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Gênero, sexualidade e idade: tramas heteronormativas nas

práticas pedagógicas da educação física escolar

Priscila Gomes DornellesI


Maria Cláudia Dal’IgnaII

Resumo

O artigo analisa a produção da (hetero)normalização do gênero e da


sexualidade em articulação com a idade na trama da educação física
escolar. Apresenta parte dos resultados de uma pesquisa que buscou
analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas por docentes que
ministram aulas de educação física em escolas estaduais distribuídas
em sete cidades dos nove municípios que compõem a região do Vale do
Jiquiriçá (BA). Para acessar esses sujeitos, foi realizado um seminário
de formação de professores e utilizaram-se grupo focal e entrevistas
como estratégias metodológicas. Tomando como referências teórico-
metodológicas e políticas os estudos feministas pós-estruturalistas, a
teoria queer e os estudos foucaultianos, discute-se como a dimensão
cronológica é tratada de forma fixa e etapista e torna-se definidora
do que se pode conhecer e de como se pode conhecer na escola.
A pesquisa aponta para certa conexão, por vezes contínua e, em
outros momentos, descontínua, entre gênero, sexualidade e idade nas
aulas de educação física da região investigada. Por um lado, docentes
indicam que a sexualidade se manifesta na escola desde cedo, ainda
na infância, em função de fatores regionais, e de forma exacerbada
nos meninos. Por outro lado, a idade cronológica dos corpos dos
estudantes funciona como uma norma regulatória quando se trata
dos temas da sexualidade, o que contribui para reforçar a promoção/
assunção do pressuposto sexo-gênero-prática heterossexual como
natural a partir da adolescência.

Palavras-chave

Escola — Norma — Gênero — Sexualidade — Heteronormatividade.

I- Universidade Federal do Recôncavo da


Bahia, Amargosa, BA, Brasil.
Contato: prisciladornelles@gmail.com
II- Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São
Leopoldo, RS, Brasil.
Contato: mcdaligna@hotmail.com

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201508142508 1585
Gender, sexuality and age: Heteronormativy in pedagogical
practices of Physical Education in schools

Priscila Gomes DornellesI


Maria Cláudia Dal’IgnaII

Abstract

This article analyzes the production of (hetero)normalization of


gender and sexuality in conjunction with age in Physical Education
in schools. It presents some findings of a study that sought to analyze
the pedagogical practices of teachers of Physical Education in
state schools located in seven of the nine municipalities of Vale do
Jiquiriçá, Bahia state, Brazil. To access these subjects, we conducted
a teacher education seminar and used focus groups and interviews as
methodological strategies. Taking as theoretical, methodological and
political references feminist poststructuralist studies, queer theory
and Foucauldian studies, we discuss how the chronological dimension
is treated in a fixed and stagist way and defines what can be known
in school and how. The research points to a sometimes continuous
and sometimes discontinuous connection between gender, sexuality
and age in the Physical Education classes of the region investigated.
On the one hand, teachers indicate that sexuality is manifested in
school early on, in childhood, due to regional factors, and in an
exacerbated form in boys. On the other hand, the chronological age
of the bodies of students works as a regulatory norm when it comes
to sexuality themes, which contributes to enhance the promotion of
the sex-gender-heterosexual practice assumption as natural from
adolescence onwards.

Palavras-chave

School — Norm — Gender — Sexuality — Heteronormativity.

I- Universidade Federal do Recôncavo da


Bahia, Amargosa, BA, Brasil.
Contact: prisciladornelles@gmail.com
II- Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São
Leopoldo, RS, Brasil.
Contact: mcdaligna@hotmail.com

1586 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201508142508 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015.
A escola e os processos de Implica, ainda, traçar caminhos que indicam
normalização do gênero e da como, performativamente, somos produzidos
sexualidade: uma introdução enquanto sujeitos sociais pelos processos
educativos diversos constituídos e legitimados
O que, onde e como se aprende sobre o que na nossa sociedade. Para isso, consideramos
é possível conceber na escola como expressões os rumos ambíguos, o deslocamento pelas
do desejo e/ou das diferentes formas de viver fronteiras e as práticas sexuais, que não podem
os prazeres? Que tempos e espaços pedagógicos ser descritas por termos ou classificações, como
são acionados como próprios para pedagogizar caminhos de análise dos processos normativos
e tornar viável um saber sobre o corpo, o geridos pelo Estado na conformação do que é
gênero e a sexualidade? O que (e quando) pode humano, viável e digno de ser considerado um
um corpo no campo das experimentações de corpo/sujeito que importa socialmente.
gênero e sexualidade na escola? Em consonância com o entendimento de
Essas perguntas iniciais introduzem que as “identificações nunca se materializam
e potencializam temas relativos aos espaços plena e finalmente” (BUTLER, 1993, p.105,
diversos nos quais o jogo normativo do gênero tradução nossa)2, essa posição política indica uma
e da sexualidade funciona na escola. Nesse forma de análise da educação escolar implicada
sentido, Dagmar Meyer (2012) argumenta que com as ‘rasuras’ em relação ao sujeito estável
há necessidade de colocarmos em evidência as das abordagens marxistas e/ou piagetianas, por
relações sociais diversas intra e extramuros que exemplo. Tais linhas teóricas inserem a educação
constituem a vida escolar, assim atingindo e escolar no rol dos processos sociais mais
conformando os corpos/sujeitos escolares. importantes pela suposta capacidade alargada
Educar significa investir na condução de (trans)formar os sujeitos em racionalidade
do outro, um processo pelo qual os outros são e consciência para fins de emancipação das
trazidos ou conduzidos para a nossa cultura1. relações de poder opressoras da sociedade e/ou
Nas palavras de Meyer (2009, p. 222), para fins de desenvolvimento cognitivo pleno.
Aproximamo-nos da abordagem
[...] tornar-se sujeito de uma cultura foucaultiana, tanto para pensar o campo
envolve um complexo de forças e de da educação quanto para compreender as
processos de aprendizagem que hoje deriva ‘coreografias’3 normativas etárias e gênero-
de uma infinidade de instituições e ‘lugares sexualizadas que tramam o cotidiano das aulas
pedagógicos’ para além da família, da de educação física na escola. Nesse sentido,
igreja e da escola, e engloba uma ampla e trata-se de considerar o sujeito (des)centrado
variada gama de processos educativos. como ‘terreno fértil’, constituído por uma
ampla e variada gama de processos educativos
Desse modo, assumimos que vida escolar que têm como objetivo aproximar o outro
é constituída por processos educativos escolares da ‘nossa cultura’, dos ‘nossos modos de ser’.
e não-escolares. Indica-se, com isso, uma mudança de foco das
Compreender a educação dessa forma discussões sobre as técnicas e/ou as práticas
implica considerar um conjunto de práticas, pedagógicas em si para o tensionamento de
plurais e amplas, escolarizadas ou não, que
investem na condução da conduta do outro. 2- As traduções apresentadas neste artigo são de nossa responsabilidade.
Considerando os objetivos do artigo e seu limite de caracteres, decidimos
não apresentar os trechos citados em língua inglesa. Para maior
1- Conforme Luis Castello e Cláudia Mársico (2007), educar vem do latim detalhamento sobre as traduções, ver Dornelles (2013).
educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ex (fora) 3- Esclarecemos o uso que fazemos dos recursos das aspas. Aspas simples
+ ducere (conduzir, levar), e significa literalmente conduzir para fora, ou são utilizadas para palavras sob suspeição e para palavras empregadas com
seja, preparar o indivíduo para o mundo. outros sentidos que não os convencionais; aspas duplas, para citações.

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como se forma o que chamamos de sujeito, ou da norma, os valores não podem ser definidos
ainda, nas palavras de Michel Foucault (2008a, a priori, mas apenas através de um processo de
p. 318), é preciso examinar “[...] como ocorre comparação incessante que a normalização tem
que o sujeito humano se torne ele próprio um por finalidade tornar possível” (p. 105).
objeto de saber possível, através de que formas Foucault (2008b) distingue as formas de
de racionalidade, de que condições históricas e, normalização imprescindíveis para a gestão da
finalmente, a que preço?”. vida a partir de tecnologias de poder. Sobre a
Analisar as relações entre educação normalização disciplinar, o autor aponta o caráter
escolar e norma, sob uma perspectiva fundante da norma na produção do normal
foucaultiana, coloca em evidência o e do anormal. Essa disposição entre norma,
investimento sobre a vida que é realizado por normal e anormal enquadra o jogo normativo
diversas instituições modernas4, inclusive a disciplinar mais próximo de uma proposta de
escola, compreendida pelo autor como um normação. Define-se a norma, e, a partir daí, dá-
aparelho de aprendizagem que atua no conjunto se a distribuição dos normais e dos anormais, de
da trama social, colocando em movimento acordo com suas possibilidades de adequação a
formas de dominação mediante a produção de essa norma, que se constitui de forma primeira e
táticas específicas e locais, contudo vinculadas como base para a lógica normativa.
a estratégias globais do poder – próprias da Já nos dispositivos de segurança,
modernidade (FOUCAULT, 2005). segundo o autor, o funcionamento normalizador
Considerando a escola como um produto acontece por outra via. Há, aqui, a definição
fabricado na modernidade, Júlia Varela e primeira do normal, a partir do qual se
Fernando Alvarez-Úria (1991) colocam em xeque distribui, em curvas de diferenciação, o que se
o caráter universal e natural dessa instituição aproxima/afasta da referência normativa. Nesse
e sua relação com uma suposta evolução da momento, produz-se aquilo que chamamos de
civilização ocidental. As contribuições desses zona da normalidade, que abarca tais distinções
autores permitem afirmar que a escola é uma e as coloca numa dinâmica normativa de
instituição moderna e normalizadora. Como tal, aproximação do normal e de regulação desse
utiliza-se de estratégias de individualização, plano distributivo e normativo. É do normal
distribuição, comparação, correção e que se deduz a norma5.
normalização para regular os sujeitos. Essas Essas formas de normalização apresen-
estratégias são parte das aulas de educação tam-se como a base dessa nova racionalidade
física, por exemplo, quando há a assunção dos política organizadora da gestão da vida individual
critérios etários e de gênero para organização e populacional, reconstituindo a trama social em
das aulas, na divisão das turmas e dos conteúdos regras que têm como cerne a norma, em detrimento
tratados nesse componente escolar. Como as do sistema da lei/jurídico. Primeiro, porque “as
práticas pedagógicas acionam processos de variáveis de que depende a população fazem que
normalização a partir desses critérios? E com ela escape consideravelmente da ação voluntarista
quais efeitos? e direta do soberano na forma da lei” (FOUCAULT,
Para compreensão das especificidades 2008b, p. 93). Segundo, porque a lei e o jurídico
da norma, François Ewald (2000) explica que a são parte agora de um funcionamento que “faz
normalização se constitui como estratégia básica referência a regras naturais, o que lhes permite
do funcionamento normativo, pois, “na ordem aplicar-se indistintamente, em nome de uma
4- Foucault (2000) mostra-nos a multiplicação de “instituições de
sequestro”, como escolas, hospitais e prisões, por exemplo, entre os 5- Não há aqui a pretensão de trazer uma ideia de superação entre
séculos XVII e XVIII, fato que se deu junto à composição de “técnicas os mecanismos jurídico-legais, disciplinares e de segurança. Como
diversas e numerosas para obterem a sujeição dos corpos e controle das alerta Edgardo Castro (2006), trata-se de uma mudança em termos de
populações” (p. 131). prevalência na relação que se estabelece entre esses mecanismos.

1588 Priscila Gomes DORNELLES; Maria Cláudia DAL’IGNA. Gênero, sexualidade e idade: tramas heteronormativas ...
naturalidade da vida que deve ser precisamente Gênero na educação física
preservada” (REVEL, 2006, p. 56-57). Nessa escolar: rastros heteronormativos
lógica, a norma atuará com legitimidade social
por ser “uma maneira de produzir uma medida Envolvida pelos movimentos políticos
comum [...] a partir do que se dá a possibilidade dos grupos transexuais e do movimento
de um direito nas sociedades modernas” (EWALD, intersex, Judith Butler (1990) afirma a existência
2000, p. 111). de uma nova política de gênero7, constitutiva e
Desse modo, neste artigo, a análise da constituinte dos feminismos contemporâneos, a
(hetero)normalização do gênero e da sexualidade qual investe no tensionamento das normas de
aponta para a assunção de uma postura crítica gênero. Alinhada com essa provocação, Guacira
em relação aos marcos normativos fundantes do Louro (2007) formula indicações estratégicas de
sujeito “como uma série dinâmica de relações análise desse mecanismo do poder: “por onde
sociais” (BUTLER, 2009, p. 162, tradução o processo de normalização passa, por onde se
nossa)6. Essa posição permite-nos empreender infiltra e como se infiltra” (2007, p. 146).
análises dos campos de inteligibilidade por Pode-se dizer que essas autoras adotam
meio dos quais os sujeitos escolares se tornam uma postura antinormalizadora. Uma postura
(im)possíveis e (ir)reconhecíveis na educação que implica assumir: a inconformidade e
física escolar. Isso significa dar conta de um o desassossego como condição política; os
tipo de movimento investigativo que tenta deslocamentos e os estranhamentos que
cercá-los e examinar as camadas normativas questionam por dentro os processos que
que os envolvem e os constituem. constituem os grupos e pelos quais se reivindica
Examinar essas camadas normativas a igualdade. A nova política de gênero não está
significa também disputar os sentidos atribuídos pautada na emancipação de uma nova posição
à educação na formação dos sujeitos sociais. de sujeito, mas visa a “flertar com formas de
Desse modo, perguntar-se sobre o como da liberdade que são inimagináveis para aqueles
produção do sujeito na educação física escolar que oferecem liberdade como a liberdade de
é uma maneira interessada de problematizar o se tornar dominador” (HALBERSTAM, 2012,
que fazemos e o que é feito de nós. Significa p. 136) e a buscar a subversão pelas próprias
ater-se aos pressupostos ontológicos produzidos ‘pregas’, por onde se faz o lugar do inominável
pelo Estado, tais como concepções fixas de e da abjeção.
sujeito, cultura, identidade e gênero, as quais se Aproximamo-nos dessa posição – dos
apresentam como “versões [que] permanecem estudos feministas pós-estruturalistas e da
incontestadas e incontestáveis dentro de teoria queer – que elege, de forma prioritária,
marcos normativos particulares” (BUTLER, o questionamento das agendas de Estado
2009, p. 149, tradução nossa) e que funcionam pautadas em um modelo de vida heterossexual
no espaço escolar e o excedem. Colocar em como padrão definidor do que ‘entra na conta’
questão esses processos normativos é tensionar em certas noções de humanidade.
seus pressupostos e, ao mesmo tempo, pautar Com isso, reafirmamos que este artigo
politicamente a possibilidade de que “modos aborda a produção (hetero)normativa do sujeito
alternativos de descrição [do sujeito] estejam também por considerar que a relação do desejo,
disponíveis dentro das estruturas de poder” no campo da experiência, é mais ampla do que
(SALIH, 2012, p. 13). a expressão de uma identidade mediante uma
6- Para Judith Butler (PRINS; MEIJER, 2002), um compromisso teórico
queer revisa o papel crítico tradicional (abrangente nas soluções com re-
lação às mazelas sociais) para apontá-lo como um modo de evidenciar e 7- A autora refere-se a uma política de gênero contemporânea e fruto da
desnaturalizar as formas de conhecimento estabelecidas e associadas à combinação dos movimentos de intersex, de transexuais e de transgêneros
gestão dos sujeitos na modernidade. e da articulação possível entre estudos feministas e teoria queer.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015. 1589
sigla (LGBTTI8, por exemplo). Assim, tratamos as Na argumentação de Butler (2008), os
identidades de gênero (masculino e feminino9) regimes de saber-poder constituem o sexo como
tanto como produtos epistemológicos quanto um definidor natural da identidade, ou seja, o
como base binária necessária ao funcionamento sexo aparece como principal objeto produzido
de uma lógica heteronormativa. para a normalização do social. Ainda segundo
Dessa forma, consideramos “uma coleção Butler (2008, p. 97),
de compromissos intelectuais com as relações
entre sexo, gênero e desejo sexual” (SPARGO, Essa produção constringida funciona ligando
2006, p. 8) ao assumirmos uma disposição queer de a categoria do sexo com a da identidade;
investimentos político-analíticos, (re)inscrevendo haverá dois sexos, distintos e uniformes, e
esse lugar teórico na relação com os campos eles vão se expressar e se tornar evidentes no
acadêmicos da educação e, principalmente, da gênero e na sexualidade de modo que qualquer
educação física. Adotamos as provocações de manifestação social de não identidade,
autores/as10 interessados/as na promoção de descontinuidade, ou incoerência sexual será
questionamentos sobre as relações entre sexo, punida, controlada, repudiada, reformada.
gênero e sexualidade, visando ao rompimento com
uma concepção de corpo e de sujeito regulada a Ao assumi-lo, inexoravelmente pro-
partir da linearidade desses termos. duzem-se classificações dos sujeitos sociais
Para isso, consideramos o conceito de com base nesse “princípio de inteligibilidade
gênero como um fazer performativo (BUTLER, para os seres humanos” (BUTLER, 2008,
1990), como uma série de ações normativas p. 100). Sua produção é relacional aos
constritivas que ‘adjetivam’ o sujeito em movimentos de circunscrição das ciências
masculino ou feminino, de forma distinta de um da reprodução e da razão, as quais, em certa
tom voluntarioso do próprio sujeito. Essa posição medida, colocam/colocaram em jogo ligações
tensiona a díade masculino-feminino, tratando-a supostamente inequívocas entre sexo, gênero
como um efeito da distinção sexual binária (o e sexualidade. Butler reitera o argumento
sexo), a qual é assumida como base elegível e foucaultiano de negação da repressão, pois
inteligível para se reconhecer o que é um corpo sinaliza que é por meio das estratégias de
viável e, ao mesmo tempo, indica a afirmação de normalização que a sexualidade se torna um
uma coerência entre sexo-gênero-sexualidade. dos referentes para a objetificação (na relação
Esse posicionamento teórico indica e consigo e com os outros) e para a ordenação
justifica o interesse em propor “olhar [para dos sujeitos a partir do século XIX. Da mesma
a educação física escolar] de mau jeito” forma, articulando escola, gênero e produção
(DORNELLES, 2013), um questionamento da dos corpos, Louro (2007) coloca em evidência
maneira como essa disciplina produz (e é o conceito de heteronormatividade para
produzida por) uma ‘arena’ normativa etária e análises da educação escolar e problematiza a
gênero-regional definidora do corpo individual gestão da sexualidade pelos estados-nação na
e social que é produtivo na escola. No trato modernidade. Para essa autora, tratar desse
com a cultura corporal (objeto de ensino dessa conceito com rigor significa também tensionar
disciplina escolar), o que é posto ‘em jogo’ o pensamento dicotômico instituidor do
perfazendo esse corpo? sexo e definidor do gênero e da relação
homossexualidade versus heterossexualidade
8- Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros, Intersex.
9- Apesar dessa posição de questionamento do gênero binário, em função (e a ação compulsória da heterossexualidade).
dos limites da linguagem, optamos pelas flexões de gênero convencionais – Para Butler (1993, p. 2), o sexo é “uma
os/as – para referirmo-nos aos gêneros masculino e feminino.
10- Louro (2004, 2007), Butler (1990, 1993, 2008, 2009), Halberstam das normas através das quais esse ‘um’ [sujeito]
(2012), Salih (2012) e Pocahy (2011). pode chegar a ser viável, essa norma que

1590 Priscila Gomes DORNELLES; Maria Cláudia DAL’IGNA. Gênero, sexualidade e idade: tramas heteronormativas ...
qualifica um corpo para toda a vida dentro da Para Butler (1993), a produção da
esfera da inteligibilidade cultural” (tradução identidade de gênero pode ser analisada como
nossa). A autora instiga-nos à problematização uma questão de performatividade. Como as
da materialidade dos corpos ao expormos enunciações performativas realizam a ação
o mecanismo performativo pelo qual são descrita no momento da sua nomeação, para a
conformados e, assim, a tensionar a ideia do autora, quando tratamos das normas de gênero,
sexo como a priori do corpo. Isso significa, as expressões são sempre performativas.
também, colocar em questão outro binarismo Jonathan Culler (1999) faz referência às
potente que localiza a sexualidade nos polos discussões empreendidas por Butler sobre a
heterossexualidade-homossexualidade. performatividade de gênero, definindo esse
Sobre esse tema, Tamsin Spargo (2006) conceito como
provoca-nos a pensar sobre a atribuição
original-suplementar naturalizada no par binário [...] a representação compulsória de normas
heterossexualidade-homossexualidade. Para a de gênero que animam e limitam o sujeito
autora, torna-se fundamental evidenciar como [...], mas que também são os recursos a
ambos os termos são “pertencentes aos mesmos partir dos quais são forjados a resistência,
parâmetros conceituais” (p. 42), isto é, ambos as subversões e os deslocamentos [...]
são constituídos por um plano epistemológico (CULLER, 1999, p. 103).
próprio de um poder heteronormativo. Seguindo
essa linha, ainda questiona: Desse modo, perguntar-se sobre a
produção dos corpos na educação física
[...] se a homossexualidade e a escolar é ater-se à ação das normas de
heterossexualidade são categorias de gênero, como essa ação se dá de modo
conhecimento em vez de propriedades repetitivo e reencenado.
inatas, como é que nós, como indivíduos, Contudo, a efetividade da performati-
aprendemos a nos conhecer dessa maneira?” vidade de gênero não é completa, tampouco
(SPARGO, 2006, p. 46). habita por inteiro e de uma vez por todas
os sujeitos, os quais, por isso, são forçosa e
Tal indagação indica os gêneros e as reiteradamente produzidos12. Uma análise
sexualidades inteligíveis como aquelas que dos processos de regulação dos corpos na
se deslocam por uma lógica continuísta e educação física escolar também deve evidenciar
naturalizada entre sexo-gênero-sexualidade. as recitações que operam resistências e
Com isso, pode-se visibilizar o caráter arbitrário as contracondutas possíveis no âmago da
das categorias criadas para descrever os modos heteronormatividade. Isso significa considerar
de ser e viver, pois há muitas vidas na educação a possibilidade de analisar as desacomodações
física escolar, por exemplo, que ocupam o lugar e os movimentos a partir das zonas de abjeção13
da descontinuidade, da incoerência e da não- possíveis, tal qual um retorno desestabilizador às
humanidade. Antes de discutirmos estritamente normas regulatórias de gênero que as definem.
as práticas escolares da disciplina de educação
física, importa situar a importância da noção 12 - A citacionalidade entra em cena para conduzir a repetição à
de performatividade para as teorizações sobre o possibilidade de escape e de reapropriação típica dos signos linguísticos.
gênero desenvolvidas por Butler11. Com isso, a mesma repetibilidade que pode reforçar o ato performativo
também cria condições para a contestação de identidades hegemônicas e
11- O conceito desenvolvido por Butler tem como base as proposições a produção de outras identidades.
de John Austin sobre atos linguísticos, descritos a partir de dois tipos de 13- A articulação entre abjeção e educação evidencia as disputas de
elocuções: as constatativas, que descrevem um estado de coisas e são significado sobre a vida e incide na problematização da produção de
verdadeiras ou falsas, e as performativas, que, ao descreverem a ação, sujeitos constituídos desde o avesso de determinados regimes discursivos
fazem com que algo se efetive (CULLER, 1999). (POCAHY; DORNELLES, 2010).

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015. 1591
(Hetero)normalização do gênero debate, importa situar que a concepção
e da sexualidade: uma análise sobre de idade citada no plano legal escolar
o sexo e a idade é circunscrita apenas a uma dimensão
cronológica dos indivíduos, de forma
Nesta última parte do artigo, analisamos desarticulada das condições sociais que a
a produção da (hetero)normalização do gênero e constituem. Sua tarefa é funcionar como
da sexualidade nas tramas da educação escolar. medida para a ordenação e a categorização
Nesse sentido, interessa-nos compreender que da população classificada como ‘em idade
prescrições e (perform)ações são postas em escolar’. Isso significa pautar a idade como
ação na educação física escolar, focalizando uma categoria que está em disputa e que
três categorias em relação: gênero, sexualidade precisa ser visibilizada como vértice das
e idade. Como essas categorias atravessam e políticas contemporâneas reguladoras dos
dimensionam práticas normativas que fixam corpos nos estados-nação.
modelos de inteligibilidade e, consequentemente, Associada à ideia de corpos como
de (corporal)idade para os sujeitos escolares? entidades estritamente materiais e naturais,
Para que seja possível abordar tal questão, a dimensão cronológica parece funcionar
apresentamos parte dos resultados de uma nas aulas de educação física no interior
pesquisa14 que analisou as práticas pedagógicas baiano. Aqui, essa dimensão restringe-se à
da educação física escolar no interior baiano, materialidade das ações do tempo no corpo
especificamente na região do Vale do Jiquiriçá até a morte. Na contramão dessa posição,
(BA)15. A partir desse recorte, investimos em conforme Alfredo Veiga-Neto (2000), a
visibilizar a relação entre a (hetero)norma e a dimensão etária também pode ser assumida
produção dos sujeitos (im)possíveis, (in)viáveis como móvel e como cambiante.
e (in)explicáveis na escola a partir de uma rede A instituição escolar trabalha com o
discursiva gênero-sexualidade-idade. pressuposto da assunção unilinear (sexo-
Posta como uma categoria fundamental gênero-prática sexual) da sexualidade a
à organização da estrutura escolar, inclusive partir da adolescência. Isso se dá mediante
normatizada por leis e decretos16, a idade é a força do discurso biológico-cronológico na
manejada na regulação dos sujeitos durante definição da adolescência como ‘o’ momento
a vida escolar e apresentada como critério no qual os desejos e os prazeres podem entrar
para avaliar a qualidade da educação básica em cena na vida dos sujeitos sociais. A ideia
na região investigada17. Na introdução desse de que cada um/a viverá os processos etários
14- A pesquisa intitulada A (hetero)normalização dos corpos em práticas de modos distintos no decorrer da vida é
pedagógicas da educação física escolar foi desenvolvida sob a orientação possível e pautável; contudo, essa linha
da profa. Dra. Dagmar Estermann Meyer, no Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para maiores
argumentativa não funciona no plano do
detalhes, sugerimos ver Dornelles (2013). poder do mesmo modo quando se trata das
15- Os sujeitos desta pesquisa são docentes que ministram aulas de edu- práticas pedagógicas escolares que investem
cação física em escolas estaduais distribuídas em sete dos nove municípios
que compõem a região do Vale do Jiquiriçá (BA). Para acessar esses sujei- no tema sexualidade.
tos, foi realizado um seminário de formação de professores e utilizaram-se Ao problematizar-se como atuam os
grupo focal e entrevistas como estratégias metodológicas.
16- A Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, altera a Lei 9.394, dispõe
regimes normativos no espaço escolar, torna-
sobre o ensino fundamental de nove anos no território brasileiro e orienta se importante demarcar as representações
a matrícula de todos/as os/as educandos/as a partir de seis anos de idade constituídas em relação a esta ou aquela
no ensino fundamental.
17- A Secretaria de Educação do Estado da Bahia aponta como meta idade por determinados regimes discursivos.
das políticas de fortalecimento da educação básica, “o compromisso de Para isso, assume-se que a dimensão
alfabetizar as crianças até os oito anos de idade e extinguir o analfabe-
tismo escolar”. Disponível em: <http://www.educacao.escolas.ba.gov.br/ cronológica, o gênero e a sexualidade se
node/9>. Acesso em: 17 jan. 2013. imbricam na produção e na manutenção das

