola especializada para os seus filhos.

Para as feministas contemporâneas ao MMA, as creches, enquanto política pública,


faziam parte de um processo de despatriarcalização do Estado (MACEDO; SILVA, 2018),
quando esse passa a caminhar na direção da justiça social104, pois contribuem para as
conquistas materiais das mulheres e, consequentemente, para o ganho de autonomia dessas, ao
mesmo tempo em que corroboram para a participação da mulher na vida pública e no
engajamento político. Nesse sentido, Cláudia Nichnig (2008) afirma que os Clubes de Mães
da Periferia de São Paulo, foram organizações importantes na luta pelo direito à creches.

A violência doméstica e sexual empregada contra a mulher era outro tema


costumeiramente pautado durante os encontros do MMA: “A violência contra a mulher,
violência sexual, deve ser entendida como crime contra a pessoa humana e por isso deve ser
punido igualmente como qualquer outro crime”105. A fala feita durante o 8 encontro do MRM,
se alinha com a pauta do Movimento Feminista que a partir da década 1970, os movimentos
de mulheres e feministas incorporaram em suas agendas a discriminação e a violência contra a
mulher. Houve por parte desses movimentos uma articulação em torno da bandeira “o pessoal
é político”, em que se reivindicava que a violência doméstica deixasse de ser tratada no
âmbito privado e passasse a ser abordada numa perspectiva sociológica, no campo dos
Direitos Humanos, sendo assim criminalizada106 (COSTA, 2008).

As teóricas feministas desse período, entre elas Saffioti, mais alinhada ao marxismo, já
apontavam que o capitalismo, por alimentar a desigualdade material, reforçava a cultura do
patriarcado no que tange ao domínio do homem sobre a mulher: “Nesta abordagem, a
opressão e a subordinação das mulheres seria consequência de um sistema social e político
que estabelece a relação entre dominantes e dominados a partir das categorias de classe e
sexo” (WOITOWICZ, 2007, p.2).

104
O conceito de justiça social, e que este, por sua vez, depende de juízos de valor ou pontos de vista da
sociedade, tal como articulados por indivíduos, grupos ou governos (PEREIRA, 1990, p.400).
105
Excerto contido no relatório do VIII Encontro Regional de Mulheres realizado em 4 de maio de 1986, em
Três Lagoas – MS (p.2). Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo
de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
106
Ressalto que essa reivindicação só foi atendida em 2006, com a criação da Lei Maria da Penha de nº
11.340/2006 e somente entrou em vigor décadas mais tarde, em dia 22 de setembro de 2006. No artigo 5
consta: “Para efeito desta lei, configura como violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial”.
77

Nesse sentido, durante os Encontros Regionais de Mulheres, que aprofundaremos


adiante, a violência contra a mulher era um dos temas mais recorrentes, havia relatos sobre o
aumento indiscriminado de violência e assassinato de mulheres. Contudo, o conceito da
violência contra a mulher não se resumia somente ao aspecto físico, sendo documentada no
relatório do II Encontro, na fala atribuída a Kameyama, como:

A violência é toda forma de violência do corpo, da consciência e da vida,


não existe só violência física, mas também moral, que violenta a
consciência. A miséria é uma violência contra a própria vida, já que vai
contra a dignidade da pessoa humana, toda pessoa tem o direito de ter casa,
habitação, saúde, educação e na medida que não tem condição de ter nada
disso, vai perdendo sua dignidade. Violência significa violação dos direitos
dos outros, pois o homem já tem os direitos humanos e não precisa de
nenhuma lei pra dizer que o homem precisa comer, vestir, ter casa, cuidar da
saúde, estudar. Estes direitos nascem com os homens e estão acima dos
direitos legais107.

Kameyama sublinha que a violência se apresenta como um sintoma de uma estrutura


social que não coaduna com os direitos humanos. Para ela, a violência física, simbólica e
material são igualmente cruéis. A observação de Kameyama ia ao encontro das lutas
feministas do período que pressionaram o poder público por meio de organização de
campanhas como “quem ama não mata” e tantas outras (BLAY, 2003). Mobilizações como
essa resultaram em conquistas como Delegacia da Mulher, que teve sua primeira unidade
implementada em 1985 (SOUZA; CORTEZ, 2014, p.2).

A exemplo do que vimos, as integrantes do MMA foram, paulatinamente, tendo


consciência da subalternidade da mulher em relação ao homem e compreendendo que essa era
a causa das várias formas de violência manifestada contra a mulher. O debate acerca da
dicotomia do privado e público apareceu nas pautas, com a denúncia da violência doméstica e
reconhecimento do trabalho doméstico não remunerado.

107
Relatório do II Encontro Regional, dia 12/06/1983. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES,
que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
78

2.4 MULHER E RELIGIÃO: A CARACTERÍSTICA DO MMA

Os mitos da criação presentes em várias religiões, entre elas o cristianismo, criaram


uma hierarquização do gênero e colocaram a mulher como inferior. A figura de Deus é
representada como um senhor de barba, o pai bondoso. Nessa mesma perspectiva, é invertida
a prerrogativa biológica, o homem torna-se o gerador da mulher: Eva nasce da costela de
Adão. Por outro lado, à mulher é atribuída a culpa pelos males, pelas mazelas do mundo, pois
Eva induziu Adão a comer a maçã, a fruta que simbolizava o pecado do mundo.

De acordo com Nunes (1985), o livro dos Provérbios, na Bíblia, contém advertência
quanto às características atribuídas às mulheres, como: “É melhor viver com um leão e um
dragão que morar com uma mulher maldosa” (Ecl. 25, 23 apud Nunes, 1985, p.51); “Foi pela
mulher que começou o pecado e é por causa dela que todos morremos”, diz o livro sagrado
(Ecl. 25, 26.33 apud: Nunes, 1985, p.51). A mulher, que exerce o fascínio sobre os homens,
precisou ser controlada com normas da moral sexual e por isso foi classificada como sexo
frágil, que precisa ser protegida, controlada, dominada pelos homens. As mulheres são as
entregadoras de tributos, os homens são os que recebem (SEGATO, 2005).

Toda essa simbologia sustenta a sociedade patriarcal que está também na base da
sociedade capitalista. A anterioridade de Adão justifica a dominação do homem em relação à
mulher. Dessa maneira, constrói-se a imagem negativa do sexo feminino a partir da narração
da culpa, que vincula o feminino às graves falhas morais. “As mulheres tornam-se portadoras
dos espíritos maléficos, seu instrumento, por meio do qual agem” (NUNES, 1985, p.50), um
capital simbólico-religioso muito utilizado por religiosos conservadores.

Isto posto, indagamos: como foi possível o desenvolvimento do MMA no tocante à


autonomia da mulher, sendo que este movimento nasceu no seio da Igreja Católica? A
resposta está na Teologia da Libertação. A TL, ao se voltar para a psicologia religiosa e para o
discurso fundador do cristianismo, compreendeu que Deus se manifesta tanto na figura
paterna quanto materna. A maternidade está representada na terra, na vida, na geração, na
morte. Nesse sentido, “o teólogo da libertação, frei Leonardo Boff, conta como, na tradição
cristã, se revelou na consciência religiosa a figura materna de Deus. Cita vários padres da
Igreja Católica, bem como santos e santas que se dirigem a Deus como Mãe” (NUNES, 1985,
p.3).
79

De modo igual, para os teólogos da libertação, conforme Nunes (1985), profetas como
Jesus e Maomé não tratavam de maneiras distintas homens e mulheres, não havia por parte
deles uma hierarquização:

Jesus mantém relações de amizade com mulheres; conversa com elas em


público e privadamente; tratava bem prostitutas, defende-as, rompe as regras
da sociedade judaica e permite que também mulheres figurem entre seus
seguidores. Enfim, o mais importante é perceber no conjunto de sua prática e
de seu discurso um princípio libertador fundamental: o da igualdade de todos
os seres humanos, como filhas e filhos de Deus Pai. (NUNES, 1985, p.3).

A TL lançou luz sobre os discursos simbólicos positivos acerca da mulher,


contribuindo assim para a ressignificação do seu papel social. Essa afirmação vai ao encontro
da fala de Bel:

Tivemos sorte, era uma equipe de religiosos que pensava no crescimento da


mulher, que queria ver a mudança, a transformação... esse olhar mais crítico,
mais apurado. É que a bíblia pode ajudar nas duas coisas, pode ajudar para
evoluir ou para retroceder. “Se você discute com as mulheres o cântico de
Maria, você está discutindo alguma coisa da mulher, da mulher na bíblia”108.

Os religiosos progressistas trabalharam para a integração da mulher na sociedade,


sobretudo, junto à população feminina mais pobre, por meio de formação e apoio aos
movimentos. O discurso era fundamentado nos ensinamentos bíblicos e legitimado na fé e na
vontade de Deus, conforme Nunes (1985).

Nos preceitos da TL há redirecionamento do papel das mulheres leigas na condução de


atividades eclesiais tradicionalmente exclusivas aos homens. Isso a faz produzir o debate
da/sobre a mulher.

Esse trabalho, como é possível observar no próprio MMA, contribuiu para que as
mulheres ganhassem autonomia e passassem a assumir posições de liderança no espaço
religioso e nos movimentos sociais, havendo assim um maior engajamento na luta pela
igualdade de direitos. Essas mulheres tomaram consciência de que todas e todos (mulheres e
homens) são filhos de Deus.

108
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral realizada com Maria da Silva Prates (a Bel do
PT), no dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
80

Todavia, nem mesmo a Teologia da Libertação foi capaz de romper completamente


com o capital simbólico-religioso ligado à moral sexual, presente em temas como o aborto,
como é possível observar na fala da Marivalda: “e, com todo o cuidado ainda se falava da
questão do aborto, mas era um tabu, quase um crime, mas nós mantínhamos esse cuidado de
garantir a saúde para a mulher que tivesse um aborto, que era vítima de violência,
principalmente o abuso”109. O papel social da mulher continuou sendo atrelado ao cuidado,
como é possível observar no texto “Bem Aventurança”, escrito em homenagem às mulheres
de Andradina, que está contido no Caderno Mulher Povo do ano de 1982:

Bem aventuradas vocês mulheres que ajudam a consolar os que estão aflitos
na comunidade. Bem aventuradas vocês, mulheres, que visitam os mais
pobres, procurando ajudá-los e fortalecê-los. Bem aventuradas vocês
mulheres, capazes de acompanhar, por anos seguidos, deficientes físicos
paralíticos, gente que precisa de todo o serviço de uma mãe. Bem
aventuradas vocês mulheres, que aprenderam amar o pobre mesmo com seus
defeitos... até limpar a casa mais suja com o mesmo amor que limpam as
suas casas. Bem aventuradas vocês mulheres, que são mães e que
contribuem para que as outras mães entendam melhor os seus filhos. Bem
aventuradas vocês mulheres, ministras da Eucaristia, levando aos doentes o
conforto do Cristo-alimento. Bem aventuradas vocês mulheres, que não têm
medo da luta e se jogam, de corpo e alma, para que o nosso povo seja
libertado110.

Há uma romantização da figura da mulher descrita enquanto cuidadora e mãe


(socioculturalmente construída) e que, por ser portadora de um amor incondicional é capaz de
se submeter a sacrifícios em nome daqueles que por ela são cuidados. Esses limites morais,
que se tornam culturais, de acordo com Nunes (1985), estão atrelados também a questões
políticas e econômicas relacionadas à mulher, que são relegadas à vida doméstica e ao
trabalho não remunerado.

Todavia, esse papel atribuído à mulher pelos editores do Caderno Mulher Povo do ano
de 1982, não condizia com a forma com as próprias integrantes do MMA se viam, como é
possível observar no excerto abaixo, publicado no mesmo caderno:

Porque nós mulheres nos reunimos? Porque queremos conquistar nosso


lugar, numa sociedade dividida, onde somos colocadas numa condição

109
Excerto retirado da entrevista feita, por meio de métodos da História Oral realizada e via google meet, com
Marivalda de Jesus Alves Barreiro. São Paulo/SP – São José do Rio Preto/SP, 11 de junho de 2020.
110
Excerto retirado do documento intitulado de Caderno Mulher Povo, referente ao ano de 1982 (p.1).
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
81

inferioridade. Nos reunimos porque sabemos que hoje, para transformar essa
sociedade de opressores e oprimidos é necessário que mulher também abrace
a luta. Nos reunimos porque é preciso que a mulher se conscientize da
realidade injusta, do sistema explorador e somar suas forças na luta pela
libertação do povo. Nos reunimos, porque é necessário denunciar as
injustiças, sobretudo, as praticadas contra a mulher trabalhadora: boia-fria;
domestica, operária... Nos reunimos, porque somos as que mais sentimos os
efeitos do desemprego, pobreza, da falta de água, da habitação atendimento à
saúde... Nos reunimos porque nós mulheres de periferia, pobres, sabemos e
queremos ajudar os mais pobres. Nos reunimos porque também temos direito
à palavra, da qual o povo todo foi castrado. Pedimos a vocês, homens,
companheiros, companheiros no amor e na luta, no sorriso e no sofrimento,
pedimos: vamos seguir juntos na luta por uma sociedade mais justa e
humana. A libertação deve chegar para todas e não somente para alguns111.

Ou seja, as mulheres do MMA, em suas práxis, levantaram questionamento acerca do


lugar social relegado à mulher e assim foram se libertando das prisões socioculturalmente
construídas, sobretudo, a partir do ano 1982, quando integraram o Movimento Regional de
Mulheres e se aproximaram de militantes feministas, a exemplo Nobuco Kameyama, Clara
Charf112 e outras.

2.4.1 IDENTIDADE E AFETIVIDADE POLÍTICAS E SOCIAIS DO MMA

As mulheres de Andradina, no primeiro momento identificadas como Visitadoras,


foram pouco a pouco forjando uma “nova” identidade que, reforçada por uma ideologia
religiosa progressista, se constituía em resposta, em oposição, aos imperativos econômicos da
ordem hegemônica e na reivindicação de valores humanísticos e morais. Trata-se aqui da
identidade, no seguinte sentido:

111
Excerto retirado do documento intitulado de Caderno Mulher Povo, referente ao ano de 1982 (p.1).
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
112
Clara Charf: “Em 1946 filiou-se ao Partido Comunista, assumindo a tarefa de assessorar a bancada
parlamentar do partido no Congresso Nacional. Conheceu, assim, o então deputado Carlos Marighela, que
viria a se tornar um líder revolucionário e o maior inimigo da ditadura militar. Sua união com Marighela
levou-a à vida clandestina. Em 1969, o companheiro, responsável pela criação da primeira organização de
luta armada contra o regime, foi morto por forças policiais. Ela exilou-se em Cuba, de onde só voltou em
1979, com a anistia. Concentrou-se na luta pelo resgate de mortos e desaparecidos do regime militar e no
movimento de mulheres. E escreveu seu nome na história política do Brasil: Clara Sharf”. Fonte:
http://www.videotecas.armazemmemoria.com.br. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/131873
82

[...] construções sociais continuadas, contrativas, relativa (ao outro),


circunstancial, políticas e alternativas”; criada em oposição a algo e que
“além de seus aspectos estritamente individuais, apresenta uma dimensão
coletiva, refere à integração da/o mulher/homem como sujeito do processo
de construção da História. (NEVES, 2000, p.13).

Entre uma visita e outra, as visitadoras se depararam com suas próprias realidades
estampadas nas páginas dos questionários preenchidos com as respostas dos seus visitados.
Uma espécie de espelho, no qual elas enxergavam a opressão que se manifestava na falta de
emprego, no alto custo dos alimentos, na negação do direito à terra, na falta de saneamento
básico, na ausência de postos de saúde e de escolas. Viram-se enquanto ocupantes de um
lugar comum no edifício social, o mesmo que habitavam os seus visitados. E assim,
gradativamente, as até então visitadoras, passaram a se reconhecer enquanto mulheres
pertencentes à classe trabalhadora, uma identidade coletiva113 que se constituiu na memória
herdada114.

No tocante à consciência de classe, essa se forjou nas práticas cotidianas dessas


mulheres no reconhecimento das estruturas sociais. Para Thompson (1987), a classe é definida
pelos homens enquanto vivem sua própria história, não há uma consciência prévia:

[...] las clases no existen como entidades separadas, que miran en derredor,
encuentran una clase enemiga y empiezan luego a luchar. Por el contrario,
las gentes se encuentran en una sociedad estructurada en modos
determinados (crucialmente, pero no exclusivamente, en relaciones de
producción), experimentan la explotación (o la necesidad de mantener el
poder sobre los explotados), identifican puntos de interés antagónico,
comienzan a luchar por estas cuestiones y en el proceso de lucha se
descubren como clase, y llegan a conocer este descubrimiento como
conciencia de clase. La clase y la conciencia de clase son siempre las
últimas, no las primeras fases del proceso real histórico. (THOMPSON,
1989, p.37).

De acordo com o autor, a consciência de classe se dá de maneira dialética e é resultado


da experiência, do vivido. É nas relações que o trabalhador se reconhece enquanto explorado,

113
“Por identidades coletivas, estou aludindo a todos os investimentos que um grupo deve fazer ao longo do
tempo, todo o trabalho necessário para dar a cada membro do grupo – quer se trate de família ou de nação – o
sentimento de unidade, de continuidade e de coerência” (POLLACK, 1992, p.7).
114
Podemos, portanto, dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto
individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento
de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si”. Podemos também
dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade.
Ambas são construídas social e individualmente (POLLACK, 1992, p.5).
83

identifica elementos antagônicos ao seu interesse, passar a lutar e na luta se descobre


enquanto classe.

No caso das mulheres do MMA, a tomada de consciência se deu por consequência do


trabalho dos padres progressistas que, por meio de diversos processos de formação,
propunham a reflexão acerca da exploração do homem pelo homem, sobre a propriedade
privada e a perversidade presente no sistema capitalista, acentuadas pela atuação dos militares
que se encontravam no poder. Os religiosos que faziam uso da base analítica do marxismo,
desnudavam a exploração de classe, as desigualdades sociais e se colocavam enquanto
oposição à ordem hegemônica estabelecida:

O estudo de uma apostila “Evangelização Libertadora” marca o início de


uma nova fase. Descobrem que pobres aumentam sempre mais e mais, que é
necessário achar a raiz do problema, que o evangelho não é só uma
mensagem de assistencialismo piedoso, mas de uma ação libertadora115.

O sentimento de revolta diante da negligência e do descaso do poder público serviu


como motor para a luta dessas mulheres. Luta construída, a exemplo do que foi apresentado,
no espaço de mobilização de base: nas SAB’s nas CEB’s, no IAJES, nos círculos bíblicos, nos
encontros de mulheres, nas assembleias, na casa dos visitados, nas manifestações e outros.
Para Scherer-Warren (2006), o espaço de mobilização de base é onde se reafirmam e se
consolidam as identidades coletivas, reforça o sentimento de pertencimento, os
simbolismos/místicas das lutas, cria-se na adversidade a ideia de unidade, o que dá força para
prosseguir os projetos/utopias, que dão longevidade e significação ao movimento.

A fé e a doutrina progressista também eram os pilares do MMA. As passagens da


bíblia, que eram interpretadas de maneira a aproximar as personagens bíblicas das mulheres
comuns, legitimavam as ações das trabalhadoras: “Nós tivemos muitos encontros pra tratar da
mulher na bíblia. Por exemplo, se você pegava Ruth, quais eram os problemas de Ruth? A
terra, a família, o trabalho”116.

115
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
116
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no
dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
84

O reconhecer-se enquanto mulher compreendia a necessidade de se “libertar de sua


casa e do seu complexo de inferioridade e descobrir sua utilidade lá fora”117. Nesse sentido,
foi nos Encontros de Mulheres do Noroeste Paulista e nos encontros do próprio MMA que
essas mulheres, ao relatarem seus desafios cotidianos, vão se descobrindo enquanto iguais,
que compartilhavam dores, desejos e sonhos semelhantes. Sem perder o horizonte da luta de
classes, a mulher era inserida no centro da discussão:

Os trabalhadores sabem que somente eles próprios – trabalhadores – vão


defender seus interesses e que é preciso se organizar em grupos,
comunidades, sindicatos, associações, partidos políticos. A mulher, nisso
tudo, tem grande peso. O movimento de mulheres cresce em todo o Brasil:
grupos de mães, donas de casa, empregadas domésticas, lavadeiras, boias-
-frias, operárias etc. As mulheres organizadas nos bairros, nas cidades, nos
Estados, estão lutando por mais creches, por melhores salários, por asfalto,
esgoto, contra o aumento do custo de vida. Enfim, lutando por uma
sociedade diferente, nova, justa118.

Já não se tratava mais das visitadoras, nascia aí uma nova identidade que, alimentada
pelo desejo de mudança, se manifesta na oralidade, nos gestos e nos diálogos. Uma identidade
que era socialmente legitimada e que se inscrevia na práxis e nos corpos dessas mulheres.
Nesse sentido, para Hall (2005), os sujeitos assumem identidades diferentes em diferentes
momentos da vida, isso pode acontecer à medida que os sistemas de significação, simbólicos
e materiais, se modificam. Outrossim, “a identidade se reforça à medida que a oposição e a
causa do mal são designadas, os inimigos aos quais os movimentos se opõem” (ANSART,
2002, p.213).

Sem embargo, a mudança da semântica não está, de maneira nenhuma, dissociada das
contradições, tendo em vista o dinamismo naturalmente presente nas organizações sociais. O
discurso não é uníssono, ao contrário, há inúmeras divergências no processo, considerando
que não há identidade coletiva acabada, conforme Ansart (2002). Um universo de múltiplas,
ambíguas e paradoxais emoções dos prazeres individuais que se manifestam na ação coletiva,
do negociar, das decepções, do desencantamento, da angústia, da nostalgia e da busca pela

117
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
118
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.4), número de exemplar 24, edição novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação Histórica Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
85

dignidade. Em momentos de manifestações e de confronto, as identidades se concretizaram,


se fortaleceram nos discursos dos valores comuns como justiça social, dignidade da classe
trabalhadora e no reconhecimento da mulher enquanto sujeito social capaz de ler a realidade,
reconhecendo as estruturas sociais e a conjuntura, e de apresentar propostas para a construção
de uma outra realidade:

No dia Internacional das mulheres – 8 de março de 1984, nós, mulheres de


Andradina, reforçamos nossa LUTA contra o desemprego, a carestia, por
melhores condições de saúde, atendimento médico, hospitalar, remédios, por
saneamento básico (água, luz, esgoto), por creches, por terra para plantar,
pelas eleições diretas para presidente e pelo fim do sistema capitalista, por
uma sociedade nova sem opressores e oprimidos. Libertando o povo. (p.8,
número 19)119.

