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São Paulo
2018
Leni Regina Segura
São Paulo
2018
2
S456t Segura, Leni Regina.
92 f. : il. ; 30 cm
Bibliografia: f. 89-92.
Título.
CDD 657.45
3
4
Dedico esse trabalho e minha enorme
gratidão:
Aos meus pais Antônio e Eliana, com todo
amor, por tudo que fizeram por mim em toda
a minha vida.
Aos meus irmãos e sócios Liliane Cristina
Segura e Luciano Ricardo Segura pela
parceria e pelo apoio incondicional.
Aos meus sobrinhos Vitor e Sofia, amores da
minha vida.
5
Ao Professor Henrique Formigoni, mestre
querido, por toda a paciência, atenção,
dedicação e aprendizado.
RESUMO
Objetivo do Trabalho: Este trabalho aplicado tem por objetivo analisar as receitas
auferidas por empresas de pequeno e médio porte do setor musical, que surgiram a
partir da carreira de músicos que compõem o seu quadro societário, com o
fundamento de identificar: (i) quais as receitas auferidas por essas empresas? (ii)
como classificar em termos jurídicos essas receitas?; (iii) se é possível aplicar o CPC
47 às receitas identificadas? (iii) se as receitas auferidas pelas empresas musicais
estão, parcial ou totalmente, contempladas pela imunidade tributária estabelecida pelo
Art. 150, VI, “e” da Constituição Federal?; e, (iv) qual a tributação incidente sobre as
receitas identificadas?
6
ABSTRACT
Scope of the Study: The purpose of this applied research is to examine the earnings
obtained by small and mid-size companies in the musical industry, formed by
established musicians who are the members thereof, in order to identify: (i) if such
earnings are being duly posted in their accounting records and taxed accordingly, (ii)
if it is possible to apply the "CPC 47' [Accounting Regulation] to such earnings; and,
(iii) if such earnings obtained by the musical companies are, in whole or in part,
contemplated by the tax immunity provided in Art. 150, VI, item “e” of the Brazilian
Constitution.
Results: The main results indicate that the companies of the musical industry do not
record their earnings taking into consideration the essence of the contracts entered
into with third parties, do not segregate their earnings by the particularities of each
object developed and apply the immunity provided in Art. 150, VI, item “e” to the
earnings not contemplated by such constitutional immunity.
Keywords: Accounting, CPC 47, Accounting for musicians and musical groups
- Immunities and tax exemptions
7
Lista de Gráficos
GRÁFICO 1 – PEQUENOS NEGÓCIOS NA INDÚSTRIA DA MÚSICA NO BRASIL _____________________ 20
GRÁFICO 2 - PRINCIPAIS ATIVIDADES NOS NEGÓCIOS MUSICAIS _______________________________ 21
GRÁFICO 3 - RECEITAS MUSICAIS DO MERCADO FONOGRÁFICO MUNDIAL E BRASILEIRO EM 2017 __ 22
GRÁFICO 4 - RECEITAS DOS ANOS DE 2016 DE UM GRUPO MUSICAL ___________________________ 27
GRÁFICO 5 - RECEITAS DOS ANOS DE 2017 DE UM GRUPO MUSICAL ___________________________ 28
GRÁFICO 6 - COMPARATIVO DAS RECEITAS DE 2016 E 2017 DE UM GRUPO MUSICAL _____________ 28
Lista de Figuras
FIGURA 1 - SINOPSE DA PROPRIEDADE INTELECTUAL (COM DESTAQUE, EM VERDE, PARA OS
DIREITOS AUTORAIS E CONEXOS) ____________________________________________________ 39
FIGURA 2 - SINOPSE DA PROPRIEDADE AUTORAL (COM DESTAQUE, EM PRETO, PARA OS DIREITOS
PATRIMONIAIS AUTORAIS E CONEXOS, OBJETOS DESTE ESTUDO) ________________________ 43
FIGURA 3 - SÍNTESE DOS REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DO CPC 47 ___________________________ 57
FIGURA 4 - CADEIA DE RELAÇÕES JURÍDICAS ENVOLVIDAS EM UM CONTRATO DE COMERCIALIZAÇÃO
DE FONOGRAMAS E VIDEOFONOGRAMAS DIGITAIS _____________________________________ 68
Lista de Quadros
QUADRO 1 - ELEMENTOS DA VALIDADE DA NORMA __________________________________________ 34
QUADRO 2 - SIMILARIDADES E APLICAÇÃO DA TEORIA TRIDIMENSIONAL NA CONTABILIDADE ______ 35
QUADRO 3 - CRITÉRIOS PARA CONTABILIZAÇÃO DE UM CONTRATO COM CLIENTE, NO CASO DE
EVENTO SHOW OU ESPETÁCULO _____________________________________________________ 62
QUADRO 4 - TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE O OBJETO (ATIVIDADE ECONÔMICA) SHOW – SIMPLES
NACIONAL _________________________________________________________________________ 64
QUADRO 5 - TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE O OBJETO (ATIVIDADE ECONÔMICA) SHOW – LUCRO
REAL E LUCRO PRESUMIDO _________________________________________________________ 65
QUADRO 6 - CRITÉRIOS PARA CONTABILIZAR UM CONTRATO COM CLIENTE, NO CASO DE EVENTO DE
LICENCIAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS PATRIMONIAIS E CONSIGNAÇÃO DE FONOGRAMA. _ 69
QUADRO 7 - TRIBUTAÇÃO DA RECEITA ROYALTIES DECORRENTE DO LICENCIAMENTO DE DIREITO DE
COMERCIALIZAÇÃO DE FONOGRAMAS. ________________________________________________ 74
QUADRO 8 - TRIBUTAÇÃO DA RECEITA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS STREAMING _______________ 75
QUADRO 9 - TRIBUTAÇÃO DA RECEITA DE COMERCIALIZAÇÃO DE FONOGRAMAS E
VIDEOFONOGRAMAS _______________________________________________________________ 75
QUADRO 10 - TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE ROYALTIES NOS REGIMES DO LUCRO REAL E LUCRO
PRESUMIDO _______________________________________________________________________ 76
QUADRO 11 - TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE STREAMING NOS
REGIMES DO LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO _______________________________________ 77
QUADRO 12 - TRIBUTAÇÃO SOBRE A VENDA DE FONOGRAMAS POR MEIO DIGITAL _______________ 78
QUADRO 13 - TRIBUTAÇÃO DA RECEITA ROYALTIES DECORRENTE DO LICENCIAMENTO DE DIREITO
DE COMERCIALIZAÇÃO DE FONOGRAMAS – ROYALTIES. _________________________________ 78
QUADRO 14 - TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE ROYALTIES NOS REGIMES DO LUCRO REAL E LUCRO
PRESUMIDO _______________________________________________________________________ 79
QUADRO 15 - CRITÉRIOS PARA CONTABILIZAR UM CONTRATO COM CLIENTE ____________________ 81
QUADRO 16 - TRIBUTAÇÃO DA RECEITA DO YOUTUBE DECORRENTE DO LICENCIAMENTO DE DIREITO
DE COMERCIALIZAÇÃO DE FONOGRAMAS – ROYALTIES. _________________________________ 83
QUADRO 17 - TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE RECEITA DO YOUTUBE NOS REGIMES DO LUCRO REAL
E LUCRO PRESUMIDO _______________________________________________________________ 84
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10
2. O PROBLEMA ................................................................................................... 23
3. APORTE TEÓRICO ........................................................................................... 30
3.1. Teoria Tridimensional de Miguel Reali ......................................................... 32
3.2. Conceito Jurídico de Propriedade Intelectual ............................................... 37
3.3. Direitos patrimoniais decorrentes de direitos autorais e direitos conexos .... 43
3.4. Conceito de fonograma e videofonograma conforme legislação em vigor. .. 44
3.5. Imunidade nos termos do Art. 150 da Constituição Federal......................... 48
3.6. Conceito de Royalties .................................................................................. 50
3.7. Youtube ........................................................................................................ 52
3.8. Conceito de Receita e reconhecimento de receitas conforme CPC 47 ........ 54
3.9. Receitas e Contratos de Licenciamento ....................................................... 58
3.10. Royalties baseados em vendas ou em uso............................................... 60
3.11. Contratos em consignação ....................................................................... 60
4. RECEITAS ANALISADAS .................................................................................. 61
4.1. Receita de Shows ........................................................................................ 61
4.2. Receitas de exploração de fonograma/videofonogramas por meio de contrato
de licenciamento do direito de exploração de fonogramas e videofonogramas
através de distribuição digital ................................................................................. 66
4.3. Receita decorrentes de propagandas vinculadas à execução streaming de
vídeos na plataforma digital Youtube ..................................................................... 79
5. CONCLUSÃO .................................................................................................... 84
Referências ............................................................................................................... 90
9
1. INTRODUÇÃO
Extensa pesquisa realizada pela autora com empresas da área musical e, também,
em dados obtidos através de históricos de empresas das Juntas Comerciais dos
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás e Bahia, e de
pesquisa realizada pelo Sebrae (SALAZAR, FERREIRA e LEITE, 2015) demonstram
que o mercado musical é promissor, gerador de um grande volume de renda e que,
por conta da enorme evolução tecnológica dos últimos anos, está sempre em
constante mudança.
A música, ao contrário de algumas artes ditas mais elitizadas como a pintura e o teatro,
é a forma de expressão artística mais popular e abrangente. Isso porque é passível
de consumo por todas as classes sociais (através do rádio, da internet, da aquisição
de CDS e DVDs, da compra de shows), estando disponível para consumo rápido em
qualquer cidade ou região do país ou do mundo (onde chegar a mais remota conexão
a rádio) por todas as classes etárias (bebês, crianças, adultos, idosos),
independentemente de gênero, orientação sexual, orientação religiosa, orientação
política ou mesmo gosto pessoal. É, portanto, uma arte democrática (SALAZAR et al.,
2015).
