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DOCÊNCIA EM

ZOOLOGIA DOS VERTEBRADOS


SAÚDE
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Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167
Portal Educação

P842z Zoologia dos vertebrados / Portal Educação. - Campo Grande:


Portal Educação, 2012.

166 p. : il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-560-3

1. Zoologia – Vertebrados. I. Portal Educação. II. Título.

CDD 590
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: QUEM SÃO E ONDE ESTÃO OS VERTEBRADOS?.....................................................9

1.1 INTRODUÇÃO AOS GRUPOS DE VERTEBRADOS ATUAIS............................................................12


2
1.1.1 Feiticeiras (Mixynoidea) e Lampreias (Petromyzontoidea)...........................................................12

1.1.2 Tubarões e Raias (Elasmobranchii) e Quimeras (Holocephali)....................................................12

1.1.3 Peixes Ósseos (Osteichthyes)...............................................................................................................13

1.1.4 Anfíbios: Salamandras (Caudata), Sapos (Anura) e Cecílias (Gymnophiona).........................14

1.1.5 Tartarugas (Testudinia)....................................................................................................................15

1.1.6 Tuatara (Rhynchocephalia), Lagartos e Serpentes (Squamata)..................................................15

1.1.7 Jacarés, Crocodilos e Gavial (Crocodylia).....................................................................................16

1.1.8 Aves (Aves).......................................................................................................................................16

1.1.9 Mamíferos (Mammalia).....................................................................................................................17

2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA OU CLADÍSTICA..................................17

2.1 HIPÓTESES EVOLUTIVAS..................................................................................................................20

2.2 DETERMINANDO AS RELAÇÕES FILOGENÉTICAS........................................................................20

3 INTRODUÇÃO: CLASSIFICAÇÃO DOS VERTEBRADOS....................................................................21

3.1 CLASSIFICAÇÕES E NOMES.............................................................................................................22

3.2 NOMENCLATURA BINOMIAL.............................................................................................................22

3.3 GRUPOS HIERÁRQUICOS MAIS ELEVADOS...................................................................................23


3.4 CLASSIFICAÇÕES (TRADICIONAIS E CLADÍSTICAS).....................................................................23

4 NOÇÕES SOBRE A IRRADIAÇÃO INICIAL DOS VERTEBRADOS......................................................24

4.1 HISTÓRIA DA TERRA E A EVOLUÇÃO DOS VERTEBRADOS.........................................................24

4.2 VERTEBRADOS E SUA RELAÇÃO COM OS DEMAIS GRUPOS ZOOLÓGICOS..........................29

4.3 CORDADOS NÃO VERTEBRADOS....................................................................................................30


3
4.4 UROCHORDATA..................................................................................................................................31

4.5 CEPHALOCHORDATA.........................................................................................................................34

5 DEFINIÇÃO DE UM VERTEBRADO.......................................................................................................35

6 ESTRUTURA BÁSICA DOS VERTEBRADOS........................................................................................37

6.1 EMBRIOLOGIA.....................................................................................................................................37

6.2 TECIDOS PÓS-EMBRIONÁRIOS.........................................................................................................40

6.3 TEGUMENTO........................................................................................................................................40

6.4 TECIDOS MINERALIZADOS................................................................................................................41

6.5 SISTEMA ESQUELÉTICO-MUSCULAR..............................................................................................43

6.6 METABOLISMO E OBTENÇÃO DE ENERGIA....................................................................................44

6.7 ALIMENTAÇÃO E DIGESTÃO.............................................................................................................45

6.8 VENTILAÇÃO E RESPIRAÇÃO...........................................................................................................46

6.9 SISTEMA CARDIOVASCULAR............................................................................................................47

6.10 SISTEMA EXCRETOR E REPRODUTOR..........................................................................................50

6.11 COORDENAÇÃO E INTEGRAÇÃO...................................................................................................51

6.12 ÓRGÃOS DOS SENTIDOS.................................................................................................................52


6.13 SISTEMA ENDÓCRINO......................................................................................................................53

7 OS PRIMEIROS VERTEBRADOS: OS AGNATOS E A ORIGEM DOS GNATOSTOMADOS...............53

7.1 AS PRIMEIRAS EVIDÊNCIAS DA EXISTÊNCIA DE VERTEBRADOS NO REGISTRO FÓSSIL......53

7.2 AMBIENTE DO INÍCIO DA EVOLUÇÃO DOS VERTEBRATA............................................................54

7.3 AGNATOS ATUAIS...............................................................................................................................54


4
7.3.1 Feiticeiras – Myxinoidea...................................................................................................................55

7.3.2 Lampreias – Petromyzontoidea.......................................................................................................57

7.4 IRRADIAÇÃO DOS OSTRACODERMES NA ERA PALEOZOICA......................................................61

7.5 PADRÃO BÁSICO E ORIGEM DOS GNATOSTOMADOS..................................................................63

7.6 GRUPOS PALEOZOICOS EXTINTOS DE GNATOSTOMADOS.........................................................65

8 O AMBIENTE AQUÁTICO E SUAS PECULIARIDADES........................................................................67

8.1 AJUSTE DA FLUTUABILIDADE..........................................................................................................68

8.2 PROPRIEDADES DA ÁGUA EM RELAÇÃO AO SISTEMA SENSORIAL DOS VERTEBRADOS


AQUÁTICOS...............................................................................................................................................69

8.3 O SISTEMA DA LINHA LATERAL.......................................................................................................70

8.4 A ELETRORRECEPÇÃO DOS PEIXES CARTILAGINOSOS..............................................................72

8.5 REGULAÇÃO DO MEIO INTERNO......................................................................................................72

9 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DOS PEIXES CARTILAGINOSOS........................................................73

9.1 TUBARÕES...........................................................................................................................................74

9.2 RAIAS....................................................................................................................................................76

9.3 QUIMERAS............................................................................................................................................77

10 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DOS PEIXES ÓSSEOS........................................................................79


10.1 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DE SARCOPTERYGII.......................................................................79

10.2 SARCOPTERYGII ATUAIS.................................................................................................................80

10.3 DIPINOI................................................................................................................................................80

10.4 ACTINISTIA.........................................................................................................................................82

10.5 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DE ACTINOPTERYGII......................................................................83


5
10.6 POLYPTERIFORMES E ACIPENSERIFORMES...............................................................................84

10.7 NEOPTERÍGIOS PRIMITIVOS............................................................................................................86

10.8 TELEOSTEI.........................................................................................................................................87

11 ECTOTÉRMICOS TERRESTRES: ANFÍBIOS, TARTARUGAS E LEPIDOSSAUROS....................87

11.1 ORIGEM DOS TETRÁPODA..............................................................................................................90

11.1.1 Os Lissamphibia.............................................................................................................................93

11.1.2 Caudata............................................................................................................................................94

11.1.3 Anura................................................................................................................................................97

