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Dourados
2020
ELENISIA MARIA DE OLIVEIRA
Dourados
2020
ELENISIA MARIA DE OLIVEIRA
BANCA EXAMINADORA:
Presidente e orientador:
Linderval Augusto Monteiro (Dr., UFGD)
________________________________________
2º Examinador:
Fernando Perli (Dr., UFGD)
________________________________________
3º Examinador:
Mariana Esteves de Oliveira (Dra., UFMS)
________________________________________
AGRADECIMENTO
Por mais que no mestrado a gente tenha autonomia em relação à nossa pesquisa, não
posso dizer que senti solidão, pois não estive só nesse processo. As palavras de apoio, gestos,
afagos, a compreensão, a presença (mesmo que não físicas) de familiares, amigos e
professores, me permitiram chegar até aqui e por isso, sou imensamente grata a cada um
desses.
Aos amigos, agradeço especialmente Rafaely Zambianco, Mariely Zambianco e Laíssa
Thaila Vicente que me incentivaram e me derem todo apoio emocional necessário para a
construção dessa dissertação. Aos meus professores, agradeço ao meu orientador Linderval
Augusto Monteiro; à Mariana Esteves de Oliveira, que me apresentou o meu objeto de
pesquisa e muitas das fontes que trabalhei; ao professor Rafael Athaídes, um incentivador do
qual as aulas contribuíram para que eu passasse no processo seletivo; ao Fernando Perli, que
de maneira generosa me apontou alguns caminhos; à Maria Celma Borges, uma incentivadora
e grande inspiração para mim; e ao Vitor Wagner de Oliveira, que de maneira generosa, leu
parte do meu texto e contribuiu com indicação de leitura. Agradeço especialmente à minha
coorientadora Claudia Nichnig que incentivou e me deu o suporte teórico necessários nessa
caminhada.
Á família, primeiramente agradeço ao meu pai, Edignaldo Francisco de Oliveira, que
me ensinou desde cedo o valor da educação; à minha mãe, Maria José Lima, que mesmo com
pouca leitura, lia os meus cadernos e me parabenizava pelas páginas preenchidas; a minha
prima/irmã Cristiane Oliveira, por suas palavras de apoio e por estar sempre comigo (mesmo
que a distância); e aos meus irmãos Rita e Edmilson Oliveira que me foram base.
Cheguei à teoria machucada, a dor dentro de
mim era tão intensa que eu não conseguia
continuar vivendo. Cheguei à teoria
desesperada, querendo compreender o que
estava acontecendo, ao redor e dentro de mim.
Mais importante, queria fazer a dor ir embora.
Via na teoria, na época, um local de cura.
(Bell Hooks)
RESUMO
The present work focuses on the trajectory of the Movimento de Mulheres de Andradina
(MMA), which was born in the mid-1970s, on the periphery of the city of Andradina-SP,
together with the development the Base Ecclesial Communities, and developed within the
Institute Administrative Jesus Bom Pastor (IAJES), an organization linked to the Catholic
Church and guided by Liberation Theology.This was at a time when Brazil, an example of
other Latin American countries, found itself under a civil-military regime. The MMA, which
in the first moment develops assistance work, aiming to meet the most immediate needs of the
population, throughout its trajectory, influencing Liberation Theology and contact with other
women's and feminist movements, it was forged in the fight against the exploitation of the
working class and the equal right women compared to men. Furthermore, he acted in the
process of democratic reopening of Brazil and by the Constitution; struggles that resulted,
among other conquests, promulgation of the Citizen Constitution of 1988.
INTRODUÇÃO
[...] O que se procurava impedir era a transição de uma democracia restrita para uma
democracia de participação ampliada, que prometia não uma “democracia populista”
ou uma “democracia de massas” (como muitos apregoam), mas que ameaçava o
início da consolidação de um regime democrático-burguês, no qual vários setores
das classes trabalhadoras (e mesmo de massas sociais mais ou menos
marginalizadas, no campo ou na cidade) contavam com um espaço político próprio.
(FERNANDES, 1980, p.113).
No aspecto externo, o golpe fez parte de um plano mais amplo, “que levou a Guerra
Fria e a doutrina do desenvolvimento com segurança para as periferias do mundo”
(FERNANDES, 1980, p.114). O golpe de 1964, apoiado pelo centro hegemônico do
capitalismo, com intuito de controlar a insurgência do comunismo, buscou silenciar os
trabalhadores e desse modo acabou com a ampliação, mesmo que superficial, de uma espécie
de democracia burguesa. Um advento que só foi possível porque a classe burguesa, por meio
1
A determinação semântica das CEBs, pode-se afirmar que são comunidades pelo fato de reunir pessoas que
comungam a mesma fé [...] estas pessoas se reúnem, normalmente, em pequenos grupos, e de maneira geral
pertencem a uma mesma vizinhança geográfica. São eclesiais porque constituídas de cristãos reunidos em
razão de sua fé e em comunhão com toda a Igreja. É justamente este dado eclesial que confere pertinência e
identidade às pequenas comunidades. São de base porque são integradas por pessoas das camadas populares
(TEIXEIRA, 1988, p. 306)
2
A classe aqui assume o sentido explicitado por Thompson: por classe entendo o fenômeno histórico que unifica
uma série de fenômenos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência
quanto na consciência. Ressalto que é um fenômeno Histórico. Não vejo a classe como uma estrutura nem
como uma categoria, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas
ações humanas (THOMPSON, 2004, p. 9).
13
De acordo com Oliveira (2016), a Teologia da Libertação (TL), embora não sem
reação, se espalhou por toda a América Latina, por meio de uma rede de comunicação que se
14
O IAJES, descrito por Oliveira (2016) como espaço e tempo dessas experiências, a
partir de 1976 se estende para outros bairros de Andradina e unifica o trabalho das paróquias;
o padre Vanin se muda para a igreja matriz da cidade, Igreja Nossa Senhora das Graças.
Nesse momento, graças à elaboração de um projeto que tinha como carro-chefe o trabalho
desenvolvido pelas visitadoras, agências de financiamento e cooperação internacionais4
passaram a colaborar financeiramente com o Instituto. A chegada do Padre Giancarlo Oliveri,
em 1973, contribuiu ainda mais para o amadurecimento da instituição. Da mesma forma, a
organização de mulheres amadureceu ao percorrer novos caminhos e tecer novas teias de
contato. O Movimento Contra o Custo de Vida, que floresceu na periferia de São Paulo, a
3
Todavia, a atuação das mulheres, junto à Igreja e às CEBs, precede o IAJES, como sinaliza Costa(2017, p.2) e
como é possível observar em algumas fontes, como no Caderno Mulher Povo de Julho de 1982: “Através do
trabalho social da Igreja, muitas mulheres se engajaram nas CEB’s e no IAJES, como Visitadoras”.
4
A MISEREOR e ADVENIAT da Alemanha. A MISEREOR, junto com a CEBEMO da Holanda, de acordo
com Costa (2017, p.40), se tornaram parceiras do IAJES.
15
partir da organização de mulheres que integravam o Clube de Mães5, foi incorporado pelas
visitadoras andradinenses, sendo um marco de memória do movimento.
5
O Clube de Mães, que surgiu a partir de uma perspectiva assistencialista de senhoras da classe média do Lions
Clube e acabou sendo o início de um movimento de cunho social, político, religioso e contestatório em relação
à realidade excludente da família dessas mulheres (DINIZ, 2017, p.19).
6
O Partido dos Trabalhadores nasce em 1980, no estado de São Paulo, como resultado da articulação do
movimento operário e sindical, com insurgência do Novo Sindicalismo, conforme Santana (2012, p.782), e
com o apoio dos intelectuais e artistas, com orientação política de esquerda e dos movimentos sociais. O
partido reivindicava mudança da realidade social do trabalhador (do campo e da cidade).
7
Que integravam coletivos feministas organizados de maneira informal, não institucionalizado (ALVAREZ,
2014, p.27).
16
A partir de 1985 até 1988, a Constituinte ocupou um lugar de destaque nas demandas
do MMA. Tratava-se de importante movimento em prol da reabertura democrática e da
conquista de novos direitos, no qual as mulheres tiveram protagonismos e puderam
reivindicar pautas voltadas para o exercício pleno da cidadania, entre elas: a não
discriminação das mulheres e a igualdade de direitos em relação aos homens. As mulheres de
Andradina verticalizaram e ampliaram suas ações políticas, passando a compor a Comissão
Estadual de Mulheres de São Paulo e o Movimento Popular de Mulher que atuava em nível
nacional. Trabalhando em várias frentes, essas mulheres foram responsáveis por coletas de
milhares de assinaturas necessárias para aprovação das Emendas Populares. E esse foi um dos
momentos mais relevantes da história do movimento.
9
Entrevista concedida por Leonardo Boff ao programa Roda Viva. Disponível em:
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/94/entrevistados/leonardo_boff_1997.htm.
10
Termo usado por Meihy (2006) para identificar o historiador que trabalha com História Oral.
11
“Colaborador” é um termo importante na definição do relacionamento entre o entrevistador e o entrevistado.
Sobretudo, é fundamental porque estabelece uma relação de compromisso entre as partes (MEIHY, 2006,
p.124).
18
Nessa concepção, ainda de acordo com Meihy (2006), ao colaborador cabe o poder de veto
acerca do resultado apresentado, enquanto o oralista é colocado na condição de personagem
imerso em um jogo de autoridades.
Partindo desses preceitos, a escolha pela História Oral justifica-se porque compreendi
que esse método/disciplina desvelaria ainda mais aspectos das subjetividades (significados e
valores) presentes no cotidiano das mulheres do MMA. O caminho escolhido para isso, no
que concerne aos ramos que compõem a HO (história oral de vida, história oral temática,
tradição oral, história oral testemunhal), foi a história oral de vida. Nela a narrativa é
organizada a partir da trajetória pessoal das colaboradoras. A entrevista aberta, praticada na
história oral de vida, combinada com alguns estímulos pontuais, conduziu à rememoração e
descortinou aspectos individuais e coletivos acerca das entrevistadas e do contexto/estrutura
social no/a qual elas estão inseridas. Isso porque “a memória é um fenômeno individual, que
ocorre em um meio social dinâmico valendo-se de instrumentos socialmente criados e
compartilhados” (PORTELLI apud MEIHY 1994, p.68). Ou seja, a memória individual,
acessada pela história oral, não está dissociada da memória coletiva e nem da memória social.
É na memória que moram aspectos da identidade, pois é a última que empresta qualidade à
primeira, conforme Meihy (1994).
Sobre as entrevistas, optei por entrevistar três mulheres que aparecem com frequência
nas fontes escritas e que constatei que foram personagens importantes para o Movimento de
Mulheres, sendo: Maria da Silva Prates (a Bel do PT)12, a Assistente Social do IAJES e
articuladora do MMA; Belkiss Maria Maciel Kudlavicz13, também Assistente social do IAJES
e articuladora do movimento de mulheres; e Marivalda de Jesus Alves Barreiro14, Agente de
Saúde do IAJES e articuladora junto às Visitadoras e, posteriormente, ao MMA.
12
Nascida em Lins, filha de camponês pobre, Bel foi a primeira entre os sete irmãos que teve a oportunidade de
estudar. Bel formou-se assistente social na década de 1970 e logo depois de formada assumiu essa função no
IAJES, sendo contratada com o dinheiro oriundo das agências de financiamento internacional, conforme
veremos a seguir. Excerto retirado da entrevista realizada a partir do método da HO em 12 de dezembro de
2018, na cidade de Três Lagoas.
13
Filha de militar, Belkiss nasceu na cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade-MT e mudou-se ainda criança
para Lins onde logo cedo pode integrar o Grupo de Jovens da Igreja e teve a oportunidade de cursar Serviço
Social na Faculdade de Serviço Social de Lins. No Final da década de 1970, Belkiss se mudou para Andradina,
logo depois de formada e passa a atuar no IAJES. Excerto retirado da entrevista realizada a partir do método da
HO em 15 de março de 2019, na cidade de Três Lagoas.
14
Nascida em Ilhéus - Bahia, filha de José Alves dos Santos e Farides Maria de Jesus, Marivalda, a mais velha
de oito irmãos, veio com sua família para São Paulo em busca de uma vida melhor a exemplo de tantos outros
retirantes. Desde de cedo, dividia o tempo entre o trabalho de babá, o cuidados com os irmãos (tarefa que dividia
com a mãe) e participação nos Círculos Bíblicos realizados pelas Comunidade Eclesiais de Base. A mãe de
Marivalda não sabia ler e a levava para as atividades da Igreja para que ela fizesse a leitura da bíblia. Excerto
19
Outrossim, no que tange à escrita, optei por uma narrativa mais inteligível, que não
seja direcionada somente aos meus pares, e por isso considerarei as quatro etapas da
construção do documento indicado por Meihy (2006): transcrição absoluta, que considera os
sons e os vícios de linguagem; transcrição literal, que é passagem para escrita de todas as
palavras da entrevista; textualização, que organiza perguntas e respostas destacando algumas
palavras e frases; e, por fim, a transcrição, que é a forma que o texto é entregue ao público.
Nessa última fase, serão eliminados os vícios de linguagem e as questões levantadas pelo
historiador; o texto será “lapidado” de maneira que se torne de fácil leitura. Por fim, ainda se
tratando da HO, elegi a história oral híbrida por depreender que o cruzamento de fontes
favorecerá a compreensão acerca do contexto social o qual o movimento de mulheres está
inserido.
É por isso e por outras questões elencadas acima, na apresentação do objeto, que a
História Política é um campo presente neste trabalho. Não me refiro aqui à história política
praticada no século XIX, que foi duramente criticada por Marc Bloch (2001) na primeira
metade do século XX e por marxistas mais ortodoxos, mas da recente prática historiográfica
denominada por Rémond (2003) de uma nova história política. Nessa perspectiva o político é
visto como um campo autônomo, o lugar de expressão do social, do econômico e do cultural,
ou seja, trata-se da zona de conexão do corpo social. Há a ampliação do campo de estudo e
dos métodos, agora a história política não está mais ligada essencialmente ao Estado, mas sim
às relações de poder.
De acordo com Pereira (2008), a nova história política refletida por Rémond, em
vários aspectos, se aproxima das abordagens feitas por marxistas não ortodoxos como
Thompson, Poulantzas, Gramsci e outros, devido à problemática como: ampliação na
concepção do papel Estado, considerando a sua complexidade; as relações de poder que
compreende, entre outras questões, a emergência dos movimentos sociais; e sobretudo, “o
retirado da entrevista realizada a partir do método da HO em 11 de junho de 2020, nas cidades de São José do
Rio Preto e São Paulo, via ferramenta Google Meet.
20
CAPÍTULO I
Havia nesse momento, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1960, uma
tendência dentro da Igreja, bem como em outros grupos pertencentes à sociedade civil
(estudantes, artistas, intelectuais etc.), de identificar-se com o “homem/mulher latino/a”, o
terceiro-mundista, conforme Silva (2006, p.17):
Com essa consciência, no final da década de 1960, Gustavo Gutierrez, Juan Luiz
Segundo, Leonardo Boff e outros teólogos, organizaram inúmeros encontros para refletir
acerca de temas como justiça, fé, Evangelho e sociedade, tendo o marxismo como base
analítica. Em Chimbote, no Peru, no ano de 1968 surge o que seria o embrião da Teologia da
Libertação, que se consolidou na Conferência dos Bispos em Medellín – Colômbia, ocorrida
no mesmo ano. Essa nova teologia, de viés progressista por reconhecer a condição histórica
de exploração que a América Latina vinha sendo submetida, reivindicava uma nova forma de
pensar a fé cristã, bem como almejava libertar essa região do imperialismo norte-americano.
22
Outrossim, esta ala da Igreja Católica concebia que, enquanto a sociedade não fosse
justa, não haveria unidade na Igreja, mas, por outro lado, quando a Igreja vai se convertendo à
causa do pobre, ela dá largos passos no caminho da unidade (SILVA, 2006, p.102).
Para além do que foi mencionado, a Teologia dos Pobres se aproxima do marxismo
nos seguintes aspectos:
Esses dois fatores talvez expliquem por que a TL foi aceita pela alta cúpula da Igreja
Católica brasileira. Não somente os religiosos mais à esquerda, mas, igualmente, os
moderados se posicionaram (oficialmente na Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) a
favor da TL. Entre esses estavam os bispos Dom Evaristo Arns, Dom Cláudio Hummes e
Dom Adriano Hipólito. Entretanto, “se o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
dava um imenso prestígio e força à Teologia da Libertação no país, por outro lado tornava o
seu discurso menos radical, e até mais suave, em comparação com outras regiões da América
24
Todavia, esse diálogo não freou os desmandos dos militares, torturas, mortes, prisões,
exílios e censuras continuaram, o que exigiu dos religiosos uma nova postura: “Em 1970,
Dom Hélder Câmara denunciou em Paris a prática de tortura no Brasil, manchando a imagem
do regime e do País no exterior” (SILVA, 2006 p.74). Dessa forma, a Igreja se colocou como
uma frente declarada de oposição ao regime.