10
música, desenvolvem negócios na música e sobrevivem nesse mercado, mesmo sem,
muitas vezes, tornarem-se conhecidos do grande público (SALAZAR et al., 2015).
Por suas características tão peculiares o mercado musical ainda é muito segmentado
e dependente do marketing de massa dos selos internacionais, seus artistas de maior
destaque ou popularidade e suas superproduções. É também, um mercado de
milhares de pequenos artistas e pequenos negócios caseiros, precários e
desorganizados1, que podem resultar em dois grandes cenários: a) produtoras
independentes que, mesmo desorganizadas em termos de gestão, conseguem,
através da rede mundial de computadores (internet) e do uso extensivo da sua
liberdade criativa, desenvolver nichos de mercado inicialmente desinteressantes para
1Cf. http://www.soundcheck.com.br/carreira/profissao-musico-quer-viver-de-musica-comece-pela-sua-
propria-organizacao/ , http://www.cifraclubnews.com.br/especiais/122071-quero-ser-musico-6-cinco-
dicas-para-ser-um-musico-bem-sucedido.html
11
os selos internacionais, capazes de gerar negócios com um potencial de retorno
interessante; b) artistas que optam em permanecer pequenos ou utilizam-se de meios
digitais para lançar-se no mercado em potencial.
2O conceito de revolução digital pode ser extraído de diversos livros e materiais que tratam do avanço
da tecnologia ligada as comunicações de massa e data do final da década de 80, início da década de
90 e tem fundamento na migração das tecnologias analógicas para as tecnologias digitais. Com o
advento na internet houve expansão do uso da tecnologia digital e surgimento de um fenômeno
entendido como Era da Informação, também conhecida como Terceira Revolução Industrial, devido ao
impacto direto na indústria através desenvolvimento de diversos produtos que cm o uso da internet
produzia a facilidade de acesso rápido e dinâmico a diversos conteúdos ligados à comunicação e ao
entretenimento.
12
Beatles que foi rejeitado pela gravadora Decca e que somente foi editado por uma
enorme insistência do produtor dos artistas na época:
“Não foi fácil convencer uma gravadora a apostar no som do quarteto,
formado no fim da década de 50 em Liverpool por John Lennon. Na época,
acreditava-se que o mercado estava saturado de estrelas do rock, como Elvis
Presley. Mas não era o pensamento do empresário do grupo, Brian Epstein,
que os convenceu a contratá-lo após ver um show da banda no hoje famoso
Cavern Club, na cidade-natal dos garotos. Empenhado em fazê-los bem-
sucedidos, Epstein conseguiu um contrato com a gravadora Parlophone –
antes, o grupo chegou a ser rejeitado pela Decca, que alegou que o rock
“estava com os dias contados”.(VEJA, 2013)
O Rap, num primeiro momento, por exemplo, guarda a prática de celebrar novas
gravadoras ou produtores independentes não apenas porque a ação das grandes
gravadoras pode parecer, por vezes, predatória, mas porque ideologicamente a
independência é bem vista3.
É o que se nota quando se visita o site de um dos mais renomados portais voltados à
venda de roupas, produtos e acessórios para fãs de Hip Hop e Rap: Laboratório
Fantasma (2018)
Sem mais demorar na questão, o caso do Rap, em que uma postura ideológica tem
reflexos no modo como cada músico irá reagir ao mercado é só um dentre muitos
exemplos. Os cantores sertanejos, com seus apadrinhamentos de outros sertanejos
já famosos; os cantores de rock brasileiros, hoje bastante vinculados a gravadoras
formais – sistema contra o qual o cantor Lobão certa vez lutou, propondo distribuir
suas obras diretamente em bancas de jornal –; os famosos funkeiros ligados a
gravadoras mais influentes, como a Som Livre, do Grupo Globo, enfim tudo leva a
uma combinação de perfis que formam uma indústria complexa e multifacetada, cujo
resultado acaba por ser, também, a pulverização e a desestratificação do mercado
musical.
Não são apenas as gravadoras e as distribuidoras que representam uma variável com
a qual o músico deva preocupar-se. Em verdade, o preço final do produto que chega
ao consumidor final, quando se fala de meios físicos de comercialização de música -
que encerra em si lucros altos e custos expressivos - torna-se chamariz para as cópias
ilegais que, embora firam leis, recebem de parte da população a tolerância moral
suficiente para que tais produtos se tornem pragas5.
de serviços), sob o véu de movimento social, estratégia interessante para vendas a um público
específico.
5 Cf., a esse propósito, http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/12/compra-de-produtos-piratas-cai-
Como forma de mitigar um pouco as perdas financeiras a que esse mercado ficou
exposto os deputados Otávio Leite, José Eduardo Cardozo, José Mucio Monteiro,
José Otávio Germano, Ciro Gomes, Fernando Coruja, Átila Lira, Marcos Montes,
Zenaldo Coutinho, Albano Franco, Flávio Dino, Rodrigo Rollemberg, Nelson Trad,
Walter Pinheiro, Luiz Bittencourt, entre outros, propuseram o projeto de Emenda
Constitucional mencionado anteriormente, sob a alegação de que:
15
Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional 3, de 1993)
(...)
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo
obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral
interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou
arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial
de mídias ópticas de leitura a laser (Constituição Federal da República
Federativa do Brasil).
Conforme podemos inferir do texto anteriormente colacionado, a EC 75/2013
concedeu aos fonogramas e videofonogramas contendo obras musicais de autores
brasileiros ou obras interpretadas por artistas brasileiros, assim como nas demais
hipóteses elencadas no referido Art. 150 da Constituição Federal, imunidade no que
tange aos impostos (e somente aos impostos, não elencando as taxas e contribuições)
incidentes sobre as receitas advindas da atividade musical, essencialmente, entre
outros: Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IRPQN), Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), Imposto sobre operações relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI).
16
previsões se concretizaram e muitos desses artistas, ainda em produção
independente, estão em busca de estruturação.
Uma rápida pesquisa, entretanto, comprova que muitos dos fãs dos Rappers
brasileiros em destaque são jovens6, assim como, em geral, são seus ídolos; que o
Rapper ingressa na carreira informalmente (os mais famosos surgem de disputas de
6http://jovem.ig.com.br/cultura/musica/2013-10-22/o-rapper-projota-e-muito-importante-esta-
molecada-ouvir-rap.html
17
rimas7 ou, em sua versão digital, no youtube8) e se depara, uma vez famoso, com a
necessidade de se profissionalizar – e isso ocorre com muitos músicos da Era Digital9.
É, em geral, nesse momento, que tais artistas da música percebem que seu sonho de
artista, efetivamente, transformou-se em uma carreira e que é necessário planejar-se
para não incorrer em despesas tributárias desnecessárias ou mesmo em crime de
sonegação fiscal, havendo para eles, portanto, duas saídas mais comuns: a)
estabelecer-se como um músico autônomo e receber suas receitas, quando
tributáveis, mediante a emissão de RPA (Recibo de Prestador Autônomo, com
incidência tributária média que varia entre 28% (11% de INSS , 15% de IR e 2% de
ISS) e 43,5% (11% de INSS,27,5% de IR e 5% de ISS) sobre as receitas incorridas e
não englobadas pela imunidade; b) estabelecer-se como pessoa jurídica,
contabilizando suas receitas e despesas, otimizando custos, aplicando a imunidade
às receitas englobadas pelo Art. 150 da Constituição Federal, e tributando
corretamente as demais receitas da empresa.
Assim, quando os músicos entendem por bem desenvolverem sua atividade de forma
organizada, nada mais fazem do que tornarem a sua atividade, que é
7https://noisey.vice.com/pt_br/article/ypk3w7/batalhas-de-rima-nike-perfis
http://gafieiras.com.br/entrevistas/thaide/8/
8 https://thump.vice.com/pt_br/article/zme3kx/rap-youtube-reacts
9https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-
arte/2018/01/30/interna_diversao_arte,656618/quem-e-mc-loma.shtml
10 Experiência profissional da autora, que atua na área da Pesquisa.
18
substancialmente intelectual, em uma atividade empresarial, uma atividade
organizada, capaz de otimizar os recursos e maximizar as receitas.
Uma empresa, entretanto, segundo o Princípio da Entidade, não pode e não deve ser
tratada como uma extensão da pessoa física do(s) sócio(s), problema comumente
detectado nas empresas musicais11. Faz-se necessário organização. Faz-se
necessária a gestão empresarial de suas receitas e despesas e o planejamento
contábil e tributário do negócio.
11Experiência profissional da autora. As empresas de músicos, por sua natureza, surgem da iniciativa de um ou
mais artistas interessados em divulgar suas obras. Frequentemente, tais artistas desconhecem formalidades e,
muita vez, não buscam treinamento nem assessoria profissional. Como resultado, confundem o patrimônio da
empresa com o seu próprio. São, entretanto, ausentes estudos específicos sobre essa questão. Em primeiro lugar,
porque são poucos os profissionais preparados no mercado para lidar com as especificidades desse tipo de cliente.
Depois, porque o Rap, já há algum tempo, não é (como citado neste trabalho) um ramo musical em evidência neste
momento da cultura brasileira, daí a não despertar interesse em meio acadêmico, embora devesse.
19
Como pode-se visualizar no gráfico 1, do total de empresas: 83% (oitenta e três por
cento) atuam no setor de serviços (produção de músicas, produção de shows,
entretenimento, etc.); 16%(dezesseis por cento) atuam no comércio (de instrumentos
musicais e insumos da área musical) e 1% (um por cento) no setor industrial
(industrialização de equipamentos, cabos e instrumentos necessários à prestação de
serviços na área musical e de produção musical).
1%
16%
83%
20
1%
Fabricação de instrumentos,
3% 6% peças e acessórios
9%
Atividade de rádio
11%
21
100,7
179,5
15,8
0,7
15,8
162,8
2. O PROBLEMA
12 “Gravadoras Alternativas” ou “Selos Alternativos” são termos utilizados pelos profissionais da área.