11.1.4 Gymnophiona................................................................................................................................100

11.2 REPRODUÇÃO.................................................................................................................................100

11.3 CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA EM LARVAS E ADULTOS................................................................104

11.4 ORIGEM E DIVERSIDADE DOS AMNIOTAS..................................................................................106

11.4.1 Características derivadas de Amniota........................................................................................107

11.4.2 Os padrões de fenestração nos Amniotas.................................................................................109

11.5 TESTUDINIA.....................................................................................................................................110

11.5.1 Relações filogenéticas dos Testudinia.......................................................................................113


11.5.2 Estruturas do casco dos Testudinia...........................................................................................114

11.5.3 O coração dos Testudinia............................................................................................................117

11.5.4 Respiração nos Testudinia..........................................................................................................117

11.6 LEPIDOSAURIA (TUATARA, LAGARTOS E SERPENTES)...........................................................118

11.7 OS RHYNCHOCEPHALIA................................................................................................................119
6
11.8 SQUAMATA: LAGARTOS, SERPENTES........................................................................................120

11.8.1Lagartos..........................................................................................................................................120

11.8.2 Serpentes.......................................................................................................................................123

11.9 TERMORREGULAÇÃO EM LEPIDOSAURIA..................................................................................126

12 RÉPTEIS DO MESOZOICO E ARCHOSAURIA..................................................................................127

12.1 CROCODYLIFORMES......................................................................................................................128

12.2 CROCODYLIFORMES ATUAIS........................................................................................................131

12.3 PTEROSAURIA.................................................................................................................................135

12.4 DINOSSAURIA..................................................................................................................................138

12.5 DINOSSAUROS ORNITHISCHIA.....................................................................................................141

12.6 DINOSSAUROS SAURISCHIA.........................................................................................................144

12.7 SAUROPODOMORPHA...................................................................................................................144

12.8 THEROPODA....................................................................................................................................146

13 AVES....................................................................................................................................................148

13.1 EVOLUÇÃO DAS AVES...................................................................................................................148

14 MAMÍFEROS........................................................................................................................................151
14.1 CARACTERÍSTICAS ESQUELÉTICAS APONTADAS COMO SIGNIFICATIVAS NO INCREMENTO
DA TAXA METABÓLICA DOS MAMÍFEROS..........................................................................................153

14.1.1 Tamanho da fossa temporal........................................................................................................153

14.1.2 Condição do arco temporal inferior............................................................................................153

14.1.3 Maxila inferior e articulação mandibular....................................................................................153

14.1.4 Dentes............................................................................................................................................155 7

14.1.5 Desenvolvimento de palato secundário.....................................................................................155

14.1.6 Perda de forame parietal..............................................................................................................155

14.1.7 Posição dos membros..................................................................................................................156

14.1.8 Formas das cinturas.....................................................................................................................156

14.1.9 Forma do pé..................................................................................................................................156

14.1.10 Modificações da coluna vertebral.............................................................................................156

14.1.11 Redução da cauda......................................................................................................................157

14.2 PRINCIPAIS PROCESSOS EVOLUTIVOS RELACIONADOS AOS MAMÍFEROS.......................157

14.2.1 Evolução das maxilas e ouvido médio.......................................................................................157

14.2.2 Evolução da postura ereta...........................................................................................................158

14.2.3 Evolução do palato secundário e região nasal..........................................................................158

14.2.4 Lactação........................................................................................................................................159

14.2.5 Evolução do tegumento...............................................................................................................160

15 ANATOMIA INTERNA E FISIOLOGIA................................................................................................160

16 PRINCIPAIS LINHAGENS DE MAMÍFEROS......................................................................................161

16.1 MONOTREMADOS...........................................................................................................................162
16.2 MARSUPIAIS....................................................................................................................................163

16.3
EUTÉRIOS.................................................................................................................................................165

17 EVOLUÇÃO HUMANA.........................................................................................................................169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................................174

8
1 INTRODUÇÃO: QUEM SÃO E ONDE ESTÃO OS VERTEBRADOS?

Os vertebrados são muito diversificados: as mais de 50 mil espécies


atuais conhecidas (esse número representa uma estimativa, dado que a cada
dia são descritas novas espécies) variam muito em tamanho e forma, e 9