Proposições que, assentadas nos preceitos marxistas, respondem às expectativas da


construção de um outro futuro possível, plantavam utopias que contemplavam a emancipação
do proletário e a valorização da mulher. Preceitos que corroboram para amalgamar a
identidade do MMA. Para Pollack (1992), as identidades carregam em seu cerne três
elementos essenciais:

Há a unidade física, ou seja, o sentimento de ter fronteiras físicas, no caso do


corpo da pessoa, ou fronteiras de pertencimento a grupo, no caso de um
coletivo; há a continuidade dentro do tempo, no sentido físico da palavra,
mas também no sentido moral e psicológico; finalmente, há o sentimento de
coerência, ou seja, de que os diferentes elementos que formam um indivíduo
são efetivamente unificados. (POLLACK, 1992, p.5).

Não obstante, se o mundo lhes era apresentado enquanto hostil, essas mulheres
buscavam espaço acolhedor de sociabilidade onde pudessem se expressar. As reuniões do
MMA e os encontros do Noroeste Paulista eram também esse lugar. Nesse sentido, a
identidade cultural, que de acordo com Hall (2005), surge do nosso lugar de “pertencimento”,
se forja a partir da relação com o outro que media valores, sentidos e símbolos da cultura. Eu
e os outros, o mundo interior e as várias identidades exteriores. As mulheres de Andradina,
que passaram a habitar um universo de múltiplas emoções, norteado pela dedicação e

119
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.8), número de exemplar 19, edição novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
86

satisfação, se projetam nessa identidade, constituída na memória da luta de classes120, da


mesma forma que internalizam os significados e valores que se tornaram parte delas:

Hoje é dia internacional da mulher, dia 08 de Março, para nós não é dia de
festa. Comemorar o quê? Os baixos salários, o desemprego, a carestia e
tantos outros problemas? Para nós, assim como para a maioria de mulheres
do nosso país, hoje é dia de luta por melhores condições de vida. Queremos
para os nossos filhos uma sociedade justa e fraterna onde não haja maioria
que explora e minoria que é explorada. Por isso, estamos fazendo hoje essa
caminhada e desta forma chamando a atenção das autoridades e da
população para os graves problemas que estamos vivendo121.

A atenção à identidade do MMA permite desvelar as emoções, paixões e as


particularidades desse movimento122, que se manifesta em resposta aos signos sociais de um
dado contexto histórico e das estruturas sociais que acentuaram a exploração da classe
trabalhadora, fragilizando ainda mais a condição da mulher. A identidade do MMA é
atravessada pela luta da reabertura democrática e pela reivindicação da justiça social.

2.4.2 AS BASES TEÓRICAS

Ao analisar o percurso do MMA, dentro da temporalidade dessa pesquisa, é possível


identificar uma corrente teológica e duas correntes teóricas que predominaram nas práticas
discursivas do movimento: Teologia da Libertação, Marxismo e, por último, mas não menos
importante, o Feminismo. Sendo que as duas primeiras praticamente estão imbricadas, tendo
em vista a complexa e original relação entre o religioso e o político presentes na Teologia da
Libertação. Em se tratando de prática discursiva, essa se traduz nos signos sociais, em
construção histórica e política, considerando que a linguagem, igualmente, é resultado da
práxis.

120
Quando a memória e a identidade estão suficientemente constituídas, suficientemente instituídas,
suficientemente amarradas, os questionamentos vindos de grupos externos à organização, os problemas
colocados pelos outros, não chegam a provocar a necessidade de se proceder a rearrumações, nem no nível da
identidade coletiva, nem no nível da identidade individual (POLLACK, 1992, p.7).
121
Excerto retirado da carta escrita em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, no dia 08 de Março de
1985 (p.1)
122
A atenção às afetividades substitui o devir linear pela história multiforme da construção aleatória de uma
identidade, história de múltiplas influências convergentes, perturbando as antigas identidades e procurando
construir novas (ANSART, 2002, p. 212).
87

Voltando para as teorias, o marxismo serviu de base analítica para os religiosos


progressistas. “O marxismo apareceu aos olhos dos teólogos da libertação como sendo a única
teoria capaz de oferecer ao mesmo tempo uma análise precisa e sistemática das causas da
pobreza, e uma proposição precisa e radical do método para sua abolição” (LOWY, 1989,
p.10). A título de hipótese, para Lowy (1989), áreas de afinidade ou correspondência entre
cristianismo e socialismo consistiam em duas questões fundamentais: a libertação dos
escravos e oprimidos, como imperativo moral e como processo histórico, uma alusão feita ao
livro bíblico do Êxodo que compõe o Velho Testamento; e a valorização do pobre como
vítima inocente das injustiças e como imune à corrupção imperante. Embora haja uma
distância considerável entre o pobre da doutrina católica e o proletário da teoria marxista, não
se pode negar um certo “parentesco” ético-social entre os dois. Ambas as doutrinas trabalham
com o imperativo moral de agir para salvar o pobre (LOWY, 1989).

Como já mencionado anteriormente, o MMA, antes Visitadoras, nasce nos seios das
Comunidades Eclesiais de Base, sendo essas, grosso modo, instrumentos adotados pela
Teologia da Libertação com o objetivo de romper com as hierarquias presentes na Igreja
enquanto instituição. Com as CEBs buscava-se organizar a base da Igreja de uma outra
maneira, na qual as experiências religiosas seriam colocadas a serviço da experiência da vida.
Ao mesmo tempo, elementos como solidariedade, comunhão, direitos, cidadania, criticidade
eram trabalhados por meio da educação libertadora que partia da realidade do sujeito. A
solidariedade com o pobre é o ponto de partida deste processo de elaboração teológica.

A partir da metade da década de 1970, as Visitadoras, atuando com maior frequência


junto ao IAJES e aos padres progressistas, que lhes foram no primeiro momento os seus
mentores intelectuais, vão se familiarizando com a prática discursiva que guardava
proximidade com o Marxismo. Prática que vai sendo incorporada por essas mulheres,
sobretudo, a partir de 1982, quando é forjado o Movimento de Mulheres de Andradina e logo
depois, com o MRM. Enquanto se constituía como movimento, as mulheres do MMA foram
aos poucos tomando consciência das estruturas capitalistas e da luta de classe, como é
possível observar na fala da Gema, feita durante o encontro da Coordenação do Movimento
Regional de Mulheres, que ocorreu em 10 e 31 de julho de 1988:

A sociedade é sustentada pelas classes sociais. O que distingue uma classe


da outra é o modo que se relaciona com os meios de produção. Classes
dominantes: empresários, banqueiros, latifundiários etc. Classes dominadas:
88

os trabalhadores. A classe dominante usa todos os meios para alienar o


trabalhador até os meios de comunicação.123 (p.1).

Compreensão que vai ao encontro da concepção de Thompson, que diz que classe é
resultado das experiências humanas:

A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências


comuns (herdadas ou partilhadas) sentem e articulam a identidade de seus
interesses entre si e contra outro homem cujos interesses diferem (e
geralmente se opõem) dos seus. (THOMPSON, 1987, p.10).

Para o autor, a consciência de classe é atravessada pela cultura, pois está associada à
maneira que é apropriada às experiências (sistemas de valores, valores, signos sociais,
tradições etc.). Ainda conforme Thompson (1987, p.10): “A experiência de classe é
determinada em grande medida pela relação de produção em que os homens nasceram ou
entraram involuntariamente”.

O anticapitalismo, a crítica ao individualismo e a valorização da vida em comunidade,


eram também preceitos presentes na TL e no Marxismo. Deus para a religião, a comunidade
humana para o socialismo (LOWY, 1989). Outro imperativo das teorias marxistas, que foi
incorporado à doutrina progressista, se traduz na compreensão que a emancipação dos
trabalhadores se fará pelas mãos delas próprias. Nessa perspectiva, há o entendimento que
somente uma mudança radical das estruturas sociais, protagonizada pelos próprios pobres,
pode acabar com a pobreza.

Por mais que a mulheres do IAJES não se identificassem enquanto feministas, as


teorias inerentes a esse movimento atravessaram práticas discursivas do MMA, sobretudo a
partir de 1982, quando esse passou a compor o Movimento Regional de Andradina com
Nobuco Kameyama e, depois de 1985, com a sua participação na Constituinte, que significou
um momento de intensas trocas com grupos diversos de mulheres. A teoria feminista, pode
ser compreendido como um campo discursivo de ação: desenvolvido por intermédio de uma
complexa rede de apoio, e ainda:

123
Excerto retirado do relatório da reunião de Coordenação do Movimento Regional de Mulheres, que ocorreu
em 10 e 31 de julho de 1988. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no
Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
89

Como conjuntos de ideias, pressupostos, temas e interpretações, os discursos


feministas constituem um universo de significados que se traduzem ou se
(re)constroem ao fluir ao longo de diversas teias político-comunicativas,
norteando as estratégias e identidades das/os atrizes/atores que se coligam
nesse campo. (ALVAREZ, 2014, p.19).

Com relação ao Feminismo, compreende-se que é ao mesmo tempo um movimento


social e intelectual, pois ele próprio produz sua episteme, as feministas ocuparam igualmente
as academias, lugar de produção intelectual. No caso do Brasil, o feminismo desponta em um
momento de forte autoritarismo, no pós-golpe de 1964, e por isso acaba incorporando muitas
das mulheres que participaram da luta armada. O movimento que nasce no seio da classe
média vai cada vez mais atuando junto aos movimentos de mulheres, operários e as
instituições ligadas à esquerda como igrejas, Sindicatos e partidos políticos (em especial o
PT). O feminismo se expande para além da sociedade civil e alcança as instituições políticas e
o Estado por meio de organizações, comissões e no Parlamento, a exemplo da Rede Mulher,
CNDM e do “Lobby do Batom”. Os contextos legitimam as práticas feministas, isso explica
as particularidades do feminismo brasileiro que, diferente do Francês, se desenvolve dentro de
instituições reconhecidamente patriarcais, como a Igreja. O que explica uma certa
aproximação e familiarização do MMA com o movimento feminista brasileiro, “o feminismo
é modo de entender o mundo com direitos iguais para ambos os sexos. É uma luta de classe e
de sexo. No capitalismo não é possível lutarmos por uma sociedade igualitária”124. Não
obstante, o documento datado de 1988 desvela que as mulheres do IAJES, ou pelo menos
aquelas que participavam com maior assiduidade dos encontros promovidos pelo MRM, a
exemplo da Marivalda, compreendiam que o sistema capitalista se alimentava dessas
desigualdades entre homens e mulheres por isso era preciso superá-lo.

De volta às mulheres de Andradina, antes Visitadoras, essas que no primeiro momento


tinham na sua prática discursiva um viés assistencialista, nas trocas cotidianas e nos
constantes intercâmbios e formações, despertaram um nível de consciência que as permitiu
alcançar um outro lugar. A TL, as teorias marxistas e feministas respondiam às suas
perguntas. O marxismo, por estar imbricado com a TL, chegou primeiro, a exemplo do que foi
apresentado no decorrer dessa pesquisa. As agendas giraram, no primeiro momento, em torno
do direito do “povo” que se traduz em classe trabalhadora. Nesse momento até havia um
questionamento acerca do papel social da mulher, mas não em relação ao homem. Foi a partir

124
Excerto retirado do relatório do Encontro de Coordenação do Movimento Regional de Mulheres, referente à
data de 30 e 31 de julho de 1988, p.4.
90

da década de 1980 que as demandas mais específicas das mulheres foram colocadas. Em 1988
já se observava um aprofundamento na discussão da opressão sofrida pela mulher em relação
ao homem.

2.5 A ORGANIZAÇÃO EM REDES

Como vimos, o MMA nasce como resultado da rede de sociabilidade promovida pelo
IAJES entre as CEB’s e, a medida que foi amadurecendo, compreendeu que a articulação com
outros movimentos era imprescindível para o ganho de visibilidade e para a produção de
impacto na esfera pública, de modo a estabelecer e reforçar a cultura de participação política
das mulheres na sociedade. O movimento enxergou na articulação em rede o caminho para a
conquista de direitos para as mulheres que garantissem as essas o exercício pleno da
cidadania.

Neste processo articulatório atribuía-se, por um lado, legitimidade às esferas de


mediação (fóruns e redes) entre os movimentos localizados e o Estado, por um lado, e
buscava-se construir redes de movimento com relativa autonomia. Preparar os sujeitos para se
tornarem atores de novas formas de governança requer a participação em diversos espaços: de
base local na esfera pública; empoderamento através dos fóruns e redes da sociedade civil
(SCHERER-WARREN, 2006).

A articulação em torno de novas identidades políticas e de valores marcou as décadas


de 1970 e 1980. Para Scherer-Warren (2006), nas sociedades globalizadas, multiculturais e
complexas, as identidades tendem a ser cada vez mais plurais e as lutas pela cidadania
incluem, costumeiramente, múltiplas dimensões (de gênero, étnica e de classe) e também
questões relacionadas a valores como paz, liberdade, justiça e outros. Nesse sentido, as redes,
por serem multiformes, possibilitam o diálogo entre vários grupos sociais, e contribuem para
a defesa não somente de um sujeito identitário, como para um sujeito plural. Essa
transversalidade, que envolve direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais,
era uma constante nas pautas do MMA.

As integrantes do movimento participavam de inúmeros encontros, manifestações,


congressos, com os mais diversos movimentos (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra,
Movimento Contra o Custo de Vida de São Paulo, etc.), sendo o Encontro de Mulheres do
91

Noroeste Paulista um dos mais frequentes deles. Embora, vale ressaltar que essas
organizações em rede se abrem para a articulação da diversidade, mas com limites quanto à
capacidade de absorção de posturas ideológicas ou políticas conflitivas (SCHERER-
WARREN, 2006).

De acordo com o que foi demonstrado até aqui, somado ao conteúdo que será
apresentado mais adiante, é possível afirmar que o Movimento de Mulheres de Andradina, de
maneira geral, teve três distintos momentos, que serão aqui denominados de: etapa local,
etapa regional e etapa nacional. Conforme ilustração a seguir:

Etapa local:

Figura 2– Etapa local125

VISITADORAS

CEB’s SAB’s

IAJES

Etapa local: Nessa primeira etapa, que compreende o período entre 1970 e 1982,
algumas visitadoras integravam outros movimentos como as CEB’s e as SAB’s. O IAJES era
a instituição guarda-chuva, à qual essas outras organizações se ligavam.

Figura 3 – Etapa Regional126

MMA
MRM

CEB’s
IAJES

SAB’s

125
Figura ilustrativa elaborada pela autora desse trabalho.
126
Figura ilustrativa elaborada pela autora desse trabalho.
92

Na Etapa Regional, que vai de 1982 a 1985, o MMA passa a integrar o Movimento
Regional de Mulheres, composto por representantes dos movimentos de mulheres do
Noroeste Paulista e por Três Lagoas – MS, expandindo assim sua rede de sociabilidade.

Figura 4 – Etapa nacional127

CEB’s
Rede IAJES
Mulher

MMA SAB’s
MRM

CEM
MPM

CNDM

A etapa nacional, 1985 a 1989, consiste na participação do MMA no movimento da


Constituinte. Nesse momento, a rede de sociabilidade das Mulheres de Andradina ampliou-se
a partir da interação com organizações como a Rede Mulher, Mulheres Autônomas e a
CNDM. As representantes do MMA integraram, de maneira simultânea, o MRM, a Comissão
Estadual de Mulheres (CEM) e o Movimento Popular de Mulheres (MPM). Somava-se a isso,
a manutenção da rede de sociabilidade local com as SAB’s, CEB’s e IAJES.

Sem embargo, vale ressaltar que essa análise considerou o “núcleo duro” da rede de
sociabilidade do MMA, ou seja, as organizações que o MMA se relacionava com maior
frequência, contudo, não se pode ignorar a existência de outras instituições, haja vista
agências financiadoras internacionais que, via IAJES, promoviam apoio institucional e
financeiro; a GLEP; a FSSL; e indivíduos que davam subsídios materiais necessários para as
ações das organizações.

127
Figura ilustrativa elaborada pela autora desse trabalho.
93

A complexidade da rede de sociabilidade se assemelha a uma rede de pesca. Cada


linha, que sozinha é frágil, se tecida em rede se fortalece. Os nós mantêm uma linha ligada à
outra, garantindo a manutenção da estrutura da teia. Trazendo essa metáfora para a realidade
do MMA, os nós que mantinham essa rede de sociabilidade eram diversos, sendo cartas,
boletins, fórum, entre outros. No entanto, dois deles merecem destaque e serão apresentados
nas páginas seguintes: o jornal “A Voz do Povo” e os encontros do MRM, onde de fato se
faziam os nós, se construía o emaranhado.

2.5.1 O JORNAL “A VOZ DO POVO”

Entre os instrumentos de comunicação utilizados pela organização de mulheres para a


manutenção e a ampliação de suas redes de sociabilidades encontrava-se “A Voz do Povo”,
um boletim informativo de circulação interna que circulou entre os anos de 1980 e 1988. O
jornal, que guardava uma proximidade com o marxismo, abordava a importância da tomada
de consciência acerca da luta de classes, assim como denunciava a atuação dos governos que,
de acordo com os editores, de maneira perversa, trabalhava para a manutenção dos privilégios
de uma elite econômica em detrimento da população mais pobre. Ao cumprir com o objetivo
de seus idealizadores, que consistia na “divulgação das lutas do povo e os movimentos
Populares da região Noroeste do Estado de São Paulo”121 e na articulação desses, o periódico
acabava por corroborar para o fortalecimento dos laços entre o MMA e outros movimentos
(de mulheres e de outras categorias sociais), como veremos a seguir.

A elaboração do jornal era feita de maneira coletiva e colaborativa. Os artigos, os


informes e notícias eram encaminhados até o dia 20 de cada mês para a cidade de Lins, local
de elaboração das edições. O financiamento também era coletivo, pois não havia receita
publicitária; a mensagem “nosso Boletim está em campanha de assinaturas e também
aceitando doações e sugestões para poder chegar a um processo de autosustentação”128
estampou a 37ª edição. A circulação das edições bimestrais ocorria no Noroeste Paulista,
sobretudo, entre as paróquias ligadas à Diocese de Lins.

128
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1) número de exemplar 37, edição JAN/FEV-87. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
94

De 1980 até 1984, a organização apontada como responsável pelo periódico era a
Comissão de Direitos Humanos, vinculada à Comissão da Justiça e Paz da Diocese de Lins.
De 1984 a 1988 o IAJES – em parceria com a FSSL (Faculdade de Serviço Social de Lins),
assume “A Voz do Povo”. Nesse mesmo ano, registra-se como Boletim Informativo dos
Movimentos Populares. Também foi no ano de 1984 que os nomes dos editores passaram a
aparecer, sendo os primeiros: Afonso Marcos Garcia, Maria da Conceição Reis; Maria
Aparecida Trazzi Vernucci (Tida); Marivalda de Jesus Alves, Matsual Martins da Silva; Luiz
de Souza e Vera Lúcia Belloni Ramalho. Dentre esses, a Marivalda de Jesus Alves era
também integrante do MMA e compunha a coordenação do MRM. De modo geral, quase não
houve mudança no quadro de editores de 1984 a 1988.

Em sua materialidade, “A Voz do Povo” era elaborado em papel rústico. O número de


página variava entre quatro e oito, em alguns casos chegava a dez ou doze. A linguagem
utilizada, sobretudo, nas primeiras edições, era coloquial. Trata-se de um fazer artesanal.
Além da parte escrita, o periódico fazia uso de elementos iconográficos que retratravam
aspectos culturais ao traduzir cenas do cotidiano, com profundas crítias sociais. Contudo,
havia igualmente espaço para celebração:

Figura 5 – Conquista dos boias-frias de Lins

Fonte: jornal “A Voz do Povo” do ano de 1981129

129
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1) número de exemplar 07, edição Janeiro/Fevereiro de 1981.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
95

A iconografia que reproduz a imagem de uma família, representa a vitória de cinco


boias-frias que moveram uma ação contra a Cooperativa de Trabalhadores Rurais de Lins.

“A Voz do Povo” não se colocava de maneira nenhuma como isolado de temas


políticos e sociais, ao contrário, objetivava lançar luz sobre as histórias dos sujeitos
marginalizados e assim iluminar uma cultura de resistência, as práticas e representações do
povo. Os temas abordados eram os mais diversos, assim como eram diversas as categorias
(mulheres, boias-frias, empregadas domésticas, prostitutas, sem-terra etc.) e movimentos
sociais (Movimentos negro, sem-terra, sindical, estudantil, de mulheres etc.) representados
nele. Uma diversidade que já estava presente desde a primeira edição, na qual abordou-se
questões como: Uma conquista popular (Tartaruga das Minas Gerais, negros unidos pelo
Samba); Movimento de Libertação da Mulher (as prostitutas de Lins se organizam);
Movimento estudantil de Lins (retornam ao seu prédio); Primeiro encontro dos trabalhadores
rurais do estado (Andradina-Fazenda Primavera); e, por fim, Encontro da Sociedade de
Amigos do Bairro de Lins e Andradina.

O discurso contra-hegemônico refletia-se tanto nos temas escolhidos, que de um modo


geral estavam relacionados à: mulher, raça, modo de vida, cotidiano e sociabilidade, quanto
nos instrumentos e metodologias. Os editores exploravam de maneira significativa a
oralidade, por meio de entrevistas, como forma de fazer ecoar as vozes dos sujeitos
historicamente silenciados.

