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36; Nº 5: 257-263
FEBRE ESCARO-NODULAR
Protocolo
Introdução Epidemiologia
A febre escaro-nodular (FEN) é uma doença infecciosa Em Portugal são declarados em média 960 casos por
aguda incluída no grupo das rickettsioses humanas. Foi ano, com um mínimo de 625 casos em 1994 e um máximo
descrita pela primeira vez em 1910 por Connor e Bruch. de 1354 casos em 1991 (Figura 1) 5.
Em Portugal, Ricardo Jorge designou-a como febre escaro-
-nodular pela primeira vez em 1930 1-3. 1600
1200
800
mundo como consequência do turismo e da grande mobili- 600
dade das populações. 400
200
Etiologia 0
1988
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
99
2000
anos
É provocada pela Rickettsia conorii, uma bactéria
Fig. 1- Distribuição anual dos casos de Febre Escaro-Nodular notificados em
gram negativa, intracelular obrigatória, com uma forma
Portugal (1996-2000; n=12086).
cocobacilar que se multiplica por divisão binária 4.
O complexo R. conorii compreende várias estirpes
entre as quais a R. conorii Malish (também designada A taxa de incidência em Portugal é elevada relativa-
Rickettsia conorii sensu strictu) e a estirpe Israeli tick mente aos países da bacia mediterrânica. Nos anos 1989-
typhus, esta última isolada em 1997, e que são responsáveis 2000 foi de 9,8/10 5 habitantes, sendo o Alentejo a região
pela FEN em Portugal 1-3. com taxa de incidência mais elevada (31,9/10 5 hab.).
Nos países da bacia do Mediterrâneo o principal vector Bragança foi o distrito mais afectado (60,5/10 5 hab).
é o ixodídeo Rhipicephalus sanguineus conhecido por car- Globalmente, o grupo etário mais atingido foi o dos 1-4
raça do cão. Os reservatórios habituais são os cães, raposas anos de idade (Figura 2) com uma taxa de 60 casos/10 5
e pequenos roedores. As próprias carraças, além de vec- habitantes, não se tendo verificado diferenças estatistica-
tores, funcionam também como reservatório dada a sua mente significativas relativamente ao sexo (Figura 3) 1. As
capacidade de transmitir a Rickettsia por via transovárica crianças são um grupo particularmente vulnerável porque
para os seus ovos. O ser humano é um hospedeiro aciden- mantêm uma relação mais próxima com os animais domés-
tal 3. ticos, como o cão, e estão mais em contacto com o solo,
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Secção de Infecciologia
350
Transmissão
número de casos
300
1996
250
1997
200
1998
A doença é transmitida ao Homem pela picada da car-
150
100
1999 raça infectada, enquanto esta efectua a sua refeição san-
2000
50 guínea, ou através da contaminação de mucosas com ma-
0
cerados de ixodideos infectados. Para haver transmissão
<1A
1-4A
5-14A
15-24A
25-34A
35-44A
45-54A
55-64A
65-74A
>/=75A
??
através da picada são necessárias entre 6-20 horas de para-
grupo etário sitação do Homem pelo artrópode. Qualquer estádio (larva,
Fig. 2 - Distribuição etária dos casos de Febre Escaro-Nodular notificados em ninfa, adulto) do R. sanguineus pode parasitar o homem,
Portugal (1996-2000; n=4404). mas o período de incubação da doença e do ciclo do vec-
tor, indicam que as ninfas são o estádio responsável pelo
maior número de casos de FEN nos meses de Agosto e
Setembro 1.
700
Fisiopatologia
600
Sexo feminino
400
generalizada, resultado da destruição das células endote-
300
liais sanguíneas pelas rickettsias.
200
A partir do local da picada, as rickettsias alcançam a
100
corrente sanguínea produzindo a vasculite com atingimen-
0
to da íntima e média dos vasos sanguíneos. A lesão
<1A
1-4A
5-14A
15-24A
??
25-34
35-44
45-54
55-64
65-74
>/=75
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Novembro
Março
Maio
Outubro
Dezembro
Janeiro
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Febre Escaro-Nodular
como axilas, região inguinal, espaços interdigitais, região soros de doentes com anticorpos contra rickettsias, está
púbica, espaço retroauricular, espaço poplíteo ou couro ultrapassada e é considerada obsoleta pela sua falta de sen-
cabeludo, o que dificulta a sua localização 9. Nas crianças sibilidade e especificidade 1,7,14.