ocupam praticamente todos os ambientes da Terra. Desde peixes que pesam


menos que meio grama quando adultos, até algumas baleias que pesam mais
de 100 toneladas. Alguns peixes marinhos ocupam regiões abissais onde nem
mesmo os mais modernos submarinos tripulados alcançam, enquanto algumas
aves podem voar até nove mil metros acima do nível do mar. Os
comportamentos apresentados pelos vertebrados não são menos diversos.
Desde alguns roedores que possuem seu território não maior que 10 m2 até
aves migratórias que atravessam as Américas em suas jornadas anuais.
A vida de um vertebrado é energeticamente dispendiosa, sendo que
estes como seres heterotróficos retiram toda sua energia do alimento ingerido.
Carnívoros se alimentam de outros animais valendo-se das mais diferentes
técnicas de captura de presas. Alguns capturam ativamente suas presas
percorrendo uma grande área, enquanto outros esperam até que as presas se
aproximem.
Alguns vertebrados predadores apresentam comportamento de forrageio
que, ao que parece, maximiza a obtenção de energia em relação ao tempo
necessário para obter o alimento. Outros, entretanto, aparentam serem
predadores sem nenhum critério de seleção de presas. Alguns se alimentam de
presas ainda vivas, como por exemplo, as serpentes não peçonhentas que
engolem pequenos mamíferos ainda se debatendo. Outros, porém, têm métodos
extremamente peculiares de matar suas presas, como por exemplo, algumas
serpentes peçonhentas que inoculam veneno, e se asseguram que a presa
esteja morta antes de engoli-las. Enquanto a dificuldade dos carnívoros está em
como obter suas presas, os vertebrados herbívoros não possuem esse
problema. As plantas não fogem de seus consumidores, todavia, são de difícil
digestão e muitas vezes possuem defesas químicas que dificultam (e podem até
matar) alguns herbívoros “despreparados”. Sendo assim, os vertebrados
herbívoros apresentam um conjunto de adaptações no que concerne a
vencerem essas barreiras intrínsecas do herbivorismo. Essas adaptações estão
relacionadas tanto a adequações morfológicas, como dentes extremamente
diferenciados para triturar as plantas mais duras, quanto a adaptações
relacionadas a relações simbiontes com micro-organismos que auxiliam na
digestão da celulose (que é extremamente difícil). 10
De um mesmo modo, a reprodução nos vertebrados apresenta-se das
mais variadas formas possíveis. Esses animais oferecem um conjunto
surpreendente de comportamentos associados ao acasalamento e à
reprodução. Os modos de reprodução variam desde ovos muitos simples e
sem proteção, passando por ovos com diversas estruturas associadas, até a
produção de filhotes vivos. Alguns dos filhotes são independentes dos pais, em
muitos casos nem chegam a encontrá-los, enquanto outros (como os humanos)
passam boa parte da fase inicial da vida sob os cuidados dos pais. Este
cuidado parental apresenta condições extremadas, como o caso do peixe
aruanã (Osteoglossum) que recolhe seus filhotes na boca ao primeiro sinal de
perigo.
O cuidado parental de alguns mamíferos é surpreendente, como os
marsupiais que possuem uma bolsa feita de pele que abriga os filhotes até que
estes possam sobreviver sozinhos. Alguns pais chegam a secretar substâncias
que permitem que os filhotes não se afastem para se alimentar. Os mamíferos
são bons exemplos deste cuidado parental extremado. A ideia de produção de
leite é tão intrínseca ao pensamento humano que nem nos damos conta o
quanto isso é diferenciado, e o quanto isto facilita a sobrevivência do filhote.
Mas isso não é uma exclusividade dos mamíferos, muitos outros grupos
secretam substâncias para alimentar seus filhotes, como alguns peixes que
produzem uma quantidade grande de muco em seu corpo, que seus filhotes
comem, ou os pombos que secretam um líquido nutritivo em seus papos
denominado “leite do papo”.
Apesar de a diversidade atual ser fascinante, esta representa apenas
uma ínfima parte da diversidade de vertebrados que já houve na face da Terra.
Para cada espécie vivente se supõe que mais de uma dezena de espécies
extintas existiu, em algumas estimativas mais otimistas até uma centena de
espécie é assumida para cada espécie vivente. Algumas das formas fósseis
não apresentam equivalentes recentes. Um bom exemplo são os mosassauros,
répteis marinhos que possuem como possíveis grupos próximos lagartos como
varanus e as serpentes. Estes répteis marinhos alcançaram proporções
gigantescas superando qualquer réptil vivente, sendo muito difícil alguns tipos
de interpretações sobre seu modo de vida.
Outro exemplo interessantíssimo são as aves, apesar de a diversidade 11
atual ser grande. Quando olhamos o registro fóssil podemos reconhecer uma
grande variedade de fósseis que ligam a origem deste grupo aos dinossauros.
Ou seja, as evidências atuais apontam que as aves são sobreviventes de uma
linhagem que está na Terra há mais de 180 milhões de anos, e que já foi muito
mais diversa, incluindo os gigantescos saurópodes que podiam alcançar 30
metros de comprimento.
A história dos vertebrados é muito ampla e interessante. Os estudos de
como surgiram, como evoluíram e como sobrevivem promove a produção de
trabalhos relacionados aos mais variados assuntos. Estes diversos trabalhos
incluem modos diferenciados de reconhecer os diferentes grupos e classificá-
los, além de aspectos relacionados aos ambientes onde estes animais
evoluíram.
Para podermos saber como são e como evoluíram é necessário ter
ciência de quem são os vertebrados. A maioria das pessoas quando pensa em
um “animal”, vem à cabeça um vertebrado. Eles estão muito presentes em
nossas vidas. Muitos são adorados por nós, como os cachorros e gatos que
estão presente em grande parte dos lares do mundo, já outros são
injustamente temidos e perseguidos, como as serpentes. Todavia, alguns dos
vertebrados não são tão conhecidos, como os mamíferos ou as aves. Para
uma primeira abordagem, trataremos uma subdivisão estanque dos
vertebrados atuais para uma primeira visualização, mas estes grupos serão
tratados individualmente ao longo da apostila. A figura 1 mostra a diversidade
atual dos vertebrados de forma gráfica.
1.1 INTRODUÇÃO AOS GRUPOS DE VERTEBRADOS ATUAIS

1.1.1 Feiticeiras (Mixynoidea) e Lampreias (Petromyzontoidea)

12
Estes animais possuem corpo alongado, sem escamas, e sem a
presença de esqueleto interno muito ossificado, parasitas ou necrófagos. As
feiticeiras representam cerca de 40 espécies marinhas, ocupando tanto a
plataforma continental quanto regiões de mar aberto, podendo ser encontradas
em fundos oceânicos de mais de 100 metros de profundidade. Já as lampreias
apresentam hábitos migratórios, vivendo parte da vida no oceano e nos rios.
Esses dois grupos possuem uma condição única entre os vertebrados,
pois não apresentam mandíbula. Esta condição única incorporada com o
estudo de fósseis e estudo do desenvolvimento do embrião dos mais diferentes
vertebrados aponta este grupo como sendo representante das primeiras
irradiações de vertebrados. Estes dois grupos são tradicionalmente agrupados
em Agnatha (do grego a: sem, e gnathus: mandíbula), mas representam
provavelmente duas linhagens diferenciadas.

1.1.2 Tubarões e Raias (Elasmobranchii) e Quimeras (Holocephali)

Estas duas linhagens representam juntas o grupo denominado


Chondrichthyes (peixes cartilaginosos). Apesar de os tubarões serem
conhecidos, muitas vezes temidos, poucas das cerca de 400 espécies de
Chondrichthyes atuais justificam tal fama. A maior parte das espécies é
inofensiva aos humanos.
Os menores Chondrichthyes alcançam no máximo 15 centímetros,
enquanto que o maior, o tubarão-baleia, alcança 10 metros.
As por volta de 450 espécies de raias são achatadas e possuem
morfologia peculiar, nadando por meio de ondulações de suas nadadeiras
peitorais modificadas em formato de disco. A maior parte das espécies é
encontrada no substrato dos mares rasos e rios.
Já as quimeras são as menos conhecidas do grupo e compõem cerca
de 30 espécies, todas marinhas, e apresentam uma morfologia estranha para
as pessoas que não as conhecem. Possuem cauda longa e a face de
morfologia peculiar diferindo tanto dos tubarões quanto das raias.
13