Nesse sentido, na primeira edição, um dos temas destacados é a entrevista da Fátima,


diretora da Movimento de Mulheres Livres (MML), uma organização que apoiava as
prostitutas da cidade de Lins e que buscava tirá-las da situação de vulnerabilidade, sendo
consideradas à margem da sociedade. A evangelização e a realização de ações sociais seriam
uma alternativa para essas mulheres: marginalidade

O MML tem como objetivo promover a ação social e a Evangelização junto


às vítimas da prostituição (Madalenas) e suas famílias. No campo de ação
social: a) Propugnar para que as Madalenas sejam tratadas como pessoas
humanas e como tais reconhecidas; b) Lutar com elas para que se libertem,
aos poucos, da marginalização e exploração de que são vítimas; c) colaborar
na sua capacitação para que possam escolher livremente uma profissão com
remuneração digna da pessoa humana; d) atuar na prevenção da prostituição,
especialmente junto às mães solteiras, mulheres sozinhas e desamparadas.130

130
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 00, edição Janeiro/Fevereiro de 1980.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
96

A narrativa apresentada atribuía à prostituição a condição de pobreza e a ausência de


políticas públicas voltadas para as mulheres pobres nas periferias da cidade, o que as
colocavam em estado de vulnerabilidade social.

[...] A partir do desejo da Iolanda, que tinha a preocupação muito voltada


para as crianças em geral marginalizadas e pelo contato que ela teve com
essas crianças, descobriu que a maioria eram filhos de prostitutas, de mães
solteiras; daí o desejo de ter um contato com as famílias; depois ela entrou
em contato com as Madalenas confinadas. Depois de vários anos de visitas
dela e da Gessy Beozzo surgiu o MLM com o Pe. Hugo, quando veio para
cá.131

Outrossim, desvelava o quanto a ausência dessas políticas públicas resultava não só na


marginalização das mulheres, mas também de seus filhos. A partir de janeiro de 1984, o
folhetim sofre alteração e amplia seus objetivos: “‘A Voz do Povo’ se modifica, de boletim
apenas informativo de fatos passados, quer ser instrumento de reflexão para ajudar na
formação dos companheiros e companheiras na grande jornada da libertação”132. Ao mesmo
tempo em que intensificou a investigação acerca da atuação dos agentes públicos (prefeito,
vereadores etc.) e das instituições públicas, denunciando os desmandos daqueles dotados de
poder para com a população mais vulnerável. A ausência de infraestrutura dos bairros pobres
e omissão do poder público em relação a temas como saúde, educação, moradia e outros,
eram costumeiramente escancarados.

Outrossim, com a abordagem, as notícias de relevância nacional também ganharam


espaço no boletim. Entre os temas estavam as “Diretas Já”:

Ano da grande luta pelas eleições diretas, desejo de todo o povo brasileiro
expressado na grande concentração da Praça da Sé, dia 25 de janeiro na luta
do dia a dia por melhores condições de vida e trabalho, fruto da organização
dos grupos espelhados por esse Brasil afora133.

http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO
131
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 00, edição Janeiro/Fevereiro de 1980.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
132
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 17, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
133
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 17, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
97

No âmbito nacional nesse período, acentuava-se o clamor pela reabertura democrática.


As agendas de campanhas, formações e showmícios da “Diretas Já” eram divulgadas no
Jornal. No que tange à formação, havia em algumas edições tutoriais com temáticas diversas
que objetivavam instruir a leitora:

Voto Direto: é quando se vota em alguém, se escolhe alguém que é


candidato a alguma coisa. Por exemplo: voto direto para Presidente é quando
cada brasileiro puder usar o título de eleitor e votar no candidato que
escolher, entre os que se apresentarem, para Presidente da República. É um
golpe que o Governo quer dar no povo brasileiro. Desde o Governo de
Castelo Branco até o do Presidente Figueiredo, o Senado Federal e a Câmara
dos Deputados apenas aceitavam o Presidente indicado pelos militares.
Agora, inventaram um tal de “Colégio Eleitoral” que deverá escolher,
indiretamente, votando em nome dos brasileiros. É indireto porque o voto de
um homem (Deputado Federal, Senador ou Delegado Estadual representando
uma bancada) vale o voto de milhares de brasileiros134.

Dessa forma, “A Voz do Povo” torna-se também um instrumento de formação, pois


seus idealizadores entendiam que esse era o caminho para a transformação das estruturas
sociais: “Mudanças na estrutura dessa sociedade que explora o homem, e que beneficia uma
pequena minoria, sugando o sangue da maioria, só acontecerão com a organização, união e
conscientização política de toda a classe trabalhadora”135. A influência das teorias marxistas
se fez cada vez mais presente:

Desenhamos, assim, a árvore do capitalismo: a fome, o desemprego, a


doença, o analfabetismo, são os frutos podres; derrubá-los pode, às vezes,
apenas adubar mais o chão onde cresce a árvore, que, assim, fica mais forte.
Podar os galhos, fazendo uma intervenção aqui outra ali, com uma ou outra
boa ação (pela qual julgamos que Deus nos julgará), poderá apenas fazer
com que os galhos e o tronco ganhem mais vigor. Então, é preciso CORTAR
A RAIZ PARA DERRUBAR A ÁRVORE TODA, acabando com a
sociedade opressora e produtora da pobreza para CONSTRUIR UMA
NOVA SOCIEDADE. Isto já nos falaram nossos bispos e está também no

http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
134
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p. 4), número de exemplar 17, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
135
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 18, edição Março de 1984. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
98

nosso 3º Plano de Pastoral e vai exigir de nós (padres, freiras, agentes de


pastoral) um posicionamento novo. Muitos já estão tentando136.

As passagens bíblicas, igualmente, estampavam o periódico e, de um modo geral,


sinalizavam para a necessidade da comunhão, para a união de todos como um caminho que
leva a Deus:

Jesus Cristo: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude”
(Jo. 10,10); “Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida por seu
irmão”. “Da união de todos é que surgirá o mundo novo, o mundo que nós,
católicos ou cristãos, chamamos de mundo de Deus, mundo de todos os
irmãos”.137

Essas tinham a importante função de legitimar as ações dos movimentos sociais para
assim fortalecer a luta:

Precisamos lutar por uma sociedade melhor, mesmo que seja para a gente
morrer sem vê-la. Vai servir para nossos filhos e netos. E voltam a mente às
palavras de Jesus: “Se o grão de trigo não morre, não dá frutos” – “Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a vida pelas pessoas amadas”.138

As mensagens bíblicas se materializavam, da mesma maneira, na linguagem


iconográfica:

136
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.)1, número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
137
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
138
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.4), número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
99

Figura 6 – Cristo e os oprimidos

Fonte: Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 24, edição Novembro de 1984 139

Os pés descalços e as roupas rasgadas informavam que Cristo caminhava lado a lado
com os humildes. Imagem que foi precedida pelo seguinte texto:

O centro da pregação de Jesus foi o Reino de Deus. Reino este que deve ser
realizado aqui, através de uma mudança profunda da realidade injusta
existente. Quem participa desse Reino? Os oprimidos, os que estão sendo
empobrecidos pelo sistema capitalista, os que lutam por uma nova
sociedade. Existem muitos obstáculos na busca deste reino: o desânimo, a
dúvida, as perseguições. O medo, mas estes são o contrário do Reino de
Deus. O Reino de Deus é coragem, é uma sociedade em que haja igualdade,
justiça e liberdade140.

Texto que evidencia que os editores eram orientados pela teologia dos pobres, que, por
assumir como base analítica o marxismo, denunciava as desigualdades sociais inerentes ao
sistema capitalista.

139
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
140
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 24, edição Novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
100

Ainda no tocante ao conteúdo da nova formatação do jornal, as mulheres ganharam


espaço. Ao MMA e outros movimentos, como o Movimento de Mulheres do Noroeste
Paulista foi destinado uma coluna:

No dia Internacional das mulheres – 8 de março de 1984, nós, mulheres de


Andradina, reforçamos nossa luta contra o desemprego, a carestia, por
melhores condições de Saúde, atendimento médico, hospitalar, remédios, por
saneamento básico (água, luz, esgoto), por creches, por terra para plantar,
pelas eleições diretas para presidente e pelo fim do sistema capitalista. Lutar,
enfim, por uma sociedade nova, sem opressores e oprimidos141.

Por meio dessa coluna, as mulheres podiam divulgar as agendas e ações do MMA, ao
mesmo tempo em que se inteiravam acerca dos movimentos:

No dia 22 de abril, nós, boias-frias, forçados pela fome e a necessidade, com


50 famílias decidimos ocupar as sobras de 360 hectares de terra, ainda não
distribuída desde a desapropriação da Fazenda Primavera em 1980.
Ultimamente, uma listagem vinha sendo feita, e mais de 800 famílias se
inscreveram na esperança de ganhar um pedacinho daquela sobra. Mas o
INCRA demorou demais com distribuição desta área. Por isso, naquela
situação de desespero, nos unimos e ocupamos esta terra. No dia 26 de abril
fomos despejados e resolvemos, então, acampar na beira da estrada entre
Andradina e Nova Independência142.

Algumas edições também traziam as falas e histórias de mulheres que lideravam


outros movimentos, a exemplo de Ana da Silva, esposa de Santos Dias, um líder símbolo do
movimento operário assassinado pela polícia Militar enquanto participava de um piquete, em
1979. Ana afirma a necessidade de se manter na luta: “Vou continuar nesta luta, nem que me
matem como mataram meu marido: com um tiro.143

141
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.6), número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
142
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.5), número de exemplar 20, edição Maio/Junho de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação Histórica Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
143
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 24, edição Novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação Histórica Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
101

Mais que um boletim informativo, o jornal “A Voz do Povo” foi para o MMA um
instrumento de sociabilidade. Por meio desse, as mulheres se mantinham informadas sobre
atuação de diversos movimentos de mulheres, bem como de outros movimentos sociais
(regionais e também nacionais), ao mesmo tempo em que divulgava suas ações. Ou seja, o
boletim pode ser compreendido como um dos nós que costuravam/formavam a rede de
sociabilidade do MMA.

2.5.2 O MMA E OS ENCONTROS DE MULHERES DO NOROESTE PAULISTA

Em 1982 o MMA, que aos poucos vinha ganhando notoriedade, ampliou sua atuação
para além das fronteiras de Andradina quando passou a participar do Encontro de Mulheres
do Noroeste Paulista, evento esse que deu origem ao Movimento Regional de Mulheres
(MRM). Integração que corroborou para a ampliação das redes de contatos do MMA e,
consequentemente, para a construção de sua autonomia. Nesse sentido, a compreensão acerca
dos caminhos trilhados pelo MMA passa pelo MRM e por isso faz-se necessário lançar luz a
esse movimento. Para tanto, partirei da trajetória de sua principal articuladora, Nobuco
Kameyama.

Na década de 1960, Kameyama atuava como Assistente Social na Faculdade de


Serviço Social de Lins e junto à Diocese de Lins com trabalho voltado para os camponeses.
Por esse motivo foi perseguida pelo regime militar. Depois de ser convocada para depor e de
ter sua casa invadida, Kameyama, com o apoio da Igreja Católica, se exilou na França.

Durante o exílio, Kameyama fez mestrado e doutorado na área do serviço social, onde
teve uma maior aproximação com a corrente marxista. No doutorado optou por estudar o
desenvolvimento do capitalismo no campo. Para Kameyama, “o exílio lhe deu a oportunidade
de buscar respostas para as suas inquietações teóricas e práticas derivadas da experiência
vivida muito próxima das lutas dos camponeses na região de Lins [...]” (ROSA, 2016, p.162).

No ano de 1978, momento em que ocorria a chamada “transição democrática”, muitos


militantes que se encontravam no exílio conquistaram a anistia e puderam retornar para o
Brasil. Todavia, em muitos aspectos, as flores não venceram os canhões, como metaforizou
102

Geraldo Vandré144. No que concerne aos aspectos econômicos e sociais, como dito
anteriormente, o País amargava um cenário de crise com alto índice de desemprego, alta taxa
de inflação e uma acentuada concentração de renda. Tratava-se da herança do chamado
“Milagre Econômico” vivido nos anos anteriores. É esse o cenário que Kameyama encontra
ao regressar.

Logo após o seu retorno, Kameyama assume a direção da Faculdade de Serviço Social
de Lins, uma instituição criada em 1958 pela Igreja Católica com objetivo de assistir à
população que se encontrava em estado de vulnerabilidade, por meio de projetos de extensão,
de formação profissional, conforme Rosa (2016). Uma instituição que havia se tornado um
centro de investigação e pesquisa da realidade local/regional e que, por ser orientada pelo
evangelho da libertação, se colocava a serviço do povo.

Nos anos que seguiram à sua chegada, Nobuco passou a percorrer a região do
Noroeste Paulista (Araçatuba, Fernandópolis, São José do Rio Preto, Birigui, Andradina, entre
outras), com o intuito de desenvolver trabalhos com as mulheres dos movimentos populares.
Essa ação, que aos poucos foi tomando corpo, resultou no I Encontro Regional de Mulheres
do Noroeste Paulista, ocorrido no segundo semestre de 1982. De acordo com Bel, Kameyama
“organizava o mulherio, o movimento de mulheres por meio de encontros regionais; quando
acabava um encontro já tinha a data do próximo”145.

Os eventos, que eram apoiados institucional e financeiramente pela Faculdade de


Serviço Social de Lins, em parceria com a Diocese de Lins, foram coordenados por Nobuco
Kameyama e ocorreram durante toda a década de 1980. O amadurecimento intelectual vivido
por ela no exílio foi determinante na estruturação do projeto. O Grupo Linense de Educação
Popular também era uma das entidades que assessorava, acompanhava e participava do
Movimento Regional de Mulheres, além de contribuir financeiramente de maneira a garantir o
transporte das mulheres e, ainda, a infraestrutura necessária para realização dos encontros146.

144
A música “Pra não dizer que não falei das flores” foi escrita por Geraldo Vandré, no ano de 1968, em pleno
regime militar e ficou em 2º lugar no III Festival Internacional da Canção Popular (1968), TV Globo. Na letra
evidenciam-se as injustiças (pelos campos há fome em grandes plantações), enfatiza a presença do exército
nas ruas (há soldados armados, amados ou não) e convidava as pessoas para se unirem na luta contra a
ditadura (Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer)
(ALARCON, 2016, p.6).
145
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no
dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
146
Excerto retirado do histórico do movimento de mulheres (p.1). Documento encontra-se na caixa 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
103

Além disso, as paróquias de algumas cidades do interior respondiam à Diocese de Lins


e isso facilitava a comunicação para organização dos encontros. A paróquia Nossa Senhora da
Graça, sede do IAJES e, consequentemente, o lugar que acolhia o Movimento de Mulheres de
Andradina, é um exemplo disso.

Os eventos, que ocorriam semestralmente, eram abertos ao público e configuravam-se


em espaço de reflexão e alteridade, onde, a partir das experiências compartilhadas, se discutia
a realidade das mulheres de diversas categorias pertencentes à classe trabalhadora
(empregadas domésticas, lavadeiras, boias-frias, operárias, entre outras), embora, não
houvesse um aprofundamento nas especificidades de cada categoria. O enunciado do primeiro
encontro foi a “troca de experiência”. Neles, os vários movimentos da região discorreram
acerca de suas vivências, de seus desafios cotidianos e de suas estratégias de luta. Temas
como violência doméstica, desemprego, custo de vida, participação política da mulher
pautaram os encontros seguintes.

De modo geral, por meio desses eventos buscava-se promover a organização e a


mobilização de mulheres para que essas discutissem e organizassem ações contra as práticas
capitalistas de exploração e opressão empreendidas contra a classe trabalhadora. Durante as
reuniões também era pensado o lugar social da mulher e como o capitalismo afetava suas
vidas. Já os objetivos específicos consistiam em:

1 – formar núcleos bases em diversos bairros das cidades e fortalecer os já


existentes; 2 – articular os núcleos entre si através de encaminhamentos de
lutas conjuntas, tendo em vista os interesses e objetivos comuns; 3 –
incentivar e assessorar a formação de núcleos de mulheres em outras cidades
através de capacitação de agentes; 4 – articular em nível regional através de
encaminhamentos de lutas mais amplas.147

Para alcançar os propósitos citados acima, algumas das estratégias foram adotadas e
essas consistiam em:

Visitas sistemáticas às mulheres; realização de cursos e palestras; garantir a


participação em grupos e palestras de algumas das integrantes; promoção de
encontros e encaminhamentos de lutas conjuntas; elaboração de materiais

147
Projeto de Organização de Mulheres (p.3-4). Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que
encontra-se no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
104

tais como boletins, folhetos etc.; encaminhamento de lutas concretas para a


melhoria da condição de vida e de trabalho.148

Foram ações como essas que garantiram a consolidação do MRM que se forjou
organicamente, como resultado dos encontros. No decorrer da década de 1980, ingressaram
no movimento as cidades de Andradina, Araçatuba, Lins, Birigui, Santo Anastácio,
Fernandópolis, Jales, São José do Rio Preto e outras. Três Lagoas, localizada Mato Grosso do
Sul, a 30 km de Andradina, e que se tornou um importante braço do IAJES, também
compunha o MRM. Em outubro de 1987 o movimento já estava avigorado e somava nove
encontros com temas diversos, tais como: troca de experiências, violência contra a mulher,
desemprego, custo de vida, participação política das mulheres, constituinte e direito da
mulher. Os eventos, em sua maioria, eram assessorados por Nobuco Kameyama e por Irma
Passoni; mais tarde, a partir de 1985, Clara Charf, a viúva de Marighella, também cumpriu
essa função.

Amiúde, os encontros ocorriam da seguinte maneira: a fala de agradecimento à cidade


que acolhia o encontro; apresentação dos grupos presentes; criação de grupos de trabalhos por
tema; plenária com os principais pontos levantados pelos grupos de trabalho; a fala da
coordenadora ou assessora do encontro; avaliação dos trabalhos e as propostas de tema do
próximo encontro. Costumeiramente era realizada a leitura de alguma passagem bíblica
referente à mulher:

Leitura do livro de Ester: 16, 2-9; a partir desse texto, as companheiras de


Andradina nos lembram a luta das mulheres e o significado político na
história do povo sofrido. Ester é um exemplo para nós, hoje, na escolha das
pessoas que serão constituintes e que devem ser comprometidas com
interesse do povo oprimido.149

As passagens bíblicas escolhidas para serem lidas durante os encontros justificavam as


práticas políticas dessas mulheres e corroboravam para a valorização/empoderamento delas,
atravessada pela religiosidade.

148
Projeto de Organização de Mulheres (p.3-4). Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que
encontra-se no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
149
Ata do Nono Encontro Regional de Mulheres – Fernandópolis – 05 de outubro de 1986. Documento encontra-
-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
105

A preocupação com a documentação era um aspecto bastante presente no MRM. Ao


término de cada encontro, produzia-se atas onde imprimiam detalhes acerca de questões
como: fala de abertura, cidades participantes, temas discutidos e encaminhamentos. No caso
das reuniões de coordenação, que trataremos a seguir, eram produzidos relatórios.

Em 1984 institui-se uma equipe de coordenação do MRM composta por representantes


de algumas cidades, Marivalda era a representante de Andradina. Por meio da criação dessa
equipe buscava-se descentralizar e assim democratizar os trabalhos de maneira a garantir a
representatividade das mulheres das diferentes cidades que compunham o movimento.
Concomitantemente, com a capacitação das lideranças, fornecia-se instrumentos para a
construção de autonomia e de autogestão.

Cada encontro contava com um planejamento efetivo, a Coordenação Regional se


reunia em média quatro vezes ao ano para realizar tarefas como: iniciar a preparação do
evento seguinte, analisar o evento anterior, dialogar acerca das experiências de luta e traçar
novas estratégias, como é possível observar no excerto retirado do relatório referente à
reunião que ocorreu em 03 de fevereiro de 1985:

Após as apresentações foi colocado como estão os trabalhos em cada cidade


e definida a pauta da reunião, a qual ficou: 1 – andamento dos trabalhos em
Andradina; 2 – término da preparação do VI Encontro Regional; 3 –
calendário de reunião da equipe de coordenação150.

Era também durante as reuniões da coordenação regional que se apresentavam as


dificuldades enfrentadas pelo movimento na organização dos encontros:

Pontos negativos: grupos de trabalhos numerosos, não ajudou muito a troca;


interferência de outros movimentos na organização; faltou pulso na
coordenação do encontro; falha na inscrição; mulheres sem compromisso;
falta de preparação política; ausência de algumas assessoras; animação fraca,
tumulto na parte da tarde; palavra aberta para candidatas que não eram
assessoras; desrespeito pela organização por parte de algumas entidades
presentes151.

150
Relatório da reunião de coordenação de 03-02-1985. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do
IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
151
Relatório da reunião de coordenação referente a 23/10/1986. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo
do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
106

Dificuldades que exigiam resoluções diversas e, por isso, era a formação continuada
que o movimento apostava: “Discutimos que era preciso nos organizar mais vezes e da
mesma forma termos mais estudo para a formação”152. Durante o encontro de outubro de
1986, falou-se da importância de se realizar intercâmbio entre as mulheres do encontro
regional e outros movimentos de mulheres do País. Era um exercício constante de refletir
sobre os caminhos.

O MRM, que tinha entre os seus principais objetivos a democratização dos trabalhos e
o fortalecimento dos movimentos existentes, apostava nos encontros itinerantes, o que
demandava um bom exercício de logística por parte da Coordenação Regional:

Encontro de Abril: 1 – hospedagem: Fernandópolis, Ribeirão Preto, São José


do Rio Preto, Bauru, irão no sábado para Andradina, necessitarão de pouso.
Andradina pede para as cidades que irão dormir que avisem o total de
pessoas que irão com antecedência, até trinta de março. Lins enviará o
relatório dessa reunião com a lista de endereços das participantes e o mapa
de como chegar no IAJES, na Igreja Nossa Senhora da Graça153.

Ou seja, a Coordenação Regional, juntamente com a cidade que iria receber o evento,
iniciavam os trabalhos voltados para questões como alimentação, hospedagem e local para
realização do encontro, bem antes da realização do mesmo. Normalmente, participavam em
média três representantes de cada cidade.

