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LAUDO ANTROPOLÓGICO

Terceira Vara da Justiça Federal


Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso
Processo no 1997.36.00.002302-2
Classe 05104 – Ação possessória
Autor: Carlos Roberto Tarallo Rodrigues e outro
Réu: FUNAI e outro

Introdução
Este Laudo traz os resultados da Perícia realizada no
cumprimento do mandado expedido nos autos do Processo
1997.36.00.002302-2, da 3ª Vara da Justiça Federal, Seção
do Estado de Mato Grosso, proposta por CARLOS ROBERTO
TARALLO RODRIGUES E OUTRO contra a FUNAI e UNIÃO FEDERAL.
Os quesitos foram formulados pela FUNAI e Advocacia-Geral
da União às fls. 171 a 173 do referido Processo, pelos
Autores às fls. 177, 178 e 181, e pelo Ministério Público
Federal às fls. 413 a 414. Na audiência para início da
Perícia, marcada para 12 de março de 2001, às 14 horas, na
Secretaria da 3ª Vara em Cuiabá, não compareceram os
assistentes técnicos designados pelas Partes. O prazo
estipulado para realização da Perícia foi de sessenta dias.

A viagem de vistoria foi realizada entre 14 e 20 de


março de 2001, tendo este perito se deslocado à cidade de
Confresa (MT), onde fretou um veículo utilitário do sr.
Arnaldo Pereira Vasconcelos. Alguns membros da comunidade
indígena, em particular Elber Kamoriwa’i, Cantídio Taywi e
Valdemar Makapixowa, acompanharam as várias etapas de
vistoria da área sub judice e o levantamento de informações
nas quatro aldeias situadas na área indígena Urubu Branco e
imediações da Fazenda Santa Laura (conforme o roteiro
traçado no mapa “Situação atual e referências históricas”;
Anexo 12). A posição geográfica das atuais aldeias e demais
locais foi obtida com um aparelho GPS, modelo Garmin 12.
Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
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Os dados documentais examinados para deslindar a


ocupação tradicional indígena (ver Bibliografia consultada)
foram extraídos de livros e artigos de conceituados
antropólogos cujos estudos versaram sobre a sociedade
tapirapé, dentre os quais Herbert Baldus e Charles Wagley,
bem como de inúmeros relatos escritos por viajantes,
expedicionários, sertanistas e missionários que visitaram a
região do Araguaia desde as primeiras décadas do século XX
– estas obras foram localizadas nas bibliotecas da
Universidade de São Paulo (FFLCH, IEB, Museu de Arqueologia
e Etnologia e Museu Paulista). Foram também consultados o
Departamento de Documentação da FUNAI, em Brasília, que
detém os processos de identificação das terras indígenas, o
Serviço de Arquivos do Museu do Índio, no Rio de Janeiro,
onde se encontram microfilmados os Arquivos do SPI –
Serviço de Proteção aos Índios, o acervo do CIMI – Regional
Mato Grosso e arquivos pessoais.

Com o objetivo de facilitar a compreensão e evitar a


repetição de dados e argumentos, procurei reunir os
quesitos afins em quatro tópicos: o primeiro aborda a
ocupação indígena; o segundo traz informações sobre o
quadro fundiário; o terceiro trata do processo que levou à
demarcação das áreas indígenas Tapirapé/Karajá e Urubu
Branco; e o quarto caracteriza a situação da área sub
judice. Os mapas, em anexo, foram extraídos de diversas
bases cartográficas, de maneira ilustrar os dados colhidos
no transcurso dos trabalhos de campo e nas fontes
documentais que subsidiaram a elaboração deste Laudo.

Antes de passar aos quesitos, cabe mencionar os


principais estudos antropológicos que focalizaram a
sociedade indígena de que trata este Laudo. Conforme
observou Judith Shapiro (1979: 62), os Tapirapé são “um dos
mais bem documentados grupos indígenas do Brasil”. Em
primeiro lugar, destacam-se as pesquisas do etnólogo

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Herbert Baldus, cujo treinamento em antropologia teve


início na Alemanha; já naturalizado brasileiro, respondeu
ao longo de muitos anos pela seção de Etnologia do Museu
Paulista. Seus interesses voltavam-se à etnografia
comparada, especialmente a cultura material e a difusão de
costumes e traços culturais. Visitou os Tapirapé nos anos
de 1935 e 1947, e dedicou-lhes uma alentada monografia,
“Tapirapé: tribo tupí do Brasil central” (Baldus, 1970) e
vários artigos (Baldus, 1935; 1940; 1948; 1955; 1956; 1958;
1964; 1967; 1979). Em 1947 o SPI encarregou-o de
inspecionar as tribos da bacia do Araguaia, quando se fez
acompanhar do médico dr. Haroldo Cândido de Oliveira - este
analisou o quadro nosológico dos Tapirapé (Oliveira, H. C.
de, 1950).

O antropólogo norte-americano Charles Wagley, que


iniciou suas pesquisas no Brasil justamente entre os
Tapirapé, com eles esteve durante quinze meses em 1939-
1940, tendo retornado para curtas estadias em 1953, 1957,
1959 e 1965. Vinculado à Universidade de Columbia e sob a
orientação de Ralph Linton, então um dos expoentes dos
estudos sobre “aculturação”, Wagley havia planejado estudar
o processo de contato recente dos Tapirapé com o mundo
ocidental. No Brasil contou com o apoio e o patrocínio de
Heloisa Alberto Tôrres, então diretora do Museu Nacional do
Rio de Janeiro. Publicou uma brilhante monografia,
“Lágrimas de boas vindas: os índios Tapirapé do Brasil
Central” (Wagley, 1988), e diversos artigos, tratando de
questões relacionadas à depopulação e às mudanças sociais e
culturais em curso (Wagley, 1940a; 1940b; 1942; 1943; 1945;
1951; e 1955). O prof. Wagley, quando na direção do
Institute of Latin American Studies, encaminhou Judith
Shapiro para dar continuidade às pesquisas de campo entre
os Tapirapé; a antropóloga ali esteve em 1966, 1967 e em

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1974, examinando certos aspectos do parentesco, do ritual e


da sua história (Shapiro, 1968a; 1968b; 1979).

Por sua vez, pesquisas lingüísticas têm sido


conduzidas por Yonne Leite, do Museu Nacional, há vários
anos (ver Wagley, 1988: 21-27; Paula, 2001).

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A ocupação indígena

QUESITOS DA FUNAI DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO


1. Ao final do século passado, como compreendia-se o
território tradicional de ocupação indígena dos grupos
Tapirapé e Karajá?
7. Qual a importância na sobrevivência físico e cultural
do grupo Tapirapé o retorno as áreas tradicionais,
liberando-se dos Karajá?

QUESITOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


2. De quando data a ocupação tradicional Tapirapé sobre o
território compreendido pela Terra Indígena oficialmente
declarada?
5. Os índios Tapirapé foram deslocados, removidos,
expulsos, transferidos do território tradicional
localizado nas redondezas da Serra do Urubu Branco? Como
isso teria se dado?
6. Durante o período de ausência sobre o território
tradicional, na região da Serra do Urubu Branco, os
Tapirapé mantiveram vivos os laços que os unem àquela
faixa territorial?

Os conceitos principais aqui utilizados, para fins da


peritagem antropológica, decorrem das definições
sancionadas pela Constituição Federal de 1988, que em seu
Artigo 231, capítulo VIII, reconhece aos índios “sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam”. Na tarefa de identificar quais
são as “terras tradicionalmente ocupadas”, cabe portanto
considerar os critérios fixados no parágrafo primeiro do
mesmo artigo:

- as por eles habitadas em caráter permanente;

- as utilizadas para suas atividades produtivas;

- as imprescindíveis à preservação dos recursos


ambientais necessários a seu bem-estar; e

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- as necessárias a sua reprodução física e cultural,


segundo seus usos, costumes e tradições.

Tais terras, conforme os parágrafos seguintes do


Artigo 231, “destinam-se a sua posse permanente, cabendo-
lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes”; e “são inalienáveis e
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.
Vale notar que a Constituição vedou a remoção dos grupos
indígenas de suas terras, exceto “em caso de catástrofe ou
epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse
da soberania do País”, ad referendum do Congresso Nacional,
garantindo-lhes contudo “em qualquer hipótese, o retorno
imediato logo que cesse o risco”.

A fórmula encontrada pelos legisladores, que confirmou


a natureza e a abrangência da “posse indígena”, cujo amparo
constitucional remonta à Carta de 1934 e às subseqüentes,
tem entre outros méritos o de guardar uma notável
semelhança com o conceito antropológico de habitat
indígena, qual seja, uma relação cultural e historicamente
constituída entre uma sociedade e um dado espaço
geográfico. O habitat ou território indígena, portanto,
diferencia-se claramente de outras modalidades de posse ou
propriedade também sancionadas pela legislação brasileira.
Para o renomado jurista João Mendes Júnior, o indigenato
consiste num “título congênito”, um “domínio a reconhecer e
direito originário e preliminarmente reservado” (Mendes
Júnior, 1912: 58-59). A identificação e caracterização de
um território indígena, desta maneira, exige o exame das
formas singulares de uso dos recursos naturais pela
população indígena respectiva, a sua organização social e a
distribuição espacial dos seus contingentes demográficos,
os vínculos morais e mitológicos que mantêm com um certo
conjunto de acidentes geográficos, a percepção histórica de
sua continuidade nos mesmos locais onde viveram e morreram

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seus antepassados, uma convicção genuína de um porvir


enquanto sociedade culturalmente distinta. Feitas estes
comentários acerca dos conceitos que serão utilizados,
vejamos a seguir como se configura a ocupação tradicional
dos Tapirapé sobre seu território.

Os Tapirapé formam um povo de língua Tupi-Guarani que


desde o século XVIII, ou mesmo antes, já habitava as terras
ao norte do rio Tapirapé, afluente do médio Araguaia, no
atual estado de Mato Grosso. Nos relatos, crônicas,
correspondências e mapas minuciosamente esquadrinhados por
Herbert Baldus temos as evidências históricas suficientes e
inequívocas de sua ocupação por mais de dois séculos,
balizada pela existência de aldeamentos Tapirapé a oeste da
ilha do Bananal (Baldus, 1970: 20-38). Neste sentido, o
mapa setecentista que Baldus reproduz em seu livro à página
34 (ver mapa “Curso médio do Araguaia - século XVIII”,
Anexo 1), representa exatamente o estado dos conhecimentos
geográfico e etnográfico à época: os Tapirapé posicionados
num afluente da margem direita do Araguaia, e os Karajá na
margem oposta. Sua digressão histórica apoia ainda certas
notícias de que, no mesmo período, um grupo tapirapé teria
convivido com os Javaé, um dos subgrupos Karajá, na ponta
setentrional da ilha do Bananal (Baldus, 1970: 35-38).

Um sumário da situação territorial dos Tapirapé já no


limiar do século XX encontra-se na monografia de Charles
Wagley:

“O território da tribo, em 1900 e antes dessa data,


estendia-se para oeste do rio Araguaia e norte do rio
Tapirapé. Era uma imensa área, inexplorada em 1900, e
ainda hoje pouco conhecida dos brasileiros. Até 1900, os
Tapirapé nunca ultrapassavam o sul do rio Tapirapé com
medo dos Xavante [...]. Sua expansão para o norte era
considerada perigosa por causa dos vários grupos Kayapó,
que ocasionalmente os atacavam. Acreditavam ter sido a
terra a oeste, habitada pelos Ampanea, os quais podem ter
sido apenas um povo mítico. Tampouco se aventuravam a
leste do rio Araguaia por temor aos Karajá. Em 1900, a

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fronteira ocidental do Brasil terminava no rio Araguaia,


e os Tapirapé ignoravam os poucos sertanejos e as
expedições científicas que, ocasionalmente, viajavam ao
longo desse rio. Em 1900, não havia razão para os
Tapirapé perambularem mais além de seu próprio
território, pois este cobria centenas de milhas
quadradas, o que era mais do que suficiente para suas
necessidades de subsistência” (Wagley, 1988: 49).

Temos assim que os Tapirapé, desde há dois ou três


séculos atrás, já haviam se firmado como um enclave de
origem Tupi no interior de um território largamente
dominado por populações filiadas ao tronco lingüístico Jê:
os Karajá a leste, os Xavante ao sul, os Suyá a oeste e os
Kayapó ao norte. No croquis “Localisação dos índios da
Prelazia” (Anexo 2), publicado na década de 40, os
missionários dominicanos situaram os subgrupos Kayapó
“Gorotire” e “Djore” ao norte, e os Tapirapé exatamente nos
contrafortes e arredores da serra do Urubu Branco (Audrin,
1947: 70). Por sua vez, o “Mapa etno-histórico” que Curt
Nimuendaju elaborou em 1944, no qual este eminente etnólogo
consolidou um vasto rol de dados acerca da distribuição dos
povos e línguas indígenas no Brasil, vemos os Tapirapé
circundados pelos Xavante, Karajá e Suyá (Anexo 3).

De modo que a proximidade com os grupos Jê, portadores


de tradições culturais e lingüísticas bem distintas, não
obstante a extensa história de ataques, raptos e saques,
veio efetivamente a exercer alguma influência sobre esta
sociedade Tupi. Certos traços na organização social
tapirapé são reveladores dessa interação prolongada com as
sociedades Jê: o desenho circular da planta da aldeia; a
“casa-dos-homens” (takara) no seu centro; as metades
cerimoniais (“associações pássaros”, masculinas); as
classes de idade; e certos elementos da cultura material
(cf. Wagley & Galvão, 1946: 4).

Segundo Charles Wagley, em fins do século XIX havia


pelo menos cinco aldeias tapirapé disseminadas pela região

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a oeste do rio Araguaia, distribuídas num arco desde o rio


Tapirapé até o interior do estado do Pará. Cada aldeia
comportava então seis a dez casas e uma população entre 200
a 300 pessoas (Wagley, 1988: 54). O autor estima daí que, à
época, a população total tapirapé alcançaria entre 1.000 a
1.500 pessoas. Do sul ao norte, seriam as seguintes
aldeias, com os respectivos comentários retirados de Baldus
e de Wagley (os nomes estão de acordo com a grafia atual da
língua tapirapé):

- Tapi’itawa (“Aldeia da anta”): aldeia onde Baldus e


Wagley fizeram suas pesquisas; era a maior e a mais
populosa e, em razão de sua posição estratégica, nas
proximidades do rio Tapirapé, tornou-se ao longo da
primeira metade do século XX o centro de contatos e trocas
com visitantes, missionários e outros, e também de
irradiação de doenças (gripe, varíola, malária); por outro
lado, a desativação sucessiva das aldeias mais ao norte,
devido à depopulação e o temor de ataques dos Kayapó, levou
a maior parte dos refugiados a concentrar-se em Tapi’itawa;
afinal, em 1947, após mais uma ação bélica kayapó, seus
moradores dispersaram-se e buscaram abrigo entre sertanejos
e no posto do SPI, na foz do rio Tapirapé (Wagley, 1988:
61-62);

- Maakotawa (“Aldeia de Maako”, nome de um karajá


morto pelo Tapirapé; antes denominada Korowatawa, “Aldeia
da abóbora”); por volta de 1930-32 estava com a população
tão reduzida que foi abandonada; os poucos sobreviventes se
refugiaram em Tapi’itawa, atraídos pelos artefatos
manufaturados que os missionários dominicanos traziam em
suas visitas anuais ao porto São Domingos (Wagley, 1988:
57);

- Moo’ytawa (“Aldeia da planta moo’ywa”, ou taquari,


matéria prima para flechas): segundo Wagley esta aldeia
fora abandonada em torno de 1908, devido a epidemias de

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malária que dizimaram metade da população; os sobreviventes


mudaram-se então para Xexotawa (Wagley, 1988: 55); a
Baldus, contudo, disseram que esta aldeia teria sido
assaltada e destruída em 1932 pelos Kayapó (Baldus, 1979:
44) – tal informação, todavia, talvez diga respeito a
aldeias mais ao norte, uma vez que a distância seria de
“dez dias de marcha” de Tapi’itawa (Baldus, 1970: 60), algo
como 200 a 300 quilômetros;

- Xexotawa (“Aldeia do peixe”): na região do alto


curso do rio Santana; em 1939, quando se reuniram aos de
Tapi’itawa, possuía uma população pequena, cerca de
quarenta pessoas (Wagley, 1988: 60); em 1947 Baldus soube
que a aldeia novamente se reorganizara, com umas vinte
pessoas, sob a liderança de Kamaira; entretanto, vieram
depois a dispersar-se em dois grupos, por ocasião de um
ataque noturno dos Kayapó - o primeiro, composto por cinco
pessoas, afinal alcançou as proximidades de Lago Grande em
1964; o segundo, que se fixou no local da aldeia Xoatawa,
nas proximidades do alto curso do rio Gameleira, ficou
reduzido a três pessoas, encontradas por um caçador em 1970
(Wagley, 1988: 62-63; Toral, 1994);

- Arapatawa (“Aldeia do peixe anapa”): em terras do


atual estado do Pará, foi abandonada em 1905 após repetidos
ataques dos Kayapó; os remanescentes juntaram-se as aldeias
mais ao sul (Wagley, 1988: 55-56).

A localização aproximada dessas aldeias foi indicada


por Wagley no mapa “Território tapirapé” (1988: 56; Anexo
4). A estas cinco aldeias, o autor adiciona referências a
uma sexta, chamada Xanopatawa (“Aldeia do Jenipapeiro”),
provavelmente situada ao norte de Anapatawa (Wagley, 1988:
55, nota 8).