Além disso, a instituição denunciava a marginalização dos pobres que havia sido
acentuada com o chamado “milagre econômico”:
15
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Exigências cristãs de uma ordem política, IX, 23,
1977. Disponível em: http://www.CNBB.org.br/documento_geral/LIVRO%2010-EXIGENCIAS.pdf. Acesso
em: 20 jun. 2006?
25
Nesse sentido, a Igreja Católica, assentada na moral cristã oriunda da TL, ecoou as
vozes silenciadas e, somando forças com outras instituições e movimentos, fez ruir as
estruturas do regime militar, abrindo assim caminho para a reabertura democrática.
Entretanto, isso não ocorreu sem oposição.
Manágua, D. Obando y Bravo, que foi visto por parte da esquerda como parte de uma suposta
aliança entre o Vaticano e a Casa Branca para desmobilizar a TL no continente (SILVA,
2006, p.124), se confirmou no decorrer da década de 1980.
Muito antes da fundação de Andradina, a região que ela ocupa hoje já fazia parte de
um projeto integracionista do Estado que objetivava assimilar a província de Mato Grosso ao
restante do País e assim garantir a manutenção dos territórios nacionais, de acordo com
Oliveira (2006). Todavia, essa integração, com a implantação da Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil, “considerada pela elite política brasileira do início do século XX como uma obra
civilizacional capaz de integrar a nação e levar o progresso ao interior do país”,
27
(TRUBILIANO, 2015, p.5), não se deu de forma pacífica. A implementação da NOB (Estrada
de Ferro Noroeste do Brasil) foi denominada por Maria Inês Malta Castro (1993) como
“barbárie progressista”, por significar o extermínio da população indígena e a exploração
perversa dos trabalhadores. O projeto não foi criado somente para tornar viável a agricultura
de exportação, mas para atender a ganância de grupos capitalistas (empreiteiros,
subempreiteiros, engenheiros, agenciadores etc.) que viam na construção da linha férrea um
investimento rentável e muito lucrativo. Tratava-se de um grupo pertencente a uma classe
social abastada com acesso a recursos tecnológicos e financeiros.
Nessa guerra, como em qualquer outra, os grandes perdedores foram aqueles que se
encontraram nas frentes de batalha, nesse caso os nativos e os trabalhadores, que, embora
estando em lados opostos, compartilharam das mesmas mazelas. Os únicos ganhadores foram
os responsáveis pelo empreendimento, que usando o pretexto das circunstâncias não
favoráveis para justificar a péssima qualidade da obra e a superexploração do trabalho,
garantiram os grandes lucros.
16
Financiada pelo Estado.
17
Período que vai de 1937 a 1945, em que foi redigida a Constituição de 1937, e que marca uma fase mais
autoritária do Governo Vargas.
29
àqueles que detêm o capital. A afirmação de Martins vai ao encontro do processo de expansão
que ocorreu na região que compreende Andradina que, iniciado nos primeiros anos do século
XX, foi acentuado com o projeto integracionista de Vargas.
Andradina foi fundada no ano de 1937, mesmo ano da chegada da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil. A NOB fazia parte do projeto desenvolvimentista do então governo
Vargas, inspirado no projeto integracionista18 de outrora, que buscava incorporar a economia
nacional às vastas áreas do interior do país e assim suplantar os limites coloniais. As áreas que
deveriam produzir alimentos e matérias-primas funcionariam também como mercado
consumidor dos produtos industrializados, de maneira a absorver o excesso da população
urbana. Ou seja, tinha a função de sustentar a política de industrialização, conforme autores
como Lenharo (1986), Schallenberger e Schneide (2010).
18
Trata-se de um projeto que buscava reforçar a soberania do Estado Nacional, buscando fortalecer as fronteiras
e integrar o Noroeste ao restante do País (QUEIROZ, 1997, p.177).
19
“Sertão” é uma das categorias mais recorrentes no pensamento social do brasileiro, especialmente no conjunto
de nossa historiografia. Está presente desde o século XVII, nos relatos dos curiosos, cronistas e viajantes que
visitaram o País e o descreveram, assim como, a partir do século XVII, aparece nas primeiras tentativas de
elaboração de uma história do Brasil, como a realizada por frei Vicente do Salvador. No período
compreendido entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, mais precisamente entre
1870 e 1940, o sertão chegou a constituir categoria absolutamente essencial (mesmo quando rejeitada) em
todas as construções historiográficas que tinham como tema básico a nação brasileira (AMADO,1995, p.146).
30
Na bagagem, além da farinha com água que matava a fome e a sede durante a viagem,
os retirantes traziam saudade (da família, dos amigos, do lugar), expectativas e sonhos,
conforme Oliveira (2016). As terras férteis do interior paulista alimentavam a esperança de
dias melhores. O plantar, o colher e o criar logo passaram a fazer parte do cotidiano dos
recém-chegados, era preciso produzir não só para colher o alimento de cada dia, mas
igualmente para garantir a permanência nas terras arrendadas. Roças de milho, feijão,
amendoim etc., somadas à criação de porcos, galinhas e outros víveres, compunham, junto
com os cafezais, a paisagem do Noroeste Paulista naquele momento.
Como não poderia ser diferente, algumas manifestações culturais, sobretudo as ligadas
à religiosidade, como Folia de Reis, a Festa da Bandeira de São Pedro e outras, foram
reproduzidas nesse novo lugar, segundo a autora.
Muitos foram os que migraram para a cidade, como uma forma de acomodação, mas
outros tantos optaram por resistir. Em se tratando de resistência, o caso da Fazenda Primavera,
localizada nos municípios de Andradina, Nova Independência e Castilho, no interior paulista,
é um expoente na luta pelo direito de permanência na terra, reconhecida como marco inicial
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 2016,
p.67).
Uma luta que, tendo início da década de 1960, constituiu-se a partir da organização
dos trabalhadores cientes da exploração a que vinham sendo submetidos enquanto posseiros
(como atraso do pagamento da colheita, agiotagem, alto custo do produto no armazém da
fazenda etc.,) e que decidiram ficar e resistir a mais esse desmando dos ditos “donos da terra”.
Uma luta árdua na qual os camponeses iam se forjando. De maneira astuta, esses descobriram
que a propriedade conferida ao empresário José João Abdalla estranhamente não tinha
31
Nessa doutrina não havia separação entre sociedade e os desígnios divinos, a Igreja
colocava-se a serviço da comunidade. Nesse sentido, “O PPC agrupava as diretrizes
fundamentais da ação pastoral para o desenvolvimento de estratégias de transformação da
Igreja Católica no Brasil” (COSTA, 2017, p.31), numa tentativa de reaproximar a instituição
do seu povo e quebrar com as hierarquias tradicionais.
20
Dom Pedro Paulo Koop, que assumiu a Diocese de Lins em 1964, participou do Concílio Vaticano II e, em
Lins, foi um dos fomentadores e presidente do Instituto Paulista de Promoção Humana (IPPH), da
Comunidade Educacional do Trabalho (CET) e do Instituto Teológico de Lins (ITEL ). Dom Pedro Paulo
Koop que, “por ser holandês, ligou-se de imediato à Conferência Episcopal Holandesa e aos teólogos de seu
país, criando laços de amizade duradoura”. Esses laços, ao que veremos, podem ter facilitado o apoio às ações
do IAJES, em Andradina, pelas agências de cooperação holandesas e alemãs, como a Katholieke Organisatie
33
Os padres, liderados por Vanin, formaram grupos (compostos em sua maioria por
mulheres) e desenvolveram trabalhos sociais com base na educação libertadora22 e, por meio
dela, foram desvelando questões relativas à exploração do homem pelo homem, como:
“descobrem que os pobres aumentam sempre mais, que é necessário achar a raiz do problema,
que o evangelho não é só uma mensagem assistencialista, de piedade, mas de ação
libertadora”23.
ações que viessem a sanar algumas das carências da população mais necessitada, como
emprego e formação. A criação e do Centro Comunitário Jesus Bom Pastor data desse
período, em 1969:
Pretendia-se nele atender os bairros como Campo de Aviação, João Jordão, Vila Bom
Jesus, João Leite (Figueira), Parque Morumbi, Antena e Comercial. A obra foi feita de
maneira coletiva e colaborativa e contou com a participação de membros das comunidades
que frequentavam os círculos bíblicos, conforme Costa (2017). As ações não pararam por aí,
os voluntários, aproximadamente trinta, tocaram as diversas atividades no Centro
Comunitário, dentre elas: cursos profissionalizantes, educação de jovens e adultos e outras.
24
Fontes orais produzidas por meio da entrevista com Maria Prates - Assistente social, integrante do IAJES no
ano de 2018.
35
No caso de Andradina, havia uma política de manutenção de privilégios que, feita por
meio de revezamento no poder, garantia a concentração de latifúndio e de renda nas mãos de
duas famílias: os Moura Andrade e os “turcos”25. Andradina ficou conhecida nacionalmente
como a “Terra do Rei do Gado”26, o latifúndio e a cultura pecuarista determinavam o “modo
de produção” local, não como mero reflexo da infraestrutura econômica da sociedade
andradinense, mas na interação e retroalimentação entre cultura e estruturas econômico-
-sociais. Uma cidade que assistiu à chegada do progresso simbolizado pela implantação da
linha férrea Noroeste Paulista, mas que se manteve conservadora no tocante aos temas sociais,
como por exemplo, a exploração arcaica do trabalho. A tecnologia não era aplicada para
melhoria da qualidade de vida do trabalhador.
25
Apelido atribuído à família Salomão que, de acordo com Oliveira (2016), passou a compor o legislativo e
judiciário a partir de 1952.
27
Paróquia que foi ampliada posteriormente pelo Padre José Vanin e que se tornou a sede do IAJES (COSTA,
2017).
36
Todavia, o padre João Carlos não veio sozinho para Andradina, com ele estava Maria
da Silva Prates, chamada por seus familiares e amigos de Bel, que viria a se tornar uma das
principais articuladoras do IAJES e do Movimento de Mulheres29.
Em 1974, Izabel Prates foi contratada para ser a nova assistente social com
verbas das agências de cooperação internacionais, ADVENIAT e
MISEREOR, e ajudas governamentais, através da Secretaria de Assistência
Social do município. Assim, a organização e dinamização das ações e o
número de pessoas atendidas foram intensificados. (COSTA, 2017, p.46).
Bel, que desde 1968 militava junto à juventude católica, casou-se com o Padre João
Carlos. Ambos moraram com outros padres e suas esposas na Paróquia Nossa Senhora das
Graças, logo após a unificação das paróquias.
A quebra do celibato foi mais um tema que integrou a agenda política dos padres
progressistas (João Carlos, René Parren, Vicente e Vanin), que se casaram com a autorização
do Bispo de Lins, Dom Koop31. Todavia, o casamento não foi muito bem aceito pela
comunidade e, por isso, o Bispo foi convidado para elucidar a situação:
28
Nascido na região de Paiva, na Itália, em 13 de abril de 1940, Giancarlo Oliveri viveu e cresceu na região da
Sicília, onde estudou Teologia e Filosofia, formando-se Padre em 1967. Nos dois anos seguintes, ensinou no
seminário e trabalhou na Pastoral Vocacional e da Juventude até vir para o Brasil, em 1969, para trabalhar
como missionário em Lucélia – SP. Entre 1970-1973 organizou grupos de jovens, círculos bíblicos e
atividades sociopolíticas. De 1973 a 1974 estudou teologia pastoral em Roma. Quando retornou ao Brasil,
tornou-se vigário na Paróquia Nossa Senhora das Graças em Andradina.
29
Por ser a única Assistente Social no primeiro momento do IAJES, era dela que vinha a maior verba que
garantia a manutenção da comunidade Nossa Senhora das Graças, que se formou com a unificação do IAJES.
30
Instituição que tem uma significativa relevância para a história do MMA. A Faculdade de Serviço Social de
Lins (FSSL) é fundada em 1958, por uma confluência de “esforços”:[...] dos esforços e interesse da Legião
Brasileira de Assistência – LBA (que representa o Estado) apoiada pela Igreja Católica e pelo Serviço Social
Rural , que solicitaram à Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado a criação de uma Escola de
Serviço Social no interior do Estado de São Paulo. Esta Congregação já tinha como um de seus objetivos a
formação de assistentes sociais, criando escola de serviço social em todo o País (FERREIRA, 1982, p.15 apud
ROSA, 2016, p.128).
31
Durante sua participação no Concílio Vaticano II, Dom Pedro Paulo ganhou destaque devido à intervenção
que pedia a ordenação de padres casados, para que cumprissem, sob os mandamentos do Evangelho, a
37
Embora tenha gerado alguns desconfortos, o casamento dos padres não interferiu na
realização dos trabalhos desses junto à comunidade, ao contrário, seguiram atuando na Igreja,
nas Comunidades Eclesiais de Base e no IAJES.
Mulheres que ficavam nos bastidores, invisibilizadas, mas que estavam presentes nas
atividades cotidianas da Igreja. Contudo, ainda segundo Rosado-Nunes (2005), isso não
significa que as mulheres são mais religiosas que os homens, mas que os papéis são distintos.
Sobretudo nas religiões judaico-cristãs, os homens elaboram os dogmas, enquanto as
mulheres atuam no “campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da
memória do grupo religioso” (ROSADO-NUNES, 2005, p.363).
No caso de Bel, o salário que recebia pela função de Assistente Social no IAJES era
uma das principais fontes de renda daqueles (os padres, suas esposas) que foram morar na
comunidade Nossa Senhora das Graças, após a unificação do IAJES. Além disso, ela e
posteriormente a Belkiss, desempenhava funções de suma importância para a manutenção da
instituição, dentre elas: acompanhamento das atividades desenvolvidas pelas visitadoras e a
escolha dos agentes de saúde; aulas voltadas para a educação libertadora, elaboração de
material pedagógico; e outras.
E foi com as mulheres que o IAJES desenvolveu um dos seus primeiros e mais
relevantes trabalhos, classificado por Bel como o “carro-chefe” da instituição. O trabalho das
mulheres, no entanto, é anterior à criação do IAJES: “As visitadoras participaram do
desenvolvimento das atividades, inicialmente pelas CEB’s e depois pelo IAJES, atuando na
execução das ações dos projetos realizados junto aos moradores” (COSTA, 2017, p.51). Ou
seja, as mulheres estavam presentes desde os círculos bíblicos e eram reconhecidas pelo
trabalho que desenvolviam: “Vanin relatou que, nos primeiros anos de atuação, a equipe de
trabalho social era coordenada por Matilde, assistente social, e por Elvira, “incansável
secretária”, que trabalhavam na organização social e pastoral das diferentes atividades e
serviços” (COSTA, 2017, p.45).
33
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
34
“As Sociedades Amigos de Bairro podem ser consideradas como movimentos sociais de Ação Localizada (ao
menos inicialmente), que traduzem falência do Estado capitalista em atender à população com infraestrutura
urbana e acesso a lazer e educação nas periferias das cidades. Elas eclodem contra o isolamento social,
econômico, político e cultural que o capitalismo provoca ao inchar as periferias”. (OLIVEIRA, 2016, p.145).
35
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
39
Essas mulheres, que logo ganharam o nome de Visitadoras devido à atividade que
exerciam, percorriam os bairros pobres de Andradina procurando identificar, por meio da
aplicação de questionários e da análise dos mesmos, a condição de vida da população:
“Visitar o bairro e descobrir a necessidade de ir ao encontro dos doentes, dos pobres, das
crianças e tentar alguma coisa para minorar os sofrimentos”36.
Nos primeiros anos do IAJES, o trabalho desenvolvido pelas visitadoras tinha um viés
mais assistencialista, e consistia em mapeamento das famílias mais vulneráveis e entrega de
cestas básicas. No entanto, esse trabalho serviu de base para realização de atividades futuras.
Para planejar qualquer ação seria necessário conhecer objetivamente a situação de cada bairro,
suas necessidades e possibilidades. Através das visitas das mulheres ligadas aos movimentos
pastorais da Igreja Católica de Andradina, foi possível fazer levantamentos das condições dos
moradores e da infraestrutura dos bairros através de questionários que combinavam questões
sobre a religiosidade de cada um e situação profissional (COSTA, 2017).
No ano de 1976, “o IAJES estende-se para a cidade toda. A pastoral da Igreja unifica-
-se em torno da prioridade das CEB’s e da opção popular”37. Fato que acarretou o aumento do
trabalho e demandou uma melhor organização por parte dos membros do instituto.
36
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
37
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
38
Informações retiradas de um questionário de mapeamento que se encontra-se na pasta de mulheres (389), do
acervo do IAJES – do Centro de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
40
39
Questionário de mapeamento que se encontra na pasta de mulheres (389) do acervo do IAJES – do Centro de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
41
Esse trabalho, feito à luz do evangelho, que exigia uma boa capacidade de
comunicação por parte de quem o executava, proporcionava uma aproximação entre essas
mulheres e os moradores. Elas eram, em geral, moradoras dos bairros onde atuavam, em sua
42
práxis, paulatinamente iam tomando consciência das condições de pobreza dos seus visitados,
condições que elas próprias viviam:
E toda essa precariedade não era devido somente ao êxodo rural41, mas era, sobretudo,
resultado da desigualdade social e da ótica mercadológica das cidades até a década de 1980.