O sexto encontro do movimento aconteceu em Andradina no primeiro semestre de


1985 e a temática norteadora do encontro foi “A participação política da mulher e
Constituinte”. O evento contou com a presença da então candidata a vice-prefeita de São
Paulo, Luiza Erundina, que discorreu sobre temas como: organização do Estado (Federação,
Estado e Município) e os representantes políticos de cada um deles (Presidente, deputados,
governador, prefeito, vereador), atuação dos militares, Constituição e organização dos
movimentos de mulheres. No tocante às mulheres, a participação política e as eleições,
Erundina afirmou que, assim como a classe trabalhadora, as mulheres não confiam nelas
mesmas na hora de votar e atribuiu isso ao machismo: “O machismo está tanto na mulher
quanto no homem, precisamos lutar para conquistar maior espaço de participação, lutar com

152
Relatório da reunião de coordenação referente a 23/10/1986. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo
do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
153
Relatório da reunião de coordenação de 03-02-1985. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do
IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
107

os homens por uma sociedade mais igualitária e justa”154. Para a deputada, a luta da mulher
não deveria ser organizada de maneira sectarista, ao contrário, os homens deveriam participar
dela, mas que antes era preciso reconhecer e o machismo incrustado nas estruturas sociais
para assim combatê-lo.

Em seguida, a convidada apontou que as mudanças das estruturas sociais


demandariam uma maior organização política por parte das mulheres: “As mulheres devem se
organizar em grupos de mulheres, fazer campanha contra a carestia, por creches, asfalto, leite
etc., abaixo-assinado, usar os meios de comunicação para divulgar seus problemas e
reivindicações”155. Por fim, Erundina conclui que os direitos não são presentes, de acordo
com ela “ou você conquista ou não participa”.

A partir de 1985, o tema da Constituinte entrou nas agendas dos movimentos sociais
de todo o País e não foi diferente com o MMA e o MRM, a exemplo do que será demonstrado
mais adiante. Nesse momento, o movimento estreitou os laços com a Rede Mulher,
organização parceira em todo o processo da Constituinte, e com o Conselho Nacional do
Direito da Mulher e algumas de suas representantes integraram a Comissão de Mulheres do
Estado de São Paulo e o Movimento Popular de Mulher que atuavam e pela garantia da
participação na Constituinte. Os encontros regionais tornaram-se importantes de formação e
de articulação, nos quais se decidia quais ações seriam adotadas para que fosse redigida uma
nova Constituição verdadeiramente democrática.

Como já mencionado anteriormente, os encontros regionais, para além de serem


espaços de reflexão, onde se traçavam estratégias de luta, eram também recinto de alteridade.
As mulheres que ali estavam eram “tocadas” pelas experiências compartilhadas por suas
companheiras e ficavam incumbidas de multiplicar as vivências adquiridas durante os
encontros regionais, nos encontros locais realizados em suas respectivas cidades. No caso de
Andradina, havia dez bairros e em cada um deles um grupo de mulheres que se reuniam
mensalmente, com duas ou três representantes de cada bairro, formando uma comissão da
cidade que também se reunia uma vez por mês. Igualmente, o compartilhamento se dava
durante a realização do círculo bíblico organizado pelas SAB’s e pelas CEB’s.

154
Excerto contido no relatório do IV Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, realizado em 14 de abril de
1986, na cidade de Andradina – SP. Documento está contido na caixa 395 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
155
Excerto contido no relatório do IV Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, realizado em 14 de abril de
1986, na cidade de Andradina – SP. Documento está contido na caixa 395 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
108

Foi por meio dos encontros regionais que essas mulheres ampliaram suas redes de
sociabilidade. No final da década de 1980, o MMA tinha no currículo de participação em
encontros nacionais espaços onde foram se construindo, de forma mais sistemática, as
propostas para a transformação social e formas de negociação com o Estado. Toda essa
vivência, somadas as características de horizontalidade, de colaboração e de coletividade que
permeavam os encontros regionais, foram imprescindíveis para o desenvolvimento da
maturidade política e da autonomia do Movimento de Mulheres de Andradina. Autonomia
que não se traduzia em ausência de apoio.

Além do IAJES, da Faculdade de Serviço Social de Lins (FSSL) e do Grupo Linense


de Educação Popular (GLEP), outras instituições corroboraram para a criação e manutenção
do MRM, entre essas estavam: Associação Riopretense de Educação e Saúde (ARES) – São
José do Rio Preto; Centro Baruente de Ação Comunitária (CBAC) – Bauru; Comunidade da
Família de São Pedro (CFASP) – de Fernandópolis; Centro de Defesa dos Direitos Humanos
e da Educação Popular (CDDHP) – Ribeirão Preto.

Os encontros regionais promovidos pelo MRM, dada sua forma organizativa, se


configuravam como uma teia comunicativa, como espaço discursivo, de disputa e de
formação constante onde as identidades eram forjadas e a cidadania exercida, em que os
direitos imaginados tinham como horizonte uma outra realidade vista como possível.
109

CAPÍTULO III

A CONSTITUINTE

O ano de 1985, marcado pela efervescência dos movimentos sociais, foi bastante
agitado para o MMA, se iniciou a um projeto que ocupou a agenda da organização nos três
anos que seguiram. Trata-se da Constituinte, um movimento marcado pela luta pela reabertura
democrática e por novos direitos baseados em ideias fomentadas pelos atores e movimentos
sociais desde a década de 1970. Os diversos grupos sociais organizados, a exemplo dos
movimentos de mulheres156 e feministas, enxergaram na Constituinte a oportunidade de
apresentarem suas pautas ao poder público, reivindicando assim direitos que garantissem
exercício pleno da cidadania:

A proposta de uma nova Constituição para o Brasil, que ganhou força


crescente, vertiginosa, ao longo das décadas de 1970 e 1980, esteve atrelada
ao reconhecimento, por muitos atores sociais, da necessidade de construção
de uma nova cidadania no País, inclusiva e de completa ruptura com a
ditadura que assumira o governo brasileiro, a partir do golpe de 1964,
permanecendo no poder por um tempo então inimaginável. (VERSIANI,
2010, p.3).

A primeira manifestação pela pró-constituinte aparece em 1971, em um documento


produzido pelo MDB intitulado de Carta do Recife, de acordo com Versiani (2010), nele
reivindicava-se a elaboração de uma nova Constituição que rompesse com os ideais e práticas
do regime militar.

Desde que assumiram o poder, os militares esvaziaram o Congresso, suspenderam os


direitos políticos e ainda, restringiram, de maneira significativa o exercício da cidadania
daqueles que eram lidos como inimigos. Construíram um Estado de exceção por meio da
repressão e estrangulamento da legislação vigente no período em que vigorou:

156
Verônica Toste Daflon (2019), ao analisar a obra de Heloísa Buarque de Holanda “Explosão feminista: arte,
cultura, política e universidade”, sublinha: Heloísa assinala que nos anos 1980 o discurso hegemônico do
feminismo no Brasil se conjugava no singular, afirmando a especificidade da “mulher” e a relativa autonomia
do feminismo em face das outras lutas sociais. Hoje o espaço público do feminismo rechaça a ideia de uma
“condição feminina” universal e conjuga o feminismo no plural, combinando eixos como gênero, classe, raça,
etnia, orientação sexual, deficiência, religião etc. A ideia que predomina é que o feminismo deve se ocupar
das diversas opressões existentes na sociedade, pois não existe uma experiência única capaz de organizar a
luta política (p.1). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2238-
38752019000100315&script=sci_arttext
110

O governo impôs leis excepcionais. Atos Institucionais e Atos


Complementares, a Constituição de 1967 e a sua transfiguração em
extremismo autoritário através da Emenda Constitucional de 1969 e, ainda,
uma nova Lei de Segurança Nacional tornaram mais e mais severas as
punições contra os crimes políticos. (VERSIANI, 2010, p.3).

O poder coercitivo e a censura eram instrumentos utilizados pelo governo militar para
reprimir a atuação dos movimentos e organizações sociais que se opunham à ideologia
hegemônica. Havia vigilância constante, o objetivo era combater as organizações já existentes
e o surgimento de novas. Entretanto, após eleição indireta de Ernesto Geisel para a
Presidência em 1974, com “distensão lenta, gradual e segura”157, abriu espaço, em certa
medida, para o diálogo entre a sociedade civil e o governo. Os militares ansiavam por reparar
o desgaste que vinham sofrendo, ao mesmo tempo, uma parte significativa da sociedade civil
clamava pela reabertura democrática. Nesse sentido, a restituição do Estado Democrático e de
Direito parecia cada vez mais possível e, para garantir isso, a implementação de novas leis
fazia-se necessária.

Todavia, se por um lado, “durante o governo Geisel foram abertos novos canais de
comunicação entre o governo e a sociedade civil, visando à organização de uma agenda de
reformas político-institucionais” (VERSIANI, 2010, p.4), por outro, permaneciam, até mesmo
ampliou-se, as práticas perversas adotadas pelos governos anteriores, a exemplo das prisões e
assassinatos de presos políticos. A extinção de leis como AI5 só se deu perante “salvaguardas
constitucionais”, que autorizava o governo a “agir” contra os grupos ou movimentos
considerados subversivos. Entretanto, ações dos movimentos sociais e de algumas instituições
mais progressistas, como a Igreja e os sindicatos, se tornavam cada vez mais contundentes e,
graças a isso, em 1979, durante o governo de João Baptista Figueiredo, e depois de muito
enfrentamento, foi aprovada a Lei da Anistia que permitiu o retorno de muitos exilados
políticos.

Abrindo um parêntese, a Lei da Anistia foi uma conquista de grupos sociais


organizados, entre esses os movimentos feministas/de mulheres e novo sindicalismo, que
somaram força com a Igreja Católica progressista. Em 1975, coincidindo com a celebração do

157
A partir de 1974, com um movimento conhecido inicialmente como ‘distensão’, iniciou-se no Brasil a
tentativa de recuperar as mediações necessárias para legitimar a ditadura. A primeira caracterizava-se por duas
grandes tarefas a realizar: restaurar a ordem na sociedade – o que significava reprimir toda e qualquer
discordância – e normalizar a economia, geralmente por meio de arrocho salarial e transnacionalização crescente
da estrutura produtiva. A segunda surgia a partir da necessidade de canais de mediação que legitimassem o pacto
de domínio burguês e suas consequências políticas, econômicas e sociais (ESCOREL, 1999, p.31).
111

Ano Internacional da Mulher e com as comemorações dos 30 anos da anistia política, após o
fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), surgiu o “Movimento Feminino pela Anistia
(MFPA). Liderado por Therezinha Godoy Zerbini, um grupo de mulheres paulistas fundou,
em 23 de junho de 1975, o primeiro núcleo da entidade. O aparecimento do MFPA
evidenciou o pioneirismo feminino na campanha pela Anistia no Brasil” (FAGUNDES, 2016,
p.134).

Nesse mesmo período, o pluripartidarismo e a ampliação do número de vagas no


Congresso Nacional entraram em vigor e a redemocratização do País e a elaboração de novas
leis se tornavam cada vez mais urgentes para esses grupos. Diante dessa efervescência, em
1985, Tancredo Neves, em seu discurso de posse, discorreu sobre a relevância da Constituição
e da Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana:

Convoco-vos ao grande debate constitucional. Deveis, nos próximos meses,


discutir, em todos os auditórios, na imprensa e nas ruas, nos partidos e nos
parlamentos, nas universidades e nos sindicatos, os grandes problemas
nacionais e os legítimos interesses de cada grupo social. E nessa discussão
ampla que ireis identificar os vossos delegados ao poder constituinte e lhes
atribuir o mandato de redigir a lei fundamental do País. A Constituição não é
assunto restrito aos juristas, aos sábios ou aos políticos. Não pode ser ato de
algumas elites. E responsabilidade de todo o povo. (VERSIANI, 2010,
p.241).

Parte da historiografia reconhece esse momento como sendo um dos marcos do


movimento da constituinte (VERSIANI, 2010). Em sua fala, o Presidente Tancredo Neves
incitou a participação popular quando afirmou que a lei fundamental de um país não poderia
ser redigida somente por juristas, políticos e pela elite, pois cabia, igualmente, ao povo essa
tarefa/direito.

Em janeiro de 1985, após a conclamação de Neves, surge no Rio de Janeiro o


Movimento Nacional pela Participação Popular na Constituinte. No evento estiveram
presentes mais de sete mil pessoas, dentre essas Herbert de Souza, o Betinho, Hermann de
Assis Baeta (presidente da OAB), entre outros. No mês seguinte, foi criado em São Paulo o
Plenário Pró-Participação Popular, com importante função de redigir a nova Carta proposta da
Constituinte (VERSIANI, 2010, p.241). O movimento se espalhou por todo o País nos meses
seguintes e trouxe à tona o debate acerca dos direitos dos sujeitos sociais historicamente
marginalizados, a exemplo da mulher.
112

Todavia, afirma Versiani (2010) que por detrás do discurso aparentemente progressista
de Neves, havia um viés conservador, tendo em vista que esse não buscava romper de fato
com a ideologia do regime militar.

3.1 A CRIAÇÃO/ATUAÇÃO DO CNDM: CONSTITUINTE PRA VALER TEM QUE TER PALAVRA
DE MULHER

A participação das mulheres no movimento da Constituinte foi coordenada pelo


Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)158, órgão governamental criado no ano
de 1985 pelo então presidente José Sarney, vinculado ao Ministério da Justiça, para promover
e estimular a participação do segmento feminino da sociedade civil junto ao governo federal,
de maneira a criar políticas que visassem eliminar a discriminação contra a mulher e assegurar
sua participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do País (PIMENTA, 2010).

Compreendido como um elemento integrante do Estado democrático nascente, o


CNDM, a exemplo de outros conselhos, configurava-se como um canal de diálogo entre os
mais diversos movimentos de mulheres e feministas e o poder legislador. O cadastro único era
um dos instrumentos que tornava essa ação possível. A sua criação foi reivindicada e apoiada
por feministas e por movimentos de mulheres ligadas a partidos políticos, como PT e PMDB,
que atuaram no processo de redemocratização. Por outro lado, considerando a
heterogeneidade e as contradições inerentes aos movimentos sociais, as feministas
autônomas159, que defendiam a autonomia como princípio organizativo do feminismo,
nutriam uma certa desconfiança em relação ao CNDM:

[...] o CNDM, de fato, se transformou em um organismo estatal responsável


por elaborar e propor políticas especiais para as mulheres, e, contrariando o
temor de muitas feministas, se destacou na luta pelo fortalecimento e

158
Criado junto ao Ministério da Justiça, com orçamento próprio, tendo sua presidenta status de ministra, era
composto por 17 conselheiras nomeadas pelo ministro da Justiça, por um Conselho Técnico e por uma
Secretaria Executiva. O CNDM perdeu completamente a importância com os governos de Fernando Collor de
Mello e Fernando Henrique Cardoso. No primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi criada a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com status de ministério, e foi recriado o Conselho, com
características mais próximas do que ele havia sido originalmente” (PINTO, 2010, p.17)
159
De acordo com Alvarez, “às outras mulheres que militavam em partidos de esquerda, que as feministas
autônomas rotulavam de “políticas” ou “militantes”, vistas como não feministas por, presumivelmente,
priorizarem “a luta geral”; às centenas de organizações populares de mulheres, muitas vezes ligadas à Igreja,
então proliferando pelo Brasil afora” (ALVAREZ, 2014, p.22).
113

respeito à autonomia do movimento de mulheres, o que lhe garantiu o


reconhecimento de toda a sociedade. (COSTA, 2008, p.17).

Na contramão do que acreditavam as feministas autônomas, o CNDM atuou de


maneira contundente junto à Assembleia Nacional Constituinte e se mostrou um forte e
importante aliado na articulação das mulheres na luta pelos seus diretos. De acordo com
Alvarez (2014), havia um antagonismo que atravessa o feminismo desse período:

[...] luta geral-militância política” versus “luta específica-militância


autônoma” figurava como um componente antagônico, porém central da
gramática política compartilhada que articulava o incipiente campo feminista
naquele primeiro momento, esses binômios também foram alvo de disputa
contínua, conformando o que vou chamar de um conflito constitutivo desse
campo nos anos 70 e 80”. (ALVAREZ, 2014, p.22).

De volta à atuação do Conselho, esse, com o slogan “constituinte pra valer tem que ter
a palavra mulher”160, percorreu o País, ouviu as mulheres brasileiras e ampliou o canal de
comunicação entre o movimento social e as instituições de poder. Prática que objetivava, de
acordo com o próprio órgão, encontrar “fonte de inspiração para a nova realidade”161 que se
desejava. Nesse sentido, Costa (2008) afirma que o órgão foi um dos grandes responsáveis
pela participação da mulher na Constituinte. Outras organizações, a exemplo da Rede Mulher,
corroboraram para esse processo. Adiante veremos como se dava na prática a relação do
MMA/MRM com o CNDM.

3.2 A REDE MULHER

A Rede Mulher, atualmente Rede Mulher de Educação, era descrita pelo MMA/MRM
como sendo uma entidade responsável por articular os vários movimentos de mulheres junto
ao CNDM. Idealizada, em 1980, por Moema Viezzer, uma socióloga e educadora que vinha
pesquisando a condição da mulher latino-americana desde a década de 1970, a Rede Mulher

160
Carta das Mulheres à Constituintes Redigidas durante Encontro Nacional Mulher e Constituinte, ocorrido em
26 de agosto de 1986. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf
161
Carta das Mulheres à Constituintes Redigidas durante Encontro Nacional Mulher e Constituinte, ocorrido em
26 de agosto de 1986. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf
114

articulou em rede “grupos e organizações de mulheres dos setores populares no Brasil,


engajados na transformação social”162. Uma articulação que foi dificultada, ainda segundo o
movimento, por impasses como: a extensão territorial do Brasil, os problemas relacionados à
comunicação, e a dependência institucional de vários grupos de mulheres, sobretudo aqueles
que se encontram nas áreas rurais do país e que tinham vínculos com instituições
conservadoras. A instituição se definia enquanto “uma entidade de apoio a grupos de
mulheres através de programas de educação popular”163.

Outrossim, a Rede Mulher buscava compreender a estrutura por trás subordinação da


mulher. Limitações superadas pelas ações estratégicas voltadas para uma ação libertadora, a
exemplo do trabalho em rede. Havia o entendimento por parte das integrantes da Rede Mulher
que a organização em rede corroborava para transformação das práticas sociais, por romper
com as estruturas/hierarquias presentes na sociedade e, ainda, por tornar possível a
comunicação e a articulação entre os grupos:

Ao falarmos em rede, podemos utilizar a comparação do material utilizado


para pesca, cada linha que só pode pescar um peixe de determinado peso por
vez, quando tecida numa rede, em cada nó, fortalece o todo e é por ele
fortalecido, tem sua capacidade muitas vezes aumentada. Ao mesmo tempo,
não há numa rede de pesca, uma hierarquia entre nós, a cada rombo que
porventura venha acontecer, pode ser consertado individualmente, sem
prejudicar o todo164.

Para além da construção coletiva, a metáfora da rede servia para explicar a


necessidade de educação popular, compreendida pela instituição como “terceiro elemento”:

[...] cremos ser necessário dar primeiro o tempo e espaço para “tramar a
rede” (ou seja, esclarecer os objetivos e avaliar as ações que levam as
pessoas e grupos a se reunirem e se articularem) para então lançar a rede em
espaços maiores, e, geralmente, mais complexos e controvertidos,

162
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.3) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
163
Caderno Educação Popular e Movimento de Mulheres (p.3) – Coordenação da Rede Mulher com colaboração
de Beatriz Canabrava e Vera Lúcia Vaccari, ano 1986.
164
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.20) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
115

permitindo definir a própria proposta em relação às outras redes


existentes165.

A Rede Mulher articulava grupos populares, sobretudo, os de mulheres e feministas,


fornecendo apoio pedagógico e outros, com o intuito de unificar a luta pela libertação da
mulher. A perspectiva de que a violência contra a mulher precisava ser abordada em relação
ao homem, desde o primeiro momento, esteve no horizonte da instituição:

Sempre que realizamos oficinas de educação popular com mulheres, nosso


ponto de partida é a constatação da subordinação da mulher ao homem como
fenômeno milenar e universal, que atravessam civilizações e sistemas
econômicos, ao mesmo tempo que está em íntima conexão com ele.166

No caso do MMA/MRM, a contribuição da Rede Mulher se dava costumeiramente por


meio de fornecimento de material pedagógico (cadernos, folhetos, folhetins informativos etc.)
e da participação nos encontros. Sem sombra de dúvidas, essa foi uma das organizações que
mais corroborou para a integração do MMA ao movimento da Constituinte.

3.3 O “LOBBY DO BATOM” NO PARLAMENTO

Para além dos movimentos sociais, das organizações e conselhos, as mulheres atuaram
dentro do Parlamento, compondo a Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Em um pleito
histórico, no ano 1986, dos 536 constituintes (487 para a Câmara dos Deputados e 49 para o
Senado), 26 mulheres, de diversas localidades do País, foram eleitas para integrar a ANC,
sendo elas:

165
.Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.3) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
166
Caderno Educação Popular e Movimento de Mulheres – Rede Mulher (p.21).
116

Quadro 1 – A bancada feminista na Constituinte

Fonte: Quadro apresentado na 38ª edição do boletim Informativo “A Voz do Povo”

As constituintes formaram um grupo heterogêneo com bases ideológicas diversas, de


centro, de esquerda e direita, de oito partidos distintos (PMDB, PT, PSB, PSC, PFL, PCdoB,
PTB e PDT). O PMDB contava com 26 representantes, sendo quase metade da bancada
feminina/feminista.

Como era de se prever, essa novidade não foi bem aceita por aqueles que
historicamente ocupavam o Congresso Nacional. Logo que chegou, o grupo de mulheres foi
apelidado, pejorativamente, de “Lobby do Batom”, conforme relato de Schuma Shumaer:

Um dia nós estávamos num corredor, andando pelas comissões, tinha um


grupo de quatro ou cinco deputados, e aí a gente escutou um cara falar com
os outros, “hum, lá vem o lobby do batom” (…) a gente na hora ficou muito
nervosa, queria brigar (…) fazer uma carta, denunciar o deputado.
(SHUMAER, 2011 apud SILVA, 2011, p.194).
117

Todavia, preconceitos manifestados por aqueles que queriam manter as mulheres


distantes das instituições de poder, foram só mais um empecilho enfrentado pelas deputadas
constituintes e isso não as paralisou, o próprio nome “Lobby do Batom” foi ressignificado por
elas como a marca de uma identidade coletiva. Ainda conforme relato de Schuma Shumaer:

(…) isso durou uns dois dias, até que a gente foi mastigando essa bronca e
nos veio a luz. E então falamos assim: vamos transformar essa afirmação,
que é uma afirmação ofensiva, pejorativa, numa afirmação, numa coisa que
dê visibilidade política, que dê uma força política. (…) e aí a gente chamou a
nossa agência de propaganda e pedimos para fazer, num primeiro momento,
adesivos para as pessoas, para os carros, tudo escrito assim: “Lobby do
Batom”. (SHUMAER, apud SILVA, 2011, p.194).