Referem-se, grosso modo, às gravadoras não oficiais ou às empresas que não fazem parte de
conglomerados, como as estrangeiras ou a Globo Records. Tais termos não constam de dicionários e
constituem jargões, linguagem técnica específica de certas áreas profissionais ou de atuação humana.
13 É uma hipótese de trabalho, dentre tantas possibilidades. Não se afirma que todos apenas deixem a
Para quem não é da indústria musical, entender como funciona o mercado da música,
o que é um fonograma, o que é um videofonograma, quais direitos envolvem esses
bens, se são eles intangíveis ou não, se podem ser cedidos ou não a uma empresa -
uma vez que decorrem do desenvolvimento intelectual humano e não de uma
atividade empresarial - entre muitas outras questões, é um enorme desafio
14 O anafórico “essa”, como o é por definição, retoma “quatro microempresas do ramo de Rap e Funk”.
24
musical e não com o músico pessoa física) diretamente dos contratantes, de modo
informal, sem a emissão de nenhum documento contábil e fiscal, sem qualquer
recolhimento de impostos e, por vezes, até através do uso de contas bancárias de
terceiros ou mesmo da própria empresa.
A título informativo, a Paypal (Paypal Holdings Inc) é uma empresa americana, criada
em 1998, que funciona como uma processadora de pagamentos online, cobrando
taxas para transferências financeiras de fundos entre os usuários de seu sistema. De
modo geral, a Paypal funciona como mera intermediária de pagamentos, operando
em transações internacionais em geral, inclusive com o Brasil, embora aqui não seja
permitido o recebimento em dólares de valores superiores ao equivalente em Reais a
25
R$ 10.000,00 (dez mil) sem o correspondente fechamento de câmbio através de
instituições autorizadas pelo Banco Central15.
Por uma questão didática e de corte, apesar de pontuado anteriormente, este trabalho
não analisa a existência de confusão patrimonial16 nem a estrutura jurídica e contábil
geral das empresas do setor musical; o problema discutido nesse estudo é tão
somente um dos objetos da análise quantitativa e qualitativa da contabilidade: as
receitas e suas implicações contábeis-tributárias.
para não técnicos ou não contadores, o conceito de receita se confunde com lucro e lucro com
faturamento. Em outras palavras, entendem alguns músicos que o dinheiro que entra na empresa é
lucro, a despeito de outros custos ou outras dívidas.
26
Nas atuais pequenas empresas do ramo musical analisadas para esse estudo,
percebe-se que, embora os números ainda se apresentem de forma bastante
inconsistentes (por falta de uma correta contabilização e excesso de informalidade
nas relações contratuais e financeiras), as “receitas” das empresas musicais advindas
da comercialização de músicas e da publicidade em músicas comercializadas através
de plataformas digitais internacionais - como, entre outras, as utilizadas pelas
empresas musicais para divulgação e “venda” direta ou indireta de seus fonogramas
e videofonogramas - representam hoje a maior proporção da receita total das
empresas do ramo musical.
Receitas 2.016
27
Receitas 2.017
4%
Receita de Shows (prestação
11%
de serviços de entretenimento)
Receita de comercialização de
fonogramas em plataformas
46% digitais
Receita de Propaganda
(youtube)
2.500.000,00
2.000.000,00
1.500.000,00
1.000.000,00
500.000,00
0,00
Receita de Receita de Receita de outras receitas
Shows comercialização Propaganda
(prestação de de fonogramas (youtube)
serviços de em plataformas
entretenimento) digitais
2.016 2.017
28
Os números da empresa analisada, parecem refletir as condições do mercado musical
brasileiro nos anos de 2.016 e 2.01718.
O referido relatório aponta o streaming19 remunerado, tanto por subscrição como por
publicidade, como o modelo de negócios que mais gera recursos para o setor (USD
4.56 bilhões), com crescimento de 60,4% em 2016. Segundo o relatório do IFPI, o
streaming interativo foi o responsável nos últimos anos pela lenta, porém consistente
recuperação do mercado fonográfico mundial em todas as suas regiões, tendo o
número de assinantes ou subscritores de plataformas de streaming de músicas
alcançado a marca de 112 milhões no mundo inteiro em 2016.
18 Há uma série de variáveis que devem ser consideradas ao se analisar o crescimento das receitas
das empresas musicais. O lançamento de um determinado álbum de impactar no aumento das receitas
e shows e das receitas de venda digitais de fonogramas. Não é objeto desse estudo tratar do
crescimento das receitas musicais, somente tratar do panorama geral do mercado e da classificação
das receitas em termos contábeis e tributários, de forma que não iremos no ater aos detalhes.
19 Streaming é uma forma de transmissão de som e imagem (áudio e vídeo) através de uma rede
qualquer de computadores sem a necessidade de efetuar downloads do que está se vendo e/ou
ouvindo, pois neste método a máquina recebe as informações ao mesmo tempo em que as repassa ao
usuário (fonte: http://www.interrogacaodigital.com/central/o-que-e-streaming);
Streaming é uma tecnologia que envia informações multimídia, através da transferência de dados,
utilizando redes de computadores, especialmente a Internet, e foi criada para tornar as conexões mais
rápidas. Um grande exemplo de streaming, é o site Youtube, que utiliza essa tecnologia para transmitir
vídeos em tempo real (fonte: https://www.significados.com.br/streaming/).
29
se firmando como a maior fonte de receitas do setor musical mundial e representando
38,4% do total das receitas do setor.
Para tanto, o presente trabalho trata de responder as seguintes perguntas: (i) quais
as receitas auferidas pelas empresas musicais analisadas? (ii) como classificar em
termos jurídicos as receitas identificadas?; (iii) é possível aplicar o CPC 47 às receitas
identificadas? (iii) as receitas auferidas pelas empresas musicais estão, parcial ou
totalmente, contempladas pela imunidade tributária estabelecida pelo Art. 150, VI, “e”
da Constituição Federal?; e, (iv) qual a tributação incidente sobre as receitas
identificadas?.
3. METODOLOGIA E CONTRIBUIÇÕES
Por meio da Portaria 147, de 13/11/2015, a CAPES nomeou uma comissão composta
de docentes de diferentes áreas para a elaboração dos critérios gerais para a
classificação dos produtos tecnológicos resultantes dos trabalhos de conclusão dos
mestrados profissionais. Essa comissão classificou os produtos tecnológicos em 4
(quatro) eixos, onde. no “eixo 1 – Produtos e Processos: Produto técnico ou
tecnológico, passível ou não de proteção, podendo gerar ativos de propriedade
industrial/ propriedade intelectual”, destaca em seu item “8 - Desenvolvimento de
material didático e instrucional”.
31
Dessa forma, a contribuição do presente trabalho é a elaboração de um produto
classificado no eixo 1, item 8, denominado desenvolvimento de material didático e
instrucional, que será consubstanciado através da publicação de um livro para apoio
doutrinário aos profissionais contábeis atuantes junto às empresas do setor musical.
4. APORTE TEÓRICO
No caso em análise, por exemplo, há uma norma jurídica que estabelece a obrigação
de contabilizar e tributar as receitas sob pena de multa e incursão em fraudecontábil
e fiscal. Logo, podemos afirmar que, pela aplicação da teoria tridimensional: a) se há
receita, essa deve ser devidamente contabilizada e tributada; b) se não houver a sua
contabilização e tributação, com base em valores determinados e na norma posta,
deverá haver uma sanção a quem deixou de cumprir com essas obrigações.
É, nesse sentido, importante observar-se que o “valor” precisa, segundo Reale (1976),
desbastar-se da concepção ideal:
Do mesmo modo,
[são] concebidos os valores nesse processo tencional, o conceito de fato
surge também desprovido de qualquer consistência estática e neutra. Põe-
se, desde logo, como momento de um processo, um elo no encadeamento
dos atos humanos, quer em função de atos anteriores, quer em razão de
dados da natureza. Em O Direito como Experiência, dedico atenção
especial ao conceito de “fato no direito”, mostrando que ele envolve tanto
aquilo que acontece, independentemente da iniciativa humana, mas que
adquire significado “inter homines” (o fato de alguém nascer, p. ex., sem
que tenha havido o propósito de gerar), como aquilo que intencionalmente
é feito e se refere “ad alios”. “Fato” é, por conseguinte, uma palavra que
corresponde tanto ao particípio passado factum, de fieri (acontecer), como
de facere (fazer) (REALE: 1976).
Em outras palavras, o fato sobre o qual se aplicará a norma é previsível, e é
imprescindível que seja, liga-se ao objeto da análise por nexo causal claro e
identificável e, por fim, surte efeitos sobre outrem. Exatamente por isso, prossegue o
autor:
Na realidade, não nos é possível enunciar uma norma jurídica obedecendo
tão-somente a conexões lógicas a priori do pensamento in abstracto, ainda
quando nos propomos atingir hipoteticamente um resultado; nem podemos
conceber a norma jurídica como uma relação neutra e objetiva, como se
fosse simples cópia ou retrato de conexões de natureza factual. Toda norma
jurídica assinala uma tomada de posição perante os fatos em função
tensional de valores. (REALE: 1976).
33
jurisprudência (CABRAL DE MONCADA, 1966, v2, p. 115-117) –, e que cada um deles
está nos outros, o que implica a necessidade sempre relacionada dos três.
Tal entendimento encontra sede nas também tripartidas fontes do direito (CABRAL
DE MONCADA, 1966), de cujas fontes bebe tal entendimento, especificamente no que
concerne ao fato de o tacitus concensus populi dos antigos romanos privilegiar os
costumes, certas condutas sociais ou comportamentos de vida social nas relações
entre si; de que a norma ou lei nada é senão o dever-ser, definido e formulado pelo
legislador, expresso na norma ou no conjunto de normas; de que a jurisprudência
expressa a aplicação prática de numerosos critérios de valoração, extraídos da lei ou
do espírito objetivo de uma cultura, aplicado à própria conduta e aos costumes dos
homens, para a realização entre eles duma ideia de justiça (ACQUAVIVA, 2011).