40
Projeto de construção do Centro Comunitário Jesus Bom Pastor, 1970, Andradina, p. 1. Projeto de construção
do Centro Comunitário Jesus Bom Pastor, 10 de junho de 1970, Andradina, SP. Encontra-se no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),
campus de Três Lagoas, na caixa 320 do fundo documental João Carlos Oliveri.
41
De fato, a “desnaturalização” da sociedade brasileira, na segunda metade do século XX, foi uma realidade. De
acordo com Luiz César de Queiroz Ribeiro: entre os anos 1940 e os anos 1970 deu-se uma aceleração enorme
e o país saiu de uma distribuição da população em que 60% a 70% morava no campo e chegou à década de 70
em situação exatamente inversa, 70% da população morava na cidade” (RIBEIRO, 2009, p.240 apud
VERSIANI, 2010, p.249).
43
Condição essa que era reconhecida pelas visitadoras na cidade de Andradina, cuja
consciência contribuía para o desenvolvimento das atividades delas. Os trabalhos
desenvolvidos pelas visitadoras colocam o IAJES em evidência e o mesmo passou a receber
visitantes de diferentes lugares do Brasil e do mundo e, conforme Bel:
Como é possível observar no relato de Bel, o IAJES foi aos poucos se configurando
como um espaço de formação, de trocas de experiência, de confluência de ideias, de
alteridade. Ao mesmo tempo, se inseria numa rede de sociabilidade com outras instituições e
organizações nacionais e internacionais. Laços que foram se estreitando ainda mais, quando o
Pe. João Carlos passou a escrever “cartas aos amigos”:
Todas essas experiências foram de suma importância no que tange à ampliação dos
trabalhos das visitadoras: “Devido à evangelização libertadora, elas foram assumindo papéis
semelhantes ao de uma secretaria do governo, do prefeito, ou seja, elas pensavam: se o
42
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
44
prefeito não faz, nós vamos ter que fazer”43. As atividades, que no primeiro momento tinham
um caráter assistencialista, foram sendo aprimoradas pouco a pouco, como o trabalho de
educação popular realizado com algumas categorias como donas de casa, boias-frias,
lavadeiras, bordadeiras, domésticas etc. Educação popular que se traduz no “esforço de
mobilização, organização e capacitação das classes populares para o exercício do poder”
(PELOSO, 2012, p.11).
Entre as mulheres que compunham o grupo estavam: Marivalda, Ana, Chica, Flô,
Cleuza, Toninha, Miquelina, Marisa e outras (COSTA, 2017, p.70). O movimento crescia e se
fortalecia e com ele o IAJES:
43
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
44
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
45
Para Marivalda, a Feira Verde foi também uma estratégia de aproximação empregada
pela Vistiadoras, em parceria com o IAJES, em relação as mulheres dos bairros periféricos:
A Feira Verde nasceu assim, começou com uma discussão sobre como chamar a
dona Maria lá do final da Botega (bairro periférico da cidade), por exemplo, pra ir na
nossa reunião sendo que ela tinha um monte de filhos, então, seria difícil ela ir. Mas,
quando ficamos sabendo que essa dona Maria conhecia, por exemplo, uma erva que
dava pra fazer chá e que tinha inclusive no próprio quintal, partimos daí, a
convidamos para nos ensinar. Conhecíamos várias mulheres que sabiam de planta
medicinais (como a valeriana que serve para acalmar as crianças e a mulher para sua
lida) e sobre a plantação de orgânico dentro do seus próprios quintais.
45
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.8) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro
46
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p. 8) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
46
Eu vejo que isso não é pouca coisa, mulheres semialfabetizada que saiam lá do fim
do bairro e falavam e de suas experiências, não é pouca coisa! Elas traziam
crescimento para a vida delas e para a vida de tantas outras mulheres. Então, era isso
que dava o crescimento e o salto para a participação na política, para uma
participação mais ampla nos vários movimentos. E isso, eu sempre avaliei como
muito positivo. Mulheres que já tinham visão de mudança e de transformação.
A Feira Verde que a priori seria somente um evento de abertura do programa “Saúde
do Povo”, de acordo com Marivalda, tornou-se tradição e acontecia em vários bairros entre os
meses de Março a Maio. Ao término de cada evento as verduras e ervas medicinais eram
distribuídas para as famílias das pessoas que participaram e para a população mais vulnerável
economicamente. Além disso, as hortas eram cultivadas nos terrenos baldios que, por sua vez,
passavam a ter uma função social. As mulheres davam função pública aos espaços que, em
grande parte das vezes, eram privados.
47
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
47
Pauta que havia sido, em anos anteriores, motivo de ampla discussão: “No conselho e
na assembleia do IAJES havia duas correntes: um grupo dizia que esse tipo de serviço deveria
ser pedido ao Estado; o outro afirmava que o povo não faria questão por um serviço que não
estava acostumado”49.
Nos bairros que não havia ambulatório, o IAJES cobrou do poder público a criação de
Postos de Atendimentos Sanitários (PAS), que seriam criados pela prefeitura e geridos pela
população, em territórios que o instituto já atuava, como Cecap, Cohab e Delmond. O PAS
seria coordenado por um agente técnico de saúde, indicado pelo IAJES, que receberia o apoio
de outro técnico da educação popular. Objetivava-se liberar as verbas do IAJES para que esse
ampliasse seu trabalho na região.
Até aqui é possível ressaltar que a atuação do MMA, que primeiro era mais
assistencialista, foi tomando um corpo político. Nas páginas seguintes, veremos que as
visitadoras vão sendo influenciadas por outros movimentos e, aos poucos, vão ganhando
autonomia em relação ao IAJES. Dentre esses, destaco o Movimento do Custo de Vida
(MCV) que floresceu nos primeiros anos da década de 1970, na cidade de São Paulo, e que
chegou em Andradina pelas mãos das visitadoras.
48
Excerto retirado do documento intitulado de “Proposta a respeito do planos e metas do IAJES” (p.4).
Documento contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro.
49
Excerto retirado do documento intitulado de “Proposta a respeito do planos e metas do IAJES” (p.4).
Documento contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro.
48
[...] dos Clubes de Mães, o movimento contra a carestia foi incorporado por
várias organizações de bairros de São Paulo. Nesse mesmo ano, durante uma
assembleia que aconteceu na localidade de origem do movimento,
50
Fala das mulheres integrantes dos clubes de mães (CASTILHO, 2016, p. 258).
49
51
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.5) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
52
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
51
governo de desassistir o povo. Isso explica por que os atos de saques e quebra-quebras
ocorridos em São Paulo naquele período eram endossados e justificados. Para o MCV, imoral
era a fome.
Nós colhemos 1300 assinaturas e aí fomos levar em São Paulo essas assinaturas.
Foram a dona Ivanilda, a dona Valdete (mãe da Chepa, que já faleceu) e eu. Fomos
três bocós lá pra São Paulo. Para um encontro, um ato que iria ter lá na Praça da Sé,
na Igreja da Sé. [...] Nós fomos lá pra dá trabalho para os outros, porque o povo lá
era tudo macaco veio, né!? Tudo com medo do que podia acontecer e ainda tendo
que cuidar de nós, porque fomos em três mulheres. Teve bomba de gás
lacrimogênio, teve dispersão, teve esparramento. Mas foi bonito nós lá. Foi assim,
foi interessante esse tempo.54
O medo da repressão não impediu a ida de Belkiss, Ivanilda e Valdete à São Paulo e
nem tirou a beleza do ato de acordou com Belkiss.
53
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018 em Três Lagoas – MS. Ao fazer o relato, Bel chora como se relacionasse as vivências
de outrora com questões iminentes do tempo presente. Eu havia realizado a entrevista dois meses após a
eleição de Jair Bolsonaro.
54
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), em
Março de 2019 em Três Lagoas – MS.
52
55
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
56
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.7) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
53
57
Este documento encontra-se na no Centro de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro, Seção do
IAJES; pertencente ao curso de História UFMS-CPTL.
58
Este documento encontra-se na no Centro de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro, Seção do
IAJES; pertencente ao curso de História UFMS-CPTL.
54
O ato que, conforme o excerto acima, foi sucesso e mexeu com o cotidiano da cidade,
motivou ainda mais o movimento para a criação de novos eventos e articulações.
O ano de 1981 foi bastante promissor para as Visitadoras. No dia 08 de março, Dia
Internacional da Mulher, aconteceu o Primeiro Encontro das Mulheres de Andradina. Trata-se
do momento em que as mulheres iam tomando consciência da sua força dentro das
organizações, dos movimentos sociais. Nesse mesmo ano, as mulheres foram protagonistas de
vários eventos que ocorreram na cidade:
Assinaturas que eram recolhidas com objetivo de cobrar do poder público ações para
diminuir as filas do INPS, as quais, de acordo com Belkiss, virava quarteirão: “nós tivemos
um trabalho contra as filas do INPS. Filas que viravam quarteirão. E a gente ia lá e pegava
assinatura da população”. Entretanto, ainda conforme Belkiss, as mobilizações eram avaliadas
nos seus percursos e, em algumas vezes, chegava-se a conclusão da sua inviabilidade:
“Depois a gente viu que para acabar com fila era preciso ter um sistema muito fabuloso”61.
As mulheres, igualmente, pressionaram os representantes do poder público. As
moradoras do Pereira Jordão foram à Câmara Municipal com cartazes e faixas e cobraram dos
vereadores solução para a situação precária do sistema de água e esgoto do bairro. O
Movimento foi apoiado por alguns vereadores e rechaçado por outros. Os locutores de rádio
teceram inúmeras críticas aos protestos, sendo que em resposta as mulheres fizeram outra
manifestação, dessa vez na inauguração do bairro Stella Maris, onde também levaram faixas e
59
O Instituto Nacional do Seguro Social, atual Instituto Nacional do Seguro Social.
60
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.8) – julho de 1982. O
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
61
Excerto retirado do trabalho de história oral realizado com Belkiss Maria Maciel Kudlavicz, sendo a entrevista
realizada em Março de 2019, na cidade de Três Lagoas.
55
cartazes. E dois dias depois, com a participação dos integrantes da SAB’s, ocuparam outra vez
a Câmara de Vereadores. Durante o ato, houve inúmeras manifestações:
Todavia, para essas mulheres nem tudo eram flores, elas precisaram lidar com as
contradições da caminhada. Na medida em que crescia o movimento, para algumas delas
também aumentavam as cobranças, as tensões na família:
As tensões se davam pela luta que as mulheres têm que enfrentar todos os
dias, por exemplo, tinha maridos que diziam: você nunca ligou pra lutar pelo
social, pra sair de casa e agora você quer sair pra tudo, né? Vamos parar de
participar desse negócio aí; a sua participação tá incomodando a nossa
família; agora você não cuida mais da gente, só cuida do movimento, né?64
62
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
63
Como mencionado anteriormente, havia nesse momento uma polarização no Vaticano, de um lado os
conservadores, do outro os progressistas.
64
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no dia
12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
56
Vimos até aqui acerca da primeira fase do MMA, quando as mulheres respondiam
pelo nome de visitadoras, que: primeiro, a trajetória do movimento se confunde com a do
IAJES, logo está ligado à Igreja Católica e à Teologia da Libertação; segundo, o trabalho
desenvolvido pelas visitadoras tornou-se o grande responsável, o carro-chefe (nas palavras da
Bel), pela criação e manutenção do IAJES, tendo em vista que foi financiado pelas agências
internacionais; terceiro, o IAJES foi o “espaço tempo” (OLIVEIRA, 2016) da experiência
dessas mulheres, o lugar da formação da identidade delas enquanto mulheres pertencentes à
classe trabalhadora. Nesse sentido, é possível afirmar que havia uma relação retroalimentada
entre o IAJES e o movimento de mulheres, não é possível dissociar uma coisa da outra. As
atividades realizadas pelas visitadoras tornam-se bandeiras das ações de luta que forjam o fazer-
se do movimento de mulheres primeiro em torno da saúde do povo, depois no engajamento de
temas diversos. O viés político, que aparece já na primeira fase do movimento, vai se
tornando cada vez mais evidente, conforme será apresentado nos próximos capítulos.
65
Para Saffioti (2013), a função social da mulher é reduzida ao trabalho doméstico, ao ser cuidadora. A única
responsável pela manutenção da família.
57
CAPÍTULO II
FIRMANDO OS PASSOS
O final da década de 1970 e início dos anos 1980 significou um período de mudança
para a organização de mulheres de Andradina, interior paulista, até então chamadas de
Visitadoras. A ida do Padre Vanin para a Paróquia Nossa Senhora da Graça 66, localizada na
periferia de Andradina, resultou na unificação das três paróquias (São Sebastião, Jesus Bom
Pastor e Nossa Senhora da Graça) e na ampliação dos trabalhos. O IAJES, a partir de 1976 se
estendeu para diversos bairros da cidade, sendo doze no total: Pereira Jordão, Nossa Senhora
das Graças, Rodoviária, Passarelli, Botega, Stella Maris, Vila Mineira, Santa Cecília, Antena,
Jardim Alvorada, São Sebastião e Peliciari, (COSTA, 2017). Nesse momento, agências de
financiamento externo (como ADVENIAT MISEREOR) responderam positivamente aos
projetos, sobretudo aos que eram direcionados à mulher, enviados e investiram no Instituto.
Isso graças também à atuação do profeta João Carlos, um dos grandes intelectuais do IAJES,
que se dedicou ao Movimento de Mulheres. Fatos que somados corroboraram para o
amadurecimento o MMA. Contudo, esse processo se deu também porque as mulheres foram
percorrendo novos caminhos, tecendo novas teias de contato com outros movimentos de
mulheres, feministas e partidos políticos, por exemplo.
66
Nos últimos anos da década de 1970, o Padre Vanin, que foi um dos principais responsáveis pelo IAJES, se
mudou para a Paróquia Nossa Senhora das Graças e formou uma comunidade com outros religiosos que
moravam lá.
67
Sob a influência e pressão dos movimentos feministas, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em
1967, a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. Em 1972, a Assembleia Geral
da ONU proclamou o ano de 1975 como o Ano Internacional das Mulheres, demonstrando preocupação com
as violações dos direitos humanos das mulheres em todo o mundo. A ONU realizou, nesse mesmo ano, na
cidade do México, a I Conferência Mundial das Mulheres, que impulsionou a aprovação, em 1979, pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres − Declaration on the Elimination of Violence violencia-de-genero-1a-reimpressao.indd 18
58
baixos salários, muitas mulheres, sobretudo da classe média, foram para o mercado de
trabalho para complementar a renda familiar, conforme Castilho (2016).
Nessa maré favorável, fruto de muita luta, as visitadoras, no ano de 1982, apoiadas
pelo IAJES e articuladas com outros grupos de mulheres ligados à diocese de Lins – SP,
implementaram o programa “Encontro das Mulheres”, como será apresentado adiante. Muda-
-se aí ou, talvez, ampliam-se as reivindicações que vão da política ao lazer: “08.02. Mais de
cem mulheres do Pereira Jordão reúnem-se para discutir o problema da taxa de água na
presença de jornalista do Jornal da região o Estado de São Paulo”68. No tocante ao lazer:
Trata-se das mesmas mulheres que se reuniam para falar dos problemas por elas
vividos, que faziam mutirão para fortalecer famílias em estado de vulnerabilidade social. Era
do lazer, do riso, do encontro de gerações. O ano era 1982.
09/01/2018 17:22:14 Violência de gênero contra mulheres 19 Against Women (Cedaw),1 dando valor jurídico
à Declaração de 1967 (BARSTED, 2016).
68
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
69
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
59
Todavia, vale ressaltar que esse apoio tinha suas limitações, as pautas estavam ligadas,
geralmente, aos estereótipos femininos, como o cuidado, enquanto questões ligadas ao
comportamento e à autonomia das mulheres em relação ao corpo e à liberdade sexual da
mulher não eram aprofundadas. Essas, a exemplo do que veremos adiante, serão aprofundadas
durante os encontros do Movimento Regional de Mulheres com a presença de algumas
feministas.
70
A política aqui pode ser compreendida como “forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente
ligada ao poder. Ou analogamente, como “conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados”
(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p.953).
71
Fonte produzida por meio da História Oral, entrevista realizada com Maria da Silva Prates em 12 de dezembro
de 2018, em Três Lagoas – MS.