No parlamento, lugar em que a relações de gênero eram assimétricas e profundamente


hierarquizadas, as violências simbólicas não se manifestavam somente no discurso, as
mulheres tiveram que lidar com limitações estruturais, como a ausência de banheiro feminino,
por exemplo, conforme relata Lídice da Mata:

Enfrentamos preconceitos de todos os tipos. Nós chegamos num Congresso


que não tinha sequer banheiro feminino. O plenário só tinha banheiro de
homem, um banheiro único porque a presença da mulher era tão minúscula
que não se fazia necessário esse tipo de equipamento. (MATA, apud
SILVA, 2011, p.203).

A primeira reunião que as deputadas tiveram com Ulysses Guimarães foi para tratar da
ausência de banheiros femininos e por isso foram alvo de chacotas do tipo “vocês não querem
ser iguais aos homens, aprendam a fazer xixi de pé”, narra Maria de Lourdes Abadia167. A
discriminação sofrida pelas Constituintes não partia somente da classe política, ressalta
Abadia, “a imprensa quando chamava para uma coletiva questionava aos homens sobre pautas
gerais e às mulheres sobre artigo de beleza”168.

167
Excerto retirado do artigo “Uma Luta pela Igualdade”, publicado no Correio Brasiliense em 28 de outubro de
2003. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Artigo%20CB%20Mulheres%20Constituintes.pdf.
168
Excerto retirado do artigo “Uma Luta pela Igualdade”, publicado no Correio Brasiliense em 28 de outubro de
2003. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/aconstituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Artigo%20CB%20Mulheres%20Constituintes.pdf
118

Não obstante, em resposta às evidentes manifestações de que não eram bem-vindas no


parlamento, as deputadas se juntaram em torno de uma agenda suprapartidária que tinha a
mulher como centro, pois sabiam que era o caminho possível para se fazerem ouvir. As
deputadas estavam cientes que se viam diante da oportunidade de garantir a cidadania plena
para as mulheres, conforme sublinha Irma Passoni em seu discurso na Casa do Povo:

Desejamos homenagear a vocês todas que estão representando 51% do povo


brasileiro, que são as mulheres. Temos certeza de que as reivindicações que
as mulheres trazem são reivindicações que fazem com que avancemos, que
nós mulheres, companheiras dos homens, possamos somar, com a introdução
no Direito Constitucional, a plena igualdade do Direito da Cidadania de
homens e de mulheres, e de mulheres especificamente169.

De maneira perspicaz, as constituintes foram criando estratégias e se empoderando


politicamente. Enquanto grupo de pressão (SILVA, 2011), foram conquistando cada vez mais
espaço e apresentando suas demandas. O diálogo constante com as mulheres da sociedade
civil realizado por meio do CNDM e das organizações, a exemplo da Rede Mulher, traçaram a
trajetória das mulheres no Parlamento e foi imprescindível na conquista de direitos para a
classe trabalhadora, em especial para as mulheres, como veremos mais adiante.

3.4 A CONSTITUINTE O MMR E O MMA

A pauta da Constituinte se espalhou por todo o País e entre os movimentos de


mulheres, palavras de ordem ecoavam: “Exija de seu candidato um programa em defesa da
criança”; “Meio ambiente na Constituinte: direito de todos, dever de cada um. Participe!”;
“Direitos iguais: nessa Constituinte a gente tem que chegar juntos” (VERSIANI, 2010,
p.244). Os encontros e os intercâmbios entre os movimentos, igualmente, tornaram-se
frequentes.

Voltando para Andradina, foi em 1985 que a Constituinte entrou como pauta para o
MMA, bem como para os vários outros movimentos que compunham o MRM. Fato que
ocorreu em Andradina, na data de 14 de abril de 1985, durante o VI Encontro do Movimento

169
Excerto retirado do documento “Mulheres na Constituinte de 1988”. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-
constituicao-de-1988/mulher-constituinte/mulheres-constituintes-de-1988.
119

Regional de Mulheres. O Evento, apoiado pelo IAJES, teve como tema central “participação
política da mulher e Constituinte”. Contou com a presença de 150 (cento e cinquenta)
mulheres, representantes das seguintes cidades: Três Lagoas, Andradina, Birigui, Lins, Bauru,
Rio Preto, Guaraçaí e Ribeirão Preto. Entre as convidadas, estava presente a então vereadora
Luiza Erundina, uma das fundadoras do PT.

Erundina iniciou sua fala fazendo uma análise do momento político em que o Brasil
vivenciava e levantou algumas questões. Primeiro afirmou que a campanha das Diretas Já,
ocorridas no ano anterior, não trouxe para o povo o resultado esperado, pois, de acordo com
ela, a eleição indireta de Tancredo foi “um casamento (entre presidente + PMDB + Vice do
PDS) sem consentimento do povo”170 e isso significou a permanência dos militares no poder.
A ausência de práticas democráticas na política vigente do País e a afirmação que a
Constituição de 1969 foi criada para atender aos interesses da elite, compuseram a fala da
convidada.

Erundina, ciente dos avanços em relação ao sufrágio, pois pela primeira vez na história
do País o analfabeto teria direito ao voto171, apontou para a necessidade de se forjar uma nova
Constituição, dessa vez constituída pelas mãos dos trabalhadores e trabalhadoras. Frisando a
importância acerca da participação popular na Constituinte, explicou como seria o processo:

É um conjunto de pessoas eleitas que vão fazer a Constituição e por isso os


trabalhadores têm que se unir e eleger representantes que vão fazer parte da
Constituinte para que ela defenda os interesses dos trabalhadores. É
importante começarmos a discutir desde já que irá fazer parte da
Constituinte, ou seja, pessoas que conheçam as raízes do sofrimento e
queiram combatê-lo172.

Reconhecendo a luta de classe, a vereadora ressaltou que a legislação máxima de um


país não deveria ser imposta de cima para baixo e que a participação popular era o único
caminho para redigir uma Constituição de fato democrática e que contemplasse os interesses
do povo. Erundina, dirigindo-se para as mulheres presentes, ressaltou:

170
Excerto retirado do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista (p.1). Documento está contido na pasta
395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
171
Em 13 de março de 1985 formou-se no Congresso uma comissão pluripartidária com o intuito de realizar
reformulações consideradas emergenciais no sistema eleitoral e administrativo brasileiro, para a organização
das eleições constituintes. Desse trabalho resultou a Emenda nº 25 à Constituição, que, entre outras
determinações, estendeu o direito de voto aos analfabetos e reabilitou à legalidade os partidos comunistas
(VERSIANI, 2010, p.240).
172
Excerto retirado do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista (p.1). Documento está contido na pasta
395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
120

A mulher deve se organizar em grupos de mulheres, fazer campanha contra a


carestia, por creches, asfalto, leite etc. Fazer abaixo-assinado, usar ao
máximo os meios de comunicação para divulgar seus problemas e
reivindicações. Nos encontros que temos participado, é necessário passar as
informações para as bases, divulgar ao máximo.

Da mesma forma, ainda de acordo com Erundina, a construção de um projeto político


deveria compreender encontros e troca de experiências. Em se tratando da Constituinte, além
de Erundina, dentre as convidadas, outra personagem merece destaque, pois, mesmo não
sendo integrante do MMA/MRM, foi uma das grandes responsáveis pela articulação desse
movimento com vários outros espalhados por todo o país, trata-se de Irma Passoni173.
Professora, Deputada Estadual e Federal, fundadora do Partido dos Trabalhadores, eleita
como deputada constituinte em 1986, Irma, que tem sua história atrelada às Comunidades
Eclesiais de Base (iniciada enquanto era freira), logo aos movimentos sociais, estabeleceu
uma estreita relação com o MMA/MRM, sendo que para esses eram consideradas como uma
das principais mentoras do movimento da Constituinte.

No segundo semestre de 1985, aconteceu em Bauru o VII Encontro Regional de


Mulheres, que teve como tema “Constituinte – elaboração do documento – Direito que nós
Mulheres Queremos ver Garantidos na Nova Constituição”. Irma Passoni, assessora
convidada, deu início ao evento sublinhando a importância da participação da mulher no
processo da Constituinte: “A constituinte interfere na vida de todas as pessoas. Nós estamos
discutindo um assunto que se refere a 130 (cento e trinta) milhões de pessoas espalhadas pelo
Brasil. Dessas 130 milhões, mais da metade são mulheres”174.

Prosseguindo, Irma deu o tom do discurso que nortearia a atuação do movimento de


mulheres:

173
Irma Rosseto Passoni nasceu em Concórdia (SC), no dia 5 de abril de 1943, filha de Jady Rosseto e de Teresa
Slongo Rosseto. Professora, começou a lecionar em 1964. De origem católica, em 1965 tornou-se freira do
Instituto Beatíssima Virgem Maria, largando o hábito em 1971. Formada em supervisão pedagógica em 1974,
na década de 1970 começou a atuar politicamente, trabalhando na organização de comunidades eclesiais de
base (CEBs). Elegeu-se deputada estadual em São Paulo na legenda do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB). Em 1979 fez parte das articulações para a criação do Partido dos Trabalhadores (PT). No novo
partido, assumiu a Secretaria Geral da comissão diretora regional provisória (1980-1981). Elegeu-se deputada
federal por São Paulo em 1982. Eleita deputada federal constituinte em novembro de 1986. Fonte retirada do
CODOC FGV. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/irma-rosseto-passoni.
174
Excerto retirado do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, referente ao segundo semestre de 1985,
(p.3). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
121

E nós aqui não estamos só para discutir o problema da mulher, estamos para
discutir o problema da nação brasileira que é composta por homens e
mulheres, onde parte é criança, jovens e a outra parte é adulto e muitos são
aqueles que já deram a vida para construir essa pátria (VII Encontro, p.2).
[...] tem cidadão que nasce e não tem como sobreviver porque não tem o que
comer, casa para morar [...] 80% da população, mais ou menos 104 milhões
de pessoas vivem até com um salário mínimo (dados oficiais do governo),
outros tantos milhões vivem sem renda nenhuma. Temos um sistema social
injusto175.

Em sua fala, Irma apontou inúmeros problemas de ordem social, como a concentração
de renda, a pobreza extrema e a impossibilidade do exercício da cidadania pelos menos
favorecidos. Para Irma, todas essas questões eram de ordem estruturais, resultantes das
políticas de governos que privilegiavam a elite em detrimento da classe trabalhadora e que
assim perpetuavam práticas sociais injustas. No tocante às mulheres, Irma concebia que a sua
libertação passava pela superação do Sistema Capitalista, conforme excerto abaixo:

A discriminação feminina tem suas raízes em séculos de dominação e tem


suas matizes variadas, sendo que um dos principais entraves para sua
superação pode ser encontrado nesse mundo alicerçado na propriedade
privada. [...] a libertação da mulher tem um significado preciso: é a
conquista da cidadania plena, o que é impossível de ser alcançado no sistema
capitalista176.

Passoni enxergava na Constituinte a chance de mudar as estruturas do sistema vigente


e que só assim seria possível alcançar a cidadania plena177, que se traduz em liberdade e
igualdade (KARAWEJCZYK, 2013, p.18). Todavia, de acordo com ela, a exemplo do que
pensavam sujeitos e movimentos progressistas, o primeiro passo a ser dado era garantir uma
Constituinte livre e soberana:

No Brasil hoje não é a mudança pela revolução armada, é a mudança pela


Constituição, mas se não tomarmos cuidado essa mudança será contra nós. É
por isso que a CNBB, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a
associação brasileira de imprensa, as centrais sindicais e outras entidades
estão exigindo a seguinte proposta: assembleia nacional constituinte livre e

175
Excerto retirado do relatório do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, ocorrido no ano de 1984
(p.3). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
176
A mulher e a constituinte por Irma Passoni (p.2-3). Brasília, julho de 1986. Documento está contido na pasta
395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
177
Em busca de cidadania as mulheres percorreram um caminho longo, cheio de preconceitos. Uma busca pelo
público e político que até o final do século XIX, e no caso do Brasil início do século XX, era exclusivamente
masculino (KARAWEJCZYK,2013, p.18).
122

soberana, que quer dizer uma assembleia que quem deva falar é o povo, 130
milhões178.

Segundo a deputada, as organizações progressistas compreendiam que uma comissão


constituinte, composta pelos parlamentares, manteria na nova Constituição as velhas práticas.
Nesse sentido, Irma ressalta: “[...] latifundiários, donos de bancos e de indústrias, esses três
grupos, já têm uma caixinha de 40 milhões de cruzeiros para eleger 300 parlamentares para
fazer a nova Constituinte”179. A deputada denuncia os vícios existentes nas instituições de
poder.

Por outro lado, Irma ressaltou que se a Constituinte fosse construída pelas mãos do
povo (por meio de amplos debates, formações, a sociedade civil organizada), o País teria
como principal bandeira a valorização da vida. Todavia, o desejo de Irma não se concretizou.
A despeito da pressão dos movimentos populares, em 27 de novembro de 1985, o Congresso
aprovou a proposta de cunho conservador e que seguia a linha dos militares, para a
convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte no Brasil, sendo aprovada a
Constituinte Congressual. Os Deputados, eleitos em 1986, e os Senadores, eleitos em 1982,
compuseram a Comissão (VERSIANI, 2010).

Todas as contribuições trazidas pelas convidadas durante o 7º Encontro de Mulheres


do Noroeste Paulista fizeram com que esse fosse concebido pelo MRM como um marco na
luta pela Constituição: “Esse encontro foi um marco histórico no nosso movimento, a partir
daí começamos as discussões nas bases sobre a Constituição e Constituinte, divulgando e
aprofundando o nosso documento”180. No documento referenciado constava o seguinte texto:

Reunidas no sétimo encontro regional de mulheres, em Bauru, no dia 20 de


outubro de 1985, nós mulheres de Andradina, Araçatuba, Bauru, Birigui,
Fernandópolis, Lins, Ribeirão Preto, Santo Anastácio, São José do Rio Preto,
São Paulo, Três Lagoas, declaramo-nos em Assembleia Nacional
Constituinte Permanente. Como cidadãs brasileiras, temos o direito de dizer
o que queremos e como deverá ser organizado o poder político no Brasil:
federal, estadual e municipal. Como mulheres, assumimos grande

178
Excerto retirado do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, referente ao segundo semestre de 1985,
(p.5). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
179
Excerto retirado do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, referente ao segundo semestre de 1985,
(p.3). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
180
Excerto retirado do histórico do movimento de mulheres (p.2). Documento encontra-se na caixa 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
123

responsabilidade na construção diária da nação. Por isso, queremos ver


garantidos nossos direitos quanto a: justiça, família, trabalho, propriedade,
previdência etc. Queremos ver garantido na lei a participação e garantia do
povo, porque sabemos e conhecemos qual deve ser a NOVA ORDEM
SOCIAL, ECONÔMICA, POLÍTICA E CULTURAL necessárias para os
130 milhões de brasileiros. Acreditamos que somos uma família de
mulheres, homens, crianças, jovens, idosos, negros e índios. Lutamos no dia
a dia para construir uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana.
Todos nós somos livres, gente, cidadãos capazes de dar gosto à vida e lutar
contra as forças de morte que corrompem e destroem. Somos no mundo uma
pitada de Sal181.

No documento, as mulheres se declaram em Assembleia Nacional Constituinte


Permanente e demonstram entendimento acerca do funcionamento do Estado, das relações de
poderes e da conjuntura política vigente. Do mesmo modo, o documento desvela o alto nível
de amadurecimento no que tange à organização do movimento. O discurso presente na carta
não contempla somente a “mulher”, mas todo o povo, sobretudo no excerto que diz:
“acreditamos que somos uma família de mulheres, homens, crianças, jovens, idosos, negros e
índios”.

No mesmo documento, com o subtítulo de “O que queremos ver na Constituição”,


foram apresentadas as principais agendas discutidas pelos grupos de trabalho durante o sexto
encontro do MRM, sendo essas: saúde, trabalho, educação, propriedade, moradia e família.
Na área da saúde, que recebeu o título de “Saúde pública é um direito de todos”, foram
apresentadas as seguintes reivindicações: atendimento médico e hospitalar gratuito, curso para
gestantes, remédios gratuitos, garantia de alimentação para gestantes e crianças, extensão da
previdência social para o trabalhador rural, medicina preventiva, entre outros. A ideia era criar
um sistema de saúde “socializado”182 no qual fosse garantido atendimento médico e o
fornecimento de remédios gratuitamente à população.

Referente ao tema “trabalho”, que recebeu o título de “Primazia do trabalho sobre o


capital”, foram listadas as seguintes pautas: empregos justos, seguro desemprego, reajuste
salarial, reformulação da CLT, sindicatos livres e autônomos, creches adequadas no local de
trabalho, participação nos lucros, legislação específica para menores e mulheres
trabalhadoras, não discriminação de negros e outras. A equiparação salarial entre homens e
mulheres foi, igualmente, reivindicada.
181
Declaração referente à participação do MRM na Assembleia Nacional Constituinte (p.1). Elaborado durante o
7º Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, em 20 de outubro de 1985, na cidade de Bauru.
182
Na ata do VI Encontro Regional de Mulheres, referente a 14 de abril de 1985, aparece o termo “medicina
socializada” (p.2).
124

Em se tratando de educação, durante a década de 1970, os governos estaduais das


regiões Sul e Sudeste, eleitos enquanto “oposição”183, sinalizaram que estavam dispostos a
reparar os danos/retrocessos causados pelo regime militar:

No período de transição do regime autoritário para o Estado de Direito, que


transcorreu ao longo da década de 80, diversos governos estaduais das
regiões Sudeste e Sul, eleitos por partidos de oposição, nomeadamente o
PMDB e o PDT (1), empenhados em resgatar a dívida pública com as
grandes massas da população impedidas de usufruírem dos benefícios do
desenvolvimento econômico pelo regime militar, incorporaram às políticas
educacionais medidas de reestruturação dos sistemas escolares tendo em
vista a sua redemocratização. (BARRETO; MITRULLIS, 2001, p.111).

Todavia, as mulheres sabiam que o projeto educacional vigente, herdado dos militares,
estava longe de atender a necessidade do povo. A educação não era para todos, não havia
escolas suficientes para atender à população, sobretudo, a população mais carente. Com a
máxima “a educação é um direito para todos”, o grupo de trabalho elencou as seguintes
prioridades: “escola gratuita até o terceiro grau”; creches gratuitas para crianças a partir dos
seis meses de idade; educação integral; salário digno para professor; construção de prédios
adequados; equipe pedagógica multidisciplinar; etc. O MMA e o MRM, do mesmo modo,
compreendiam que uma educação de qualidade deveria partir da realidade dos sujeitos para
assim ser libertadora.

No que tange à moradia, como vimos anteriormente a partir de Oliveira (2016), que os
bairros da periferia de Andradina surgiram em decorrência do êxodo rural, famílias que
moravam no campo foram empurradas para a cidade devido à intensificação da cultura
pecuarista. Na cidade, sem emprego, essas famílias ocuparam as periferias e improvisaram
moradias. Essa era uma realidade comum para os moradores das periferias das cidades do
Noroeste Paulista, nesse sentido, partindo do preceito de que “a moradia é um direito
sagrado”, o MRM pautou as seguintes demandas:

Prestação da casa de acordo com a renda familiar; moradia popular com


condições mínimas de vida humana; urbanização das favelas e posse das

183
De acordo com Versiani (2010), a oposição não era tão oposição assim, tratava-se de uma política conciliária.
Partidos como o PMDB, quando eleito, assumiu uma postura conservadora e isso ficou evidente quando
Sarney, em junho de 1985, enviou ao Congresso a proposta do governo de convocação de uma nova
Assembleia Nacional Constituinte no Brasil. Todavia, a proposta era de cunho conservador e previa seguir a
linha dos militares.
125

terras pelos favelados; mudança do sistema BNH com a participação dos


mutuários nos diversos níveis da administração e decisão184.

O Banco Nacional de Habitação (BNH), citado no documento, foi criado em 1964


como parte do Plano Nacional da Habitação (Lei nº 4.380)185, o qual foi financiado com o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) do trabalhador, como parte de uma
estratégia política dos militares para ganhar o apoio da massa. De acordo com “os mentores
do BNH, o desempenho marcante na produção de casas populares deveria permitir ao regime
militar emergente obter a simpatia de largos setores das massas que constituíram o principal
apoio social do governo populista derrubado em 1964” (AZEVEDO, 1988, p.109). Na prática,
o BNH teria a função de gerir o fundo da habitação, dinamizar a economia, do setor da
construção civil e, principalmente, construir moradia popular. No entanto, a exemplo das
reivindicações que vimos nos documentos do MRM/MMA, o Plano Nacional de Habitação
não atendia a todos. O alto nível de desemprego e o arrocho salarial acabavam por excluir do
programa de habitação o trabalhador de baixa renda, de acordo com Azevedo (1988).

Nesse sentido, o MMA/MRM compreendiam que o caminho possível para que a


população tivesse acesso à moradia seria por via da participação dos mutuários nos diversos
níveis da administração e decisão do BNH.

O direito à terra, outro item pautado no documento da Constituinte, permeou as ações


do IAJES e, consequentemente, do MMA, tendo em vista que os padres ligados ao instituto, o
padre Vanin e, posteriormente, os padres René e João Carlos, atuaram junto aos posseiros da
Fazenda Primavera. Todavia, essa pauta não era exclusiva de Andradina, a luta pelo direito à
terra atravessava a vida de muitas mulheres que integravam o movimento regional.

Com o título “Terra para quem nela trabalha”, o MRM trouxe o tema para o
documento, sublinhando as principais necessidades: “Reforma agrária verdadeira e não PNRA
(Plano Nacional de Reforma Agrária)186; módulo rural máximo de 200 ha; política agrícola
adequada, acompanhada de reforma agrária; incentivo de produção de alimento básico para o
consumo da população”. Ou seja, reivindicava-se um programa de reforma agrária nos moldes
184
Excerto do documento produzido durante o VII Encontro Regional de Mulheres do Noroeste Paulista (p.2).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
185
Informação retirada do Verbete temático. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/banco-nacional-da-habitacao-bnh
186
Plano Nacional de Reforma Agrária lançado pelo governo Sarney (Decreto nº 91.766 de 10 de Outubro de
1985).
126

da agricultura sustentável que, ao mesmo tempo, garantisse o sustento das famílias e a venda
dos excedentes. O governo Sarney, responsável pelo lançamento do PNRA (Decreto nº
91.766, de 10 de Outubro de 1985), não havia avançado, na prática, com programa de reforma
agrária em comparação aos governos militares (DAVID, WANIEZ, BRUSTLEIN, 1997,
p.52)187.