Nesse contexto, com maior luz ao trabalho de CARDOSO et al. (2017), a necessidade
de compreensão da teoria tridimensional aplicada à contabilidade conduziria, segundo
34
os autores, a uma visão mais ampla do problema objeto de certo estudo. Mais ainda,
afirmam os autores que o conhecimento e o estudo estanques, compartimentados,
também lê muito menos correta e compreensivelmente situações-objeto,
prejudicando-se a compatibilização de signos e conceitos importantes entre as
disciplinas (CARDOSO, 2017, p.17), de onde se extrai o Quadro 2, comparativo:
O conceito de fato surge como momento de um É qualquer ocorrência que modifique o patrimônio,
processo, um elo de encadeamento dos atos seja decorrente de negócio realizado pela
humanos, quer em função de atos anteriores, administração (ato) ou não (fato). A expressão fatos
contábeis é mais abrangente, pois inclui os fatos
quer em razão da natureza. O fato é algo que administrativos (ou fato de gestão, é qualquer negócio
somente o é enquanto se situa no envolver da realizado pela administração que modifique o
história, recebendo significado no contexto ou na patrimônio da empresa, em termos de qualidade ou
estrutura em que ele ocorre (REALE, 2005, p. quantidade).
95).
“Os atos praticados pelos administradores ou donos
da empresa, que afetam o patrimônio empresarial são
denominados fatos administrativos ou contábeis”
(PADOVEZE, 2004).
“São os eventos (de natureza econômica, em sua
maioria) que provocam alterações, e que são
registrados pela contabilidade em função de uma
planificação anterior” (IUDÍCIBUS et al., 1983, p.99).
“São ocorrências que se registram no patrimônio,
trazendo-lhe variações específicas ou quantitativas.
São todos os acontecimentos suscetíveis de registro,
ou contabilização, donde a designação de contábeis”
(FRANCO, 1997, p. 58).
“Transações realizadas pela entidade e os
demais eventos que afetam seu patrimônio”
(SZUSTER et al., 2008, p. 47).
35
Em sua cuidadosa e detalhada análise, os autores asseveram sobre a maior
importância dos CPCs, afirmando que:
36
O valor pode ser definido como elemento de mediação dialética entre fato e
norma, representando a expressão de um desenvolvimento histórico no
plano das estimativas, no qual o homem é considerado o valor-fonte de
todos os valores, pois somente ele é originariamente um ente capaz de
tomar consciência do que considera importante para sua vida. Assim, a
norma, na qualidade de realidade cultural, compõe-se de conflitos e de
interesses, que se renovam constantemente em decorrência das tensões
que envolvem fatos e valores (relação fático-axiológica). De acordo com
esse entendimento, o processo de emissão de normas, no campo contábil,
pode ser formado pelas contínuas intenções de valor que, ao incidirem
sobre um determinado evento econômico, definem os padrões a serem
seguidos. Os padrões seriam representados pelas normas contábeis, com
a inferência dos entes reguladores como expressão de poder. Notamos,
então, que a norma contábil não pode surgir espontaneamente dos fatos e
dos valores, pois ela não pode prescindir da apreciação da autoridade, ou
seja, de quem define a oportunidade e conveniência da norma a ser
consagrada.
Sob tal perspectiva, segundo a qual o fato social influencia no processo legislativo,
logo não pode ser ignorado na interpretação da regra jurídica, seu conhecimento não
prescinde de outras ciências que a ele se relacionam (OLIVEIRA, s.d.).
É por isso que o chamado caráter interdisciplinar (OLIVEIRA, s.d.), visto como
estratégia para construção do discurso científico, tornou-se uma necessidade. É o que
afirma Carvalho (2007, p. 135), sob algumas ressalvas:
38
Figura 1 - Sinopse da Propriedade Intelectual (com destaque, em verde, para os direitos autorais e
conexos)
Constituição Federal artigo 5º, Inciso XXVII - aos autores pertence o direito
exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei deixar.
Lei 9610/98: Art. 1º Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob
esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos.
Art. 2º Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção
assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas
domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas
no Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes.
Art. 3º Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.
Art. 4º Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos
autorais.
(...)
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas
por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...)
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as
cinematográficas;(...)
(grifo nosso)
Por direito autoral, entende-se, portanto, aquele ramo do direito civil que dá às obras
intelectuais e seus autores, proteção legal de longa duração, independentemente de
formalidades de registro.
40
Por seu caráter intransferível, tais direitos, que se apresentam no rol acima elencado,
não serão objeto desse estudo, uma vez que não podem ser cedidos pelo autor à
empresa musical, bem como, por tratar-se de uma obra decorrente da atividade
pessoal intelectual de um indivíduo, por obvio, não podem ser produzidos diretamente
pela pessoa jurídica.
No que tange aos direitos patrimoniais, por sua vez, ao contrário dos direitos morais,
esses referem-se principalmente à utilização econômica da obra intelectual,
permitindo que o autor utilize ou permita que terceiros utilizem, de forma total ou
parcial, sua obra criativa da forma como queira ou como permita que o façam. Os
direitos patrimoniais de autor podem ser, portanto, cedidos ou transferidos à outras
pessoas, as quais, o autor concede, em troca de dinheiro ou outros bens, o direito de
representação ou mesmo utilização de suas criações.
Capítulo III
Dos Direitos Patrimoniais do Autor e de sua Duração
(...)
Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra
literária, artística ou científica. (grifo nosso)
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da
obra, por quaisquer modalidades, tais como:
I - a reprodução parcial ou integral;
II - a edição;
III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV - a tradução para qualquer idioma;
V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com
terceiros para uso ou exploração da obra;
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra
ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário
realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar
previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em
41
que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que
importe em pagamento pelo usuário;
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica,
mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo
e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a
microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a
ser inventadas.
Cabe ressaltar que, a Lei 9.610/98 não protege somente o direito autoral, mas
também, em seu Art. 89, estabelece proteção aos direitos conexos ao direito autoral,
estabelecidos e conceituados em Lei como os direitos dos artistas intérpretes,
executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiofusão.
42
Figura 2 - Sinopse da Propriedade Autoral (com destaque, em preto, para os direitos patrimoniais
autorais e conexos, objetos deste estudo)
Apresentada a visão geral dos direitos autorais e suas espécies, cabe novo corte
didático, uma vez que o presente estudo não visa tratar especificamente dos direitos
autorais, mas sim das receitas que as empresas musicais auferem em decorrência da
exploração da parte patrimonial desses direitos.
43
Isso significa que as pessoas jurídicas, de modo geral, não produzem direitos autorais,
pois não têm capacidade jurídica para tanto.
A Lei 9.610/98, estabelece, em seu artigo Art. 49, que os direitos de autor poderão ser
total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título
universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes
especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios
admitidos em Direito, obedecidas algumas limitações previstas na própria Lei. Além
disso, estabelece também, que mediante contrato de edição, poderá autorizar editora
estabelecida nos termos da Lei a reproduzir e a divulgar a obra artística em caráter de
exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com
o autor.
Dessa forma, poderá uma empresa musical receber em cessão onerosa ou gratuita
os seguintes direitos patrimoniais autorais e conexos: a) direitos decorrentes da
edição, que permite à pessoa jurídica arrecadar os direitos decorrentes da publicação
e divulgação da obra, nos termos combinados com o autor; b) direitos patrimoniais
decorrentes da comercialização da reprodução de fonogramas e videofonogramas em
lojas físicas ou virtuais, ressalvados os direitos morais do intérprete e do produtor
musical; e, por fim, c) direitos patrimoniais advindos de publicidades vinculadas aos
videofonogramas divulgados por meios virtuais ou da utilização dos fonogramas em
novelas ou em propagandas em rádio e tv.
44
canal virtual denominado Youtube ou mesmo ouvimos sua veiculação através do
rádio.
Num momento anterior ao advento das lojas virtuais e da imunidade tributária trazida
pela EC 75/2013, tratar desse conceito interessava somente ao titular do direito
autoral e aos autores que precisavam contabilizar as execuções musicais para
recebimento e exercícios de seus direitos autorais patrimoniais.
De modo geral, para os consumidores de música, esse tema não tinha grande
relevância, pois a música chegava a eles de forma gratuita, através do rádio ou
vinculada a um produto ou serviço: CD, DVD ou mesmo um espetáculo artístico
(show).
45
direitos de autor e direitos que lhe são conexos. (...) VIII - videofonograma - a fixação
de imagem e som em suporte material”.
De acordo com o art. 5º da Lei de Direitos Autorais, fonograma vem a ser toda
fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de
uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra
audiovisual.
O fonograma, portanto, é um meio de comunicação e, de forma simples,
pode-se dizer que este vem a ser a fixação de um som em um meio material
de determinada obra. Como exemplo de fonograma, pode-se citar o compact
disc (CD). (...)
Os videofonogramas, por sua vez, com base na revogada legislação de
direitos autorais, são resultados da fixação de som e imagem em um suporte
material. Estes se diferem dos fonogramas por incluírem a fixação de
imagens no suporte material e são exemplo de videofonogramas os DVDs
(Digital Versatile Disc).
A título de curiosidade, tanto os videofonogramas, como os fonogramas, ao
serem gravados recebem um código padrão internacional de fonogramas
(músicas, gravação) e videofonogramas (clipes), código este denominado
ISRC, que vem para identificar e facilitar informações sobre as gravações.
Apenas para ilustrar e esclarecer um pouco mais a questão, cabe lembrar a lição de
Rizzardo (2008, p. 340-342):
Sobre esse assunto, ensina Carraza (2010) que “configura-se como mercadoria o bem
imóvel corpóreo adquirido pelo comerciante industrial ou produtor para ser de objeto
de seu comercio, isto e, para ser revendido”. Adicionalmente, Melo e Carvalho (2016)
esclarecem que:
Assim, cabe lembrar, portanto, que embora o direito autoral em si, que compõe o
fonograma e o videofonograma, não seja um produto, nos termos do Código de
20
Ativo permanente é um conceito que foi excluído da contabilidade com a advento das Normas Internacionais
(IFRS).