72
Como movimento social assimilo o conceito apresentado por Alberto Melucci (1989): “Eu defino
analiticamente um movimento social como uma forma de ação coletiva: (a) baseada na solidariedade, (b)
60
Estado, sendo esse o responsável por promover o bem-estar social, e por isso organizava-se
em torno das pautas como água, luz, esgoto etc. Segundo Sarti (2004):
A relação estreita com a Igreja não significava ausência de autonomia por parte do
MMA: “Há um momento em que o movimento vai se tornando um pouco mais autônomo,
com agendas próprias”73 e, no decorrer da década de 1980, o MMA se liga a outros
movimentos de mulheres do Brasil e, em uma menor proporção, da América Latina, passando
a integrar em 1982 o Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista. No ano seguinte, a
organização já contava com dez grupos espalhados pela cidade:
Desses dez grupos, constituiu-se uma comissão que se reunia uma vez por mês. Nas
reuniões eram avaliadas as caminhadas e organizadas as diversas lutas. A Marivalda assinou
vários documentos, ela compôs a equipe de coordenação por anos. O crescimento do MMA,
dada a sua característica complexa, demandou um engajamento ainda maior por parte de suas
integrantes. Fazia-se necessário organizar melhor as atividades para que essas se
desenvolvessem de maneira a atender as demandas trazidas pelas representantes de cada
bairro. O maior desafio era fazer isso de maneira coletiva e colaborativa, sem perder de vista
o trabalho de base. A solução para esses e outros problemas elas foram encontrando em suas
desenvolvendo um conflito, (c) rompendo os limites do sistema em que ocorre a ação. Estas dimensões
permitem que os movimentos sociais sejam separados dos outros fenômenos coletivos (delinquência,
reivindicações organizadas, comportamento agregado de massa) que são, com muita frequência,
empiricamente associados com “movimentos” e “protesto”. Além disso, os diferentes tipos de movimentos
podem ser avaliados de acordo com o sistema de referência da ação (MELUCCI, 1989). O que nós
costumeiramente chamamos de movimento social muitas vezes contém uma pluralidade destes elementos e
devemos ser capazes de distingui-los se quisermos entender o resultado de uma dada ação coletiva”
(MELUCCI, 1989, p.57).
73
Fonte produzida por meio da História Oral, entrevista realizada com Maria da Silva Prates em 12 de dezembro
de 2018, em Três Lagoas – MS.
74
Relatório do encontro do Movimento de Mulheres de Andradina, referente ao primeiro e segundo semestres de
1985, que se encontra na caixa de número 391 no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro no acervo do IAJES.
61
práxis em várias frentes de lutas, considerando que muitas das integrantes do movimento
também participavam de outras organizações, as SAB’s e CEB’s. Os encontros regionais,
igualmente, foram determinantes nesse processo.
Ainda de acordo com Marivalda, a formação não se encerrava por aí, aos participantes,
cabiam a tarefa do multiplica o que havia sido aprendido:
Depois, cada associação de moradores fazia sua discussão em cada bairro, sendo
que, era uma média de 10 bairros, cada uma com um grupo desse organizado e
chamando o povo desse bairro para fazer essa discussão do orçamento participativo,
de como gastar o dinheiro que entra na prefeitura para mudar a realidade do bairro.
E tudo era anotado, por exemplo, sobre o que o morador do bairro da Vila Mineira,
que é um bairro grande de Andradina, pensava como o prefeito deveria usar o
dinheiro público para ter melhorias no seu bairro. Imagine o povo de um bairro bem
pobre dizer, por exemplo, que poderia usar para ter um posto de saúde, ou para ter
saneamento básico, para não ficar correndo esgoto a céu aberto, para ter escola
infantil e mais próxima de suas casas77.
75
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.7), edição 31, set./out. de 1985. Encontrado no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVOFormatado: Fonte: (Padrão) Times New Roman.
76
Excerto retirado da entrevista realizada com Marivalda de Jesus Barreiro, via google meet, a partir de método
da HO. São Paulo/SP – São José do Rio Preto/SP, 11 de junho de 2020.
77
Excerto retirado da entrevista realizada com Marivalda de Jesus Barreiro, via google meet, a partir de método
da HO. São Paulo/SP – São José do Rio Preto/SP, 11 de junho de 2020.
63
Um, com perguntas, respondido por pessoas que participam de alguma das
formas de organização existente: SAB’s, grupo de mulheres, CEB’s, grupo
de bordadeiras; um, com 21 perguntas, respondido pelas pessoas atendidas
por ambulatórios do IAJES, aplicado de casa em casa. Aos jovens foi
aplicado um questionário com 46 perguntas. Pela importância da folha de
pagamento na despesa da prefeitura, um dos questionários foi específico para
os funcionários. Os sem-terra, boias-frias, acampados, ou seja, os
trabalhadores rurais, responderam a um questionário próprio80.
78
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.7), edição 31, set./out. de 1985. Encontrado no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVOFormatado: Fonte: (Padrão) Times New Roman.
79
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 23, edição Março de 1984. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
80
Idem à referência 69.
64
entregue ao prefeito. Esse, por sua vez, se esquivou afirmando que estava recebendo o
documento tarde demais81.
81
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1) número de exemplar 31, edição Março de 1985. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
82
Uma curiosidade é que o nome de Irma Passoni consta rabisco por caneta, todavia não encontrei em nenhum
outro documento algo que possa explicar a razão disso. Da mesma forma, não é possível precisar quando foi
feito o rabisco.
83
Excerto retirado do documento intitulado de “Relatório Movimento de Mulheres”, 1º e 2º semestre de 1985.
65
Ou seja, o programa de saúde tinha para o IAJES uma função social ao mesmo tempo
que política. Por meio dessas conquistas, o povo ia reconhecendo os seus direitos. Nesse
projeto as mulheres do MMA desempenham papéis relevantes, como o acompanhamento dos
agentes de saúde e parte da formação desses no que tange ao sentido de uma educação
libertadora:
84
Informação retirada do documento intitulado de relatório do primeiro e segundo semestres de 1985, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
85
Informação retirada do documento intitulado de relatório do primeiro e segundo semestres de 1985, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
86
Excerto retirado do documento intitulado de Relatório do Movimento de Mulheres, primeiro e segundo
semestres de 1985, que está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
87
“As feministas autônomas” lançaram uma crítica feroz contra as ativistas a quem elas, pejorativamente,
etiquetavam de “institucionais” por terem, de forma ostensiva, “traído o feminismo” e “se vendido” às forças
nefastas do “patriarcado neoliberal global” (ALVAREZ, 2014, p.27).
66
Esse direcionamento que nos ensina Cintia Sarti faz com que temáticas como a fome,
as doenças, a violência doméstica e os direitos reprodutivos, fossem incluídas nessa agenda e
isso trouxe impacto para a área médica (SARTI, 2004). A reflexão se voltou para a concepção
sobre o uso social do corpo da mulher e a medicina direcionada a ela. Durante a Conferência
Nacional de Saúde e Direito da Mulher, realizada de 10 a 13 de outubro de 1986 em Brasília,
temas como aborto; saúde mental da mulher; mulher, saúde e cidadania; mulher, trabalho e
saúde; sexualidade feminina; entre tantos outros, foram destaques durante o encontro88. Como
já mencionado anteriormente, os temas ligados ao corpo e à sexualidade da mulher
apareceram com maior frequência a partir do processo da Constituinte.
Por fim, nesse item que denomino de “firmando os passos”, vimos que o trabalho
desenvolvido pelas Visitadoras corroborou para o crescimento do IAJES, considerando que
passou a ser financiado pelas agências financiadoras internacionais, e à medida que o instituto
crescia, o movimento, igualmente, se desenvolvia e firmava identidade enquanto Movimento
de Mulheres de Andradina (MMA). Do mesmo modo, alcançava outros lugares e encontrava
novas formas de fazer político.
A década de 1980, que traz consigo a luta pela reabertura democrática, essa como
pauta unificadora, considerando a Igreja como uma instituição de convergência, aproxima o
MMA de outras organizações políticas, a exemplo de partidos. Fato que conduz a organização
de mulheres para um outro lugar. Em um mover-se constante, as mulheres de Andradina
foram se organizando e atuando cada vez mais politicamente, passando, algumas delas, a
integrar partidos políticos surgidos no contexto das lutas do novo sindicalismo do final da
década de 1970 e início da de 1980.
Não muito diferente do que é hoje, a atividade doméstica e a dupla jornada de trabalho
afastaram por muito tempo as mulheres da vida pública, gerando um padrão diferenciado de
socialização e uma ausência dessas nos espaços de poder. No que tange às instituições e à
representação política, o discurso liberal vigente afirmava que a mulher já era representada,
88
Informações retiradas do relatório referente à Conferencia Nacional de Saúde e Direito da Mulher, realizada de
10 a 13 de outubro de 1986 em Brasília. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
67
pois havia conquistado o direito ao voto. Entretanto, o sufrágio, que no primeiro momento
parecia ser a solução no tocante à igualdade de direitos entre homens e mulheres, demonstrava
insuficiência, considerando que eram os homens que pensavam e criavam políticas públicas
para as mulheres.
As previsões dos liberais que afirmavam em suas teorias democráticas que o sufrágio
universal seria suficiente para resolver a questão referente à inclusão das minorias, não se
concretizaram na prática (MATOS, 2011). As mulheres, devido à sub-representação,
seguiram sofrendo com as desigualdades sociais e materiais. A tomada de consciência dessa
condição levou as mulheres a buscarem espaços no parlamento, com o intuito de construir um
processo democrático emancipatório que resultasse em justiça social. Trata-se de um
contraponto às teorias políticas hegemônicas que corroboram para invisibilização e
silenciamento da mulher. Para Pinto (2010, p.10), a partir de 1932, a mulher começou a
aparecer na ordem da dominação, do mundo público, como uma persona que deveria ser
controlada. A ela foram atribuídos lugares permitidos e lugares proibidos.
O caminho trilhado para alcançar a esfera institucional foi a filiação a partidos que
naquele momento absorviam essas demandas, como o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) e especialmente o Partido dos Trabalhadores (PT). Para Alvarez (2014), o
PT foi um dos grandes apoiadores dos movimentos de mulheres e feministas nos anos 1980:
No Brasil, outro ator fundamental no campo feminista nos anos 1980 e 1990,
mas raramente reconhecido enquanto tal e situado claramente ‘para além da
sociedade civil’, foi o Partido dos Trabalhadores e, com ele, os movimentos
populares que então constituíam a sua base, impulsionaram a ampliação e
pluralização do campo feminista. Assim estimularam, mesmo que às vezes
inadvertidamente, a proliferação de feminismos “no plural” entre mulheres
populares, sindicalistas e militantes do movimento estudantil, por exemplo.
(ALVAREZ, 2014, p.25).
68
Entretanto, essa adesão partidária não foi recebida com bons olhos por todas as
integrantes do movimento, para Belkiss essa atitude se mostrava como precipitada: “na época
eu mesma não fui muito a favor disso não. Eu entrei no PT quando ele surgiu, mas não era
muito a favor de descambar. Achava que era cedo para o povo ir assim... pois talvez poderia
atrapalhar”90. Para Belkiss, a partidarização do movimento poderia vir a tirar o foco do grupo
e corrobora para a fragilização do mesmo.
89
Excerto do texto do trabalho/entrevista de História Oral realizada com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no
dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
90
Excerto do texto do trabalho/entrevista de História Oral realizada com Belkiss Maria Maciel Kudlavicz em
Março de 2019, em Três Lagoas – MS.
69
ela é vista como massa de manobra”91. No sentido da fala de Janeth, Maria José também
discorreu sobre o tema:
Outra questão que também fica evidenciada na fala de Maria José é que a mulher que
subvertia a ordem hegemônica, dada como natural, tinha que aprender a lidar com a
desaprovação de homens e até mesmo de mulheres, dentro e fora do seio familiar.
91
Excerto retirado do relatório do V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, ocorrido no ano de 1984 (p.4).
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
92
Relato de Maria José, de São José do Rio Preto, candidata a vereadora pelo PMDB. Excerto contido no
relatório do V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, ocorrido no ano de 1984 (p.5).
70
Nesse sentido, Matos (2011) afirma que sujeito político, historicamente, é sinônimo de
“homem egoísta”, “agressivo”, enquanto que a mulher é descrita como doce, sensível,
conciliadora, cuidadora; logo, não serve para a vida política. Um construto que, refletido
também na questão material, legitimou a marginalização, os baixos salários e a
superexploração do trabalho da mulher (com a intensificação do trabalho e o aumento da
jornada) que a mantém subordinada economicamente e que garante os lucros dos capitalistas.
Isso sem mencionar o trabalho doméstico não remunerado que, de acordo com a autora Soraia
Carolina de Mello, está atrelado à hierarquização dos gêneros, com as funções sociais
atribuídas às mulheres e dicotomia do público ou do privado. Ao trabalho doméstico não é
atribuído um valor econômico, mesmo esse sendo essencial para manutenção do sistema
(MELLO, 2019, p.76).
Os relatos pessoais feitos por Janeth e Maria José, acerca das dificuldades enfrentadas
por elas no campo da política, são retratos da opressão sofrida pela mulher quando essa busca
romper com o lugar de subalternidade que lhe é imposto no seio de uma sociedade patriarcal.
Retratos que, ao serem reconhecidos, provocam um clamor por mudanças, como é possível
observar na fala de Janete: “Temos que desmistificar a ideia que a mulher não é capaz de
mudar essa concepção machista de que lugar de mulher é na cozinha. Então temos que educar
a menina de forma que ela perceba que é capaz de alguma coisa”94.
93
A partir de autoras como Matos (2011) e Saffioti (2013), o patriarcado pode ser apreentendido como um
sistema contínuo de dominação masculina, ainda predomina nas estruturas estatais, mantendo por vezes
intactas as formas de divisão sexual do trabalho e perpetuando, por exemplo, também, a violência cotidiana
que as mulheres sofrem
94
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-
-se na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
71
de práticas pedagógicas que associam o feminismo a uma educação crítica que parta da
realidade das sujeitas, que reflita sobre as estruturas e que aponte caminhos para a libertação.
Nesse sentido, a formação continuada era descrita por Janeth como algo indispensável
para a militância:
95
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-
-se na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
96
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-
-se na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
72
Tem-se que discutir o que é conjuntura, tem-se que discutir o que é partido.
Para se filiar a um partido tem-se que ler muito, mas filiar é ser militante e
ser militante é “arregaçar as mangas” e lutar, participar de movimentos
sindicais, e nos partidos abrir os horizontes (porque no partido tem
companheiros populares, e com isto se entende). É importante a mulher se
atualizar, pois com o conjunto das várias forças que vai dar para vencer.
(p.6)97.
O PT, de acordo com Janeth, compreendia que o parlamento era um importante espaço
político de atuação e, por isso, investia em um forte trabalho de base e na formação de
“sujeitos políticos” que atuassem nas diferentes esferas da sociedade. Tratava-se de uma
educação contínua, teórica e prática, que partia da reflexão acerca da realidade da/os
sujeitas/os.
97
Excerto contido no relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.6). Excerto contido no
relatório V Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista – 1984 (p.5). Documento encontra-se na pasta 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
98
Excerto retirado do relatório do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, p.2. Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
73
luta histórica, “a mulher tem ocupado espaços, começado a discutir política dentro e fora de
casa, começado a acreditar na sua própria força”99.
Retomando a fala, Janeth ressalta que sua atuação política antecede sua filiação: “A
minha participação na política não começou quando me candidatei a vereadora, mas quando
tive um privilégio de fazer uma faculdade. Me formando comecei a lecionar. Em 1978
fizemos greves”. Nesse sentido, é possível depreender que para Janetth, o “fazer político” não
se dá somente nas instituições políticas, mas práticas cotidianas, nas quebras de paradigmas.
Para além temas como preconceito e discriminação sofrido pelas mulheres, presentes
nas falas de Janeth, Maria José e Erundina, dúvidas sobre esse “novo” fazer político
apareceram nas falas das convidadas e públicos presentes no V Encontro de Mulheres do
Noroeste Paulista: Sonia de Votuporanga pediu dicas sobre qual partido escolher; a
representante de Três Lagoas – MS (a qual o nome não foi identificado na fonte), demonstra o
receio em ir até a Câmara por medo da repressão policial. Eram sentimentos que traduziam o
momento político pelo qual passava o Brasil, em meio à Ditadura Militar, as repressões e as
proibições eram constantes.
Sem embargo as limitações atribuídas à mulher em sua atuação nos espaços de poder,
e o medo da repressão não paralisam as mulheres de Andradina em seu novo fazer político.
Em 1988, conforme consta no relatório Coordenação do Movimento Regional de Mulheres
(MRM), produzido no mesmo ano, dos dezessete candidatos a vereador filiados ao PT, três
eram mulheres100.
As agendas do MMA, que na primeira fase girava em torno de temas como custo de
vida, saúde familiar e o acesso da população ao INPS, por exemplo, foram se ampliando e
cada vez mais se aproximando das pautas do movimento feminista do mesmo período. Isso
porque o feminismo brasileiro se colocou ao lado de instituições e movimentos que
99
Excerto retirado do relatório do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, p.2. Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
100
Relatório produzido pela Coordenação do Movimento Regional de Mulheres, referente ao encontro que
ocorreu em 30 e 31 de julho de 1988.
74
reivindicavam a reabertura política aproximando das questões específicas das mulheres, que
giravam em torno do acesso à igualdade em relação aos homens.
(...) sou metalúrgica e fui registrada como auxiliar, sou furadeira. A lei diz
que para trabalho igual, salário igual, mas na realidade não é nada disso. A
mulher no serviço é vista como a pessoa que trabalha para ajudar a família.
A concepção que os homens têm é que a mulher trabalha para comprar
batons, roupas etc.101
101
Excerto contido no relatório do V Encontro Regional de Mulheres do Noroeste Paulista (p.7). Documento
encontra-se na pasta 390 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório
de Souza Carneiro.