1.1.3 Peixes Ósseos (Osteichthyes)

Os peixes ósseos apresentam morfologia tão variável que dificilmente


uma descrição única teria êxito em descrevê-los. Todavia, quando a maioria das
pessoas pensa em um “peixe”, a imagem formada representa um Osteichthye.
Duas principais linhagens são facilmente reconhecidas, os peixes de nadadeiras
lobadas (Sarcopterygii) e os peixes de nadadeiras raiadas (Actinopterygii).
A diversidade atual dos peixes de nadadeiras lobadas é restrita,
apenas oito espécies são reconhecidas. Seis espécies de peixes pulmonados
encontrados nos continentes Australiano, Africano e Americano e duas
espécies de celacanto (uma das espécies encontrada nas águas profundas da
costa leste da África e uma no arquipélago indonésio). Estudando aspectos
evolutivos dos Sarcopterygii, acredita-se que estes são os peixes mais próximos
dos vertebrados terrestres.
Os peixes de nadadeiras raiadas, ao contrário dos de nadadeira
lobada, apresentam um grande número de espécies viventes, sendo
encontrados nos mais variados ambientes de água doce e salgada.
Atualmente, há mais de 25 mil espécies atuais descritas, de modo que este
grupo representa o mais diverso grupo de vertebrados. Dentre os
Actinopterygii, dois grupos são facilmente reconhecidos: os Chondrostei
(bichirs, esturjões e peixes-espátula) e os Neopterygii. Os Chondrostei são
representantes de uma série de linhagens artificialmente agrupadas e que os
brasileiros apresentam pouca familiaridade.
Bichirs são um pequeno grupo (aproximadamente dez espécies) que
habita brejos e lagos rasos da África, alguns representantes podem ser
reconhecidos nas lojas especializadas em aquarismo.
Esturjões (aproximadamente 25 espécies) são peixes que podem
alcançar grande porte, com uma boca protátil sem dentes que se alimentam
dos detritos dos fundos de rios lagos e mares de regiões frias. Os esturjões são
conhecidos por fornecerem o caviar mais tradicional, e, por este apelo
comercial, muitas espécies têm apresentado forte declínio populacional.
Já os peixes-espátula são um grupo ainda mais reduzido, apenas duas 14
espécies – uma habitando a drenagem do rio Mississipi (América do Norte) e outra
ocupando a drenagem do rio Yangtze, na China. Este grupo apresenta morfologia
peculiar com o focinho alongado em formato de espátula (do onde vem seu nome
popular).
Já os Neopterygii são ainda classicamente divididos em três grupos:
Lepisosteiformes, Amiformes e Teleostei. Os dois primeiros são bem pequenos e
praticamente desconhecidos dos brasileiros, já o terceiro grupo engloba a
grande maioria da diversidade de peixes. Os Lepisosteiformes
(aproximadamente sete espécies) e a Amia calva (única espécie vivente de
Amiformes) são peixes de formato cilíndrico, predadores, com escamas
diferenciadas e que caçam por emboscada.
Os Teleosteis englobam cerca de 22 mil espécies e apresentam uma
enorme variedade de tamanho, forma e hábito. Desde os pequenos e coloridos
guppies, famosos no ramo da aquariofilia, os peixes-espada tidos como troféu
para os pescadores, os pacus, dourados, lambaris e tucunarés, ou seja, a
grande diversidade de peixes encontrados em todo o mundo, em especial nas
áreas tropicais, são representantes deste grupo.

1.1.4 Anfíbios: Salamandras (Caudata), Sapos (Anura) e Cecílias


(Gymnophiona)

Estes animais são chamados tradicionalmente de anfíbios que têm


como etimologia os radicais gregos amphi= dupla e bios= vida. Este nome é
dado porque a grande maioria apresenta um ciclo de vida complexo que inclui
uma larva aquática (como os girinos no caso dos Anura) e uma parte da vida
terrestre (em geral adultos). Todos estes animais apresentam pele nua, sem
escamas, pelos ou penas, que facilita a troca de gases e íons, nos ambientes
em que vivem.
As salamandras (cerca de 420 espécies) são alongadas e em geral os
adultos são terrestres e apresentam cauda.
Os sapos, rãs e pererecas compõem os Anura (cerca de 4.300
espécies) e possuem morfologia peculiar, com cabeça grande, corpo curto e 15
membros posteriores alongados usados em geral para saltar e escalar.
As cecílias (cerca de 170 espécies) apresentam morfologia do corpo
pouco usual para os anfíbios: alongado e desprovido de membros, em geral
aquáticos e escavadores.

1.1.5 Tartarugas (Testudinia)

Este grupo, apesar de possuir poucos representantes (cerca de 300


espécies), é provavelmente o de vertebrados mais facilmente reconhecíveis.
Seu corpo é coberto por uma carapaça na região dorsal e um plastrão na
região ventral que as tornam facilmente reconhecíveis. Apesar de alguns
grupos fósseis apresentarem certas modificações nesse sentido, nenhum outro
grupo possui como as tartarugas tanto a cintura escapular (ombros) e a cintura
pélvica (bacia) internos à caixa torácica.

1.1.6 Tuatara (Rhynchocephalia), Lagartos e Serpentes (Squamata)

Estes três grupos podem ser caracterizados pela presença do corpo


coberto por escamas e algumas características cranianas que serão tratadas
posteriormente, e, juntamente, formam o grupo dos Lepidosauria.
Os tuataras são representantes viventes (duas espécies) que são
somente encontrados na Nova Zelândia e que pouco diferem externamente de
um “lagarto” típico. Todavia, sua estrutura craniana indica a diferenciação dos
demais lagartos e serpentes. Enquanto que os lagartos e serpentes representam
uma diversidade bem maior (cerca de 4 mil espécies) e são dispersos em um
grande número de habitat, principalmente na região tropical do planeta.

1.1.7 Jacarés, Crocodilos e Gavial (Crocodylia)


16

Esse grupo de animais magníficos representa uma ínfima diversidade


(estima-se 25 espécies viventes) de um grupo que foi amplamente distribuído
em tempos passados. Algumas espécies viventes podem alcançar até sete
metros e juntamente com as aves representam o grupo dos Archosauria
viventes.
Os crocodilianos atuais são grandes predadores de regiões alagadiças
e destacam-se pelo rosto alongado armado com uma série de dentes cônicos.
Seu corpo é recoberto dorsalmente por osteodermas que promovem uma
eficaz proteção contra predadores, em especial outros crocodilianos.

1.1.8 Aves (Aves)

Acredita-se hoje que representam parte da linhagem dos dinossauros


que foi muito abundante na era Mesozoica. Atualmente, as Aves apresentam
cerca de 9.150 espécies viventes e são caracterizadas por uma série de
adaptações morfológicas e fisiológicas. Uma destas adaptações são as penas
que estão relacionadas ao voo destes animais. Descobertas recentes apontam
a origem das penas anterior ao voo, portanto tendo sua procedência
relacionada a outro fator que não ao voo.
As aves estão muito presentes em nossas vidas, e isto está
relacionado principalmente ao comportamento deste grupo. Elas são na
maioria das vezes diurnas e possuem comportamento social intenso,
apresentando cantos diferenciados e coloração viva das penas. Todavia, o
estudo deste grupo é subestimado e pouco se sabe sobre as inter-relações
entre os subgrupos das aves.

1.1.9 Mamíferos (Mammalia)

Esse grupo também nos é muito familiar, inclusive porque somos uma 17
espécie desta linhagem. Sua origem pode ser traçada desde o Paleozoico, a
partir de grupos extintos de vertebrados terrestres. As espécies viventes (cerca
de 4.500) são amplamente distribuídas nos mais variados tipos de ambientes.
A grande parte desta diversidade é incluída dentro do grupo dos placentários.
Os demais mamíferos estão compreendidos no grupo dos
monotremados e marsupiais, enquanto que os mamíferos placentários
apresentam gestação longa com o filhote nascendo grande. Os demais
mamíferos ou possuem gestação curta, com filhotes muito pequenos e
imaturos (marsupiais) ou, ainda, nascendo de ovos (monotremados). Enquanto
que os placentários distribuem-se em praticamente todo o globo, os marsupiais
possuem sua grande diversidade na Austrália e os monotremados são
exclusivos daquela região.