A distância entre uma aldeia e outra estimava-se em um


dia de caminhada, através de trilhas que atravessavam a

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mata densa. Segundo Cantídio Taywi, havia então dois


caminhos entre Tapi’itawa e Xexotawa, um que contornava a
serra do Urubu Branco a leste, cruzando assim a área sub
judice, e outro que seguia a oeste da referida serra.

Os Tapirapé construíam suas aldeias, em geral, em


áreas de floresta, porém não muito afastadas da savana
aberta ou “varjão” (designado “xõ” pelos Tapirapé), onde
costumavam acampar na estação seca. Tal situação
proporcionava aos Tapirapé um uso múltiplo dos recursos
naturais, através de deslocamentos sazonais entre a
floresta, onde estavam as aldeias e as roças, e os
acampamentos de caça e pesca no varjão. Transcrevo abaixo a
descrição muito precisa que Wagley fez das modalidades de
ocupação territorial e as atividades produtivas dos
Tapirapé:

“Os Tapirapé eram, fundamentalmente, horticultores e suas


aldeias localizavam-se na floresta. Um local ideal para
se construir uma aldeia era justamente o de Tampiitawa,
em 1939-40. Situava-se no interior da floresta, cerca de
15 ou 20 quilômetros afastada da savana, em um terreno
relativamente elevado, não inundável na estação chuvosa.
A 50 metros da aldeia, havia um pequeno córrego de águas
claras, e próximo a ela ficava a floresta, isto é, as
terras apropriadas para a abertura das roças.
Conseqüentemente, as plantações distavam cerca de 15 ou
20 minutos de caminhada da própria aldeia. Nem toda a
área ao redor era cultivável, pois havia grandes
afloramentos lateríticos, e trechos de terra cobertos
pela capoeira, onde, em algum tempo, o terreno havia sido
preparado para o cultivo e, posteriormente, abandonado.
Em 1939-40, o local da aldeia já vinha sendo ocupado há
vários anos, pois parece ser o mesmo que Baldus visitou
em 1935. Não se pode afirmar ao certo que, em 1900, todas
as aldeias Tapirapé estavam tão bem localizadas quanto a
de Tampiitawa, mas a descrição das outras aldeias por
membros da tribo indicam que elas estavam relativamente
bem localizadas.
Tradicionalmente, as aldeias eram mudadas de local a cada
cinco ou sete anos. As técnicas agrícolas empregadas
pelos Tapirapé exigiam um desmatamento anual para a
abertura de novas roças. Em conseqüência, uma floresta
densa, apropriada a esta técnica de cultivo, só podia ser
encontrada em locais cada vez mais longe da aldeia. Tão
logo as pessoas verificavam que suas roças estavam
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localizadas, a uma distância considerável da aldeia,


tratavam de mudá-la. Foi o que ocorreu no caso de
Tampiitawa, em 1940, assentada no mesmo local passados,
pelo menos sete anos, embora as áreas de cultivo não
parecessem tão afastadas. Assim sendo, uma mudança de
localização da aldeia não era casual, tampouco mudava
para um local completamente novo. Os habitantes de
Tampiitawa se lembravam de pelo menos cinco lugares onde
suas aldeias tinham sido localizadas. Todos eles
preenchiam os critérios julgados necessários a uma boa
aldeia: a terra era suficientemente alta para não ser
inundada na estação chuvosa; havia um córrego perene, que
nunca secava na estação seca; a aldeia ficava a uma
distância razoável da savana e próximo de uma floresta
densa apropriada para a agricultura. Para atender esta
última exigência, a floresta devia ter um pousio de, pelo
menos, 20 anos ou mais. Ou seja, os Tapirapé nunca
retomavam a um local habitado em um espaço de tempo
inferior a esse.
A localização da aldeia era importante para os Tapirapé.
Embora fossem um povo basicamente da mata, também
dependiam da exploração da savana e do rio. Suas
atividades econômicas eram sazonais e requeriam múltiplas
condições ambientais. Não se pode dizer que os Tapirapé
trabalhavam em tempo integral, em qualquer atividade
econômica. Em ordem de importância eram, em primeiro
lugar, horticultores, e em segundo, caçadores e
pescadores e, finalmente, coletores. O fim da estação
seca e o início da chuvosa, isto é, por volta de julho
até novembro, era a melhor época para as atividades
agrícolas. A caça era exercitada ao longo do ano, sendo
especialmente gratificante em fevereiro e março, quando a
subida das águas atraía queixadas, caititus, pacas e
outros animais para as ilhas de terras altas na savana e
na floresta. O fim da estação seca, de agosto a novembro,
era o melhor período para a pesca. Então, os lagos pouco
profundos da savana já não estavam ligados ao rio pelos
córregos, e os peixes neles represados eram facilmente
pescados com arco e flecha. Nessa época, os pequenos
igarapés da floresta retomavam a seus leitos, onde
abundavam peixes miúdos. Ao baixarem as águas do rio
Tapirapé, cardumes vindos do Araguaia subiam aquele rio
para desovar, e os tracajás e tartarugas punham seus ovos
nas areias brancas das praias já expostas. A maioria das
frutas silvestres, coletadas pelos Tapirapé, amadureciam
na estação seca. Assim, muitas vezes a pesca era
praticada juntamente com a coleta.
Em 1939-40 e anteriormente, as atividades múltiplas e
estacionais dos Tapirapé levou-os a uma vida seminômade.
Isto não significa que não tivessem uma aldeia fixa, uma
vez que Tampiitawa era um núcleo habitacional permanente.
Ocasionalmente, contudo, durante as chuvas de novembro a
maio ou junho, grupos de homens ausentavam-se da aldeia
por um ou mais dias a fim de caçar. Durante a estação
seca, os Tapirapé viajavam diariamente da aldeia para a
savana. Grupos da famílias construíam abrigos temporários

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na savana, onde acampavam enquanto caçavam, pescavam e


coletavam castanhas e frutos silvestres. Um lugar
favorito para tal acampamento era perto de um pequeno
lago chamado Tucunaré (nome de um peixe muito apreciado).
Os homens saíam a cada dia para pescar no rio Tapirapé,
recolher ovos de tracajá, pegar tartaruga e caçar na
savana. Tanto os homens quanto as mulheres coletavam
frutos silvestres, tais como pequi e castanhas-de-bacaba
que cresciam nas florestas de galeria. Muitas vezes
punham fogo na savana tão logo os tenros brotos de capim
pudessem atrair a caça. No início de 1940, a caça
abundava na savana ao longo do rio Tapirapé,
especialmente pequenos veados chamados campeiros. Mas não
eram o objeto de caça favorito, pois sua carne constituía
um tabu para grande parte da população. Havia também,
perto do rio, queixadas, que perambulavam em bandos,
caititus, tatus, marrecos-caboclos, patos-do-mato e
algumas variedades de galináceos. De qualquer maneira,
nessa época do ano, a pesca era o objetivo principal, e
os Tapirapé falavam na mudança para a savana "para comer
peixe".
Durante aquele período, Tampiitawa nunca ficava
totalmente abandonada. As roças situavam-se perto da
aldeia e sempre havia famílias ali residindo. As mulheres
preparavam farinha de mandioca e os homens limpavam novas
terras para o plantio no início das chuvas. A farinha de
mandioca tinha de ser carregada para o acampamento na
savana, pois nenhum Tapirapé comia carne ou peixe sem
ela. A derrubada da mata para a abertura dos roçados
podia prosseguir durante toda a estação seca, com um
homem trabalhando por poucos dias consecutivos, ou um
grupo de homens da aldeia limpando o terreno de uma só
vez, em trabalho comunitário (mutirão) chamado apachiru”
(Wagley, 1988: 71-73).

Muito embora divididos em cinco aldeias no início do


século XX, os Tapirapé compunham um sistema sócio-cultural
bem integrado, que partilhava língua, instituições, padrões
culturais comuns e trocas matrimoniais, embora em certas
ocasiões enfatizassem a filiação e a identificação aos
locais de residência (Wagley, 1988: 101). Tal quadro, no
entanto, seria fortemente abalado pela depopulação
acelerada, em razão das doenças epidêmicas e do assédio
bélico de tribos inimigas (os Karajá e os Kayapó). A
varíola teria sido introduzida em 1895 mais ou menos, e
causou a debandada de uma aldeia, após a morte de muitos
habitantes. Por volta de 1900, a gripe levou ao

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desmembramento de uma segunda aldeia. A febre amarela teria


grassado em várias ocasiões. E, novamente em 1920, a
epidemia mundial de gripe chegou ao Araguaia e aos
Tapirapé. De acordo com Wagley, o despovoamento provocou
modificações substantivas no papel dos chefes, na
composição das residências, nas associações cerimoniais e
nos arranjos matrimoniais (Wagley, 1942).

Destarte, os contatos com exploradores, missionários e


outros visitantes não proporcionaram aos Tapirapé apenas a
aquisição de novos utensílios e bens industriais que
facilitavam as tarefas diárias, mas fatalmente serviram de
veículo para a disseminação de doenças antes desconhecidas
(varíola, gripe etc.) e a quase extinção do grupo.

Em 1911 uma turma de cearenses a procura de seringais,


chefiada por Alfredo Olímpio de Oliveira, subiu o rio
Tapirapé e atravessou os campos, deparando-se com os
Tapirapé na aldeia de Tapi’itawa. A narrativa desta viagem,
publicada primeiramente por Angyone Costa na Folha do
Norte, em 29 de julho de 1912 (Costa, 1980: 181-182), deixa
entrever os efeitos danosos já em curso: as aldeias estavam
reduzidas a três e havia indícios de contaminação por
“tuberculose”, “bexiga” e “catapora”. Não teriam sido
estes, portanto, os primeiros civilizados que ali chegaram;
havia mesmo resquícios (objetos quebrados) de uma expedição
anterior, conforme notou Alfredo Olímpio. Ao retornar à
Conceição do Araguaia, o explorador levou consigo uma
velha, sua neta e alguns homens – os homens, porém, fugiram
durante a viagem (Baldus, 1970: 46).

No ano seguinte, de acordo com a notícia publicada


pelo jornal O Paiz (Rio de Janeiro) em 9 de outubro de
1912, o inspetor Francisco Mandacaru de Araujo, da seção de
Goiás do recém criado SPI – Serviço de Proteção aos Índios,
comandou uma expedição oficial ao rio Araguaia, tendo
percorrido dezoito aldeias karajá, seis javaé e uma

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tapirapé, esta situada a seis léguas e três quartos (cerca


de 45 quilômetros) da foz do rio Tapirapé, com 268
habitantes (Paiz, O, 1912). Na oportunidade, o inspetor
restituiu ao seu grupo a avó e a neta levadas a Conceição
do Araguaia no ano anterior. Tanto o inspetor do SPI quanto
Alfredo Olímpio tiveram como guia um índio karajá chamado
Valadar, que se dizia filho de uma mulher tapirapé raptada.
Valadar retornou ainda outras vezes aos Tapirapé, embora
fosse temido e, de maneira velada, acusado de ser o
causador das mortes por doenças desconhecidas (Wagley,
1988: 57-58).

Igualmente ciceroneados pelo guia karajá, os


dominicanos franceses, estabelecidos na Prelazia de
Conceição do Araguaia, visitaram Tapi’itawa em julho de
1914, conforme a narrativa abaixo transcrita, extraída do
livro dedicado à biografia do bispo Domingos Carrérot:

“Uma outra interessante tribo, a dos Tapirapés, começou a


ser evangelizada durante a administração espiritual do
Frei Domingos. Esses índios vivem retirados no extremo
sul do estado do Pará [o limite sul do Pará era então o
rio Tapirapé], numa região de campos que se estendem à
margem esquerda do afluente do Araguaia, o rio Tapirapé,
que lhes deu o nome ou deles o recebeu (...).
A existência destes índios neste recanto perdido
constitui um outro mistério, sem solução completa até
hoje, por parte dos etnólogos. Seriam legítimos Guaranís
e, em todo caso, falam a língua geral, ignorada de todos
os seus terríveis vizinhos, os Carajás, os Chavantes e os
Caiapós-Gorotires. Índios mansos, tímidos e por isso
dificilmente acessíveis; superiores porém em inteligência
aos seus inimigos. Tecem redes e panos grosseiros de
algodão e de fibras; fabricam louças, e mesmo algumas
mobílias rústicas, apesar de não possuírem instrumentos
de ferro. Essencialmente agricultores, apreciam a criação
de animais domésticos e silvestres (...).
Os pobres Tapirapés vivem infelizmente perseguidos sem
trégua por outras tribos valentes do Rio das Mortes e do
Xingú, empenhadas, ao que parece, como bem o verificamos
para os Carajás, em raptar-lhes as mulheres, dotadas
realmente de encantos que as tornam atraentes. E assim,
esses índios tão simpáticos vão desaparecendo, levando
consigo o mistério da sua chegada e permanência secular
nesse recanto do Araguaia” (Audrin, 1947:132-133);
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“Apenas instalado em Conceição, Dom Domingos manifestou o


desejo de conhecer a tribo, cujas almas lhe eram
confiadas pela Divina Providência. Uma primeira tentativa
realizou-se em junho de 1914, e dela participaram o então
Vigário Provincial do Brasil, Frei Sebastião Thomas, e
Frei Francisco Bigorre. Possuímos dessa entrada uma
relação minuciosa publicada em uma série de artigos da
revista francesa Missions Catholiques, donde extraímos os
detalhes que se seguem:
(...) O fim da viagem aos Tapirapés devia, na intenção de
Dom Domingos, ser tríplice: - apostólico; íamos, antes de
tudo ao encontro de pagãos abandonados para preparar sua
conversão; - geográfico: queríamos informar-nos 'de visu'
a respeito de uma zona desconhecida, e de nenhum modo
mencionada nos mapas do Brasil; - etnológico: desejávamos
obter informações exatas e pessoais sobre esses índios,
visto que os Tapirapés ocupam um lugar interessante entre
os Primitivos, que tanto chamam a atenção curiosa dos
cientistas de hoje (...).
Ignorando por completo o caminho, tivemos a fortuna de
achar um guia providencial na pessoa do Carajá Valadar
(...) É de longa data amigo dos Padres, embora cachaceiro
em certos dias, e por cima de tudo, cheio de astúcias e
temido entre os seus patrícios por suas terríveis
valentias. Filho de mãe Tapirapé, informara-nos diversas
vezes a respeito de seus parentes escondidos nas matas
longínquas, e insistia sempre para que os Padres
tentassem avistar-se com eles.
O prelado iniciou a viagem em 18 de junho em companhia de
Frei Francisco. Subiram o Araguaia de Conceição até a
aldeia de Valadar, que se juntou à comitiva com um grupo
de índios de sua família. A 2 de julho, encontravam,
junto à foz do Tapirapé, Frei Sebastião vindo de Goiaz
para tomar parte na expedição. O batelão episcopal
penetrou no afluente, escoltado pelas cinco ubás em que
viajavam nossos guias.
Somente ao cabo de seis longas jornadas pudemos alcançar
o ponto que Valadar sabia mais próximo do esconderijo dos
índios. O porto improvisado ficava à margem esquerda do
Tapirapé, e depois de tê-lo limpado e desobstruído a
facão e machado, batizamo-lo com o nome que conserva até
hoje de 'Porto São Domingos'. Resolvemos deixar aí os
índios com os dois barqueiros, a fim de vigiarem sobre o
barco, até nosso regresso do interior (...).
Repartiram a carga entre bispo, padres, piloto e Valadar
levando agrados tais como sal, fumo, anzóis, linhas,
ferramentas, colares etc... E se puseram a caminho às 2
horas da tarde do dia 8 de julho de 1914” (id., ibid.:
133-134);
“Apressamos a marcha rumo à floresta e, de repente, no
imenso silêncio, escutamos já bem perto de nós, o grito
selvagem do índio: 'Hou! Hou! Hou!' ... Dirigimo-nos
alegres para o ponto de onde vinha o apelo e avistamos em
nossa frente três Tapirapés, de arco e flechas nas mãos.

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Sua emoção não é menor do que a nossa. Param


boquiabertos, trêmulos; não sabem como apresentar-se, com
pouco voltariam para trás. Não lhes deixamos mais tempo
para hesitar; de braços estendidos, avançamos para eles,
no auge do contentamento. 'Bom dia Tapirapés! Vocês bons
muito; nós amigos de vocês!" (...) "'Torí! Torí!' isto é:
Cristãos. É tudo o que podem falar na sua surpresa” (id.,
ibid.: 135-136);
“Era de fato meio dia, quando alcançamos a tão suspirada
aldeia. Nossa entrada foi sensacional. Um verdadeiro
turbilhão de mulheres e de crianças saindo às pressas das
barracas assalta-nos, quase nos sufocando” (id., ibid.:
137);
“Aproveitamos essa sessão magna para fazer um
recenseamento sumário dos Tapirapés, e verificamos pelos
presentes e pelos que se declaram ausentes, que seu
número não passa de uns quatrocentos [corresponde ao
total da população nas três aldeias]. Enfim podemos
recolher-nos e deitar nas redes em plena paz. Cada um foi
cuidar, em sua barraca, de acender seu cachimbo bem
entupido de fumo, e nessa beatitude tão rara na sua
miserável existência, admirar os objetos recebidos” (id.,
ibid.: 138).