47
Defesa do Consumidor, as mídias, sejam elas digitais ou físicas, que permitem o
exercício de sua comercialização - ou em termos jurídicos de cessão ou transferência
a terceiros de cópia autorizada de seu conteúdo, são bens corpóreos (lato sensu), e
que contém o meio físico de transferência e cópia da reprodução do direito autoral
(fonograma ou videograma) caracterizando-se, portanto, como um produto nos termos
do Código de Defesa do Consumidor e como uma mercadoria nos termos da
Legislação do Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação, uma vez que são bens móveis materiais (nos casos dos CDs, DVDs,
Blu-ray, pen drives, etc.) ou imateriais (arquivos digitais), que estão no comércio para
revenda e obtenção do lucros.
Segundo o Art. 3º do Código Tributário Nacional, tributo pode ser definido como sendo
a prestação pecuniária compulsória de qualquer espécie, não decorrente de ato ilícito
praticado pelo prestador, que se possa exprimir em moeda, instituído por lei e cobrado
mediante atividade administrativa vinculada (União, Estados, Municípios e entidades
autorizadas) para finalidade de interesse público.
48
vinculada; vinculada indiretamente a uma prestação específica do Estado que gere
um benefício financeiro ao contribuinte (valorização do imóvel) e sem destinação
específica; empréstimo compulsório (prestação pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em
lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada e destinado à
atender as despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra
externa ou sua iminência; e, por fim, contribuições (prestação pecuniária compulsória,
em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada; não vinculado a nenhuma prestação específica do Estado e com
destinação específica.
O Art. 150 da CF, após texto incluído da EC 75/ 2013, estabelece que:
Assim, o Art. 150, VI, “e” da Constituição Federal não estabelece, como muito se
comenta de forma errônea, imunidade tributária à música em geral, mas sim, a
imunidade relativa aos impostos incidentes sobre os fonogramas e videogramas
musicais (já qualificados no título anterior) produzidos no Brasil, contendo obras
musicais ou literomusicais de autores brasileiros, bem como os suportes materiais ou
arquivos digitais que os contenham, ressalvadas as mídias ópticas.
Assim, não são os direitos autorais em geral que estão englobados pela imunidade de
impostos estabelecida no artigo anteriormente mencionado, são, tão somente, os
fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil, por artistas brasileiros
e seus suportes materiais, físicos ou digitais, ou seja, são os “produtos” fonogramas e
videofonogramas que recebem a imunidade, estando, portanto, excluídos de seus
âmbito, a remuneração pela cessão de direitos e os lucros das empresas musicais.
Nesse sentido é importante destacar que uma mesma obra musical, como por
exemplo, a música Tempos Modernos do Lulu Santos, quando cantada por seu autor,
o próprio Lulu Santos, produz um fonograma, quando cantada por outro artista ou
banda, por exemplo, o Jota Quest, produz outro fonograma, se utilizada, por exemplo,
parcialmente, em uma propaganda de rádio ou tv, gera um novo fonograma, entendido
como fonograma publicitário e não protegido pela imunidade constitucional.
Explica Manoel (2003) que a palavra royalty, do inglês, significa realeza e fora aplicada
como forma de retorno ao rei pela utilização de bens públicos. O direito americano
absorveu tal conceito e hoje a palavra é utilizada em várias situações nas quais uma
quantia deve ser paga por alguém, ao proprietário, pelo direito de usar, explorar ou
comercializar um produto, obra, bem imóvel, patente, etc.
No direito brasileiro não há nenhuma norma que conceitue royalty. Porém, a Lei
4.506/64 estabelece, em seu Art. 22, que “serão classificados como royalties os
rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos,
tais como: (...) d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor
ou criador do bem ou obra.”
50
Isso porque, quando ocorre a comercialização de um fonograma ou videofonograma
na internet, por lojas especializadas, entendemos que dois diferentes negócios
jurídicos (envolvendo as mesmas ou diferentes partes) se estabelecem: a) a
exploração econômica de direitos patrimoniais do autor, no qual se faz clara a
condição jurídica que gera a obrigatoriedade do pagamento do royalty: a exploração
de direito do autor através da comercialização de mídias digitais que contenham
conteúdo respaldado por esses direitos; e, b) a exploração econômica, por lojas
virtuais especializadas, de direitos patrimoniais decorrentes do direito de reprodução
e venda em cópias de um fonograma ou videofonograma (através do acesso
streaming ou através de download), em varejo, a terceiros (da mesma forma como se
faria com uma mercadoria (latu senso) qualquer) - em decorrência de um contrato no
qual o detentor dos direitos de reprodução e comercialização do fonograma ou
videofonograma (que pode ser o autor, o cantor ou mesmo um terceiro por eles
licenciados) entrega em “consignação” à loja virtual a cópia máster do fonograma ou
videofonograma - para venda à terceiros, recebendo, como contrapartida, após acerto
de contas, parte do preço da venda ao consumidor em geral, efetuada pela loja virtual
contratada. Neste caso, ainda que o mercado efetivamente chame essa remuneração
como royalty, não se trata de royalty, mas sim de preço de venda de mídia digital
musical (tal como se fazia com os CDs antigamente), sobre o qual,
independentemente do tratamento habitualmente efetuado pelo mercado, deveriam
incidir todos os demais tributos que não estivessem contemplados pela imunidade
constitucional.
Tal entendimento tem respaldo no fato de que, em 2008, após a Apple Store ameaçar
o fechamento mundial de sua loja virtual Itunes, face a proposta de aumento do valor
dos royalties a serem pagos aos autores e editoras de música, por conta dos
downloads digitais permanentes, de fonogramas e videofonogramas oferecidos pelas
lojas digitais, como o Itunes, a Dresser, entre outras, os tribunais de direitos autorais
americanos, reviram a questão do pagamento de royalties e estabeleceram duas
espécies diferentes de remuneração a serem pagas pelas lojas virtuais aos autores e
detentores de direitos sobre fonogramas, em decorrência da sua comercialização em
plataformas virtuais: a) pagamento de royalties de USD 0,091 (zero, ponto zero
noventa e um centavos, de dólares) aos detentores de direitos autorais, por faixa e
por download permanente, dos fonogramas e videofonogramas; e, pagamento de um
51
percentual variável entre 60% e 80% da receita liquida obtida pelas lojas virtuais, pela
comercialização unitária, streeming ou através de download, de cada fonograma ou
videofonograma, a ser paga aos detentores dos direitos de reprodução e
comercialização desses bens. O problema é que, mesmo que impropriamente, esses
direitos também são pagos aos seus titulares sobre a rubrica de royalties.
4.7. Youtube
Especificamente com respeito ao ramo musical, é muito fácil expor-se ao mundo. Uma
vez criada a obra, basta apresentá-la ao potencial público postando-a no Youtube.
O Youtube é uma plataforma virtual, administrada por uma das empresas do grupo
Google, que tem por fundamento a distribuição de conteúdo de vídeo ou
videofonogramas no qual qualquer pessoa pode compartilhar um vídeo na internet
postando-o nessa plataforma em um canal especificamente criado para esse fim.
A postagem e a visualização dos vídeos são gratuitas. Porém para que o conteúdo
disponibilizado seja monetizado é necessário que o titular do conteúdo aceite as
regras previstas na política de monetização do Youtube (Youtube Partner Program -
Programa de Parceiros do Youtube, em português) que estabelecem, entre outras
coisas, que somente aqueles canais que tenham mais de 10.000 (dez mil)
visualizações terão comerciais incluídos antes do início de seus vídeos e, portanto,
serão objeto de monetização. Em resumo, somente aqueles vídeos ou canais privados
que tenham maior número de visualizações ou de seguidores fieis, despertam o
interesse de anunciantes, os quais através de contratos com o próprio Youtube,
passam a apresentar seus anúncios e propaganda antes da veiculação dos vídeos e
do conteúdo daqueles canais, gerando receita para os autores dos vídeos ou
videofonogramas (Youtube Partner Program, 2017).
A utilização do canal do Youtube por si só, de modo geral, não gera receita - a não
ser aquela decorrente de eventuais usuários que optam por não visualizar as
propagandas, pagando para ver os vídeos sem propagandas. O que gera receita para
os autores dos vídeos e detentores dos canais privados são as propagandas
vinculadas nos canais em decorrência da sua popularidade. Assim, pode-se afirmar
que os canais corporativos ou não, no Youtube, quando se apresentam como um
negócio para seus titulares e estão aptos a monetização, geram receita publicitária
para seus titulares.
53
4.8. Conceito de Receita e reconhecimento de receitas conforme CPC 47
Ensina Iudícibus (2010) que, por receita, entende-se a entrada de elementos para o
ativo, sob a forma dinheiro ou direitos a receber e que corresponde normalmente à
venda de mercadorias, de produtos ou da prestação de serviços, podendo derivar
também de juros sobre depósitos bancários ou títulos, alugueis e outras origens.
Assim, as receitas não devem ser confundidas com as entradas gerais de caixa, as
receitas representam as entradas de caixa relacionadas à atividade da empresa e a
algumas outras transações (receitas financeiras, por exemplo) efetuadas pela
empresa durante um determinado período, como por exemplo, um exercício social ou
um ano fiscal.
54
Sobre o mesmo assunto, a KPMG Business Magazine 38 (2016) informa que o novo
modelo de reconhecimento de receitas define-se a partir da avaliação de cinco etapas:
a) identificação do contrato; 2) identificação das obrigações de desempenho; 3)
determinação do preço de transação; 4) alocação do preço de transação; e, por fim,
5) reconhecimento da receita.
Além disso, determina o CPC 47 que seu objetivo é estabelecer os princípios que a
entidade deve aplicar para apresentar informações úteis aos usuários de
demonstrações contábeis, sobre a natureza, a época, o valor e a incerteza de receitas
e fluxos de caixa proveniente de contratos com clientes.