2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA SISTEMÁTICA FILOGENÉTICA OU


CLADÍSTICA

Atualmente é sugerido que a classificação biológica siga o princípio da


metodologia sistemática filogenética (HENNING, 1956). Essa metodologia
agrupa os organismos aparentados por meio de ancestrais comuns. Henning
(1956) enfatizou em seu trabalho que a reconstrução sobre a história de uma
linhagem deve ser baseada em caracteres derivados. Uma linhagem evolutiva
neste sistema é denominada clado (palavra grega que significa ramo) e por
isso a sistemática filogenética é tratada como cladística.
Um caráter derivado significa “diferente da condição ancestral” e este
estado diferenciado da condição recebe o nome de apomorfia. Um exemplo claro
seria a condição da extremidade dos vertebrados terrestres. Os ossos
carpais/tarsais e os dígitos encontrados nesses vertebrados terrestres apresentam
uma condição modificada da condição ancestral encontrada, como por exemplo,
os membros dos peixes de nadadeiras lobadas. Assim, a condição encontrada
nos vertebrados terrestres constitui-se uma condição apomórfica de um caráter
ancestral. Em termos cladísticos, um grupo que pode ser unido por esta condição,
apresentando um caráter derivado compartilhado, é denominado sinapomorfia. E 18
apesar de alguns grupos dentro dessa linhagem terem perdido posteriormente
essa característica, o ponto significante é que esta mudança ocorreu depois e que
o padrão ancestral possui tal propriedade.
Do mesmo modo que os caracteres apomórficos apresentam-se como
modificados da condição ancestral, alguns caracteres são herdados sem
praticamente modificações. Estes caracteres são denominados plesiomorfias.
Um exemplo é a presença de coluna vertebral dos vertebrados terrestres. Essa
característica foi herdada sem modificações pelos ancestrais, de modo que os
peixes de nadadeiras lobadas e raiadas, peixes cartilaginosos e ágnatos também
a possuem.
Henning denominou estes caracteres ancestrais compartilhados como
simplesiomorfias. As simplesiomorfias não podem ser utilizadas na reconstrução
filogenética, somente as sinapomorfias. É importante frisar que os conceitos de
plesiomorfia e apomorfia são relativos ao grupo em que está sendo tratado.
Apesar da presença de coluna vertebral ser uma simplesiomorfia dos
vertebrados terrestres, a presença de coluna vertebral representa uma apomorfia
dos vertebrados em relação aos invertebrados. Outro exemplo, apesar da
presença dos carpais/tarsais e dígitos ser uma apomorfia em relação aos
vertebrados aquáticos, esta condição é uma plesiomorfia para os vertebrados
terrestres e a perda destas estruturas (como por exemplo, nas serpentes) trata-
se de uma apomorfia em relação a presença de carpais/tarsais e dígitos.
Filogenia é o estudo das relações evolutivas entre os organismos. A
filogenia é construída com base em um grande número de caracteres, sendo
que muitas vezes os diferentes caracteres são contraditórios, tornando a
construção extremamente complexa. Como todas as hipóteses científicas, as
hipóteses filogenéticas podem ser testadas ao passo que novas evidências
estejam disponíveis. Caso uma filogenia (hipótese) venha ser testada e essa
hipótese não venha a ser corroborada, uma nova hipótese (filogenia) toma seu
lugar. Sendo assim, a construção e substituição de uma hipótese filogenética é um
processo contínuo. A contribuição mais importante da sistemática filogenética é
tornar as relações de parentesco testáveis. A representação gráfica das hipóteses
filogenéticas é denominada cladograma.
No entanto, a construção de um cladograma é muito difícil e complexa e
envolve diversos passos importantes como a escolha do grupo, dos caracteres 19
utilizados, etc. Um ponto essencial é a polarização dos caracteres. Como saber
qual é a condição plesiomórfica e qual é apomórfica? Para isso, são necessárias
informações adicionais. Uma das formas mais utilizadas para determinar a
polaridade é a comparação com grupos externos. Os grupos externos são
quaisquer linhagens que são externas à linhagem analisada (grupo interno). No
entanto, para uma melhor comparação, o grupo externo imediato (o grupo mais
próximo do grupo interno) apresenta a maior quantidade de caracteres
comparáveis com o grupo interno, auxiliando na polarização dos caracteres.
Como exemplo, podemos citar os peixes de nadadeiras lobadas como grupo
externo dos vertebrados terrestres.
A sistemática filogenética estabelece e nomeia linhagens monofiléticas.
(grupos com ancestral comum exclusivo). Por exemplo, todos os vertebrados
representados no cladograma da figura 2 que se originam a partir de um mesmo
ponto de ramificação são aparentados com base em caracteres derivados que
identificam todos os membros dos clados. O cladograma representado na figura
2 é uma hipótese de relação de parentesco dos grupos viventes de vertebrados.
Há 12 dicotomias desde a origem dos vertebrados em relação aos demais
cordados até as aves e mamíferos. A cladística assinala nomes às linhagens que
originam num mesmo ponto de diversificação. Assim o nome Gnathostomata
inclui todos os vertebrados com mandíbulas, ou seja, todos à direita da figura.
Com base neste tipo de classificação, é correto dizer que os humanos são
Osteichthyes (número 4).
No topo da figura estão representados os nomes tradicionais que são
aplicados aos vertebrados viventes. Diferentemente da terminologia tradicional
a cladística restringe os nomes a grupos monofiléticos. Os ágnatos, por
exemplo, incluem duas linhagens que hoje se acredita não compartilhar um
ancestral comum exclusivo, de modo que os Petromyzontoidea são mais
próximos dos Gnathostomata que os Myxinoidea.
Dois nomes são utilizados em ambos os sistemas, sendo que é
necessário saber de qual sistema está se falando, pois na classificação
tradicional os Osteichthyes incluem apenas os peixes ósseos, enquanto que na
cladística estão abrangidos todos os representantes do nó 4, inclusive as aves.