Segundo o relatório da expedição dominicana, os


Tapirapé viviam então em três aldeias separadas por cinco
dias de viagem, ou seja, quase duzentos quilômetros
distanciavam as latitudes extremas do território
tradicional ocupado pelos Tapirapé. A aldeia visitada
contava com dezesseis casas, cujos moradores não excediam a
160 almas – embora alguns tenham se escondido dos padres
(Mensageiro do Santo Rosário, apud Baldus, 1970: 74). A
iniciativa do bispo Domingos Carrérot teria como
desdobramentos uma certa trégua no assédio dos Karajá e,
alguns anos depois, as tentativas para uma catequese
regular. Os dominicanos acostumaram-se a subir o rio
Tapirapé, a cada dois anos, até o porto São Domingos, donde
avisavam os Tapirapé de sua presença ateando fogo ao campo
(Baldus, 1970: 47). Encarregavam-se então de batizar
“crianças, doentes moribundos e os outros que manifestarem
sério desejo de vida cristã", e distribuíam machados,
facões, facas, tesouras, fumo e outros presentes. Dom

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Domingos e mais tarde seu sucessor Dom Sebastião levaram,


inclusive, alguns Tapirapé à Conceição, sem todavia
conseguir que ali se demorassem (Audrin, 1947: 140).

Conhecidos o acesso à aldeia e a amabilidade dos


Tapirapé, missionários de outras crenças e outros viajantes
puseram-se também a freqüentar seu território. Em 1923, o
ministro batista Benedito Propheta (1926) encontrou alguns
indivíduos Tapirapé às margens do rio, mas não chegou à sua
aldeia. Ainda na década de 20, funcionários do SPI que
atendiam aos postos da ilha do Bananal fizeram incursões
ocasionais aos Tapirapé:

“Quando ainda atuava no SPI no posto Sta. Izabel, ilha do


Bananal, em 1928, atendendo determinações do Chefe
Bandeira, foram realizadas expedições nessas regiões, com
visitas a aldeias dos bons Tapirapé; nesses ensejos os
trazíamos a passeio até as praias do Araguaia, visando a
relacioná-los com os Carajá, os quais não os
hostilizavam, só estranhavam a nudez completa das
mulheres Tapirapé" (Bandeira de Mello, 1982: 214).

Em 1930, o missionário inglês Josiah Wilding, da


Evangelical Union of South America (instalada em Macaúba,
na ilha do Bananal), e a norte-americana Elizabeth Steen,
visitaram rapidamente Tapi’itawa. No ano seguinte, foram
adventistas norte-americanos que passaram uma noite na
aldeia (Baldus, 1970: 47). Em 1932, uma expedição inglesa,
a procura do desaparecido coronel Fawcett, subiu o rio
Tapirapé no intuito de cruzar o divisor Araguaia – Xingu.
Do relato desta expedição, publicado pelo jornalista Peter
Fleming (1933), é possível extrair uns poucos dados
relevantes para os fins deste Laudo:

- próximo ao local denominado Porto Velho (ver mapa


“Situação atual e referências históricas”, Anexo 12), a
dois dias de remo acima da foz do rio Tapirapé, teria
havido anteriormente uma aldeia dos Tapirapé (provavelmente

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um acampamento), para onde convergiam os Karajá


interessados em comerciar (a informação é confirmada por
várias outras fontes, como o médico Haroldo Cândido de
Oliveira, que diz ser Porto Velho um “antigo porto dos
índios tapirapé”, cf. Oliveira, H. C. de, 1950: 44); porém,
segundo informaram a Fleming, “as relações entre as duas
tribos deterioraram-se: houve guerra (...); e então por
muitos anos Porto Velho e a aldeia na selva têm ficado
desertos. Os Tapirapé mudaram-se para as cabeceiras”;

- após quatro dias de remo desde a foz chegava-se ao


porto São João;

- o porto São Domingos, fundado pelos dominicanos


quase vinte anos atrás, a cinco dias de remo desde a foz,
convertera-se num espaço privilegiado de intercâmbio entre
os Tapirapé e os diversos visitantes;

- havia à época duas aldeias que abrigavam toda a


população tapirapé, a primeira situada a quase cinqüenta e
a segunda a cem quilômetros do porto São Domingos - esta
ainda não visitada por nenhum “civilizado, disse o mateiro
José Francisco ao jornalista inglês (Fleming, 1933: 194);

- a duas horas de caminhada de São Domingos


encontrava-se um lago (Tucunaré), onde os Tapirapé
costumavam acampar e pescar (id., ibid.: 222).

Durante a estadia dos expedicionários ingleses em São


Domingos, ali chegaram várias famílias tapirapé para uma
temporada de pesca às margens do rio Tapirapé. Os ingleses
convenceram os chefes Kamaira e Kamairaho a acompanhá-los
na exploração da região a montante. Temendo porém afastar-
se muito do território que conheciam, os dois homens
tapirapé recusaram-se a seguir adiante no segundo dia; já
os expedicionários avançaram ainda uns dois ou três dias de
marcha.

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Simultaneamente, em agosto de 1932 sucedia a primeira


visita do missionário escocês Frederico C. Kegel, da
Evangelical Union of South America, que subiu o rio
Tapirapé junto com uma turma de caçadores de pele (Fleming,
203-204). Este missionário escocês foi talvez o primeiro
não-índio a conviver mais demoradamente numa aldeia
tapirapé; ali retornaria nos anos de 1933, 1934 e 1935.
Durante sua última estadia, fez-se acompanhar do etnólogo
Herbert Baldus, que permaneceu em Tapi’itawa durante os
meses de junho a agosto de 1935.

Baldus recenseou então 130 pessoas morando em


Tapi’itawa; em Xexotawa haveria talvez pouco mais de
quarenta pessoas. Entre os anos de 1939 e 1940 Charles
Wagley fez suas pesquisas igualmente em Tapi’itawa,
auxiliado pelo seu empregado Valentim Gomes. No mês de
dezembro de 1939, os moradores de Xexotawa reuniram-se
temporariamente aos de Tapi’itawa, que passou assim a
contar com 147 habitantes (Wagley, 1988: 60). Em abril de
1940, Eduardo Galvão e outros estagiários do Museu
Nacional, instituição que apoiava as pesquisas de Wagley,
estiveram por um curto período na aldeia tapirapé (id.,
ibid.: 43).

Conforme informações de Valentim Gomes a Wagley, de


junho a agosto de 1940 morreram vinte e seis pessoas em
Tapi’itawa; e em 1941 irrompeu mais uma epidemia, com novas
baixas. As acusações de feitiçaria, uma reação típica
nessas circunstâncias, provocaram naturalmente dissensões -
umas trinta pessoas rumaram para o lugarejo Furo de Pedra,
na margem esquerda do Araguaia; todavia, após a morte de
mais duas pessoas o grupo retornou para a aldeia, infectado
por nova gripe (Wagley, 1955: 100).

Com a finalidade de assistir aos Tapirapé, o SPI


instalara em 1941 um posto na foz do rio Tapirapé, do qual
Valentim Gomes foi o primeiro encarregado. O posto Heloisa

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Alberto Tôrres, assim denominado, revelou-se porém


inadequado para proteger os Tapirapé, por estar situado
afastado de suas aldeias e, também, por abrigar uma aldeia
dos Karajá em suas proximidades. Efetivamente, o SPI não
dispensou uma atenção direta aos Tapirapé, sequer assegurou
o isolamento necessário para sustar as sucessivas epidemias
que os atingiam (Cardoso de Oliveira, 1959: 9). Ao invés,
teria feito manobras e tentativas para atrair e aldear os
Tapirapé nas margens do Araguaia – Baldus criticara
duramente este projeto já em 1942, temendo que os contatos
irrefreáveis com a população ribeirinha pudessem levar os
Tapirapé ao extermínio (Baldus, 1948: 143).

Em 1945 a autodenominada “Bandeira Piratininga”,


liderada pelo sertanista-jornalista Willy Aureli, faz uma
incursão à aldeia Tapi’itawa - além dos líderes paulistas,
a Bandeira compunha-se de sertanejos e índios karajá
contratados. A derrocada demográfica dos Tapirapé, nota
Aureli (1962: 125-126), devia-se não apenas aos conflitos
com os Karajá e Kayapó, como também às gripes fulminantes,
os males venéreos e outras doenças infecciosas que os
“sertanejos civilizados” ali introduziram. O autor
assinala, ainda, a existência de duas outras aldeias
tapirapé além de Tapi’itawa, às quais chama de “aldeias
bravas”, a vários dias de caminhada:

“Uma dessas aldeias é alcançada, após percorrer as


margens de rio sinuoso e que se alarga entre terras
afastadas. Dessa forma Tampiri [Tapi’itawa]é uma espécie
de sentinela avançada. Volta e meia segue, para a 'aldeia
brava', um emissário. Às vezes, também é um grupo mais
denso de Tapirapés que vai em visita aos irmãos
distantes, a fim de matar saudades e realizar festejos e
as grandes danças” (Aureli, 1962: 130).

O convite do SPI para uma viagem de inspeção aos


postos indigenistas possibilitou a Herbert Baldus uma

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rápida visita aos Tapirapé, em julho de 1947, poucas


semanas antes do fatídico assalto dos Kayapó. Baldus
encontrou 62 pessoas morando em Tapi’itawa; algumas
famílias, lideradas por Kamaira, haviam emigrado para
Xexotawa, “outra aldeia tapirapé muito distante”, e outras
tantas de lá vieram. Nos cálculos de Baldus (1948: 137-
138), porém, os Tapirapé agora não alcançariam mais que cem
componentes. Mesmo assim, conseguiam sustentar uma vida
social e econômica bastante ativa, como demonstram s
observações do médico Haroldo Cândido de Oliveira, que
acompanhava Baldus em sua viagem:

"Pouco depois, chegamos às plantações, onde pudemos


admirar belíssimos pés de mandioca, bananeiras, pés de
amendoim, enfim uma lavoura em plena marcha.
Os tapirapé são grandes lavradores. Há doze anos
passados, o Baldus teve a oportunidade de conhecer as
suas seis variedade de bananas, cada qual mais saborosa;
os seus amendoins são, também, notáveis, alcançando os
grãos quase o tamanho de nossas azeitonas. Notáveis as
variedades de milho, sendo as mais importantes o amarelo,
o roxo, o branco e o ligeiro, que dá espigas em pouco
mais de um mês. Plantam, ainda, pimenta, cará, batata
doce, cana-de-acúcar e algodão, que é fiado para a
fabricação das redes, das jarreteiras e para diversas
outras finalidades.
Segundo as informações do Valentim [então encarregado do
posto do SPI situado na foz do rio Tapirapé] o regime de
trabalho nessas roças é dos mais curiosos. Cada índio tem
a sua lavoura própria, de onde tira o sustento para si e
sua família; além dessas roças particulares, há uma roça
que constitui patrimônio da comunidade, uma roça comunal,
onde todos os índios são obrigados a trabalhar e cujos
produtos são armazenados para caso de acidentes que
destruam as roças particulares, como formigas e outros
que tais, bem como para o caso de doenças que impeçam o
trabalho do índio e o impossibilitem de levar adiante a
sua lavoura.
Além dos vegetais acima numerados, concorrem para a
alimentação dos tapirapé a caça e a pesca, que cobrem
suas necessidades protéicas.
A caça é geralmente feita com arco e flecha, que os
índios manejam com grande destreza e com que abatem, com
facilidade, aves como marrecos, tucanos, patos selvagens
e outros muito abundantes na região. Diga-se, de
passagem, que nessa espécie de caça suas armas são

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superiores às nossas, pois o estrondo das armas de fogo


espanta o bando de aves, que são mortas quase uma por uma
com as flechas dos índios.
A pesca é geralmente feita nos pequenos córregos
existentes perto da aldeia, onde, naturalmente só se
encontra peixes miúdos; uma ou duas vezes por ano, nas
épocas das desovas das tartarugas e dos tracajás, uma
parte da tribo vem até o rio Tapirapé, em busca desses
animais e de seus ovos, de que são grandes apreciadores.
Nessas ocasiões, aproveita-se a oportunidade para flechar
alguns peixes, como os tucunarés, os pintados, as
corvinas, que se encontram em grande abundância no rio
Tapirapé e nos lagos da região.
O preparo desses alimentos é simples. Não usam sal nem
qualquer outro condimento. As aves são depenadas e
evisceradas, e em seguida são postas para assar no fogo;
os peixes são assados inteiros, com escamas e vísceras,
caindo as escamas quando o peixe está torrado, ocasião em
que é eviscerado; as tartarugas e tracajás são assadas no
próprio casco, que serve de panela.
Não há horário fixo para as refeições, cujo número varia
em função do apetite; como-se sempre que está com fome, à
noite inclusive; para isso há sempre uma panela no fogo,
com milho ou com mandioca, um peixe na brasa, uma cuia
com amendoim, etc. come-se sempre que se está com fome
mas somente quando se está com fome...
Um fato interessante, e que demonstra a sabedoria de
nossos instintos: os índios em geral comem, à noite, os
peixes, guardando as respectivas espinhas em uma panela;
na manhã seguinte, essas espinhas são comidas com
pimenta... Suprem, assim, a falta de cálcio alimentar,
que só se encontra, como é sabido, em quantidades
apreciáveis, no leite, alimento que desconhecem..."
(Oliveira, H. C. de, 1950: 52-54).

Todavia, conclui o médico com pessimismo:

"A ocupação das margens do rio Tapirapé pelos caboclos há


de ter uma influência considerável nas vidas desses
índios, pois tal fato acarretará, fatalmente, a escassez
da caça e do peixe da região, determinando um profundo
desequilíbrio do regime alimentar dos índios, privados
das únicas fontes, de que dispõem, de proteínas animais"
(id., ibid.: 54).

Em sua opinião (id. ibid.: 61), seriam várias as


causas do decréscimo populacional dos Tapirapé: as
epidemias de gripe, que tinham provocado verdadeiras

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hecatombes; os massacres e raptos pelos Karajá e Kayapó; e,


finalmente, a limitação do número de filhos em no máximo
três, conforme a regra cultural que adotavam. Os dados
epidemiológicos, obtidos através do exame médico de
praticamente todos os moradores de Tapi’itawa, revelaram
ainda a “alta endemicidade” da malária na região:

"Entre os índios examinados, bem poucos pareciam gozar


boa saúde; a maioria apresentava estigmas de doença. Em
39 deles, por exemplo, o aumento do baço verificado
atestava a contaminação malárica, sendo que em 15 dentre
esses a esplenomegalia atingia, mesmo, o limite superior
da classificação de Boyd, o que em geral só se observa
depois de numerosas recaídas da doença”(id., ibid.: 61-
62).

O etnólogo Baldus, por sua vez, comprovou um certo


empobrecimento da dieta alimentar dos Tapirapé em
Tapi’itawa, atribuindo-a, em parte, à ocupação crescente
das margens do rio Tapirapé por sertanejos e à conseqüente
redução de peixes e de quelônios. Os recém chegados
dedicavam-se basicamente à caça e à pesca para sua
subsistência e, eventualmente, serviam de vaqueiros para o
“coronel” Lúcio Penna da Luz, cuidando dos rebanhos que
pastavam nos campos naturais às margens do rio Tapirapé:

“É difícil afirmar se os Tapirapé já sentem realmente uma


redução dos víveres animais causada por aqueles novos
vizinhos. O que deve ser considerado a respeito, é o fato
da diminuição do número de habitantes de sua taba ter
sido mais rápida que o aumento dos moradores do rio
[Tapirapé]. Não faltavam, porém, queixas do seguinte
teor: ‘Tapirapé só come peixe pequeno; não pode mais
comer tucunaré e tartaruga e ovos dela.’
Estas palavras aludem à ocupação do rio inteiro pelos
sertanejos que, com isso, se apoderaram da fonte
principal de proteína animal e gorduras. Convém lembrar,
ainda, que anualmente, no tempo da seca, em que
desaparecem córregos e lagos, a fauna e com ela também os
seres humanos da região têm de concentrar-se naquele
curso d'água para poderem matar sede e fome. Não resta
dúvida que os sertanejos, fixando-se para sempre em todos

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os lugares habitáveis do rio e tornando-se cada vez mais


numerosos, diminuirão constantemente a caça e a pesca que
os índios só em determinada época do ano costumavam
aproveitar. Em todo caso, o fato de Tampiitáua, nos
últimos tempos, ter sido transferida para mais longe do
rio e mais para o norte, parece evidenciar que os
Tapirapé se sentiam ameaçados pela proximidade dos
povoadores brancos.
Quando, em 1935, subi numa ubá todo o Tapirapé, as
margens estavam desabitadas, havendo um único morador na
foz, que, por assim dizer, lá ocupava o posto mais
avançado da nossa civilização. Em julho de 1947 existiam
em Porto Velho, que fica mais ou menos no meio do trecho
navegável, isto é, numa distância de 15 a 18 léguas da
boca, oito casas cujos habitantes eram quase todos
paraenses e viveram antes em diversos lugares do
Araguaia.
O povoamento e, com isso, a ocupação das terras dos
índios por essa gente começou há cerca de cinco anos e
representa aspectos característicos de processos
repetidos, com certas variantes, durante a colonização do
Brasil. O líder é um fazendeiro de nome Lúcio Penna da
Luz, que mora em Mato Verde [atual Luciara], vilarejo
formado em 1934 na margem mato-grossense do Araguaia e a
cerca de quinze léguas acima da foz do Tapirapé. No
decorrer do tempo, tornou-se conhecido o fato de ser
relativamente fácil levar gado deste rio a Mato Verde,
fazendo-se a viagem por terra de Porto Velho até lá, em
um dia e meio. Assim, moradores de Furo de Pedra e da
barra do Tapirapé subiram este rio para estabelecer-se na
margem esquerda.
Quando, há alguns anos, toda a navegação regular do meio
Araguaia cessou devido à dissolução da empresa que fazia
esses transportes com barcos a motor, a vida nos
mencionados dois lugares piorou até o desespero, pois não
havia mais saída para os seus produtos. Ficava em toda a
zona um único homem que os comprava: o sr. Lúcio. Ele era
e é também o principal fornecedor das principais
mercadorias das quais os sertanejos necessitam: sal e
algum pano para se vestir. E dá fiado. Eles vendem a esse
dono de um motor, de uma casa de telhas e de milhares de
cabeças de gado, o pouco de arroz e farinha de mandioca
que lhes sobra, e alguma rês da meia dúzia que constitui
a sua fortuna. E falam bem do homem, considerando-o o seu
maior benfeitor .
A atração mútua levou o sr. Lúcio e a clientela a
encontrarem-se no meio do caminho. Ele instalou uma
fazenda no alto Tapirapé e a gente da barra deste rio e
de Furo de Pedra estabeleceu-se mais ou menos pegado,
isto é, em Porto Velho e de lá terra a dentro e rio
acima. Mas como sucede com a maioria dos povoados do
Araguaia, as inundações anuais cercam igualmente as
moradas novas do rio Tapirapé, de modo que também aqui,
durante longos meses, a canoa substitui o cavalo nas
visitas ao vizinho. Naturalmente, em tal ambiente o

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Proc. 1997.36.00.002302-2
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amanho do solo continua muito restrito, o que aliás,


corresponde à índole nômade desses pequenos criadores de
gado com sua tendência para o aproveitamento extensivo e
não intensivo da terra” (Baldus, 1948: 138-140).