Além dos temas apresentados acima, as mulheres ressaltavam o que esperavam do


processo de reabertura democrática:

Fim da Lei de Segurança Nacional; fim da Lei de greve. Meios de


comunicação como espaço garantido à participação popular. Garantia de
participação popular através de: tribunas livres nas câmaras municipais;
representatividade de sindicatos, grupos organizados, associações, nas
decisões políticas a nível municipal, estadual e federal. Controle popular dos
serviços baseados no dinheiro do povo: IAPAS, FGTS, PIS, PASEP etc.
Reforma tributária a favor do município e do estado, cassação de
parlamentar que não cumprir as promessas feitas. Direito de legislar por
iniciativa do povo com uma certa porcentagem de assinaturas a nível
municipal, estadual e federal188.

O MRM/MMA reclamava um governo aberto para a participação popular que


dialogasse com a sociedade e com suas instituições. Da mesma forma, compreendia que as
últimas deveriam fiscalizar e controlar a atuação do governo em áreas que impactassem a vida
do trabalhador, a exemplo da seguridade social.

Com o documento em mãos, as mulheres do IAJES cobraram apoio dos representantes


políticos e lograram êxito: o documento foi assinado pelos vereadores de Andradina que
anexaram uma moção de apoio às propostas das mulheres andradinenses (COSTA, 2017,
p.104). As lideranças religiosas da região ressaltaram a necessidade da participação popular
na Constituinte, a exemplo do Bispo da Diocese de Lins, D. Walter Bini, que teve sua carta
publicada pelo jornal “A Voz do Povo”:

Caros Diocesanos, o momento histórico que o Brasil atravessa é decisivo


para o futuro. Caminhamos para a escolha dos cidadãos que vão formar a
Assembleia Constituinte que vai elaborar a Nova Constituição Brasileira.

187
O governo Sarney (1985-1990) havia fixado, inicialmente, a meta de dar acesso à propriedade da terra a 1,4
milhão de famílias, mas beneficiou efetivamente apenas 90 mil, menos de 6% do total pretendido (DAVID,
WANIEZ, BRUSTLEIN, 1997, p.52).
188
Excerto do documento produzido durante o VII Encontro Regional de Mulheres o Noroeste Paulista (p.2).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
127

Quero juntar minha palavra de bispo desta Diocese ao apelo que já foi feito
por todos os bispos do Brasil, no mês de abril, para que consigamos a mais
ampla participação popular em uma Assembleia189.

Para o Bispo de Lins, a participação popular resultaria do trabalho de base feito por
movimentos sociais e que algumas estratégias deveriam ser consideradas:

1. Levar a todos os grupos o interesse por debater como será a Ass.


Constituinte; 2. Preparar pessoas que possam ajudar na reflexão. 3. Na falta
de lugares apropriados, ceder espaços de paróquias e Centros comunitários;
4. Iluminar o debate com o Evangelho. Divulgar subsídios que ajudem as
pessoas a compreender e participar190.

As recomendações do Bispo iam ao encontro das práticas do MMA/MRM, que


desenvolveram estratégias voltadas para formação de base. Nesse sentido, “as mulheres
adotaram ações de formação política e de lideranças e buscaram articulações com outras
entidades, melhorando a metodologia de trabalho e a distribuição de tarefas, com objetivos
mais transparentes, partindo das necessidades das mulheres”191.

O MMA, com apoio do IAJES, produziu diversos materiais informativos como


panfletos, cartilhas, cartas, bilhetes, publicações, a exemplo do conteúdo publicado no
Boletim informativo “A Voz do Povo”, com objetivo de informar e conscientizar a população,
sobretudo, as mulheres, acerca da importância da Constituinte, desde a 26ª edição (referente a
janeiro e fevereiro de 1985), em que o jornal traz o tema como destaque:

Você deve ter ouvido falar de CONSTITUINTE, deve ter lido esta palavra
por aí, em comícios e concentrações, deve ter escutado até em novelas... o
que será que está por trás dessa palavra? CONSTITUINTE significa fazer
uma Constituição, que é a Lei Maior de todo o país; significa votar uma
grande Lei, palavra por palavra, e que vai ser a Lei que mandará em todas as

189
Excerto retirado do Boletim Informativo “A Voz do Povo”, set./out. de 1985 (p.1). Disponível no acervo do
Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
190
Excerto retirado do Boletim Informativo “A Voz do Povo”, set./out. de 1985 (p.1). Excerto retirado do
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, set./out. de 1985 (p.1). Disponível no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
191
Excerto retirado do Boletim Informativo “A Voz do Povo” nº 4, maio/set. 1986 (p.2). Disponível no acervo
do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
128

outras leis. Mas para poder votar essa Lei, criar essa Lei, é preciso que sejam
indicadas as pessoas que irão escrevê-la, passando para o papel o que for
necessário para que ela exista192.

Em todas as edições seguintes, a Constituinte foi abordada pelo folhetim. Na 39ª


edição, referente a abril e maio de 1985, “A Voz do Povo” produziu um editorial de três
páginas acerca do tema:

“A Voz do Povo” está chegando novamente até você. E chega em um


momento especial da conjuntura brasileira: os grupos e movimentos
populares se mobilizam para conseguir as 30.000 (trinta mil) assinaturas
necessárias para verem incluídas na nova Constituição suas propostas e
reivindicações. Nesse sentido, três páginas desse número serão dedicadas a
explicar como funciona o mecanismo que permite a participação popular na
Constituinte193.

Com o título “O Povo na Constituinte”, e com o objetivo de informar a iniciativa


popular acerca da Constituinte, o editorial discorreu sobre o regimento interno da ANC e
lançou luz às seguintes temáticas: etapas do processo da Constituinte; quando poderemos
apresentar nossas emendas; estratégia a adotar; como deve ser feita a coleta de assinaturas. O
texto, de autoria Plenária Nacional Pró-Participação Popular na Constituinte, que teve entre
suas editoras Marivalda de Jesus Alves Barreiro (MMA), foi editado pelo CEDI – Centro
Ecumênico de Documentação e Informação. Entre as temáticas, a intitulada “etapas do
processo da Constituinte” demonstrava uma espécie de passo a passo da atuação da ANC:

1ª Etapa: formação de oito Comissões Temáticas (cada uma se subdividindo


em 3 (três) subcomissões) e uma comissão de sistematização. As Comissões
Temáticas terão sessenta dias para apresentar suas propostas. 2ª Etapa: A
Comissão de Sistematização compatibiliza as propostas das Comissões
Temáticas, elaborando então um Projeto de constituição. Ela terá 30 dias
para fazer esse trabalho. 3ª Etapa: O Projeto de Constituição vai a Plenário,
para ser discutido e receber Emendas. Esta etapa dura quarenta e cinco dias,
sendo que as emendas terão que ser apresentadas nos seus trinta primeiros
dias. 4ª Etapa: A comissão de sistematização estuda as emendas
apresentadas, e apresenta um novo Projeto de Constituição, num prazo de

192
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a jan./fev. de 1985 (p.7). Disponível no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
193
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a jan./fev. de 1985 (p.7). Disponível no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
129

vinte e cinco dias. 5ª Etapa: O Projeto de Constituição volta ao Plenário para


discussão e votação em dois turnos. Não há prazo estabelecido para essa
última etapa, salvo no que se refere ao trabalho da Comissão de
sistematização entre os dois turnos (dez dias) e entre o segundo turno e a
votação da redação final (cinco dias)194.

Ainda na mesma edição e página o boletim “A Voz do Povo”, partindo do preceito de


que “as Emendas apresentadas sob a forma de Iniciativas Populares” (assim como as Emendas
em geral dos Constituintes) poderiam ser apresentadas nos trinta primeiros dias da 3ª Etapa,
discorreu sobre as estratégias que deveriam ser adotadas pelos movimentos populares:

1. Já que a etapa está praticamente terminada, é importante, enquanto se


coletam as trinta mil assinaturas para as propostas já enviadas às
Subcomissões, noticiar a mobilização popular e pressionar as Subcomissões
que estão trabalhando com as propostas populares. 2. Uma vez coletadas as
30.000 assinaturas, a proposta poderá ser apresentada à mesa da Assembleia,
nos 30 primeiros dias da 3ª Etapa (ou seja, provavelmente até o dia 15 de
julho), já como “Iniciativa Popular Constituinte” e não mais como uma
simples sugestão às comissões temáticas. Se essa proposta já tiver sido
aproveitada pela Subcomissão e pela Comissão de sistematização, sua
apresentação com 30.000 assinaturas a ajudará a ser aprovada em Plenária.
Se ela não tiver sido aproveitada, será o momento de intensificar as
mobilizações, para que a comissão de sistematização a incorpore na segunda
redação do Projeto de Constituição.

Ou seja, o texto incentivava a mobilização popular por considerá-la importante para


aprovação das emendas populares nas subcomissões. Além dos textos, a linguagem
iconográfica estampava boletins informativos, cadernos e cartas. Em sua 36ª edição, referente
a novembro e dezembro de 1986, “A Voz do Povo” traz uma imagem emblemática sobre o
protagonismo da mulher na Constituinte.

194
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a abr./maio de 1987 (p.5). Disponível no acervo do Centro
de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
130

Figura 7 – As mulheres na Constituinte

Fonte: material iconográfico retirado da sexta edição do Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a
novembro e dezembro de 1986

A imagem, que retrata a marcha de mulheres, traz algumas das reivindicações dos
movimentos de mulheres que iam desde pautas mais gerais até às específicas como a
igualdade de direito da mulher em relação ao homem.
Recurso também utilizado pelas organizações de mulheres, exemplo do material
produzido pela Rede Mulher com a assinatura da Irma Passoni:

Figura 8 – Folhetim produzido pela deputada Irmã Passoni

Fonte: Folhetim produzido pela deputada Irma Passoni, publicado em 6 de março de 1988 (p.1)195.

195
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
131

A imagem com os dizeres “todas as mulheres do Brasil têm direitos”, que estampou a
capa do folhetim informativo produzido em 06 de março de 1988 pela Rede Mulher, e que
trazia informações acerca dos artigos aprovados pela Assembleia Constituinte, exibia um
Brasil construído por mulheres plurais. Os anos 1980 seriam aqueles identificados com a
emergência da categoria “mulheres”, resultado da crítica das feministas negras e do Terceiro
Mundo (PEDRO, 2011). O material iconográfico facilitava, igualmente, a comunicação com
as trabalhadoras não letradas.

Somava-se às ações citadas acima, as formações presenciais promovidas pelos


movimentos de mulheres e outras instituições parceiras:

[...] as mulheres participaram de cursos de formações oferecidos pela Rede


Mulher e receberam orientações que foram partilhadas nos encontros
regionais pelas assessoras que puderam auxiliá-las na compreensão do
processo de construção da Constituição. Assim, puderam conhecer os
princípios constitucionais e concluírem a respeito do assunto. (COSTA,
2017, p.103).

As participantes do curso assumiam posteriormente o papel de multiplicadoras. Da


mesma forma, a organização em rede corroborava para que houvesse um intercâmbio entre o
MMA/MRM e outros movimentos de mulheres, partidos políticos, sindicatos etc.
Representantes dessas instituições eram convidados para discorrerem acerca da Constituinte,
de maneira a contribuir para a formação das presentes:

Não se pode falar na Constituinte sem falar da mulher da classe trabalhadora,


a mulher que vive dupla jornada de trabalho. A situação da mulher não é
ausente da situação do oprimido. A mulher do povo quando entra na
Constituição entra enquanto cidadã brasileira para resolver seus problemas
específicos. Entra para discutir como irá resolver o problema da reforma
agrária, educação, moradia e outros... é preciso que haja na Constituição um
programa específico para a mulher, defendendo a mulher na questão
econômica, política e social196.

196
Excerto retirado do Relatório do 8º Encontro Regional de Mulheres (p.1), realizado em 4 de maio de 1986.
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
132

As falas continham caráter elucidativo e motivacional. Os intercâmbios, do mesmo


modo, corroboram para verticalização de algumas agendas, a exemplo da apresentada pela
convidada Vilma (PCB)197, que reivindica a valorização da mulher negra:

Defendo proposta como mulher e como negra. Nesse momento estamos


buscando a valorização da mulher negra que hoje começa a ter participação
na sociedade, assim como na constituinte. Precisamos nos mobilizar para ver
garantido na Constituinte os direitos das mulheres negras. Somos 44% da
população brasileira. O negro sofre grande discriminação, quando se fala
emprego e desemprego, o mais desqualificado e o mais despreparado é
sempre o negro. Quando se fala na questão feminina a mulher negra sempre
mais tímida tem mais dificuldade de compreensão de seus direitos. [...] o que
queremos é que todos, principalmente a mulher negra tenham essa
compreensão, que não se trata de paternalismo, mas sim para a mudança da
sociedade. Temos que garantir o respeito e igualdade para todas as
mulheres198. (VIII encontro regional de mulheres, p.2).

Vilma ressalta que, por mais que a luta deva ser unificada, era preciso considerar as
especificidades, reconhecer as estruturas que faziam com que as violências e opressões se
manifestassem de maneira mais contundente com determinados grupos de mulheres, a
exemplo das mulheres negras destacadas por Vilma. O posicionamento de Vilma vai ao
encontro do pensamento da intelectual feminista Lélia Gonzalez que, contemporânea de
Vilma, sublinhava que não seria possível responder às questões das mulheres negras e
indígenas da América Latina somente por meio de uma análise de classe e de gênero, era
preciso considerar a abordagem racial igualmente, conforme Alex Ratts e Flávia Rios (2010).
De acordo com esses autores, Lélia Gonzalez evidenciou as diferentes trajetórias e estratégias
de resistências das mulheres negras e defendeu um feminismo afro-latino-americano,
colocando em evidência o legado de luta, a partilha de caminhos de enfrentamento ao racismo
e sexismo já percorridos. Assim, mais do que compartilhar experiências baseadas na
escravidão, racismo e colonialismo, essas mulheres partilham processos de resistências.

Em se tratando de Andradina, Marivalda ressalta que algumas das mulheres negras


que faziam parte do MMA, igualmente, integrava o Movimento Negro da cidade, criado pelo
Padre Edir:

197
No documento aparece somente o primeiro nome e a sigla do partido ao qual ela representa, não estando
indicado informações referentes a cargos e funções e, até mesmo, cidade ou estado.
198
Excerto retirado do 8ºEncontro Regional de Mulheres, (p.1), realizado em 4 de maio de 1986. Documento
encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro.
133

Tínhamos essa preocupação com a mulher negra, com o povo negro na cidade,
organizamos o movimento. Teve momentos que o Movimento Negro em
Andradina, principalmente na semana do 20 de novembro, realizava discussões em
praça pública, envolvendo umas 10 mil pessoas. Cada vez mais trazíamos gente para
participar e ampliar essa discussão.

Caminhando junto ao MMA e ao MRM, diversas organizações, dentre elas Instituto


Administrativo Jesus Bom Pastor – IAJES, Grupo Linense de Educação Popular, Faculdade
de Serviço Social de Lins, Rede Mulher e o próprio CNDM, contribuíam no processo de
formação dessas mulheres, seja por meio do financiamento dos encontros ou até mesmo no
oferecimento de cursos para elaboração de materiais didáticos.

Havia um grande empenho por parte das próprias mulheres que, por vezes, arrumavam
trabalhos extras para garantirem a participação nos eventos:

Lembro que uma vez nós fomos colher algodão na fazenda do Sr. Acássio. O Sr
Acássio era um assentado da Fazenda Primavera, era da linha de frente, ele plantava
algodão e nós combinamos de ir lá... umas dez mulheres, eu estava no meio. Fomos
lá colher algodão pra ganhar um dinheiro. A maioria fez de conta, eu mesmo, só teve
uma que correu o pé no algodão. Aquela lá...Socorro do Santa Cecília. Ela colheu! E
nós passamos o dia lá colhendo algodão, no final ele pesou tudo e nos pagou...
pagou para as mulheres a colheita do algodão, pra gente pode participar do encontro,
né!?199

Outrossim, dialogou-se com outros movimentos e instituições comprometidos com as


pautas do trabalhador, a exemplo da Articulação Nacional dos Movimentos Populares e da
PUC.

Estamos participando da “Articulação Nacional dos Movimentos Populares”


coordenado pela ANAMPOS (Articulação Nacional dos Movimentos Populares e
Sindicais), realizado em setembro de 1987 no Rio de Janeiro. Já realizamos em
março desse ano o encontro de formação para a Coordenação Regional e para os
membros dos grupos de base, foi em Lins, na Faculdade de Serviço Social, com
assessoria da professora da PUC Nobuco Kameyama, ex-diretora da Faculdade e
Serviço Social de Lins. Esse encontro serviu para analisarmos nossa prática, nossa
caminhada, nosso projeto político200.

199
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Belkiss Maria Maciel Kudlavicz, em
Março de 2019.
200
Excerto retirado do documento intitulado de Histórico do Movimento Regional de Mulheres, (p.4).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
134

Entretanto, as articulações não pararam por aí, ações de ordem burocráticas e


formação de comissões representativas ocorriam simultaneamente. Em julho de 1986, com
inciativa da Rede Mulher, mulheres das cidades de Lins, São José do Rio Preto e Andradina
participaram de uma plenária pró-participação popular na Constituinte intitulada de “A
Mulher e a Constituinte”. Antes do início das atividades, com os grupos presentes, foi iniciada
a conversa acerca da formação de uma Comissão de Mulheres do Estado de São Paulo, que
iria compor o Movimento Popular de Mulheres para atuar a nível nacional. A ampliação das
comissões foi outro encaminhamento feito durante o evento. No mês seguinte, as
representantes do MRM participaram na Câmara Municipal de São Paulo de mais um
encontro para definir a Comissão:

[...] Em agosto de 1986 participamos de uma reunião realizada na Câmara


Municipal de São Paulo para dar prosseguimento à formação dessa
Comissão e se pensou que o Encontro Regional de Fernandópolis poderia ser
o momento adequado para se formar a Comissão, visto que várias cidades do
interior estarão presentes e teria mais representatividade201.

No mesmo mês, a CNDM convocou mulheres de todo o país para participarem em


Brasília da elaboração da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes:

Em agosto de 1986, pautado pela ideia de que Constituinte sem mulher fica
pela metade, o CNDM organizou um grande evento no Congresso Nacional.
Para este encontro, centenas de mulheres de todas as regiões do País se
deslocaram até Brasília para – com base nas propostas recebidas
anteriormente e discutidas em plenário – aprovar a Carta das Mulheres
Brasileiras aos Constituintes. (PIMENTA, 2010, p.87).

Voltando ao Noroeste Paulista, como previsto, o nono encontro que ocorreu em


Fernandópolis, na data de 05 de outubro, contando com a presença de cento e cinquenta (150)
mulheres, representantes de dezessete cidades da Região. Durante o evento foi eleita a
comissão que representaria os movimentos populares de mulheres de São Paulo e que seria
responsável pelas seguintes tarefas: elaborar o documento referente à proposta das mulheres
para a Constituição e organizar a caravana que iria para Brasília. Ou seja, a partir de 1986,
representantes dos movimentos de mulheres do Noroeste Paulista passaram a integrar a

201
Excerto retirado do documento intitulado de Histórico do Movimento Regional de Mulheres (p.4).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
135

Comissão Estadual de Mulheres de São Paulo que representaria a região junto ao Movimento
Popular de Mulheres do país.

A formação de comissões estaduais foi outra estratégia adotada pela CNDM, em


parceria com a Rede Mulher e outras organizações, com objetivo de envolver o maior número
possível de mulheres por todo o Brasil na pauta da Constituinte. No total, conforme consta no
documento202, foram eleitas vinte mulheres do interior para integrar a Comissão Estadual de
Mulheres de São Paulo. “As representantes de Andradina na Comissão de Mulheres foram
Marivalda, Edna, Tida, Fátima, Maria Cândida, Cícera e Ruth, sendo que muitas delas tinham
engajamentos nas CEB’s, SAB’s e IAJES” (COSTA, 2017, p.103).

No que concerne ao documento, o objetivo era, junto com outras comissões de


mulheres, de vários estados do Brasil, elaborar e levar aos constituintes eleitos as propostas
dos movimentos populares de mulheres para a Nova Constituição. A ida à Brasília estava
prevista para início de 1987.

As comissões estaduais tornaram viável a coleta de assinaturas necessárias para


aprovação das emendas populares e para o levantamento de informações acerca da
participação da mulher na Constituinte, a serem integradas no dossiê. O dossiê, depois de ser
aprovado pela base do Movimento Popular de Mulher (MPM), seria entregue aos
Constituintes junto com as assinaturas referentes às emendas populares. A ideia do dossiê,
com as pautas que veremos adiante, foi apresentada ao MMA/MRM durante o encontro da
Comissão Estadual, que ocorreu em Bauru em dezembro de 1986. No mesmo encontro, houve
troca de experiência e a análise da caminhada do movimento:

O objetivo do encontro foi a troca de experiência de luta, conhecimento


mútuo, questionamento sobre qual é o nosso objetivo, onde queremos
chegar? Estamos caminhando rumo à libertação da mulher ou estamos sendo
apenas tarefeira? Qual o nosso projeto político? Por que não conseguimos
trazer mais mulheres para a luta?203

Havia por parte do movimento a preocupação em não só desempenhar tarefas, mas em


construir um projeto político que fosse ao encontro dos interesses e das necessidades das
mulheres pertencentes à classe trabalhadora. Outrossim, existiam inquietações com relação às
202
Histórico do Movimento Regional de Mulheres, referente ao ano de 1987.
203
Excerto retirado do histórico do movimento regional referente ao ano de 1987 (p.3). Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
136

estratégias para ampliação da luta, que foram sendo remediadas conforme ia se organizando o
movimento. Durante o 8º Encontro Regional de Mulheres, foi apresentado um plano de ação:

1 – unificação das propostas das mulheres; 2 – exigir mobilização para


defender as propostas que queremos; conhecer todas a propostas que existem
da Constituição; 3 – fazer uma miniconstituinte em cada cidade para as
nossas propostas serem referendadas; 4 – encaminhar para os partidos
políticos as listagem com reivindicação das mulheres; 5 – encaminhar
também para o Plenário Pró-participação popular na Constituinte204.