75
De acordo com Janeth, ignorava-se o fato de que o salário das mulheres, sobretudo da
mais pobre, era também destinado à manutenção familiar. O arquétipo da mulher estava
associado à futilidade. Indo ao encontro da colocação de Janeth, Luis Felipe Miguel,
recorrendo ao conceito “essencialismo estratégico” cunhado por Gayatri Chakravorty Spivak
sublinha: “Os grupos em posição subalterna, como é o caso da mulher, tendem a ser reduzidos
a uma essência estereotipada” (MIGUEL, 2014, p 83) e isso tende a naturalizar o efeito da
opressão.
Somado a isso, a mulher cumpria dupla (até mesmo tripla) jornada de trabalho, já que
permanecia com a incumbência do trabalho doméstico e dos cuidados com os filhos102,
funções que de acordo com Soraia Carolina de Mello são construídas socioculturalmente,
desde a infância:
Ainda de acordo com a autora, a tripla jornada de trabalho é mais comum entre as
seguintes categorias: trabalhadoras rurais, trabalhadoras domésticas e militantes.
as mulheres pobres vêm a ser as maiores beneficiadas com essa política pública, por não
terem condições materiais para pagar uma escola especializada para os seus filhos.
As teóricas feministas desse período, entre elas Saffioti, mais alinhada ao marxismo, já
apontavam que o capitalismo, por alimentar a desigualdade material, reforçava a cultura do
patriarcado no que tange ao domínio do homem sobre a mulher: “Nesta abordagem, a
opressão e a subordinação das mulheres seria consequência de um sistema social e político
que estabelece a relação entre dominantes e dominados a partir das categorias de classe e
sexo” (WOITOWICZ, 2007, p.2).
104
O conceito de justiça social, e que este, por sua vez, depende de juízos de valor ou pontos de vista da
sociedade, tal como articulados por indivíduos, grupos ou governos (PEREIRA, 1990, p.400).
105
Excerto contido no relatório do VIII Encontro Regional de Mulheres realizado em 4 de maio de 1986, em
Três Lagoas – MS (p.2). Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo
de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
106
Ressalto que essa reivindicação só foi atendida em 2006, com a criação da Lei Maria da Penha de nº
11.340/2006 e somente entrou em vigor décadas mais tarde, em dia 22 de setembro de 2006. No artigo 5
consta: “Para efeito desta lei, configura como violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial”.
77
107
Relatório do II Encontro Regional, dia 12/06/1983. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES,
que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
78
De acordo com Nunes (1985), o livro dos Provérbios, na Bíblia, contém advertência
quanto às características atribuídas às mulheres, como: “É melhor viver com um leão e um
dragão que morar com uma mulher maldosa” (Ecl. 25, 23 apud Nunes, 1985, p.51); “Foi pela
mulher que começou o pecado e é por causa dela que todos morremos”, diz o livro sagrado
(Ecl. 25, 26.33 apud: Nunes, 1985, p.51). A mulher, que exerce o fascínio sobre os homens,
precisou ser controlada com normas da moral sexual e por isso foi classificada como sexo
frágil, que precisa ser protegida, controlada, dominada pelos homens. As mulheres são as
entregadoras de tributos, os homens são os que recebem (SEGATO, 2005).
Toda essa simbologia sustenta a sociedade patriarcal que está também na base da
sociedade capitalista. A anterioridade de Adão justifica a dominação do homem em relação à
mulher. Dessa maneira, constrói-se a imagem negativa do sexo feminino a partir da narração
da culpa, que vincula o feminino às graves falhas morais. “As mulheres tornam-se portadoras
dos espíritos maléficos, seu instrumento, por meio do qual agem” (NUNES, 1985, p.50), um
capital simbólico-religioso muito utilizado por religiosos conservadores.
De modo igual, para os teólogos da libertação, conforme Nunes (1985), profetas como
Jesus e Maomé não tratavam de maneiras distintas homens e mulheres, não havia por parte
deles uma hierarquização:
Esse trabalho, como é possível observar no próprio MMA, contribuiu para que as
mulheres ganhassem autonomia e passassem a assumir posições de liderança no espaço
religioso e nos movimentos sociais, havendo assim um maior engajamento na luta pela
igualdade de direitos. Essas mulheres tomaram consciência de que todas e todos (mulheres e
homens) são filhos de Deus.
108
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral realizada com Maria da Silva Prates (a Bel do
PT), no dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
80
Bem aventuradas vocês mulheres que ajudam a consolar os que estão aflitos
na comunidade. Bem aventuradas vocês, mulheres, que visitam os mais
pobres, procurando ajudá-los e fortalecê-los. Bem aventuradas vocês
mulheres, capazes de acompanhar, por anos seguidos, deficientes físicos
paralíticos, gente que precisa de todo o serviço de uma mãe. Bem
aventuradas vocês mulheres, que aprenderam amar o pobre mesmo com seus
defeitos... até limpar a casa mais suja com o mesmo amor que limpam as
suas casas. Bem aventuradas vocês mulheres, que são mães e que
contribuem para que as outras mães entendam melhor os seus filhos. Bem
aventuradas vocês mulheres, ministras da Eucaristia, levando aos doentes o
conforto do Cristo-alimento. Bem aventuradas vocês mulheres, que não têm
medo da luta e se jogam, de corpo e alma, para que o nosso povo seja
libertado110.
Todavia, esse papel atribuído à mulher pelos editores do Caderno Mulher Povo do ano
de 1982, não condizia com a forma com as próprias integrantes do MMA se viam, como é
possível observar no excerto abaixo, publicado no mesmo caderno:
109
Excerto retirado da entrevista feita, por meio de métodos da História Oral realizada e via google meet, com
Marivalda de Jesus Alves Barreiro. São Paulo/SP – São José do Rio Preto/SP, 11 de junho de 2020.
110
Excerto retirado do documento intitulado de Caderno Mulher Povo, referente ao ano de 1982 (p.1).
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
81
inferioridade. Nos reunimos porque sabemos que hoje, para transformar essa
sociedade de opressores e oprimidos é necessário que mulher também abrace
a luta. Nos reunimos porque é preciso que a mulher se conscientize da
realidade injusta, do sistema explorador e somar suas forças na luta pela
libertação do povo. Nos reunimos, porque é necessário denunciar as
injustiças, sobretudo, as praticadas contra a mulher trabalhadora: boia-fria;
domestica, operária... Nos reunimos, porque somos as que mais sentimos os
efeitos do desemprego, pobreza, da falta de água, da habitação atendimento à
saúde... Nos reunimos porque nós mulheres de periferia, pobres, sabemos e
queremos ajudar os mais pobres. Nos reunimos porque também temos direito
à palavra, da qual o povo todo foi castrado. Pedimos a vocês, homens,
companheiros, companheiros no amor e na luta, no sorriso e no sofrimento,
pedimos: vamos seguir juntos na luta por uma sociedade mais justa e
humana. A libertação deve chegar para todas e não somente para alguns111.
111
Excerto retirado do documento intitulado de Caderno Mulher Povo, referente ao ano de 1982 (p.1).
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
112
Clara Charf: “Em 1946 filiou-se ao Partido Comunista, assumindo a tarefa de assessorar a bancada
parlamentar do partido no Congresso Nacional. Conheceu, assim, o então deputado Carlos Marighela, que
viria a se tornar um líder revolucionário e o maior inimigo da ditadura militar. Sua união com Marighela
levou-a à vida clandestina. Em 1969, o companheiro, responsável pela criação da primeira organização de
luta armada contra o regime, foi morto por forças policiais. Ela exilou-se em Cuba, de onde só voltou em
1979, com a anistia. Concentrou-se na luta pelo resgate de mortos e desaparecidos do regime militar e no
movimento de mulheres. E escreveu seu nome na história política do Brasil: Clara Sharf”. Fonte:
http://www.videotecas.armazemmemoria.com.br. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/131873
82
Entre uma visita e outra, as visitadoras se depararam com suas próprias realidades
estampadas nas páginas dos questionários preenchidos com as respostas dos seus visitados.
Uma espécie de espelho, no qual elas enxergavam a opressão que se manifestava na falta de
emprego, no alto custo dos alimentos, na negação do direito à terra, na falta de saneamento
básico, na ausência de postos de saúde e de escolas. Viram-se enquanto ocupantes de um
lugar comum no edifício social, o mesmo que habitavam os seus visitados. E assim,
gradativamente, as até então visitadoras, passaram a se reconhecer enquanto mulheres
pertencentes à classe trabalhadora, uma identidade coletiva113 que se constituiu na memória
herdada114.
[...] las clases no existen como entidades separadas, que miran en derredor,
encuentran una clase enemiga y empiezan luego a luchar. Por el contrario,
las gentes se encuentran en una sociedad estructurada en modos
determinados (crucialmente, pero no exclusivamente, en relaciones de
producción), experimentan la explotación (o la necesidad de mantener el
poder sobre los explotados), identifican puntos de interés antagónico,
comienzan a luchar por estas cuestiones y en el proceso de lucha se
descubren como clase, y llegan a conocer este descubrimiento como
conciencia de clase. La clase y la conciencia de clase son siempre las
últimas, no las primeras fases del proceso real histórico. (THOMPSON,
1989, p.37).
113
“Por identidades coletivas, estou aludindo a todos os investimentos que um grupo deve fazer ao longo do
tempo, todo o trabalho necessário para dar a cada membro do grupo – quer se trate de família ou de nação – o
sentimento de unidade, de continuidade e de coerência” (POLLACK, 1992, p.7).
114
Podemos, portanto, dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto
individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento
de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si”. Podemos também
dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade.
Ambas são construídas social e individualmente (POLLACK, 1992, p.5).
83
115
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
116
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no
dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
84
Já não se tratava mais das visitadoras, nascia aí uma nova identidade que, alimentada
pelo desejo de mudança, se manifesta na oralidade, nos gestos e nos diálogos. Uma identidade
que era socialmente legitimada e que se inscrevia na práxis e nos corpos dessas mulheres.
Nesse sentido, para Hall (2005), os sujeitos assumem identidades diferentes em diferentes
momentos da vida, isso pode acontecer à medida que os sistemas de significação, simbólicos
e materiais, se modificam. Outrossim, “a identidade se reforça à medida que a oposição e a
causa do mal são designadas, os inimigos aos quais os movimentos se opõem” (ANSART,
2002, p.213).
Sem embargo, a mudança da semântica não está, de maneira nenhuma, dissociada das
contradições, tendo em vista o dinamismo naturalmente presente nas organizações sociais. O
discurso não é uníssono, ao contrário, há inúmeras divergências no processo, considerando
que não há identidade coletiva acabada, conforme Ansart (2002). Um universo de múltiplas,
ambíguas e paradoxais emoções dos prazeres individuais que se manifestam na ação coletiva,
do negociar, das decepções, do desencantamento, da angústia, da nostalgia e da busca pela
117
Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES em homenagem à Semana da Mulher (p.4) – julho de 1982.
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
118
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.4), número de exemplar 24, edição novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação Histórica Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
85
Não obstante, se o mundo lhes era apresentado enquanto hostil, essas mulheres
buscavam espaço acolhedor de sociabilidade onde pudessem se expressar. As reuniões do
MMA e os encontros do Noroeste Paulista eram também esse lugar. Nesse sentido, a
identidade cultural, que de acordo com Hall (2005), surge do nosso lugar de “pertencimento”,
se forja a partir da relação com o outro que media valores, sentidos e símbolos da cultura. Eu
e os outros, o mundo interior e as várias identidades exteriores. As mulheres de Andradina,
que passaram a habitar um universo de múltiplas emoções, norteado pela dedicação e
119
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.8), número de exemplar 19, edição novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
86
Hoje é dia internacional da mulher, dia 08 de Março, para nós não é dia de
festa. Comemorar o quê? Os baixos salários, o desemprego, a carestia e
tantos outros problemas? Para nós, assim como para a maioria de mulheres
do nosso país, hoje é dia de luta por melhores condições de vida. Queremos
para os nossos filhos uma sociedade justa e fraterna onde não haja maioria
que explora e minoria que é explorada. Por isso, estamos fazendo hoje essa
caminhada e desta forma chamando a atenção das autoridades e da
população para os graves problemas que estamos vivendo121.
120
Quando a memória e a identidade estão suficientemente constituídas, suficientemente instituídas,
suficientemente amarradas, os questionamentos vindos de grupos externos à organização, os problemas
colocados pelos outros, não chegam a provocar a necessidade de se proceder a rearrumações, nem no nível da
identidade coletiva, nem no nível da identidade individual (POLLACK, 1992, p.7).
121
Excerto retirado da carta escrita em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, no dia 08 de Março de
1985 (p.1)
122
A atenção às afetividades substitui o devir linear pela história multiforme da construção aleatória de uma
identidade, história de múltiplas influências convergentes, perturbando as antigas identidades e procurando
construir novas (ANSART, 2002, p. 212).
87
Como já mencionado anteriormente, o MMA, antes Visitadoras, nasce nos seios das
Comunidades Eclesiais de Base, sendo essas, grosso modo, instrumentos adotados pela
Teologia da Libertação com o objetivo de romper com as hierarquias presentes na Igreja
enquanto instituição. Com as CEBs buscava-se organizar a base da Igreja de uma outra
maneira, na qual as experiências religiosas seriam colocadas a serviço da experiência da vida.
Ao mesmo tempo, elementos como solidariedade, comunhão, direitos, cidadania, criticidade
eram trabalhados por meio da educação libertadora que partia da realidade do sujeito. A
solidariedade com o pobre é o ponto de partida deste processo de elaboração teológica.
Compreensão que vai ao encontro da concepção de Thompson, que diz que classe é
resultado das experiências humanas:
Para o autor, a consciência de classe é atravessada pela cultura, pois está associada à
maneira que é apropriada às experiências (sistemas de valores, valores, signos sociais,
tradições etc.). Ainda conforme Thompson (1987, p.10): “A experiência de classe é
determinada em grande medida pela relação de produção em que os homens nasceram ou
entraram involuntariamente”.
123
Excerto retirado do relatório da reunião de Coordenação do Movimento Regional de Mulheres, que ocorreu
em 10 e 31 de julho de 1988. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no
Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
89
124
Excerto retirado do relatório do Encontro de Coordenação do Movimento Regional de Mulheres, referente à
data de 30 e 31 de julho de 1988, p.4.
90
da década de 1980 que as demandas mais específicas das mulheres foram colocadas. Em 1988
já se observava um aprofundamento na discussão da opressão sofrida pela mulher em relação
ao homem.
Como vimos, o MMA nasce como resultado da rede de sociabilidade promovida pelo
IAJES entre as CEB’s e, a medida que foi amadurecendo, compreendeu que a articulação com
outros movimentos era imprescindível para o ganho de visibilidade e para a produção de
impacto na esfera pública, de modo a estabelecer e reforçar a cultura de participação política
das mulheres na sociedade. O movimento enxergou na articulação em rede o caminho para a
conquista de direitos para as mulheres que garantissem as essas o exercício pleno da
cidadania.
Noroeste Paulista um dos mais frequentes deles. Embora, vale ressaltar que essas
organizações em rede se abrem para a articulação da diversidade, mas com limites quanto à
capacidade de absorção de posturas ideológicas ou políticas conflitivas (SCHERER-
WARREN, 2006).
De acordo com o que foi demonstrado até aqui, somado ao conteúdo que será
apresentado mais adiante, é possível afirmar que o Movimento de Mulheres de Andradina, de
maneira geral, teve três distintos momentos, que serão aqui denominados de: etapa local,
etapa regional e etapa nacional. Conforme ilustração a seguir:
Etapa local:
VISITADORAS
CEB’s SAB’s
IAJES
Etapa local: Nessa primeira etapa, que compreende o período entre 1970 e 1982,
algumas visitadoras integravam outros movimentos como as CEB’s e as SAB’s. O IAJES era
a instituição guarda-chuva, à qual essas outras organizações se ligavam.
MMA
MRM
CEB’s
IAJES
SAB’s
125
Figura ilustrativa elaborada pela autora desse trabalho.
126
Figura ilustrativa elaborada pela autora desse trabalho.
92
Na Etapa Regional, que vai de 1982 a 1985, o MMA passa a integrar o Movimento
Regional de Mulheres, composto por representantes dos movimentos de mulheres do
Noroeste Paulista e por Três Lagoas – MS, expandindo assim sua rede de sociabilidade.
CEB’s
Rede IAJES
Mulher
MMA SAB’s
MRM
CEM
MPM
CNDM
Sem embargo, vale ressaltar que essa análise considerou o “núcleo duro” da rede de
sociabilidade do MMA, ou seja, as organizações que o MMA se relacionava com maior
frequência, contudo, não se pode ignorar a existência de outras instituições, haja vista
agências financiadoras internacionais que, via IAJES, promoviam apoio institucional e
financeiro; a GLEP; a FSSL; e indivíduos que davam subsídios materiais necessários para as
ações das organizações.
127
Figura ilustrativa elaborada pela autora desse trabalho.
93
128
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1) número de exemplar 37, edição JAN/FEV-87. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
94
De 1980 até 1984, a organização apontada como responsável pelo periódico era a
Comissão de Direitos Humanos, vinculada à Comissão da Justiça e Paz da Diocese de Lins.