Nos últimos dias do mês de agosto de 1947, poucas


semanas após a partida de Baldus e Cândido de Oliveira, a
aldeia Tapi’itawa foi atacada pelos Kayapó, provavelmente
do subgrupo Gorotire. Na ocasião estavam ali apenas as
mulheres, crianças e o velho Kamairaho; os homens estavam
acampados no lago Tucunaré, pescando. Foram mortas duas
mulheres e uma moça, e raptados uma mulher, uma moça e um
menino. O velho atirou suas flechas, inutilmente; os
guerreiros Kayapó pilharam a aldeia e queimaram duas casas
(Baldus, 1948: 142, nota de rodapé).

Em meados de setembro, os freis Lelong e Luiz Palha


encontraram essa população ainda apavorada, refugiada no
meio dos sertanejos em São Pedro, fazenda de Lúcio da Luz –
despojados de seus pertences e distanciados de suas roças,
os Tapirapé estavam famintos e desmotivados. Devo notar
que, no livro que dedicou ao drama dos Tapirapé, frei
Lelong (1952: 66) citou erroneamente o local de refúgio
como “Porto Velho”, a denominação de um antigo porto a
jusante (ver mapa publicado por Lelong, 1952; Anexo 5).

Algumas famílias, inclusive, foram avistadas descendo


o rio até o posto do SPI, às margens do Araguaia, para
buscar ali abrigo e suprimentos (id., ibid.: 77).
Sensibilizado, frei Lelong organizou uma viagem de vistoria
à aldeia atacada, com a participação de alguns homens
tapirapé; estes aproveitaram para recolher alimentos, um
pouco de algodão e alguns utensílios e atearam fogo no
restante das casas, para atrapalhar o inimigo (id., ibid.:
167-168). Alguns tinham a intenção de se instalar em algum
lugar próximo a São João. Quando se despediram dos
Tapirapé, os missionários conduziram três meninos, Warampi,

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Tanwoui e Tetoun, a Conceição do Araguaia, a fim de


promover sua catequese (id., ibid.: 199) – na verdade, o
plano de frei Luiz Palha era transferir a todos para um
lugar próximo a essa cidade (Baldus, 1948: 144, nota de
rodapé).

Disse-me Cantídio Taywi, por ocasião da Perícia, que


após o ataque kayapó alguns, dentre os quais o próprio
informante, foram para São Domingos e dali, então, seguiram
para São Pedro, quando Lúcio da Luz convidou-os para morar
próximo à sua fazenda:

“Tem muita roça [disse Lúcio]. Ficamos na mão de Lúcio.


Antônio Pereira, meu irmão, chamou: ‘Vamos para lá!.
Lúcio comprou roça para nós, comprou rapadura...’”
(depoimento de Cantídio Taywi, 16/março/2001).

Ainda em setembro de 1948, Harald Schultz, assistente


de Baldus no Museu Paulista, encontraria a maior parte dos
Tapirapé morando em galpões na fazenda São Pedro; ali Lúcio
da Luz dava-lhes abrigo e comida (Baldus, 1948: 142, nota
de rodapé; 1970: 50). Tal situação perduraria por mais
alguns anos. Em setembro de 1950 Willy Aureli (1964: 162-
167) visitou o grupo liderado por Praxuí, composto por 14
pessoas, ainda residindo em São Pedro, acampados a um
quilômetro da sede da fazenda (ver fotografias, em anexo).
No posto do SPI estavam os demais, num total de 64,
liderados por Antônio Pereira Vuatanamy. Ao jornalista,
Praxuí lamentou a falta de taquaras para as flechas, de
sementes de amendoim, de milho e de mandioca e de milho –
tudo isto restara abandonado na fuga de Tapi’itawa (id.,
ibid.: 166). E os Tapirapé, claramente, tinham receio de
retornar para sua aldeia, principalmente diante das
notícias de ataques dos Kayapó a fazendas da região (id.,
ibid.: 169).

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Nesse ínterim, Willy Aureli planejou em setembro de


1950 uma expedição aos aldeamentos abandonados há quase
quatro anos, de maneira que Praxuí e os outros pudessem
buscar taquara, amendoim e macaxeira (id., ibid.: 177).
Embora os expedicionários, em razão de um acidente com um
deles, tenham voltado no meio do caminho, os Tapirapé
prosseguiram até seu destino (id., ibid.: 188). E,
contentes porque os Kayapó não estavam mais em suas terras,
retornaram a São Pedro carregados de taquara e sementes
(id., ibid.: 196). Da mesma maneira, os Tapirapé assentados
no posto do SPI manifestaram seu júbilo pelas novidades:

"[O chefe] Inflama-se e narra aos gritos, aos demais


índios, a grande novidade. Todos externam o desejo de
regressarem à terra de origem" (id., ibid.: 220).

O autor, contudo, considerava a hipótese improvável,


em razão do grande medo que ainda sentiam dos Kayapó. De
fato, ainda em 1950 estes Tapirapé afastar-se-iam mais das
antigas aldeias: o encarregado do SPI, Valentim Gomes,
conseguiu afinal reunir a maioria a poucos quilômetros do
posto Heloisa Alberto Tôrres, onde fundaram a chamada
aldeia Nova, ou Tawyao (Baldus, 1970: 50). Como explica
Wagley, o fator determinante para que os Tapirapé
aceitassem a mudança para a foz do rio Tapirapé teria sido,
sobretudo, a intervenção do funcionário do SPI:

“Em 1950, Valentim Gomes, com a ajuda dos missionários


Dominicanos, persuadiu as dispersas famílias Tapirapé a
se reunirem e formarem uma aldeia perto do posto do SPI.
Valentim inspirava confiança aos Tapirapé, uma vez que
vivera por mais de um ano comigo [Wagley] na aldeia
Tampiitawa. No entanto, teve de convencer cada família a
mudar para a nova aldeia. Obteve um bote para transportá-
los. Os índios continuavam tendo um medo mortal dos
Karajá, que viviam perto, e dos tori [civilizados], cujo
número estava aumentando no baixo rio Tapirapé e no
Araguaia.

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Arranchados durante o primeiro ano no novo local, tiveram


de ser quase totalmente sustentados enquanto construíam
suas casas e derrubavam a floresta para o plantio das
roças. Valentim contou-me [a Wagley], durante uma das
minhas visitas, que trouxe farinha de mandioca, arroz e
outros produtos comprados a crédito para, como era usual,
pagar com os fundos prometidos pelo Serviço de Proteção
aos índios, que chegavam sempre com seis ou oito meses de
atraso. De qualquer maneira, durante aquele ano e o
seguinte, os remanescentes Tapirapé reestruturaram sua
aldeia e sua sociedade.
Quando retornei, em 1953, encontrei 51 pessoas vivendo em
cinco casas dispostas em círculo, ao redor da takana, a
casa dos homens. Suas moradias eram pequenas, construídas
à semelhança das dos sertanejos e não ao modo das antigas
malocas. A casa dos homens, porém, era grande e edificada
no estilo tradicional. Realizavam, tanto quanto permitia
a reduzida população suas festas noturnas de canto e
também, de forma atenuada, dois meses antes de minha
vinda, uma cerimônia de iniciação. A vida da aldeia
parecia ter mudado muito pouco desde 1940, exceto pelo
menor número de pessoas e a presença, de tempos em
tempos, de visitantes forâneos. A reconstrução da
sociedade Tapirapé na Aldeia Nova (Tawaiho) é um exemplo
extraordinário de separação e interdependência entre
cultura e sociedade. Indivíduos e famílias tinham retido
a cultura ancestral como um sistema de regras, ideologia
e conceitos abstratos, durante o curto período em que sua
sociedade esteve desfeita. Tão logo as condições o
permitiram, a sociedade Tapirapé foi recriada segundo as
regras abstratas de sua própria cultura.
Na Aldeia Nova, no entanto, as condições eram bem
diferentes das existentes em Tampiitawa em 1940 e antes,
e a cultura Tapirapé teve de mudar e se adaptar às novas
condições (...). Em 1953, os Tapirapé estavam tendo quase
que diariamente contatos com brasileiros e com os Karajá
os últimos inimigos tradicionais e, inversamente, homens
e mulheres Tapirapé visitavam o posto indígena, onde
encontravam moradores das vizinhanças. Os índios Karajá
vinham, freqüentemente à Aldeia Nova não sendo mais
temidos pelos Tapirapé. Na falta de esposas, dois jovens
Tapirapé casaram-se com mulheres Karajá indo viver, algum
tempo, com seus parentes afins na aldeia Karajá distante
alguns quilômetros. Na verdade, os Tapirapé não estavam
absolutamente seguros em relação aos Karajá, mas tinham
se ajustado às novas necessidades, vivendo em aparente
harmonia com eles” (Wagley, 1988: 64-65).

A partir de 1952 os Tapirapé passaram a contar com a


assistência de três freiras da ordem das Irmãzinhas de
Jesus, de nacionalidade francesa, que se instalaram na
aldeia Nova a pedido do bispo dom Luiz Palha, da Prelazia

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de Conceição do Araguaia, dedicando-se principalmente aos


serviços de enfermagem (Wagley, 1988: 66). Dois anos
depois, a elas reuniu-se o padre François Jentel, mais
preocupado com as condições econômicas em que vivia a
comunidade indígena. O quadro demográfico, por sua vez,
havia se agravado por causa de uma epidemia de sarampo
recente; a população tapirapé aldeada, por esta razão,
estava reduzida a meia centena de indivíduos em 1955
(Shapiro, 1979: 64). Deve-se ao trabalho assistencial dos
religiosos e os esforços do encarregado do SPI, a despeito
dos limitados recursos que dispunham, a interrupção da
curva descendente iniciada meio século atrás,
proporcionando uma recuperação populacional que prossegue
até os dias atuais - ver abaixo o gráfico “Série histórica
da demografia tapirapé”.

Na visita que fez em 1957, o antropólogo Roberto


Cardoso de Oliveira, então a serviço do setor de Etnologia
do SPI, encontrou a aldeia tapirapé a quatro quilômetros do
posto do SPI, com 54 habitantes. Imediatamente junto ao
posto estava a aldeia dos Karajá, com 43 habitantes. A
situação, adverte o antropólogo, não parecia muito
satisfatória para os Tapirapé:

“Quanto aos Tapirapé, embora não seja muito provável, é


possível que retornem para suas matas, subindo o rio
Tapirapé, desde que acreditem que os Kayapó não mais os
atacarão (...). E isso porque são bem grandes as
dificuldades que encontram os Tapirapé para sobreviverem
no atual lugar em que estão, como um povo agricultor: a
existência de gado (do S.P.I., de D. Inês e do ‘Coronel’
Lúcio da Luz) em suas terras, não permite que tenham
roças próximas à aldeia; e por isso, as fazem tão longe
que levam duas horas para ir e duas e meia para voltar
carregados de mandioca, abóbora, etc., gastando com isso
quatro horas e meia diárias, se todos os dias pudessem ir
para suas roças. Mas, parece que o medo dos Kayapó é tão
grande, ou maior ainda, a atração que lhes desperta a
civilização, pelas novas necessidades que adquiriram”
(Cardoso de Oliveira, 1959: 8-9).

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Perícia antropológica
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A concentração dos Tapirapé às margens do Araguaia,


nas proximidades do posto do SPI, todavia, não significou a
completa desocupação do seu habitat tradicional, em razão
dos seguintes motivos: primeiro, dois pequenos grupos,
ainda na década de 60, remanesciam no território das
antigas aldeias; segundo, os Tapirapé da aldeia Nova
continuaram a percorrer, praticamente todos os anos, a
região da serra do Urubu Branco, em expedições de caça,
pesca e coleta.

Anos depois do deslocamento dos moradores de


Tapi’itawa para a aldeia Nova, os Tapirapé e alguns
visitantes ainda especulavam acerca da possibilidade da
aldeia Xexotawa ter sobrevivido aos ataques dos Kayapó
(Shapiro, 1979: 64). Já em 1947 frei Lelong registrou a
informação dada por Praxuí (ou Prandjoui), acerca de um
pequeno grupo isolado que teria permanecido naquela aldeia,
a nove ou dez dias de caminhada desde São Pedro (Lelong,
1952: 104-106). O mesmo informante assegurou ao jornalista
Aureli que o aldeamento "brabo" estava a cinco dias de
marcha da aldeia Tapi’itawa – o dominicano frei Gil, que
atendia regularmente os Tapirapé, porém, não lhe dava muito
crédito (Aureli, 1964: 175). Vários anos depois, indícios
da existência de uma aldeia entre as cabeceiras dos rios
Tapirapé e Liberdade foram notificados pelos irmãos Vilas
Bôas, então a serviço da Fundação Brasil Central (Cardoso
de Oliveira, 1959: 2, nota 2).

Tudo leva a crer que tais notícias referiam-se à


aldeia Xexotawa, na região dos rios Santana e Beleza,
reocupada desde 1946 ou 1947 por cerca de vinte pessoas sob
a liderança de Kamaira (Wagley, 1988: 62). Em março de 1985
lavradores no município de Vila Rica (MT) descobriram, por
acaso, cacos de panelas e vasilhames de cerâmica; alguns
velhos Tapirapé foram prontamente ao local e comprovaram
ser ali a antiga Xexotawa (Toral, 1994: 44).

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Da população original de Xexotawa, doenças,


desnutrição e acidentes ceifaram a vida da maioria
(Greenwood, apud Wagley, 1988: 63-64). E um ataque noturno
dos Kayapó, cuja data não pode ser precisada, afugentou-a
do local, dividindo-a em dois grupos. O primeiro, margeando
o rio Crisóstomo no rumo leste, chegou afinal às margens do
Araguaia em 1964, na localidade Lago Grande; as três
mulheres e as duas crianças foram levadas à aldeia Nova, na
foz do rio Tapirapé (Shapiro, 1979: 65; Toral, 1994: 18). O
segundo grupo, formado por Kamaira, sua esposa e seu filho,
dirigiu-se ao sul, reocupando o lugar da antiga aldeia de
Xoatawa, perto do rio Gameleira (ali onde está hoje a
refinaria Gameleira, a oeste da área indígena Urubu
Branco). Um caçador avistou-os em 1970, e serviu de guia
para os que vieram convidá-los a visitar a aldeia Nova. De
acordo com Toral, a família de Kamaira pensava em depois
retornar e aproveitar suas roças e, talvez, trazer outros
para ali viverem:

“Kamaira deixou todas suas coisas no local pensando no


retorno. A morte inesperada do líder do grupo logo após
sua chegada na aldeia Nova e o agravamento da situação da
demarcação da Área Tapirapé/Karajá adiaram esse retorno”
(Toral, 1994: 19).

Embora agora estivessem todos os Tapirapé reunidos


numa só aldeia, na foz do rio homônimo, o território
tradicional continuou sendo percorrido para diversas
atividades, através de visitas sazonais aos locais das
antigas aldeias – estas ocasiões, inclusive, propiciavam
aos mais jovens conhecer as histórias e as tragédias
narradas pelos velhos, os lugares onde estes nasceram, os
cemitérios e outras referências sagradas para seu povo
(Paula, 2001: 18). Uma notícia publicada no jornal O Estado
de São Paulo, em sua edição de 24 de setembro de 1975,

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comenta o deslocamento periódico dos Tapirapé aos sítios


antigos:

“(...) os tapirapés deslocam-se freqüentemente até suas


aldeias primitivas, para apanhar o taquari (pequena
árvore com que fazem flechas), e procurar caça, que já
está rareando nos arredores da aldeia, devido à derrubada
das matas pelas empresas agropecuárias” (Estado de São
Paulo, O, 1975).

O taquari, uma espécie de taquara, é utilizado pelos


Tapirapé como matéria prima para a confecção de suas
flechas. Com base no acurado conhecimento que os
informantes indígenas detêm da ecologia local, sabe-se que
esta espécie da família das gramináceas viceja tão-somente
nas imediações da serra do Urubu Branco. No mapa “Situação
atual e referências históricas”, elaborado para fins da
presente Perícia (Anexo 12), indica-se a zona de coleta de
taquari na serra do Urubu Branco, em parte sobreposta setor
noroeste da Fazenda Santa Laura.