1592 Priscila Gomes DORNELLES; Maria Cláudia DAL’IGNA. Gênero, sexualidade e idade: tramas heteronormativas ...
normas escolares. Contudo, isso não se dá Quadro 1
sem tensões. Morgana*: Existem alunos que, quando relatam, por exemplo, a
Na esteira dos atritos produtivos questão da sexualidade, “ah, é só chegar lá e pegar a menina e
fazer isso e mandar e tal”... Então, eles descrevem, eles sabem, por
entre os discursos biológicos e cronológicos, exemplo. Eu não falo de um aluno de 10 anos, eu falo de alunos de
produzem-se modelos de trabalho sete anos, de oito anos.
pedagógico que tomam como premissa o Priscila: Eles descrevem o ato [sexual]?
Morgana: Eles descrevem o ato, descrevem que se manda a
‘desenvolvimento natural’ para a produção menina tirar a roupa e faz isso, não é, todo o procedimento de
dos sujeitos reconhecíveis, os quais, ao serem produção. E assim, a reação do corpo dele, o prazer, pode ser um
prazer diferenciado, e é, do de um adulto. Porque ele está fazendo,
citados, ocupam os espaços de elegibilidade ele está sentindo algo, mas eu penso que é ainda na inocência de
e inteligibilidade sobre o que é um corpo na ser criança, que é como se ele estivesse comendo, por exemplo, um
doce e achasse na ingenuidade que aquele doce é muito gostoso,
escola. Apesar da sua força na proposição então, deu aquele prazer diferenciado. Mesma coisa de ficar, de
de uma realidade, compreendemos o tocar numa parte íntima de uma colega ou ser tocado. Então, é algo
desenvolvimento como uma prática que ele está descobrindo.
discursiva, como propõe Valerie Walkerdine * Em alguns momentos, nesta seção, apresentamos trechos das falas dos/
das docentes, inserindo-os no corpo do texto ou em quadros. Os nomes
(1998). A autora (1998, p. 156) questiona utilizados são fictícios.
proposições epistemológicas que afirmam Fonte: Grupo Focal, 22/12/2012.
a materialidade das “fases” e do “sujeito de
fases” como anteriores às práticas discursivas Quadro 2
da Psicologia do Desenvolvimento que as Élida: No jogo também, as meninas levantam a blusa para jogar
constituem ao enunciá-las: porque estão com calor. Os meninos querem tirar a blusa. Aí
sempre tem esses questionamentos de... Mas eu acho que é mais
por causa da idade, do período da puberdade mesmo, normal. E
“As relações entre o objeto ‘material cabe ao professor de educação física estar debatendo isso de uma
real’ e as práticas de sua produção maneira natural.

são complexas: não existe, nunca, Fonte: Entrevista, 8/3/2012.


um momento de ‘realidade’ que seja
compreensível ou possível fora de um Nos materiais produzidos com as entrevis-
quadro de práticas discursivas que tas e com o grupo focal, há diversas situações nar-
o tornam possível e transformável” radas que evocam a idade cronológica para distri-
(WALKERDINE, 1998, p. 156). buir, classificar e normalizar os sujeitos escolares
de acordo com uma norma gênero-cronológica.
Assim, a relação com o conhecimento A ação dessa norma coloca em movimento re-
é muitas vezes pautada pela evocação de presentações etárias que operam com determina-
uma progressão biologizada e maturacional das ‘condições naturais’ como necessárias para o
do desenvolvimento como condição para a trato com os temas da sexualidade reconhecidos
relação com o conhecimento. Essa premissa na escola. São significados etários propostos por
contribui para legitimar a classificação dos um plano inteligível constituído a partir do dis-
estágios de desenvolvimento (constituídos curso biológico-cronológico articulado ao regime
no âmbito da teoria piagetiana) utilizados heteronormativo. Esse amálgama de saber-poder
na definição, normalização e regulação dos funciona para insinuar, performativa e cotidia-
sujeitos escolares. Todavia, apesar da sua força, namente, que a sexualidade atravessa a vida dos
nas análises do material empírico, invocamos sujeitos escolares “por causa da idade, do período
uma disputa pelos sentidos atribuídos às fases da puberdade mesmo”.
e etapas, bem como pelo próprio sentido de Os discursos que compõem o corpo apenas
fases e etapas como critérios para a formação na sua dimensão biológica, articulados com as
do sujeito escolar e para a dizibilidade do que proposições epistemológicas do ‘desenvolvimento
é sexualidade: natural’ do sujeito, enunciam a infância como um

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015. 1593
estado de inocência e imaculação na educação física análise permite-nos ampliar a reflexão sobre a
escolar: “Porque ele está fazendo, ele está sentindo questão debatida nesta seção, pois a natureza
algo, mas eu penso que é ainda na inocência de da criança costuma ser apresentada tomando
ser criança”. Devem-se, então, promover práticas como base elementos universais e sistemas
pedagógicas que zelem por esse momento pueril classificatórios de conhecimento, e não como
na escola para que haja uma progressão natural resultado das experiências históricas, sociais e
desde a etapa – supostamente – assexuada até a culturais. Com isso, é possível analisar a escola
vivência do intercurso sexual peniano-vaginal, e os seus componentes curriculares como
pautado pela escola como referência do ápice do produtores (e normalizadores) desse sujeito ‘em
que se deve conhecer. Nesse processo ordenado desenvolvimento’, o qual é assujeitado às etapas
supostamente de forma natural, é fundamental etárias e curriculares “que permitem classificar,
ter precisão pedagógica para a manutenção dessa medir e avaliar o desempenho de todas as crianças”
‘natureza’, evitando qualquer ‘desabrochar’ antes (DAL’IGNA, 2013, p.181, grifo da autora).
do tempo previsto: “eu não falo de um aluno de Nas análises realizadas na pesquisa que
10 anos, eu falo de um aluno de sete, de oito anos”. mencionamos neste artigo (DORNELLES, 2013),
Ao tensionar os argumentos postos sobre as fases infância, puberdade e adolescência são
o perigo da erotização das meninas em função tomadas como referência legitimadora para a
do acesso a pedagogias culturais como a dança construção de práticas pedagógicas voltadas
e a música, dentre outras, Walkerdine afirma ao trato com a sexualidade na educação física
que “[...] a natureza da criança não é descoberta, escolar. Quando ações de aproximação ao tema
mas produzida em regimes de verdade criados sexualidade são mobilizadas por estudantes
naquelas mesmas práticas que proclamam o adolescentes, há a eleição e a proposição
infante em todo o seu aspecto natural” (1999, p. inquestionável de metodologias para trabalhar
77). A ideia de descoberta – “Então, é algo que o conteúdo sexualidade, tais como a escolha
ele está descobrindo” – é associada à existência de vídeos e a organização de debates em
de uma fase pregressa, infantil e assexuada para torno da temática na escola. A proposição de
os sujeitos escolares, superada com a ‘descoberta’ seminários e feiras interdisciplinares centradas
de experiências, experimentações, desejos, na abordagem dos métodos contraceptivos
sensações e reconhecimentos sobre a sexualidade, e doenças sexualmente transmissíveis, por
devidamente ordenados e previamente esperados exemplo, é indicada como estratégia relevante
com a chegada da puberdade. para o ensino médio, em função dos riscos
Walkerdine (1998) interroga as classifi- naturalizados para essa população escolar
cações e delas suspeita como definidoras dos (nessa faixa etária correspondente ao ensino
sujeitos a priori, para pensá-las como estratégias médio). Pressupõe-se que a vida sexual ativa é
legitimadas por uma ciência e uma pedagogia de uma ‘realidade’ nessa etapa. Para alguns/algumas
forma a produzir (e monitorar) o próprio objeto colaboradores/as, os anos finais do ensino
em relação ao qual propõe soluções potenciais – a fundamental também já ocupam esse lugar:
criança em desenvolvimento.
Quadro 3
Em outra pesquisa, uma de nós
(DAL’IGNA, 2005, 2013) examinou as formas Gabriela: Eu acho que a gente deve dar início desde o começo,
porque, hoje em dia, você vê as crianças hoje de 10, 11 e 12 anos,
pelas quais o desempenho escolar é produzido no a gente vê como está, não é? A gente vê, e tem coisa que até
âmbito do discurso pedagógico. De modo mais surpreende a gente. Aluno chega ao ensino fundamental de primeira
a quarta série, a gente vê alunos de quarta série falando coisas que,
específico, destacou-se a análise das formas como meu Deus, que a gente não tem nem tempo para ver, observar as
diferentes características, consideradas essenciais cenas que eles trazem das novelas, destas coisas. [...] Eu acho que
e universais, são tornadas objetos discursivos a gente tem que preparar desde já. Eu acho.
e instauram uma normatividade infantil. Sua Fonte: Entrevista, 6/3/2012.

1594 Priscila Gomes DORNELLES; Maria Cláudia DAL’IGNA. Gênero, sexualidade e idade: tramas heteronormativas ...
Os excertos apresentam os ‘tons’ da elencadas para serem abordadas no ensino
disputa política sobre os sentidos dados às fases médio poderiam ser utilizadas também com
do desenvolvimento na educação física escolar. o público do ensino fundamental, Eulália
No trecho anterior, a colaboradora Morgana manifestou desacordo e conflito com a
explica que “eles descrevem o ato, descrevem posição adotada por Gabriela. Uma análise
que se manda a menina tirar a roupa, e faz isso, dos materiais empíricos permite pontuar
não é, todo o procedimento de produção”. Essa que, junto à maior parte dos/as docentes,
descrição é acompanhada de certa angústia Eulália indica a necessidade de adequações
pedagógica da docente ao perceber a iniciação pedagógicas – “você não pode já diretamente
ao intercurso sexual de alunos/as com faixa falar sobre o assunto direto. Você tem
etária entre sete e oito anos. Apesar de a docente que rodear [...]”. Essa posição baseia-se na
reafirmar a ingenuidade e a inocência como premissa das etapas e da falta de maturidade
atributos naturais a essas idades, a menção da para esses temas em tal fase escolar.
situação por Morgana promove rompimentos Quando o ‘repertório’ da sexualidade
com a referência ao funcionamento inequívoco aparece na infância, há certa aflição
das fases do desenvolvimento na educação física profissional e dúvida pedagógica quanto
escolar. Além disso, seu relato também indica às proposições que devem ser pautadas
sentidos conflituosos para o tema tratado. na educação física escolar. Em geral,
Em posição de suspeição sobre a o investimento disciplinar normativo
eficácia cotidiana dessas fases na definição produz a sanção como prática pedagógica
dos sujeitos, Gabriela caracteriza o público do comumente direcionada a estudantes que
ensino fundamental como um universo discente utilizam palavras de baixo calão associadas
elegível para tratar dos níveis ‘avançados’ da ao intercurso sexual peniano-vaginal e
sexualidade (e não somente o ensino médio). aos órgãos genitais. Além disso, há um
O contexto cultural ‘de fora’ da escola (e suas investimento normalizador quando se exerce
pedagogias), por exemplo, é apontado como certo silêncio e/ou recusa de debate sobre
um aditivo importante à formação dos sujeitos o tema com o coletivo discente. Isso se dá,
escolares em relação aos temas da sexualidade, também, no encaminhamento para setores
tensionando a fixidez e a suposta naturalidade pedagógicos especializados da escola quando
das etapas do desenvolvimento. Pistas do dois meninos exibem suas genitálias um para
caráter conflituoso e disputado dos discursos o outro. Nessa lógica, sujeitos ‘avançados’
entram em cena para emaranhar e visibilizar precisam ser reposicionados na ordenação
o jogo político que regula os corpos na escola: cronológica heterossexual posta em jogo
pela escola e pela educação física escolar.
Quadro 4
A lógica do ‘progressivismo’ atravessa
Eulália: Como eu lhe disse do seminário, não é de apresentar, as falas apresentadas no decorrer da
de trazer material. Como eu já pedi: “vai a um posto de saúde
e vê o que é que você consegue de métodos contraceptivos”.
pesquisa ao citar (e constituir) os sujeitos
Até com a oitava série, eu acho que dá para fazer isso. Agora, gênero-sexualizados a partir das tramas do
a quinta série, eles não têm maturidade, na verdade, para desenvolvimento linear e, supostamente,
pegar uma proposta dessas de sair para procurar métodos
contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis. Então, eu harmônico do corpo (em infância,
acho que, em quinta série, eu tinha que fazer uma coisa bem puberdade e adolescência), respectivamente,
mais leve.
durante a vida escolar (ensino infantil,
Fonte: Entrevista, 5/3/2012. ensino fundamental e ensino médio). Essa
concepção funciona como balizadora das
Quando se questionou se o tema ações pedagógicas docentes na educação
sexualidade e as propostas pedagógicas física escolar.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015. 1595
Quadro 5

Morgana: É, mas a realidade está aí.


Roberto: É isso. Não tem como colocar uma ordem nossa em um contexto em que vários outros fatores levam a essa adesão.
Morgana: Na verdade, talvez eu venha a ser até contraditória com a minha fala, mas, assim, a ordem que a gente vai colocar
é o tentar amenizar essa situação. Porque a ordem que a gente estabelecer na nossa mente, que a criança tem aquela fase e
vai ter aquelas reações, que assim vai até determinada idade, a gente vê que já causou uma mistura aí. É tentar trabalhar em
cima daquela realidade. Tentar colocar a ordem nesse sentido diante daquela situação e não ordenar da forma que ele enxerga
e acredita que deve ser todo ser humano. Eu não sei se fui...
Roberto: [...] Acho que foi bem colocada. Assim, você buscar dentro daquilo que a criança está demonstrando conviver, adaptar-
se ao jeito dela. Não apoiar tudo que ela faz, mas, sim, quebrar um pouco a nossa visão de que só aquela forma de trabalho é
a correta para se fazer com ela. Mas, sim, adaptar o trabalho dentro da realidade daquela menina. Em cima dos conhecimentos
que ela já traz. Então, assim, dessa forma, a gente consegue, pelo menos, tentar direcionar dentro daquilo que ela já tem, já traz,
senão pode descartar. Sim, porque, se a gente colocar, se a gente colocar, tentar colocar na cabeça daquela criança que a forma
correta é só da forma que a gente pensa, aí vai criar mais desordem na cabeça dela. Vai ser mais contraditório.

Fonte: Grupo Focal, 22/12/2012.


outros” (Roberto, encontro I, p. 14-15), afirma
No excerto acima, os/as docentes o colaborador. É um exemplo que anuncia a
indicam que, para a sexualidade ser tratada observação e o estudo das condições dos/as
pedagogicamente de “um jeito tranquilo” e discentes ‘fora da ordem’ como práticas necessárias
“com ordem”, é importante reconhecer o sexo e a na educação física escolar. Além dessas, pode-
idade cronológica como categorias imbricadas se pensar na ação da vigilância e do exame
e reguladoras. Contudo, também insinuam a disciplinares (FOUCAULT, 2000) como estratégias
necessidade de pensarmos em outros jogos normalizadoras para lapidar as arestas das
de inteligibilidade postos pelas pedagogias manifestações da sexualidade que se apresentarem
culturais e pela família, por exemplo, os quais de forma explícita e/ou fora do tempo e do espaço
produzem “os conhecimentos que ela já traz” adequados para os padrões heteronormativos e
imbricados com “aquilo que a criança está cronológicos reguladores da educação escolar.
demonstrando conviver”. Por fim, apesar de centralmente
Para lidar pedagogicamente com reconhecida em sua dimensão cronológica,
essa sexualidade que entra na escola, os/ a idade é flexionada nas falas de alguns/
as docentes apontam a necessidade de algumas docentes. As disputas em torno da
investimento em metodologias como o diálogo sua conceituação e do seu atravessamento na
discente-docente e a formação desses sujeitos definição dos sujeitos escolares evidenciam os
escolares para evitar o reconhecimento de uma jogos políticos pautados por epistemologias
sexualidade que se manifesta de forma vulgar. distintas. Em outro arranjo conceitual para
Essas estratégias pedagógicas funcionam na a idade e o seu trato político, Pocahy (2011)
arena do poder, pois “a disciplina estabelece tensiona como a idade pode ser tomada na
os procedimentos de adestramento progressivo definição das experimentações da sexualidade de
e de controle permanente [...] a partir daí homens velhos envolvidos com outros homens
estabelece a demarcação entre os que serão em sociabilidades tarifadas. Nas discussões
considerados inaptos, incapazes e os outros” postas pelo autor, é possível pensar que
(FOUCAULT, 2008b, p. 74-75).
“Então, cabe a nós conhecer mais os [...] a idade que levamos é forma também
nossos alunos, temos que entender o contexto a dar inteligibilidade ao que pode ser
em que ele está inserido para poder interpretar considerado como uma vida possível
o comportamento que ele tem em sala e com os socialmente, desde engajamentos políticos

1596 Priscila Gomes DORNELLES; Maria Cláudia DAL’IGNA. Gênero, sexualidade e idade: tramas heteronormativas ...
institucionais e arranjos culturais alunos/as é acionada como norma regulatória
(POCAHY, 2011, p. 14). quando se trata do tema da sexualidade,
fortalecendo, dessa maneira, o pressuposto
Nessa linha argumentativa, Veiga-Neto unilinear sexo-gênero-prática heterossexual
(2000, p. 217) mostra-nos que é importante como natural a partir da adolescência.
analisar “processos pelos quais aprendemos (e Assim, na análise dessa complexa
ensinamos) a ter essa ou aquela idade”. constituição do sujeito, é possível discutir formas
Colocar a perspectiva cronológica da potentes de inflexão da norma na configuração
idade em suspeição pode ampliar as margens das margens e das rupturas possíveis com o
de humanidade dos sujeitos escolares, as quais plano normativo, ou seja, abrem-se brechas
são constituídas pela heteronormatividade, para se pensar na reversibilidade das marcas
colocando a educação física a serviço do prescritivo-restritivas que atravessam essa
questionamento cotidiano e possivelmente instituição. Isso significa “[...] tomar as coisas
democrático sobre a (corporal)idade. pelo meio. Não: ‘De onde vem o poder, para
onde ele vai?’, mas: ‘Por onde ele passa, e como
Considerações finais isso se passa [...]’” (FOUCAULT, 2010, p. 73).
Seguindo as provocações de Foucault,
Assumir uma postura crítica em discutimos como a idade, compreendida de
relação à escola não significa celebrá-la forma cronológica e etapista, é mobilizada
como espaço livre de normas ou demonizá- de modo entremeado com uma heteronorma
la porque ela se constitui como um espaço na conformação dos sujeitos escolares no
normalizador. Afastando-se da ilusão de uma âmbito das práticas pedagógicas da disciplina
‘escola sem normas’, problematizamos como de educação física no interior baiano. Esse
a escola e a educação física escolar colocam funcionamento gênero-heterossexual-etário
em funcionamento um emaranhado (hetero- normativo é potente na produção dos corpos/
etário)normativo. Ao pautar-se essa proposta, sujeitos de forma aliada às perspectivas que
visibilizam-se os planos epistemológicos assumem a ideia do desenvolvimento natural
definidores do que se pode conhecer e as na escola. Assim, procuramos problematizar a
estratégias restritivas que conformam os escola ‘pelo meio’ ao abordá-la pelo lado das
sujeitos escolares, bem como as zonas inóspitas práticas de poder e de saber que se ordenam em
também definidoras do sujeito que importa. torno de normas de gênero, sexualidade e idade.
Os resultados apresentados neste artigo Acreditamos que as discussões
apontam para certa conexão, por vezes contínua apresenta-das ao longo deste artigo podem
e, em outros momentos, descontínua, entre as contribuir para examinar algumas dessas
categorias gênero, sexualidade e idade nas aulas práticas mobilizadas na disciplina de educação
de educação física da região investigada. Pistas física e na escola, as quais estão implicadas
dessa contingência são apresentadas quando os/ com a produção da (hetero)normalização
as docentes da educação básica indicam que a do gênero e da sexualidade. Ao investirmos
sexualidade se manifesta na escola desde cedo, na análise de modos contemporâneos de
ainda na infância, em função de alguns fatores compreensão da vida e de conformação dos
regionais mencionados anteriormente, e de sujeitos sociais, esperamos ter contribuído
forma exacerbada nos meninos. Apesar dessa para colocar sob suspeita práticas pedagógicas
indicação, a dimensão cronológica é tratada e conhecimentos produzidos, os quais têm
de forma fixa e etapista quando articulada à determinado quem pode conhecer, quando se
sexualidade na educação física escolar. Com pode conhecer e o que se pode conhecer na
isso, a idade cronológica dos corpos dos/as educação escolar.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015. 1597
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Recebido em: 05.11.2014

Aprovado em: 02.03.2015

Priscila Gomes Dornelles é doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS, Brasil)
e professora do Centro de Formação de Professores e do Mestrado Profissional em Educação do Campo da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (Amargosa, BA, Brasil). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação,
Formação de Professores e Educação Física (GEPEFE/UFRB) e do Núcleo Gênero, Diversidade e Sexualidade (CAPITU/UFRB).

Maria Cláudia Dal’Igna é doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora do
curso de pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo,
RS, Brasil). Pesquisadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE/UFRGS/CNPq) e do Grupo de
Estudo e Pesquisa em Inclusão (GEPI/UNISINOS/CNPq).

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez., 2015. 1599
Temas em Psicologia
ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

do Amaral Madureira, Ana Flávia; Uchoa Branco, Ângela


Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola a partir da Perspectiva de Professores/as
Temas em Psicologia, vol. 23, núm. 3, 2015, pp. 577-591
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751492005

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
ISSN 1413-389X Trends in Psychology / Temas em Psicologia – 2015, Vol. 23, nº 3, 577-591
DOI: 10.9788/TP2015.3-05

Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola


a partir da Perspectiva de Professores/as

Ana Flávia do Amaral Madureira1


Curso de Graduação e Curso de Mestrado em Psicologia do Centro Universitário
de Brasília, Brasilia, DF, Brasil
Ângela Uchoa Branco
Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da Universidade de Brasília,
Brasília, DF, Brasil

Resumo
A partir da perspectiva sociocultural, a pesquisa teve como objetivo analisar as concepções e crenças
de professores/as do Ensino Fundamental, de 5a a 8a séries (atualmente 6o a 9o ano), da rede pública
de ensino do Distrito Federal em relação às questões de gênero, sexualidade e diversidade. Em termos
metodológicos, foram aplicados questionários na 1a etapa, envolvendo 122 professores/as de sete esco-
las distintas. Na 2a etapa, participaram 10 professores/as de duas escolas que contribuíram na 1a etapa.
Foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas e quatro reuniões de grupos focais em cada
uma das duas escolas. Os resultados indicaram que, apesar da maioria dos/as participantes acreditar
que a escola deve realizar um trabalho de educação sexual, há uma lacuna entre o que está previsto
nos Parâmetros Curriculares Nacionais e o que ocorre de fato. Quando existe um trabalho de educação
sexual, este corresponde a um trabalho limitado. Foi identificada uma lacuna, em termos de formação
de professores, para lidar com as questões de gênero, sexualidade e diversidade na escola. Ao lidar com
tais questões, os/as professores/as utilizam suas experiências e opiniões pessoais. Há um silêncio sobre
a dimensão afetiva e prazerosa da sexualidade, o que parece distanciar o discurso dos/as professores/as
do universo adolescente. Os resultados indicaram a necessidade de incorporação dos estudos de gênero
e sexualidade nos cursos de Licenciatura, atividades de capacitação na área que contemplem discussões
sobre as raízes histórico-culturais e as bases afetivas dos preconceitos e adoção de uma abordagem in-
tegrada de combate à homofobia e ao sexismo.
Palavras-chave: Gênero, sexualidade, diversidade na escola, preconceito, formação de professores/as.

Gender, Sexuality and Diversity in Schools


from Teachers’ Perspective

Abstract
From a sociocultural perspective, the present research analyzed 5th to 8th grade Middle School (“Ensino
Fundamental” in Brazil) teachers’ beliefs and conceptualizations about gender, sexuality and diver-

1
Endereço para correspondência: Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Curso de Psicologia, SEPN
707/907, Campus do UniCEUB, Asa Norte, Brasília, DF, Brasil 70790-075. E-mail: madureira.ana.flavia@
gmail.com
Este artigo foi elaborado a partir da tese de doutorado da primeira autora, sob a orientação da segunda autora, in-
titulada: Gênero, sexualidade e diversidade na escola: a construção de uma cultura democrática. Tese de douto-
rado defendida e aprovada em dezembro de 2007 no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).
As autoras gostariam de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) pelo suporte financeiro da pesquisa realizada, bem como às auxiliares de pesquisa Júlia Lagos Oliveira
e Amanda de Oliveira Mota, na época alunas de graduação em Psicologia da UnB.
578 Madureira, A. F. A., Branco, A. U.

sity in Distrito Federal, Brazil. The methodology consisted of questionnaires during the first phase
of the study, answered by 122 teachers from seven different public schools. In the second phase, 10
teachers from two schools that participated in the first phase participated of individual semi-structured
interviews, as well as of four focal group sessions carried out in each one of the two schools. Results
show that although the majority of participants agree that schools have to develop sexual educational
programs, there is a gap between the public educational policy established by the National Curriculum
Guidelines and what actually happens. When there is a sexual educational project, it seems to be very
limited. The study revealed the absence of specific trainings for teachers to deal with gender, sexuality
and diversity issues in schools. Teachers end up dealing with such issues using their own personal expe-
riences and opinions. There is a silence about the dimensions of affection and pleasure of the sexuality
domain, and this silence seems to distance teachers’ discourse from the concerns of adolescents’ world.
Results show the necessity of including gender and sexuality studies as an important topic in teachers’
graduation courses, as well as the implementation of specific trainings to promote discussions about the
historical-cultural roots and the affective basis of prejudices, adopting an integrative perspective against
homophobia and sexism.
Keywords: Gender, sexuality, diversity in schools, prejudice, teachers’ training.

Género, Sexualidad y Diversidad en Escuelas


desde la Perspectiva de los/as Maestros/as

Resumen
Desde el punto de vista sociocultural, la investigación tuvo como objetivo examinar las ideas y creencias
de maestros/as de la escuela primaria de la red publica del Distrito Federal, Brasil, sobre las cuestiones
de género, sexualidad y diversidad. En cuanto a la metodología, en la primera etapa fueron administra-
dos cuestionarios, abarcando 122 maestros/as de siete escuelas distintas. En la segunda etapa, partici-
paron 10 maestros/as de dos escuelas que ya habían contribuido a la primera etapa. Fueron realizadas
entrevistas individuales semiestructuradas y cuatro sesiones de grupos focales en cada una de las dos
escuelas. Los resultados indicaron que, aunque la mayoría de los participantes creen que la escuela debe
llevar a cabo la educación sexual, hay una brecha entre lo que se prevé en el plan de estudios nacional y
lo que realmente ocurre. Cuando existe un trabajo volcado a la educación sexual, este aun es limitado.
Se identificó una brecha, en términos de formación, para hacer frente a cuestiones de género, sexualidad
y diversidad en la escuela, en las cuales los/as maestros/as utilizan sus experiencias y opiniones persona-
les. Hay un silencio acerca de la dimensión afectiva y agradable de la sexualidad. Esto parece distanciar
el discurso de los/as maestros/as del universo de los adolescentes. Los resultados indicaron la necesidad
de incorporar los estudios de género y sexualidad en los cursos de pregrado y actividades de capacitaci-
ón que contemplen discusiones sobre las raíces histórico-culturales y afectivas de los prejuicios bajo un
enfoque integrado para combatir la homofobia y el sexismo.
Palabras clave: Género, sexualidad, diversidad en las escuelas, prejuicio, capacitación de maestros/as.