De 1984 a 1988 o IAJES – em parceria com a FSSL (Faculdade de Serviço Social de Lins),
assume “A Voz do Povo”. Nesse mesmo ano, registra-se como Boletim Informativo dos
Movimentos Populares. Também foi no ano de 1984 que os nomes dos editores passaram a
aparecer, sendo os primeiros: Afonso Marcos Garcia, Maria da Conceição Reis; Maria
Aparecida Trazzi Vernucci (Tida); Marivalda de Jesus Alves, Matsual Martins da Silva; Luiz
de Souza e Vera Lúcia Belloni Ramalho. Dentre esses, a Marivalda de Jesus Alves era
também integrante do MMA e compunha a coordenação do MRM. De modo geral, quase não
houve mudança no quadro de editores de 1984 a 1988.
129
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1) número de exemplar 07, edição Janeiro/Fevereiro de 1981.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
95
130
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 00, edição Janeiro/Fevereiro de 1980.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
96
Ano da grande luta pelas eleições diretas, desejo de todo o povo brasileiro
expressado na grande concentração da Praça da Sé, dia 25 de janeiro na luta
do dia a dia por melhores condições de vida e trabalho, fruto da organização
dos grupos espelhados por esse Brasil afora133.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO
131
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 00, edição Janeiro/Fevereiro de 1980.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
132
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 17, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
133
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 17, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
97
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
134
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p. 4), número de exemplar 17, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
135
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.1), número de exemplar 18, edição Março de 1984. Encontrado no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
98
Jesus Cristo: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude”
(Jo. 10,10); “Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida por seu
irmão”. “Da união de todos é que surgirá o mundo novo, o mundo que nós,
católicos ou cristãos, chamamos de mundo de Deus, mundo de todos os
irmãos”.137
Essas tinham a importante função de legitimar as ações dos movimentos sociais para
assim fortalecer a luta:
Precisamos lutar por uma sociedade melhor, mesmo que seja para a gente
morrer sem vê-la. Vai servir para nossos filhos e netos. E voltam a mente às
palavras de Jesus: “Se o grão de trigo não morre, não dá frutos” – “Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá a vida pelas pessoas amadas”.138
136
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.)1, número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
137
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
138
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.4), número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
99
Fonte: Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 24, edição Novembro de 1984 139
Os pés descalços e as roupas rasgadas informavam que Cristo caminhava lado a lado
com os humildes. Imagem que foi precedida pelo seguinte texto:
O centro da pregação de Jesus foi o Reino de Deus. Reino este que deve ser
realizado aqui, através de uma mudança profunda da realidade injusta
existente. Quem participa desse Reino? Os oprimidos, os que estão sendo
empobrecidos pelo sistema capitalista, os que lutam por uma nova
sociedade. Existem muitos obstáculos na busca deste reino: o desânimo, a
dúvida, as perseguições. O medo, mas estes são o contrário do Reino de
Deus. O Reino de Deus é coragem, é uma sociedade em que haja igualdade,
justiça e liberdade140.
Texto que evidencia que os editores eram orientados pela teologia dos pobres, que, por
assumir como base analítica o marxismo, denunciava as desigualdades sociais inerentes ao
sistema capitalista.
139
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO
140
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 24, edição Novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
100
Por meio dessa coluna, as mulheres podiam divulgar as agendas e ações do MMA, ao
mesmo tempo em que se inteiravam acerca dos movimentos:
141
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.6), número de exemplar 18, edição Janeiro/Fevereiro de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
142
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.5), número de exemplar 20, edição Maio/Junho de 1984.
Encontrado no acervo do Centro de Documentação Histórica Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
143
Boletim Informativo “A Voz do Povo” (p.2), número de exemplar 24, edição Novembro de 1984. Encontrado
no acervo do Centro de Documentação Histórica Vergueiro. Disponível em:
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
101
Mais que um boletim informativo, o jornal “A Voz do Povo” foi para o MMA um
instrumento de sociabilidade. Por meio desse, as mulheres se mantinham informadas sobre
atuação de diversos movimentos de mulheres, bem como de outros movimentos sociais
(regionais e também nacionais), ao mesmo tempo em que divulgava suas ações. Ou seja, o
boletim pode ser compreendido como um dos nós que costuravam/formavam a rede de
sociabilidade do MMA.
Em 1982 o MMA, que aos poucos vinha ganhando notoriedade, ampliou sua atuação
para além das fronteiras de Andradina quando passou a participar do Encontro de Mulheres
do Noroeste Paulista, evento esse que deu origem ao Movimento Regional de Mulheres
(MRM). Integração que corroborou para a ampliação das redes de contatos do MMA e,
consequentemente, para a construção de sua autonomia. Nesse sentido, a compreensão acerca
dos caminhos trilhados pelo MMA passa pelo MRM e por isso faz-se necessário lançar luz a
esse movimento. Para tanto, partirei da trajetória de sua principal articuladora, Nobuco
Kameyama.
Durante o exílio, Kameyama fez mestrado e doutorado na área do serviço social, onde
teve uma maior aproximação com a corrente marxista. No doutorado optou por estudar o
desenvolvimento do capitalismo no campo. Para Kameyama, “o exílio lhe deu a oportunidade
de buscar respostas para as suas inquietações teóricas e práticas derivadas da experiência
vivida muito próxima das lutas dos camponeses na região de Lins [...]” (ROSA, 2016, p.162).
Geraldo Vandré144. No que concerne aos aspectos econômicos e sociais, como dito
anteriormente, o País amargava um cenário de crise com alto índice de desemprego, alta taxa
de inflação e uma acentuada concentração de renda. Tratava-se da herança do chamado
“Milagre Econômico” vivido nos anos anteriores. É esse o cenário que Kameyama encontra
ao regressar.
Logo após o seu retorno, Kameyama assume a direção da Faculdade de Serviço Social
de Lins, uma instituição criada em 1958 pela Igreja Católica com objetivo de assistir à
população que se encontrava em estado de vulnerabilidade, por meio de projetos de extensão,
de formação profissional, conforme Rosa (2016). Uma instituição que havia se tornado um
centro de investigação e pesquisa da realidade local/regional e que, por ser orientada pelo
evangelho da libertação, se colocava a serviço do povo.
Nos anos que seguiram à sua chegada, Nobuco passou a percorrer a região do
Noroeste Paulista (Araçatuba, Fernandópolis, São José do Rio Preto, Birigui, Andradina, entre
outras), com o intuito de desenvolver trabalhos com as mulheres dos movimentos populares.
Essa ação, que aos poucos foi tomando corpo, resultou no I Encontro Regional de Mulheres
do Noroeste Paulista, ocorrido no segundo semestre de 1982. De acordo com Bel, Kameyama
“organizava o mulherio, o movimento de mulheres por meio de encontros regionais; quando
acabava um encontro já tinha a data do próximo”145.
144
A música “Pra não dizer que não falei das flores” foi escrita por Geraldo Vandré, no ano de 1968, em pleno
regime militar e ficou em 2º lugar no III Festival Internacional da Canção Popular (1968), TV Globo. Na letra
evidenciam-se as injustiças (pelos campos há fome em grandes plantações), enfatiza a presença do exército
nas ruas (há soldados armados, amados ou não) e convidava as pessoas para se unirem na luta contra a
ditadura (Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer)
(ALARCON, 2016, p.6).
145
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Maria da Silva Prates (a Bel do PT), no
dia 12 de dezembro de 2018, em Três Lagoas – MS.
146
Excerto retirado do histórico do movimento de mulheres (p.1). Documento encontra-se na caixa 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
103
Para alcançar os propósitos citados acima, algumas das estratégias foram adotadas e
essas consistiam em:
147
Projeto de Organização de Mulheres (p.3-4). Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que
encontra-se no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
104
Foram ações como essas que garantiram a consolidação do MRM que se forjou
organicamente, como resultado dos encontros. No decorrer da década de 1980, ingressaram
no movimento as cidades de Andradina, Araçatuba, Lins, Birigui, Santo Anastácio,
Fernandópolis, Jales, São José do Rio Preto e outras. Três Lagoas, localizada Mato Grosso do
Sul, a 30 km de Andradina, e que se tornou um importante braço do IAJES, também
compunha o MRM. Em outubro de 1987 o movimento já estava avigorado e somava nove
encontros com temas diversos, tais como: troca de experiências, violência contra a mulher,
desemprego, custo de vida, participação política das mulheres, constituinte e direito da
mulher. Os eventos, em sua maioria, eram assessorados por Nobuco Kameyama e por Irma
Passoni; mais tarde, a partir de 1985, Clara Charf, a viúva de Marighella, também cumpriu
essa função.
148
Projeto de Organização de Mulheres (p.3-4). Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que
encontra-se no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
149
Ata do Nono Encontro Regional de Mulheres – Fernandópolis – 05 de outubro de 1986. Documento encontra-
-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
105
150
Relatório da reunião de coordenação de 03-02-1985. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do
IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
151
Relatório da reunião de coordenação referente a 23/10/1986. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo
do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
106
Dificuldades que exigiam resoluções diversas e, por isso, era a formação continuada
que o movimento apostava: “Discutimos que era preciso nos organizar mais vezes e da
mesma forma termos mais estudo para a formação”152. Durante o encontro de outubro de
1986, falou-se da importância de se realizar intercâmbio entre as mulheres do encontro
regional e outros movimentos de mulheres do País. Era um exercício constante de refletir
sobre os caminhos.
O MRM, que tinha entre os seus principais objetivos a democratização dos trabalhos e
o fortalecimento dos movimentos existentes, apostava nos encontros itinerantes, o que
demandava um bom exercício de logística por parte da Coordenação Regional:
Ou seja, a Coordenação Regional, juntamente com a cidade que iria receber o evento,
iniciavam os trabalhos voltados para questões como alimentação, hospedagem e local para
realização do encontro, bem antes da realização do mesmo. Normalmente, participavam em
média três representantes de cada cidade.
152
Relatório da reunião de coordenação referente a 23/10/1986. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo
do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
153
Relatório da reunião de coordenação de 03-02-1985. Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do
IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
107
os homens por uma sociedade mais igualitária e justa”154. Para a deputada, a luta da mulher
não deveria ser organizada de maneira sectarista, ao contrário, os homens deveriam participar
dela, mas que antes era preciso reconhecer e o machismo incrustado nas estruturas sociais
para assim combatê-lo.
A partir de 1985, o tema da Constituinte entrou nas agendas dos movimentos sociais
de todo o País e não foi diferente com o MMA e o MRM, a exemplo do que será demonstrado
mais adiante. Nesse momento, o movimento estreitou os laços com a Rede Mulher,
organização parceira em todo o processo da Constituinte, e com o Conselho Nacional do
Direito da Mulher e algumas de suas representantes integraram a Comissão de Mulheres do
Estado de São Paulo e o Movimento Popular de Mulher que atuavam e pela garantia da
participação na Constituinte. Os encontros regionais tornaram-se importantes de formação e
de articulação, nos quais se decidia quais ações seriam adotadas para que fosse redigida uma
nova Constituição verdadeiramente democrática.
154
Excerto contido no relatório do IV Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, realizado em 14 de abril de
1986, na cidade de Andradina – SP. Documento está contido na caixa 395 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
155
Excerto contido no relatório do IV Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, realizado em 14 de abril de
1986, na cidade de Andradina – SP. Documento está contido na caixa 395 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
108
Foi por meio dos encontros regionais que essas mulheres ampliaram suas redes de
sociabilidade. No final da década de 1980, o MMA tinha no currículo de participação em
encontros nacionais espaços onde foram se construindo, de forma mais sistemática, as
propostas para a transformação social e formas de negociação com o Estado. Toda essa
vivência, somadas as características de horizontalidade, de colaboração e de coletividade que
permeavam os encontros regionais, foram imprescindíveis para o desenvolvimento da
maturidade política e da autonomia do Movimento de Mulheres de Andradina. Autonomia
que não se traduzia em ausência de apoio.
CAPÍTULO III
A CONSTITUINTE
O ano de 1985, marcado pela efervescência dos movimentos sociais, foi bastante
agitado para o MMA, se iniciou a um projeto que ocupou a agenda da organização nos três
anos que seguiram. Trata-se da Constituinte, um movimento marcado pela luta pela reabertura
democrática e por novos direitos baseados em ideias fomentadas pelos atores e movimentos
sociais desde a década de 1970. Os diversos grupos sociais organizados, a exemplo dos
movimentos de mulheres156 e feministas, enxergaram na Constituinte a oportunidade de
apresentarem suas pautas ao poder público, reivindicando assim direitos que garantissem
exercício pleno da cidadania:
156
Verônica Toste Daflon (2019), ao analisar a obra de Heloísa Buarque de Holanda “Explosão feminista: arte,
cultura, política e universidade”, sublinha: Heloísa assinala que nos anos 1980 o discurso hegemônico do
feminismo no Brasil se conjugava no singular, afirmando a especificidade da “mulher” e a relativa autonomia
do feminismo em face das outras lutas sociais. Hoje o espaço público do feminismo rechaça a ideia de uma
“condição feminina” universal e conjuga o feminismo no plural, combinando eixos como gênero, classe, raça,
etnia, orientação sexual, deficiência, religião etc. A ideia que predomina é que o feminismo deve se ocupar
das diversas opressões existentes na sociedade, pois não existe uma experiência única capaz de organizar a
luta política (p.1). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2238-
38752019000100315&script=sci_arttext
110
O poder coercitivo e a censura eram instrumentos utilizados pelo governo militar para
reprimir a atuação dos movimentos e organizações sociais que se opunham à ideologia
hegemônica. Havia vigilância constante, o objetivo era combater as organizações já existentes
e o surgimento de novas. Entretanto, após eleição indireta de Ernesto Geisel para a
Presidência em 1974, com “distensão lenta, gradual e segura”157, abriu espaço, em certa
medida, para o diálogo entre a sociedade civil e o governo. Os militares ansiavam por reparar
o desgaste que vinham sofrendo, ao mesmo tempo, uma parte significativa da sociedade civil
clamava pela reabertura democrática. Nesse sentido, a restituição do Estado Democrático e de
Direito parecia cada vez mais possível e, para garantir isso, a implementação de novas leis
fazia-se necessária.
Todavia, se por um lado, “durante o governo Geisel foram abertos novos canais de
comunicação entre o governo e a sociedade civil, visando à organização de uma agenda de
reformas político-institucionais” (VERSIANI, 2010, p.4), por outro, permaneciam, até mesmo
ampliou-se, as práticas perversas adotadas pelos governos anteriores, a exemplo das prisões e
assassinatos de presos políticos. A extinção de leis como AI5 só se deu perante “salvaguardas
constitucionais”, que autorizava o governo a “agir” contra os grupos ou movimentos
considerados subversivos. Entretanto, ações dos movimentos sociais e de algumas instituições
mais progressistas, como a Igreja e os sindicatos, se tornavam cada vez mais contundentes e,
graças a isso, em 1979, durante o governo de João Baptista Figueiredo, e depois de muito
enfrentamento, foi aprovada a Lei da Anistia que permitiu o retorno de muitos exilados
políticos.
157
A partir de 1974, com um movimento conhecido inicialmente como ‘distensão’, iniciou-se no Brasil a
tentativa de recuperar as mediações necessárias para legitimar a ditadura. A primeira caracterizava-se por duas
grandes tarefas a realizar: restaurar a ordem na sociedade – o que significava reprimir toda e qualquer
discordância – e normalizar a economia, geralmente por meio de arrocho salarial e transnacionalização crescente
da estrutura produtiva. A segunda surgia a partir da necessidade de canais de mediação que legitimassem o pacto
de domínio burguês e suas consequências políticas, econômicas e sociais (ESCOREL, 1999, p.31).
111
Ano Internacional da Mulher e com as comemorações dos 30 anos da anistia política, após o
fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), surgiu o “Movimento Feminino pela Anistia
(MFPA). Liderado por Therezinha Godoy Zerbini, um grupo de mulheres paulistas fundou,
em 23 de junho de 1975, o primeiro núcleo da entidade. O aparecimento do MFPA
evidenciou o pioneirismo feminino na campanha pela Anistia no Brasil” (FAGUNDES, 2016,
p.134).
Todavia, afirma Versiani (2010) que por detrás do discurso aparentemente progressista
de Neves, havia um viés conservador, tendo em vista que esse não buscava romper de fato
com a ideologia do regime militar.
3.1 A CRIAÇÃO/ATUAÇÃO DO CNDM: CONSTITUINTE PRA VALER TEM QUE TER PALAVRA
DE MULHER
158
Criado junto ao Ministério da Justiça, com orçamento próprio, tendo sua presidenta status de ministra, era
composto por 17 conselheiras nomeadas pelo ministro da Justiça, por um Conselho Técnico e por uma
Secretaria Executiva. O CNDM perdeu completamente a importância com os governos de Fernando Collor de
Mello e Fernando Henrique Cardoso. No primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi criada a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com status de ministério, e foi recriado o Conselho, com
características mais próximas do que ele havia sido originalmente” (PINTO, 2010, p.17)
159
De acordo com Alvarez, “às outras mulheres que militavam em partidos de esquerda, que as feministas
autônomas rotulavam de “políticas” ou “militantes”, vistas como não feministas por, presumivelmente,
priorizarem “a luta geral”; às centenas de organizações populares de mulheres, muitas vezes ligadas à Igreja,
então proliferando pelo Brasil afora” (ALVAREZ, 2014, p.22).