A pesca, regularmente praticada na estação seca,


levava-os a subir com suas canoas o rio Tapirapé, de
maneira a explorar suas margens, o afluente Tucunaré e os
inúmeros lagos que pontilham a extensa planície – dentre os
quais, devo notar, os dois lagos existentes na parte
setentrional da Fazenda Santa Laura.

Já as serras São João (Towajaawa) e Urubu Branco


(Yrywo’ywawa) e o varjão, que circunda o rio Tapirapé, são
as zonas preferidas dos caçadores. De grande importância na
cosmologia tapirapé, a serra São João representa a “casa
dos queixadas”, onde acreditam que tal espécie prolifera.
Nas caçadas que integram o ritual Marakayja, pelo qual
marcam simbolicamente a passagem dos meninos à condição

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Perícia antropológica
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adulta, as metades cerimoniais (wyra) competem na


perseguição aos queixadas, buscando-os nas cercanias das
serras (Toral, 1994: 69).

No tocante à ocupação continuada do seu antigo


território e a necessidade que sentem de preservá-lo na
atualidade, transcrevo este depoimento obtido no decorrer
dos trabalhos periciais:

“Taquari tem só aqui [na serra do Urubu Branco]. Nós


vínhamos sempre pegar taquari aqui [quando estavam na foz
do rio Tapirapé]. Nós precisamos taquari para fazer
flecha. Nós precisamos de aldeia velha.
Santa Laura era lugar de acampamento Porto Velho era
também acampamento. De lá vínhamos carregando tartaruga
assada, peixe assado, porco assado. Do acampamento
vínhamos para Porto Velho, para pescar no rio Tapirapé”
(Cantídio Taywi, 16/03/2001).

O informante assinalou, na ocasião, os locais dos


acampamentos que haviam na área sub judice, nas redondezas
dos quais os Tapirapé caçavam e pescavam: a) próximo à
atual represa (trata-se de um lago natural que foi
ampliado; ver fotografias em anexo) da sede da Fazenda
Santa Laura; b) junto ao lago situado no sopé da serra, um
pouco mais ao norte; e c) nas imediações da divisa leste da
Fazenda. Como sinais que evidenciam a ocupação indígena
pretérita nessa região, apontam-se os pés da palmeira
macaúba, tal qual os que se avistam na divisa leste da
Fazenda Santa Laura (ver mapa “Situação atual e referências
históricas”; Anexo 12), e os pedaços de cerâmica e lascas
de pedra, que foram achados em vários pontos da área
considerada. Devo notar que a palmeira macaúba (também
designada bocaiúva), quando aparece em capões ou formações
adensadas, comuns em toda a região do entorno da serra do
Urubu Branco, serve efetivamente de testemunha da ação

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Perícia antropológica
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antrópica dos Tapirapé, sinalizando assim os locais de


antigos acampamentos ou aldeias. Isto se deve ao hábito de
mascar a polpa e jogar os coquinhos nos fundos das casas e
choças, facilitando involuntariamente a sua germinação num
terreno fértil.

No âmbito dos trabalhos periciais, a tarefa de mapear


as terras tradicionais foi sobremaneira facilitada, na
medida em que os mais idosos nasceram e viveram muitos anos
de sua vida na região do Urubu Branco, sendo capazes de
nomear os acidentes geográficos e indicar as antigas
moradas e os acampamentos, as trilhas costumeiras, os
melhores locais para caçar e pescar e a distribuição das
espécies vegetais para a coleta. Do ponto de vista
religioso, no tocante às formas de ocupação territorial, é
preciso também levar em conta a prática funerária dos
Tapirapé, que sepultam os mortos no interior das casas.
Isto faz com que as antigas aldeias sejam vistas como
verdadeiros cemitérios, locais que são reverenciados devido
à crença de que o espectro invuera ali comparece amiúde
(Lelong, 1952: 153; Baldus, 1970: 300-301). Eventualmente,
tal condição pode ser aplicada também aos acampamentos. Com
relação ainda às suas concepções cosmológicas, dizem os
Tapirapé que a cachoeira Yrywo’ywawa (“lugar onde o urubu-
rei bebe”), na serra do Urubu Branco, representa um sítio
sagrado, porque é ali a verdadeira “morada dos pajés”
(Paula, 2001: 18).

A área indígena Tapirapé/Karajá, onde assentou-se a


aldeia Nova e a que a sucedeu, foi afinal demarcada nos
anos 80 (ver tópico “A demarcação das terras indígenas”,
abaixo). Contudo, na medida em que anualmente percorriam as
antigas áreas de caça, pesca e coleta ao longo do rio
Tapirapé e nas redondezas da serra do Urubu Branco, os
Tapirapé puderam constatar as sucessivas alterações na
paisagem regional, em razão da intensificação das

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Perícia antropológica
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atividades agropecuárias. Isto motivou-os a, cada vez mais,


de várias maneiras, marcar a sua presença e o seu interesse
na manutenção do território tradicional. Além do sentido
propriamente econômico (caça, pesca e coleta), as visitas e
as excursões mais demoradas e ostensivas facultava-lhes
também a vigilância e a fiscalização das terras sobre as
quais julgavam ter direitos. Com este intuito, procederam a
inúmeras expedições fluviais e terrestres, realizaram
sobrevôos de reconhecimento e tomaram várias medidas para
interromper o uso indiscriminado dos recursos naturais,
como embargar “mariscadores” (pescadores profissionais) que
subiam o rio Tapirapé e retirar garimpeiros da serra do
Urubu Branco (informações pessoais das Irmãzinhas de Jesus;
cf. Toral, 1994: 40-42). Afinal, em 1991 iniciaram gestões
diretas junto à Fundação Nacional do Índio para a
demarcação definitiva da área indígena Urubu Branco. O
órgão indigenista, entretanto, só tomaria providências
efetivas a partir de 1993, quando designou um Grupo de
Trabalho para a sua identificação e delimitação.

Entrementes, uma turma de aproximadamente quarenta


tapirapé reocuparia em novembro de 1993 o local da antiga
aldeia Tapi’itawa, que então servia de retiro para o gado
da fazenda Agroselva. No decorrer do processo desencadeado
pela FUNAI para a identificação, demarcação e homologação
da área Urubu Branco, concluído apenas em 1998, os Tapirapé
deram seguimento ao movimento de retorno ao território
tradicional. Em meados de 2000, com isto, a maioria
absoluta da população tapirapé encontrava-se novamente
assentada na área Urubu Branco, onde se distribuiu em
quatro aldeias - umas poucas famílias restaram na área
Tapirapé/Karajá, na aldeia Majtyritawa, em razão dos laços
matrimoniais contraídos com indivíduos karajá.

Ao lado das necessidades propriamente econômicas


(terras mais promissoras para as roças, zonas de caça,

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pesqueiros férteis e matérias primas para coleta) e as


reminiscências mítico-culturais vinculadas à região do
Urubu Branco, os Tapirapé vislumbravam ainda um afastamento
dos Karajá, porque estes se excediam em feitiços que
provocavam doenças e mortes, conforme o depoimento dos
informantes por ocasião desta Perícia. Tais alegações foram
também registradas pela lingüista Eunice de Paula, em sua
dissertação de mestrado:

"Outro fato que motivou bastante a ida para o Urubu


Branco foi a questão da convivência muito próxima com os
Karajá. A circunstância de dois povos culturalmente
diferentes dividirem uma mesma área sempre se constituiu
em fonte de conflitos. Por exemplo, os falecimentos e as
doenças que porventura acometem os Tapirapé são, via de
regra, atribuídos aos pajés Karajá. Esses fatores,
somados ao apego ao antigo território e à consciência do
direito sobre as terras tradicionais, fizeram com que o
retomo efetivamente ocorresse em novembro de 1993, quando
várias famílias se mudaram para o local da antiga aldeia
Tapi'itãwa, na serra do Urubu Branco" (Paula, 2001: 18).

Os Tapirapé valeram-se, para as novas aldeias, das


instalações já existentes nas sedes e retiros das fazendas
Agroselva, Sapeva, Codebra e Santa Laura; até o momento,
apenas em Tapi’itawa construíram novas casas de adobe,
cobertas de palha e dispostas num grande círculo (ver
fotografias, em anexo). Por ocasião da peritagem, encontrei
as seguinte aldeias (cf. mapa “Situação atual e referências
históricas”; Anexo 12):

Aldeia Tapi’itawa (ex-retiro da Agroselva): localizada


praticamente no mesmo local da aldeia que existia na década
de 40; coordenadas 22L 0461372, UTM 8820409; população de
215 pessoas;

Aldeia Xapi’ikeatawa (Sapeva): trata-se de um antigo


acampamento que os Tapirapé utilizavam na estação seca, nas

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proximidades do lago Tucunaré; coordenadas 22L 0465906, UTM


8798240; população de 64 pessoas;

Aldeia Wiriaotawa (Codebra): próxima ao antigo porto


São João; coordenadas 22L 0477116, UTM 8797249; população
de 62 pessoas;

Aldeia Akara’ytawa (Santa Laura): na área sub judice,


próximo ao local onde os Tapirapé embargaram derrubadas em
1997, dando origem à presente Ação; coordenadas 22L
0480275, UTM 8827620; população de 52 pessoas.

Somadas as quatro aldeias da área Urubu Branco,


chegamos a 393 indivíduos, ou seja, cerca de três quartos
da população total dos Tapirapé. O contingente populacional
atual corresponde, grosso modo, ao que os Tapirapé
dispunham há cem anos atrás. Ao examinar a tabela “Dados
demográficos” (Anexo 11) e o gráfico “Série histórica da
demografia”, a seguir, verificamos uma taxa anual de
crescimento bastante elevada a partir de meados dos anos
60, em torno de 5,39%. A manutenção de uma taxa desta
magnitude faz com que a população tapirapé venha dobrando a
cada 14 anos, aproximadamente.

Série histórica da demografia tapirapé


500

450

400

350
População

300

250

200

150

100

50

0
1916

1919

1922

1925

1928

1931

1934

1937

1940

1943

1946

1949

1952

1955

1958

1961

1964

1967

1970

1973

1976

1979

1982

1985

1988

1991

1994

1997

2000

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

Em resumo, os quesitos reunidos neste tópico foram


assim respondidos:

Por volta de 1900 o território tradicional dos


Tapirapé compreendia uma extensa área situada a oeste do
rio Araguaia; suas aldeias, acampamentos, campos de caça e
zonas de coleta distribuíam-se desde o rio Tapirapé ao sul
do atual Estado do Pará. Já os índios Karajá espalhavam-se
pelas margens do grande rio Araguaia e pela ilha do
Bananal. Registros dessa configuração territorial remontam
ao século XVIII, conforme as mais diversas fontes
históricas compulsadas por Herbert Baldus (1970). Deste
modo, as áreas indígenas Urubu Branco e Tapirapé/Karajá
corresponderiam tão-somente a uma parcela diminuta do
território tradicional dos Tapirapé, por eles ocupado
integralmente até meados do século XX. No croquis
”Território tradicional” (Anexo 6) foram consolidadas
informações retiradas de diversas fontes (Baldus, Wagley,
Audrin, Lelong, Aureli etc.), de maneira a mostrar que as
áreas indígenas Tapirapé/Karajá e Urubu Branco incidem
totalmente na extensão de terras tradicionalmente ocupadas
e reconhecidas como suas pelos Tapirapé.

Os ataques dos Kayapó na década de 40 e a grave


depopulação em curso, no entanto, obrigou-os a buscar
refúgio temporário entre sertanejos e no posto do SPI, na
foz do rio homônimo; ali residiram, por motivos alheios à
sua vontade, por quase meio século. Os últimos
remanescentes a afastar-se da serra do Urubu Branco foram
os moradores das aldeias Xexotawa, na região das nascentes
dos rios Santana e Beleza, e Xoatawa, no alto curso do rio
Gameleira, em 1964 e em 1970, respectivamente. A atuação do
SPI e, após sua extinção, da FUNAI não ofereceu-lhes, no
devido tempo, o respaldo necessário para seu retorno às
aldeias abandonadas. A despeito das condições adversas, os
Tapirapé procuraram de muitas maneiras manter vivos os

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

laços com suas terras tradicionais, através de expedições


periódicas para caça, pesca, coleta, atividades rituais e
fiscalização.

O retorno à região do Urubu Branco proporcionou-lhes,


entre outros benefícios, uma maior disponibilidade de
terras férteis para as roças, de campos para a caça, de
pesqueiros e de zonas de coleta, bem como um forte estímulo
para o ressurgimento de suas expressões culturais mais
autênticas. Tinham em vista, ao mesmo tempo, a redução das
tensões que açulavam o cotidiano às margens do Araguaia, em
razão da convivência forçada com os Karajá que partilhavam
a área Tapirapé/Karajá. Por sua vez, o acentuado
crescimento populacional nas últimas décadas, à taxa anual
de 5,39%, torna imprescindível intensificar as atividades
produtivas e, concomitante, assegurar recursos naturais
suficientes, questões que foram parcialmente equacionadas
com a demarcação da área Urubu Branco.

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

A situação fundiária

QUESITOS DA FUNAI DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO


2. A partir dos anos 50, a expansão das fronteiras de
colonização atingiu o médio Araguaia, destacando-se
principalmente a especulação de terras por grandes
colonizadores, notadamente a CIVA – Companhia Imobiliária
do Vale do Araguaia e a Companhia Colonizadora
Tapiraguaia, sucessora da CIVA que encerrou suas
atividades por força de insolvência no sinal da década de
50, desse modo, quais as conseqüências dessa ocupação na
vida dos índios Tapirapé e Karajá? Descrever se houve
comprometimento do território que tradicionalmente ambos
os grupos ocupavam?

QUESITOS DOS AUTORES


12. Se à época em que o Estado vendeu as terras sub
judice para particulares haviam índios localizados
(tabas...) sobre as mesmas?

QUESITOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


4. Durante o processo de parcelamento das terras hoje
superpostas à área declarada pela Portaria n. 599 houve,
por parte dos empreendedores/colonizadores, conhecimento
da presença indígena naquelas glebas? Saberia o Perito
informar se o nome da empresa Tapiraguaia é uma
referência expressa à presença indígena naquela região?

A localização e a extensão do território tradicional


dos Tapirapé eram sobejamente conhecidas quando o Estado de
Mato Grosso, em 1960, transferiu a particulares a
titularidade dos lotes que vieram a integrar a área sub
judice. Afora os autores citados no tópico anterior, entre
os quais Herbert Baldus, Charles Wagley, frei Lelong,
Audrin, Willy Aureli e outros mais que os visitaram nas
imediações da serra do Urubu Branco, temos a indicação
precisa das suas aldeias na magnífica “Carta do Estado de
Mato Grosso e regiões circunvizinhas”, publicada em 1952
pelo Ministério da Guerra, sob a supervisão do eminente
general Cândido Mariano da Silva Rondon (Anexo 7). Não
resta dúvida de que tal informação era de absoluto domínio

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

público. E jamais passaria despercebida aos dirigentes e


técnicos do então Departamento de Terras e Colonização do
Estado de Mato Grosso, responsável pela titulação dos
requerentes e compradores, visto que, ao menos até meados
da década de 70, a localização dos Tapirapé aparecia em
todos os mapas geográficos do Mato Grosso, desde os mais
comuns vendidos em livrarias e bancas de jornais. No mapa
publicado em 1967/68 pela Sociedade Comercial e
Representações Gráficas Ltda., por exemplo, vemos três
aldeias que, adequadamente, assinalam o território
tradicional tapirapé (Anexo 8).

Descrevi no tópico anterior a maneira como duas


aldeias tapirapé resistiram isoladas, por cerca de 20 anos,
na região da serra do Urubu Branco: a aldeia Xexotawa, no
alto curso do rio Santana, próximo à atual cidade de Vila
Rica, até 1964; e a aldeia Xoatawa, no rio Gameleira, até
1970. E como expliquei, mesmo após o deslocamento para as
margens do Araguaia, os Tapirapé persistiram percorrendo
seu antigo território, para as mais diversas atividades. É
de se concluir, portanto, que os Tapirapé ocupavam de
maneira efetiva a região da serra do Urubu Branco e suas
imediações, inclusive a área ora sub judice, no momento em
que o Estado de Mato Grosso, em 1960, promoveu a alienação
dessas terras aos requerentes originais. O mesmo se pode
dizer quando, um ou dois anos depois, estas mesmas terras
foram arrematadas pela Colonizadora Tapiraguaia.

Com efeito, apenas na década de 40 a bacia do rio


Tapirapé recebeu seus primeiros moradores não indígenas.
Quando subiu este rio em 1935, Herbert Baldus encontrou
suas margens desabitadas, e apenas um único morador na sua
foz. Doze anos depois, em sua segunda viagem, deparou-se
com onze casas de migrantes paraenses em Porto Velho,
vindos havia apenas cinco anos, para trabalhar ou negociar
com o fazendeiro Lúcio Penna da Luz – este tinha sua sede

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

em Mato Verde, atual Luciara, um vilarejo às margens do


Araguaia fundado em 1934 (Baldus, 1948: 139). Nesta época,
as atividades pecuárias de Lúcio da Luz, cujos rebanhos
pastavam nos campos naturais em ambos os lados do rio,
foram o principal impulso para o povoamento das terras dos
Tapirapé por terceiros. Em 1947 Baldus verificou que duas
famílias de vaqueiros, contratados por Lúcio da Luz, já
estavam instaladas rio acima, no porto São Domingos, uma
zona vital, como aludi acima, para a subsistência dos
Tapirapé (id., ibid.: 143). Em 1953, ao retornar à região,
Wagley observou que:

“havia três fazendas de gado localizadas no curso do rio


[Tapirapé], onde os índios muitas vezes iam caçar e
pescar durante a estação seca. Os vastos campos ao longo
desse rio, nos quais anteriormente abundava a caça,
forneciam agora pastagem ao gado” (Wagley, 1988: 267).