O presente artigo apresenta os principais escolar. Considerando o papel fundamental das


resultados de uma pesquisa ampla, que envol- universidades públicas brasileiras na forma-
veu a articulação entre diferentes métodos de ção docente em todos os níveis educacionais, a
investigação. A pesquisa focalizou as concep- pesquisa buscou construir conhecimentos que
ções e crenças de professores/as da rede pública pudessem ser integrados à formação básica e
de ensino do Distrito Federal sobre questões de continuada de professores/as, no que se refere ao
gênero, sexualidade e diversidade no contexto desenvolvimento de competências para lidar de
Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola a partir da Perspectiva de Professores/as 579

forma construtiva com a diversidade na escola são definidos como fronteiras simbólicas rígidas,
e, de forma mais específica, com as questões de construídas historicamente e com forte enraiza-
gênero e sexualidade. Para tanto, é importante mento afetivo, que acabam por se constituir em
partirmos das concepções e crenças de professo- barreiras culturais entre grupos sociais e entre
res/as que estejam em contato direto com os/as indivíduos (Madureira, 2007a, 2007b).
alunos/as no cotidiano. Nos diversos contextos culturais existem
A base teórica da pesquisa está situada na fronteiras simbólicas que delimitam, de forma
psicologia sociocultural (Bruner, 1997; Cole, semipermeável, as diferenças entre os indiví-
1992; Madureira & Branco, 2012a, 20012b; Ra- duos e grupos sociais. Quando tais fronteiras se
tner, 2002; Rogoff, 2003; Valsiner, 2007; Val- tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qua-
siner & Rosa, 2007). A psicologia sociocultural lificar alguns grupos a partir da desqualificação
corresponde a um campo de conhecimento híbri- constante e difusa de outros grupos, percebemos
do, interdisciplinar, resultado de diálogos histó- o preconceito em ação, ou seja, a discrimina-
ricos estabelecidos entre a psicologia, a sociolo- ção. Quando estas fronteiras rígidas são alvos de
gia, a história, a antropologia, a linguística, entre transgressão, percebemos a violência e a intole-
outros. A psicologia sociocultural não seria um rância, subjacentes às práticas discriminatórias,
grupo teoricamente coerente, mas sim uma ‘fa- em relação aos/às supostos/as ‘transgressores/
mília’ heterogênea (Valsiner & Rosa, 2007). A as’ (Madureira & Branco, 2012b). Para a manu-
psicologia sociocultural tem como um dos seus tenção das desigualdades sociais é fundamental
pressupostos centrais a gênese social do desen- que tais fronteiras sejam respeitadas, não im-
volvimento psicológico individual. Além disso, portando o preço pago em termos de sofrimen-
considera os conceitos de cultura, mediação se- to psíquico. Afinal, sentir-se inferiorizado/a ou
miótica e experiência como ferramentas teórico- desqualificado/a por defeitos pré-supostos não é,
-conceituais estruturantes do seu olhar teórico certamente, uma experiência agradável.
(Bruner, 1997; Madureira, 2012; Madureira & Um estudo anterior (Madureira, 2000) evi-
Branco, 2012a, 2012b; Valsiner, 2007). denciou o quanto o preconceito e a discrimina-
Consideramos que as experiências humanas ção em relação às identidades sexuais não he-
sempre ocorrem em contextos culturais estrutu- gemônicas acabam por se constituir em foco de
rados, perpassados por crenças, valores e práti- sofrimento psíquico (ansiedade, depressão, cul-
cas enraizadas historicamente e que canalizam, pa, vergonha...) por parte de sujeitos que apre-
de diferentes formas, os processos de significa- sentam orientações sexuais distintas da heteros-
ção. Ao utilizarmos o termo canalização cultural sexualidade. A pesquisa indicou a relevância de
destacamos o papel ativo das pessoas concretas se considerar as estratégias pessoais e coletivas
nos processos de significação em relação ao utilizadas pelos/as participantes no cotidiano
mundo social em que estão inseridas e em rela- para lidar com o preconceito e a discriminação
ção a si mesmas (Madureira & Branco, 2005). em relação às identidades sexuais não hegemô-
Portanto, a cultura constitui um conceito central nicas. Tais estratégias são constitutivas da forma
que permite analisar o desenvolvimento humano como estas pessoas vivenciam as suas experiên-
em sua natureza simbólica. Afinal, o desenvol- cias homoeróticas, suas relações sociais e con-
vimento psicológico individual não ocorre ape- sigo mesmas (Madureira, 2000; Madureira &
nas em um ambiente físico e social, mas também Branco, 2007).
simbólico, pois “. . . dar sentido ao mundo é uma Focalizar os preconceitos e as práticas dis-
força poderosa e inevitável na vida em socieda- criminatórias em relação à diversidade sexual e
de” (Spink & Medrado, 1999, p. 41). de gênero no espaço escolar é uma forma de de-
Neste artigo, consideramos os preconceitos, nunciar, por um lado, os processos de exclusão
como homofobia, sexismo, racismo, xenofobia, presentes em nossa sociedade. Por outro lado, é
fundamentalismo religioso e tantos outros, en- uma forma de indicar a existência de outras pos-
quanto fenômenos de fronteira. Os preconceitos sibilidades de lidar com a diversidade humana,
580 Madureira, A. F. A., Branco, A. U.

em sintonia com a construção de éticas multi- as entrevistas e grupos focais, referentes à segun-
culturais (Demo, 2005) e com a construção de da etapa da pesquisa, permitiram a construção de
uma cultura democrática em diferentes espaços uma compreensão intensiva (aprofundada) sobre
da vida social, incluindo o espaço escolar. o objeto de estudo. Cabe esclarecer que, em ter-
O objetivo da pesquisa foi analisar as con- mos analíticos e interpretativos, privilegiou-se a
cepções e crenças de professores/as do Ensino análise qualitativa das informações construídas
Fundamental, de 5a a 8a séries (atualmente, 6o na segunda etapa da investigação. Nesse senti-
a 9o ano), da rede pública de ensino do Distri- do, é pertinente afirmar que a pesquisa realizada
to Federal em relação às questões de gênero e correspondeu a uma investigação eminentemen-
sexualidade, com destaque para a questão da di- te qualitativa, apesar da utilização de um método
versidade sexual e de gênero. Estas questões fo- quantitativo na primeira etapa da investigação.
ram analisadas visando também obter subsídios A segunda etapa da pesquisa incluiu en-
para futuras propostas para a formação docente, trevistas individuais semiestruturadas e grupos
inicial e continuada, que contemple as referidas focais de discussão, tendo em vista reunir in-
questões. formações sobre as concepções e crenças dos/as
participantes sobre questões de gênero e sexua-
Método lidade. Tanto as entrevistas individuais como as
discussões em grupos focais apresentam vanta-
A pesquisa foi realizada em duas etapas dis- gens e desvantagens (Gaskell, 2002). Portanto,
tintas. Na primeira etapa, os/as professores/as ao integrá-las em uma mesma pesquisa procu-
de sete escolas públicas do Distrito Federal fo- ramos compensar as desvantagens e potenciali-
ram investigados/as mediante a aplicação de um zar as vantagens de cada uma. Por exemplo, as
questionário com questões fechadas e abertas entrevistas individuais, por um lado, permitem a
(total: 122 questionários aplicados). Na segunda construção de análises mais aprofundadas sobre
etapa, dez professores/as de duas escolas públi- as concepções e crenças de cada participante de
cas selecionadas participaram de uma entrevista forma singular. Por outro lado, os grupos focais
individual semiestruturada e quatro sessões de permitem identificar mais claramente os temas
grupo focal em cada escola selecionada (seis que tendem a suscitar posicionamentos conver-
professores/as de uma escola e quatro professo- gentes, bem como aqueles que tendem a suscitar
ras de outra escola), totalizando oito sessões. posicionamentos divergentes, ou mesmo antagô-
É importante destacar que buscamos inte- nicos, no fluxo das interações interpessoais no
grar distintos métodos de investigação, em sin- momento das discussões.
tonia com o pluralismo metodológico defendido É importante destacar que a entrevista não
por Bauer, Gaskell e Allum (2002). Contudo, a é um ‘meio para acessarmos os “conteúdos in-
investigação foi eminentemente qualitativa, pois trapsíquicos do sujeito investigado, como se os
todas as informações obtidas foram subordina- mesmos já estivessem prontos dentro de sua
das a construção de uma rede interpretativa que cabeça. . . . O momento da entrevista consiste
possibilitou uma compreensão aprofundada dos em um espaço dialógico” (Madureira & Branco,
significados atribuídos pelos/as participantes em 2001, p. 72). Ou seja, a entrevista caracteriza-
relação às questões de gênero, sexualidade e di- -se pela “troca de ideias e significados, em que
versidade no contexto escolar. várias realidades e percepções são exploradas e
Os questionários, aplicados na primeira eta- desenvolvidas” (Gaskell, 2002, p. 73) através de
pa da pesquisa, possibilitaram a construção de um processo coconstrutivo (Madureira & Bran-
uma visão panorâmica sobre as concepções e co, 2001). Em síntese, defendemos que tanto as
crenças dos/as professores/as de sete escolas pú- entrevistas individuais semiestruturadas como
blicas em relação à temática em questão, possi- os grupos focais, enquanto métodos de pesquisa,
bilitando uma compreensão mais extensiva (am- correspondem a espaços dialógicos de cocons-
pla) sobre o fenômeno investigado. Por sua vez, trução de significados por parte dos/as partici-
Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola a partir da Perspectiva de Professores/as 581

pantes e do/a pesquisador/a sobre o objeto de que cada professor/a classificasse em uma esca-
estudo em foco. la de 1 a 10 o seu prazer ou o seu desconforto
diante de cada situação, seguida da discussão
Participantes sobre o espaço do prazer e do afeto nas discus-
Na primeira etapa da pesquisa, participa- sões sobre sexualidade na escola; (c) discussão
ram 122 professores/as de sete escolas públicas de casos concretos, envolvendo questões de se-
de Ensino Fundamental, de 5a a 8a séries (atual xualidade na escola, extraídos de uma revista
6o ao 9o ano), do Distrito Federal (n = 122). Na que tem como público-alvo os/as profissionais
segunda etapa, 10 professores/as – de duas es- de educação (Revista Nova Escola); dentre ou-
colas selecionadas: Escola A (n = 6), situada no tras atividades.
Núcleo Bandeirante/DF e Escola B (n = 4), situ- Cabe mencionar que as entrevistas e os gru-
ada no Gama/DF – participaram das entrevistas pos focais foram gravados em áudio, com o con-
individuais semiestruturadas. Os/as professores/ sentimento dos/as professores/as.
as entrevistados/as participaram, também, de
quatro sessões de grupo focal realizadas em cada Resultados e Discussão
uma das escolas selecionadas.
No presente artigo, a discussão dos resulta-
Procedimentos de Construção dos foi organizada a partir dos seguintes eixos
de Informações temáticos:
1. Gênero, sexualidade e educação sexual nas
Inicialmente, foram aplicados 122 questio-
escolas; e,
nários entre professores/as de sete escolas públi-
2. Diversidade sexual e de gênero no contexto
cas do Distrito Federal, distribuídas entre quatro
escolar: a tensão entre a reprodução de pre-
Regionais de Ensino. Dentre as escolas que par-
conceitos e o respeito à diversidade.
ticiparam nessa etapa, foram selecionadas duas
Cabe destacar que, considerando os limites
escolas para a etapa seguinte, com base na recep-
de espaço de um artigo, o que será apresentado
tividade e interesse demonstrados pela Direção e
corresponde, obviamente, a um recorte da pes-
corpo docente.
quisa ampla realizada.
Na segunda etapa, foram realizadas entre-
vistas individuais semiestruturadas com 10 pro-
Gênero, Sexualidade e Educação
fessores/as das duas escolas selecionadas: Escola
Sexual nas Escolas
A (n = 6); Escola B (n = 4). Todos/as assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Observamos grande dificuldade na maioria
(TCLE). Cada entrevista teve uma duração apro- dos/as professores/as em refletir sobre as ques-
ximada de 120 minutos. O roteiro de entrevista tões de gênero. O conceito de gênero parece
foi estruturado a partir de 17 perguntas abertas. distante de sua realidade, e continua restrito ao
Para a realização das reuniões com os grupos fo- universo acadêmico. Enquanto as discussões
cais, foi elaborado um roteiro flexível, visando acadêmicas sobre gênero alcançam um nível
nortear as atividades que seriam desenvolvidas teórico-conceitual cada vez mais sofisticado, nas
com os/as professores/as. escolas a concepção de que as masculinidades e
Nos grupos focais foram desenvolvidas as feminilidades são construções culturais ainda
diversas atividades, como, por exemplo: (a) di- é uma concepção distante. Portanto, pensar sobre
nâmica de grupo voltada para a construção de questões de gênero de forma mais abstrata torna-
histórias a partir de imagens extraídas de livros e -se uma tarefa complicada para muitos/as profes-
revistas, seguida de discussão sobre as questões sores/as. No entanto, os/as professores/as conse-
de gênero, sexualidade e diversidade a partir das guiam refletir sobre gênero a partir de exemplos
histórias construídas pelos/as participantes; (b) concretos, trazidos pela pesquisadora ou de sua
apresentação de dez situações hipotéticas para autoria. Assim, é interessante que nas disciplinas
582 Madureira, A. F. A., Branco, A. U.

ofertadas nos cursos de Licenciatura, bem como Woodward, 2000). Por exemplo, algumas pro-
em atividades de formação continuada, as dis- fessoras expressaram concepções sobre a mas-
cussões tenham, como ponto de partida, exem- culinidade do estilo: ‘os homens são assim’ (não
plos concretos extraídos do cotidiano escolar. dividem as tarefas domésticas). Percebemos o
Portanto, sugerimos que os aspectos teóri- quanto o essencialismo cumpre um papel estra-
co-conceituais, relativos ao campo de estudo in- tégico na manutenção das relações de gênero de-
terdisciplinar sobre as questões de gênero, sejam siguais, na medida em que desloca o problema
introduzidos após as discussões de exemplos – sobrecarga de trabalho por parte das mulheres
concretos do cotidiano escolar. Dessa forma, – para um campo insolúvel: a suposta ‘nature-
acreditamos que as discussões sobre as questões za’ masculina. Tal ‘argumento’ foi utilizado, ex-
de gênero seriam mais produtivas e significativas plicitamente, em uma das entrevistas realizadas
para os/as estudantes dos cursos de Licenciatura. (entrevista 6 - categoria analítica: gênero, vol-
No que se refere às relações entre homens e tada à análise das concepções e crenças dos/as
mulheres na sociedade brasileira atual, 59,01% participantes sobre as questões de gênero).
dos/as participantes que responderam o ques- Cabe, então, questionarmos: se as relações
tionário afirmam que a sociedade espera, sim, entre homens e mulheres estão estruturadas a
coisas diferentes de homens e mulheres. Nas partir de uma suposta ‘natureza’ masculina e uma
entrevistas e nos grupos focais, em diferentes suposta ‘natureza’ feminina, como tais relações
momentos, os/as participantes comentaram que, podem ser transformadas visando à promoção de
apesar das mudanças ocorridas nas últimas dé- relações igualitárias? A resposta óbvia seria: não
cadas, a sociedade brasileira continua machis- podem ser mudadas. Eis um ponto nevrálgico na
ta. Cabe mencionar que a 2a etapa da pesquisa promoção da igualdade de gênero, é necessário
contou com a participação de nove professoras e um questionamento radical desta visão essencia-
um professor. É importante destacar que o único lista sobre homens e mulheres. Certamente, há
professor que participou desta etapa é uma pes- diferenças biológicas entre homens e mulheres.
soa bastante sensibilizada em relação à relevân- Entretanto, o ‘argumento’ essencialista ampli-
cia de discussões sobre as questões de gênero, fica as diferenças biológicas e, principalmente,
apresentando uma visão crítica em relação ao utiliza a Biologia para justificar as desigualdades
machismo ainda vigente em nossa sociedade. sociais entre homens e mulheres.
Em linhas gerais, os/as participantes da 2a Argumentos pseudocientíficos, ancorados
etapa da investigação acreditam que não houve na Biologia, têm sido utilizados, frequentemen-
uma mudança efetiva nas relações de gênero na te, desde o século XIX, para justificar uma série
esfera privada. As mulheres estão submetidas a de desigualdades entre grupos sociais: entre ho-
uma dupla, tripla jornada de trabalho, sentida na mens e mulheres, entre brancos e negros, entre
‘pele’ pelas professoras. Mesmo quando as mu- pobres e ricos, como bem demonstrou Stephen
lheres têm uma inserção profissional, como é o Jay Gould (1991), em sua obra “A Falsa Medida
caso das professoras que participaram da pesqui- do Homem”. Portanto, é de suma importância na
sa, as mesmas têm que lidar com as expectati- formação de educadores/as a promoção de dis-
vas sociais tradicionais relativas aos ‘papéis’ de cussões críticas sobre argumentos voltados para
mãe, esposa e dona de casa. legitimação de desigualdades sociais, a partir de
Contudo, esta percepção não implica, ne- uma apropriação equivocada e de generalizações
cessariamente, em um questionamento crítico distorcidas de conhecimentos produzidos pela
sobre as desigualdades nas relações de gênero na Biologia. No combate às diversas formas de pre-
esfera privada/familiar. Algumas professoras pa- conceito, tais discussões assumem uma relevân-
recem lançar mão de uma visão essencialista so- cia ainda maior quando consideramos o espaço
bre as questões de gênero, criticada por diversos/ de poder ocupado pelos discursos científicos na
as autores/as na contemporaneidade (Hall, 1998; contemporaneidade. O que acaba por conferir
Louro, 1998, 2004; Moreira & Câmara, 2008; um ‘verniz de cientificidade’ a argumentos que,
Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola a partir da Perspectiva de Professores/as 583

na realidade, estão fundamentados em concep- controle informal sobre o corpo e a sexualidade


ções preconceituosas. feminina (Madureira, 2007a, 2012).
Ainda em relação às questões de gênero, foi Isso significa que sempre devemos estar
identificado no discurso dos/as professores/as atentos/as em relação às concepções, crenças,
um descompasso entre a promoção da igualdade valores e práticas culturais de homens e mulhe-
entre homens e mulheres na esfera profissional res que acabam por sustentar relações de gênero
(mundo público) e na esfera dos relacionamentos desiguais. Apesar de reconhecermos que, his-
amorosos, no casamento e nas relações familia- toricamente, as relações de gênero têm benefi-
res (mundo privado). A igualdade na esfera pro- ciado os homens (Bourdieu, 2005), tais relações
fissional é defendida por todos/as os/as professo- são organizadas e sustentadas por homens e mu-
res/as que participaram das entrevistas e grupos lheres.
focais. O que, por sinal, faz todo sentido, já que Outros exemplos podem ser extraídos dos
a grande maioria dos/as participantes da 2a eta- resultados obtidos na 3ª reunião de discussão no
pa da investigação é formada por mulheres pro- grupo focal da Escola B. Nessa reunião, uma das
fissionais. Entretanto, quando saímos da esfera professoras afirmou que:
profissional e focalizamos as relações entre ho- hoje, a mulher [ênfase na fala da professo-
mens e mulheres na esfera privada, percebemos ra], ela se tornou alvo muito fácil [ênfase na
a existência de concepções e crenças divergen- fala da professora]. Hoje o aluno . . . quando
tes. Por exemplo, uma professora afirmou que: eu falo o aluno é o homem, ele não tem o
Eu acho que muita igualdade, também, não prazer da conquista mais. Na verdade, é ela
faz bem não, sabe? . . . porque já é tudo, que se oferece pra ele.
tudo direitos iguais, tanto no serviço, no Diante desta constatação, a professora acon-
trabalho, a procura é essa, né? Aí, você tem selha que
uma, assim, uma igualdade, uma liberdade mulher tem que ser difícil, porque mulher
sexual [ênfase na fala da professora], enten- muito fácil, nenhum homem se interessa
deu? Uma liberdade sexual que eu, assim, [ênfase na fala da professora]. Mas não é no
às vezes eu acho que não vale a pena, sabe? sentido de não ter nada [ênfase na fala da
Essa professora defende que homens e mu- professora] com ninguém, mas no sentido de
lheres não devem ter direitos iguais na esfera qualquer um pegar, qualquer um tocar.
da sexualidade. Tal igualdade implicaria, na Neste grupo focal, inclusive, uma temática
percepção dela, em uma liberdade sexual para recorrente foi a questão da desvalorização da
as mulheres que não seria desejável, na medida mulher na atualidade, sendo que tal desvalori-
em que ela acredita que: “a mulher tem que se zação é associada, em diferentes momentos, à
preservar mais, se resguardar”. Liberdade sexual atitude das próprias mulheres.
para as mulheres é interpretada, por ela, como Constatamos, portanto, a reprodução de sig-
sinônimo de promiscuidade. Nesta entrevista fi- nificados culturais arcaicos sobre a feminilidade
cou evidente que a expectativa social de que as que expressam uma visão pejorativa sobre a se-
mulheres sejam mais ‘recatadas’ no exercício da xualidade das mulheres. O desenvolvimento de
sexualidade – ou seja, mais ‘passivas’ (Parker, análises críticas sobre as raízes históricas de tais
1991) – não pode ser interpretada a partir de ex- significados culturais arcaicos acerca da femini-
plicações simplistas, que circulam no cotidiano, lidade é de suma importância. Por exemplo, em
do estilo: “é a opressão masculina”. As próprias outro estudo (Madureira, 2012), foram proble-
mulheres ocupam, frequentemente, uma posição matizadas as raízes históricas da visão pejorati-
estratégica no controle social sobre o corpo e a va sobre o corpo e a sexualidade das mulheres a
sexualidade feminina, pois vigiam, avaliam e partir da análise de alguns elementos presentes
julgam o comportamento sexual de outras mu- na iconografia cristã medieval. Período histórico
lheres. Afinal, a fofoca sobre a vida sexual de fortemente marcado pela misoginia, pela asso-
outras mulheres é um eficiente mecanismo de ciação entre feminilidade e forças demoníacas.
584 Madureira, A. F. A., Branco, A. U.

Nesse sentido, as mulheres são consideradas acordo com algumas das propostas de educação
‘perigosas’, culpadas por ‘desencaminharem’ os sexual construídas pelos/as professores/as que
homens e, portanto, deveriam ser alvo do mais participaram da pesquisa. O trabalho deveria ser
estrito controle social, a fim de que seu “poten- desenvolvido a partir de uma metodologia par-
cial pecador intrínseco” não se manifestasse. ticipativa que integre a apresentação de infor-
De forma implícita, seriam as alunas “as- mações e a realização de discussões com os/as
sanhadas” que provocariam a sexualidade dos alunos/as. Para tanto, foi sugerida pelos/as par-
alunos (nunca o inverso). Se, por um lado, há ticipantes da pesquisa a utilização de recursos
o reconhecimento por parte das professoras que variados, como filmes, debates, jogos, drama-
os alunos rotulam de forma pejorativa as alunas tizações, análise crítica de piadas e programas
consideradas “assanhadas”; por outro lado, o ró- televisivos, dentre outros. Para a concretização
tulo em si não é objeto de questionamento. São do trabalho idealizado, os/as participantes enfa-
as alunas que recebem conselhos para mudar de tizaram a necessidade de: (a) capacitação profis-
atitude e passarem ‘a se valorizar’. Curiosamen- sional; (b) estabelecimento de parcerias entre a
te, a valorização da mulher passa pela valori- escola e outras instituições; (c) envolvimento da
zação do seu corpo, enquanto que no caso dos família e da comunidade.
homens tal associação parece ser bem incomum. Cabe mencionar que alguns temas – como
Mais do que isso: é incompatível com a lógica diversidade sexual e preconceitos – foram
cultural subjacente à construção da masculinida- contemplados nos objetivos delineados por
de hegemônica, marcada pelo elogio à precoci- alguns(mas) participantes, mas não por todos/as.
dade e diversidade de experiências sexuais, ao Mas não são apenas convergências e divergên-
comportamento ativo na esfera da sexualidade, cias que cercam o tema da sexualidade na escola,
à virilidade (Bourdieu, 2005; Junqueira, 2009; há muitos silêncios e ‘não ditos’ também. Tal-
Parker, 1991). vez, o maior silêncio seja em torno da dimensão
De diferentes formas, significados arcaicos afetiva e, principalmente, em torno da dimensão
sobre a feminilidade e a masculinidade – que prazerosa da sexualidade. Falar em prazer, ao se
remontam à sociedade brasileira no período co- trabalhar com o tema sexualidade na escola, pa-
lonial, como analisado por Parker (1991) – são rece ser algo bastante problemático. Após a rea-
reatualizados no cotidiano das escolas. Ou seja, lização da dinâmica “prazer versus desconforto”
a dicotomia: (a) masculinidade – atividade – do- – recurso utilizado para estimular a discussão
mínio do espaço público versus (b) feminilidade entre os/as professores/as sobre a afetividade e
– passividade – domínio do espaço privado, con- os prazeres na esfera da sexualidade (grupos fo-
tinua bem viva na atualidade. Com uma curio- cais, 3a reunião) – um dos professores da Escola
sa diferença: as mulheres, da classe média e da A (professor de Ciências) afirmou que:
classe alta da sociedade, conquistaram o espaço Porque eu tenho receio de até que ponto
público do trabalho, mas continuam sendo alvo eu posso estar falando, até que ponto a
de constantes avaliações morais por parte de ho- família vai permitir que o filho dela possa
mens e de outras mulheres. ouvir aquilo [ênfase na fala do professor].
As formas como homens e mulheres viven- Porque isso foge do conteúdo, foge do que
ciam e dão sentido à sua sexualidade é mediada, de a Secretaria [de Educação] pede [ênfase na
forma importante, pelas crenças, valores e práti- fala do professor] que eu faça. Entendeu?
cas culturais orientados pelas questões de gênero Então, existe essa dificuldade de tá falando
(Blackwood, 2000). Em termos de formação de realmente.
professores/as, é necessário considerar a dimen- Diante de tais obstáculos, parece que a me-
são motivacional e integrarmos sexualidade e lhor solução é o silêncio diante desta questão ou
gênero. É preciso também abordar a sexualidade a adoção de uma abordagem superficial. Traba-
evitando a reprodução de estereótipos de gênero. lhar com a questão dos prazeres sexuais parece
O tema em foco poderá ser trabalhado de ser bastante incômodo, representando uma ame-
Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola a partir da Perspectiva de Professores/as 585

aça no contexto de uma instituição que lida, no relação autônoma, responsável e prazerosa com
seu cotidiano, com a expectativa social ambígua a própria sexualidade.
de ser, por um lado, ‘assexuada’ e, por outro De acordo com os Parâmetros Curriculares
lado, incentivar a heterossexualidade (Louro, Nacionais: 5a a 8a séries (Secretaria de Educação
1998). É importante destacar, também, que nas Fundamental, 1998), a educação sexual no con-
discussões nos grupos focais em ambas as esco- texto escolar deve ser realizada de forma inter-
las, emergiu a imagem da sexualidade como um disciplinar, de modo a contemplar os seguintes
“terreno perigoso”, “escorregadio”. Parece que a eixos norteadores: (a) corpo: matriz da sexuali-
abordagem mais segura no contexto escolar tem dade; (b) relações de gênero; e (c) prevenção das
como foco as potenciais consequências negati- doenças sexualmente transmissíveis/Aids. Além
vas do exercício da sexualidade na adolescência: disso, deve estimular a construção de um pensa-
gravidez precoce e DSTs (doenças sexualmente mento crítico em relação aos estereótipos e dis-
transmissíveis)/AIDS. Em outras palavras, a ên- criminações no campo da sexualidade, conforme
fase recai nos riscos e nos perigos relacionados é expresso no trecho a seguir:
ao exercício da sexualidade. Outras dimensões O trabalho com Orientação Sexual supõe
da sexualidade simplesmente não são abordadas, refletir sobre e se contrapor aos estereóti-
notadamente a questão do prazer e da afetivida- pos de gênero, raça, nacionalidade, cultura e
de. Para alguns(mas) participantes, parece, in- classe social ligados à sexualidade. Implica,
clusive, que o uso de preservativos nas relações portanto, colocar-se contra as discrimina-
sexuais assume uma importância secundária ções associadas a expressões da sexualida-
diante da expectativa social (implícita) de que de, como a atração homo ou bissexual, e aos
os/as adolescentes não tenham uma vida sexual profissionais do sexo. (Secretaria de Educa-
ativa. ção Fundamental, 1998, p. 316)
Esse é um aspecto central constatado na pes- Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Se-
quisa realizada: o silêncio, intencional ou não, cretaria de Educação Fundamental, 1998) apre-
sobre a afetividade e, principalmente, sobre o sentam, portanto, diretrizes para o trabalho de
prazer nas discussões sobre sexualidade na esco- educação sexual no contexto escolar distantes
la, parece ser um dos elementos que distanciam do ‘porto seguro’ do discurso biomédico, cir-
o discurso dos/as professores/as do universo de cunscrito aos aspectos meramente biológicos da
preocupações e questionamentos dos/as adoles- sexualidade. Diretrizes que, infelizmente, ainda
centes. parecem distantes da realidade cotidiana de mui-
Não seria exagero supor que este silêncio tas escolas.
acabe por se constituir em um dos obstáculos
para o estabelecimento de um espaço dialógico, Diversidade Sexual e de Gênero
entre alunos/as e professores/as, favorável ao no Contexto Escolar: A Tensão
desenvolvimento da autonomia e da responsabi- entre a Reprodução de Preconceitos
lidade em relação à sexualidade por parte dos/ e o Respeito à Diversidade
as adolescentes. Isso acaba por comprometer o . . . Tanto homens como mulheres que apre-
objetivo geral do trabalho de educação sexual na sentam uma identidade sexual não-hege-
escola, conforme estabelecido nos Parâmetros mônica se constituíram enquanto sujeitos
Curriculares Nacionais: 5a a 8a séries (Secreta- em contextos socioculturais marcados, em
ria de Educação Fundamental, 1998, p. 311): diferentes graus, pela homofobia, por uma
“A finalidade do trabalho de Orientação sexual concepção de normalidade que exclui outras
é contribuir para que os alunos possam desen- possibilidades de vivência da própria sexua-
volver e exercer sua sexualidade com prazer e lidade. (Madureira & Branco, 2007, p. 87)
responsabilidade . . .”. Em síntese, o trabalho de Como discutido no tópico anterior, a sexu-
educação sexual na escola deve buscar estimular alidade não está do lado de fora dos muros da
entre os/as alunos/as o desenvolvimento de uma escola. Da mesma forma, não são externos ao
586 Madureira, A. F. A., Branco, A. U.