As mulheres de Andradina, assim como de outros movimentos espalhados pelo País,


concebiam que só uma mulher defenderia os interesses de outra mulher, sendo esses
econômicos, políticos, sociais e culturais. A palavra “machismo”, atrelada à desvalorização e
discriminação da mulher, aparecia constantemente nas atas dos encontros do MMA e do
MRM, sobretudo a partir de 1985; o que leva crer que algumas pautas feministas foram sendo
incorporadas pelo movimento nesse momento. Irma Passoni, em um documento intitulado de
Mulher e a Constituinte, escrito em julho de 1986, denuncia a condição de submissão das
mulheres que aparecem em 80 itens da legislação vigente e que se materializa na sociedade.

Com o auxílio da Rede Mulher, o MRM (sendo as representantes das cidades de


Andradina, de Lins, de São José do Rio Preto) sintetizou em um dossiê com os direitos que as
mulheres queriam que estivessem contemplados na Constituição. O documento, que foi
revisado e passado para uma linguagem jurídica com auxílio de advogados e advogadas que
apoiavam a causa, seria entregue aos constituintes durante o encontro que iria acontecer em
São Paulo, no convento São Francisco205. O evento aconteceu; porém, dos constituintes
convidados, somente Irma Passoni compareceu e a ela foi entregue o documento. Irma, por
sua vez, se comprometeu a encaminhá-lo para Brasília:

O encaminhamento da companheira Irma Passoni será o seguinte:


Desmembrar o conteúdo do documento por temas específicos e encaminhá-
-los às comissões necessárias. Por exemplo: questões referentes à família,
educação, cultura etc., serão encaminhadas às respectivas Comissões e
subcomissões. Empenhar-se em conseguir assinaturas de parlamentares –

204
Excerto retirado do histórico do movimento regional referente ao ano de 1987 (p.3). Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
205
Excerto retirado do histórico do movimento regional referente ao ano de 1987 (p.3). Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
137

mulheres e homens – que se comprometerem a defender as propostas


constantes do documento206.

Outro ponto importante a ressaltar é que foi nesse encontro que se aprofundou a
proposta de se elaborar a emenda popular sobre os Direitos da Mulher e suas diretrizes:

A proposta de emenda, que será redigida em linguagem jurídica, contendo


artigos e parágrafos, será a seguinte: Não haverá nenhuma forma de
discriminação contra a cidadã mulher, afronta ao princípio de igualdade
constituirá crime inafiançável. Nesta proposta constarão questões específicas
da mulher com relação a saúde, violência, família, terra, meios de
comunicação etc. A emenda tem que abordar um único assunto,
independentemente do número de artigos que contenha207.

Em se tratando dos encaminhamentos, uma comissão ficou responsável por entrar em


contato com advogados, com o Conselho Nacional do Direito da Mulher, com a Plenária Pró-
-Participação Popular na Constituinte e com grupos de mulheres de outros estados. Pretendia-
-se, com uma certa urgência, iniciar a coleta das 30 mil assinaturas para cada emenda popular
apresentada.

Como previsto, nos dias 25 e 26 de abril de 1987, a caravana do Movimento Popular


de Mulher, composta por trinta representantes de diversos estados do Brasil (Bahia, Mato
Grosso do Sul, Pernambuco, Pará, São Paulo e outros) se dirigiu à Brasília para o lançamento
da proposta “Direito da Mulher”:

Fomos a Brasília nos dias 25 e 26 de abril para o lançamento, a nível


nacional, da nossa proposta Direitos das Mulheres, nosso movimento
regional mandou treze representantes, tinha doze do estado presente.
Tivemos entrevistas com o Secretário da Comissão de Sistematização, com
as mulheres constituintes”208.

A agenda foi organizada pela Rede Mulher em conjunto com o Instituto Nacional de
Estudos Socioeconômicos. No dia 25, a comissão se reuniu e após a troca de experiência e
análise da caminhada, finalizou e aprovou a emenda. No dia 26 aconteceu o lançamento

206
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a abr./maio de 1987 (p.3).
207
Idem à referência 158.
208
Histórico do Movimento Regional de Mulher de outubro de 1987 (p.3).
138

nacional da emenda do Direito da Mulher na Constituinte, onde estiveram presentes alguns


deputados:

No dia 26 foi o lançamento nacional da nossa emenda e o encontro com os


constituintes: Senador Mário Covas; Marcelo Cordeiro (Secretário da
Comissão de Sistematização); Deputado Bisol (da comissão que trata dos
direitos e garantias individuais) com as mulheres da constituinte.209

O dia 05 de agosto foi a data oficial da entrega de assinaturas referente à emenda


“Direito das Mulheres”, bem como outras demandas dos trabalhadores:

Nosso Movimento Regional de Mulheres se empenhou nesses últimos meses


na coleta de assinaturas da Iniciativa Popular sobre os Direitos da Mulher,
bem como de outras propostas fundamentais para os trabalhadores: Reforma
Agrária, Direitos dos Trabalhadores, Mecanismos de participação popular.
Reforma Urbana, Diretas Já, Saúde, entre outras. No dia 5 de agosto, nove
companheiras, representando o movimento regional, mais 26 companheiras
do Estado de São Paulo, juntamente com outros Estados, Mato Grosso do
Sul, Minas Gerais, Bahia, Pará, foram a Brasília entregar a nossa proposta de
emenda ao projeto de Constituição.210

Anexada à proposta “Direito da Mulher” foram entregues neste dia outras duas:
Mecanismos de Participação Popular com 336.047 assinaturas, e Aposentadoria da Dona de
Casa com 132.528 assinaturas211. Sendo a última, uma espécie de reparação ao trabalho da
mulher não remunerado.

No ato estavam presentes o presidente da Câmara e do Congresso Constituinte, o


deputado Ulysses Guimarães, e a imprensa. A presença do deputado aflorou as contradições,
os diferentes posicionamentos políticos e ideológicos existentes na Comissão de Mulheres do
Movimento Popular. Houve desconforto por parte das representantes do MMA em relação às

209
Histórico do Movimento Regional de Mulher de outubro de 1987 (p.6). Documento contido na pasta 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
210
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a Agosto/Setembro/Outubro de 1987 (p.5). Disponível no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20P
OVO.
211
Boletim “A Voz do Povo”, 41ª edição (p.5). Disponível no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa
Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20P
OVO.
139

manifestações de apoio a Ulysses Guimarães, protagonizadas pelos movimentos de mulheres


de Minas Gerais e da Bahia:

Nesta entrega, percebemos algumas diferenças entre o nosso movimento de


Mulheres e o de outros Estados, como Minas Gerais e Bahia, que levaram a
emenda sobre a Aposentadoria da Dona de Casa; estas mulheres
manifestavam a todo instante o seu apoio (aplausos e palavras de ordem) ao
Governo Sarney, a Ulysses Guimarães, o que não era a nossa posição.
Também nos manifestamos com vaias e gritando Diretas Já. Esse fato
repercutiu na primeira página do jornal Folha de São Paulo do dia 6 de
agosto212.

Embora tenha havido desencontros e desacordos, o Movimento Popular de Mulheres


não perdeu o horizonte da luta:

Faz-se necessário de agora em diante, a mobilização dos movimentos


populares no sentido de acompanhar atentamente as votações na Comissão
de Sistematização e no Plenário e, em massa, pressionar, lutar e exigir que os
direitos dos trabalhadores sejam garantidos em lei.213

Como resultado do empenho de diversas mulheres espalhadas por todo o país, foram
coletadas 42.444 assinaturas referente à proposta da emenda “Direito da Mulher”. Essas
foram encaminhadas à Brasília aos cuidados da Comissão Provisória de Estudos
Constitucionais (CEC)214, responsáveis por elaborar um anteprojeto constitucional
(VERSIANI, 2010). No que concerne ao número de assinaturas, as informações fornecidas
pela Rede Mulher divergiam da apresentada pelo jornal “A Voz do Povo”, a organização
apresentou um número ainda maior de assinaturas:

212
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a Agosto/Setembro/Outubro de 1987 (p.6).
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
213
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a Agosto/Setembro/Outubro de 1987 (p.6).
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
214
A Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (CEC) foi criada por decreto do Presidente José Sarney e
inaugurada em setembro de 1985, em Brasília, atuando também no Rio de Janeiro. Foi composta por juristas
e representantes de diversos setores sociais, com a responsabilidade de elaborar um anteprojeto
constitucional, com base não só nas reivindicações dos setores sociais nela representados, mas, também, com
base nas propostas que lhe eram encaminhadas pela população, por meio de cartas (VERSIANI, 2010, p.239).
140

Figura 9 – Recurso iconográfico apresentado no caderno “Movimento Popular de


Mulheres”

Fonte: produzido pela Rede Mulher na data de 17 de agosto de 1987215

A imagem reflete o resultado da atuação do Movimento Popular de Mulheres em vinte


estados do país e elaborado a partir da tabulação dos dados levantados com a coleta de
assinaturas. São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco foram os estados
que mais acumularam assinaturas. A Rede Mulher contabilizou um total de 43.313
assinaturas.

215
Documento que está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
141

3.5 MMA, MRM E A APROXIMAÇÃO COM A AGENDA FEMINISTA

Em decorrência do processo de formação que compreendia o intercâmbio constante


com outros movimentos de mulheres e feministas, os temas ligados à sexualidade, direito ao
próprio corpo, às desigualdades das mulheres na família, que antes eram pouco ou nada
discutidos, ganharam espaço durante os encontros. No nono encontro de mulheres que
ocorreu em 5 de outubro de 1986, na cidade de Fernandópolis, as convidadas Irma Passoni
(PT), Silvia Pimentel (PMDB) e Isa (PCB) verticalizaram a reflexão acerca do assunto. Silvia
Pimentel216, afirmou, a partir de vários exemplos, que o código penal foi feito por homens e
por isso discriminam as mulheres. Ressalta:

Na parte das sucessões existe discriminação contra a mulher. Exemplos: a


filha pode ser deserdada se ela for considerada “desonesta”, liberdade sexual
da mulher é considerada desonestidade. Anulamento do casamento: o
homem pode anular o casamento se caso ele descobrir, em até dez dias, que
a mulher foi deflorada por outro antes dele217. [...] Isso é uma lei criadas por
homens. Precisamos enxergar a solidariedade dos homens entre si em
relação às safadezas praticadas por alguns deles. Uma lei como essa é
absurdo, significa desrespeito contra a mulher. A mulher tem direito à
privacidade em relação a seu corpo e história pessoal. [...] Não podemos
aceitar que o homem queira ser dono do corpo da mulher218.

O posicionamento de Silvia Pimentel se alinha com o movimento feminista brasileiro,


que desde a década de 1970 vinha denunciando as várias formas de opressões exercidas
contra a mulher e reivindicando o direito de decidir sobre o próprio corpo, conforme sublinha
Scavone (2008):

Corrente do feminismo centrada nas lutas pelos direitos específicos das


mulheres – saúde reprodutiva, sexualidade, educação, trabalho, violência e
política – com base no princípio dos direitos individuais do liberalismo

216
Silvia Pimentel é uma das juristas pioneiras na abordagem feminista na academia brasileira. Em 1978, escreve
o livro “A Evolução dos Direitos da Mulher”, onde analisa a evolução dos direitos femininos no Brasil e
internacionalmente. Sua preocupação é o estudo dos direitos assegurados à mulher no ordenamento jurídico-
-positivo, a verificação da posição da mulher na estrutura social e, ainda, a reflexão sobre os aspectos
axiológicos da igualdade de direitos entre os sexos e a maior ou menor participação da mulher na sociedade.
A discussão desenvolvida pela autora se dá em três vertentes: abordagem jurídico-positiva, sociológica e
axiológica, com poucas referências de autoras externas (CAMPOS; SEVERI 2019, p.7).
217
O parágrafo I do artigo 178 e 219 do Código Civil de 1916, previa que o homem poderia revogar o casamento
caso constatasse, no prazo de até dez dias, que a mulher não era mais virgem.
218
Excerto retirado das páginas 2 e 3 do Relatório do 9º Encontro do Movimento Regional de Mulheres, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
142

democrático. Esta corrente associa os direitos humanos aos direitos sociais,


ao considerar as profundas desigualdades sociais que distanciam o País das
conquistas feministas já alcançadas nos centros hegemônicos de poder e,
portanto, identifica-se com correntes políticas de esquerda. É a corrente
política predominante do feminismo hoje no Brasil e em outros países da
América Latina; diferencia-se das correntes feministas que privilegiam a luta
pela transformação do sistema patriarcal e/ou falocrático, ou ainda daquelas
que priorizam a luta contra heteronormatividade. (SCAVONE, 2008, p.675).

O aborto219 estava incluso nesse último item e aparecia, com uma certa frequência, nas
discussões feitas durante os encontros. Isa220, ao ser questionada por uma das participantes do
encontro se o PCB apoiava o aborto, respondeu: “A mulher rica faz aborto com toda a
segurança. A mulher pobre deve poder recorrer à previdência”. Em seguida, Rosalina Santa
Cruz221 (uma das participantes do encontro), ressalta:

O PT tirou um posicionamento sobre a questão do aborto: não podemos


fechar os olhos sobre o que acontece com a mulher pobre no Brasil. Lutamos
para que a mulher pobre tenha acesso à contracepção e, assim, à informação
sobre o funcionamento do seu próprio corpo, à assistência médica. Desse
jeito a mulher não chega ao aborto. Consideramos o aborto uma violência.
Mesmo assim, algumas vezes, a mulher pobre tem que recorrer ao aborto.
[...] Precisamos ampliar o direito da mulher de ter ou não filhos222.

As convidadas concluem que nas leis, por terem sido escritas por homens, havia
inúmeros mecanismos discriminatórios que corroboravam para naturalizar a subordinação da
mulher e, consequentemente, as violências empregadas contra ela e por isso era
imprescindível o protagonismo da mulher na escrita da Nova Constituição. Reflexões feitas
pelo MMR, MMA e outros movimentos de mulheres espalhados pelo País deram origem ao
documento intitulado de Carta das Mulheres aos Constituintes.

219
Proibição legal inscrita no Código Penal brasileiro de 1940, no qual o aborto é considerado crime, salvo em
risco de vida da mulher e em gravidez decorrente de estupro. É crime raramente punido, tanto para as
mulheres que o realizam como para as parteiras, ou para os médicos que o executam, mesmo com a
ocorrência de morte da gestante. Entretanto, não podemos desconsiderar a força simbólica dessa interdição
penal sobre o imaginário social e subjetivo de quem o pratica, já que há notificações policiais, processos
penais, enfim, todo um aparato criminal disponível em torno do aborto, mesmo que ele não resulte em
condenação (SCAVONE, 2008, p. 675).
220
No documento, Isa é apresentada como representante da convidada Vilma Lúcia do PCB.
221
Formada como Assistente Social, Roselina Santa Cruz é uma Importante intelectual feminista que que teve
um importante papel na reabertura democrática. Rosalina foi uma das intelectuais responsáveis pela formação
do Partido dos Trabalhadores. Informação retirada do CPDOC Getúlio Vergas.
http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista662.pdf
222
Excerto retirado Relatório do 9º Encontro do Movimento Regional de Mulheres (p.3), que está contido na
pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
143

A Carta das Mulheres brasileiras aos Constituintes foi compreendida por autoras como
Silva (2010), como a síntese de um conjunto de reivindicações elaboradas de maneira coletiva
e colaborativa por mulheres de todo o Brasil e de diferentes segmentos sociais, o que foi
possível demonstrar a partir da participação efetiva do MMA na construção do documento.
Para Céli Pinto (2010):

A “Carta das Mulheres”, promovida pelo CNDM, mas de autoria de um


conjunto muito amplo de mulheres chamadas a Brasília, foi o documento
mais completo e abrangente produzido na época, e possivelmente um dos
mais importantes elaborados pelo feminismo brasileiro contemporâneo. Está
dividida em duas partes, a primeira propõe uma agenda que ultrapassa em
muito os limites dos interesses corporativos das mulheres. Isso era
especialmente importante por se tratar de uma intervenção a partir de um
grupo que representava interesses de um movimento social específico. O
documento defendia a justiça social, a criação do Sistema Único de Saúde, o
ensino público e gratuito em todos os níveis, autonomia sindical, reforma
agrária, reforma tributária, negociação da dívida externa, entre outras
propostas. Na segunda parte, o documento detalhava as demandas em
relação aos direitos da mulher no que se referia a trabalho, saúde, direitos de
propriedade, sociedade conjugal, entre outros. (PINTO, 2010, p. 75).

O documento “entregue ao presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado


Ulysses Guimarães, pela presidente do CNDM, Jaqueline Pitanguy, em março de 1987”223, foi
fruto das mobilizações de grupos de mulheres e feministas que ousaram criticar o sistema
patriarcal que as relegava a um lugar social marginalizado de muitos deveres e poucos
direitos. Essas mulheres que, se reconhecendo enquanto sujeitos políticos, lutaram por
autonomia e pelo direito à cidadania plena, trabalharam para fazer ecoar as vozes das
mulheres brasileiras, contemplando as reivindicações da classe trabalhadora.

3.6 ANO 1988 E A RETA FINAL DA CONSTITUINTE

Em 1988, ano em que se daria a promulgação da Constituição, os trabalhos foram


intensificados tanto no âmbito local quanto nacional. Em 6 de maio de 1988, Irma Passoni,
junto à Rede Mulher, por meio de um folhetim, informou aos movimentos de mulheres sobre

223
Fonte do Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/06/lobby-do-batom-marco-
historico-no-combate-a-discriminacoes
144

os encaminhamentos e os artigos aprovados até aquele mês na Plenária Constituinte. Dentre


eles:

“Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, cabendo ao estado


garantir a eficácia dessa condição”. [...] licença remunerada à gestante sem
prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias. A lei
assegurará incentivos específicos para a proteção do mercado de trabalho da
mulher”224.

Além das reivindicações citadas acima, o documento trazia inúmeros excertos de


incisos e artigos, referentes a férias, décimo terceiro, descanso semanal, propriedade rural e
outros, que haviam sido aprovados para serem incorporados à Constituição.

O jornal “A Voz do Povo” por sua vez, na edição referente a janeiro e fevereiro de
1988, denuncia o autoritarismo praticado pelo Presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses
Guimarães:

O gesto mais extravagante e de um autoritarismo extremado ficou por conta


do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulisses
Guimarães, que autorizou a polícia federal a apreender os CARTAZES da
CUT (ver página seguinte), que denunciavam os constituintes que estavam
traindo o povo, alegando que eles estavam constrangidos com suas fotos e
acabariam por votar sob pressão.

Esse ato, de acordo com os editores do jornal, não condizia com o processo
democrático em curso, realizado pela Constituinte.

No parlamento, com a aproximação das últimas votações, Irma Passoni seguia


defendendo os mecanismos de participação popular, por meio da sociedade civil organizada
(associações, sindicatos etc.) na nova Constituição, sem os quais, de acordo com a deputada,
não seria colocado em prática um projeto democrático de fato: “Nada do que está escrito e
será proclamado terá efetivamente força para o povo brasileiro se ele próprio não vier a
conhecer seu conteúdo e não tiver organização na sociedade civil de maneira global”225.
Outrossim, Irma apresenta os avanços nessa direção:

224
Folhetim informativo “Mulher” (p.3). Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
225
Mulheres na Constituinte de 1988. Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Coordenação de
Histórico de Debates Escrevendo a História. Brasília, 2011. Disponível em:
145

Aprovamos aqui, entre outros, instrumentos que garantem a soberania


popular e são a razão específica do poder parlamentar e do poder de uma
Constituição. Foram incluídos na nova Constituição alguns dispositivos
importantes relativos à soberania, tais como: plebiscito, referendum,
iniciativa popular, veto popular e, entre outros, a iniciativa popular de lei,
que considero muito importante, a submissão do orçamento à população, a
cooperação das associações representativas no planejamento municipal e a
submissão das contas do Município, que, segundo o art. 32, durante 60 dias
estarão à disposição do contribuinte.226

Outros itens aprovados foram o mandado de injunção, o mandado de segurança,


impetração do mandado coletivo, ações populares e outros. Esses instrumentos são
considerados imprescindíveis na construção da soberania popular, sem os quais, de acordo
com Irma, todas as leis aprovadas na Assembleia estariam mortas.

Concomitantemente, em Andradina e no Noroeste Paulista seguiam os trabalhos. Após


a eleição do primeiro turno, o MRM se reuniu na cidade de Lins, estando presentes
representantes das cidades de Andradina, São José do Rio Preto, Lins, Fernandópolis, Bauru,
Birigui, Araçatuba, para avaliar a votação do primeiro turno da ANC. Ao término, foi redigida
uma carta e encaminhada aos constituintes, da qual segue abaixo o excerto:

Expressamos aqui o nosso apelo para que os senhores constituintes


assegurem no segundo turno conquistas fundamentais no campo específico
da mulher, como: licença maternidade 120 dias, direitos e deveres referentes
à sociedade conjugal, exercidos igualmente por homens e mulheres; creche
sendo dever do estado. Bem como assegurem direitos mais gerais do
interesse dos trabalhadores, como: direito de greve, aviso prévio
proporcional, 50% a mais na hora extra, licença paternidade de 8 dias;
jornada de trabalho de 6 horas; férias com 1/3 a mais do salário, prazo de
cinco anos para ações trabalhistas, preservação do meio ambiente, garantia
de instrumento de participação popular (mandado de segurança coletivo,
plebiscito) e outros tantos direitos. [...] Reivindicamos ainda, dentro desta
perspectiva de desenvolvimento, que se suprimam do texto constitucional,
neste segundo turno, artigo que trata de forma retrógrada a reforma agrária, o
papel das forças armadas, a situação dos aposentados e a organização
sindical227.