Tais pioneiros, designados sertanejos ou caboclos, e


depois como “posseiros”, viviam dispersos pelo sertão ou
aglomerados em pequenos vilarejos ou “patrimônios”,
mantinham pequenas roças de subsistência e, sobretudo,
criavam gado (Casaldáliga, 1971).

Do mesmo modo que nas demais regiões ao norte de Mato


Grosso, o quadro fundiário agravou-se substancialmente a
partir da década de 50, quando o Governo estadual promoveu
inescrupulosa alienação de títulos de propriedade,
abarcando muitas vezes terras indígenas, áreas de posse
efetiva ou mesmo núcleos urbanos (cf. Relatório de CPI do
Sistema Fundiário, da Câmara dos Deputados, em 1979). Como
agravante, muitos lotes eram comprados ou requeridos ao
Departamento de Terras e Colonização do Estado de Mato
Grosso, a preços irrisórios, e prontamente cedidos à
especulação de empresas imobiliárias ou comerciantes de
terras.

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
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A atuação da Companhia Imobiliária Vale do Araguaia –


CIVA, que se instalou em Santa Terezinha em 1954,
constitui, sem dúvida, um exemplo dos mais ilustrativos. De
acordo com Roberto Cardoso de Oliveira, a Companhia
“obtivera concessão de uma extensa área, na qual se acham
incluídos não só as aldeias dos Tapirapé e dos Karajá, como
também o próprio Posto Indígena Heloisa Tôrres”, e para
atrair possíveis compradores abriu um hotel, transformando
o pequeno povoado em “centro de turismo” e as comunidades
indígenas em atrações exóticas (Cardoso de Oliveira, 1959:
3).

De fato, a vila de Santa Terezinha tornou-se, naqueles


anos, “um centro de especulação de venda de terra”,
conforme constatou Charles Wagley (1988: 66) - embora o
hotel tenha fechado suas portas quando a CIVA foi
dissolvida e substituída pela Companhia Colonizadora
Tapiraguaia. Esta nova Companhia, por sua vez, reivindicava
uma área ainda mais vasta, que incluía não apenas a aldeia
Tapirapé mas a própria vila de Santa Terezinha e seus
arredores – conforme o relato de Wagley:

“Por algum tempo, parece ter havido um plano, obviamente


arquitetado por pressão das companhias imobiliárias, para
remover os Tapirapé de sua localização na Aldeia Nova, na
margem oeste do rio Araguaia, para a margem leste da ilha
do Bananal. Trata-se de uma grande ilha formada por dois
braços do rio Araguaia que foi formalmente declarada
‘Parque Indígena’ pelo governo brasileiro, a despeito de
estar ocupada por fazendas particulares e por numerosos
posseiros.
Tal mudança teria sido desastrosa para os Tapirapé.
Bananal é constituída de terras baixas pantanosas, muitas
das quais inundadas nas estações chuvosas, com apenas
esparsas florestas adequadas à roça. Em julho de 1967, o
agora extinto SPI (substituído pela FUNAI - Fundação
Nacional do Índio) obteve uma ‘doação’ dos proprietários
de terra, acionistas da imobiliária Tapiraguaia. Aos
Tapirapé foram dados 9.230,32 hectares que incluíam o
sítio da Aldeia Nova e Posto Indígena. Ao menos no papel
e legalmente, os Tapirapé tornaram-se proprietários da
terra onde agora vivem e de uma parcela daquelas em que
podem plantar suas roças. É de se duvidar que a área seja
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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
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suficiente para os Tapirapé - população pequena mas


crescente - se, continuarem seu atual sistema de
agricultura itinerante. A Fundação Nacional do Índio está
ciente da exigüidade do terreno e, em 1975, um
funcionário informou-me que a FUNAI está tentando
assegurar 14.000 hectares adicionais, cercando a reserva
Tapirapé com um cinturão ‘biológico’ no qual tanto índios
como população local ficariam impedidos de fazer roças,
mas onde poderiam caçar.
Embora os Tapirapé possuam uma área mínima legalmente
garantida, não se sabe, ao certo, se essa reserva foi
adequadamente levantada e suas fronteiras demarcadas. No
local do antigo posto do SPI (...), funciona hoje um
posto da FUNAI controlado por um agente que, certamente,.
encontrará dificuldade em impedir o assentamento de
intrusos na terra Tapirapé. O plano que visava
estabelecer uma reserva biológica também enfrenta reais
dificuldades para efetivar-se. A terra está registrada,
em grandes lotes individuais em nome de membros da
imobiliária [Tapiraguaia]. Boa parte dela foi ocupada por
sertanejos. A situação como um todo, no que diz respeito
à posse da terra ao longo e a oeste do rio Araguaia,
continua em completa desordem legal. Pelo menos, no
momento, os Tapirapé têm um título legal sobre uma
parcela de terra e foram salvos da mudança forçada para
um microambiente na ilha do Bananal, totalmente
inadequado à sua economia tradicional.
Paradoxalmente, as reivindicações da imobiliária colocam
em risco os posseiros em maior proporção, talvez, que os
Tapirapé. Os sertanejos que vêm migrando, principalmente
do nordeste do Brasil, estão se estabelecendo com suas
famílias ao longo do Araguaia. A fazenda do Sr. Lúcio da
Luz, em Mato Verde, transformou-se numa cidade com mais
de 1.500 habitantes. Chama-se Luciara e é a sede de
imenso município do mesmo nome. Em 1965, o Sr. Lúcio,
antigo prefeito de Luciara, possuía milhares de cabeças
de gado na savana que se estende desde a sede da fazenda
até o norte do rio Tapirapé. A cada ano ele vendia mais
de 1.000 bezerros a compradores de gado que os levavam
para o mercado em Goiás. Ao longo do rio Tapirapé, havia
mais de 70 famílias de brasileiros ali estabelecidas em
1965. Alguns eram vaqueiros que criavam gado em sociedade
com o Sr. Lúcio; outros eram coletores de cera em
carnaubais, descobertos nas cabeceiras do rio Tapirapé.
Todos esses colonos tocavam também lavouras de
subsistência, plantadas numa estreita faixa de floresta
de galeria ao longo do rio.
Nos anos 70, aumentaram em número. Nenhum deles tem
título de propriedade da terra. Do ponto de vista legal,
são posseiros. Podem ser expulsos pela Companhia
Colonizadora Tapiraguaia, sendo que conflitos armados têm
ocorrido, recentemente, envolvendo sertanejos e
funcionários da Companhia. A crítica situação dos
camponeses sem terra e dos índios Tapirapé atraiu a
atenção da Igreja. Um artigo publicado no O Estado de São

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Perícia antropológica
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3a. Vara da Justiça Federal - MT

Paulo (a 4 de abril de 1972) noticiou que o Bispo de São


Félix planejava denunciar as atividades da Companhia
Colonizadora Tapiraguaia à Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, e, com isto, obter seu apoio para
pressionar o governo federal numa ação em favor dos
Tapirapé e dos sertanejos” (Wagley, 1988: 67-68).

Entre 1961 e 1962 a Colonizadora Tapiraguaia


arrematara uma profusão de lotes de diversos requerentes,
compondo assim o loteamento conhecido pelo próprio nome da
empresa colonizadora (Toral, 1994: 33-34). A partir da
criação em 1966 da Superintendência para o Desenvolvimento
da Amazônia – SUDAM, no governo Castelo Branco, e o
incremento da política de incentivos fiscais, as companhias
colonizadoras e agropecuárias instaladas no médio Araguaia
passaram a agir com redobrada desenvoltura. Recursos
volumosos foram então canalizados pelo empresariado sulista
a pretexto dessa nova frente de expansão pecuária, tanto
para a aquisição da titularidade sobre extensões inauditas
como para contratar milícias e expulsar ocupantes índios ou
posseiros (cf. Davis, 1978: 143-157).

Bastaria citar o caso do próprio povoado de Santa


Terezinha, situado às margens do Araguaia, em frente a ilha
do Bananal. Em 1966 a Cia. de Desenvolvimento do Araguaia –
Codeara, vinculada ao Banco de Crédito Nacional, lá fixou-
se com base nos títulos que abrangiam inclusive a área
urbana, numa extensão de 196 mil hectares. A presença da
Codeara, segundo o bispo Casaldáliga (1971), trouxe
insegurança aos moradores “por causa das atitudes tomadas
pela companhia que os vinha prejudicar diretamente”. Ali
viviam então cerca de 140 famílias, dispondo de escola,
ambulatório médico, igreja e uma cooperativa agrícola.
Contudo, diz Casaldáliga:

Apesar de tudo isto, aquela [Santa Terezinha] foi vendida


como desocupada, como mata virgem. E a companhia se
sentiu no direito de despojar os pobres moradores do
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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

pouco, da insignificância que possuíam. E começou contra


eles uma guerra de ameaças, de invasões de terra,
invasões de domicílio, prisões, etc. A política estadual
também esteve a serviços dos interesses da CODEARA. Era
transportada, alojada e alimentada pela mesma companhia”
Casaldáliga, 1971).

Nos conflitos que se seguiram, nos quais se envolveram


militares e policiais, além de órgãos estaduais e federais
vinculados à questão agrária, a Codeara usou de sua forte
influência política para convencer as autoridades e
funcionários a respeito de suas reivindicações. Por sua
vez, os posseiros resistiam de todas as formas às
infindáveis ameaças. Anos a fio, o povoado de Santa
Terezinha viveu uma certa “guerra de nervos”, e até esteve
sob controle militar. Em várias oportunidades deram-se
mesmo choques armados entre administradores da Companhia,
jagunços, policiais e posseiros. O Governo militar, então,
imputou ao padre François Jentel, da Prelazia de São Félix,
os distúrbios que ali sucediam, acusando-o de ameaçar a
“segurança nacional”; condenado pelos juizes militares a
dez anos, foi expulso do país após um ano de prisão (Davis,
1978: 155-156; Wagley, 1977: 272-273). Casos semelhantes ao
de Santa Terezinha, na verdade, ocorreram em várias outras
localidades do médio Araguaia - Pontinópolis, Porto Alegre
do Norte, Ribeirão Bonito, Cascalheira, Lago Grande,
Luciara etc. (cf. depoimento de d. Pedro Casaldáliga à CPI
da Terra; Casaldáliga, 1977.)

Toda esta conflagração fundiária repercutiria, com


certeza, na vida das comunidades Tapirapé e Karajá e nos
direitos acerca das terras que ocupavam. As áreas da foz do
rio Tapirapé e da serra do Urubu Branco haviam sido
açambarcadas por umas poucas empresas: a Sociedade
Tapiraguaia S/A – Agrícola e Pecuária (que então englobava
as fazendas Frenova, Piraguassu e Sapeva), dos empresários
José Augusto Leite de Medeiros e José Carlos Pires

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Perícia antropológica
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Carneiro; as agropecuárias Agroselva, Codebra e Campo


Verde, com participações desses mesmos empresários; a
Codeara, do Banco de Crédito Nacional – BCN; e a
Agropecuária Porto Velho, dos Fertilizantes IAP (Gonzaga
Junior, 1972; Estado de São Paulo, O, 1975). As derrubadas,
as pastagens artificiais e as cercas das agropecuárias
disseminaram-se pelas “terras e campos de caça dos
tapirapé” e prejudicavam também os Karajá (Movimento,
1975).

Antevendo futuros problemas caso insistissem no plano


de transferir os Tapirapé para a ilha do Bananal, os
proprietários José Carlos Pires Carneiro, José Augusto
Leite de Medeiros e José Lúcio Neves Medeiros, todos
componentes da Sociedade Tapiraguaia, concordaram em doar
aos “índios Tapirapé”, através de escritura pública
registrada no Cartório do 3o Ofício da Comarca de Goiânia,
datada de 20 de julho de 1967, uma gleba de 9.230 hectares
na foz do rio Tapirapé - um trecho em parte alagadiço, em
parte um cerrado infértil (Estado de São Paulo, O, 1975).
Houve, entrementes, algumas tentativas de aliciamento, por
meio de presentes levados pelas esposas dos proprietários
da Tapiraguaia, além de investidas de dirigentes da FUNAI e
até coação de policiais militares, mas os Tapirapé
recusaram qualquer acordo (Jornal de Brasília, 1980; Estado
de São Paulo, 0, 1981; Popular, O, 1981). No próximo tópico
descreverei, sucintamente, os fatos que levaram ao
reconhecimento da área Tapirapé/Karajá em 1982, num total
de 66.166 hectares.

De maneira quase idêntica, tal processo repetir-se-ia


por ocasião da identificação, delimitação e demarcação da
área Urubu Branco. Até os empresários da Tapiraguaia S/A
eram os mesmos, pois se diziam donos então de toda a região
da serra do Urubu Branco, o coração do habitat ancestral
dos Tapirapé (Popular, O, 1981).

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
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A despeito da petição inicial dos Autores não


discriminar a cadeia dominial completa da Fazenda Santa
Laura, foi possível obter junto ao Instituto de Terras do
Estado do Mato Grosso – INTERMAT alguns dados relativos aos
títulos definitivos sobre essa área, emitidos em favor de
Joel Moura, Elma L. M. Pinto, Isão Afonso Maia, José
Cavalcante Moura, Raul Antunes Rangel, Jurandir Rocha da
Silva e Aroldo M. C. da Silva - todos datados de dezembro
de 1960. Não obstante, tais títulos vieram a ser negociados
através da Colonizadora Tapiraguaia, como parte do
loteamento de um milhão de hectares que esta amealhou – a
Gleba Tapiraguaia. Aliás, a própria documentação do imóvel,
anexada aos Autos, conduz a essa certeza.

De acordo com a escritura de compra e venda, emanada


do Cartório do 1o Ofício da Comarca de São Félix, que os
Autores fizeram juntar às folhas 16 a 21 dos Autos, Carlos
Roberto Tarallo Rodrigues e Bento Ary Aparicido Bellentani,
adquiriram em 30 de outubro de 1991, do Banco Antonio
Queiroz S/A e do Banco Cidade S/A, cinco lotes
remanescentes da Gleba Tapiraguaia, cujas matrículas então
unificaram sob a denominação de Fazenda Santa Laura. A
estes lotes, anexaram uma “parte excedente” (cuja origem
não ficou esclarecida) de 1.060,8 hectares, perfazendo
assim um total de 22.848,40 hectares.

Sabe-se que entre as décadas de 70 e 80 houve choques


violentos na região da serra do Urubu Branco, entre
agropecuárias e posseiros. Em certas ocasiões, posseiros e
peões escorraçados pelas agropecuárias chegaram inclusive a
buscar auxílio junto aos próprios Tapirapé (cf. Carvalho,
1980: 70). Acusava-se as empresas de manter milícias
armadas para constranger os posseiros a vender seus
direitos ou, simplesmente, a retirar-se. Denúncias dessa
natureza foram direcionadas pelo Sindicato de Trabalhadores
Rurais de Confresa contra a agropecuária Frenova, de José

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Perícia antropológica
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Carlos Pires Carneiro e Silvana Carraro Carneiro, (Toral,


1994: 35). O trabalho escravo ou em condições subumanas, à
época, tornou-se quase uma rotina em derrubadas mais
distantes, cujos empreiteiros recrutavam centenas de peões
dos mais variados recantos da Amazônia e do Nordeste.

Para o que nos interessa, cabe enfatizar os fortes


constrangimentos ocasionados aos Tapirapé em razão da
alienação e do loteamento desenfreados do seu território
tradicional. Suas conseqüências se manifestam, inclusive,
no próprio processo de identificação e demarcação da área
Urubu Branco, à qual, por prudência ou temor, evitou-se
incorporar zonas relevantes do ponto de vista cultural,
histórico, econômico e ambiental, quando já submetidas à
exploração intensiva ou completamente devastadas (Toral,
1994: 74).

As visitas periódicas facultaram aos Tapirapé


observarem a invasão crescente do seu território, a
despeito das ameaças explícitas e veladas dos
proprietários, administradores ou jagunços, que assim
tentavam impedir o acesso às antigas aldeias, às áreas de
caça e pesca e à serra do Urubu Branco. Sistematicamente,
com o mesmo fim, alguns proprietários procuraram
descaracterizar os sítios que comprovavam a ocupação
indígena - alterando o terreno com tratores, plantando
capim etc. (id. ibid.: 71).

Já na década de 90, os desmatamentos, a substituição


da vegetação florestal por pastagens e o cercamento dos
campos alcançaram proporções alarmantes nas imediações da
serra do Urubu Branco, afetando talvez de modo irreversível
a qualidade dos solos, os cursos d’água, a fauna e a flora
da região. Através da imagem de satélite (Anexo 12),
constatamos que as agropecuárias Sapeva, Codebra, Agroselva
e Santa Laura, tributárias diretas ou indiretas do
loteamento executado pela Sociedade Tapiraguaia, respondem

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Perícia antropológica
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pela parcela maior da devastação no interior da área


indígena Urubu Branco. Já no entorno da área indígena
demarcada, temos as fazendas Tapirapé e Porto Velho, a
leste, e a fazenda Frenova e os canaviais da usina
Gameleira, a oeste, cujos impactos precisariam ser
mensurados.