Por conta disso, ensina a teoria do direito civil, que três, entre outros, são os elementos
estudados pelo direito civil: o ato jurídico, o fato jurídico e o negócio jurídico. Por ato
jurídico entende-se um ato determinado pela vontade do homem, com o propósito de
obter certos efeitos jurídicos relativamente à sua pessoa. Por fato jurídico entende-se
a externalização de todo acontecimento emanado do homem ou das coisas e que
produz consequências jurídicas, independentemente da vontade humana. Por fim, o
55
negócio jurídico - espécie de ato jurídico porque depende da vontade humana para
ocorrer – é entendido como uma declaração de vontade de uma ou mais pessoas
capazes (físicas ou jurídicas), com sentido e objetivo determinado, visando a obtenção
de efeitos jurídicos, desde que lícitos e que não ofendam a vontade declarada e o
ordenamento jurídico (RIZZARDO, 2008, p. 11). Assim, evidentemente, os contratos
são enquadrados na categoria dos negócios jurídicos.
Pelo exposto, podemos inferir que o Código Civil Brasileiro, o qual regulamenta os
negócios jurídicos e, consequentemente, os contratos, não promove qualquer
restrição às contratações de modo geral, desde que estabelecidas entre contratantes
capazes, na forma da Lei e com objeto lícito, não cabendo, portanto, a nenhuma
norma de qualificação ordinária, como por exemplo, um Pronunciamento Contábil, a
possibilidade de estabelecer restrições nesse sentido.
Deixando de lado a interpretação literal da norma, infere-se que não seja essa a
intenção do CPC 47. Também não parece ser a intenção do CPC 47 afirmar que não
poderiam ser consideradas receitas aqueles acréscimos de caixa que decorram da
atividade normal ou do objeto social das entidades, mas que tenham por base um
contrato outro que não um contrato de venda de produtos ou de prestação de serviços,
ou seja, um contrato com cliente.
Esse estudo considera, tal qual o entendimento majoritário da doutrina contábil, que o
CPC 47 aplica-se a todos os negócios jurídicos contratuais, com exceção feita apenas,
pelo próprio Pronunciamento, quanto: (i) aos contratos de arrendamento (NBC TG 06);
(ii) aos contratos de seguro (NBC TG 11); (iii) aos instrumentos financeiros e outros
direitos ou obrigações contratuais (NBC TG 48); (iv) aos Negócios em Conjunto (NBC
56
TG 35 e NBC TG 18), e (v) às permutas não monetárias entre entidades na mesma
linha de negócios para facilitar vendas a clientes ou clientes potenciais.
Tal entendimento baseia-se no fato de que a expressão “contrato com cliente” deve
ser entendida em sentido amplo para englobar todos aqueles negócios jurídicos que
implicam em prestações recíprocas exigíveis e que atendam a todos os requisitos
estabelecidos no artigo 9 do CPC 47:
Contrato com
Cliente
57
Importante ressaltar que se o negócio jurídico não atender aos critérios apresentados
anteriormente, a parte a quem cabe o recebimento da receita, não pode reconhece-
la, devendo continuar a avaliar o contrato para determinar se esses critérios serão
atendidos subsequentemente.
(...) quando qualquer uma das seguintes hipóteses tiver ocorrido: (a) a
entidade não possui obrigações restantes de transferir bens ou serviços ao
cliente, e a totalidade, ou praticamente a totalidade, da contraprestação
prometida pelo cliente foi recebida pela entidade e não é restituível; ou (b) o
contrato foi rescindido e a contraprestação recebida do cliente não é
restituível (CPC 47, 2016).
Nesse sentido, o CPC 47, estabeleceu, em seus itens B52 a B62, as regras para
contabilização das receitas decorrentes dos contratos de licenciamento.
Neste caso, o CPC 47, entende, nos termos do artigo 9 de seu texto, por equiparar a
licença à um bem ou serviço decorrente da atividade normal da entidade e o licenciado
à figura de um cliente, considerando, o contrato de licenciamento como sendo um
contrato com cliente. O item B52 do referido Pronunciamento Contábil esclarece que
um contrato de licença estabelece direitos para cliente quanto à propriedade
58
intelectual da licenciante, podendo ser objeto dessa espécie de contrato licenças de
propriedade intelectual sobre software e tecnologia; filmes, música e outras formas de
mídia e entretenimento; franquias; e patentes, marcas registradas e direitos autorais.
59
à sua propriedade intelectual à medida que ocorre o desempenho. Nesse caso, as
receitas decorrentes desse contrato somente poderão ser reconhecidas pela
licenciante quando a obrigação de desempenho estiver satisfeita e quando se possa
mensurar de forma confiável a transferência ao cliente dos benefícios decorrentes
desse licenciamento.
Contratos de consignação são aqueles nos quais uma das partes entrega à outra,
produtos para que esta segunda os revenda a clientes finais.
Nos termos do CPC 47, item B77, quando a empresa fornecedora entrega o produto
ao seu cliente (revendedor ou distribuidor) para venda a clientes finais, a fornecedora
deve avaliar se o cliente obteve controle do produto nesse momento específico no
tempo.
Se o cliente ainda não obteve o controle do produto que foi a ele entregue, este pode
ser mantido sob contrato em consignação. Ou seja, se o cliente ainda não obteve o
controle do produto a ele entregue, mas possui a posse direta desse produto,
configura-se uma relação de consignação e, consequentemente, o cliente não pode
considerar esse produto como estoque seu, nem a fornecedora deve reconhecer a
receita por ocasião da entrega do produto.
60
Os indicadores de que a operação é relativa a um contrato em consignação incluem,
sem limitação, o seguinte, nos termos do CPC 47: (a) o produto é controlado pela
fornecedora/consignante até que ocorra evento específico, tal como a venda do
produto a cliente do revendedor (cliente) ou até que um período especificado expire;
(b) a fornecedora é capaz de exigir a devolução do produto ou de transferir o produto
a terceiro (tal como outro revendedor/cliente); e (c) o cliente não tem obrigação
incondicional de pagar pelo produto, a não ser que haja no contrato firmado alguma
cláusula determinando desempenho ou cota mínima de vendas, e quando da efetiva
transferência do bem consignado a terceiros.
5. RECEITAS ANALISADAS
Show pode ser conceituado como um “concerto ou espetáculo que pode ser
apresentado no teatro, na televisão, ao ar livre, no rádio etc. Tipo de programa de
entretenimento e popular em que vários artistas se apresentam e, algumas vezes,
interagem com o público (DICIO, 2018). Assim, shows são espetáculos teatrais ou
musicais para os quais pessoas físicas ou jurídicas são contratadas com o intuito de
entreter um determinado grupo de pessoas.
61
entidade espera transferir serviços e receber uma contraprestação, conforme
pactuada.
Estabelece o CPC 47, em seu artigo 9, que a entidade deve contabilizar um contrato
com cliente somente quando todos os critérios descritos no Quadro 3 forem atendidos.
Quadro 3 - Critérios para contabilização de um contrato com cliente, no caso de evento Show ou
Espetáculo
62
rescisão contratual. Em qualquer dos casos, o passivo deve ser mensurado pelo valor
da contraprestação recebida do cliente.
Importante destacar que a receita auferida pela prestação dos serviços – show – é
uma receita decorrente da operação (objeto) da empresa e somente deve ser
reconhecida pela empresa musical após a efetiva realização do mesmo, momento em
que de fato ocorre a transferência do serviço prometido ao cliente.
63
Importante destacar que a emissão de nota fiscal relativa ao adiantamento não
permite ao prestador de serviços reconhecer o adiantamento recebido em conta de
resultado como receita da empresa, por tratar-se, na verdade, de um adiantamento.
Quadro 4 - Tributação incidente sobre o objeto (atividade econômica) Show – Simples Nacional
Simples Nacional
Base Tabela do Anexo III
Alíquota 6% a 33% sobre a Receita Bruta
4% da alíquota, correspondendo de 0,24% a 1,32% sobre a receita bruta acumulada nos
IRPJ últimos 12 meses.
3,5% da alíquota, correspondendo de 0,21% a 1,155% sobre a receita bruta acumulada nos
CSLL últimos 12 meses
12,82%, 13,64% ou 14,05% da alíquota, correspondendo de 0,7692% a 4,2306% sobre a
Cofins receita bruta acumulada nos últimos 12 meses
2,78%, 2,96% ou 3,05% da alíquota, correspondendo de 0,1668% a 0,5838% sobre a receita
PIS bruta acumulada nos últimos 12 meses
43,40% da alíquota, correspondendo de 2,604% a 14,322% sobre a receita bruta acumulada
CPP nos últimos 12 meses
32%, 32,50% ou 33,50% da alíquota, correspondendo de 2,01% a 7,035% sobre a receita
ISS bruta acumulada nos últimos 12 meses
Fonte: Elaborado pela autora
40%
20%
0%
IRPJ CSLL Cofins PIS CPP ISS
1ª Faixa 6ª Faixa
Nos regimes do Lucro Real e do Lucro Presumido as alíquotas dos tributos incidentes
são aplicadas considerando as especificidades de cada um dos regimes, conforme a
síntese apresentada no Quadro 5.