predomina no couro cabeludo, nos adultos nos membros O CEVDI, laboratório de referência do Instituto
inferiores. Começa com uma pequena pústula, que ao fim Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge em Águas de Moura,
de alguns dias se transforma numa mancha negra caracteri- realiza todas as técnicas referidas anteriormente para dia-
zada por uma lesão ulcerosa, coberta por uma escara negra gnóstico de rickettsioses. Em relação à técnica de diagnós-
e rodeada por um halo eritematoso acompanhada, na maio- tico mais solicitada, a IFA, determinou-se o limiar de pos-
ria dos casos, por uma adenopatia satélite 4. A escara de itividade com base numa amostra de soros de dadores de
inoculação, resulta da lesão traumática produzida pela sangue, como população saudável. (Este limiar de positivi-
introdução do aparelho bucal do ixodideo e pelas conse- dade é diferente em áreas endémicas e não endémicas).
quentes lesões celulares causadas pelas rickettsias 9. Esta Assim o “cut-off” (limiar de positividade) para a população
lesão cicatriza lentamente e desaparece em 10 a 20 dias portuguesa foi estabelecido para um título ≥ 128, para IgG
sem deixar cicatriz 4. Nos casos provocados pela estirpe e de ≥ 32 para IgM. O critério laboratorial de doença aguda
Israeli tick typhus a escara pode surgir mais raramente 10,11. é determinado por uma seroconversão ou por aumento dos
títulos em duas amostras colhidas com um intervalo de 2 a
Diagnóstico 4 semanas (na fase aguda e de convalescença).
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Secção de Infecciologia
Máculo-pápulo-
-nodular.
Febre escaro- R. conorii Ascendente Menor
-nodular R. Israeli Carraça Bacia mediterrânica generalizado. atingimento Raras
mediterranica tick typhus Atingimento geral
Palmoplantar
Escara negra típica
. Maculo-papular.
Tifo da generalizado de Fraco
Frequentes e
carraça R. sibinca Carraça Europa central predomínio no atingimento
graves
Sibéria tronco. Escara geral
de inoculação
Maculo-papular.
generalizada. Atingimento
Rickettsiose América do Norte. Frequentes e
R. acari Ácaros Escara de geral
vesicular Outros países graves
inoculação com importante
fase prévia vesicular
Leve
Europa.
Febredas Piolho atingimento
R. quintana América do Norte. Macular Raras
trincheiras humano geral. Febre
África
intermitente
Generalizado de
Tifus Piolho predomínio no Atingimento
epidémico R. prowazekii humano Universal tronco. do Estado Frequentes
exantemático Maculopetequial. geral
Sem escara.
Tifo Exantema
endémico semelhante ao
R. typhi Pulga Universal Clínica leve Raras
(Tifo anterior mas mais
murino) atenuado
Hepatite.
Endocardite
Febre Q Coxiella burnetii Carraça Universal Sem exantema ou escara Habitual pneumonia (rara em
crianças).
Frequentes e
Erlichiose Humana Ehrlichia canis Carraça Universal Petequial Atingimento estado geral
graves
260
Febre Escaro-Nodular
Serologia Profilaxia
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Secção de Infecciologia
com menos de 8 anos é mais baixa com a doxiciclina rela- Elvira Tavares**,
tivamente a outras tetraciclinas, sobretudo em tratamentos Margarida Guedes**
curtos. Propomos a administração de 4 mg por kg de peso
no primeiro dia, dividido em 2 tomas, seguido de 2 mg por *Hospital de Crianças Maria Pia, **Centro Hospitalar
kg e por dia, durante um mínimo de 5 dias, desde que este- de Vila Nova de Gaia. ***Hospital Geral de Santo
ja apirético há 48 horas quando terminar o tratamento António
(Quadro III)
Protocolo submetido a discussão no 1º Encontro de
Infecciologia Pediátrica, realizado em Leiria, Junho 2004 e
Quadro III aprovado no 2º Encontro de Infecciologia Pediátrica, reali-
Terapêutica.
zado em Coimbra, Janeiro 2005
Posologia Desvantagens Vantagens
Agradecimentos
Doxiciclina 1º dia-4mg/kg (Max 200 mg) Efeitos
em 2 tomas; dias seguintes secundários
2mg/kg/dia 1-2 tomas, Esmalte dentário; Eficácia comprovada Agradecemos a colaboração das Dr.ª Rita de Sousa e
mínimo 5 dias, desde que 2 Ossificação Dr.ª Maria Augusta Santos do INSA, nomeadamente nos
dias de apirexia
aspectos referentes ao diagnóstico laboratorial, normas de
colheita e envio das amostras.
Os macrólidos e, nomeadamente, a azitromicina pode- Bibliografia
riam ser uma alternativa interessante em crianças pequenas 21.