Por último neste tópico, devo reconhecer a


impossibilidade de afirmar que a denominação “Tapiraguaia”
é uma referência expressa à presença indígena. Tal
denominação parece, antes, uma simples junção dos nomes dos
rios Tapirapé e Araguaia. Não obstante, a designação de
certos acidentes geográficos, a exemplo do rio Tapirapé e
também a serra do Tapirapé (antiga denominação da serra do
Urubu Branco, ainda encontrada em mapas recentes; Anexo 7)
são suficientes para atestar, de maneira cristalina, os
vínculos permanentes entre o povo Tapirapé e o seu
território tradicional.

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Perícia antropológica
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A demarcação das terras indígenas

QUESITOS DA FUNAI DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO


3. Quais os motivos determinantes da criação da Área
Indígena Tapirapé/Karajá, com a finalidade de abrigar
ambos os grupos?
4. Com a criação das terras indígenas acima denominada
Tapirapé/Karajá, impediu que os Tapirapé permanecessem
ocupando terras que anteriormente compunham o território
tradicional do grupo?
5. A área Indígena Urubu Branco pode ser considerada como
parte do território tradicional do grupo Tapirapé?
6. As terras sub judice encontram-se inseridas nos
limites apontados pela Portaria no 599, de 2 de outubro
de 1996 (fls. 81), que declarou de posse indígena, atual
e permanente a área indígena em comento?
8. A Área Indígena Urubu Branco, em função as respostas
aos quesitos formulados, pode ser considerada terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios Tapirapé, nos
precisos termos do art. 231 e seus parágrafos da
Constituição Federal?

QUESITOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


1. A Terra Indígena declarada pela Portaria Ministerial
n. 599, de 2/10/96, é território tradicional Tapirapé?

Por volta de 1953, quando os Tapirapé já se


encontravam aldeados na foz do rio homônimo, o encarregado
do SPI Valentim Gomes enviou à direção do órgão, no Rio de
Janeiro, um esboço de mapa “delineando uma vasta área a
qual reivindicava como território Tapirapé” (Wagley, 1988:
65-66). Segundo um relatório das Irmãzinhas de Jesus,
apresentado em 1981 ao Núncio apostólico, d. Carmine Rocco:

Em 1954 começaram a chegar as ‘Companhias Colonizadoras’.


Nessa mesma época chegaram também famílias de migrantes
que se localizaram na área chamada ‘Cadete’, mas desde o
início com pleno conhecimento de que essa área pertencia
aos Tapirapé e que sua permanência lá seria provisória.
Essas famílias aumentaram. Hoje são cerca de 100 pessoas
que também necessitam de terra, mas segundo o desejo dos
Tapirapé elas devem se localizar em outra área, devido a
conflitos internos como diferença de cultura, etc.
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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

Com a chegada dessas Companhias e dos migrantes, os


Tapirapé, ajudados pelo Sr. Valentim Gomes, chefe do
posto local do SPI, do Pe. Francisco [Jentel] e nós
[Irmãzinhas de Jesus], começaram a se preocupar com a
demarcação de suas terras. Deram início a essa tarefa,
mas o advogado do SPI, cujo nome não recordamos, se negou
a realizar o trabalho dizendo que não recebia O salário
para tal e que não estava disposto a trabalhar ‘de graça’
para o Serviço de Proteção aos Índios .
Alguns anos depois, já com a Funai, houve um incêndio, e
ficamos sabendo pelos funcionários que, lamentavelmente,
toda a documentação referente a demarcação da terra dos
Tapirapé fora destruída. A população Tapirapé nessa época
havia se multiplicado (agora já são 200) e com isso a
preocupação pela terra crescia, pois dela dependem para a
sua sobrevivência ‘e para a preservação de sua identidade
como grupo humano, como povo’, como disse o Papa João
Paulo II” (Jesus, 1981).

A partir do momento em que tomaram consciência de que


era preciso demarcar suas terras e defendê-las das
invasões, os próprios Tapirapé deram curso às gestões para
tal fim, enfrentando nesse processo não apenas os
interesses contrariados das agropecuárias, mas também a
relutância do próprio órgão indigenista federal.

Como referi no tópico anterior, ao fracassar o plano


de transferência para a ilha do Bananal, a Sociedade
Tapiraguaia tencionou satisfazer os Tapirapé doando-lhes em
1967 uma área de 9.230 hectares, em grande parte alagadiça
ou imprópria à agricultura. Em 1974 o padre Antônio Iasi
Junior, assessor do Conselho Indigenista Missionário – CIMI
encaminhou à FUNAI uma proposta mais generosa, que se
estendia até as imediações do porto da Muriçoca, a oeste,
mas que não contemplava as terras da serra do Urubu Branco
(Iasi Junior, 1974).

Em 1973 a FUNAI oferecera aos Tapirapé uma reserva de


23 mil hectares (O Estado de São Paulo, 1981). Com base
nessa proposta, dois anos depois as companhias Codeara e
Tapiraguaia teriam contratado uma firma de topografia para
demarcar os limites de suas propriedades, dispostas “a

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

enfrentar a resistência dos índios”, de acordo com a


denúncia do CIMI publicada no jornal O Estado de São Paulo,
em 24 de setembro de 1975. O então presidente da FUNAI,
general Ismarth de Araujo Oliveira, assegurava nesta mesma
matéria que o órgão havia tomado providências, através de
uma comissão para “estudar a definição dos limites da área
indígena”.

Cansados de esperar pelas medidas burocráticas, em


1977 e 1978 os próprios Tapirapé resolveram abrir as
picadas e demarcar assim a área que pretendiam, auxiliados
por um agrimensor contratado pela Prelazia de São Félix
(Jesus, 1981). Todavia, tal solução não parecia aceitável à
FUNAI. E, em 1980, novamente a empresa Tapiraguaia foi
acusada de tentar demarcar a área dos Tapirapé e Karajá, à
revelia dos mesmos (Jornal de Brasília, 1980).

A FUNAI então rejeitava, peremptoriamente, os limites


pleiteados pelos Tapirapé, alegando que a desapropriação do
pasto da fazenda Tapiraguaia e dos lotes dos posseiros
exigiriam desembolsos vultuosos (O Estado de São Paulo,
1981). Elaborada a partir desses parâmetros, o então
presidente da FUNAI, coronel Nobre da Veiga, assinou a
Portaria 1.093/E, em 26 de agosto de 1981, delimitando uma
área de 60 mil hectares – esta nova proposta, no entanto,
foi outra vez recusada pelos Tapirapé.

Nesse ínterim, foi constituído um Grupo de Trabalho


para estudo e definição da área indígena, coordenado pela
antropóloga Maria Auxiliadora C. de Sá Leão (Portaria FUNAI
841/E, de 30/09/80). Em razão das críticas de
representantes da Igreja católica e outros organismos
(Popular, O, 1981; Estado de São Paulo, O, 1981; Vidal,
1981; Balduino, 1981), a FUNAI obrigava-se, afinal, a rever
sua posição. Com isto, no ano seguinte os Tapirapé
conseguiram o reconhecimento oficial da picada demarcatória
que eles haviam aberto anos antes, através da assinatura,

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

pelo novo presidente da FUNAI, coronel Paulo Moreira Leal,


da Portaria 1.203/E, de 29 de março de 1982 (publicada no
DOU de 02/04/82), que revogava a anterior e determinava uma
área de 64.500 hectares, denominada então área indígena
Tapirapé/Karajá. A demarcação física desta área, pelo
Departamento de Serviço Geográfico do Exército, teve o
acompanhamento dos Tapirapé; sua homologação deu-se com o
Decreto 88.194, de 23 de março de 1983, num total de 66.166
hectares.

Devo notar que, no próprio relatório em que se baseou


a proposta definitiva da área Tapirapé/Karajá, a
antropóloga Maria Auxiliadora de Sá Leão salientara que “os
Tapirapé continuaram fazendo incursões anuais a Urubu-
Branco", muito embora se sentissem impotentes para
reivindicar a inclusão desta parte do território tribal. A
mera demarcação da área Tapirapé/Karajá, portanto, adverte
a antropóloga, não seria suficiente para atender os
direitos e as necessidades territoriais dos Tapirapé. Nas
suas palavras:

"o território ocupado pelos Tapirapé nunca foi de fato


abandonado, as matas continuaram sendo usadas para
plantio e os índios em suas caçadas periódicas caminhavam
por toda a área circunvizinha. A redução territorial não
implicou num abandono das terras, se elas não continuaram
ocupadas não deixaram de ser percorridas periodicamente
(...). A falta de matéria prima ritual ou artesanal, a
redução da caça, atividade produtiva tradicional, faz com
que os Tapirapé continuem percorrendo a sua área
tradicional, incursionando pelas fazendas da região. Se
hoje este fato não constitui problema não podemos deixar
de levá-lo em conta pelas conseqüências futuras" (Leão
1980: 5-6).

De fato, a depredação acentuada e as ameaças de


impedi-los de usufruir do seu habitat ancestral, impôs aos
Tapirapé a necessidade de demarcar a área nas imediações da
serra do Urubu Branco. Ao lado de iniciativas diretas, como

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

alertar os fazendeiros e demais ocupantes de que aquelas


terras lhes pertenciam, os Tapirapé solicitaram as
providências da FUNAI, através de ofício datado de 1991. E
em 1992, seus representantes reuniram-se com os dirigentes
do órgão, em Brasília, para tratar do mesmo assunto (Toral,
1994: 41). Apenas em 1993 a área Urubu Branco foi
relacionada na programação do PRODEAGRO - um projeto do
Governo do Estado de Mato Grosso, com financiamento do
Banco Mundial, cujas ações estão direcionadas para a
regularização fundiária, a preservação ambiental e o
incentivo à pequena produção.

Em novembro de 1993, porém, um grupo de famílias


deslocou-se para o local da antiga aldeia de Tapi’itawa, e
ali se estabeleceu. Deu-se a partir daí a migração
paulatina de mais famílias para Tapi’itawa e outros locais
da serra do Urubu Branco, que veio a configurar a situação
atual descrita acima.

Entrementes, a FUNAI nomeou um Grupo de Trabalho para


identificação e delimitação da área indígena Urubu Branco
(Portaria 1.013, de 11 de outubro de 1993), coordenado pelo
antropólogo André Amaral Toral, que executou os
levantamentos entre novembro de 1993 e janeiro de 1994. Sob
o aspecto fundiário, foram em seguida vistoriados a maioria
dos estabelecimentos incidentes no perímetro da área
proposta, com o objetivo de verificar sua titularidade e
elaborar os laudos das benfeitorias existentes. Acerca das
fazendas Sapeva, Codebra, Agroselva e Santa Laura, a
informações foram prestadas por empregados ou
administradores presentes, conforme o relatório de viagem
apresentado pelos técnicos da FUNAI e do INCRA que
compunham o Grupo de Trabalho (Gonçalves & Cintra, 1994).

O relatório do antropólogo foi entregue em março de


1994 (Toral, 1994), dando curso ao processo administrativo
estabelecido pelo Decreto 22, de 4 de fevereiro de 1991.

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

Através do Despacho 34, de 11 de agosto de 1994, o então


presidente da FUNAI, Dinarte Nobre de Madeiro, aprovou o
Parecer 104/DID/DAF, redigido pela antropóloga Ana Gita de
Oliveira, no qual foram assentadas as informações
indispensáveis para os passos ulteriores.

A reação dos proprietários e demais ocupantes contra a


demarcação da área Urubu Branco deu-se num crescendo, a
partir da etapa prévia de identificação, quando aconteceram
ameaças aos membros do Grupo de Trabalho e injunções de
caráter mais político (Toral, 1994: 8-9). Ao mesmo tempo,
Carlos Roberto Rodrigues Tarallo e outros proprietários,
com base no Decreto 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que
passou a regular o processo administrativo de regularização
das terras indígenas, ofereceram suas contestações à
identificação e delimitação da área indígena Urubu Branco.
Através do Despacho 34, de julho de 1996, a FUNAI rejeitou
porém suas alegações, nos seguintes termos:

“Despacho no. 34 – Ref. Área Indígena de URUBU BRANCO/MT.


Processos nos. 08620.1183/96.
l. CARLOS ROBERTO RODRIGUES TARELLO (sic) e outros, com
base no art. 9o do Decreto no 1.775/96, ofereceram
contestação à identificação e delimitação da área
indígena de URUBU BRANCO, com 157.000 ha., situada no
Estado de Mato Grosso, alegando, em síntese: a) a
nulidade do procedimento administrativo por inobservância
do devido processo legal e afronta à garantia da ampla
defesa; b) domínio e posse de sua parte, com titulação
regular, sobre parcela da área; c) não caracterização das
terras como indígenas, à luz dos requisitos constantes do
art. 231, § 1o, da Constituição Federal.
2. Não procedem as alegações dos contestantes:
2.1 – o procedimento administrativo obedeceu as normas
legais e regulamentares, vigentes à época de sua
realização e o resguardo ao princípio constitucional da
ampla defesa foi alcançado pela oportunidade das
contestações, nos termos do art. 9o do citado Decreto no
1.775/96.
2.2 – os títulos dominiais apresentados pelos
contestantes, de origem posterior a 1941, e a alegada
posse ‘longi temporis’ sobre parte da área não têm força
jurídica para descaracterizar a natureza indígena das

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

terras porque, consoante disposição expressa do art. 231,


§ 6o, da Constituição Federal, tais títulos são ineficazes
em relação às comunidades indígenas, situação que remonta
à Carta de 1934.
2.3 – o laudo antropológico de identificação e
delimitação da área em tela, no que pertine a seus
aspectos jurídicos, demonstra, em seu conjunto,
substancial adequação dos seus fundamentos aos
pressupostos elencados no art. 231, § 1o, da Carta
Republicana vigente e, no que tange à matéria de fato, os
contestantes não fizeram qualquer prova idônea a elidir a
veracidade desses fundamentos.
Os dados fáticos constantes do processo demarcatório,
colhidos e analisados por equipe técnica e que não foram
infirmados pelos contestantes, evidenciam que as terras
em questão são de ocupação tradicional dos índios do
grupo Tapirapé os quais somente não conseguiram exercer
posse sobre a área em virtude de turbação e esbulho por
atos de terceiros, não legitimados juridicamente” (Diário
Oficial da União, 10 de julho de 1996, Seção 1, p. 1267-
1268.

Ao tomar a iniciativa de contestar a demarcação da


área Urubu Branco, os Autores da presente Ação, por sua
vez, demostraram estar cientes do andamento do processo
administrativo de reconhecimento das terras
tradicionalmente ocupadas pelos Tapirapé.

Através da Portaria 599, de 2 de outubro de 1996, o


Ministro da Justiça declarou a área Urubu Branco como de
posse permanente dos índios Tapirapé (publicada no DOU de
4/10/96). Os trabalhos demarcatórios, a cargo da empresa
Aquários Serviços Topográficos Ltda., foram concluídos em
1998, após vários incidentes com posseiros da chamada Gleba
Esperança, ao norte da área Urubu Branco - tentativas de
embargo, incêndio de veículo e até seqüestro (Couto, 1997a;
1997b; A Gazeta, 1997; Couto, 1998; Perassoli, 1999).

O Decreto s/n, de 8 de setembro de 1998, homologou


então a demarcação administrativa da área indígena Urubu
Branco, com a superfície de 167.533,32 hectares, situada
nos municípios de Santa Terezinha, Confresa e Porto Alegre
do Norte. A área Urubu Branco foi inscrita, em 24 de junho

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

de 1999, no 1o Tabelionato e Registro de Imóveis, da


Comarca de São Félix do Araguaia, sob as matrículas 12.252,
12.253 e 12.254; e cadastrada na Secretaria do Patrimônio
da União, sob os nos 9895.00001.500.4, 9197.00002.500.1 e
0131.00001.500.4, conforme a Certidão 110/99, de 22 de
novembro de 1999, expedida pela Gerência do Patrimônio da
União no Estado de Mato Grosso.

A seguir, destacamos os principais argumentos para a


solução dos quesitos deste tópico.

A criação da área indígena Tapirapé/Karajá teve como


finalidade primordial o reconhecimento de uma pequena
parcela das terras imemoriais dos Karajá, na foz do rio
Tapirapé, espaço territorial que estes eventualmente
compartilharam com os Tapirapé em períodos anteriores. A
partir de 1950, todavia, a área passou a servir também como
refúgio para a população Tapirapé, ali reunida pelo
encarregado do SPI, em razão da redução numérica e o temor
de novos ataques dos Kayapó. Contudo, a residência às
margens do Araguaia não impediu que os Tapirapé
continuassem percorrendo a região da serra Urubu Branco e
suas imediações, para fins os mais diversos, inclusive como
uma expressão da continuidade de suas relações ancestrais
com aquele território.

Portanto, com base nos vínculos historicamente


demonstrados e na continuidade dos mesmos até os dias
atuais, sustenta-se que a área Indígena Urubu Branco,
declarada pela Portaria Ministerial 599, de 2 de outubro de
1996, é uma parcela das terras tradicionalmente ocupadas
pelos Tapirapé, cujo território original se estendia do rio
Tapirapé até o sul do atual Estado do Pará, e assim
corresponde aos termos precisos do artigo 231 da
Constituição Federal.