Quadro 5 - Tributação incidente sobre o objeto (atividade econômica) Show – Lucro Real e Lucro
Presumido
Regime Fiscal Lucro Presumido Lucro Real
Base 32% de Receita Bruta (Lucro Presumido - LP) Lucro Contábil Ajustado (Lucro Fiscal)
Tributo Alíquota Alíquota
15% sobre o lucro fiscal apurado. Soma-se
15% sobre o LP . Soma-se o adicional de 10% sobre o adicional de 10% sobre o LP acima de R$
o LP acima de R$ 60.000,00 no trimestre (ou R$ 60.000,00 no trimestre (ou R$ 20.000,00 por
IRPJ 20.000,00 por mês ou fração) mês ou fração)
CSLL 9% sobre o LP 9% sobre resultado ajustado (IN 1700/17)
COFINS 3% sobre a receita 7,60% sobre a receita
PIS 0,65% sobre a receita 1,65% sobre a receita
Senai/Senac: 1%; Sesi/Sesc: 1,5%; Salário
Educação 2,5%, Incra: 0,20% Sebrae:
0,30% (para esse objeto): SAT: 1% (risco
baixo) aplicáveis sobre a folha de
CPP 2,88% sobre a receita pagamentos
ISS 2 a 5% sobre a receita 2 a 5% sobre a receita
Na prática, observamos que nenhuma nota fiscal é emitida pela empresa musical e a
transferência do valor, pela empresa intermediária, à empresa musical (que
corresponde à sua receita de royalty e de comercialização de fonogramas em mídia
digital), é feita, após a dedução da comissão e das despesas com a venda, mediante
transferência internacional de valores, via Paypal.
Para a correta interpretação desse contrato e das suas implicações contábeis, faz-se
necessário, primeiramente, atentar à natureza do negócio jurídico firmado entre as
partes. Ou seja, ainda que o contrato em questão seja chamado costumeiramente de
contrato de licenciamento e que as receitas dele decorrentes sejam chamadas de
royalties, a essência desse contrato é, na verdade, hibrida, misturando prestações e
contraprestações decorrentes de uma relação jurídica de licenciamento com
prestações e contraprestações de uma relação jurídica de venda de fonogramas em
mídias digitais, sob forma similar à consignação de bens.
5, abaixo:
Dito isso, faz-se necessário efetuar um corte didático: como o presente estudo não
tem por fundamento analisar as receitas de toda a cadeia de contratos que envolvem
as empresas musicais, não vamos analisar os contratos firmados entre a distribuidora
e as lojas virtuais nem os contratos firmados entre as lojas virtuais e o consumidor
68
final, nos atendo apenas, ao contrato firmado entre a empresa musical e a
distribuidora.
Sob essa ótica, vejamos a aplicação do CPC 47 – Receitas de Contratos com clientes,
a esse caso concreto, conforme critérios apresentados no Artigo 9 do referido
Pronunciamento.
Quadro 6 - Critérios para contabilizar um contrato com cliente, no caso de evento de Licenciamento de
Direitos Autorais Patrimoniais e consignação de fonograma.
21
CPC 47, Art. 30: “Se o bem ou o serviço prometido não for distinto, a entidade deve combinar esse bem o
serviço com os outros bens ou serviços prometidos até que se identifique o grupo de bens ou serviços que seja
distinto. Em alguns casos, isso pode resultar em que a entidade deva contabilizar todos os bens e serviços
prometidos no contrato como uma única obrigação de desempenho.”
70
do direito de reprodução privada (com a compra da música) ou da disponibilização do
serviço de streaming ao cliente final das lojas virtuais (cliente da empresa
distribuidora). Assim, em termos práticos, tal qual em um contrato de consignação, as
receitas somente podem ser reconhecidas pela empresa musical após a satisfação
da obrigação de desempenho acima descrita, com a efetiva prestação de contas da
apuração de venda de produtos (fonogramas) e disponibilização de serviços
(streaming) por parte da distribuidora (cliente).
Sobre esse assunto é importante mencionar que o Capitulo B do CPC 47 (CPC, 2016),
quando trata especificamente de royalties em contratos que envolvem licenciamento
de direitos e vendas e bens e serviços tem entendimento similar e determina que:
22
CPC 47: 46. Quando (ou à medida que) uma obrigação de desempenho for satisfeita, a entidade deve reconhecer
como receita o valor do preço da transação (o qual exclui estimativas de contraprestação variável que sejam
restringidas de acordo com os itens 56 a 58), o qual deve ser alocado a essa obrigação de desempenho.
47. A entidade deve considerar os termos do contrato e suas práticas de negócios usuais para determinar o preço
da transação. O preço da transação é o valor da contraprestação à qual a entidade espera ter direito em troca da
transferência dos bens ou serviços prometidos ao cliente, excluindo quantias cobradas em nome de terceiros (por
exemplo, alguns impostos sobre vendas). A contraprestação prometida em contrato com o cliente pode incluir
valores fixos, valores variáveis ou ambos
71
Entendemos que esse tratamento não está correto, uma vez que os royalties devem
ter um tratamento jurídico-contábil-fiscal diferente das receitas de comercialização de
produtos e das receitas de prestação de serviços.
Importa lembrar que o Art. 150, VI, “e” da Constituição Federal não estabelece, como
muito se comenta de forma errônea, imunidade tributária à música em geral ou a toda
cadeia musical, mas sim, a imunidade relativa aos impostos incidentes sobre os
fonogramas e videofonogramas musicais (já qualificados no título anterior) produzidos
no Brasil, contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros, bem como
os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, ressalvadas as mídias
ópticas.
Assim, não são os direitos autorais em geral que estão englobados pela imunidade de
impostos estabelecida no artigo anteriormente mencionado, são, tão somente, os
fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil, por artistas brasileiros
e seus suportes materiais, físicos ou digitais.
O entendimento de que os royalties não são abrangidos pela imunidade do Art. 150,
VI, “e” da Constituição Federal decorre do fato de que a imunidade não é extensiva e
se, como tal, não abrange os lucros das empresas musicais, no que tange ao Imposto
72
de Renda, também não atingem os royalties, pagos à empresa licenciante dos direitos
patrimoniais decorrentes dos fonogramas.
Entretanto, infelizmente, tal prática se torna claramente impossível, uma vez que o
distribuidor, após prestação de contas e apresentação dos relatórios de
comercialização, paga, às empresas de música, um valor fixo por música vendida nas
plataformas digitais ou ouvidas em seus serviços de streaming, não deixando, de
modo algum, transparente, quanto dessa remuneração unitária fixa refere-se a
royalties e quanto se refere a venda de produto ou prestação de serviços.
Simples Nacional
74
Quadro 8 - Tributação da receita de prestação de serviços streaming
Simples Nacional
Base Tabela do Anexo III
Alíquota 6% a 33% sobre a Receita Bruta
4% da alíquota, correspondendo de 0,24% a 1,32% sobre a receita bruta acumulada
IRPJ nos últimos 12 meses.
3,5% da alíquota, correspondendo de 0,21% a 1,155% sobre a receita bruta
CSLL acumulada nos últimos 12 meses
12,82%, 13,64% ou 14,05%da alíquota, correspondendo de 0,7692% a 4,2306%
Cofins sobre a receita bruta acumulada nos últimos 12 meses
2,78%, 2,96% ou 3,05% da alíquota, correspondendo de 0,1668% a 0,5838%
PIS sobre a receita bruta acumulada nos últimos 12 meses
43,40% da alíquota, correspondendo de 2,604% a 14,322% sobre a receita bruta
CPP acumulada nos últimos 12 meses
ISS Imune - Art. 150, VI, “e”
Fonte: Elaborado pela autora
Quanto à atividade de comercialização de fonogramas e videofonogramas, o Simples
Nacional a equipara à atividade de comércio atacadista de filmes, CDs, DVDs, fitas,
discos e outros (CNAE 4649-4/08), devendo a receita ser tributada nos termos da
Tabela do Anexo I, com imunidade aplicada ao ICMS (Imposto sobre Circulação de
Mercadorias), conforme apresentado no Quadro 9.
Simples Nacional
Base Tabela do Anexo I
Alíquota 4% a 19% sobre a Receita Bruta
12,74% ou 28,27 %da alíquota, correspondendo de 0,5092% a 1,2% sobre a receita bruta
Cofins
acumulada nos últimos 12 meses
75
na qual a empresa se enquadra, esta é repartida entre os vários impostos
contemplados no Simples Nacional, conforme demonstrado no Quadro 09. Por
exemplo, uma empresa com receita bruta acumulada nos últimos doze meses até R$
180.000,00 (cento e oitenta mil Reais) é enquadrada na 1ª faixa do Anexo I, cuja
alíquota do Simples Nacional corresponde a 4% e a repartição entre os diversos
impostos contemplados no Simples Nacional é a seguinte: 5,5% para IRPJ (Imposto
de Renda de Pessoa Jurídica); 3,5% para CSLL (Contribuição Social Sobre Lucro
Líquido); 12,74% para COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade
Social); 2,76% para PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa de
Formação do Patrimônio do Servidor Público); 41,50% para CPP (Contribuição
Patronal Previdenciária); e 34,00% para ICMS (Imposto Circulação de Mercadorias e
Serviços), no caso, imune.
Quadro 11 - Tributação incidente sobre prestação de serviços de streaming nos regimes do Lucro Real e
Lucro Presumido
77
Quadro 12 - Tributação sobre a venda de fonogramas por meio digital
Simples Nacional
Base Tabela do Anexo III
Alíquota 6% a 33% sobre a Receita Bruta
4% da alíquota, correspondendo de 0,24% a 1,32% sobre a receita bruta acumulada
IRPJ nos últimos 12 meses.
3,5% da alíquota, correspondendo de 0,21% a 1,155% sobre a receita bruta
CSLL acumulada nos últimos 12 meses
78
12,82%, 13,64% ou 14,05%da alíquota, correspondendo de 0,7692% a 4,2306%
Cofins sobre a receita bruta acumulada nos últimos 12 meses
2,78%, 2,96% ou 3,05% da alíquota, correspondendo de 0,1668% a 0,5838% sobre
PIS a receita bruta acumulada nos últimos 12 meses
43,40% da alíquota, correspondendo de 2,604% a 14,322% sobre a receita bruta
CPP acumulada nos últimos 12 meses
32%, 32,50% ou 33,50% da alíquota, correspondendo de 2,01% a 7,035% sobre a
ISS receita bruta acumulada nos últimos 12 meses
Fonte: Elaborado pela autora
Quadro 14 - Tributação incidente sobre Royalties nos regimes do Lucro Real e Lucro Presumido
O Youtube, por sua vez, a seu bel prazer e conforme quesitos normalmente não
divulgados, escolhe os vídeos ou videofonogramas que irão receber as publicidades
79
antes de sua divulgação. Em tese, todos os vídeos que estiverem em canais com mais
de 10.000 visualizações têm direito a receber propaganda prévia e, portanto,
monetização. Porém, quem escolhe a propaganda a ser vinculada é o Youtube. Do
mesmo modo, cabe a ele ratear as receitas de publicidade com os detentores dos
direitos dos vídeos acessados (no caso as empresas de música). Segundo a política
divulgada pelo Youtube, os canais passam a ser “monetizados” ou a ser passiveis de
monetização somente após atingirem a quantidade mínima de 10.000 (dez mil)
visualizações. Canais com menos de 10.000 visualizações não são monetizáveis.