20
2.1 HIPÓTESES EVOLUTIVAS

A sistemática filogenética está baseada na premissa de que os


organismos agrupados conjuntamente compartilham uma herança comum, que é
responsável por suas semelhanças. Tomando isso, podemos inferir processos
evolutivos com base nos cladogramas. Examinando as origens e o significado
dos caracteres nos animais viventes pode-se presumir os mesmos processos
para as linhagens extintas.
Na figura 3 estão representadas as relações das aves e crocodilianos
juntamente com as linhagens extintas proximamente relacionadas. Para as
linhagens extintas, certas inferências comportamentais não são diretamente
inferidas. Observando a figura 3, baseando-se na ressalva de que tanto as
aves quanto os crocodilianos possuem cuidado parental, é possível inferir que
o modo de se interpretar mais facilmente este padrão é que o cuidado parental
surgiu antes da dicotomia entre crocodilianos e aves. Não é possível observar
isso diretamente, visto que os demais grupos estão extintos. Todavia, a
explicação mais plausível é que o cuidado parental surgiu uma vez e que
provavelmente existiu nas demais linhagens. Esse processo requer um menor
número de passos evolutivos ou, em terminologia cladística, essa é a hipótese
mais parcimoniosa para a evolução deste caráter.

2.2 DETERMINANDO AS RELAÇÕES FILOGENÉTICAS


Considerando que os caracteres derivados utilizados para agrupar
espécies devem ser decorrentes de ancestralidade comum, tais caracteres devem
possuir mesma origem evolutiva ou, em termos cladísticos, devem ser homólogos.
Esse conceito, apesar de ter definição fácil, na prática, a delimitação de homologias
é muito complexa.
Um dos exemplos clássicos para a dificuldade de se determinar
homologias é a presença de asas em aves e morcegos. Esses dois grupos
apresentam os membros anteriores modificados e relacionados à capacidade 21
de voar. Todavia, estas estruturas apresentam mesma origem evolutiva? As
linhagens a que pertencem as aves e os mamíferos foram estimadas como
separadas há muito tempo. Sendo assim, a explicação mais plausível é que a
condição apresentada por estes dois grupos tenha surgido independentemente.
Este processo chama-se evolução convergente, e as asas desses grupos não
representa uma sinapomorfia, mas sim homoplasia. As homoplasias, portanto,
diferentemente das sinapomorfias, e não representam indicativos de
ancestralidade comum.

3 INTRODUÇÃO: CLASSIFICAÇÃO DOS VERTEBRADOS

A diversidade dos vertebrados é muito grande, tornando a classificação


deste grupo uma atividade complexa. A classificação está enraizada no
pensamento humano e no centro da biologia evolutiva. Antigamente, a
classificação era usada somente como uma forma de organizar a diversidade
conhecida, de maneira a facilitar o agrupamento de formas semelhantes (bem
como o sistema de uma biblioteca), de modo que as espécies tinham uma
posição estanque. Quando todas tivessem suas posições marcadas, a
diversidade seria plenamente conhecida. Este tipo de classificação foi
satisfatório por um período enquanto os conceitos evolutivos não eram
tomados e as espécies eram imutáveis e sem relação entre elas.
O surgimento do complexo pensamento evolutivo tornou este tipo de
classificação inadequado. Com a aceitação dos princípios evolutivos foi
necessário que as inter-relações dos organismos ficassem expressas no sistema
de classificação. Não somente as entidades da diversidade necessitavam de um
rótulo, mas também que esse evidenciasse as relações daquela entidade com as
demais. As técnicas filogenéticas de classificação tornaram possíveis não
somente a organização das espécies, mas também que fosse possível formular
hipóteses evolutivas testáveis, de modo que estas hipóteses geradas se incluem
no princípio básico da ciência moderna, que é a possibilidade de se testar as
hipóteses e não simplesmente assumi-las.
22

3.1 CLASSIFICAÇÕES E NOMES

O método ainda hoje utilizado da nomenclatura zoológica precede os


conceitos evolutivos. Esse sistema está baseado em conceitos de naturalistas
dos séculos XVI, XVII e XVIII. Dentre estes naturalistas, destaca-se Carolus
Linnaeus (nome latinizado). O sistema lineano de classificação emprega o
sistema binomial para nomear as espécies, que por sua vez são agrupadas em
categorias hierárquicas para a classificação. Esse sistema é incompatível em
parte com aspectos da biologia evolutiva (QUEIROZ & GAUTHIER, 1992). No
entanto, é amplamente utilizado. Entender esta classificação tradicional facilita
em muitos pontos os trabalhos relacionados à biologia evolutiva.

3.2 NOMENCLATURA BINOMIAL

A designação formal da nomenclatura científica das espécies tornou-se


padronizada quando os trabalhos de Linnaeus foram publicados, entre 1735 e
1758, formando o Systema Naturae. Esse sistema consiste em designar um
nome formado por duas palavras para cada espécie. Estas palavras usadas
devem ser palavras em latim, de modo que muitas vezes os nomes científicos
são extremamente bizarros, outros, no entanto, são muito familiares a nós.
Por que o latim? Essa língua já foi muito difundida entre os sábios e
pesquisadores antigos. Adotada como padrão, é utilizada na nomeação das
espécies independentes da língua de origem do pesquisador. A padronização de
um nome científico vem da necessidade de se uniformizar o reconhecimento da
mesma. Por exemplo, o lagarto denominado Tupinambis merianae é
amplamente distribuído na América do Sul, entretanto nas diferentes regiões
possui nomes populares específicos como: teiú, teiú-açu ou tegú. Quando
tratado cientificamente, todos os biólogos do mundo sabem de qual espécie se
trata quando leem o nome Tupinambis merianae.
23

3.3 GRUPOS HIERÁRQUICOS MAIS ELEVADOS

Os naturalistas da época de Linnaeus desenvolveram o que é chamado


de Sistema Natural de Classificação. Neste sistema, as espécies são
agrupadas em gêneros que, por sua vez, são incluídos consecutivamente em
grupos mais inclusivos. Com o desenvolvimento da sistemática, sete categorias
básicas são empregadas nas classificações zoológicas. Elas estão listadas
abaixo em ordem decrescente de inclusibilidade:
Reino
Filo
Classe
Ordem
Família
Gênero
Espécie

3.4 CLASSIFICAÇÕES (TRADICIONAIS E CLADÍSTICAS)

Apesar de todas as classificações basearem-se em características


compartilhadas, algumas semelhanças são mais significativas para reconstruir
as relações filogenéticas que outras. Por exemplo, a presença de extremidades
pares diz pouco sobre as inter-relações entre os vertebrados que a presença
de glândulas mamárias. Excetuando alguns grupos específicos, todos os
vertebrados possuem as extremidades pares, enquanto que a presença de
glândulas mamárias apenas os mamíferos possuem, de modo que esta
característica é mais significativa para a reconstrução sobre a evolução dos
vertebrados.