espaço escolar os preconceitos em relação àque- a construção de estratégias de promoção do res-


les e àquelas que não correspondem aos padrões peito à diversidade sexual e de gênero na escola.
hegemônicos em termos de orientação afetivo- Como há uma estreita relação entre os pre-
-sexual e/ou identidade de gênero. Situações em conceitos e o sistema de valores pessoais (Madu-
que um aluno ou uma aluna são alvo de gozação reira, 2012; Madureira & Branco, 2012a, 2012b),
por parte dos/as colegas, por apresentarem com- aqueles indivíduos que, por diversos motivos,
portamentos considerados ‘culturalmente’ não estabeleceram uma relação rígida com os seus
adequados em relação ao seu sexo, são situações valores religiosos tendem a apresentar atitudes
comuns no cotidiano escolar. Muitos/as profes- homofóbicas. É importante ter em mente, entre-
sores/as que participaram da 1a etapa da pesquisa tanto, que a questão em foco não corresponde
(77,87%) disseram já ter presenciado situações aos valores religiosos em si, mas a relação que
desse tipo. Da mesma forma, os/as professores/ as pessoas estabelecem com os seus valores reli-
as que participaram da 2a etapa da investigação giosos. Relação que pode se configurar de forma
já presenciaram, também, várias situações dessa bastante rígida, como é expresso nas atitudes ca-
natureza. Qual o posicionamento deles/as diante racterísticas do fundamentalismo religioso, que
dessas situações? tende a conduzir a práticas de intolerância em
A partir dos resultados obtidos nos questio- relação a diversos grupos sociais.
nários, a maioria dos/as professores/as destaca a A 2a etapa da pesquisa não contou com a par-
importância do respeito às “opções sexuais” in- ticipação de nenhum/a professor/a evangélico/a.
dividuais (o termo orientação sexual é distante Participaram desta etapa seis professores/as ca-
do discurso dos/as professores/as). Contudo, no tólicos/as, três professoras espíritas e uma pro-
extremo oposto, há um grupo minoritário de pro- fessora que não tem religião. Duas professoras
fessores/as que nutre concepções e crenças ho- católicas que destacaram – na situação de en-
mofóbicas na direção da ‘cura’ ou ‘prevenção’ trevista ou no grupo focal – a importância das
da homossexualidade, seja através da ‘interven- suas crenças religiosas em suas vidas, afirmaram
ção’ de especialistas (8,20%) ou através de um que têm dificuldades de lidar com situações em
trabalho de ‘orientação moral’ (4,92%). Neste que um aluno ou uma aluna são alvo de gozação
grupo minoritário, há, também, professores/as por parte dos/as colegas por apresentarem com-
que associam a homossexualidade à influência portamentos considerados ‘culturalmente’ não
de ‘espíritos malignos’ e defendem a ‘cura’ atra- adequados em relação ao seu sexo (entrevistas
vés da ‘intervenção’ divina. Tais concepções ho- 1 e 10). Por um lado, ambas defendem a impor-
mofóbicas apareceram nas respostas de alguns/ tância do respeito às diferenças individuais; por
mas professores/as evangélicos/as. outro, afirmam que se sentem desconfortáveis
É importante deixar claro que o posiciona- diante dessas situações, que envolvem lidar com
mento expresso anteriormente não é unânime um aluno considerado “efeminado” ou uma alu-
entre os/as participantes evangélicos/as que res- na considerada “masculinizada” em sala de aula.
ponderam o questionário. Entretanto, nos ques- Há, portanto, um conflito entre valores dis-
tionários respondidos pelos/as professores/as na tintos: (a) respeito às diferenças individuais ver-
primeira etapa da pesquisa, é importante notar sus (b) respeito às próprias crenças religiosas.
que entre as respostas que nutrem uma visão ex- Todavia, cabe mencionar que ambas demonstra-
plicitamente pejorativa sobre a homossexualida- ram interesse em participar da pesquisa e acredi-
de, a maioria provém do grupo de professores/ tam na importância de se discutir questões relati-
as evangélicos/as. Obviamente, seria uma inter- vas à sexualidade na escola. Em outras palavras,
pretação simplista defender a existência de uma não são profissionais fechadas ao debate, mas
relação direta e linear entre religião e concepções que se sentem desconfortáveis para lidar com si-
e crenças homofóbicas. Por outro lado, não deve- tuações desse tipo, ou seja, lidar no seu cotidiano
mos ignorar que a religião é, sim, um aspecto im- profissional com alunos/as que são, ou que são
portante nas pesquisas sobre a homofobia e sobre socialmente vistos/as como, homossexuais.
Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola a partir da Perspectiva de Professores/as 587

Nesse momento, é importante retomarmos Nesse sentido, uma importante implicação


a definição de preconceitos adotada nesta pes- em termos de formação, inicial e continuada,
quisa: preconceitos correspondem a fronteiras de professores/as no que tange à construção de
simbólicas rígidas, construídas historicamente e estratégias de superação da homofobia e do se-
com forte enraizamento afetivo que acabam por xismo, ambos fortemente vinculados (Ander-
se constituir em barreiras culturais entre grupos sen, 2000; Junqueira, 2009; Madureira, 2007a;
sociais e entre indivíduos (Madureira, 2007a, Welzer-Lang, 2001), corresponde à abertura de
2007b). Portanto, um elemento estruturante das um espaço de discussão e problematização so-
diversas formas de preconceito (incluindo a ho- bre as bases afetivas dos preconceitos (Madurei-
mofobia) corresponde ao seu enraizamento afeti- ra, 2007a, 2007b, 2012; Madureira & Branco,
vo. De forma mais precisa, sentimentos descon- 2012a, 2012b). Outra importante implicação é
fortáveis – como medo, ansiedade, insegurança a realização de discussões sobre as raízes his-
e, em casos extremos, ódio – emergem quando tórico-culturais dos preconceitos. Por exemplo,
determinadas fronteiras simbólicas são transgre- ao focalizar questões relativas ao machismo no
didas. Subjacente à homofobia, há a expectativa contexto escolar, é de fundamental importância
de que todos/as sejam heterossexuais. Como tal analisar as raízes histórico-culturais dessa forma
expectativa é realisticamente inviável, há a ex- de preconceito na nossa sociedade, incluindo o
pectativa, então, de que ‘pelo menos’ aqueles/ período do Brasil colonial (Vainfas, 2010). Em
as que não são heterossexuais (ou que não cor- relação às diversas formas de preconceito, é de
respondam à masculinidade e à feminilidade suma importância que os atores sociais inseridos
hegemônicas) fiquem o mais longe possível dos nas comunidades escolares percebam claramen-
olhos. Como afirma Pierre Bourdieu (2005, pp. te que estão diante de questões que apresentam
143-144): uma gênese cultural e não diante de ‘fatos da na-
A forma particular de dominação simbólica tureza’, da ordem do imutável, impassíveis dian-
de que são vítimas os homossexuais, marca- te das intervenções humanas.
dos por um estigma que, à diferença da cor Em síntese, é fundamental estimular a re-
da pele ou da feminilidade, pode ser ocul- flexão e a discussão sobre as raízes histórico-
tado (ou exibido) . . . A opressão como for- -culturais e efetivas das diferentes formas de
ma de “invisibilização” traduz uma recusa à preconceito nas escolas (Madureira & Branco,
existência legítima, pública, isto é conheci- 2012b). Afinal, a ‘eficácia excludente’ dos pre-
da e reconhecida, sobretudo pelo Direito, e conceitos está ancorada, também, no fato de que
por uma estigmatização que só aparece de normalmente as pessoas não falam sobre eles e,
forma realmente declarada quando o movi- assim, continuam sendo reproduzidos sem maio-
mento reivindica a visibilidade. Alega-se, res questionamentos.
então, explicitamente, a “discrição” ou a Os preconceitos não são, portanto, ‘inven-
dissimulação que ele é ordinariamente obri- ções individuais’. Cabe analisarmos criticamen-
gado a se impor. te a forma como, ao longo da história, foram
A presença de um aluno ou de uma aluna em sendo construídas categorias para delimitar
sala de aula que é – ou é socialmente percebido/a fronteiras simbólicas e traçar hierarquias entre
como – homossexual, tende a despertar senti- grupos sociais. Tais categorias orientam a for-
mentos desconfortáveis por parte dos/as colegas ma como as pessoas organizam, em termos cog-
e dos/as professores/as. Esses sentimentos des- nitivos e afetivos, a sua compreensão sobre o
confortáveis são um ‘convite para ação’, ou seja, mundo social em que estão inseridas e sobre si
tendem a acionar mecanismos de normatização mesmas. Aqueles/as que não se comportam de
do/a suposto/a transgressor/a. E, assim, diversas acordo com as normas estabelecidas são, muitas
práticas discriminatórias ganham forma (‘goza- vezes, vistos/as como pessoas ‘não confiáveis’,
ções’, brincadeiras maldosas e, em casos extre- que podem surpreender a qualquer instante com
mos, agressão física). atitudes ‘imorais imprevisíveis’, o que ‘justifi-
588 Madureira, A. F. A., Branco, A. U.

caria’ seu isolamento e a discriminação (Morei- ção de uma cultura democrática na escola e, em
ra & Câmara, 2008). um sentido mais amplo, um passo importante na
Na construção de estratégias que promovam consolidação da democracia em nosso país.
o respeito à diversidade sexual e de gênero, um Na mesma linha dos resultados obtidos na
ponto fundamental corresponde à construção co- ampla pesquisa promovida pelo escritório da Or-
letiva no espaço escolar de um equilíbrio entre o ganização das Nações Unidas para a Educação, a
respeito às crenças religiosas de cada indivíduo, Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil e coor-
essencial em qualquer regime democrático, e o denada por Castro, Abramoway e Silva (2004),
respeito ao caráter laico do Estado Democráti- a presente investigação identificou um posicio-
co Brasileiro. Em outras palavras, cada pessoa namento crítico por parte da maioria dos/as pro-
tem o direito legítimo de viver de acordo com fessores/as em relação às diversas formas de pre-
as suas crenças religiosas e expressá-las na sua conceito. Por exemplo, entre os/as professores/
vida cotidiana. Contudo, as instituições – espe- as que participaram da 2a etapa da investigação,
cialmente as instituições públicas, incluindo as todos/as acreditam que a escola deve comba-
escolas – não devem fomentar práticas discri- ter os preconceitos. Diante de concepções pre-
minatórias, quaisquer que sejam, baseadas em conceituosas e atitudes discriminatórias contra
princípios religiosos (Caputo, 2008; Madureira aqueles/as que são, ou que são considerados/as,
& Branco, 2012b). Garantir que as práticas co- homossexuais, a estratégia utilizada pela maioria
tidianas no interior das instituições públicas se- é discutir com os/as alunos/as a importância do
jam realmente orientadas pelo caráter laico do respeito às diferenças individuais e a importância
Estado Democrático Brasileiro é um sério desa- do combate às diversas formas de preconceito.
fio a ser enfrentado. Afinal, a homofobia não diz Todavia, de um modo geral, os/as professores/
respeito ‘apenas a uma minoria’. Trata-se de um as não discutem com os/as alunos/as a questão
problema de toda sociedade democrática. Como específica do preconceito contra as pessoas que
afirma Borrillo (2009), apresentam orientações afetivo-sexuais distintas
A homofobia constitui uma ameaça aos va- da heterossexualidade (homofobia).
lores democráticos de compreensão e res- Segundo a percepção dos/as professores/as,
peito pelo outro, pois promove a desigual- as alunas são mais “diplomáticas” e “maleáveis”
dade entre os indivíduos em função de seus em relação a esta questão, ou seja, a homofobia é
desejos, encoraja a rigidez dos gêneros e mais explícita e apresenta raízes mais profundas
favorece a hostilidade ao outro. . . Na ver- entre os alunos (Castro et al., 2004). Alguns/mas
dade, a homofobia é não só uma violência professores/as mencionaram, inclusive, casos de
contra os homossexuais, mas igualmente alunos que associam a ideia de punição física
uma agressão aos valores fundadores da de- com a ideia de ‘cura’ da homossexualidade: “ba-
mocracia. (p. 43) ter para curar”. Segundo eles/as, os alunos tra-
Por mais complexa que seja essa questão, zem, muitas vezes, esta concepção de casa, pois
ainda mais em um país onde as fronteiras entre ouviram do pai afirmações desta natureza.
o público e o privado são frequentemente trans- A questão do respeito à diversidade sexual e
postas (DaMatta, 1987), devemos enfrentar o de gênero é, certamente, uma temática complexa
desafio envolvido na construção deste delicado que envolve questões polêmicas, preconceitos
equilíbrio, conforme mencionado anteriormente. seculares, afetivamente arraigados. Se, por um
Afinal, este é um desafio de suma importância lado, há uma série de avanços significativos no
no que tange à construção de ‘pontes’ que via- mundo contemporâneo em prol dos direitos hu-
bilizem a implementação, nas salas de aula, das manos da população LGBTTT (Lésbicas, Gays,
diretrizes previstas nas políticas públicas bra- Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêne-
sileiras atuais na área de gênero e sexualidade. ros). No Brasil, podemos citar como exemplos
Além disso, é um passo fundamental na constru- nessa direção: a elaboração do Programa Brasil
Gênero, Sexualidade e Diversidade na Escola a partir da Perspectiva de Professores/as 589

sem Homofobia: Programa de Combate à Vio- Apesar da lacuna existente na formação de


lência e à Discriminação contra GLTB e de Pro- professores/as na área de gênero, sexualidade e
moção da Cidadania Homossexual (Conselho diversidade, identificamos na pesquisa o dese-
Nacional de Combate à Discriminação & Mi- jo, por parte da maioria dos/as participantes,
nistério da Saúde, 2004), que busca articular as de capacitação na área, de contribuição com o
ações de diversos Ministérios no combate à ho- combate às diversas formas de preconceito, de
mofobia, bem como o reconhecimento jurídico promoção do respeito à diversidade, seja pela
das uniões homoafetivas por parte do Supremo ênfase no respeito às diferenças individuais,
Tribunal Federal em 2011. seja pelo reconhecimento de que somos todos/
Por outro lado, até mesmo com uma reação as seres humanos. Tal reconhecimento, nas rela-
a este avanço, há tenazes resistências por parte ções interpessoais, é o primeiro passo na cons-
de diversos grupos conservadores, no Brasil e trução de vínculos empáticos. Nesse sentido, a
em outros países, que sentem este avanço como empatia, em termos metafóricos, pode funcionar
uma ameaça à ordem social, jurídica, política e como um ‘antídoto’ contra a intolerância e à dis-
moral (Fone, 2000). A sociedade é um terreno criminação.
político perpassado pela tensão entre a manuten- É necessário, portanto, investirmos na am-
ção do status quo e a promoção de mudanças. pliação dos espaços institucionais e relacionais
A escola – enquanto instituição social que cum- destinados a trabalhar as emoções, crenças e
pre um papel estratégico na formação das novas valores no sentido da consolidação de práticas
gerações na contemporaneidade – é perpassada, reflexivas em sintonia com a construção de uma
também, por esta tensão. cultura democrática de valorização da diversida-
de no contexto escolar.
Conclusão Ao longo da pesquisa, verificou-se a im-
portância do estabelecimento de uma parceria
A psicologia sociocultural, ao enfatizar a entre pesquisadores/as e professores/as do En-
importância dos contextos culturais no estudo do sino Fundamental. Ambos/as têm muito a ga-
desenvolvimento humano, procura estabelecer nhar com a construção de um ‘espaço dialógi-
‘pontes’ também com outros campos de inves- co’, marcado pela cooperação. Em um sentido
tigação científica, para além da ciência psico- mais amplo, tanto a universidade como a escola
lógica, mediante o estabelecimento de diálogos podem se beneficiar com o estabelecimento de
interdisciplinares. Tais diálogos são primordiais, uma parceria mais próxima e consistente. Nesse
considerando a natureza multifacetada dos pre- sentido, a consolidação da parceria entre univer-
conceitos e das práticas discriminatórias. Cabe sidade e escola é um passo importante na direção
destacar que, além dos pressupostos teóricos que “de tornar a escola um espaço democrático de
estão na base e nas entrelinhas da pesquisa rea- desenvolvimento humano . . .” (Guzzo, 2003, p.
lizada, a mesma foi orientada também por um 35). Um espaço democrático de desenvolvimen-
compromisso ético: o conhecimento produzi- to para todos/as que fazem parte da comunidade
do nas pesquisas acadêmicas deve, em alguma escolar.
medida, contribuir na concretização de uma so- É de suma importância explicitar e comba-
ciedade justa e democrática. Portanto, o conhe- ter os mecanismos excludentes que se fazem pre-
cimento deve ser instrumento de denúncia das sentes, muitas vezes de forma sutil, no interior
concepções preconceituosas e das práticas dis- do espaço escolar. A partir da consciência em
criminatórias que estigmatizam e excluem certos relação a tais mecanismos será possível, então,
grupos sociais, enquanto conferem uma posição delinearmos diversas estratégias de intervenção.
de superioridade e pretensa ‘normalidade’ a ou- Para trabalhar questões relativas à sexualidade
tros grupos que ocupam posições hegemônicas no contexto escolar, cabe retomar algumas das
na sociedade (em termos de classe social, gêne- sugestões apresentadas pelos/as participantes da
ro, orientação sexual, etnia, etc.). pesquisa realizada, como, por exemplo: desen-
590 Madureira, A. F. A., Branco, A. U.

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Mediação. Aceite final: 17/07/2014
Porta
Aberta

Sexualidade e Educação Física escolar nos periódicos brasileiros


(1979-2018)

RESUMO Marcio Henrique Scotelano Evangelista


Este estudo tem como objetivo identificar, Bacharel e Licenciado em Educação Física
compreender e problematizar os significados Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
atribuídos pela produção de conhecimento em Faculdade de Educação Física e Desportos
Educação Física em relação às discussões sobre Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
sexualidade no contexto escolar através de marcio.scotelano@hotmail.com
periódicos brasileiros específicos da Educação https://orcid.org/0000-0002-4562-7742
Física. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa
de abordagem quanti-qualitativa, sustentada teórica e Bruna Pinho Machado
analiticamente em referências das teorias pós- Bacharela e Licenciada em Educação Física
críticas. Nos 13 periódicos investigados, foram Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
encontradas 04 publicações enfocando a relação Faculdade de Educação Física e Desportos
gênero/sexualidade e 03 publicações específicas Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
sobre sexualidade, que foram descritas e analisadas brunet_jf@hotmail.com
ao longo deste estudo. Esses dados corroboram a https://orcid.org/0000-0003-1742-454X
necessidade de haver mais estudos e publicações
acerca das questões sobre sexualidade no âmbito Neil Franco
escolar que possam contribuir na formação de Doutor em Educação
professores/as de Educação Física e suas práticas Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
pedagógicas, afim de, sobretudo, incentivar o Faculdade de Educação Física e Desportos
conhecimento e respeito à pluralidade. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
neilfranco010@hotmail.com
PALAVRAS CHAVES: Sexualidade; Educação https://orcid.org/0000-0002-1276-8901
física escolar; Estado da arte

Motrivivência, (Florianópolis), v. 32, n. 62, p. 01-21, abril/junho, 2020. Universidade Federal de Santa Catarina.
ISSN 2175-8042. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e67534
Sexuality and school Physical Education in brazilian journals (1979-2018)

ABSTRACT
This study aims to identify, understand and problematize the meanings attributed by the production
of knowledge in Physical Education in relation to discussions about sexuality in the school context
through specific Brazilian Physical Education journals. Methodologically, this is a quantitative-
qualitative research that is theoretically and analytically supported by references to post-critical
theories. In the 13 journals investigated there were 04 publications focusing on gender/sexuality and
03 specific publications on sexuality, which were described and analyzed throughout the study.
These data corroborate with the need for more studies and publications about the issues of sexuality
in the school environment that may contribute to the formation of Physical Education teachers and
their pedagogical practices, in order to, above all, encourage respect for plurality.

KEYWORDS: Sexuality; School physical education; State of the art

Sexualidad y Educación Física escolar en los periódicos brasileños (1979-2018)

RESUMEN
Este estudio objetiva identificar, comprender y problematizar los significados direccionados a la
producción del conocimiento en Educación Física acerca de las discusiones sobre la sexualidad en
el contexto de la educación en educación por medio de las publicaciones en periódicos brasileños.
La metodología trata-sede una investigación quanti-qualitativa, cujas analices fueran sustentadas en
referenciales de las teorías póst-críticas. De los trece periódicos investigados, 04 publicaciones
discutían la relación entre género/sexualidad y 03 enfocaban específicamente la sexualidad. Estos
estudios fueran descritos y analizados y corroboran la necesidad de seguir estudios y publicaciones
sobre las cuestiones de la sexualidad en el contexto escolar que puedan contribuir a la formación de
los profesores de educación física y sus prácticas pedagógicas, a fin de, sobre todo, de ampliar el
conocimiento y respeto a la pluralidad.

PALABRAS CLAVES: Sexualidad; Educación física escolar; Estado del arte

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo identificar, compreender e problematizar os significados


atribuídos pela produção de conhecimento em Educação Física (EF) em relação às discussões sobre
sexualidade no contexto escolar através de periódicos brasileiros específicos da EF.
Uma vez que não possui características enraizadas e definitivas, a sexualidade deve ser
tratada de forma social e política, atentando as suas modificações e construções (LOURO, 2000).
Associado a este processo, outros temas destacam-se no vasto campo de discussões que circundam
essa temática, tais como as questões de gênero, de padrões de fertilidade, controle de natalidade e
aborto, gravidez precoce, Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) como a AIDS, assim como a
constituição de diferentes formatos familiares.
Jeffrey Weeks (2000) informa que antes do século XX, o sexo não poderia servir como
forma exclusiva de prazer, pois as atividades sexuais que não fossem de caráter procriativo eram
tidas como pecaminosas. Nessa mesma vertente, a monogamia, o casamento, dentre outros fatores
ligados à sexualidade ganharam vários desdobramentos. Isso porque as mudanças na sexualidade não
podem ser dadas como um resultado de uma evolução ou fenômeno natural, mas sim, são resultados
das relações de poder. As influências da religião, do Estado, da medicina, psicologia, das instituições
educacionais, de grupos feministas, da sociedade patriarcal e machista, de classes sociais, trazem o
contexto da sexualidade para o lado que mais lhes convém, como comportamentos aceitáveis ou não,
e isso evidencia como as lutas de poder interferem também nesse assunto. Assim, a sexualidade não
diz sobre nós mesmos e sobre nossos corpos exclusivamente, ela diz mais sobre os discursos de
verdade de nossa cultura, de modo que podemos compreender sexualidade como:

[...] o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea
que se aprende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a
estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a
formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências,
encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e poder
(FOUCAULT, 1988, p.100).

Nessa perspectiva, estudos mostram e justificam a sexualidade como uma construção social
e histórica, tendo o corpo como objeto principal. Para, além disso, a sexualidade pode ser considerada
um dos fatores determinantes na construção da identidade e personalidade (WEEKS, 2000).
Guacira Louro (2000) aponta que a sociedade se estrutura através divisões de grupos e
sujeitos pautados em seu genro, raça, etnia, manifestação da sexualidade, geração, dentre outras, e
atribui juízo de valor a cada um desses grupos e sujeitos fazendo com que muitos deles sejam
subordinados, marginalizados, renegados e discriminados em detrimento de outros. Podemos

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exemplificar tais esquemas de subordinação a partir da noção de “superioridade” referente aos
homens brancos heterossexuais aos olhares da população em geral quando comparados às mulheres,
aos gays, negros/as, entre outros. Como resultado desses processos, a sexualidade foi e ainda é
historicamente enfatizada a partir do gênero masculino, tanto com relação às escolhas vocabulares e
discursos instituídos, quanto no que se refere à frequente submissão da sexualidade feminina perante
a masculina e as formas como nossa sociedade celebra a heterossexualidade e discrimina a
homossexualidade. Precisamos, portanto, compreender os sujeitos nas suas diferentes e diversas
formas de ser, viver e expressar seu gênero e sexualidade.
No intuito de compreender os sujeitos, Louro (2000) defende que a escola não deve ter a
responsabilidade e a obrigatoriedade de explicar as identidades sociais1, muito menos de determiná-
las. Porém, acredita que a escola não deveria omitir-se ou esquivar a atenção sobre a sexualidade.
Louro (2012) aponta a escola como um ambiente de grande pluralidade, onde tornam-se evidentes
as diferenças, as distinções e as desigualdades. O modo com que os/as alunos/as se colocam como
sujeitos vai se diferenciando e sofrendo forte influência do ambiente em sua constituição. Essa
situação vai sendo forjada como natural, o que acaba nos impedindo de perceber as distintas
maneiras através das quais os sujeitos se movimentam, circulam e se agrupam. Com isso, Louro
(2001, p.61) enfatiza que: “Gestos, movimentos e sentidos são produzidos no ambiente escolar e
incorporados por meninos e meninas, tornam-se parte de seus corpos.” Os sujeitos, portanto, se
envolvem e são envolvidos nessa aprendizagem e, a partir disso, respondem-nas, recusam-nas ou as
assumem por inteiro.
Sobre as práticas escolares, Louro (1997, 2012) explicita que em algumas disciplinas gênero
e sexualidade não são temas abordados, enquanto que, em outras, como é o caso da EF (que é o
objeto de nosso estudo), essa discussão encontra um espaço aberto para tal. Isso nos faz
compreender a EF escolar como uma disciplina importante para o desenvolvimento e a discussão
sobre sexualidade, visto que pode combater ou corroborar discursos e práticas sexistas. Pode-se
afirmar que não apenas a escola, mas suas práticas pedagógicas tecnologias e currículos são meios
capazes de interferir positiva ou negativamente na constituição dos sujeitos e de suas culturas.
Dentro dessa problemática, Daniela Auad e Luciano Corsino (2017) destacam que a
separação de meninos e meninas nas aulas de EF é prejudicial para o aprendizado e
desenvolvimento motor, pois a partir do momento em que um/a professor/a divide sua aula, como
por exemplo, em 20 minutos para os meninos jogarem futebol e mais 20 minutos para as meninas

1
De acordo com Louro (2000), as identidades sociais são entendidas como identidades de classes, raças, sexualidades,
gêneros, nacionalidade, entre outras, que são moldadas de acordo com a cultura e a história, contudo, nunca se
manifestando de forma isolada, mas sim, em relação.

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jogarem voleibol ou queimada, além de não estar trabalhando a coletividade e a integração, essa
prática está indo na contramão da recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que
recomendam que as aulas sejam mistas, oportunizando a compreensão e o respeito às diferenças
(BRASIL, 2000).
Atualizando essas discussões no campo das normativas oficiais voltadas para a educação,
com relação à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mais especificamente dentro da
disciplina de EF, foi identificado dentro das construções de valores que se deve ter uma sociedade
democrática discutida e aprendida dentro das práticas corporais. Nesse sentido, temos que a BNCC
se concentra mais especificamente na construção de valores relativos ao respeito às diferenças e no
combate aos preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2018). Dito isso, a BNCC não referencia
a temática da sexualidade, exceto ao dizer que:

Nos anos finais, são abordados também temas relacionados à reprodução e à


sexualidade humana, assuntos de grande interesse e relevância social nessa
faixa etária, assim como são relevantes, também, o conhecimento das
condições de saúde, do saneamento básico, da qualidade do ar e das condições
nutricionais da população brasileira (BRASIL, 2018, p.327).