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

Como espero haver demonstrado, o imóvel denominado


Fazenda Santa Laura coincide totalmente com as terras
tradicionalmente ocupadas pelos Tapirapé, na medida em que
a fração que se encontra inserida nos limites declarados
pela Portaria Ministerial 599/96 e o setor menor a sudeste,
que deles ficou excluído, ambos correspondem aos critérios
constitucionais que identificam as terras indígenas (ver
mapa “Situação atual e referências históricas”, Anexo 12).

Por fim, ainda neste tópico, cabe informar que alguns


proprietários ou detentores de titularidade, igualmente
atingidos pela demarcação da área Urubu Branco,
espontaneamente assentiram em reconhecer os direitos
originários dos Tapirapé àquelas terras. Já em 1991 a sra.
Adalta Luz cedera aos Tapirapé os documentos relativos às
posses pioneiras do seu pai, o legendário Lúcio da Luz. E
em junho de 2000 o sr. João Teixeira Posses e a empresa
Pires do Rio – CITEP Ltda., titulares das fazendas Codebra
e Sapeva, remeteram à FUNAI os documentos notificando a
entrega da posse dos imóveis respectivos.

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Perícia antropológica
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3a. Vara da Justiça Federal - MT

A Fazenda Santa Laura

QUESITOS DOS AUTORES


1. As terras sub judice são área indígena atualmente?
2. Se nas terras sub judice existem pastagens formadas?
3. Há quanto tempo existem pastagens formadas nas terras
sub judice?
4. Existe outro tipo de cultivo além de pastagens?
5. Qual a idade desses cultivos?
6. Existem benfeitorias realizadas nas terras sub judice?
7. Qual a idade das benfeitorias realizadas nas terras
sub judice?
8. Em quanto se estima as benfeitorias realizadas nas
terras sub judice?
9. Qual a atividade da área sub judice?
10. Existe gado na área sub judice?
11. Qual a distância entre a aldeia dos Tapirapés e as
terras sub judice?

QUESITOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


3. De quando data a ocupação dos requerentes sobre a área
pleiteada?
7. Havia conhecimento, por parte do requerente, quando do
início do desmatamento sobre a área requerida, de que se
tratava de Terra Indígena?
8. As intervenções produzidas pelo desmatamento, abertura
de estradas, etc., por parte do requerente, prejudicaram
as práticas atinentes à sobrevivência do grupo indígena?
9. Qual a extensão da área degradada por tais
intervenções?
10. Quais medidas mitigadoras fazem-se necessárias para a
reparação dos danos causados por tais intervenções sobre
a Terra Indígena oficialmente declarada? Quais os custos
aproximados?

Os quesitos reunidos neste último tópico serão


respondidos na ordem acima.

Tendo presente os dados relacionados nos tópicos


anteriores, concluímos que as terras sub judice são, de

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

fato, de ocupação tradicional dos Tapirapé, nos termos do


artigo 231 da Constituição Federal, e assim foram
reconhecidas pelos atos administrativos correspondentes,
acima comentados. No interior dos 22.848,40 hectares da
Fazenda Santa Laura, foram apontadas diversas referências
que atestam a ocupação indígena anterior e atual
(acampamentos, campos de caça, trilhas, lagos onde pescam,
macaúbas e cacos de cerâmica), bem como situadas as zonas
de coleta de taquari e de buriti (ver mapa “Situação atual
e referências históricas”; Anexo 12). E, no local da ex-
sede da Fazenda, conforme verifiquei na etapa de campo
desta Perícia, está hoje assentada a aldeia Akara’ytawa
(“akara’ywa” é uma árvore típica que, por isso, serve de
epônimo a essa região), com uma população de 52 pessoas.

Como já afirmei, o imóvel Fazenda Santa Laura acha-se,


na verdade, integralmente inserido nas terras de ocupação
tradicional dos Tapirapé, a despeito de um trecho a
sudeste, de cerca de 2,5 mil hectares, não ter sido
incluído no perímetro delimitado pela Portaria Ministerial
599, de 2 de outubro de 1996. Não obstante, este trecho
merece ser enquadrado dentre as terras de ocupação
tradicional Tapirapé, por dois motivos: primeiro, situa-se
nas proximidades do antigo Porto Velho, local muito
freqüentado pelos ascendentes dos atuais Tapirapé, onde
existiu uma aldeia que funcionava para as trocas com os
Karajá, como assinalou Lelong (1933); segundo, trata-se de
uma zona de varjão que os Tapirapé continuam a utilizar
como terreno de caça e de coleta de palha e plantas
terapêuticas.

Por ocasião da vistoria in loco, foi possível


constatar que uma extensão significativa da área do imóvel
está tomada por cercas e pastagens artificiais,
principalmente de capim tipo “brachiaria”. Estes pastos são
visíveis também nas imagens de satélite a que tive acesso,

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

respectivas a 1995, 1996 e 1999 (Anexo 10). Com base na


configuração da Fazenda Santa Laura em 1986 (segundo o
croquis em mãos de Valdemar Makapixowa, sua área então se
restringia ao setor norte, com 8.770,93 hectares; Anexo 9),
nas imagens de satélite (Anexo 10) e nas informações que
constam do LVA – Laudo de Vistoria e Avaliação, preenchido
pelos próprios administradores da Fazenda para fins de
indenização das benfeitorias pela FUNAI, temos a seguinte
sucessão de desmatamentos e acréscimos de pastagens, ano a
ano:

ANO PASTAGENS
(hectares)
1985 968,0
1994 480,0
1995 976,0
1996 36,5
1998 325,0
TOTAL 2.785,5

Até fins da década de 80, por conseguinte, os


proprietários precedentes da Fazenda Santa Laura não haviam
aberto na mata mais que um retângulo de 976 hectares (o
traçado está no croquis de 1986; Anexo 9). Fica assim
patente que os desmatamentos foram intensificados a partir
de 1994, portanto depois que tiveram início os trabalhos
preliminares de identificação da área indígena Urubu
Branco, e que estes não foram interrompidos sequer com a
edição da Portaria Ministerial 599, em outubro de 1996.

De acordo com os informantes Tapirapé que acompanharam


a vistoria, a primeira derrubada (a de 1985) teria sido
para plantio de roças (mandioca etc.). As derrubadas na

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

década de 90, para formação de pastagens, foram efetuadas


com o auxílio de trator, através do sistema de “correntão”.
Já na que foi embargada em 1997 pelos Tapirapé, utilizavam
motosserras. Em abril de 1997, quando os Tapirapé decidiram
paralisar a empreitada em curso, fato que motivou a
presente Ação de Manutenção de Posse, mais de setenta peões
estavam roçando (ou brocando) um trecho de mata, a sudeste
da sede da Fazenda (a extensão da área em causa pode ser
inferida através de uma comparação entre as imagens de
satélite de 1996 e de 1999; Anexo 10). E em julho, quando
ali retornaram, os Tapirapé encontraram a maior parte dessa
área já derrubada e a madeira sendo extraída, para a
fabricação de lascas e mourões de cerca. Na ocasião,
apreenderam duas motosserras e galões de combustível.

Quanto à existência atual de outros cultivos, estes


são na verdade de pouca monta: algumas mangueiras,
cítricos, goiabeiras, cajueiros e outras frutíferas e
touceiras de bananeiras. Embora apenas um agrônomo ou um
botânico possa estimar corretamente a idade dessas
frutíferas, pareceu-me que a maior parte das árvores não
alcança mais que sete anos. Quanto ao bananal plantado em
1995, na guarita da divisa oeste, obtive a seguinte
informação dos Tapirapé:

Nós falamos [para o administrador] que a área é nossa.


Ele estava derrubando. Ele falou que ia plantar banana.
Nós falamos que então a banana é nossa. Ele falou que ia
derrubar só [na beira da] estrada, depois ele abriu mais”
(Cantídio Taywi, 16/3/2001).

Os Tapirapé disseram, ainda, que vieram a colher parte


da produção de bananas, mas muitos pés feneceram.

Afora as pastagens e cercas e as poucas frutíferas, as


demais benfeitorias existentes na área sub judice são
casas, galpões, caixas d’água e a represa, cuja descrição e

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
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estimativa não se constituem propriamente em objeto de uma


perícia antropológica, sendo necessário para este fim
recorrer a um profissional qualificado para a realização de
uma peritagem avaliatória. Cabe dizer, tão-somente, que
parte das casas e os galpões estão servindo, no momento,
como moradias e depósitos para as famílias tapirapé da
aldeia Akara’ytawa.

Quanto à utilização precedente da área em litígio, não


resta dúvida de que os proprietários ali criavam gado, em
regime extensivo, mas já o retiraram há algum tempo. O gado
que atualmente ali está pertence à comunidade tapirapé, num
total aproximado de cem cabeças.

Como já relatei acima, a aldeia Akara’ytawa encontra-


se situada no exato local da ex-sede da Fazenda Santa
Laura, como se pode observar nas fotografias em anexo. As
demais três aldeias da área Urubu Branco, cujas posições
verifiquei in loco (ver mapa “Situação atual e referências
históricas”; Anexo 12), estão distantes cerca de 20 a 35
quilômetros da ex-sede da Fazenda Santa Laura.

Os requerentes, segundo a documentação anexada aos


Autos (fls. 16 a 21 dos Autos), adquiriram os lotes que
integram a Fazenda Santa Laura no ano de 1991. À época,
como já disse no tópico anterior, estavam já os Tapirapé
demandando junto à FUNAI a demarcação da área Urubu Branco.
E na condição de detentores de direitos originários sobre a
serra do Urubu Branco e regiões circunvizinhas,
apresentaram-se muitas vezes nas fazendas e demais
estabelecimentos. Os técnicos da Grupo de Trabalho que,
entre 1993 e 1994, identificou e delimitou a área indígena,
vistoriaram a Fazenda Santa Laura e tomaram informações
junto aos prepostos dos requerentes, dando-lhes ciência dos
objetivos dos trabalhos em andamento. Por sua vez, as
contestações que os proprietários encaminharam à FUNAI em
1996, expondo sua posição contrária à inclusão da Fazenda

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
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Santa Laura dentre as terras de ocupação tradicional dos


Tapirapé, demonstram cabalmente o pleno conhecimento dos
Autores acerca das etapas cumpridas no processo de
identificação e delimitação da área indígena Urubu Branco.
No entanto, mesmo após a edição da Portaria Ministerial
599, em outubro de 1996, os mesmos requerentes prosseguiram
suas atividades de extração de madeira, desmatamento e
formação de pastagens, conforme revela um exame comparativo
das imagens de satélite de 1996 e de 1999 (Anexo 10).

Os desmatamentos na área da Fazenda Santa Laura, como


assinalei acima, atingem cerca de 2.785,5 hectares. Além
dos prejuízos ao ecossistema (redução de espécies vegetais;
fuga de animais silvestres, assoreamento de córregos etc.),
o desmatamento e a formação de pastos têm como conseqüência
a disseminação de gramíneas de difícil erradicação, que por
si inviabilizam o uso das terras em práticas agrícolas mais
rústicas, tal como as praticadas pelos Tapirapé. De acordo
com as informações que recolhi junto a pessoas experientes
residentes em Confresa, seria necessário cerca de 20 anos
para que as áreas de pastagem artificial recuperassem a
cobertura florestal, mas ainda como uma vegetação
secundária de porte médio.

Ao lado dos danos ambientais causados pelo


desmatamento, temos a considerar também a negligência no
manejo de substâncias tóxicas ou perigosas. Em particular,
os Tapirapé reclamaram que, ao retirar-se da Fazenda, os
funcionários lançaram muitos sacos de sal e de uréia no
vertedouro da represa, causando enorme mortandade de peixes
a jusante. E que, num dos galpões, foram deixados outros
tantos sacos de uréia em deterioração (ver fotografias, em
anexo), que intoxicou o gado comunitário e provocou a morte
de sete cabeças.

Por último, acerca da necessidade de medidas


mitigadoras para reparar os danos causados na área indígena

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

Urubu Branco, parece evidentemente aconselhável a


realização estudos prévios para avaliar os reais impactos
ambientais causados. Suas conclusões, daí, deveriam
orientar a elaboração de um plano de manejo ambiental
correspondente. Com certeza, tal plano precisaria
equacionar a erradicação de parte das pastagens e a
implantação de sistemas agroflorestais, tendo em vista
também benefícios econômicos para a comunidade indígena. Na
situação atual, as pastagens oferecem naturalmente riscos
de incêndio na estação seca e assim podem implicar em maior
degradação da área indígena.

A despeito de tais considerações preliminares, devo


reconhecer todavia que a qualificação específica do
antropólogo, aqui na condição de perito judicial, não lhe
concede os conhecimentos indispensáveis para esboçar um
plano de manejo ambiental ou sequer estimar seus custos
aproximados.

Cuiabá, 12 de maio de 2001

João Dal Poz Neto


antropólogo

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Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
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anexos.

74
Perícia antropológica
Proc. 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

Anexos

1. Mapa “Curso médio do Araguaia - século XVIII” (Baldus,


1970)

2. Croquis “Localisação dos índios da Prelazia” (Gallais,


1942)

3. “Mapa etno-histórico” de 1944 (Nimuendaju, 1981)

4. Mapa “Território tapirapé” (Wagley, 1988)

5. Roteiro para Tapi’itawa (Lelong, 1952)

6. Croquis do território tradicional

7. Carta do Estado de Mato Grosso e regiões circunvizinhas


(Rondon, 1952)

8. Mapa do Estado de Mato Grosso 1967/68 (Sociedade


Comercial e Representações Gráficas Ltda.)

9. Croquis da Fazenda Santa Laura em 1986

10. Imagens do desmatamento na Fazenda Santa Laura entre


1995 e 1999

11. Tabela Dados demográficos dos Tapirapé

12. Mapa Situação atual e referências históricas (maio


2001)

13. Caderno de fotografias

75
ANEXO 6
Perícia antropológica
Croquis do território tradicional tapirapé Processo 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

TERRA INDÍGENA
URUBU BRANCO

Base cartográfica: Tocantins - Folha SC-22. IBGE. 3a. Ed., 1998


ANEXO 11
Perícia antropológica
Processo 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - MT

Tabela: Dados demográficos dos Tapirapé

ANO POP. OBSERVAÇÕES FONTE


TOTAL
1912 Uma aldeia - 268 O Paiz, 1912
1914 400 Aldeia Tapi’itawa - 160 Audrin, 1947
1932 220 Kegel, apud Baldus 1970
1934 Aldeia Tapi’itawa - 113 Kegel, apud Baldus 1970
1935 Aldeia Tapi’itawa - 130 Baldus, H. 1970
1939 147 Aldeia Tapi’itawa Wagley, C. 1988
1947 82 Aldeia Tapi’itawa – 62 Oliveira, H. C. de 1947;
Aldeia Xexotawa – 20 (?) Baldus, 1970
1950 78 Foz do rio Tapirapé - 64 Aureli, 1964
Fazenda São Pedro - 14
1953 51 Foz do rio Tapirapé Wagley, apud Baldus, 1970
1955 53 Foz do rio Tapirapé Baldus, 1970
1957 54 Foz do rio Tapirapé Cardoso de Oliveira, 1959
1963 62 Foz do rio Tapirapé Baldus, 1970
1965 79 Foz do rio Tapirapé Wagley, 1988
1967 81 Foz do rio Tapirapé Shapiro, 1979
1970 90 Foz do rio Tapirapé Iasi Jr., 1974
1972 104 Foz do rio Tapirapé Gonzaga Junior, 1972
1974 120 Foz do rio Tapirapé Iasi Jr., 1974
1976 136 Foz do rio Tapirapé Wagley, 1988
1979 158 Foz do rio Tapirapé Vidal, 1981
1980 174 Foz do rio Tapirapé CIMI, 1980
1981 183 Foz do rio Tapirapé CIMI, 1981
1982 185 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1982
1983 198 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1983
1984 208 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1984
1985 216 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1985
1986 228 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1986
1987 245 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1987
1988 251 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1988
1989 258 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1989
1994 365 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1994
Área Urubu Branco
1995 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1995
Área Urubu Branco - 73
1996 Área Tapirapé/Karajá CIMI, 1996
Área Urubu Branco - 98
1997 428 Área Tapirapé/Karajá - 305 CIMI, 1998
Área Urubu Branco - 123
1999 452 Área Tapirapé/Karajá - 314 Ir. de Jesus, 1999
Área Urubu Branco - 138
2001 Área Tapirapé/Karajá Dal Poz, 2001
Área Urubu Branco – 393
Situação atual e referências históricas
ANEXO 12
Perícia antropológica
Processo 1997.36.00.002302-2
3a. Vara da Justiça Federal - Seção MT
Perito: João Dal Poz Neto
464 500
456 460 20' 468 472 476 480 10' 484 488 492 496 51°00'
51°00' 504 508 512 516 50' 520
-10°30' -10°30' -10°30'
-10°30'

iro
50

0
549

i me

25
500
0 5 00 500
O 25
0

Pr
476
C 648

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250

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500
N

El 13
440 398

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A

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500 272
25
0
640 R 560
250

50
626
B

0
8836 8836 8836 8836

-
521 500
503 0 285

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25
501

B
500 570
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229

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505 254
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Terra Indígena Urubu Branco

Ve
230 262 375

Aldeia

rt o
50
0 402

Po
250 554

Akara’ytawa
546 0
25

Fazenda Santa Laura

do
O

340
249 199
8828 8828 8828 8828
Retiro Vila Brasil
0

a
50

da Faz. Porto Velho

Gr ot
C 15/32
Roteiro da vistoria
211

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464 500

Cuiabá, maio/2001

Fonte: Imagem INPE/Proarco, 1999

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