4 NOÇÕES SOBRE A IRRADIAÇÃO INICIAL DOS VERTEBRADOS 24

4.1 HISTÓRIA DA TERRA E A EVOLUÇÃO DOS VERTEBRADOS

Desde as origens dos vertebrados (provavelmente no Paleozoico


Inferior), esses vêm evoluindo enquanto o planeta se modifica constantemente.
Estas modificações afetaram direta e indiretamente a evolução dos
vertebrados. Uma compreensão das sequências de alterações nas
configurações continentais, que por sua vez acarretam em mudanças
climáticas e intercâmbios faunísticos, constituem uma peça central no
entendimento da história dos vertebrados (figura 1).
A história da Terra é dividida (artificialmente, com base em evidências
geológicas e paleontológicas) em três éons: Arqueano, Proterozoico e
Fanerozoico. Destes três éons, a história dos vertebrados ocorreu toda dentro
do éon Fenerozoico. Este éon começa por volta de 545 milhões de anos no
passado e, por sua vez, é dividido em três eras: Paleozoica, Mesozoica e
Cenozoica. Tais eras também podem ser decompostas de diferentes maneiras,
sendo que a tabela do tempo geológico assumida pela comissão internacional
de estratigrafia será adotada na presente apostila.
Os movimentos das placas tectônicas têm sido marcantes na Terra.
Isso funciona como um pano de fundo para a evolução biológica, inclusive no
que concerne aos vertebrados. Por volta de 545 milhões de anos atrás, os
mares haviam se formado, os continentes solidificados flutuavam sobre o
manto da Terra, a vida tornara-se mais complexa e uma atmosfera com
oxigênio havia se formado.
Os continentes ainda permaneciam a deriva. A América do Sul e África
moviam-se em sentido divergente alguns poucos centímetros por ano. Estes
movimentos são complexos, sendo que sua sequência e direções variáveis,
tornando muito difícil a determinação precisa dos mesmos. Há cerca de 300
milhões de anos os vários continentes que haviam se separado na crosta
terrestre uniram-se e formaram uma única massa continental denominada
Pangeia. Esse enorme continente primeiramente se fragmentou em duas
massas, por volta de 150 milhões de anos atrás. As duas massas geradas são 25
denominadas Laurásia, ao norte, e Gondwana, ao sul. Posteriormente, tais
massas dividiram-se em diferentes pontos dando origem aos continentes como
conhecemos hoje.
Estes movimentos complexos dos continentes ao longo do tempo
influenciaram significativamente na evolução dos vertebrados. Uma das relações
mais óbvias é a influência da configuração continental nos climas. A Pangeia
permaneceu na faixa da linha do Equador até meados do Mesozoico. Nessa
região do globo, a irradiação solar é mais intensa e o clima é
correspondentemente mais quente. Durante o Paleozoico e Mesozoico, boa
parte das terras emersas apresentava condições tropicais e os vertebrados
terrestres espalharam-se por estas áreas. Posteriormente, com a movimentação
continental, as massas alastraram-se mais pela superfície da terra e boa parte
dos climas tropicais tornou-se temperado.
Outro efeito um pouco menos óbvio da influência da configuração
continental é a influência disto nas correntes marítimas. Um exemplo é o atual
Oceano Ártico. Esse oceano encontra-se isolado das correntes quentes dos
demais oceanos, de forma que tal isolamento é um dos fatores que auxilia na
manutenção de boa parte do oceano congelado. Um processo semelhante
parece ter ocorrido no final do Eoceno na América do Norte, levando à extinção
de um grande número de mamíferos.
Além de influenciar o clima, a deriva continental formou e interrompeu
conexões de terra entre os continentes ao longo do Fanerozoico. O isolamento
de diferentes linhagens em distintas massas continentais gera tanto padrões
em linhagens próximas quanto a evolução dramática de padrões convergentes
em linhagens distantes. Um dos exemplos típicos é a presença de peixes
pulmonados na América do Sul, África e Austrália. Esse padrão posteriormente
foi reconhecido como resultado de uma maior proximidade pretérita entre essas
três massas continentais. Já um exemplo de convergência está na fauna de
marsupiais australiana e a fauna de placentários no resto do globo (figura 2).
Há equivalentes ecológicos aos mamíferos placentários nos marsupiais
australianos, gerando morfologias convergentes, no entanto, essas
semelhanças foram geradas por homoplasias e não são homólogas.
A deriva é um componente muito importante na evolução dos
vertebrados de modo que compõe um elemento estocástico, ou seja, ao acaso, 26
que atua sobre as diferentes linhagens diferentemente, dependendo do local e
tempo em que ocorrem (figura 3).
FIGURA 1 - DIVERSIDADE ATUAL DE VERTEBRADOS

27

Os dados indicam o número aproximado de espécies de cada grupo. Na parte interna do


diagrama estão apresentados os nomes clássicos de cada grupo. Já na parte externa estão
indicados os nomes formais utilizados para cada um.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
FIGURA 2 - CLADOGRAMA SOBRE HIPÓTESES DE INTER-RELAÇÕES
DOS VERTEBRADOS

28

Os números indicam os nós com os nomes adotados pela sistemática filogenética.


Na parte superior encontram-se os nomes tradicionais dos grupos de vertebrados e sua
abrangência na sistemática tradicional.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
FIGURA 3 - CLADOGRAMA SOBRE HIPÓTESES DE INTER-RELAÇÕES
DOS ARCHOSAURIA

29

Os grupos Phytosauria, Pterosauria e os dinossauros Ornitischia e Saurischia são grupos


extintos. Dentro desta hipótese, que é a mais aceita para a relação destes grupos, as aves são
incluídas em Dinosauria, de modo que as aves são dinossauros.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

4.2 VERTEBRADOS E SUA RELAÇÃO COM OS DEMAIS GRUPOS


ZOOLÓGICOS

Os vertebrados são incluídos tradicionalmente no subfilo Vertebrata e


juntamente com os subfilos Urochordata e Cephalochordata formam o filo
Chordata. Estes três subfilos possuem caracteres comuns compartilhados que
se infere representar homologias. Tais grupos apresentam em pelo menos uma
fase da vida notocorda (um bastonete cartilaginoso, que inclusive dá nome ao
grupo), um tubo nervoso dorsal oco, cauda muscular pós-anal e endóstilo. O
endóstilo é uma estrutura em formato de sulco recoberto por estruturas ciliares
e um tecido glandular encontrado no assoalho da faringe (nos humanos, essa é
a região da garganta). Tal estrutura secreta muco que prende partículas
durante a alimentação por filtração. O endóstilo está presente nos Urochordata,
Cephalochordata e nas larvas de Petromyzontoidea. Esta composição é tida
como homóloga à tireoide dos vertebrados (glândula envolvida em algumas
regulações metabólicas). Na hipótese de relação entre os Chordata, acredita- 30
se na aproximação de Cephalochordata e Vertebrata, e os Urochordata seriam
externos a estes.
Os Chordata, em relação aos demais animais, apontam uma maior
afinidade destes com os Echinodermata (estrelas-do-mar, ouriços-do-mar, lírios
do mar, etc), que superficialmente não apresentam muita semelhança com os
Chordata. Os equinodermos possuem simetria pentarradial quando adultos,
diferentemente da simetria bilateral dos cordados.
Outro grupo menos conhecido pode tornar estas relações ainda mais
complexas. As semelhanças entre Chordata e Echinodermata se tornam mais
intricadas quando analisadas juntamente com o filo Hemichordata (um pequeno
grupo de animais marinhos). Estes três filos são considerados deuterostômios.
Várias características embriológicas e larvais definem a deuterostomia. Os
Hemichordados são algumas vezes considerados mais próximos dos cordados
que os equinodermos por apresentarem fendas faringeanas, que são orifícios
na faringe originalmente relacionados à alimentação através de filtração. Os
equinodermos atuais não apresentam tais fendas, no entanto fósseis deste
grupo possuem estruturas que podem indicar que plesiomorficamente tal grupo
oferece tais fendas e que, posteriormente, elas podem ter sido perdidas no
decorrer da evolução. A simetria pentarradial dos equinodermos modernos
parece ser um ponto contra a aproximação destes com os cordados. No
entanto, o registro fóssil aponta também que tal simetria é derivada de uma
condição bilateral.