113
De volta à atuação do Conselho, esse, com o slogan “constituinte pra valer tem que ter
a palavra mulher”160, percorreu o País, ouviu as mulheres brasileiras e ampliou o canal de
comunicação entre o movimento social e as instituições de poder. Prática que objetivava, de
acordo com o próprio órgão, encontrar “fonte de inspiração para a nova realidade”161 que se
desejava. Nesse sentido, Costa (2008) afirma que o órgão foi um dos grandes responsáveis
pela participação da mulher na Constituinte. Outras organizações, a exemplo da Rede Mulher,
corroboraram para esse processo. Adiante veremos como se dava na prática a relação do
MMA/MRM com o CNDM.
A Rede Mulher, atualmente Rede Mulher de Educação, era descrita pelo MMA/MRM
como sendo uma entidade responsável por articular os vários movimentos de mulheres junto
ao CNDM. Idealizada, em 1980, por Moema Viezzer, uma socióloga e educadora que vinha
pesquisando a condição da mulher latino-americana desde a década de 1970, a Rede Mulher
160
Carta das Mulheres à Constituintes Redigidas durante Encontro Nacional Mulher e Constituinte, ocorrido em
26 de agosto de 1986. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf
161
Carta das Mulheres à Constituintes Redigidas durante Encontro Nacional Mulher e Constituinte, ocorrido em
26 de agosto de 1986. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf
114
[...] cremos ser necessário dar primeiro o tempo e espaço para “tramar a
rede” (ou seja, esclarecer os objetivos e avaliar as ações que levam as
pessoas e grupos a se reunirem e se articularem) para então lançar a rede em
espaços maiores, e, geralmente, mais complexos e controvertidos,
162
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.3) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
163
Caderno Educação Popular e Movimento de Mulheres (p.3) – Coordenação da Rede Mulher com colaboração
de Beatriz Canabrava e Vera Lúcia Vaccari, ano 1986.
164
Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.20) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
115
Para além dos movimentos sociais, das organizações e conselhos, as mulheres atuaram
dentro do Parlamento, compondo a Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Em um pleito
histórico, no ano 1986, dos 536 constituintes (487 para a Câmara dos Deputados e 49 para o
Senado), 26 mulheres, de diversas localidades do País, foram eleitas para integrar a ANC,
sendo elas:
165
.Excerto retirado do Caderno Mulher-Povo criado pelo IAJES, em homenagem à Semana da Mulher (p.3) –
julho de 1982. Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
166
Caderno Educação Popular e Movimento de Mulheres – Rede Mulher (p.21).
116
Como era de se prever, essa novidade não foi bem aceita por aqueles que
historicamente ocupavam o Congresso Nacional. Logo que chegou, o grupo de mulheres foi
apelidado, pejorativamente, de “Lobby do Batom”, conforme relato de Schuma Shumaer:
(…) isso durou uns dois dias, até que a gente foi mastigando essa bronca e
nos veio a luz. E então falamos assim: vamos transformar essa afirmação,
que é uma afirmação ofensiva, pejorativa, numa afirmação, numa coisa que
dê visibilidade política, que dê uma força política. (…) e aí a gente chamou a
nossa agência de propaganda e pedimos para fazer, num primeiro momento,
adesivos para as pessoas, para os carros, tudo escrito assim: “Lobby do
Batom”. (SHUMAER, apud SILVA, 2011, p.194).
A primeira reunião que as deputadas tiveram com Ulysses Guimarães foi para tratar da
ausência de banheiros femininos e por isso foram alvo de chacotas do tipo “vocês não querem
ser iguais aos homens, aprendam a fazer xixi de pé”, narra Maria de Lourdes Abadia167. A
discriminação sofrida pelas Constituintes não partia somente da classe política, ressalta
Abadia, “a imprensa quando chamava para uma coletiva questionava aos homens sobre pautas
gerais e às mulheres sobre artigo de beleza”168.
167
Excerto retirado do artigo “Uma Luta pela Igualdade”, publicado no Correio Brasiliense em 28 de outubro de
2003. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Artigo%20CB%20Mulheres%20Constituintes.pdf.
168
Excerto retirado do artigo “Uma Luta pela Igualdade”, publicado no Correio Brasiliense em 28 de outubro de
2003. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/aconstituinte-e-as-
mulheres/arquivos/Artigo%20CB%20Mulheres%20Constituintes.pdf
118
Voltando para Andradina, foi em 1985 que a Constituinte entrou como pauta para o
MMA, bem como para os vários outros movimentos que compunham o MRM. Fato que
ocorreu em Andradina, na data de 14 de abril de 1985, durante o VI Encontro do Movimento
169
Excerto retirado do documento “Mulheres na Constituinte de 1988”. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-
constituicao-de-1988/mulher-constituinte/mulheres-constituintes-de-1988.
119
Regional de Mulheres. O Evento, apoiado pelo IAJES, teve como tema central “participação
política da mulher e Constituinte”. Contou com a presença de 150 (cento e cinquenta)
mulheres, representantes das seguintes cidades: Três Lagoas, Andradina, Birigui, Lins, Bauru,
Rio Preto, Guaraçaí e Ribeirão Preto. Entre as convidadas, estava presente a então vereadora
Luiza Erundina, uma das fundadoras do PT.
Erundina iniciou sua fala fazendo uma análise do momento político em que o Brasil
vivenciava e levantou algumas questões. Primeiro afirmou que a campanha das Diretas Já,
ocorridas no ano anterior, não trouxe para o povo o resultado esperado, pois, de acordo com
ela, a eleição indireta de Tancredo foi “um casamento (entre presidente + PMDB + Vice do
PDS) sem consentimento do povo”170 e isso significou a permanência dos militares no poder.
A ausência de práticas democráticas na política vigente do País e a afirmação que a
Constituição de 1969 foi criada para atender aos interesses da elite, compuseram a fala da
convidada.
Erundina, ciente dos avanços em relação ao sufrágio, pois pela primeira vez na história
do País o analfabeto teria direito ao voto171, apontou para a necessidade de se forjar uma nova
Constituição, dessa vez constituída pelas mãos dos trabalhadores e trabalhadoras. Frisando a
importância acerca da participação popular na Constituinte, explicou como seria o processo:
170
Excerto retirado do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista (p.1). Documento está contido na pasta
395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
171
Em 13 de março de 1985 formou-se no Congresso uma comissão pluripartidária com o intuito de realizar
reformulações consideradas emergenciais no sistema eleitoral e administrativo brasileiro, para a organização
das eleições constituintes. Desse trabalho resultou a Emenda nº 25 à Constituição, que, entre outras
determinações, estendeu o direito de voto aos analfabetos e reabilitou à legalidade os partidos comunistas
(VERSIANI, 2010, p.240).
172
Excerto retirado do VI Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista (p.1). Documento está contido na pasta
395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
120
173
Irma Rosseto Passoni nasceu em Concórdia (SC), no dia 5 de abril de 1943, filha de Jady Rosseto e de Teresa
Slongo Rosseto. Professora, começou a lecionar em 1964. De origem católica, em 1965 tornou-se freira do
Instituto Beatíssima Virgem Maria, largando o hábito em 1971. Formada em supervisão pedagógica em 1974,
na década de 1970 começou a atuar politicamente, trabalhando na organização de comunidades eclesiais de
base (CEBs). Elegeu-se deputada estadual em São Paulo na legenda do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB). Em 1979 fez parte das articulações para a criação do Partido dos Trabalhadores (PT). No novo
partido, assumiu a Secretaria Geral da comissão diretora regional provisória (1980-1981). Elegeu-se deputada
federal por São Paulo em 1982. Eleita deputada federal constituinte em novembro de 1986. Fonte retirada do
CODOC FGV. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/irma-rosseto-passoni.
174
Excerto retirado do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, referente ao segundo semestre de 1985,
(p.3). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
121
E nós aqui não estamos só para discutir o problema da mulher, estamos para
discutir o problema da nação brasileira que é composta por homens e
mulheres, onde parte é criança, jovens e a outra parte é adulto e muitos são
aqueles que já deram a vida para construir essa pátria (VII Encontro, p.2).
[...] tem cidadão que nasce e não tem como sobreviver porque não tem o que
comer, casa para morar [...] 80% da população, mais ou menos 104 milhões
de pessoas vivem até com um salário mínimo (dados oficiais do governo),
outros tantos milhões vivem sem renda nenhuma. Temos um sistema social
injusto175.
Em sua fala, Irma apontou inúmeros problemas de ordem social, como a concentração
de renda, a pobreza extrema e a impossibilidade do exercício da cidadania pelos menos
favorecidos. Para Irma, todas essas questões eram de ordem estruturais, resultantes das
políticas de governos que privilegiavam a elite em detrimento da classe trabalhadora e que
assim perpetuavam práticas sociais injustas. No tocante às mulheres, Irma concebia que a sua
libertação passava pela superação do Sistema Capitalista, conforme excerto abaixo:
175
Excerto retirado do relatório do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, ocorrido no ano de 1984
(p.3). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
176
A mulher e a constituinte por Irma Passoni (p.2-3). Brasília, julho de 1986. Documento está contido na pasta
395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
177
Em busca de cidadania as mulheres percorreram um caminho longo, cheio de preconceitos. Uma busca pelo
público e político que até o final do século XIX, e no caso do Brasil início do século XX, era exclusivamente
masculino (KARAWEJCZYK,2013, p.18).
122
soberana, que quer dizer uma assembleia que quem deva falar é o povo, 130
milhões178.
Por outro lado, Irma ressaltou que se a Constituinte fosse construída pelas mãos do
povo (por meio de amplos debates, formações, a sociedade civil organizada), o País teria
como principal bandeira a valorização da vida. Todavia, o desejo de Irma não se concretizou.
A despeito da pressão dos movimentos populares, em 27 de novembro de 1985, o Congresso
aprovou a proposta de cunho conservador e que seguia a linha dos militares, para a
convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte no Brasil, sendo aprovada a
Constituinte Congressual. Os Deputados, eleitos em 1986, e os Senadores, eleitos em 1982,
compuseram a Comissão (VERSIANI, 2010).
178
Excerto retirado do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, referente ao segundo semestre de 1985,
(p.5). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
179
Excerto retirado do VII Encontro de Mulheres do Noroeste Paulista, referente ao segundo semestre de 1985,
(p.3). Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de
Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
180
Excerto retirado do histórico do movimento de mulheres (p.2). Documento encontra-se na caixa 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
123
Todavia, as mulheres sabiam que o projeto educacional vigente, herdado dos militares,
estava longe de atender a necessidade do povo. A educação não era para todos, não havia
escolas suficientes para atender à população, sobretudo, a população mais carente. Com a
máxima “a educação é um direito para todos”, o grupo de trabalho elencou as seguintes
prioridades: “escola gratuita até o terceiro grau”; creches gratuitas para crianças a partir dos
seis meses de idade; educação integral; salário digno para professor; construção de prédios
adequados; equipe pedagógica multidisciplinar; etc. O MMA e o MRM, do mesmo modo,
compreendiam que uma educação de qualidade deveria partir da realidade dos sujeitos para
assim ser libertadora.
No que tange à moradia, como vimos anteriormente a partir de Oliveira (2016), que os
bairros da periferia de Andradina surgiram em decorrência do êxodo rural, famílias que
moravam no campo foram empurradas para a cidade devido à intensificação da cultura
pecuarista. Na cidade, sem emprego, essas famílias ocuparam as periferias e improvisaram
moradias. Essa era uma realidade comum para os moradores das periferias das cidades do
Noroeste Paulista, nesse sentido, partindo do preceito de que “a moradia é um direito
sagrado”, o MRM pautou as seguintes demandas:
183
De acordo com Versiani (2010), a oposição não era tão oposição assim, tratava-se de uma política conciliária.
Partidos como o PMDB, quando eleito, assumiu uma postura conservadora e isso ficou evidente quando
Sarney, em junho de 1985, enviou ao Congresso a proposta do governo de convocação de uma nova
Assembleia Nacional Constituinte no Brasil. Todavia, a proposta era de cunho conservador e previa seguir a
linha dos militares.
125
Com o título “Terra para quem nela trabalha”, o MRM trouxe o tema para o
documento, sublinhando as principais necessidades: “Reforma agrária verdadeira e não PNRA
(Plano Nacional de Reforma Agrária)186; módulo rural máximo de 200 ha; política agrícola
adequada, acompanhada de reforma agrária; incentivo de produção de alimento básico para o
consumo da população”. Ou seja, reivindicava-se um programa de reforma agrária nos moldes
184
Excerto do documento produzido durante o VII Encontro Regional de Mulheres do Noroeste Paulista (p.2).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
185
Informação retirada do Verbete temático. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/banco-nacional-da-habitacao-bnh
186
Plano Nacional de Reforma Agrária lançado pelo governo Sarney (Decreto nº 91.766 de 10 de Outubro de
1985).
126
da agricultura sustentável que, ao mesmo tempo, garantisse o sustento das famílias e a venda
dos excedentes. O governo Sarney, responsável pelo lançamento do PNRA (Decreto nº
91.766, de 10 de Outubro de 1985), não havia avançado, na prática, com programa de reforma
agrária em comparação aos governos militares (DAVID, WANIEZ, BRUSTLEIN, 1997,
p.52)187.
187
O governo Sarney (1985-1990) havia fixado, inicialmente, a meta de dar acesso à propriedade da terra a 1,4
milhão de famílias, mas beneficiou efetivamente apenas 90 mil, menos de 6% do total pretendido (DAVID,
WANIEZ, BRUSTLEIN, 1997, p.52).
188
Excerto do documento produzido durante o VII Encontro Regional de Mulheres o Noroeste Paulista (p.2).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
127
Quero juntar minha palavra de bispo desta Diocese ao apelo que já foi feito
por todos os bispos do Brasil, no mês de abril, para que consigamos a mais
ampla participação popular em uma Assembleia189.
Para o Bispo de Lins, a participação popular resultaria do trabalho de base feito por
movimentos sociais e que algumas estratégias deveriam ser consideradas:
Você deve ter ouvido falar de CONSTITUINTE, deve ter lido esta palavra
por aí, em comícios e concentrações, deve ter escutado até em novelas... o
que será que está por trás dessa palavra? CONSTITUINTE significa fazer
uma Constituição, que é a Lei Maior de todo o país; significa votar uma
grande Lei, palavra por palavra, e que vai ser a Lei que mandará em todas as
189
Excerto retirado do Boletim Informativo “A Voz do Povo”, set./out. de 1985 (p.1). Disponível no acervo do
Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
190
Excerto retirado do Boletim Informativo “A Voz do Povo”, set./out. de 1985 (p.1). Excerto retirado do
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, set./out. de 1985 (p.1). Disponível no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
191
Excerto retirado do Boletim Informativo “A Voz do Povo” nº 4, maio/set. 1986 (p.2). Disponível no acervo
do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
128
outras leis. Mas para poder votar essa Lei, criar essa Lei, é preciso que sejam
indicadas as pessoas que irão escrevê-la, passando para o papel o que for
necessário para que ela exista192.
192
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a jan./fev. de 1985 (p.7). Disponível no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
193
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a jan./fev. de 1985 (p.7). Disponível no acervo do Centro de
Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
129
194
Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a abr./maio de 1987 (p.5). Disponível no acervo do Centro
de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20
POVO.
130
Fonte: material iconográfico retirado da sexta edição do Boletim Informativo “A Voz do Povo”, referente a
novembro e dezembro de 1986
A imagem, que retrata a marcha de mulheres, traz algumas das reivindicações dos
movimentos de mulheres que iam desde pautas mais gerais até às específicas como a
igualdade de direito da mulher em relação ao homem.
Recurso também utilizado pelas organizações de mulheres, exemplo do material
produzido pela Rede Mulher com a assinatura da Irma Passoni:
Fonte: Folhetim produzido pela deputada Irma Passoni, publicado em 6 de março de 1988 (p.1)195.
195
Documento está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
131
A imagem com os dizeres “todas as mulheres do Brasil têm direitos”, que estampou a
capa do folhetim informativo produzido em 06 de março de 1988 pela Rede Mulher, e que
trazia informações acerca dos artigos aprovados pela Assembleia Constituinte, exibia um
Brasil construído por mulheres plurais. Os anos 1980 seriam aqueles identificados com a
emergência da categoria “mulheres”, resultado da crítica das feministas negras e do Terceiro
Mundo (PEDRO, 2011). O material iconográfico facilitava, igualmente, a comunicação com
as trabalhadoras não letradas.
196
Excerto retirado do Relatório do 8º Encontro Regional de Mulheres (p.1), realizado em 4 de maio de 1986.
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
132
Vilma ressalta que, por mais que a luta deva ser unificada, era preciso considerar as
especificidades, reconhecer as estruturas que faziam com que as violências e opressões se
manifestassem de maneira mais contundente com determinados grupos de mulheres, a
exemplo das mulheres negras destacadas por Vilma. O posicionamento de Vilma vai ao
encontro do pensamento da intelectual feminista Lélia Gonzalez que, contemporânea de
Vilma, sublinhava que não seria possível responder às questões das mulheres negras e
indígenas da América Latina somente por meio de uma análise de classe e de gênero, era
preciso considerar a abordagem racial igualmente, conforme Alex Ratts e Flávia Rios (2010).