Se na década de 1990 identificamos certo avanço no campo legal ao situar gênero e


sexualidade como conteúdos a serem discutidos na educação básica por todas as áreas do
conhecimento, com destaque especial para o PCN – volume 10, Orientação sexual, a segunda
década do século XXI ressalta um retrocesso, desconsiderando diversos avanços teóricos que tem
discutido sobre essas temáticas e suas relações com a escola mesmo anterior à criação dos PCN.
Assim, a BNCC retoma como foco das discussões nas escolas a questão da reprodução, o que
remete a sexualidade ao campo das ciências da saúde e como uma questão relativa ao universo
privado (família). Desconsidera-se décadas de investimentos teóricos que apontam que a
sexualidade ultrapassa os limites da biologia, sendo, paralelamente, uma construção histórica, social
e cultural.
Tal processo é descrito por diversos/as autores/as da área da EF, como, por exemplo, Helena
Altman (2015, p.24) ao realizar um estudo que objetivou observar as relações de gênero nas aulas
de EF. Ressalta o equívoco em pensar o corpo a partir de leis unicamente fisiológicas, com isso: “O
corpo e as relações de gênero são socialmente produzidos também dentro dos currículos escolares.”
Através deste estudo, a autora pôde observar que houve uma quebra na hegemonia masculina nos
esportes, desencadeando uma emancipação feminina a partir do século XX, que causou um impacto
nas dinâmicas das aulas de EF até hoje, já que a prática de esportes por mulheres era vista de forma

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negativa, capaz de machucar, masculinizar ou comprometer as funções reprodutivas dessas
mulheres.
Partindo dessas considerações, este estudo problematiza os significados atribuídos pela
produção de conhecimento em EF em relação às discussões sobre sexualidade no contexto escolar,
através de periódicos brasileiros específicos dessa área.
Enfocando um estudo bibliográfico sobre gênero, sexualidade e EF escolar, Glenda Sabatel
et al. (2016) investigaram artigos levantados a partir das plataformas Lilacs e Scielo, no período de
2004 a 2014. Além de evidenciarem uma maior relação entre as categorias gênero e EF, ressaltaram
a escassez de estudos sobre essa dimensão. Evidenciou-se também o pouco investimento
investigativo que pudesse oferecer dados mais concretos sobre a relação sexualidade e EF escolar;
tal categoria, como descrito por Sabatel et al. (2016), parece insurgir como tema coadjuvante às
questões de gênero. Nessa perspectiva, Priscila Dorneles (2013), por exemplo, discute as formas de
normatização do gênero na EF escolar, com ênfase na recusa de corpos escolares que se aproximam
de vivências identificadas como a homossexualidade, e que, portanto, confrontam a hegemonia do
masculino como forma de manifestação de força, virilidade e agressividade.
Parte-se do pressuposto de que as pesquisas acadêmicas que destacam a relação EF e
sexualidade têm convergido no sentido de comentar sobre os processos de exclusão social e
cultural. Neste sentido, ao construir um panorama amplo sobre esses estudos, verifica-se a
possibilidade de ampliação dessas constatações através do mapeamento detalhado em relação ao
contexto escolar, evidenciando os temas da cultura corporal (esportes, jogos e brincadeiras, lutas,
danças e ginásticas); formas de investigação e metodologia; e, as proximidades e divergências entre
discussões e resultados descritos nas investigações. Tal mapeamento consta da presente pesquisa.
Com isso, essa pesquisa torna-se significativa para a área da EF ao propor a construção de
um inventário sobre a temática em questão, abrangendo um período de quase quatro décadas,
envolvendo periódicos da área de EF. Tal recorte se justifica pelo fato de a Revista Brasileira de
Ciências do Esporte (RBCE) ter editado sua primeira publicação em 1979 e, da mesma forma, a
Revista Motrivivência, em 1988.
Outro aspecto importante a ressaltar é que nos estudos bibliográficos encontrados nessa fase
preliminar da investigação, os recortes temporais se situam entre 10 e 15 anos, dentre os quais
destacam-se a pesquisa de Alexandre Van-Vianna, Diego Moura e Ludmila Mourão (2010) e
Sabatel et al. (2016). Destaca-se, entretanto, que somente o segundo estudo teve como foco
periódicos científicos. Neste sentido, acredita-se que essa investigação seja de grande
representatividade para outros/as pesquisadores/as que possam se interessar por essa área de
conhecimento.

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Apresentadas as considerações iniciais sobre o estudo, na sequência, introduzimos a
metodologia, resultados e discussões, conclusões e referências.

METODOLOGIA

Fundamentada numa “metodologia de caráter inventariante e descritivo”, assim como


descrito por Norma Ferreira (2002), a pesquisa é de abordagem quanti-qualitativa e com o intuito de
realizar um “estado da arte” sobre os significados atribuídos pela produção de conhecimento sobre
EF escolar em relação às discussões sobre sexualidade; portanto, de caráter bibliográfico,
assumindo o desafio de mapear e discutir acerca de produções acadêmicas, com o intuito de
responder sobre que aspectos e dimensões, épocas e lugares, formas e condições se constituem esses
campos e, assim, dedicar-se à análise de variadas fontes, tais como: dissertações, teses, publicações
em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários.
O estudo organiza-se metodologicamente em três etapas: uma de coletas de dados e duas
correspondentes às análises do material levantado. Na etapa de coleta de dados, pretendeu-se
identificar periódicos brasileiros da área de EF, com ênfase na dimensão escolar e não escolar, com
destaque para os temas da cultura corporal, que disponibilizem suas edições em formato eletrônico.
O fácil acesso e visibilidade dessas fontes investigativas justifica sua escolha como principal corpus
da pesquisa.
Investigamos 13 periódicos desde suas primeiras edições na busca de identificar estudos que
priorizavam as questões de gênero e sexualidade: Arquivos em Movimento, Caderno de Educação
Física e Esporte, Caderno de Formação RBCE, Conexões, Motrivivência, Motriz, Movimento,
Pensar a prática, RBCE, Revista Brasileira de Ciência e Movimento (RBCM), Revista Brasileira de
Educação Física e Esporte (RBEFE), Revista da Educação Física/UEM e Revista Mackenzie de
Educação Física e Esporte. Foi realizada a leitura dos títulos e resumos das publicações em cada
uma das edições das revistas para a seleção dos estudos. Dessa forma, o recorte temporal da
pesquisa é delimitado entre 1979 a 2018.
Na primeira etapa de análise dos dados, dedicou-se à leitura e fichamento do material
coletado. Em seguida, realizou-se o levantamento quantitativo das publicações, na tentativa de
elencar o movimento epistemológico de constituição deste campo considerando-se o recorte
específico de nosso estudo: a relação EF escolar e sexualidade. Com isso, priorizou-se o seguinte
trajeto: 1) Resgatar as publicações referentes à relação EF escolar e sexualidade; 2) Identificar o ano
em que essas publicações passaram a integrar o panorama investigativo dos periódicos e possíveis
demarcadores (legais, por exemplo) que justificassem tal inserção; 3) Identificar a correlação entre

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sexualidade e os temas da cultura corporal; 4) Destacar os tipos de abordagens investigativas
utilizadas2; e, 5) Elencar os campos teóricos que subsidiam essas publicações.
Para a análise qualitativa dos dados, segunda etapa, a proposta foi de descrever, identificar,
analisar e problematizar os estudos encontrados sobre sexualidade e EF escolar. Assumiu-se como
referencial teórico-metodológico de análise, as teorias pós-críticas, com destaque para a perspectiva
pós-estruturalista. Nela, ademais dos referenciais de classe social - tão caro às teorias críticas com
forte influência dos estudos marxistas -, a discussão sobre gênero e sexualidade destaca abordagens
que enfocam a centralidade da linguagem como produtora das relações entre corpo, sujeito,
conhecimento e poder, estabelecidas pela cultura (MEYER, 2003; SILVA, 2007).

GÊNERO, SEXUALIDADE E EF NOS PERIÓDICOS BRASILEIROS

De acordo com os dados do gráfico 01, identificamos 275 publicações nos 13


periódicos sobre os temas em questão. Desses, 241 tratam da temática de gênero, 19 sobre
sexualidade e 15 focam gênero e sexualidade correlacionados, sendo o contexto Não Escolar a
dimensão mais evidenciada nessas 03 categorias.

Gráfico 01– Relação de Publicações


200
180 176
160
140
120
100
80 Escolar
65 Não Escolar
60
40
20 16 11
3 4
0
Gênero Sexualidade Gênero e
Sexualidade

Esses dados evidenciam o restrito número de artigos que abordam a questão de sexualidade
na EF, assim como descrito por Ileana Wenetz, Maria Schwengber e Priscila Dornelles (2017). Da
mesma forma, ressaltam, como Sabatel et al. (2016), a prevalência da temática gênero em relação a

2
Pesquisas bibliográficas são aquelas em que os dados e discussões são realizados a partir de outros estudos. No caso
das pesquisas empíricas, evidencia-se a correlação de fontes bibliográficas a outras formas de construção de dados
(entrevistas, questionários, observação, etc).

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sexualidade, sendo esta última, na maioria dos estudos, coadjuvante da primeira. Dos 13 periódicos
analisados, em 06 encontramos estudos sobre EF escolar e sexualidade, sendo 02 na revista
Motrivivência e 01 nos periódicos: Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, Cadernos de
Formação RBCE, Motriz, Revista da Educação Física/UEM e Pensar a Prática.
É notável uma ascensão no número de publicações (ainda que restrito) após o ano de 2008,
marco temporal também verificado no trabalho de Wenetz, Schwengber e Dornelles (2017). Tal
marco parece indicar a influência de medidas oficiais que ressaltam a importância de discussões
sobre gênero e sexualidade no campo educacional de forma mais ampla, dos quais podemos
destacar o Plano Nacional de Direitos Humanos II (BRASIL, 2001) e o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2006).
Não foi identificado enfoque sobre os temas da cultura corporal (ginásticas, jogos e
brincadeiras, lutas e danças), tampuco naqueles em que a sexualidade se correlacionava ao gênero.
Em contrapartida, esses temas, e mais especificamente o conteúdo esportivo, apareceram
significativamente nos trabalhos referentes a EF e gênero.
Observamos pelos referenciais teóricos utilizados nas investigações que o campo das teorias
pós-críticas é evidenciado, fundamentado em vertentes que rompem com visões naturalizantes ou
biologicistas, assim como evidenciado no estudo de Sabatel et al. (2016).Sobre as instituições e
regiões do país relacionadas às investigações destacam-se 04 na região sudeste (01 da Universidade
Nove de Julho, 02 da Universidade Estadual Paulista e 01 da Universidade Cruzeiro do Sul); 01 da
região sul (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); 01 da região centro oeste (Universidade
Católica Dom Bosco); e 01 da região nordeste (Universidade Federal da Bahia), aspecto também
descrito por Sabatel et al. (2016). A relação da área de estudos dos/as pesquisadores/as é
prioritariamente da Educação, seguida pela subárea da EF.

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SEXUALIDADE

Os 07 artigos correspondentes à temática sexualidade e EF escolar foram organizados em 04


categorias, apresentadas no quadro 01, descritas e analisadas em seguida.

Quadro 01 – Categorias do estudo


Categoria Número de artigos
Revisões bibliográficas e narrativas 03
Homossexualidade e formação docente 02
Mídia e prática pedagógica 01
Prática pedagógica e currículo 01
Total 07

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Revisões bibliográficas e narrativas

Na descrição de tipos pesquisas bibliográficas, Edna Rother (2007) as descrevem sob duas
formas de “artigos de revisão”. A revisão sistemática se define por apresentar uma questão
específica, fontes e estratégias de busca de dados explícita, transitando, na maioria das vezes por
abordagens quantitativa e/ou qualitativa. Por outro lado, a revisão narrativa (ou ensaio
bibliográfico) apresenta uma questão ampliada, não especificando as fontes e estratégias de busca
de dados, sustentando-se, em especial, em abordagens qualitativas de investigação. Dentro da
vertente bibliográfica, estabelecendo relações entre gênero, sexualidade e EF escolar, essa primeira
categoria conta com 03 artigos.
Sabatel et al. (2016), através de uma revisão sistemática, realizaram um balanço das
publicações com a temática “gênero e sexualidade na EF escolar” nas bases de dados do LILACS e
Scielo em um período de 2004 e 2014. Com isso, ao se utilizar os descritores “Gênero e/and
Educação física” na base de dados do Scielo e na do LILACS foram encontrados 30 artigos em cada,
sendo 10 com foco no contexto escolar na base de dados do Scielo e 07 na base de dados do
LILACS.
Ao se utilizar os descritores “Gênero e/and Sexualidade”, na base de dados do Scielo foram
encontrados 208 artigos, dos quais 03 versavam sobre o contexto escolar. Na base de dados do
LILACS identificaram 210 artigos, sendo a escola foco de 02 deles. Por fim, ao se utilizar os
descritores “Gênero e/and Sexualidade e/and Educação Física” se evidenciou apenas 01 artigo nas
02 plataformas, sendo ambos na categoria escolar, formando assim um total de 24 publicações, das
quais, apenas 07 tratavam da temática de sexualidade (SABATEL et al., 2016).
Não diferente dos resultados de nosso estudo, Sabatel et al. (2016) evidenciaram um baixo
número de estudos relacionados à sexualidade e EF escolar, assim como a prevalência desses
estudos nas regiões sudeste e sul ressaltam a necessidade de maiores investimentos teóricos nessa
área de estudo com o intuito de potencializar a formação docente na área.
Silvana Goellner (2010) realizou uma revisão narrativa onde, após analisar artigos que
tematizam o gênero, história do corpo e feminismo pró-estruturalista, propõe uma discussão acerca
da pluralidade de corpos, gêneros e sexualidades. Segundo a autora, devemos problematizar
constantemente questões que nos são postas no cotidiano, tal como, o caráter “natural” que é
geralmente atribuído ao corpo, gênero e à sexualidade, já que por conta disso, muitas vezes, atitudes
discriminatórias tornam-se invisíveis. Consequentemente, se essa problematização não ocorrer,
reforçam-se tais ideias, algumas vezes, equivocadas. Desse modo, ela apresenta questões a respeito

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ISSN 2175-8042. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e67534
da educação dos corpos, dos gêneros e das sexualidades para repensarmos, principalmente o
contexto de algumas proposições pedagógicas dentro da escola e, dessa forma, evitar essas atitudes
discriminatórias.
Vagner Prado e Arilda Ribeiro (2010) fornecem em seu trabalho de revisão narrativa
subsídios teóricos e analíticos para que as relações de gênero e sexualidade possam ser
contextualizadas no processo pedagógico, dando ênfase à área de EF, pela dimensão da pedagogia
cultural sobre a cultura corporal e a “aparente” liberdade dos corpos, sendo bastante incitada pelas
adequações de sexo-gênero. Apontam a importância do/a professor/a em reconhecer e trabalhar o
respeito às múltiplas maneiras de vivenciar a sexualidade, combatendo a homofobia, os padrões e
estigmatismos, a favor do enriquecimento das relações sociais, entendendo o corpo como
construção cultural. Dessa forma, buscam conceituar as relações existentes entre gênero e
sexualidade; como elas se fazem presentes e são importantes assuntos a serem abordados pelos/as
professores/as.
Independente da perspectiva de revisão adotada nesses estudos, além de reforçarem o
importante papel do/a professor/a de EF na construção dos sujeitos e suas sexualidades, destacam a
EF como uma área que carece de maiores investimentos teóricos em relação às questões de gênero
e, em especial, sexualidade. Reiteram, ainda, as discussões realizadas na introdução deste estudo
ancoradas em Weeks (2000) e Louro (1997, 2000, 2001, 2012), ressaltando o corpo como a matriz
de diversas contextualizações acerca da diferença e desencadeadora historicamente de
desigualdades sociais e culturais.

Homossexualidade e formação docente

Segundo Maycon Miliorini e Ana Brasil (2018), desde a educação infantil ocorre uma
vigilância sexual a partir do momento em que se determinam cores e brinquedos para cada gênero.
Em contrapartida, no ensino fundamental e médio, há um reconhecimento maior dos/as alunos/as
homossexuais por parte de docentes que entendem a discriminação como uma problemática a ser
combatida. Nesse sentido, ainda que de forma restrita, esses/as professores/as apontam sobre a
relevância de se discutir na escola a temática da sexualidade, mas, a prática pedagógica acaba por
reproduzir a heteronormatividade.
Nessa perspectiva, apresentamos os 02 artigos encontrados que se enquadram nessa
categoria, tendo como foco a homossexualidade e suas interfaces coma formação docente na EF
escolar.

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João Aquino et al. (2008) propuseram uma pesquisa empírica e de abordagem qualitativa
entrevistando 05 sujeitos homoafetivos (18 a 26 anos), 05 heteroafetivos e 05 professores/as de EF
que foram submetidos/as a uma entrevista semiestruturada. Essa pesquisa teve como objetivo
verificar a atuação do/a professor/a de EF diante da questão da homoafetividade em suas aulas e,
ainda, detectar possíveis preconceitos e discriminação em relação a alunos/as homoafetivos/as no
âmbito da EF escolar. A entrevista foi formulada sobre três pontos: 1) participação nas aulas de EF;
2) atitudes preconceituosas; e 3) postura profissional. Sendo 03 questões apresentadas no trabalho:
1) O sentido atribuído à homoafetividade; 2) A presença de homoafetivos/as nas aulas de EF sob a
ótica de docentes e discentes; e, 3) A relação da homoafetividade com atitudes preconceituosas e
discriminatórias.
Algumas questões surgiram das observações em aulas onde estavam presentes alunos/as
homoafetivos/as, tais como: houve algum tipo de ação discriminatória? Em que momento foram
percebidas? Esta discriminação sempre existiu? Terminada a fase de coleta de dados, as entrevistas
foram transcritas para posterior análise mediante o procedimento da Análise do Discurso (AQUINO
et al., 2008).
As respostas inferiram as diferenças de discursos e concepções entre os grupos. Foi
constatado que as questões de homoafetividade não são tratadas nas aulas de EF a não ser quando
surgem situações de conflitos, sendo a discriminação e o preconceito explícito percebidos pelos/as
alunos/as homoafetivos/as e pelos heteroafetivos/as e na fala dos/as docentes, de forma discreta.
Dessa forma, este estudo mostra a necessidade de se discutir, na formação acadêmica dos/as
professores/as de EF, as diferenças que compõem a sociedade, principalmente a homoafetividade,
com o intuito de combater preconceitos, levantando possibilidades de construir uma prática
pedagógica mais democrática, pensando o educar através do movimento também para a diversidade
(AQUINO et al., 2008).
Aline Machado e Roberta Pires (2016) fazem um estudo de caráter exploratório, de
abordagem qualitativa, utilizando de um questionário semiestruturado contendo 08 questões
aplicadas a 06 professores (o trabalho não expõe se são professores de ambos os gêneros) de EF.
Dessa forma, refletem sobre as questões relacionadas acerca da presença de homossexuais nas aulas
de EF do ensino médio, enfatizando como os docentes desenvolvem suas ações pedagógicas para
lidar com tais questões que são cada vez mais aparentes no ambiente escolar.
Assim, o objetivo dessa pesquisa foi de estabelecer reflexões para perceber como a
identidade de gênero implica sobre a sexualidade na perspectiva de professores de EF, tentando
entender como os professores desenvolvem suas ações pedagógicas para lidar com a diversidade
sexual. A escola e, consequentemente, a EF, deve ser um espaço de constituição identitária, porém,

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contrapondo à afirmativa dos professores investigados, foi percebida a ocultação e negação das
questões referentes à homossexualidade e sexualidade, não desenvolvendo propostas pedagógicas
de problematização, mesmo diante de tal necessidade. A maioria dos professores relata deficiência
na abordagem desse tema durante a graduação. Apesar disso, responderam que trabalham com a
diversidade em suas aulas, porém, disseram que ter alunos/as homossexuais não influencia em seu
planejamento, evidenciando a negação das zonas de conflito. Dessa forma, acabam por reforçar a
segregação dos comportamentos já existentes ao tratarem essa temática de maneira invisível e
silenciada, contribuindo para que a escola perca, nesse aspecto, o seu poder transformador
(MACHADO; PIRES, 2016).
Ambos os artigos remetem à presença de alunos/as homossexuais nas aulas de EF e como
os/as docentes propõem suas práticas pedagógicas e reagem a supostas discriminações ocorrentes.
Os estudos concluem que há falta de atenção por parte dos/as professores/as perante essa questão,
fazendo com que discussões importantes sejam negligenciadas.
Em consonância com esses 02 estudos, Vagner Prado (2017) problematiza questões sobre a
homossexualidade nas aulas de EF escolar, recuperando memórias de jovens adultos gays, durante o
período em que cursavam a educação básica. Esse estudo insinua que as práticas em EF, em
diversos momentos, perpetuam a heteronormatividade a partir da seleção e da forma com que são
trabalhados seus conteúdos. Aponta que, nesse caso, o/a professor/a é o mediador/a responsável
pelo afastamento de homossexuais das práticas esportivas, dentro e fora da instituição escolar.
Sendo assim, segundo Prado (2017, p.123):

Ao professor/a de Educação Física cabe problematizar que o afastamento de


determinadas práticas se refere, em muito, aos medos e receios de uma exposição
que possa contribuir para o estigma e rechaço social de estudantes LGBTTI
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Tansexuais e Intersexuais),
vulnerabilizando-os perante o grupo. Atuação docente deve estar preparada para
intervir diante dessas situações, pois obrigar o estudante a participar de
determinada atividade, ou ‘ameaçar’ os discentes com possíveis medidas punitivas
como atribuir notas baixas aos estudantes que não querem realizar determinadas
práticas, em nada contribui para a formação que se pretende participativa. Ao
contrário, pode gerar o afastamento e a construção de experiências negativas para
com as atividades corporais.

Destarte que a EF é a disciplina de maior conflito sobre sexualidade, atribuindo, por


exemplo, a não tolerância das características ditas femininas sobre o masculino. Por conta das
discriminações e preconceitos, ações homofóbicas são as principais responsáveis pelo
distanciamento dos/as homossexuais das práticas corporais. Assim, Prado (2017) também ressalta a
falta de conhecimento dos/as próprios/as professores/as em lidar com essas questões e propõem que

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através de uma boa formação inicial e continuada, docentes possam conhecer e colocar em prática
os princípios legais e diretrizes educativas que orientem suas práticas pedagógicas para a luta contra
a violência e discriminações homofóbicas no ambiente escolar.

Mídia e prática pedagógica

Segundo Rosa Fischer (2002) podemos descrever a relação mídia e prática pedagógica
como aprendizados que constituem os próprios sujeitos, sobre o aspecto de se encaixarem,
aprenderem e pertencerem na cultura em que estão inseridos. Há de se alertar que as lutas de poder
influenciam dando peso, quer seja por resistência, quer seja por reforço, aos processos de pedagogia
midiática. Dentro deste contexto, o artigo que integra esta categoria tem como foco as relações entre
mídia, sexualidade de adolescentes e o trabalho docente na disciplina EF.
Raquel Maia et al. (2006) realizaram um trabalho de caráter empírico, no qual analisaram a
influência da mídia na vida de adolescentes estudantes de uma escola pública de São Paulo. Como
instrumento de construção de dados foi aplicado a esses/as alunos/as (41 adolescentes, com idade
entre 13 e 15 anos) um questionário que buscava indagá-los/as sobre questões relacionadas a sexo,
sexualidade, vestimentas, entre outros.
Como reflexão dos resultados obtidos, foi colocada a importância do/a profissional de EF
para o auxílio da criação de autonomia para esses/as jovens acerca de suas decisões e da reflexão
sobre a influência de imagens distorcidas impostas pela mídia, principalmente em relação a assuntos
referentes à sexualidade, enfatizando, também, a importância de palestras e outros meios que
auxiliem o desenvolvimento do pensamento crítico acerca do tema (MAIA et al., 2006).
Segundo os/as autores/as foi evidenciada uma falta de diálogo com a família e de
informação dentro da escola, tais como, programas de orientação onde se tenha como tema principal
as questões que envolvam a sexualidade, evidenciou-se, também, uma ausência desses/as
adolescentes nessas palestras, quando são ofertadas. Devido a isso, a mídia se mostra como um
agente facilitador para o ensino e aprendizagem nas aulas de EF e, consequentemente, tornam-se
importantes mais estudos que tenham esse tema como foco principal, definindo assim diretrizes
para que os/as professores/as de EF possam desenvolver alguns trabalhos, juntamente com a família
e a escola, fazendo com que se construa uma postura mais crítica sobre o tema sexualidade perante
a sociedade (MAIA et al., 2016).
Referente a essa temática, são abordadas questões diversas e impostos muitos padrões ditos
como “ideais”, “perfeitos” e “normais”. Com isso, a EF se mostra uma disciplina importante para a
discussão e reflexão desses padrões e da interferência midiática, fazendo com que esses sujeitos

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criem autonomia para pensarem esses temas e, no sentido mais amplo, entenderem a escola como
um ambiente de grande pluralidade, onde são evidentes as diferenças, as distinções e as
desigualdades, assim como já dito por Louro (2012).

Prática pedagógica e Currículo

Segundo Francisco Aguiar (2017) o currículo escolar deve ser construído pela sociedade
que é atingida por ele, sendo um documento político e sociocultural, passível de modificações por
conta de a prática pedagógica ser muito complexa e imprevisível. O currículo deve ser construído a
partir de questões de conhecimentos, valores, inovações e outros quesitos que norteiam a prática
pedagógica. Dentro desta discussão, esta categoria conta com 01 artigo que tem como foco as
relações das didáticas docentes e a construção do currículo das aulas de EF.
Ivan Santos e Sara Matthiesen (2012) utilizaram uma metodologia de natureza qualitativa e
do tipo descritiva, através de interpretações e análises de entrevistas realizadas com 05
professores/as de EF, atuantes na educação básica das redes públicas de São Paulo, com titulação
mínima de mestres, vinculados/as a grupos de pesquisa da área e com, no mínimo, 05 anos de
experiência na atuação docente no 8º e 9º ano do ensino fundamental. O objetivo dessa pesquisa foi
investigar como os/as professores/as entrevistados/as compreendiam o papel da orientação sexual
no componente curricular nos anos finais do ensino fundamental, além de, também, propiciar outras
relações sobre a temática em questão.
A entrevista contou com o seguinte roteiro norteador: 1) Você trabalha com o tema
transversal “Orientação Sexual” em suas aulas de EF? 2) Durante suas aulas, você já se deparou
com situações que, a seu ver, estão ligadas à sexualidade? Quais? 3) Como compreende o papel da
EF no trabalho de Orientação Sexual na escola? (SANTOS; MATTHIESEN, 2012).
Para os/as docentes entrevistados/as, a escola tem condições de avançar sobre a
sexualidade, devendo ser tratada por todas as disciplinas curriculares, sendo um tema transversal
intimamente ligado à contextualização do conhecimento com a realidade dos/as alunos/as. Também
é ressaltado que a EF, por ser a área de conhecimento voltada ao corpo (onde se instauram os
preconceitos e estigmas constituídos na sociedade) e por ser esta disciplina caracterizada dentro de
um contexto de diferentes sentimentos e emoções por parte dos/as alunos/as em suas práticas. A EF
foi interpretada pelos sujeitos como a disciplina mais próxima a discussão da orientação sexual
(SANTOS; MATTHIESEN, 2012).
Verificou-se, nas entrevistas, que essa temática é importante por contribuir na formação do
cidadão, concorrendo para a desconstrução de preconceitos e discriminações, bem como acolhendo,

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debatendo, desmistificando e ampliando as informações relacionadas à sexualidade, concluindo,
ainda, que a orientação sexual na escola parece ser, ainda, um grande desafio para todos/as os/as
educadores/as (SANTOS; MATTHIESEN, 2012).
Este aspecto, de certa forma, foi evidenciado em todos os estudos descritos e analisados
neste estudo, confirmando que, apesar de em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/1996
(BRASIL, 1996) incluir a Educação Sexual nas instituições de ensino e os PCN evidenciarem, no
ano seguinte, a orientação sexual como um dos temas transversais a ser tratado
interdisciplinarmente, a prática no chão da escola é um pouco diferente (MACHADO; PIRES,
2016). Como descrito na introdução deste trabalho, as prerrogativas atuais elencadas na BNCC
(BRASIL, 2018) demarcam um retrocesso nessa área, ao invisibilizar as expressões gênero e
sexualidade deste documento oficial da educação.
Tomando como base o princípio da transversalidade proposta pelos PCN, Machado e Pires
(2016) afirmam que é de suma importância que docentes façam um trabalho interdisciplinar no
planejamento e atuação com os/as alunos/as, no entanto, tal prática raramente ocorre nas escolas;
aspecto evidenciado há décadas e em vários estudos da área. Entretanto, ao realizarmos pesquisas
sobre essas temáticas, nossa esperança é de que esses processos de exclusão escolar sejam
minimizados para uma melhor qualidade na prática pedagógica e da garantia de ensino de qualidade
acerca das problemáticas trazidas pela sexualidade e outras temáticas propostas pelo currículo.
Outra questão que identificamos, apesar de não constar nos objetivos do trabalho, é de
que do grupo LGBTTIQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexuais,
Queer, entre outros) houve apenas trabalhos relacionados à homossexualidade, o que pode levantar
indícios, assim como já especificados por outros estudos, que esses sujeitos apresentam dificuldades
de se manterem e concluírem a educação básica e, principalmente, terem acesso ao ensino superior
(CARRARA; RAMOS, 2004).