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-
constituicao-de-1988/mulher.
226
Mulheres na Constituinte de 1988. Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Coordenação de
Histórico de Debates Escrevendo a História. Brasília, 2011. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-
constituicao-de-1988/mulher-constituinte/mulher-constituinte-1
227
Excerto retirado do documento intitulado “Carta aos Constituintes” (p.1). Documento encontra-se na caixa
390 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
146

As mulheres finalizam o documento com a afirmação de que estavam acompanhando


de perto a atuação dos constituintes e como esses iriam votar no segundo turno. Ao mesmo
tempo, se disseram solidárias aos parlamentares que, de acordo com elas, defendiam os
interesses dos trabalhadores. Tratava-se de uma estratégia adotada por parte do MMA/MRM,
a partir de uma profunda compreensão acerca do “jogo político”, com objetivo de pressionar
os constituintes para assim ver seus interesses atendidos na “nova ordem” 228 que estava por
vir.

A carta foi respondida por representantes do PTB e do PCB: “Recebemos cartas em


resposta à nossa carta, solicitando o apoio dos partidos em 2º turno da votação da nova
Constituição, em relação ao direito dos trabalhadores e direito das mulheres”229.

Em outra frente, o MRM publicou um manifesto no jornal “A Voz do Povo”, no qual


discorreu sobre os trabalhos que vinham sendo desenvolvidos em prol da democracia e da
conquista dos direitos por parte das mulheres e do povo como um todo. O documento foi
produzido durante o encontro que aconteceu no dia 6 de março de 1988, na cidade de São
José do Rio Preto, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o qual recebeu as
convidadas Clara Charf, Silvia Pimentel e Ana de Bauru. O histórico de luta do movimento e
as conquistas parciais alcançadas na primeira fase da votação, igualmente, foram
contempladas no manifesto:

Nós, mulheres, reunidas em 6 de março de 1988, em São José do Rio Preto,


para a comemoração regional do DIA INTERNACIONAL DA MULHER, e
representando mulheres de LINS, ANDRADINA, BAURU, ARAÇATUBA,
BIRIGUI, SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, FERNANDÓPOLIS, RIBEIRÃO
PRETO, TRÊS LAGOAS (MS), MIRASSOL MACEDÔNIA, SÃO
PAULO, viemos a público manifestar nosso compromisso com a
Democracia, com a liberdade, com a justiça e com a igualdade de direitos
entre homens e mulheres. Nosso Movimento Regional de Mulheres se
empenhou efetivamente na coleta de assinaturas às emendas populares:
DIREITOS DA MULHER, DIREITOS DOS TRABALHADORES,
REFORMA AGRÁRIA, MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO
POPULAR, SAÚDE, DIRETAS JÁ, NAÇÕES INDÍGENAS, ... A classe
trabalhadora e, especialmente, as mulheres, conseguiram importantes
conquistas parciais nesta fase de votação, como por exemplo: direito de
greve, jornada de 44 horas semanais, 50% de remuneração a mais na hora
extra, 33% a mais nas férias, 13º salário aos aposentados, explicitação da
igualdade de direitos entre homens e mulheres, licença gestante de 120 dias,
licença paternidade de 8 dias. Mesmo em relação a esses avanços precisamos

228
O temo “nova ordem”, que aparece no documento, faz alusão às transformações sociais que resultariam da
implementação da “nova Constituição.
229
Excerto retirado do relatório referente à reunião de coordenação de 4 de dezembro de 1988.
147

permanecer alertas, porque em uma 2ª fase de votação estes podem vir a


cair.230

Do mesmo modo, o documento manifestava repúdio ao comportamento dos


parlamentares do “Centrão”:

Viemos a público repudiar o “Centrão” da Constituinte que, formado por


parlamentares eleitos pelo povo, traiu a classe trabalhadora e está tentando
nos tirar os direitos mais legítimos como homens e mulheres, cidadãos
livres. O procedimento destes parlamentares visa o benefício próprio à
concentração cada vez maior das riquezas nas mãos de poucos. Estes
parlamentares querem tumultuar o País, espalhar cada vez mais a miséria, o
desemprego, a fome. Nós mulheres, membros da classe trabalhadora,
queremos neste dia manifestar também nosso repúdio ao Governo Sarney,
que Junto com o “Centrão”, com sua política de arrocho, está levando o País
ao caos, ao controle indiscriminado do FMI231.

O Centrão, na definição da organização de mulheres, era formado por constituintes do


PMDB, PFL, PDS, que por serem latifundiários, empresários, industriais, eram considerados
opressores da classe trabalhadora.

O manifesto, por fim, sublinhava a motivação da luta que compreendia o combate à


corrupção, o fim do autoritarismo e, sobretudo, a igualdade de direitos entre mulheres e
homens. Ao término do encontro, o documento foi lido e assinado por todas as mulheres
presentes232.

3.7 OS DIREITOS CONQUISTADOS

Aprovada em 22 de setembro de 1988 pela Assembleia Nacional e promulgada em 5


de outubro, a Constituição de 1988 trouxe avanços significativos para as mulheres. Oitenta
por cento (80%) das reivindicações feitas pelo “Lobby do Batom” foram transformadas em
direitos constitucionais, afirma Silva (2012), ao analisar o relatório do grupo. As

230
Excerto retirado do Manifesto do Movimento Regional de Mulheres, página 3, redigido no dia 6 de março de
1988, na cidade de São José do Rio Preto. Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
231
Excerto retirado do Manifesto do Movimento Regional de Mulheres, página 3, redigido no dia 6 de março de
1988, na cidade de São José do Rio Preto. Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
232
Relatório da reunião de coordenação do MRM, referente a 9 de abril 1988.
148

reivindicações apresentadas pelo grupo, por meio das emendas constitucionais com as 30 mil
assinaturas, não tratavam somente de temas referentes à mulher, mas, igualmente,
contemplava o interesse do povo de modo geral, como é possível observar no quadro a seguir.

Quadro 2 – Direitos exigidos pelos movimentos de mulheres


Direitos da mulher Direitos gerais
Art. 189. Os beneficiários da distribuição de Art. 5º
imóveis rurais pela reforma agrária receberão
títulos de domínio ou de concessão de uso, XXI – as entidades associativas, quando
inegociáveis pelo prazo de dez anos. Parágrafo expressamente autorizadas, têm legitimidade para
único. O título de domínio e a concessão de uso representar seus filiados judicial ou
serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a extrajudicialmente;
ambos, independentemente do estado civil, nos
termos e condições previstos em lei. LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser
impetrado por: b) organização sindical, entidade de
Art. 201. A previdência social será organizada sob classe ou associação legalmente constituída e em
a forma de regime geral, de caráter contributivo e funcionamento há pelo menos um ano, em defesa
de filiação obrigatória, observados critérios que dos interesses de seus membros ou associados;
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e
atenderá, nos termos da lei, a: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada
II – Proteção à maternidade, especialmente à com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
Gestante. desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o
V – Pensão por morte do segurado, homem ou trabalho.
mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, observado o disposto no § 2º. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios: IV – gratuidade do ensino
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral público em estabelecimentos oficiais;
de previdência social, nos termos da lei,
obedecidas as seguintes condições: Art. 208. O dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de: III – atendimento
I – Trinta e cinco anos de contribuição, se homem, educacional especializado aos portadores de
e trinta anos de contribuição, se mulher; deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino;
II – Sessenta e cinco anos de idade, se homem, e
sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em IV – É livre a manifestação do pensamento, sendo
cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de vedado o anonimato;
ambos os sexos e para os que exerçam suas
atividades em regime de economia familiar, nestes Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se
incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o nas suas relações internacionais pelos seguintes
pescador artesanal. princípios: I – independência nacional;

Art. 226. A família, base da sociedade, tem Art. 8º É livre a associação profissional ou
especial proteção do Estado. sindical, observado o seguinte: (...)

§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é Art. 9º É assegurado o direito de greve,


reconhecida a união estável entre o homem e a competindo aos trabalhadores decidir sobre a
mulher como entidade familiar, devendo a lei oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que
facilitar sua conversão em casamento. devam por meio dele defender. § 1º – A lei
definirá os serviços ou atividades essenciais e
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar disporá sobre o atendimento das necessidades
a comunidade formada por qualquer dos pais e inadiáveis da comunidade. § 2º – Os abusos
seus descendentes. cometidos sujeitam os responsáveis às penas da
lei.
§ 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal são exercidos igualmente pelo homem e Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
149

pela mulher. do povo e essencial à sadia qualidade de vida,


impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
pessoa humana e da paternidade responsável, o e futuras gerações.
planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos Art. 231. São reconhecidos aos índios sua
educacionais e científicos para o exercício desse organização social, costumes, línguas, crenças e
direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte tradições, e os direitos originários sobre as terras
de instituições oficiais ou privadas. que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família seus bens.
na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada
suas relações. pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à da pessoa humana; IV – os valores sociais do
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao político. Parágrafo único. Todo o poder emana do
respeito, à liberdade e à convivência familiar e povo, que o exerce por meio de representantes
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda eleitos ou diretamente, nos termos desta
forma de negligência, discriminação, exploração, Constituição.
violência, crueldade e opressão.

§ 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do


casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.

Fonte: Quadro produzido pela autora a partir de informações de Silva (2010).

Entretanto, vale ressaltar, a exemplo que foi apresentado, o “Lobby do Batom” não
esteve sozinho nessa empreitada, na mesma trincheira estavam o CNDM, organizações como
a Rede Mulher e Mulheres Autônomas, e os movimentos de mulheres e feministas de todo o
País.

Ou seja, os direitos conquistados com a promulgação da Constituição Federal de 1988,


só foi possível graças à luta de diferentes setores da sociedade civil, a exemplo dos
movimentos de mulheres. Esse lançou luz às desigualdades existentes entre homens e
mulheres no exercício da cidadania e reclamou igualdade de direito. As mulheres do MMA e
MRM, vivenciando as tensões e as contradições inerentes aos movimentos sociais, somaram-
-se a outras centenas de mulheres que, espalhadas por todo o País, atuaram de maneira a
intervir nas instituições, nos espaços de poder e assim conquistaram os direitos inéditos num
processo que se traduziu em um marco histórico da redemocratização do País. Uma luta
construída no cotidiano, nos espaços de encontro e formação, nas conversas em casa ou nas
passeatas nas ruas.
150

Não obstante, a atuação das mulheres contemplava agendas que estavam para além da
questão de gênero, seja no Parlamento, nas organizações, nos conselhos, nos movimentos de
bairros, mulheres aguerridas reivindicavam pautas de interesse da classe trabalhadora, pois
concebiam que a opressão contra a mulher se articulava com a luta de classes.

3.8 PÓS-CONSTITUINTE

Com a Constituição Cidadã, a mulher alcançou direitos jurídicos que corroboraram


para exercício pleno da sua cidadania. Igualdade salarial; a não discriminação da mulher;
cento e vinte (120) dias de licença-maternidade sem prejuízo do emprego e do salário, foram
alguns dos inúmeros direitos contemplados. Leis criadas a partir do preceito da igualdade
jurídica de gênero e que garantiam à mulher autonomia em relação aos homens. A Constituição
Cidadã de 1988, “símbolo de um Estado de Direito que realçou valores de justiça, liberdade e
igualdade contra qualquer tipo de discriminação, trouxe para as mulheres o reconhecimento
da igualdade em relação aos homens” (BERNADI; NEVES, 2015, p.167).

Conquista que foi comemorada pelo MMA/MRM, que tinha consciência da relevância
histórica de sua participação, afinal sabia-se que a atuação inédita das mulheres na
Constituinte, seja por meio das organizações/movimentos ou do Parlamento, significou um
grande avanço para as mesmas, bem como para toda a população brasileira. Entretanto, havia
por parte de ambos os movimentos a compreensão acerca da distância entre a promulgação da
lei e a conquista dos direitos de fato:

A Constituição garantiu políticas públicas voltadas para a saúde, moradia e


causas trabalhista. A gente fazia essa discussão para dizer assim, “houve
vitória, pois muitas das nossas lutas e pautas foram inseridas na
Constituição, viraram uma lei maior”, mas também falávamos, “é uma luta
constante para que ampliem mais ainda essas leis, pois se cruzarmos os
braços e esquecer, elas podem cair por terra”. Então, sempre foi dito para os
membros nos grupos que era preciso continuar, que a nossa luta não poderia
parar, pois garantiu-se muita coisa, mas deveríamos continuar inclusive para
garantir mais direitos. E além disso, que os direitos acessados pelo povo,
fossem garantidos e respeitados233.

Compreensão que foi expressa no encontro em comemoração ao Dia Internacional da


Mulher que aconteceu em Fernandópolis, em março de 1989:

233
Excerto retirado da entrevista realizada com Marivalda Barreiros no dia 11 de Junho de 2020, via Google
Meet.
151

Na chegada marcada na praça da Matriz Santa Rita de Cássia, cada cidade


era acolhida pelas mulheres de Fernandópolis, com muito carinho e
animação. Saímos dali e numa caminhada até a O.P.P., levando à frente
faixas e cartazes numa verdadeira manifestação das mulheres com cânticos
que reivindicavam os direitos e a dignidade das mulheres. Não podemos
ficar felizes com essas migalhas e, mais, temos que lutar para que essas
conquistas sejam cumpridas e respeitadas na prática. Como? Em São Paulo
formamos plenarinhos nos bairros, um lugar permanente de debate. [...] hoje
estamos aqui com mulheres de várias cidades dispostas a batalhar, animadas
a conversar, debatem tudo que acontece a nível municipal, estadual e federal.
(DIA INTERNACIONAL DE MULHER,)234.

As representantes das cidades de Andradina, Lins, São José do Rio Preto e outras
localidades, fizeram uma passeata e entoaram cânticos e palavras de ordem que enalteciam a
luta da mulher. Marchar nas ruas com materiais visuais era (e ainda é) uma estratégia do
movimento feminista e da mulher daquele período, tendo em vista que objetivava demonstrar
para a sociedade a condição de submissão da mulher e, ao mesmo tempo, apontar para a
necessidade de mudança (CEREGATTI; LOPEZ; FARIA; MORENO; NOBRE; PROVAZI;
2015, p.61).

Enquanto isso, o MMA seguiu com os trabalhos em torno de temas como creches;
violência contra a mulher; a luta pela terra; liberdade democrática; entre outros. Desse modo,
objetiva-se demonstrar para as autoridades locais a vigilância constante e a capacidade de
mobilização do movimento de mulheres para garantir que a relação de direitos contidos nas
páginas da Constituição fosse, de fato, implementada. As mulheres de Andradina
demostravam disposição para manter e ampliar a participação das mulheres nos espaços de
poder, outrora ocupados somente por homens.

Na prática, os trabalhos realizados pelo MMA no ano seguinte à Constituição não


mudaram muito, as reuniões e os encontros com os movimentos de mulheres seguiam
acontecendo com a mesma periodicidade. Assim como não foram modificadas as agendas. É
possível afirmar, dada as informações elencadas acima, que as mulheres de Andradina
perceberam a distância entre a escrita de uma Constituição e a sua implementação. Do mesmo
modo, é possível concluir que essa compreensão não foi um fator desagregador, tendo em
vista que essas mulheres, não perderam o horizonte da luta por seus direitos.

234
Excerto retirado do documento intitulado de Dia Internacional da Mulher, referente ao de 1989- p.6, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
152

BREVES CONSIDERAÇÕES

Quando iniciei essa pesquisa tencionava responder a questões acerca do MMA, que
me foram suscitadas após a leitura das primeiras fontes, como: as ideologias, os pilares
teóricos, a práxis, as práticas discursivas e as contradições vivenciadas por esse movimento.
Buscava apreender o que fez um grupo de mulheres se organizar enquanto movimento,
quando estavam imersas em um regime no qual os movimentos sociais eram vistos como
inimigos, onde as liberdades de expressões não eram respeitadas e havia um esforço para
manter a classe trabalhadora sob jugo do Estado e da classe dominante. Igualmente, ansiava
apreender como se dava a atuação do movimento, e os limites dessa, dentro da Igreja, uma
instituição naturalmente conservadora e patriarcal. Indagações que nortearam essa pesquisa e
corroboraram para eu não perder de vista aspectos como a dinâmica e a dialética presentes no
MMA; e, ainda, me possibilitaram construir essa narrativa.

A emergência do Movimento de Mulheres de Andradina, a exemplo de outros


movimentos de mulheres e feministas, do Brasil e da América Latina, que constitui uma das
modalidades dos novos movimentos sociais, significou a ruptura com o status quo social
quando ultrapassou o muro de silêncio historicamente construído ao redor das mulheres. Da
mesma forma, o movimento nasceu em resposta a uma conjuntura social, cultural e política e
foi se desenvolvendo de acordo com as estruturas e dinâmicas sociais. O MMA possibilitou a
escrita de uma história regional e de movimentos sociais, atrelada ao cenário nacional e
internacional, especificamente da América Latina, que descortinou aspectos referentes às
práticas e às contradições da sociedade andradinense dos anos 1970 e 1980 e dos sujeitos
sociais que nela atuaram. Trata-se de um movimento que nasce no seio de Igreja progressista,
mas que caminha para além dela, da mesma forma que expande seu território de atuação. A
cidade de Andradina que viu nascer, dentro das Comunidades Eclesiais de Bases, as
Visitadoras, assistiu ao seu desabrochar, o MMA ganhou autonomia e passou a atuar para
além da Igreja e das fronteiras da cidade.

Nesse sentido, analisando a trajetória do movimento é possível identificar três grandes


fases ou etapas vivenciadas pela organização de mulheres, sendo essas: local, regional e
nacional.

A etapa local é referente ao início do movimento, entre 1970 e 1982, quando as


mulheres que o integravam eram chamadas de Visitadoras, nesse momento, os trabalhos
153

desenvolvidos por elas eram de viés assistencialista. O mapeamento, a entrega de cestas


básicas e assistência à saúde eram as atividades mais frequentes. Os lugares de trânsito das
Visitadoras, as redes de sociabilidade, consistiam nas CEB’s e nas SAB’s, sendo o IAJES a
instituição que acolhia o movimento. Nessa etapa, o trabalho desenvolvido pelas mulheres do
IAJES passa a ser financiado pelas agências internacionais.

A etapa regional, que ocorre a partir de 1982, se traduz no momento em que mulheres
de Andradina ampliam sua rede de sociabilidade, quando passam a frequentar o Encontro
Regional de Mulheres e a integrar o MRM. A denominação “Movimento de Mulheres de
Andradina” é fixada nesse momento, tendo em vista que os movimentos que compunham o
MRM eram identificados com o nome de suas respectivas cidades. A atuação política das
mulheres do IAJES se torna mais evidente, assim como a autonomia dessas. Há, nesse
momento, uma aproximação com as militantes e intelectuais feministas, como Irma Passoni e
outras que costumeiramente eram convidadas para participar dos Encontros Regionais
promovidos pelo MRM.

A partir de 1985, com o movimento da Constituinte, que entrou rapidamente nas


agendas dos movimentos sociais do país, tem início o que chamo aqui de “etapa nacional”.
Trata-se do período em que a atuação do MMA extrapola as fronteiras regionais quando esse
se aproxima da Rede Mulher e da CNDM e compõe a Comissão de Mulheres do Estado de
São Paulo e a Comissão Popular de Mulheres (movimento nacional). As viagens a Brasília e a
participação em congressos, reuniões, processos de formação etc., se tornaram bastante
frequentes nesse momento. Outrossim, diante da Constituinte, o movimento feminista e de
mulheres, guardando as especificidades, unificam as pautas que foram representadas no
Parlamento pelo “Lobby do Batom”. No caso do MMA/MRM, Irma Passoni e a Rede
Mulheres corroboraram para que, paulatinamente, as mulheres desses movimentos fossem
tomando consciência da hierarquização do gênero e da condição de submissão da mulher em
relação ao homem.

Terminada a apresentação dessas três fases/etapas, ressalto que essa divisão justifica-
-se como uma escolha por tornar inteligível ao interlocutor os caminhos trilhados pelo MMA
dentro da temporalidade estudada, no entanto, sublinho que essa mesma divisão não abarca a
complexidade inerente ao movimento. Explico: dentro do período que chamei de “etapa
regional”, as Visitadoras estabeleciam redes de sociabilidades, ainda que menos frequentes,
com grupos de fora de Andradina a partir da metade da década de 1970, o IAJES se tornou
154

referência em articulação política e por isso recebia representantes de partidos e organizações


de esquerda. Ademais, a partir de 1978, as Visitadoras se engajaram do Movimento Contra o
Custo de Vida, que teve início em São Paulo, e participaram de encontros e manifestações que
ocorreram na cidade de origem do movimento. Ademais, a partir da década de 1980, as
mulheres de Andradina se aproximaram de partidos políticos, algumas delas concorreram o
cargo de vereadora pelo PT. Ou seja, a divisões por etapa, por si só, não explicam o
desenvolvimento, as camadas do movimento e os caminhos trilhador por ele.

E por falar em caminhar, recorro à reflexão de Fernando Birri sobre a utopia: “A


utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que
serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Referencio o texto
“Utopia” de Fernando Birri, porque falar do MMA para mim significa falar de utopias e de
caminhos. Caminhar caminhos tortuosos, feitos de avanços e retrocessos, de perdas e
conquistas. Diante da desigualdade, materializada nas práticas sociais, que lhes saltavam aos
olhos e mediante a um processo coletivo, as mulheres de Andradina tomaram consciência de
suas identidades enquanto mulheres do povo, da classe trabalhadora e a justiça social se
tornou o horizonte dessas mulheres. Com o amadurecimento veio o questionamento sobre a
condição da mulher. À medida que as mulheres se organizavam eram ampliados os horizontes
de luta.

Falar do MMA é falar de força, de uma força feminina que pulsou resistência e seguiu
os princípios libertários das lutas de povos contra a repressão do Estado e da elite dominante.
É falar da classe explorada que se insurge contra o sistema que a oprime, de um contra-ataque
legítimo às estruturas históricas de dominação e controle que teve como campos de batalha os
cenários mais profundos e ordinários que se encontravam nos terrenos da vida cotidiana. O
verdadeiro processo de transformação aconteceu no interior dos espaços comuns da vida
cotidiana: nos encontros, nas assembleias de bairro, na própria sala de casa. Espaços onde as
mulheres de Andradina conquistaram direitos e ampla participação política.
155

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Autorizo a reprodução deste trabalho.

Dourados, 29 de Setembro de 2020.

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Elenisia Maria de Oliveira

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