De acordo com esses autores, Lélia Gonzalez evidenciou as diferentes trajetórias e estratégias
de resistências das mulheres negras e defendeu um feminismo afro-latino-americano,
colocando em evidência o legado de luta, a partilha de caminhos de enfrentamento ao racismo
e sexismo já percorridos. Assim, mais do que compartilhar experiências baseadas na
escravidão, racismo e colonialismo, essas mulheres partilham processos de resistências.
197
No documento aparece somente o primeiro nome e a sigla do partido ao qual ela representa, não estando
indicado informações referentes a cargos e funções e, até mesmo, cidade ou estado.
198
Excerto retirado do 8ºEncontro Regional de Mulheres, (p.1), realizado em 4 de maio de 1986. Documento
encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro.
133
Tínhamos essa preocupação com a mulher negra, com o povo negro na cidade,
organizamos o movimento. Teve momentos que o Movimento Negro em
Andradina, principalmente na semana do 20 de novembro, realizava discussões em
praça pública, envolvendo umas 10 mil pessoas. Cada vez mais trazíamos gente para
participar e ampliar essa discussão.
Havia um grande empenho por parte das próprias mulheres que, por vezes, arrumavam
trabalhos extras para garantirem a participação nos eventos:
Lembro que uma vez nós fomos colher algodão na fazenda do Sr. Acássio. O Sr
Acássio era um assentado da Fazenda Primavera, era da linha de frente, ele plantava
algodão e nós combinamos de ir lá... umas dez mulheres, eu estava no meio. Fomos
lá colher algodão pra ganhar um dinheiro. A maioria fez de conta, eu mesmo, só teve
uma que correu o pé no algodão. Aquela lá...Socorro do Santa Cecília. Ela colheu! E
nós passamos o dia lá colhendo algodão, no final ele pesou tudo e nos pagou...
pagou para as mulheres a colheita do algodão, pra gente pode participar do encontro,
né!?199
199
Excerto retirado da entrevista feita, por meio da História Oral, com Belkiss Maria Maciel Kudlavicz, em
Março de 2019.
200
Excerto retirado do documento intitulado de Histórico do Movimento Regional de Mulheres, (p.4).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
134
Em agosto de 1986, pautado pela ideia de que Constituinte sem mulher fica
pela metade, o CNDM organizou um grande evento no Congresso Nacional.
Para este encontro, centenas de mulheres de todas as regiões do País se
deslocaram até Brasília para – com base nas propostas recebidas
anteriormente e discutidas em plenário – aprovar a Carta das Mulheres
Brasileiras aos Constituintes. (PIMENTA, 2010, p.87).
201
Excerto retirado do documento intitulado de Histórico do Movimento Regional de Mulheres (p.4).
Documento encontra-se na caixa 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
135
Comissão Estadual de Mulheres de São Paulo que representaria a região junto ao Movimento
Popular de Mulheres do país.
estratégias para ampliação da luta, que foram sendo remediadas conforme ia se organizando o
movimento. Durante o 8º Encontro Regional de Mulheres, foi apresentado um plano de ação:
204
Excerto retirado do histórico do movimento regional referente ao ano de 1987 (p.3). Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
205
Excerto retirado do histórico do movimento regional referente ao ano de 1987 (p.3). Documento está contido
na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
137
Outro ponto importante a ressaltar é que foi nesse encontro que se aprofundou a
proposta de se elaborar a emenda popular sobre os Direitos da Mulher e suas diretrizes:
A agenda foi organizada pela Rede Mulher em conjunto com o Instituto Nacional de
Estudos Socioeconômicos. No dia 25, a comissão se reuniu e após a troca de experiência e
análise da caminhada, finalizou e aprovou a emenda. No dia 26 aconteceu o lançamento
206
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a abr./maio de 1987 (p.3).
207
Idem à referência 158.
208
Histórico do Movimento Regional de Mulher de outubro de 1987 (p.3).
138
Anexada à proposta “Direito da Mulher” foram entregues neste dia outras duas:
Mecanismos de Participação Popular com 336.047 assinaturas, e Aposentadoria da Dona de
Casa com 132.528 assinaturas211. Sendo a última, uma espécie de reparação ao trabalho da
mulher não remunerado.
209
Histórico do Movimento Regional de Mulher de outubro de 1987 (p.6). Documento contido na pasta 395 do
acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
210
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a Agosto/Setembro/Outubro de 1987 (p.5). Disponível no
acervo do Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20P
OVO.
211
Boletim “A Voz do Povo”, 41ª edição (p.5). Disponível no acervo do Centro de Documentação e Pesquisa
Vergueiro.
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%20P
OVO.
139
Como resultado do empenho de diversas mulheres espalhadas por todo o país, foram
coletadas 42.444 assinaturas referente à proposta da emenda “Direito da Mulher”. Essas
foram encaminhadas à Brasília aos cuidados da Comissão Provisória de Estudos
Constitucionais (CEC)214, responsáveis por elaborar um anteprojeto constitucional
(VERSIANI, 2010). No que concerne ao número de assinaturas, as informações fornecidas
pela Rede Mulher divergiam da apresentada pelo jornal “A Voz do Povo”, a organização
apresentou um número ainda maior de assinaturas:
212
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a Agosto/Setembro/Outubro de 1987 (p.6).
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
213
Boletim “A Voz do Povo”, 39ª edição, referente a Agosto/Setembro/Outubro de 1987 (p.6).
http://www.cpvsp.org.br/periodicos_exemplares.php?exemplares=PAVOPSP&titulo=A%20VOZ%20DO%2
0POVO.
214
A Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (CEC) foi criada por decreto do Presidente José Sarney e
inaugurada em setembro de 1985, em Brasília, atuando também no Rio de Janeiro. Foi composta por juristas
e representantes de diversos setores sociais, com a responsabilidade de elaborar um anteprojeto
constitucional, com base não só nas reivindicações dos setores sociais nela representados, mas, também, com
base nas propostas que lhe eram encaminhadas pela população, por meio de cartas (VERSIANI, 2010, p.239).
140
215
Documento que está contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação
Histórica Honório de Souza Carneiro.
141
216
Silvia Pimentel é uma das juristas pioneiras na abordagem feminista na academia brasileira. Em 1978, escreve
o livro “A Evolução dos Direitos da Mulher”, onde analisa a evolução dos direitos femininos no Brasil e
internacionalmente. Sua preocupação é o estudo dos direitos assegurados à mulher no ordenamento jurídico-
-positivo, a verificação da posição da mulher na estrutura social e, ainda, a reflexão sobre os aspectos
axiológicos da igualdade de direitos entre os sexos e a maior ou menor participação da mulher na sociedade.
A discussão desenvolvida pela autora se dá em três vertentes: abordagem jurídico-positiva, sociológica e
axiológica, com poucas referências de autoras externas (CAMPOS; SEVERI 2019, p.7).
217
O parágrafo I do artigo 178 e 219 do Código Civil de 1916, previa que o homem poderia revogar o casamento
caso constatasse, no prazo de até dez dias, que a mulher não era mais virgem.
218
Excerto retirado das páginas 2 e 3 do Relatório do 9º Encontro do Movimento Regional de Mulheres, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
142
O aborto219 estava incluso nesse último item e aparecia, com uma certa frequência, nas
discussões feitas durante os encontros. Isa220, ao ser questionada por uma das participantes do
encontro se o PCB apoiava o aborto, respondeu: “A mulher rica faz aborto com toda a
segurança. A mulher pobre deve poder recorrer à previdência”. Em seguida, Rosalina Santa
Cruz221 (uma das participantes do encontro), ressalta:
As convidadas concluem que nas leis, por terem sido escritas por homens, havia
inúmeros mecanismos discriminatórios que corroboravam para naturalizar a subordinação da
mulher e, consequentemente, as violências empregadas contra ela e por isso era
imprescindível o protagonismo da mulher na escrita da Nova Constituição. Reflexões feitas
pelo MMR, MMA e outros movimentos de mulheres espalhados pelo País deram origem ao
documento intitulado de Carta das Mulheres aos Constituintes.
219
Proibição legal inscrita no Código Penal brasileiro de 1940, no qual o aborto é considerado crime, salvo em
risco de vida da mulher e em gravidez decorrente de estupro. É crime raramente punido, tanto para as
mulheres que o realizam como para as parteiras, ou para os médicos que o executam, mesmo com a
ocorrência de morte da gestante. Entretanto, não podemos desconsiderar a força simbólica dessa interdição
penal sobre o imaginário social e subjetivo de quem o pratica, já que há notificações policiais, processos
penais, enfim, todo um aparato criminal disponível em torno do aborto, mesmo que ele não resulte em
condenação (SCAVONE, 2008, p. 675).
220
No documento, Isa é apresentada como representante da convidada Vilma Lúcia do PCB.
221
Formada como Assistente Social, Roselina Santa Cruz é uma Importante intelectual feminista que que teve
um importante papel na reabertura democrática. Rosalina foi uma das intelectuais responsáveis pela formação
do Partido dos Trabalhadores. Informação retirada do CPDOC Getúlio Vergas.
http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista662.pdf
222
Excerto retirado Relatório do 9º Encontro do Movimento Regional de Mulheres (p.3), que está contido na
pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza
Carneiro.
143
A Carta das Mulheres brasileiras aos Constituintes foi compreendida por autoras como
Silva (2010), como a síntese de um conjunto de reivindicações elaboradas de maneira coletiva
e colaborativa por mulheres de todo o Brasil e de diferentes segmentos sociais, o que foi
possível demonstrar a partir da participação efetiva do MMA na construção do documento.
Para Céli Pinto (2010):
223
Fonte do Senado: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/06/lobby-do-batom-marco-
historico-no-combate-a-discriminacoes
144
O jornal “A Voz do Povo” por sua vez, na edição referente a janeiro e fevereiro de
1988, denuncia o autoritarismo praticado pelo Presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses
Guimarães:
Esse ato, de acordo com os editores do jornal, não condizia com o processo
democrático em curso, realizado pela Constituinte.
224
Folhetim informativo “Mulher” (p.3). Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
225
Mulheres na Constituinte de 1988. Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Coordenação de
Histórico de Debates Escrevendo a História. Brasília, 2011. Disponível em:
145
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-
constituicao-de-1988/mulher.
226
Mulheres na Constituinte de 1988. Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação. Coordenação de
Histórico de Debates Escrevendo a História. Brasília, 2011. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-
constituicao-de-1988/mulher-constituinte/mulher-constituinte-1
227
Excerto retirado do documento intitulado “Carta aos Constituintes” (p.1). Documento encontra-se na caixa
390 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
146
228
O temo “nova ordem”, que aparece no documento, faz alusão às transformações sociais que resultariam da
implementação da “nova Constituição.
229
Excerto retirado do relatório referente à reunião de coordenação de 4 de dezembro de 1988.
147
230
Excerto retirado do Manifesto do Movimento Regional de Mulheres, página 3, redigido no dia 6 de março de
1988, na cidade de São José do Rio Preto. Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
231
Excerto retirado do Manifesto do Movimento Regional de Mulheres, página 3, redigido no dia 6 de março de
1988, na cidade de São José do Rio Preto. Documento encontra-se na caixa 390 do acervo do IAJES, que se
encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.
232
Relatório da reunião de coordenação do MRM, referente a 9 de abril 1988.
148
reivindicações apresentadas pelo grupo, por meio das emendas constitucionais com as 30 mil
assinaturas, não tratavam somente de temas referentes à mulher, mas, igualmente,
contemplava o interesse do povo de modo geral, como é possível observar no quadro a seguir.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem Art. 8º É livre a associação profissional ou
especial proteção do Estado. sindical, observado o seguinte: (...)
Entretanto, vale ressaltar, a exemplo que foi apresentado, o “Lobby do Batom” não
esteve sozinho nessa empreitada, na mesma trincheira estavam o CNDM, organizações como
a Rede Mulher e Mulheres Autônomas, e os movimentos de mulheres e feministas de todo o
País.
Não obstante, a atuação das mulheres contemplava agendas que estavam para além da
questão de gênero, seja no Parlamento, nas organizações, nos conselhos, nos movimentos de
bairros, mulheres aguerridas reivindicavam pautas de interesse da classe trabalhadora, pois
concebiam que a opressão contra a mulher se articulava com a luta de classes.
3.8 PÓS-CONSTITUINTE
Conquista que foi comemorada pelo MMA/MRM, que tinha consciência da relevância
histórica de sua participação, afinal sabia-se que a atuação inédita das mulheres na
Constituinte, seja por meio das organizações/movimentos ou do Parlamento, significou um
grande avanço para as mesmas, bem como para toda a população brasileira. Entretanto, havia
por parte de ambos os movimentos a compreensão acerca da distância entre a promulgação da
lei e a conquista dos direitos de fato:
233
Excerto retirado da entrevista realizada com Marivalda Barreiros no dia 11 de Junho de 2020, via Google
Meet.
151
As representantes das cidades de Andradina, Lins, São José do Rio Preto e outras
localidades, fizeram uma passeata e entoaram cânticos e palavras de ordem que enalteciam a
luta da mulher. Marchar nas ruas com materiais visuais era (e ainda é) uma estratégia do
movimento feminista e da mulher daquele período, tendo em vista que objetivava demonstrar
para a sociedade a condição de submissão da mulher e, ao mesmo tempo, apontar para a
necessidade de mudança (CEREGATTI; LOPEZ; FARIA; MORENO; NOBRE; PROVAZI;
2015, p.61).
Enquanto isso, o MMA seguiu com os trabalhos em torno de temas como creches;
violência contra a mulher; a luta pela terra; liberdade democrática; entre outros. Desse modo,
objetiva-se demonstrar para as autoridades locais a vigilância constante e a capacidade de
mobilização do movimento de mulheres para garantir que a relação de direitos contidos nas
páginas da Constituição fosse, de fato, implementada. As mulheres de Andradina
demostravam disposição para manter e ampliar a participação das mulheres nos espaços de
poder, outrora ocupados somente por homens.
234
Excerto retirado do documento intitulado de Dia Internacional da Mulher, referente ao de 1989- p.6, que está
contido na pasta 395 do acervo do IAJES, que se encontra no Núcleo de Documentação Histórica Honório de
Souza Carneiro.
152
BREVES CONSIDERAÇÕES
Quando iniciei essa pesquisa tencionava responder a questões acerca do MMA, que
me foram suscitadas após a leitura das primeiras fontes, como: as ideologias, os pilares
teóricos, a práxis, as práticas discursivas e as contradições vivenciadas por esse movimento.
Buscava apreender o que fez um grupo de mulheres se organizar enquanto movimento,
quando estavam imersas em um regime no qual os movimentos sociais eram vistos como
inimigos, onde as liberdades de expressões não eram respeitadas e havia um esforço para
manter a classe trabalhadora sob jugo do Estado e da classe dominante. Igualmente, ansiava
apreender como se dava a atuação do movimento, e os limites dessa, dentro da Igreja, uma
instituição naturalmente conservadora e patriarcal. Indagações que nortearam essa pesquisa e
corroboraram para eu não perder de vista aspectos como a dinâmica e a dialética presentes no
MMA; e, ainda, me possibilitaram construir essa narrativa.
A etapa regional, que ocorre a partir de 1982, se traduz no momento em que mulheres
de Andradina ampliam sua rede de sociabilidade, quando passam a frequentar o Encontro
Regional de Mulheres e a integrar o MRM. A denominação “Movimento de Mulheres de
Andradina” é fixada nesse momento, tendo em vista que os movimentos que compunham o
MRM eram identificados com o nome de suas respectivas cidades. A atuação política das
mulheres do IAJES se torna mais evidente, assim como a autonomia dessas. Há, nesse
momento, uma aproximação com as militantes e intelectuais feministas, como Irma Passoni e
outras que costumeiramente eram convidadas para participar dos Encontros Regionais
promovidos pelo MRM.
Terminada a apresentação dessas três fases/etapas, ressalto que essa divisão justifica-
-se como uma escolha por tornar inteligível ao interlocutor os caminhos trilhados pelo MMA
dentro da temporalidade estudada, no entanto, sublinho que essa mesma divisão não abarca a
complexidade inerente ao movimento. Explico: dentro do período que chamei de “etapa
regional”, as Visitadoras estabeleciam redes de sociabilidades, ainda que menos frequentes,
com grupos de fora de Andradina a partir da metade da década de 1970, o IAJES se tornou
154
Falar do MMA é falar de força, de uma força feminina que pulsou resistência e seguiu
os princípios libertários das lutas de povos contra a repressão do Estado e da elite dominante.
É falar da classe explorada que se insurge contra o sistema que a oprime, de um contra-ataque
legítimo às estruturas históricas de dominação e controle que teve como campos de batalha os
cenários mais profundos e ordinários que se encontravam nos terrenos da vida cotidiana. O
verdadeiro processo de transformação aconteceu no interior dos espaços comuns da vida
cotidiana: nos encontros, nas assembleias de bairro, na própria sala de casa. Espaços onde as
mulheres de Andradina conquistaram direitos e ampla participação política.
155
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