CONCLUSÕES

Através dos periódicos brasileiros específicos da EF, foram identificados, compreendidos e


problematizados os significados atribuídos pelas produções de conhecimento em EF no que diz
respeito às questões de sexualidade no contexto escolar. Em conclusão, com base nas referências
encontradas e utilizadas nessa pesquisa, valorizamos a EF como uma disciplina curricular
importante para as questões relacionadas à sexualidade.
A EF tem caráter formativo, político e social, abrindo espaço para que as diferenças ganhem
formas. Apresenta ainda, uma relação mais próxima entre professores/as e alunos/as quando

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comparado a outras disciplinas e também é responsável por trabalhar com os conteúdos das culturas
corporais (ginástica, dança, jogos e brincadeiras, lutas e esportes), que são ferramentas e meios de
ensino que estão diretamente ligadas a conformação dos corpos.
Assim, se dá a importância do trato ao corpo para essa disciplina escolar, sendo ele uma
construção cultural, elaborado de diferentes formas pelas conjunturas sociais, éticas, econômicas e
temporais. A EF escolar é reconhecida também por permitir uma “aparente” liberdade dos corpos,
reafirmando ou superando padrões e relações estéticas socialmente estabelecidas. A sexualidade
está diretamente ligada ao corpo, e, portanto, é compreendida como uma junção sobreposta do
biológico, das crenças, ideologias, hábitos de vida, desejos, afetos, manifestações e práticas sexuais,
que são moldados e configurados por aspectos psicológicos, culturais e sociais.
Como vimos nessa pesquisa, a sexualidade, apesar de estar presente e representada de
diferentes maneiras por toda a história da humanidade, ainda é pouco estudada e tratada na escola.
Destacamos como forma de combater essa problemática nas aulas de EF a realização de atividades
ora tidas como masculinas, ora tidas como femininas, de modo com que todos/as os/as alunos/as as
vivenciem e sejam orientados/as a refletir sobre a constituição cultural das práticas corporais e
discriminações. Para isso, acreditamos que a mediação desse conteúdo ou tema transversal, deva ser
tratado de forma voluntária, orientada e sistematizada pelo/a professor/a e, não somente, mas
também, discutida nos momentos em que as situações enganchadas a temática de gênero e
sexualidade possam servir de início a uma nova discussão e interferência como prática pedagógica.
Apontamos que, para haver esse diálogo, professores/as devem ser capacitados/as, terem em sua
formação inicial e continuada, um domínio mínimo acerca desses conhecimentos para tratá-los
didaticamente, não se esquivando nem negligenciando os acontecimentos acerca dessas questões
que ultrapassam as paredes da escola e perpetuam negativamente na sociedade.
Assim sendo, o/a professor/a tem papel fundamental de esclarecimento e de formação dos/as
alunos/as para que sejam agentes transformadores do meio em que estão inseridos, respeitando a
pluralidade e as múltiplas possibilidades de existência, contribuindo para o enriquecimento das
relações sociais e desestabilização das relações de poder.
Tratando-se dessas variadas questões, o presente estudo pretendeu contribuir com o campo
científico de modo a apontar certo descaso ou desinteresse investigativo com relação às discussões
sobre sexualidade na EF escolar. Assim, buscou-se levantar dados e bagagens reflexivas para que
docentes de EF possam refletir sobre suas práticas pedagógicas, sinalizar alguns dos problemas
referentes à sexualidade no contexto social atual em que vivemos e dar brechas a novos
desdobramentos sobre questões expostas nesse trabalho.

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(Org.). Educação física e sexualidade: desafios educacionais. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2017. p.23-49.

NOTAS DE AUTOR

AGRADECIMENTOS
Nossos agradecimentos à equipe de pesquisadores/as do Grupo de Estudos e Pesquisa: Corpo,
Culturas e Diferenças (GPCD) que participaram da etapa de coleta de dados par a pesquisa.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA
Não se aplica.

FINANCIAMENTO
O projeto de pesquisa “Educação Física, gênero e sexualidade: um estado da arte sobre a produção
científica em periódicos brasileiros”, inscrição nº 41934, foi financiado com Bolsa de Iniciação
Científica (BIC) pela Universidade Federal de Juiz de Fora, via edital 01/2017 lançado pela Pró-
Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM


Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA


Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES
Não se aplica.

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ISSN 2175-8042. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e67534
LICENÇA DE USO
Os autores cedem à Motrivivência - ISSN 2175-8042 os direitos exclusivos de primeira
publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons
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terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, desde que para fins não
comerciais, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico desde que
adotem a mesma licença, compartilhar igual. Os autores têm autorização para assumir contratos
adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste
periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou
como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico, desde
que para fins não comerciais e compartilhar com a mesma licença.

PUBLISHER
Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física.
LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos
UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não
representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES
Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

HISTÓRICO
Recebido em: 11 de setembro de 2019.
Aprovado em: 14 de dezembro de 2019.

Motrivivência, (Florianópolis), v. 32, n. 62, p. 01-21, abril/junho, 2020. Universidade Federal de Santa Catarina. 21
ISSN 2175-8042. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e67534
v. 4, n. 3, p. 217-230, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |
Gênero, sexualidade e educação física: formação e prática docente
Gender, sexuality and physical education: teacher training and practice
Género, sexualidad y educación física: formación y práctica docente

MILENA DE BEM ZAVANELLA FREITAS1; OSMAR MOREIRA DE SOUZA JUNIOR2


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, UFSCAR, SÃO CARLOS-SP, BRASIL

RESUMO
A Educação Física escolar é um meio cujas diferenças de gênero emergem de modo hierárquico, da mesma
forma que a sexualidade se torna um problema. A capacidade do(a) docente para intervir sobre atitudes
discriminatórias depende de uma formação que contribua para isso. Considerando a graduação um momento
importante, esse trabalho tem os seguintes objetivos: analisar como o currículo do curso de Licenciatura em
Educação Física de uma universidade pública aborda gênero e sexualidade; analisar de que forma docentes
formados(as) por este currículo identificam seu impacto na atuação profissional. Os dados foram obtidos por
meio do Projeto Pedagógico, das disciplinas e de entrevistas com docentes formados(as) pelo currículo.
Concluímos que a abordagem do curso não é suficiente na preparação de docentes quando o assunto é gênero e
sexualidade. Portanto, são apresentadas sugestões para que conhecimentos obtidos na graduação tenham maior
proximidade com os desafios da educação formal.
Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Formação Profissional. Educação Física Escolar.

ABSTRACT
Physical Education is a way whose gender differences emerge hierarchically, in the same way that sexuality
becomes a problem. The ability of the teacher to intervene on discriminatory attitudes depends on the training
that contributes to this. Considering graduation an important moment, this work has the following objectives: to
analyze how the curriculum of the Physical Education program at a public university addresses gender and
sexuality; analyze how teachers trained by this curriculum identify their impact on professional performance.
The data were obtained through the Pedagogical Project, the subjects and interviews with teachers trained by the
curriculum. We conclude that the course approach is not sufficient in the preparation of teachers when the
subject is gender and sexuality. Therefore, suggestions are made for knowledge obtained in undergraduate
courses to be closer to the challenges of formal education.
Keywords: Gender. Sexuality. Professional Qualification. School Physical Education.

RESUMEN
La educación física escolar es un medio en el cual las diferencias de género surgen jerárquicamente, de la misma
manera que la sexualidad se convierte en un problema. La capacidad del maestro para intervenir en actitudes
discriminatorias depende de la capacitación que contribuya a eso. Considerando la graduación como un
momento importante, este trabajo tiene los siguientes objetivos: analizar cómo el plan de estudios del curso de
Educación Física en una universidad pública aborda el género y la sexualidad; Analizar cómo los maestros
capacitados por este plan de estudios identifican su impacto en el desempeño profesional. Los datos se
obtuvieron a través del Proyecto Pedagógico, las asignaturas y entrevistas con docentes formados por el
currículum. Concluimos que el enfoque del curso no es suficiente en la preparación de los maestros cuando la
temática es género y sexualidad. Por lo tanto, se hacen sugerencias para que el conocimiento obtenido en los
cursos de pregrado se acerque más a los desafíos de la educación formal.
Palabras clave: Género. Sexualidad. Formación Profesional. Educación Física Escolar.

1
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar. E-mail:
debem.milena@gmail.com. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8999-6753.
2
Professor Adjunto no Departamento de Educação Física e Motricidade Humana (DEFMH) da UFSCar,
coordenador e professor do Mestrado Profissional em Educação Física em Rede Nacional (PROEF), polo
UFSCar. E-mail: osmar.ufscar@gmail.com. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2915-5634.

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Milena de Bem Zavanella Freitas; Osmar Moreira de Souza Junior

INTRODUÇÃO

As identidades pessoais são associadas a marcadores sociais como, por exemplo,


classe, raça/etnia, gênero, crença religiosa e são aspectos que constituem os sujeitos.
Stuart Hall (2002) amplia a compreensão da categoria identidade, ao sugerir que toda
identidade é móvel e pode ser redirecionada. De acordo com o autor a utilização do
termo identificação ou da expressão processo identitário confere um significado mais
adequado às representações expressas nas culturas, nos sujeitos e nos espaços.
Hall (2002) sustenta que as identidades não são fixas ou imóveis, não admitindo,
portanto, sua compreensão como entidades dotadas de um caráter de verdades absolutas.
O ser humano é concebido por meio de processos identitários diversos e mutáveis, nos
quais não existe uma maneira única e correta de viver e experienciar o mundo. Portanto,
o gênero e a sexualidade são integrantes das identidades dos sujeitos, são aspectos que
concebem práticas sociais e instituições, assim como também são criados e
reproduzidos por essas instâncias (LOURO, 2003).
Scott (1995) apresenta gênero como uma categoria de caráter social utilizada para
se contrapor ao determinismo biológico vinculado às diferenças percebidas entre os
sexos. O conceito é utilizado como ferramenta política e pedagógica para discutir
desigualdades e relações de poder existentes entre homens e mulheres. As diferenças
entre os sexos nas esferas social e cultural emergem com base em representações
simbólicas que encontram seus lugares em feminilidades e masculinidades que, por sua
vez, são construções que se transformam ao longo da história em cada civilização
(LOURO, 2011).
A sexualidade é um conceito que frequentemente associa-se ao gênero. Em um
discurso normativo automaticamente também é vinculada ao sexo biológico, entretanto
trata-se de outro marcador social que possui o fator social como determinante, dessa
forma possui igualmente a capacidade de transformar-se enquanto maneira de se
relacionar sexualmente (LOURO, 2011).
Considerada assunto pertinente a ser tratado ao nível do indivíduo, do privado,
aparentando não conter dimensões culturais, a sexualidade dificilmente é debatida na
esfera social o que favorece alienar-se de que ela também se constrói por meio dessa
dimensão (LOURO, 2000). De imediato é preciso criar espaços para a problematização
dessas questões a fim de garantir o direito à experimentação e à manifestação do ser que
se é, de modo que as relações superem a normatização e acolha a diversidade.
Meyer (2010) aponta que no campo da educação, ponto de partida sobre o qual se
opera, há um padrão que de tão difundido ao meio é considerado natural aos olhos da
sociedade. Há uma norma que parte da masculinidade branca, heterossexual, de classe
média e judaico-cristã. Em um viés comparativo há também o que é diferente, ao que
chamamos de minorias, porém não são minorias em quantidade, mas por estarem em
condições sociais inferiores. Ao compreender essa organização é importante reafirmar
que as normas e as diferenças são produzidas socialmente e que nós, indivíduos que
convivemos em sociedade, somos responsáveis por essa organização sofrendo com as
imposições ou as reforçando.
Em programas educacionais a inclusão é uma perspectiva frequentemente adotada
com a intenção de garantir a equidade de direitos entre os indivíduos, propondo uma
atenção diferenciada àquelas(es) que por distintas razões sofrem algum tipo de
discriminação. Dessa forma, existem especificidades referentes a cada grupo de pessoas
e suas necessidades que, no escopo da produção de conhecimento e da prática
educacional, nos convida a direcionar o olhar para recortes específicos da inclusão,
como gênero e sexualidade (GOELLNER, 2009).

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Considerando que a graduação é um momento importante para a formação de


professoras(es), esse estudo buscou analisar se o currículo vigente do curso de
Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública paulista apresenta
indicativos sobre abordagens acerca de gênero e sexualidade, assim como analisar de
que forma professoras(es) graduadas(os) por este currículo identificam o impacto da
formação na atuação profissional frente a situações que centralizem o tema gênero e
sexualidade.

PROCESSO METODOLÓGICO

Foi realizada uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório. O primeiro


conjunto de informações foi obtido por meio da análise de documentos que compõem o
currículo do curso de Licenciatura em Educação Física da universidade pública
pesquisada. Primeiramente foi analisado o Projeto Pedagógico que junto com a matriz
curricular de disciplinas embasa toda a estrutura curricular do curso. A intenção é
levantar informações que possam indicar se existe e como se dá a abordagem sobre os
temas sexualidade e gênero.
O outro conjunto de dados foi recolhido por meio de entrevistas semiestruturadas
(NEGRINE, 2013) realizadas com professoras(es) formadas(os) por esse currículo, com
a intenção de coletar informações a respeito do que foi trabalhado com as(os)
professoras(es) ao longo da trajetória da graduação.
Consideramos que as entrevistas permitem, minimamente, verificar como foi
conduzida a abordagem da temática durante a graduação e se houve suporte para que
as(os) profissionais pudessem lidar com o tema. Também foram observados outros
fatores importantes como: qual a disposição e interesse das(os) educadoras(es) em
incorporar a temática em seus planejamentos e aulas ministradas; qual nível de
segurança sentem para desenvolver diálogos e atividades que se relacionem com o tema;
como essas questões estão presentes no cotidiano escolar, entre outras.
A seleção das(os) participantes da pesquisa se originou de uma lista com os
nomes e e-mails das pessoas formadas pelo currículo 3 de licenciatura, solicitada na
secretaria do curso de Educação Física. Foi obtida uma lista contendo o nome de 188
pessoas graduadas e 178 endereços de e-mails fornecidos pela secretária do curso. Após
as tentativas de contatar essas pessoas por e-mail e pela rede social Facebook, foram
recebidas 66 respostas sendo que 39 das pessoas que responderam afirmaram que nunca
haviam trabalhado em escola após a formação; 11 pessoas já haviam atuado, mas
abandonaram por falta de adaptação, interesse ou oportunidade e, por fim, 16 pessoas
responderam afirmando que trabalhavam com Educação Física escolar naquele
momento.
Das 16 pessoas que responderam que atuavam na Educação Física escolar foram
feitas entrevistas com oito delas por meio de encontro presencial ou via rede social
Skype. Quanto às demais pessoas, duas tiveram problemas com o meio eletrônico de
comunicação, quatro estavam indisponíveis no período necessário para realização da
entrevista e duas pararam de responder as mensagens enviadas.
Para a realização das entrevistas foram criadas três questões abrangentes
apresentadas de uma vez, denominadas disparadoras, a fim de estimular a(o)
entrevistada(o) a falar mais livremente e apresentar reflexões pessoais sobre o tema.
Após as respostas obtidas sobre essas primeiras questões, outras cinco mais diretivas

3
A coleta de dados utilizou o currículo vigente no ano de 2016, data em que foi feita a pesquisa original.
Este currículo é utilizado como referência para o curso de licenciatura desde o ano de 2005.

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Milena de Bem Zavanella Freitas; Osmar Moreira de Souza Junior

foram feitas a fim de garantir que as falas contemplassem reflexões específicas sobre o
tema.
Os resultados obtidos foram organizados em quatro tópicos: o currículo do curso
de licenciatura em educação física da universidade; limites e possibilidades na atuação
docente; gênero e sexualidade na formação e seus impactos na intervenção docente;
sugestões para a abordagem da temática gênero e sexualidade no processo de formação.

O CURRÍCULO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNIVERSIDADE

Nessa seção será apresentada uma breve análise do Projeto Pedagógico do Curso
de Licenciatura em Educação Física da universidade (PPCLEF) 4 e das disciplinas
obrigatórias oferecidas pelo departamento do curso para explorar aspectos gerais e
específicos que se relacionam com o propósito do trabalho.
Embora o PPCLEF contemple a temática diversidade social e cultural, as
orientações são tímidas e de forma geral não existe uma elaboração sobre o que se
espera quando se fala de diversidade. O PPCLEF traz como preocupações atuais a
necessidade de se ter uma formação com ênfase tanto no ensino quanto na pesquisa cuja
prática pedagógica esteja constantemente vinculada à construção de conhecimentos.
Também considera o papel do(a) professor(a) como agente social que contribui para a
formação da cidadania de escolares, possibilitando a construção de um pensamento
coletivo para a superação de desigualdades sociais.
Foi possível identificar preocupações quanto à formação que aborde questões
socioculturais, promovendo atitudes baseadas no respeito e acolhimento das diversas
manifestações de identidades, por meio de uma ação pedagógica justa e acessível a
todas(os). Porém é preciso considerar que é necessário tratar essas questões com mais
atenção, pois são diversas as problemáticas sociais que afligem as pessoas não só no
âmbito escolar, mas também na vida, como o racismo, sexismo, machismo, homofobia,
classicismo, entre outras formas de discriminação que muitas vezes culminam em atos
de violência explícita.
Quanto às disciplinas ofertadas pelo departamento do curso, existem 24 que são
obrigatórias para graduandas(os) em licenciatura. Os planos de ensino das disciplinas
estão inseridos no website que maneja trâmites burocráticos de todos os cursos do
campus da universidade. Os elementos presentes nos planos de ensino são basicamente:
equipe, objetivos, carga horária, ementa, tópicos, recursos e referências bibliográficas.
Entre as 24 disciplinas de caráter obrigatório ofertadas pelo departamento do
curso encontra-se o termo gênero em quatro delas e sexualidade em uma disciplina.
Entre as quatro que apresentam gênero, em uma delas o termo aparece na ementa, mas
entre os tópicos, que são os objetivos e os conteúdos organizados em unidades didáticas,
o termo não é mais mencionado. Em duas disciplinas o gênero aparece como ponto
central de um tópico e em uma disciplina a reflexão sobre questões de gênero aparece
como objetivo específico e tem um tópico destinado ao tema. O termo sexualidade está
presente em apenas um plano de ensino entre todas as 24 disciplinas. O termo encontra-
se em um tópico que tem como objetivo caracterizar aspectos gerais de deficiências
intelectuais.
Por meio das orientações adotadas pelo curso de Licenciatura em Educação
Física, compreendemos que existe uma preocupação com a formação de professoras(es)

4
Cabe ressaltar que o documento não será referenciado no texto para preservar o sigilo em relação à
instituição de ensino superior pesquisada, mas o documento é público e está disponível no website da
instituição.

Motricidades: Rev. SPQMH, v. 4, n. 3, p. 217-230, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |


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Gênero, sexualidade e educação física

que tenham uma ação pedagógica para além da transmissão de conhecimentos, que
sejam capazes de articular a atuação docente com a gestão dos acontecimentos nos
meios dessa atuação, somados ao exercício da pesquisa que permite a reflexão sobre a
prática.
Mesmo havendo preocupações apontadas no PPCLEF sobre questões
socioculturais, não há especificações de como deverá ser feito o tratamento frente a
questões de gênero e sexualidade. Consequentemente, também não é apresentada uma
abordagem pedagógica e política específica para o assunto, assim como para outros
temas, deixando inconsistente e indefinida a relação que o curso irá estabelecer com a
temática ao longo da graduação. Da mesma forma, ao analisar os planos de ensino das
disciplinas, não há uma consistência sobre a abordagem do tema de tal maneira que seja
possível reconhecer uma intenção de aprofundar a discussão em um viés
interdisciplinar, como acontece com vários outros temas.
É preciso ressaltar que a falta de referências concretas de políticas e ações
pedagógicas direcionadas para as questões de gênero e sexualidade contribui para o
processo de produção das normatizações e das desigualdades, o que pode chegar a se
reproduzir tanto na formação acadêmica como na atuação docente no espaço escolar.

LIMITES E POSSIBILIDADES NA ATUAÇÃO DOCENTE

Nos dias atuais é comum encontrar educadoras(es) que vivenciam situações


marcadas por provisoriedade, precariedade e incerteza no trabalho realizado. Do mesmo
jeito que é muito difícil negar as sensações de vulnerabilidade e despreparo
experimentadas por essas(es) profissionais ao se depararem com as circunstâncias de
imprevisibilidade do cotidiano escolar (LOURO 2010).
A maior parte dos relatos das(os) entrevistadas(os) indica que nem sempre há um
currículo que as(os) professoras(es) possam se basear para planejar as aulas e quando
ele existe é qualificado como falho ou insuficiente a respeito de gênero e sexualidade.

Não sei se você conhece a apostila do Estado [...] É bem bobo assim, acho
por algumas coisas, umas coisas são legais e outras são bem bobas. Tipo ah,
para terceiro colegial, uma pergunta: boxe é pra menino ou menina? Lavar a
louça… É uma coisa legal, já introduz, mas é muito pouco. [...] Muito pouco
se for pensar numa pessoa que não teve contato, não teve acesso a essa parte
na graduação, fica difícil você tentar trabalhar só o que veio pelo Estado
(Mayara5, professora do Ensino Fundamental – anos finais e do Ensino
Médio).

A professora Mayara é a única entre todas(os) entrevistadas(os) que atua em


escola estadual. Nesse trecho comenta sobre a qualidade do material oferecido pela rede
estadual de ensino e destaca a superficialidade do suporte oferecido pelo material,
principalmente para professoras(es) que não tiveram acesso a esse tipo de conteúdo na
graduação. Com essa fala pontua-se uma breve análise sobre o currículo do Estado a
respeito de gênero e sexualidade.
Uma simples consulta ao currículo do Estado de São Paulo, disponível na
plataforma online da Secretaria de Educação, permite perceber que os tópicos que
introduzem os fundamentos para o ensino da Educação Física, tanto nos anos finais do
Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio e as recomendações feitas para a
abordagem dos conteúdos, abordam com prevalência as dimensões conceituais e
5
Os nomes dos(as) professores(as) entrevistados(as) são todos fictícios, visando preservar a identidade
dos(as) colaboradores(as) da pesquisa.

Motricidades: Rev. SPQMH, v. 4, n. 3, p. 217-230, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |


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Milena de Bem Zavanella Freitas; Osmar Moreira de Souza Junior

procedimentais das práticas corporais 6. Apenas para o Ensino Médio verifica-se a


presença de conteúdos transversais a serem trabalhados na dimensão atitudinal.
Considerando essas informações percebemos que somente o gênero possui espaço,
ainda que de maneira superficial e sem suporte bem definido para que promova
discussões aprofundadas sobre o tema (SÃO PAULO, 2012).
Além disso, alguns(as) entrevistados(as) indicam que a dinâmica do cotidiano
escolar de professoras(es) de Educação Física é outro fator. Entre as dificuldades estão:
tempo e número de aulas destinadas à Educação Física; quantidade de estudantes por
turma; evasão de estudantes; variação das idades dos(as) escolares, entre outras.

Eu tento conversar com eles, eu acho que acaba acontecendo que não sai da
mesma coisa e é muito difícil você parar. Por exemplo, acontecem alguns
problemas, você tem quarenta alunos numa sala, você tá com problema com
dois, aí tem outros dois que estão fazendo outra coisa, enquanto os outros
estão fazendo outra coisa. É uma aula de cinquenta, é de cinquenta ou uma
hora e quarenta que você tem que chegar, fazer chamada, até arrumar todo
mundo, então não dá tempo de fazer muita coisa, muitas vezes não dá tempo
de parar, de conversar com eles. Aí bate o sinal já tem que levar eles para a
sala se não eu tenho problema com outro professor ou com a diretoria. Aí vai
ficar para outra semana, e aí duas aulas por semana é muito pouco, uma coisa
que aconteceu na outra semana e que geralmente eles nem lembram mais e
que eles nem querem discutir, eles não querem falar sobre [...] Aí é uma coisa
que eu acho que falta ainda, tentar pegar, falar sobre com os alunos, tentar
resolver esses problemas. Muitas vezes eu finjo que não aconteceu porque eu
tenho muitas outras coisas para fazer durante a aula, com muitos alunos e não
dá pra parar com dois, três ali. [...] E como é que você pega, ah semana que
vem eu vou tentar resolver, mas na semana aconteceu tanta coisa em tantas
outras escolas, que você acaba deixando passar depois (Mayara, professora
do Ensino Fundamental – anos finais e do Ensino Médio).

A fala de Mayara apresenta inúmeros problemas que refletem na dificuldade da


professora para abordar temas como gênero e sexualidade. Ela não minimiza a
importância dos temas, pelo contrário, afirma que está em falta, porém a soma de tantos
fatores vai na contramão dessa proposta e enfraquece a sua ação.
Entre todos os agravantes que contribuem para dificultar o trabalho das(os)
professoras(es) se sobressaem na fala das(os) entrevistadas(os) impedimentos
associados à insegurança, imprevisibilidade e falta de conhecimento.

O impacto para mim foi o susto de ver como eu não tinha conhecimento para
lidar com aquilo, já tinha ouvido, já tinha visto, principalmente quando tinha
recreação que a gente tem essas idades misturadas. Mas, eu senti uma
deficiência muito grande, para mim foi assustador ver como eu não sabia
(Maria Fernanda, professora do Ensino Infantil e do Projeto Mais Educação).

As dificuldades encontradas durante o ensino podem, por vezes, levar o(a)


professor(a) a desistir e abrir mão de intervir em situações nas quais um posicionamento
crítico é necessário. Evitar os conflitos ou não saber lidar com eles possibilita abrir um
caminho para a intolerância, discriminação e violência, por isso estar preparada(o) para
mediar conflitos existentes se torna um desafio para educadoras(es), assim como superar
as próprias limitações e inseguranças (ALTMANN; AYOUB; AMARAL, 2011).

6
A dimensão conceitual refere-se aos saberes ligados aos fatos, princípios e conceitos (saber sobre,
conhecer); a procedimental aos saberes relacionados às habilidades, destrezas, técnicas, táticas,
procedimentos etc. (saber fazer) e a atitudinal aos saberes do campo das normas, valores e atitudes (saber
ser e se relacionar) (DARIDO, 2005).

Motricidades: Rev. SPQMH, v. 4, n. 3, p. 217-230, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |


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Gênero, sexualidade e educação física

Diante de situações problemáticas, demarcadas pela instabilidade no processo da


ação educativa, para muitas(os) “[...] a opção é assumir os riscos e a precariedade,
admitir os paradoxos, as dúvidas, as contradições e, sem pretender lhes dar uma solução
definitiva, ensaiar, em vez disso, respostas provisórias, múltiplas, localizadas”
(LOURO, 2010, p. 42).

[...] então nesses conteúdos que são considerados mais femininos a gente
acaba aproveitando para fazer essa discussão, ou então quando tem alguma
modalidade ou alguma atividade que é mais... que os meninos sobressaem
principalmente por conta da força e as meninas sempre falam: “ah, mas é
machismo” (Otávio, professor do Ensino Fundamental – anos finais e Ensino
Médio).

Apesar das(os) entrevistadas(os) relatarem que problemáticas sobre gênero e


sexualidade são frequentes em diversas situações do cotidiano escolar, poucos
planejamentos foram estruturados para que o assunto fosse abordado como tema
curricular. Nesses casos, por meio de ações educativas pontuais como, por exemplo,
organização e estruturação da rotina, resoluções de conflitos, entre outras, foram criadas
brechas para desconstruir normatizações principalmente a respeito de gênero.

Então eu fico o tempo todo, assim, quando eu vejo uma situação dessa,
desconstruindo. E você fala assim: “odeio rosa, adoro azul e gente nem por
isso sou um menino”. Então, é muito assim que eu brinco com eles, sabe? Eu
não tive um planejamento para trabalhar específico isso, mas brincadeiras ou
comentários assim é que eu procuro desconstruir um pouco eles (Joana,
professora do Ensino Infantil e do Ensino Fundamental – anos iniciais).

Quanto às estratégias, frequentemente, aparecem nos relatos apontamentos sobre a


organização de aulas de Educação Física em que meninos e meninas fazem aulas mistas.
Todas(os) afirmaram que a coeducação é uma estratégia importante para viabilizar
situações que favoreçam discussões e desconstruções. Dessa forma, na contramão da
tradição que por tempos manteve obrigatória a separação de meninos e meninas nas
aulas, a convivência entre ambos(as) se mostrou positiva na superação de estigmas e
quebra de paradigmas.

Então assim eu nunca dividia por gênero e sempre fazia com que é…
qualquer coisa que fosse estigmatizada que os dois fizessem então, por
exemplo, fazer uma menina correr com um menino, mas uma menina que eu
sabia que ia ganhar de um menino né, então eu fazia na minha cabeça de
propósito para romper isso. Então se eles tivessem isso de que o menino ia
ganhar então eu fazia de propósito, de colocar alguém que eu já sabia que era
mais habilidosa naquilo para ganhar. Eu falo que eu sou professora de
empate, eu sempre vou dar um jeito de empatar (Maria Fernanda, professora
do Ensino Infantil e do Projeto Mais Educação).