A azitromicina tem formulação pediátrica (suspensão oral) 1. Sousa R, Nóbrega S N, Bacellar F, Torgal J: Sobre a realidade da
e uma semi-vida longa, com a vantagem da administração febre escaro-nodular em Portugal. Acta Med Port 2003; 16: 429-36.
numa dose única diária em 3 dias. No entanto a evidência 2. Poças J, Bacellar F, Filipe A: Clínica e diagnóstico Laboratorial da
febre escaro-nodular. Med Interna 2002; 9: 52-6.
científica existente ainda não é suficiente para a sua 3. Oliveira J, Corte-Real R: Rickettsioses em Portugal. Acta Med Port
recomendação. Os estudos in vitro são escassos e com 1999; 12: 313-21.
resultados variáveis 19-21 e os estudos clínicos, embora com 4. Edwards MS, Feigin RD: Mediterranean Spotted fever. In: Textbook
conclusões favoráveis, envolveram um número reduzido of Pediatric Infectious Diseases, Chap. 195: Rickettsial Diseases, 5th
ed, 2004; 2503-5.
de crianças 23-26.
5. Dados estatísticos da DGS disponíveis em http//www.dgs.pt
As quinolonas também têm sido utilizadas em adultos 6. Sousa R, Nóbrega S N, Dória S Bacellar F, Torgal J: Mediterranean
19,20
. A sua segurança não está estabelecida abaixo dos 18 Spotted Fever in Portugal: Risk factors for fatal outcome in 105 hos-
anos de idade. Nos casos graves poder-se-á justificar o seu pitalized patients. Ann N Y Acad Sci 2003; 990: 285-94.
uso, uma vez que nenhum dos outros fármacos está 7. Walker DH; Bouyer DH: Rickettsia. In: Manual of Clinical
Microbiology. 8th ed, ASM Press 2003; 1005-14
disponível para administração por via endovenosa no nosso 8. Sanchez GMM, Sanchez GMC: Rickettsiosis: fiebre botonosa
país. A dose é de 20 a 30 mg/kg q 12 h. mediterranica. Medicina Integral 2001; 38: 110-5.
O cloranfenicol é eficaz na terapêutica desta doença 9. Zaragozano J: Rickettsiosis transmitidas por garrapatas. Medicina
mas não está actualmente recomendado pela sua potencial Integral 2002; 39: 18-24.
10. Gross EM, Yagupsky P: Israeli rickettsial spotted fever in children. A
toxicidade medular 20. review of 54 cases. Acta Trop 1987; 44: 91-6.
O cotrimoxazol não está indicado para o tratamento 11. Yagupsky P, Wolach B: Fatal Israeli spotted fever in children. Clin
desta situação 19,20. Infect Dis 1993; 17: 850-3.
12. OMS: Rickettsioses: un problème de morbidité persistant. OMS
Como retirar a carraça 1982; 60: 693-701.
13. WHO/OMS: Laboratory diagnosis of Rickettsial diseases. Bull WHO
1988; 66: 283-420.
Utilizar éter ou cloreto de etilo para matar o artrópode. 14. Bacellar F, Miranda A, Filipe A: Diagnóstico da febre escaro-nodular
Retirar a(s) carraça(s) com uma pinça sem garras (pinça – teste de Weil-Felix e prova de imunofluorescência indirecta. Rev
fina de bordos lisos) introduzida entre a cabeça da carraça Port Doenç Infec 1994; 17: 179-82.
e a pele, tendo o cuidado de a remover completamente 15. 15. Oteo J, Blanco JR, Ibarra V: Podemos prevenir las enfermedades
transmitidas por garrapatas? Enferm Infecc Microbiol Clin 2001; 19:
509-13.
Autores 16. Centers for Diseases Control and Prevention. Health information for
the international traveller 2001-2002. Atlanta: US Department of
Em nome da Secção de Infecciologia Pediátrica da Health and Human Services, Public Health Service, 2001.
17. Follow safety precautions when using DEET on children.
SPP: http://www.aap.org/family/wnv-jun03.htm
Laura Marques*, 18. Koren G, Matsui D, Bailey B: DEET-based insect repellents: safety
Sandra Mesquita*, implications for children and pregnant and lactating women. CMAJ
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Febre Escaro-Nodular
2003; 169: 209-12. Efficacy and safety of Clarithromicin as treatment for Mediterranean
19. Raoult D, Drancourt M: Antimicrobial therapy of Rickettsial di- Spotted Fever in children: a randomised controlled trial. Clin Inf Dis
seases. Antimicrob Agents Chemother 1991: 2457-62. 2001; 33: 409-11.
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