A resposta que nos parece a mais plausível é a de que essas receitas somente podem
ser reconhecidas quando da disponibilização financeira pelo Youtube. Isso porque,
apesar do contrato entre o Youtube e a empresa de música ser um contrato com o
cliente, algumas das obrigações e direitos das partes não estão claras, não há como
identificar ou quantificar a contraprestação de imediato, nem o momento exato de sua
ocorrência, tornando difícil a aplicação, no início do contrato dos termos do CPC 47
(CPC, 2016) quanto aos requisitos e condições para o reconhecimento das receitas.
80
Quadro 15 - Critérios para contabilizar um contrato com cliente
Nos parece razoável, então, que se reconheça e contabilize esse contrato e essa
espécie de receita somente quando a entidade, empresa musical, de fato tenha a
certeza de sua existência, ou seja, no momento da prestação de contas por parte do
Youtube. Ademais, não há, pela qualidade sui generis do contrato, possibilidade da
contabilização de um passivo decorrente desse contrato, uma vez que a
disponibilização do vídeo é a única “prestação” obrigatória à empresa de música e,
mesmo essa prestação, é duvidosa, pois nada pode obrigá-la a postar ou manter
qualquer conteúdo em seu canal. Da mesma forma, nada garante que esse vídeo
postado vai arrecadar a quantidade de visualizações necessárias a sua monetização;
Da mesma forma, pela contraparte Youtube, nada pode obrigá-lo a colocar antes dos
vídeos uma determinada propaganda, sendo incerta a escolha da propaganda a ser
inserida e da extensão da monetização que o vídeo apresentará pois não há garantia
de sucesso do vídeo nem de permanência de uma determinada linha de propaganda
antes de sua visualização.
Vejamos:
81
• A empresa “A”, musical, é detentora de um canal no Youtube em seu nome.
• O canal de “A” no Youtube tem 2.000.000 de seguidores.
• O canal de “A” no Youtube é monetizado.
• “A” publica trimestralmente novos vídeos de músicas em seu canal.
• Os vídeos publicados por “A”, de modo geral, têm mensalmente 50.000.000 de
visualizações.
• O Youtube considera o canal de “A” excelente para propagandas e gerador de
bastante receita?
• A cada vídeo novo publicado no canal de “A” há um aumento nas receitas
publicitárias do Youtube e de “A”.
Entretanto,
• Pelo contrato firmado entre “A” e o Youtube, “A” não está obrigada a manter o
canal nem a produzir nenhum conteúdo novo regularmente.
• Se “A” não quiser mais ter esse Canal ou não tiver interesse em produzir
nenhum conteúdo, ela poderá fazê-lo sem qualquer implicação contratual.
• O Youtube não é obrigado a monetizar os vídeos e o canal de “A”, mas pode
fazê-lo conforme o contrato firmado entre ele e a empresa “A”. Se, entretanto,
optar por colocar propagandas de terceiros no canal de “A”, deverá remunerá-
la por isso.
• A renumeração a ser paga pelo Youtube a “A” dependerá da quantidade de
seguidores de seu canal e da quantidade de visualizações médias daquele
vídeo e dos demais vídeos de “A”.
• “A” não escolhe as propagandas que serão veiculadas pelo Youtube antes dos
seus vídeos e não pode, uma vez autorizada a monetização, impedir que sejam
veiculadas.
• “A” não conhece os termos do contrato firmado entre o Youtube e os
anunciantes.
• “A” não tem qualquer controle acerca do montante de visualizações que
ocorrerão num determinado período, nem do valor a ser percebido por ela em
decorrência da propaganda que o Youtube definir que irá ser veiculada antes
da veiculação de seu(s) vídeo(s).
82
Portanto, as prestações e contraprestações desse contrato firmado entre a empresa
musical e o Youtube, com exceção da obrigação de pagamento pela publicidade
veiculada, são aleatórias e não mensuráveis pela própria leitura do contrato. Isso
impossibilita o reconhecimento da receita de forma correta pela empresa musical
antes da efetiva apuração e disponibilização de relatório, pelo Youtube, informando a
empresa musical quanto ao valor correspondente a ser a ela pago em decorrência da
veiculação de propagandas em seus vídeos.
Simples Nacional
Base Tabela do Anexo III
Alíquota 6% a 33% sobre a Receita Bruta
83
No caso do Lucro Presumido e do Lucro Real, a referida receita integra a base total
de receitas sobre as quais serão apuradas, conforme o caso, respectivamente a base
tributável (de 32%) no Lucro Presumido ou Lucro Contábil ajustado no Lucro Real,
conforme apresentado no Quadro 17:
Quadro 17 - Tributação incidente sobre receita do Youtube nos regimes do Lucro Real e Lucro Presumido
6. CONCLUSÃO
Nas empresas musicais de micro e pequeno porte analisadas por esse trabalho, foram
identificados três grupos de receitas principais: (1) as receitas decorrentes de
contratos de shows; (2) as receitas decorrentes de contratos de licenciamento de
direitos e comercialização de fonogramas em mídias digitais cumulados com
prestação de serviços de audição streaming dos fonogramas; e, (3) receitas
decorrentes de propagandas vinculadas à execução streaming de vídeos na
plataforma digital Youtube.
No que tange às receitas de shows, nos termos do CPC 47 (CPC, 2016), a sua
contabilização somente deverá ocorrer quando os riscos e os benefícios – ou nos
termos do referido CPC, quando o serviço a ser prestado – forem efetivamente
transferidos ao cliente, ou seja, após a efetiva realização do show. A tributação dessa
receita será aplicada, (1) no caso do regime de tributação simplificado (Simples
Nacional), de acordo com as alíquotas vigentes e com a tabela de alíquotas aplicável
(no caso tabela do Anexo III); (2) no caso do regime fiscal do Lucro Presumido, de
84
acordo com as alíquotas vigentes para Imposto de Renda, CSLL, PIS, Confins,
Contribuição Social, e Contribuição Previdenciária Patronal, sobre a base de 32%
sobre a receita bruta; e, (3) no caso do regime fiscal do Lucro Real, de acordo com as
alíquotas vigentes para Imposto de Renda, CSLL, PIS, Confins, Contribuição Social,
e Contribuição Previdenciária Patronal, o Lucro Contábil no período. Não há sobre
essa receita a aplicação da imunidade prevista no Art. 150, VI, “e” da Constituição
Federal.
No regime fiscal do Lucro Presumido e no Regime Fiscal do Lucro Real, (i) as receitas
de royalties são tributadas conforme resumido no Quadro 10 (ii) as receitas de venda
de produtos são tributadas conforme Quadro 12, e, por fim, (iii) as receitas de
prestação de serviços de streaming são tributadas conforme descrito no Quadro 11.
Por fim, no caso dos contratos com o Youtube e receitas decorrentes de propagandas
vinculadas à execução streaming de vídeos nessa plataforma digital, tais receitas
85
devem ser contabilizadas quando da prestação de contas por parte do Youtube, uma
vez que somente nesse momento pode ser entendido que a obrigação de
desempenho das partes no contrato se efetivou.
86
um contrato híbrido que contempla o licenciamento de direitos autorais de exploração
comercial para a venda de fonogramas, venda de fonogramas em mídias digitais e
prestação de serviços de disponibilização de fonogramas digitais para audição
streaming mediante pagamento mensal ou por execução.
f) quanto a como funciona a tributação das receitas das empresas musicais, tal
questão está esclarecida nos Quadro de 7 a 17 desses Estudo e deve levar em
consideração o tipo de receita apurada e o regime fiscal escolhido pela empresa
musical.
87
Não há qualquer possibilidade, entretanto, de — com o advento de novas tecnologias
e de novas formas de se fazer música e gerar produtos e serviços no mercado musical
— refletir contabilmente de maneira confiável aquilo que não se conhece.
Fenômenos como esse são constantemente repetidos ao longo da história. Por razões
obvias, sempre que há o surgimento de uma nova tecnologia, de uma nova demanda
ou de algum fato novo, assim se faz necessário regulamentá-los. Todavia, nem
sempre a regulamentação vem na mesma velocidade em que as tecnologias, as
demandas e os fatos mudam, havendo sempre um atraso da regulamentação para
com o fato. E há quase sempre um atraso na qualificação dos profissionais da área
quanto à forma de tratar esses novos fatos.
A solução para esse problema é buscar no ordenamento jurídico, nos princípios e nas
normas postas, contábeis e jurídicas, fundamentos que, por analogia, sejam capazes
de conceituar de forma confiável e ajudar os operadores contábeis a refletir nas
demonstrações aqueles fatos que modificam os ativos, os passivos ou o patrimônio
da empresa, mas que ainda não possuem, ao certo, normas específicas para
regulamentar seu tratamento.
88
São empresas que apresentam constantes problemas sem o apoio contábil
necessário para garantir-lhes segurança de informações e segurança fiscal, uma vez
que nascem e nasceram de um nicho de mercado onde há um enorme abismo entre
as empresas multinacionais históricas (grandes gravadoras) muito bem organizadas
e as pequenas empresas de “fundo de quintal” sem qualquer organização.
Nenhuma empresa, em nenhum mercado, por mais fabuloso que seja, sobrevive à
desorganização contábil-fiscal.
89
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