Altmann, Ayoub e Amaral (2011) entrevistaram professoras(es) de Educação


Física que também indicam a coeducação como uma estratégia para minimizar as
diferenças entre meninos e meninas. As autoras perceberam que tais experiências
possibilitam desconstruções de certos estigmas como, por exemplo, a suposição de que
meninas não são habilidosas ou capazes de vivenciar jogos ou esportes, ou ainda que
existam atividades específicas para meninos e para meninas. Essa abordagem possibilita
compreender que as potencialidades e as limitações não estão associadas aos gêneros e
aos sexos, mas que se fazem únicas para cada indivíduo de acordo com sua experiência.

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Além da coeducação, outra estratégia muito utilizada pelas(os) professoras(es) foi


o diálogo, tanto para dar início à discussão sobre gênero e/ou sexualidade, como para
resolver conflitos que envolvessem essa temática. Foi comum nos relatos de
professoras(es) que trabalham com os anos iniciais a intenção de desnaturalizar as
normatizações quanto a brinquedos, cores e atividades, por exemplo.

E aí eu dou uma problematizada, pergunto se menino pode brincar de boneca,


aí um ou outro fala: “ah, eu brinco de boneca também”. Aí se alguém ri eu
pergunto por que tá rindo, uma coisa assim né. [...] E tinha essa coisa de
menino e coisa de menina com essas crianças aparecia bastante, aí eu
perguntava o que é coisa de menino, por que é coisa de menino e por que não
é de menina, se não pode ser de menina, se a menina não pode brincar disso e
o por quê? E aí geralmente eles não têm muita resposta mesmo e aí eles
percebem isso e aí que pode fazer alguma diferença né? (Leandro, professor
do Ensino Infantil e do Projeto Mais Educação).

O diálogo se mostrou a principal ferramenta utilizada pelas(os) professoras(es)


para lidar com conflitos e brigas, porém a maneira como foram conduzidos esses
momentos foi diferente para cada educador(a). A estratégia preferencialmente escolhida
foi reunir as pessoas envolvidas, conversar separado da turma e se necessário levar
depois para todo o restante da classe; para outras(os) o melhor a ser feito foi expor de
imediato a situação para toda a turma a fim de que percebam a gravidade do problema;
para a maioria dependeu da situação, pois houve a preocupação com a exposição que
pudesse gerar desconforto.
Outros recursos e estratégias também foram apresentados: utilização de vídeos,
filmes e textos complementares que tratam da temática; promoção de debates nos quais
posições diferentes sobre um mesmo tema são defendidas por meio de argumentos
consistentes; brincadeiras de descobrir e explorar o corpo; diferentes formas de dividir
equipes para os jogos; criação de um quadro de regras de convivência na tentativa de
desenvolver a noção de justiça em que todas(os) são responsáveis pela qualidade da
convivência.
Sousa e Altmann (1999) explicam que a presença e o posicionamento de
professor(as)es são fatores determinantes para o envolvimento das crianças nas
atividades escolares. A intervenção docente exerce fundamental influência na
problematização de discursos dominantes de gênero e sexualidade, combate à
discriminação e à exclusão. Desse modo, o incentivo para que meninos e meninas
vivenciem em conjunto as atividades propostas, em equidade, abre caminhos para a
desconstrução da normatização de atividades, objetos e modos de se comportar, tidos
como masculinos ou femininos.

GÊNERO E SEXUALIDADE NA FORMAÇÃO E SEUS IMPACTOS NA INTERVENÇÃO


DOCENTE

Louro (2003) afirma que as universidades brasileiras em geral possuem poucas


disciplinas ou atividades acadêmicas que se propõem a trabalhar com questões de
gênero e sexualidade nos cursos de pós-graduação e graduação. Quanto ao curso de
Licenciatura em Educação Física da universidade pública pesquisada, um dos
questionamentos feitos às(aos) entrevistadas(os) investiga a maneira como foi percebido
por elas(es) o tratamento dado a esse assunto durante a graduação e, consequentemente,
o impacto sobre a atuação nas escolas.

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Gênero, sexualidade e educação física

As falas que indicam uma influência positiva da relação com o processo de


formação e a atuação como educador(a) vão no sentido de estarem mais atentas(os) ao
tema. Dessa forma podem agir de forma diferente quando comparado à ausência de um
processo de sensibilização. Uma professora entrevistada alegou que o contato com a
universidade favoreceu a transformação de sua percepção, passando de uma visão mais
conservadora para uma compreensão um pouco mais flexível.

Para ser bem sincera, minha mente só abriu mesmo quando eu entrei na
faculdade, que a gente começa a pensar mais nesses assuntos. Então, dando
aula eu pude perceber de ser mais amplo, mais aberto com a questão de
sexualidade das crianças mesmo. [...]. Se você me perguntasse isso antes da
faculdade, eu tenho certeza que não te responderia assim, porque minha
mente ainda era muito fechada, mas eu acho que as disciplinas que a gente
teve sobre gênero e sexualidade me fez pensar assim, diferente, sabe? (Joana,
professora do Ensino Infantil e do Ensino Fundamental – anos iniciais).

Outra professora afirma que a graduação ajudou a ter uma primeira noção do que
seria trabalhar com essas problemáticas durante as aulas e que de certa forma amenizou
as surpresas que esse encontro poderia proporcionar.

A graduação influenciou muito, porque quando eu entrei, eu não tinha muita


noção desse aspecto dentro da sala de aula. Não sabia, tipo, como que
funcionava, como que é tratado a sexualidade dentro da sala de aula. [...] Aí a
graduação me ajudou pra saber que a gente tem que ter essa noção que a
gente tem que trabalhar com isso pra fazer que eles tenham essa noção
também (Mayara, professora do Ensino Fundamental – anos finais e Ensino
Médio).

Entretanto, outras(os) entrevistadas(os) ao refletirem sobre o processo de


formação, as disciplinas e a própria experiência adquirida fora do curso de graduação,
consideram que foi insuficiente o tratamento dado sobre gênero e sexualidade no curso
de Licenciatura em Educação Física referido.

Eu como professora na minha formação, para faixa etária que eu estou


atendendo, não tive suporte. Posso dizer isso com clareza. [...]. Eu não tive
isso relacionado a gênero e sexualidade. Para mim, eu dou aquela travada
monstra, porque eles perguntaram várias coisas pessoais minhas e eu não
sabia como responder para eles (Núbia, professora do Ensino Infantil e do
Ensino Fundamental – anos iniciais).

Também foram relatadas algumas lembranças sobre o que foi trabalhado na


graduação, como discussões, atividades em disciplinas ou fora da grade curricular
obrigatória e destaques do trabalho de docentes:

Acho que inclusive talvez tenha aparecido gênero só nas disciplinas do João 7
mesmo, quando trabalhava a questão das diferenciações dos esportes, dessa
popularidade, como era encarado cada um dos esportes né, e vôlei para as
meninas e futebol pros meninos e aí tendo preconceito quando tem alguma
diferença nisso. [...] Do Cláudio talvez problematizasse algumas coisas, mas
acho que era bem geral assim [...], então não focava muito nisso não, não era
uma problemática. [...] Eu acho que quando se falava de brincadeiras, não sei
se era a Júlia [...], alguma coisa assim, que se defendia que brincassem todas
juntas, todas as crianças juntas, desde o começo pra se conhecerem,
conhecerem as diferenças entre menino e menina e tal, mas não foi alguma

7
Os nomes dos(as) professores(as) universitários(as) foram alterados a fim de preservar suas identidades.

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Milena de Bem Zavanella Freitas; Osmar Moreira de Souza Junior

coisa que me marcou [...] Mas eu acho que na questão infantil, por exemplo,
da educação infantil, mesmo na disciplina [sobre desenvolvimento motor],
acho que fica muito no biológico, genético e coisas assim, eu acho que daria
pra ser mais contextualizado (Leandro, professor do Ensino Infantil e do
Projeto Mais Educação).

Ao observar a fala do professor Leandro notamos um apontamento importante


referente a disciplinas que lidam com o desenvolvimento humano. A abordagem que
sobressai foi feita por meio de uma perspectiva biológica, cuja ênfase é sobre
capacidades e habilidades físicas. Essa associação, tendo fim nela mesma, sugere a
compreensão de que o biológico supostamente seria suficiente para legitimar as
diferenças. Esse fato é significativo para um curso de licenciatura, no qual os
conhecimentos levados para a escola devem estar articulados com a realidade social,
econômica e cultural, por meio de um olhar atento para a multiplicidade de sujeitos e
experiências que convivem em comunidade.
Na fala do entrevistado, ao que se refere às disciplinas obrigatórias, percebe-se
que houve um empenho maior de um professor para abordar gênero e sexualidade no
curso. Fato que também é apontado a seguir por outro entrevistado ao se referir às
disciplinas obrigatórias. Uma delas é do departamento de Educação Física, a outra é
oferecida pelo departamento de Educação, cujos(as) professores(as) não são os mesmos
para todas as turmas disponíveis, ou seja, é possível que a(o) estudante que cursar com
outro(a) professor(a) não tenha contato com o tema.

Foi numa disciplina [...] que na verdade nem é o enfoque da disciplina né?
Acho que não deveria ser, mas foi até interessante o professor trazer essas
discussões dentro dessa disciplina, mas era bem interessante que ele trazia
algumas discussões sobre gênero e sexualidade na escola. E nas disciplinas
do João, que ele gostava também de trabalhar com umas situações problemas,
então simulação nas aulas de seminário. [...] Eu acho que colaborou sim, de
forma ainda que pontual né, em dois momentos nessas disciplinas..., mas a
partir de um esforço individual desses professores (Otávio, professor do
Ensino Fundamental – anos finais e do Ensino Médio).

Metade das disciplinas do currículo que propõem reflexões sobre gênero, foram
ministradas por um único professor e o mesmo é citado pelas(os) entrevistadas(os).
Nenhuma outra disciplina analisada e que possui os termos gênero ou sexualidade no
plano de ensino é mencionada pelas(os) entrevistadas(os).
Também foram mencionadas intervenções pontuais como, por exemplo,
momentos de discussão sobre a temática, atividades práticas, recursos utilizados, ou
seja, estratégias variadas que tiveram algum impacto, sendo por vezes incorporadas na
atuação pedagógica.

Nas duas disciplinas né, com os dois professores que me lembro de ter
trazido essas questões do gênero e sexualidade. Com o da [educação] a gente
ficou mais numa discussão teórica né, com o João ele gostava de trazer isso
para problematizar durante os seminários e durante a aula. Eu acho que isso
eu levei bastante para a aula né, a partir desse exemplo dele de colocar as
situações problemas, de problematizar. A gente acaba levando isso depois
para nossa prática sim. Então é uma forma de trabalhar, de abordar essa
questão nas nossas aulas de Educação Física depois (Otávio, professor do
Ensino Fundamental II e do Ensino Médio).

Outro aspecto que merece destaque na fala das(as) professoras(as) refere-se à


oportunidade de experimentar a docência no período de formação e assim poder se

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Gênero, sexualidade e educação física

aproximar da realidade escolar e aproveitar melhor o que as disciplinas da graduação


tinham a oferecer.

Na verdade, eu acredito que o currículo da universidade, ele poderia


colaborar um pouco mais com a gente nas tomadas de decisão, porque nós
como semiprofissionais dentro da faculdade, nós estamos lidando com o
público da faculdade e lidar com eles não é a mesma coisa de lidar com
crianças. E isso, a única coisa que me trouxe dentro da faculdade foi o
PIBID, então dentro do PIBID eu consegui trazer algumas tomadas de
decisões, não só em relação a gênero e sexualidade, mas em relação a outras
coisas também, que muitas vezes nós não estamos acostumados que não são
os nossos assuntos dentro da faculdade (Marcela, professora do Ensino
Infantil e do Ensino Fundamental – anos iniciais).

Em geral, as(os) entrevistadas(os) relatam que durante o curso de graduação


existiram abordagens sobre o tema gênero e sexualidade em momentos pontuais
entretanto, ao refletirem sobre a prática pedagógica que exercem nos dias atuais, essas
abordagens aparecem como insuficientes, como se estivessem distantes das situações
concretas do cotidiano escolar.

Eu acho que é bem deficiente a formação nessa área, eu não sei se é porque
depois que a gente sai que a gente vai atuar, a gente percebe o quanto falta
para poder trabalhar com isso, mas eu acho que é superficial. É, o que é
superficial é isso, como eu tenho que agir numa situação dessa. [...] Então eu
tento ir desconstruindo essas relações, mas eu acho que isso na formação da
gente, a gente tinha que ter mais específico, entendeu? Que a gente vai no
chute né, eu acho que é isso porque para mim isso é certo, mas se é o
caminho, não sei né? (Maria Fernanda, professora do Ensino Infantil e do
Projeto Mais Educação).

Outro aspecto diz respeito à necessidade de tratamentos específicos de acordo


com o ciclo escolar. No relato a seguir a professora percebe o distanciamento entre a
teoria e prática quanto ao ciclo de ensino com que trabalha, considerando que a
abordagem sobre gênero e sexualidade necessita ter uma atenção diferenciada para cada
fase escolar. Assim reivindica uma atenção mais qualificada, a fim de que se tenha uma
contribuição que reflita com mais consistência na realidade escolar.

Educação infantil e fundamental I foram duas disciplinas que para mim


ficaram muito falhas. [...] E até mesmo discussões relacionadas a esse
mundo, porque criança vai brincar, tá, a gente sabe, mas vai aparecer sim
muita pergunta: de onde que vai vir um bebê?! Que você vai falar para essa
criança, né?! [...]. Então, é uma coisa que para mim ficou bastante falha.
Tinham que ter mais discussões, principalmente nessas idades assim
menores, porque é uma coisa que você tem que trabalhar desde novinho, né?
(Núbia, professora do Ensino Infantil e do Ensino Fundamental – anos
iniciais).

Os apontamentos feitos pelos(as) professores(as) entrevistados(as) permitem


inferir que mesmo havendo o tratamento sobre gênero e sexualidade no curso de
Licenciatura em Educação Física analisado e com algum impacto sobre a prática
docente, essa abordagem não se fez suficiente para lidar com a diversidade dos
acontecimentos da realidade escolar, fato que contribuiu para inseguranças e até mesmo
para o silenciamento em determinadas situações. Nesse sentido, ter um quadro de
disciplinas que não dialogam entre si e de certa forma se distanciam da realidade escolar

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Milena de Bem Zavanella Freitas; Osmar Moreira de Souza Junior

contribui para a afirmação de que a graduação poderia aprimorar a abordagem dada às


questões de gênero e sexualidade no curso de Educação Física.

SUGESTÕES PARA A ABORDAGEM DA TEMÁTICA GÊNERO E SEXUALIDADE NO


PROCESSO DE FORMAÇÃO

Louro (2010) afirma que é importante o preparo de educadoras e educadores para


compreender como se dá a construção dos discursos normativos, os efeitos desses
discursos na vida cotidiana e onde se estabelecem as diferenças. Da mesma forma que
tomar consciência de como as instituições lidam com tais diferenças e quais são os
valores assumidos possibilita apropriar-se de um posicionamento político crítico no ato
de educar.
Sendo assim, quando questionamos como a graduação contribuiu ou poderia
contribuir para a preparação de professoras(es), tendo em vista o desenvolvimento de
conteúdos que trabalhem gênero e sexualidade, algumas sugestões foram apontadas pela
maioria das(os) entrevistadas(os), exceto por uma professora que considerou suficiente
o período de graduação.
Entre as sugestões, foi indicada a incorporação do conteúdo em mais disciplinas,
além das que já trabalham com o tema.

Na disciplina de planejamento né, e eu acho que quando vai, você pensa no


planejamento tem que pensar nas possibilidades e variáveis que tem que
acontecer na aula né. E aí acho que pensar em trabalhar com projetos e temas,
por exemplo, e como planejar dentro disso (Leandro, professor do Ensino
Infantil e do Projeto Mais Educação).

Mais do que associar o tema a um número maior de disciplinas, também foi


sugerido que o ideal seria ter uma disciplina exclusiva sobre a temática.

Eu particularmente acho que deveria ter uma disciplina específica né, não sei
se agora tem né, mas quando eu fiz não tinha. [...] eu acho que a formação
nunca vai dar conta e nem tem como, a gente ia ter que viver na universidade
mesmo, mas uma disciplina disso ia ser bem importante eu acho. Nem que
fosse optativa né, escolha, mas deveria (Maria Fernanda, professora do
Ensino Infantil e do Projeto Mais Educação).

Outra sugestão apontada nas entrevistas foi a possibilidade de ajustar os


conteúdos à prática docente auxiliando, por exemplo, nas estratégias adequadas que
favoreçam a aproximação entre educadoras(es) e educandas(os).

A gente aprende o que é, a gente tem essa noção, mas o que eu tenho
dificuldade é como passar isso para os meus alunos, porque eles não têm a
mesma carga que eu tinha quando eu entrei, quando eu tive a aula. Então
preciso de alguma coisa para eles, para tentar passar para eles de uma forma
mais lúdica, mais legal assim que eles tenham interesse, gostem, gostariam de
discutir e também que eles consigam entender, uma forma que dê para eles
entenderem. Acho que falta um pouco transformar isso em aula, transformar
isso em contexto da realidade deles (Mayara, professora do Ensino
Fundamental – anos finais e Ensino Médio).

Almejando a aproximação da teoria com a prática, outras sugestões foram feitas


como, por exemplo, vivências em estágios ou projetos extracurriculares, diálogos com

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Gênero, sexualidade e educação física

pessoas que atuam ou já atuaram no ensino escolar a fim de discutir sobre os problemas
reais a serem enfrentados e com isso pensar em estratégias de ensino.

Esse vínculo acho que poderia ser um pouco mais trabalhado ou dentro dos
estágios, pensando em alguma coisa, ou mesmo que todos os graduandos
tenham a oportunidade de tá dentro duma escola, visitando um PIBID, dando
uma aula. Que isso faz muita diferença para a gente, depois quando a gente
sai da universidade (Marcela, professora do Ensino Infantil e do Ensino
Fundamental – anos iniciais).

Louro (2010) aponta que, para desestabilizar a norma e avançar a discussão sobre
o que pertence ao centro e ao que é da margem, é preciso dar um passo adiante para o
que vai além do reconhecimento e da aceitação das diferenças e alcançar um estado em
que se questione o porquê determinadas características pessoais são percebidas como
diferentes ou deturpadas e, assim, acabam por legitimar desigualdades. Devemos nos
questionar: qual é o ponto de comparação onde surgem as diferenças? Quais relações
sociais estabelecidas a partir dessas diferenças?
Um curso de licenciatura em Educação Física deve providenciar momentos em
que a discussão e a problematização de preconceitos se faça presente, que seja real e
consistente para que, minimamente, futuros(as) docentes não reforcem estereótipos e
atitudes discriminatórias e, mais que isso, avancem para a reflexão e a transformação da
realidade em conjunto com a comunidade escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que são muitas questões que professores e professoras têm que lidar
para conseguir trabalhar gênero e sexualidade em suas aulas como, por exemplo, a
presença ou ausência de um currículo que dê suporte, a insegurança para abordar certos
temas que geram polêmica e são frequentemente silenciados, entre outras, ficou
evidente após as análises das entrevistas que a graduação se configurou um lugar no
qual as(os) professoras(es) esperavam encontrar suporte para lidar com problemas
correspondentes ao tema.
Quanto ao Projeto Pedagógico é possível concluir que não há indicativos claros
para afirmar que a temática é trabalhada no curso e, quando acontece, não é possível
compreender sob qual perspectiva e intenção está sendo feita. Em relação às disciplinas,
o número daquelas dispostas a trabalhar o tema é baixo e ainda assim nem todas são
citadas como significativas pelas(os) entrevistadas(os).
Quanto à prática educativa dos(as) professores(as) formados(as) por este
currículo, é possível identificar diversas situações do cotidiano escolar em que gênero e
sexualidade estão presentes. Mesmo que não diretamente nos planejamentos, existem
ações pontuais que procuram desnaturalizar normatizações relacionadas ao gênero e dar
suporte a situações que envolvam questões de sexualidade, principalmente em casos
mais delicados.
Na tentativa de superar as dificuldades, professoras e professores apresentam
algumas estratégias. Entre as mais frequentes estão o diálogo e a coeducação, de modo
que são utilizadas principalmente com a intenção de combater a discriminação e
desconstruir normatizações. Além dessas estratégias são citados outros recursos como a
utilização de filmes e aplicação de atividades aprendidas nas disciplinas de graduação.
Deste modo, pode-se concluir que as vivências da graduação geraram algum
impacto sobre a prática pedagógica das(os) professoras(es) entrevistadas(os), fato
confirmado por ações educativas e exposições dos relatos. Entretanto as(os)

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Milena de Bem Zavanella Freitas; Osmar Moreira de Souza Junior

entrevistadas(os) consideraram que a contribuição dada pelo curso de graduação poderia


ter sido mais significativa, de maneira que os conhecimentos adquiridos no curso
pudessem se aproximar mais das situações vivenciadas no cotidiano escolar.
Por último, ficam as sugestões para que gênero e sexualidade sejam conceitos
mais profundamente trabalhados nos cursos de Licenciatura em Educação Física, com a
expectativa de que as insuficiências relatadas possam ser superadas, a partir da
aproximação dos conhecimentos acadêmicos com a prática docente do cotidiano
escolar, do maior número de disciplinas que dialoguem entre si e com a temática e da
criação de uma disciplina para tratar especificamente do tema.

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Acesso em: 21 jul. 2020.

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______
Recebido em: 21 jul. 2020.
Aprovado em: 24 ago. 2020.

Motricidades: Rev. SPQMH, v. 4, n. 3, p. 217-230, set.-dez. 2020 | ISSN 2594-6463 |


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127

Gênero, sexualidade e políticas públicas de educação:


um diálogo com a produção acadêmica
Cláudia Vianna*

Resumo: Este artigo traz resultados de levantamentos da produção acadêmica sobre a


introdução do gênero e da sexualidade nas políticas públicas de educação no Brasil entre
1990 e 2009. O conjunto de obras examinadas concentra 73 títulos. Elas acompanham o
desenvolvimento das políticas públicas de educação, as quais vêm enfatizando o currículo,
e indicam atualmente a construção de uma agenda de políticas voltadas para a diversidade
sexual, com a criação de muitos projetos e programas. A maioria dessa produção, muito
recente e centrada no Sul e no Sudeste, é composta por dissertações, artigos de divulgação
destas e ensaios, com um número reduzido de teses. Por meio da análise desse material
identificaram-se dois movimentos analíticos: o uso do conceito de gênero, sob influência
de Joan Scott, e, nas produções mais recentes, a crítica ao que Judith Butler denomina de
“matriz heterossexual”.

Palavras-chave: educação; gênero; políticas públicas; sexualidade; produção acadêmica.

Gender, sexuality and public educational policies: a dialogue with the


academic production

Abstract: This article brings out the results of data from the academic production about the
introduction of gender and sexuality in the public educational policies in Brazil between
1990 and 2009. The study involved 73 titles.Most of them, recent and produced mainly
in the south and southeast regions of the country, consist of dissertations, articles related
of them and essays, being just a few of them doctoral thesis. They follow the development
of the public educational policies that have been focusing on the curriculum and indicate
nowadays the construction of an agenda of sexual diversity policies through the creation of
many projects and programs. When analyzing the above mentioned material, two analytical
movements were identified: the use of the concept of gender, under the influence of Joan
Scott and, in the most recent productions, the criticism to what Judith Butler calls the
heterosexual matrix.

Key words: education; gender; public policies; sexuality; academic production.

*
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, SP, Brasil. cpvianna@usp.br

Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2 (68), p. 127-143, maio/ago. 2012


128

A análise a que este texto se refere tem como fonte duas investigações1: uma
finalizada em 2009 e outra em andamento. O exame de tal temática partiu da
constatação do avanço da produção acadêmica que relaciona gênero, sexualidade e
educação formal, indicados pela base de dados Win-isis, com 1.213 títulos, entre
1990 e 2006 (Vianna; Carvalho; Schilling; Moreira, 2011).
Ao tomar por base os 1.213 títulos localizados pelo levantamento acima men-
cionado, foram encontrados 38 estudos voltados para a dimensão da incorporação
da sexualidade e do gênero nas políticas educacionais. Foi na investigação mais
recente, já referida, que pude constatar um crescimento fortemente localizado entre
os anos 2007 e 2009. Ou seja, exatamente nesses últimos anos da década, a defesa
e a introdução do gênero e da sexualidade nas políticas públicas de educação no
Brasil passaram a despertar significativo interesse na produção acadêmica.
Há, então, 73 produções acadêmicas dedicadas ao tema (artigos, dissertações de
mestrado ou teses de doutorado), das quais 66 foram produzidas a partir de 2000
e, destas, 36, entre 2007 e 2009. A maioria concentra-se nas regiões sudeste e sul
e é composta por dissertações de mestrado produzidas em universidades públicas.
O número de teses de doutorado é bem menor. No caso dos artigos, muitos re-
produzem temas já tratados, pelos mesmos autores e autoras, nas dissertações ou
teses examinadas; outros se constituem como ensaios.
A produção acadêmica sobre a temática de gênero e sexualidade nas políticas
públicas educacionais ainda é tímida. Os trabalhos começaram a aparecer em 1995,
com acréscimo gradual das produções acadêmicas até 2009. Houve aumento irre-
levante entre os períodos de 1995/1997 (2 artigos e uma dissertação de mestrado)
e 1998/2000 (2 artigos e 2 dissertações de mestrado). As teses de doutorado só
apareceram a partir de 2002. De 2001 a 2003, foi encontrado um incremento na
produção, com 14 documentos (4 artigos, 7 dissertações de mestrado e 3 teses de
doutorado). Ênfase mais acentuada apareceu nos dois últimos triênios2. Entre 2004
e 2006, registrei 16 documentos (8 artigos, 7 dissertações de mestrado e uma tese
de doutorado) e, entre 2007 e 2010, 36 documentos (2 artigos, 27 dissertações
de mestrado e 7 teses de doutorado).

1 Agradeço o apoio do CNPq/PQ, a participação dos bolsistas Liane Rizatto, Karina Valdestilhas e
Marcelo Daniliauskas, Jaqueline Silva e Natália da Cruz, além do auxílio de Maria da Graça Vieira,
diretora da Biblioteca Ana Maria Popovic, da Fundação Carlos Chagas, na busca e na atualização
dos dados.
2 Para estabelecer a cronologia, utilizei como referência os períodos trienais de avaliação dos
Programas de Pós-Graduação definidos pela Capes (1995/1997; 1998/2000; 2001/2003;
2004/2006/ 2007/2009). Neste último triênio foram incluídos um artigo e uma dissertação de
mestrado. O primeiro, apesar de ser publicado em 2010, apresenta resultados de experiência
de formação continuada oferecida pelo Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual (NGDS) no
Paraná em 2009. A segunda se constitui no primeiro trabalho que tem por foco a análise do
processo de implementação do Programa Brasil sem Homofobia.

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As regiões sudeste, com 28 produções (22 dissertações de mestrado e 6 teses de


doutorado), e sul, com 13 (11 dissertações de mestrado e 2 teses de doutorado),
destacam-se na orientação de dissertações e teses em relação às demais: região
nordeste, com 7 (5 dissertações de mestrado e 2 teses de doutorado); região norte,
com 5 (todas elas dissertações de mestrado); e centro-oeste, com 2 (uma dissertação
de mestrado e uma tese de doutorado)3.
Com a leitura integral de 73 resumos e 52 trabalhos, até o momento, noto uma
passagem do sexo ao gênero na produção acadêmica examinada, mostrando que a
área da educação passa a trilhar as pistas oferecidas pelos estudos feministas, que
procuravam minar o poder de um modelo explicativo, calcado na imutabilidade
das diferenças entre homens e mulheres; e recorre, em seguida, ao gênero, para
referir-se à construção social das diferenças entre os sexos ao longo da história.
Outra evidência é a forte influência da produção da historiadora americana
Joan Scott – inicialmente difundida no Brasil por Guacira Lopes Louro (1999,
2003, 2006) –, que deu maior amplitude ao conceito de gênero enquanto uma
categoria analítica capaz de produzir conhecimento histórico. Com ênfase na
perspectiva pós-estruturalista, centra o olhar no controle dos corpos enquanto
um processo social e culturalmente determinado, permeado por formas sutis,
muitas vezes não percebidas na produção das políticas e nas relações estabelecidas
no cotidiano escolar.
Foi também possível identificar um segundo movimento analítico no exame
das produções mais recentes: a reflexão crítica, já no campo da diversidade sexual,
do que Judith Butler (1990, 2009) denomina de “matriz heterossexual”, ou seja, da
imposição da heterossexualidade como padrão.
É evidente que nem o crescimento dessa produção nem os temas por ela
priorizados se dão ao acaso. O contexto de formulação das políticas de educação
e a produção acadêmica influenciam-se mutuamente na construção do que pode

3 Essa produção está localizada nas seguintes universidades: Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (06); PUC-SP (04); Unicamp (03); Universidade de São Paulo (03); Universidade Federal de
Santa Catarina (03); Universidade Federal de Pernambuco (03); Universidade Federal Fluminense
(02); Universidade do Estado do Rio de Janeiro (02); Universidade Federal do Amazonas (02);
Universidade Tuiuti do Paraná (02); Universidade Federal do Paraná (02); Universidade Regional
de Blumenau (01); Unesp-Bauru (01); Unesp-Marília (01); Centro Universitário Moura Lacerda
(01); Universidade do Estado de Santa Catarina (01); Universidade Federal da Bahia (01);
Universidade Federal do Ceará (01); Universidade Federal de Rondônia (01); Universidade
Federal de Alagoas (01); Universidade Federal do Pará (01); Universidade Federal do Espírito
Santo (01); Universidade de Sorocaba (01); Universidade Gama Filho (01); Centro de Pesquisa
Aggeu Magalhães/Fiocruz (01); Universidade Federal de Uberlândia (01); Universidade Católica
de Petrópolis (01); Universidade Nove de Julho (01); Universidade Federal de Goiás (01); Centro
de Pesquisas René Rachou/Fiocruz (01); Universidade de Brasília (01); Universidade Federal
de Minas Gerais (01); Universidade Federal de Juiz de Fora (01); Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais (01).

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caracterizar-se, quem sabe em futuro próximo, como um campo específico da


produção acadêmica educacional.

Sobre o contexto de elaboração das políticas e a reflexão acadêmica


sobre o tema
O exame das políticas públicas de educação, a partir da perspectiva das relações
sociais de gênero, e o contexto no qual elas são produzidas evidenciam um tenso
processo de negociação, que determina a supressão e/ou a concretização de reformas,
planos, projetos, programas e ações implementados – separada ou articuladamente
– pelo Estado e pelos movimentos sociais que pressionam por novas políticas pú-
blicas; pela ocupação de espaços na administração pública; e pelo reconhecimento
de novas formas de desigualdade. Tanto o Estado quanto os movimentos, nas suas
respectivas pluralidades, articulam-se e/ou disputam acirradamente interesses sociais
que se fazem presentes nesse processo. Nessa arena de relações necessariamente
conflituosas e, por vezes, contraditórias, a formulação dessas políticas, bem como
a produção de conhecimento sobre elas, remete à discussão de complexidades.
Os grupos em negociação com o Estado são influenciados por vertentes teó-
ricas e ações coletivas circunscritas, no caso do tema em foco, ao Movimento de
Mulheres e ao Movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros
(LGBTT)4. Este último assume papel protagonista na proposição de vários pro-
jetos e programas federais e estaduais ligados à inclusão da diversidade sexual no
contexto escolar. Também exercem grande influência setores representativos de
forças internacionais, com participação decisiva na vida nacional e na confecção
de linhas de ação para as políticas públicas de educação.
Mais uma significativa presença nesse contexto foi a criação, na Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), do Grupo de
Trabalho “Gênero, Sexualidade e Educação” (GT 23)5, no final de 2003, com a
contribuição de pesquisadoras(es), docentes e estudantes em torno de questões
teóricas e práticas sob essa perspectiva de análise.
A discussão sobre a inclusão da sexualidade no currículo escolar é antiga, mas
o mesmo não se pode dizer da proposição desta temática enquanto norteadora
de políticas públicas federais na área da educação, menos ainda ao relacionar o
tema da sexualidade ao reconhecimento da diversidade sexual. A retomada efe-
tiva dessa questão na área educacional deu-se a partir de 1995, com a pressão de
movimentos de mulheres e com as sucessivas respostas do governo de Fernando

4 O movimento homossexual brasileiro sofreu várias alterações; uma das denominações mais usadas
atualmente pelo movimento é LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros).
5 Após finalizar minha gestão como coordenadora no GT 03 “Movimentos Sociais e Educação” e
voltar de minha estadia na Universidade Autônoma de Madri, passei também a integrar o GT 23.

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Henrique Cardoso aos compromissos internacionais relativos a uma agenda de


gênero e sexualidade.
Foi nesse contexto de forte influência das agências multilaterais, como o Banco
Mundial, a Cepal e a Unesco, que se instaurou, sob coordenação do então Minis-
tério da Educação e da Cultura (MEC), o processo de elaboração do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil e dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) para o Ensino Fundamental como instrumentos de referência para a cons-
trução do currículo, a partir de uma perspectiva de gênero/sexualidade nas políticas
públicas de educação escolar no Brasil, em substituição ao antigo currículo mínimo
comum. A “relação entre educação, políticas públicas, Estado e desigualdades vai
deixando lugar a políticas de inclusão, escola inclusiva, projetos inclusivos, cur-
rículos inclusivos” (Arroyo, 2010, p. 1391). Mas, se existe consenso na defesa de
políticas inclusivas, o mesmo não se instaura “quando se trata de discutir o que
deve ser feito, como deve ser feito, quando deve ser feito, quem está habilitado a
fazer” (Seffner, 2009, p. 127).
Nesse processo, a própria Constituição Federal de 1988 já afirmava a necessidade
e a obrigação de o Estado elaborar parâmetros para orientar as ações educativas.
Responde a essas orientações uma série de documentos, entre eles os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN).
Lançados oficialmente em 1997, os PCN foram distribuídos por todo o ter-
ritório nacional, no início de 1998, pela Secretaria de Educação Fundamental
do MEC e receberam, por parte dos educadores(as) em geral, alguns elogios e
inúmeras críticas.
No âmbito da produção acadêmica sobre a introdução do gênero e da sexualida-
de nas políticas educacionais, há um grupo expressivo de dissertações de mestrado
voltadas especificamente para o exame dos PCN, que destaca seu ineditismo, consi-
derado como um avanço no que diz respeito à “oficialização” do tema da sexualidade
e do gênero no currículo e nas escolas (Altmann, 2001; Andrade, 2004; Assunção;
Teixeira, 2000; Costa, 2001; Fava, 2004; Freitag, 2004; Lira, 2009; Marchi, 2000;
Parré, 2001; Ribeiro, 2009; Silva, 2009; Vianna; Unbehaum, 2004, 2006).
Como ponto positivo também foi apontada a exigência da inclusão da sexu-
alidade como tema transversal nas demais áreas de conhecimento que compõem
o currículo. No entanto, muitas críticas foram observadas nesse processo. Entre
especialistas e pesquisadores(as) da área educacional, lastimava-se, sobretudo, o
caráter centralizador e prescritivo dos Parâmetros, sob forte influência dos orga-
nismos internacionais, com um currículo oculto altamente hierarquizado e sem
ações que pudessem minimizar a formação docente deficitária e a falta de condições
estruturais para que educadoras e educadores pudessem lidar com essa abordagem
nas escolas. Segundo Teresa Cristina Bruno Andrade (2004), os temas transversais
possuem uma metodologia fragmentada. Para ela, o conceito de transversalidade,

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com base teórica inconsistente, também não é capaz de questionar, de fato, a pró-
pria realidade macroestrutural que deveria dar alicerce às discussões e às resoluções
de problemas sociais.
O exame da aplicação das diretrizes curriculares sobre Orientação Sexual con-
tidas nos PCN, a partir de observações do cotidiano escolar e/ou de entrevistas e
questionários aplicados aos docentes de uma determinada escola, também destaca
as dificuldades de introdução do tema da sexualidade na escola, diante da falta de
formação docente inicial e continuada; da precariedade de cursos descentralizados
por parte de profissionais que já passaram por tal formação (multiplicadores); e da
dificuldade pessoal em abordar o tema no cotidiano escolar (Assunção; Teixeira,
2000; Fava, 2004; Lira, 2009; Marchi, 2000; Ribeiro, 2009; Silva, 2009).
Além desses aspectos, os trabalhos realçam a subordinação das temáticas de
gênero e sexualidade ao trinômio corpo/saúde/doença na Orientação Sexual,
entendida como atividade meramente informadora e reguladora. Helena Alt-
mann (2001) e Sandra Helena Gramuglia Parré (2001), por exemplo, reprovam
a concepção de orientação sexual vinculada à visão de sexualidade que perpassa
o documento e entendida como de caráter meramente informativo. Para Altman
(2001, p. 580), a sexualidade é concebida nos parâmetros como um dado da
natureza, como “algo inerente, necessário e fonte de prazer na vida”, como “ne-
cessidade básica” ou “impulsos de desejo vividos no corpo”, algo sobre o que os
sujeitos, principalmente os jovens, precisariam ser informados. Ressalto, então, a
vinculação entre sexualidade, tabus e preconceitos, sem que a Orientação Sexual
proporcione, entre as pessoas que frequentam as instituições escolares, discussões
valiosas sobre as próprias concepções relacionadas às atitudes de cada um na
relação com o outro.
A essa crítica alinham-se as reflexões sobre a polarização entre Orientação Sexual
e as diferentes vertentes ligadas à Educação Sexual (Furlani, 2009). Porém, mesmo
sem a clareza de qual termo ou conceito seria mais apropriado, prevalece a tônica
ressaltada por Cláudia Ribeiro (2010, p. 150): “a Educação Sexual, ao invés de
questionar valores, crenças e costumes, tem servido para adaptações e readaptações
do que foge à normalidade”.
É também objeto de condenação a pouca relevância da temática da diversidade
sexual no contexto de elaboração dos PCN. Ela aparece apenas na introdução ao
documento, na introdução aos temas transversais, e é citada somente uma vez no
volume de Orientação Sexual dos PCN do primeiro ciclo, apenas para enfatizar que
esse assunto deverá ser tratado da 5ª série em diante (Daniliauskas, 2011). Já nos
PCN dedicados ao segundo ciclo, sua menção se dá em um contexto que chama
a atenção para as dificuldades de se tratar de tema tão complexo e controverso.
Assim, é possível afirmar, até este momento, a ênfase na redução da sexualidade
à heterossexualidade e destacar a restrita menção da homossexualidade nos PCN e

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o silenciamento da discriminação sofrida pela população LGBTT. O que prevalece


é a reiteração compulsória da heterossexualidade (Louro, 1999, 2009) e, fora os
esforços de pioneiras(os) na área, são os trabalhos mais recentes os que vão pro-
blematizar essa questão, com destaque para a crítica ao processo de invisibilização
da população LGBTT no cotidiano e na organização escolar.
Saindo do âmbito específico dos PCN, foi possível encontrar trabalhos recen-
tes, já fortemente influenciados por Judith Butler e Michel Foucault, dedicados à
reflexão sobre a presença do discurso sobre a sexualidade nas escolas. Sirlene Mota
Pereira da Silva (2009) faz um estudo sobre a sexualidade da “mulher professora”
e sua influência na prática educativa, ao analisar as representações de professoras
sobre a sexualidade e sobre a educação sexual, destacando como os mecanismos de
controle social e os discursos de verdade influenciam o trabalho docente. Dulcilene
Pereira Jardim (2009) e Elaine Beatriz Ferreira Dulac (2009) analisam os discursos
sobre sexualidade que preponderam nas falas de professoras de diversas disciplinas da
educação básica. Dulac destaca ainda alguns enunciados que compõem os campos
discursivos da educação e da sexualidade, apontados nas entrevistas: a homossexu-
alidade é um tema marginal na escola; é preciso educar para a diversidade e para a
aceitação da diversidade de gênero e sexual; nem todos os professores(as) podem
falar de sexualidade na escola. Na mesma direção, Lindamara da Silva França
(2008) e Santina Célia Bordini (2009) problematizam a concepção de sexualidade
apresentada por professores(as) que atuam em escolas do Ensino Fundamental da
rede pública de Curitiba. Por meio de entrevistas e observações em distintas escolas
e disciplinas, ambas as autoras ressaltam que a maioria docente ainda mantém uma
visão restrita, coerente com a concepção médico-higienista.
Voltado para a identificação não só dos discursos, mas dos principais desa-
fios, convergências e divergências enfrentados por docentes no trabalho com a
educação sexual no âmbito escolar, um grande grupo de trabalhos nos remete às
questões que essa inserção necessariamente envolve (Lira, 2009; Marsiglia, 2009;
Oliveira, 2009; Reis, 2009; Tuckmantel, 2009). As expectativas e os interesses de
professores(as) e alunos(as) em relação ao debate sobre sexualidade no contexto
escolar são múltiplos e, por vezes, contraditórios. Prevalecem as dificuldades em
romper com os padrões tradicionais a respeito das identidades de gênero, mas
também ganham espaço tentativas de ressignificação das concepções docentes para
além da heteronormatividade no trabalho pedagógico.
Além disso, cabe destacar uma importante dimensão conceitual em todos esses
trabalhos mais recentes: a imbricação entre gênero e sexualidade, considerados
conceitos distintos, mas não excludentes. Alguns desses estudos já ampliam a
análise do processo de democratização da educação e suas demandas para a popu-
lação LGBTT, destacando seu caráter heteronormativo, aspecto a ser explorado
no tópico seguinte.

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A diversidade sexual e a formulação de políticas públicas de educação


Ao tratar da introdução do gênero nas políticas públicas de educação, com
especial visibilidade para as demandas em torno da diversidade sexual, é preciso
lembrar a importância da saúde pública. Foi nesse setor que o debate se fez visível
e viável, para depois ser, então, inserido nas demandas realizadas por setores da
sociedade civil à área da educação.
Nos anos 1990 e no início do século XXI, ocorreram mudanças significativas
no panorama dos temas ligados à homossexualidade, ocasionando transformações
no quadro de visibilidade da temática, com a multiplicação de iniciativas no campo
legislativo, da justiça e de extensão de direitos (Silva, 2010). Entretanto, foi no
governo Lula que a diversidade passou a ser reconhecida, a partir da negociação e da
representatividade no governo de diversos atores políticos, como integrantes não só
de programas e projetos, mas da própria organização administrativa, ocasionando
uma modificação no modelo institucional de algumas secretarias, inexistente nos
governos anteriores.
Foram criadas várias secretarias especiais, entre elas: a Secretaria Especial de
Direitos Humanos (SEDH), a Secretaria Especial de Política para Mulheres (SPM),
a Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e a Secretaria
Nacional da Juventude (SNJ). A participação desses atores no próprio governo
somou-se às pressões advindas das Conferências Nacionais, locais de produção e
negociação de agendas políticas que, muitas vezes, resultavam na criação de novas
responsabilidades governamentais e de tentativas de “introdução de diretrizes
respeitosas à diversidade sexual”, referência no campo do currículo; da formação
docente; e das relações estabelecidas no ambiente escolar, com o intuito de propi-
ciar, como afirma Roger Raup Rios (2009, p.78), a “superação de preconceitos e
discriminações já consolidados”.
Sob as injunções desses processos materializa-se a ênfase na inclusão social e
também se organizam novas institucionalidades. No âmbito específico do Minis-
tério da Educação, instituíram-se a Secretaria de Inclusão Educacional (Secrie)
e a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo (Seea). E, com
a fusão destas secretarias, em abril de 2004, origina-se a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad). Iniciou-se, então, a tentativa
de articular as ações de inclusão social com a valorização da diversidade e com o
destaque às demandas até então invisibilizadas e não atendidas efetivamente pelos
sistemas públicos de educação.
A partir da criação da Secad, canalizaram-se para a agenda governamental do
MEC temas e sujeitos que dela estavam excluídos. Com a presença desses setores
nos espaços da administração pública, assistimos à conversão de antigas denúncias
em propostas de políticas públicas federais.

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É essa secretaria que se incumbe de traduzir as propostas de desenvolvimento


de ações no âmbito da educação gestadas em outros programas e planos mais ge-
rais. Esse foi o caso, por exemplo, da organização do primeiro Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres (PNPM), em 2004, e de sua segunda versão, em 2008,
ambos antecedidos pelas Conferências de Políticas para as Mulheres (2004 e 2007)
e do Programa Brasil Sem Homofobia (BSH), precedido pelo Plano Plurianual
(PPA 2004-2007).
O primeiro PNPM (2004) tinha entre seus objetivos a educação inclusiva e
não sexista, visando a promover o acesso à educação básica de mulheres jovens
e adultas. Já o Plano Plurianual (PPA 2004-2007), lançado em 2004, definia o
Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais. Com vistas a efetivar
esse compromisso, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) acolheu
demandas do movimento LGBTT apresentadas em encontros nacionais e lançou
o Programa Brasil Sem Homofobia (BSH), de combate à violência física, verbal
e simbólica, sofrida por pessoas LGBTT6. O referido Programa traz um capítulo
dedicado à educação, com o objetivo de promover valores de respeito à paz e à não
discriminação por orientação sexual. A tarefa de implementação dessas políticas
de inclusão é coordenada pela Secad, na perspectiva de educação para a diversida-
de. Para tal intento, a Secretaria considera fundamental incluir a interlocução da
diversidade sexual com a discussão da temática de gênero.
Enfim, ainda que sob forte tensão, são assumidas, no plano federal, diferentes
demandas para a constituição de políticas públicas voltadas à diversidade, apresen-
tadas principalmente pelos movimentos sociais. O fato de as Organizações Não
Governamentais receberem mais incentivos para a produção de pesquisas voltadas
para a diversidade sexual e para as desigualdades de gênero também foi um marco
no primeiro mandato do presidente Lula.
Amplia-se a adoção de mecanismos de participação de movimentos sociais orga-
nizados, por meio de fóruns, seminários, conferências e outros espaços organizados
para mobilizar atores e temas considerados relevantes para o desenvolvimento de
políticas para a inclusão e a diversidade. Reúnem-se, assim, gestores dos sistemas
de ensino, autoridades locais, representantes de movimentos e organizações sociais
e dos segmentos diretamente interessados no avanço dessa agenda.
Na mesma direção, Nina Madsen (2008) ressalta o apoio do MEC às inúmeras
iniciativas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) na área da

6 Nesse processo destaco a complementaridade entre Estado e movimento social na formulação


das políticas voltadas ao segmento LGBTT. Elas não só nascem no próprio movimento e são
incorporadas pelo governo, mas também expressam uma espécie de parceria. No caso do BSH,
o documento final é assinado por um representante do governo (SEDH) e outro da Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), com a participação de
uma série de outras associações, ministérios, secretarias e organismos de pesquisa.

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educação, destacando um importante movimento na formulação das políticas


a partir de 2003. O mesmo aconteceu com as ações educacionais propostas
pelo Programa Brasil Sem Homofobia. Parte das principais políticas públicas
que visam a superar a desigualdade relacionada às pessoas LGBTT, por meio
da educação no âmbito do referido Programa, é expressão das respostas dadas
pelo Estado a pressões, sugestões, participações e interferências do movimento
LGBTT (Rossi, 2010).
Nesse processo, posso assegurar que a diversidade está presente em programas e
projetos do MEC. Entre eles, destacam-se os relacionados às temáticas de gênero,
sexualidade e diversidade sexual na formação continuada docente.
Alguns trabalhos acadêmicos mais recentes já refletem sobre as características
e os efeitos das atuais políticas públicas acerca da diversidade sexual propostas
para a educação em diferentes instituições de ensino, considerando alguns dos
programas do governo, como: Brasil Sem Homofobia (Daniliauskas, 2011; Dulac,
2009; Quartieiro, 2009; Rossi, 2010); Gênero e Diversidade na Escola (Caldas,
2007; Ferrari, 2004; Grösz, 2008; Koerich, 2007; Mostafa, 2009); Capacitação
de Multiplicadores(as) em Gênero e Políticas Públicas (Esperança, 2009; Santos,
2008; Santos, 2009).
Essas reflexões também se desdobram nos debates e nas deliberações da VI
Conferência Nacional de Educação (Conae/2010), inserindo questões da inclusão
e da diversidade na pauta das políticas educacionais do Brasil. Na proposição das
metas para elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), é relevante o eixo
que teve como título Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e
Igualdade. O projeto de lei do Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-
2020, encaminhado ao Congresso Nacional em dezembro de 2010 e ainda em
discussão, propõe uma série de diretrizes para planejar e organizar a educação. Três
conceitos fundamentam a sua décima diretriz: a equidade, o respeito à diversidade
e a gestão democrática da educação. Ainda no referido documento, consta a meta
que propõe universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população
de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio
para 85%, nesta faixa etária. Uma das estratégias para tal finalidade é prevenir a
evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à iden-
tidade de gênero.
O exame da produção acadêmica sobre o tema específico deste artigo per-
mite uma análise comparativa de dois governos, com dois períodos cada um:
1994/1998-1999/2002 e 2003/2005-2006/2010. E, a partir da reflexão histórica
aqui construída, posso afirmar duas das principais características contraditórias
dessas políticas. Sofrem a pressão de agências multilaterais em favor de uma
concepção de educação ora compensatória, ora parcialmente inclusiva e necessa-
riamente precária, tanto no acesso quanto em sua qualidade. Ao mesmo tempo,

Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2 (68), p. 127-143, maio/ago. 2012


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com maior ênfase no governo Lula, assistiu-se à porosidade do governo federal às


demandas de movimentos sociais organizados e ao crescimento destes enquanto
sujeitos coletivos formuladores de políticas públicas.
Assim, arrisco dizer que a presença de novos sujeitos coletivos – propositores e
formuladores de políticas públicas na educação – provocou tensões e confrontos
entre projetos políticos divergentes; alterou o que era rotulado como conhecimen-
to, valores e condutas aceitáveis; redefiniu a própria dinâmica de confecção dessas
políticas e, consequentemente, o papel do Estado, com efeitos importantes para a
realidade educacional brasileira.
Aos menos no campo específico da introdução das questões de sexualidade,
diversidade sexual e gênero aqui observado, os movimentos traduziram algumas
das questões teóricas para o plano da prática social. Também merece realce o
reconhecimento de direitos relativos às sexualidades menosprezadas e que têm
impacto nas relações escolares, como, por exemplo, a construção do currículo
pautado pelo respeito aos direitos humanos relacionados à diversidade sexual
(Rios, 2009; Silva, 2010).
Nesse processo evidencia-se a inclusão da sexualidade e do gênero no currículo e
na formação continuada docente, já com indícios de ressignificação das concepções
sobre sexualidade no trabalho pedagógico (Andrade, 2008; Lira, 2009; Reis, 2009).
Todavia, esse contexto está necessariamente permeado por retrocessos e resis-
tências que impõem novos desafios teóricos e práticos para a própria elaboração
das políticas públicas e para a reflexão acadêmica sobre esse processo. Esse é o
caso, por exemplo, da pouca importância dada ainda hoje para a relação entre
nacionalidade e sexualidade e para o caráter sexuado do Estado e de suas políticas
nacionais e locais, que interpretam e regulam várias das concepções de família,
reprodução, educação, estilo de vida, muitas delas entrelaçadas com a construção
das relações de gênero. Dessa analogia depende a regulamentação do aborto e da
reprodução, o estabelecimento de uma idade consentida para relações sexuais e
para o casamento, bem como a criminalização das práticas que não se adequem a
essas regras (Epstein; Johnson, 2000).
O reconhecimento de consensos construídos e negociados em torno da rele-
vância das políticas da diversidade permite considerar que a disputa em torno das
concepções e da articulação dos espaços de diálogo ainda se constitui em amplo
desafio para consolidar, de fato, essa trajetória institucional em política pública de
Estado. Na mesma linha, novos conceitos – como gênero, sexualidade, homofobia,
heteronormatividade – não são assumidos como definidores das políticas públicas
para a educação, sejam elas federais, estaduais ou municipais.
Um dos percalços a ser enfrentado é a própria fragmentação do uso do con-
ceito de diversidade, o que “expressa, no limite, as disputas internas e externas
ao governo pela definição de projetos educacionais, propondo modos distintos

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de responder às demandas de movimentos sociais no reconhecimento de suas
múltiplas diversidades” (Moehlecke, 2009, p. 484). Somam-se a esse obstáculo a
própria resistência interna ao MEC (Junqueira, 2009; Madsen, 2008) e a enorme
dificuldade em romper com os padrões tradicionais a respeito das identidades de
gênero. Os mecanismos de controle social ainda têm peso na construção de novos
sentidos sobre a sexualidade e influenciam as políticas e as práticas educativas.
A proibição de falar sobre sexualidade é uma constante. Mesmo quando aberta
a possibilidade de diálogo sobre o tema, este fica restrito à concepção médico-
higienista da sexualidade e aos professores de ciências e biologia (Bordini, 2009;
Dulac, 2009; França, 2008), registrando-se um verdadeiro pânico moral, ao
mencionar-se a possibilidade de seu tratamento para além da visão heteronor-
mativa (Borges; Meyer, 2008).
Nessa mesma linha, as garotas homossexuais fazem parte de um campo de
disputa que permanece silenciado. Não excluído, pois “o silêncio e a invisibilidade
forçada não devem ser confundidos com sinal de ausência” (Cavaleiro, 2010, p.
177-178), mas ainda inferiorizado e não reconhecido. Além disso, a própria inserção
das demandas advindas dos movimentos de mulheres e da população LGBTT não
garante a superação das relações de poder que definem parâmetros tradicionais que
sustentam as relações de gênero em nossa sociedade.
Além dos enfrentamentos já elencados, a tentativa até aqui desenvolvida de
articulação dos resultados das pesquisas aponta-nos também desafios acadêmicos
para a produção de novos conhecimentos sobre essa realidade em construção.
Menciono apenas três possíveis urgências.
Uma delas diz respeito à retomada da reflexão sobre os conceitos de desigual-
dade e diversidade. A meu ver, não se trata de tarefa individual. Será necessária,
novamente, a articulação de muitos debates para sair desta noção enquanto mera
diversificação e situar a diversidade no contexto de produção de desigualdades
sociais e de enfrentamento de necessidades radicais.
Outra pauta urgente para investigações futuras se dirige à constituição da for-
mação docente voltada para o trabalho com a diversidade e para o combate à sua
transformação em desigualdade. Até o momento, muitos programas de formação
continuada são formulados e postos em ação, mas ainda não temos a exata dimensão
de como estruturar essa agenda na formação inicial docente e de introduzir essa
temática para além da mera informação. A discussão da sexualidade e do gênero
está impregnada de valores e significados constitutivos da socialização de homens e
mulheres. A compreensão do sexo que nos constitui, reduzindo-o às características
físicas e naturais coladas à concepção biológica, ao cuidado do corpo e à prevenção
de doenças ainda é vista como universal e a-histórica. Esses valores configuram a
própria identidade docente, bem como as identidades de gênero chanceladas nas
normas e relações escolares. Não será, portanto, por meio de uma formação breve
139

e/ou a distância que conseguiremos garantir a desconstrução dessas desigualdades


de gênero. Aliás, não será sequer apenas na formação docente que essa tarefa poderá
ser plenamente enfrentada. A formação docente é uma das múltiplas searas nas
quais poderemos adquirir mecanismos de superação de algumas ideias preconce-
bidas e construir novos conhecimentos e práticas. Todavia, uma revisão curricular
deve envolver todos, sobretudo as universidades públicas e privadas; e não deve,
no entanto, incluir apenas a perspectiva de gênero, mas também a de raça/etnia,
orientação sexual, classe, geração e todas as dimensões que perpassam a construção
das desigualdades e atentam para as possibilidades de ruptura e de construção de
novas definições do que é socialmente concebido.
Uma terceira e última urgência dirige-se ao caráter federativo do Estado
brasileiro, em particular à leitura que os governos estaduais e municipais fazem
das políticas federais e à forma como essa discussão é apropriada por docentes e
demais funcionários das escolas públicas, para não entrar no mérito específico das
escolas privadas. Essas propostas ainda são muito centralizadas na sua elaboração
e necessitariam envolver todos os responsáveis pela educação. Essa é uma tarefa
difícil e requer luta em todas as esferas, dentro e fora da escola: na conscientização
e na formação do corpo docente; na discussão de propostas e atividades realizadas
na escola; na análise crítica dos livros didáticos; na denúncia das revelações ditas
científicas que perpetuam preconceitos; e, sobretudo, nas inúmeras reivindicações
por direitos à diferença. Assim, as proposições políticas, articuladas à produção de
conhecimento acadêmico sobre elas, poderão, espero, produzir outras e múltiplas
alternativas aos desafios e às urgências aqui apontados.

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Recebido em 09 de setembro de 2010, modificado em 25 de outubro de 2011 e aprovado em


11 de janeiro de 2012.

Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2 (68), p. 127-143, maio/ago. 2012


errata
onde se lê:
leia-se:

No v. 23, n.2(68), maio/ago. 2012, na página 142, a referência correta é: QUARTIERO,


E. A Diversidade Sexual na Escola: produção de subjetividade e políticas públicas,
Dissertação (Mestrado) – UFRGS, Porto Alegre, 2009.

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