4.3 CORDADOS NÃO VERTEBRADOS


Depois de apontar os possíveis grupos irmãos dos cordados, faremos
uma breve introdução sobre os cordados não vertebrados, que apresentam a
condição plesiomórfica de muitas características observadas derivadas nos
vertebrados. Os dois grupos de cordados não vertebrados são animais
marinhos de pequeno porte e desconhecidos para a grande maioria da
população.
Acredita-se que existiram muitos outros grupos de cordados não
vertebrados, no entanto, por serem animais de pequeno porte e de corpo mole, 31
a preservação destes animais é dificultada. Um animal fóssil, todavia, parece
estar intimamente relacionada com os Chordata: o Pikaia, conhecido por vários
espécimes encontrados em Burgess Shale (Cambriano Médio da Columbia
Britânica). Este animal possui uma pequena cabeça bilobada, portando, dois
pequenos tentáculos e com pequenas fileiras branquiais. As características
mais importantes dos cordados observados nestes fósseis são os miômeros
(feixes musculares dispostos nas laterais do corpo, separados por tecido
conjuntivo) e uma notocorda nos dois terços anteriores do corpo.

4.4 UROCHORDATA

Os Urochordata são conhecidos também como tunicados (figura 4). Os


tunicados atuais são animais marinhos que filtram partículas da água por meio
de uma faringe perfurada semelhante a um cesto (alguns denominam esta
faringe modificada como cesto branquial). As estimativas atuais sugerem a
existência de cerca de dois mil espécies viventes, sendo que a maioria é séssil,
fixando-se no substrato. Por volta de cem espécies não são sésseis, flutuando
na superfície dos oceanos.
Essas formas sésseis pouco se assemelham aos cefalocordados e
vertebrados a não ser pelas fendas branquiais e a presença de endóstilo. No
entanto, suas larvas são mais parecidas com os demais elementos do filo
Chordata. Estas larvas possuem uma notocorda na região posterior, um tubo
nervoso oco e uma cauda pós-anal. Esta cauda faz com que a movimentação
destas larvas se assemelhe aos movimentos de natação dos peixes. A maior
parte de subfilo se metamorfoseia após um curto período de larva livre natante
e se fixa no substrato.
Alguns pesquisadores supõem que as poucas espécies de tunicados
que não são sésseis apresentam um plano de corpo muito semelhante ao que
se espera do ancestral comum mais recente dos Chordata.

32
FIGURA 4 - ESQUEMAS DA ANATOMIA DE UMA LARVA DE
UROCHORDATA E DA ANATOMIA DE UM ADULTO DO MESMO GRUPO,
EVIDENCIANDO A TRANSFORMAÇÃO ENTRE UMA LARVA E UM ADULTO
DESTE GRUPO

33

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


4.5 CEPHALOCHORDATA

O grupo dos cefalocordados é ainda mais restrito, com apenas 22


espécies viventes (figura 5). Todas são marinhas, pequenas e superficialmente
assemelham-se a peixes. Popularmente estes animais são chamados de 34
anfioxo (do grego amphi = ambos e oxy = pontiagudo, em ambas as
extremidades). Apesar de poucas espécies, tal grupo é distribuído amplamente
nas águas oceânicas rasas de praticamente todos os continentes, tendo a
maior parte das espécies quando adulto o hábito de permanecer enterrado no
substrato.

FIGURA 5 - ESQUEMA DA ANATOMIA DE UM CEPHALOCHORDATA

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

Um fato notável dos anfioxos é a locomoção semelhante a dos peixes.


Os miômeros encontrados nas laterais do corpo contraem-se ao passo que a
notocorda funciona como uma estrutura incompressível impedindo que o corpo
encurte quando os miômeros se contraem. Assim, quando os miômeros
encolhem em sequência o corpo se curva, e quando alterado o lado da
contração o movimento resultante é como o mexer da cauda de um peixe. A
notocorda neste grupo estende-se por todo o corpo, sendo encontrada desde a
região do rostro até a região mais posterior da cauda.
Os vertebrados e cefalocordados apresentam diferentes maneiras no
uso das fendas faringeanas. Os cefalocordados não possuem tecido branquial
na região das fendas faringeanas. Isto é possivelmente relacionado ao
pequeno tamanho que permite que as trocas gasosas sejam inteiramente feitas
através de difusão por toda a superfície do corpo. Nesse grupo, as fendas 35
branquiais são usadas na alimentação por filtração. A água é movimentada
através da movimentação de cílios situados nas barras branquiais e auxiliada
por cílios e cirros bucais, bem como o órgão da roda.
A presença de um átrio (cavidade externa do anfioxo) difere este grupo
dos vertebrados. O átrio é formado por dobras dérmicas que envolvem o corpo
como se fosse uma capa. Esta capa abre-se para o exterior através do
atrióporo e parece auxiliar no controle das substâncias que entram na faringe.
Os cefalocordados apresentam várias características derivadas ausentes
nos tunicados. Além dos miômeros, os anfioxos possuem um sistema circulatório
semelhante ao dos vertebrados, com uma aorta dorsal e uma bomba ventral
(homólogo ao coração) que força o sangue através das brânquias. Ainda, apesar
de não possuir um rim diferenciado, os cefalocordados possuem células
excretoras especializadas denominadas podócitos, além de uma nadadeira caudal
como a dos vertebrados.
Cephalochordata e Vertebrata compartilham ainda algumas
características embrionárias: mesoderma da placa lateral (tecido derivado da
porção não segmentada do mesoderma) e indução embrionária de vários
tecidos neurais, tanto encéfalo quanto nervos, pela notocorda durante o
desenvolvimento (GANS, 1989). Dado o foco da apostila, este assunto não
será abordado profundamente.

5 DEFINIÇÃO DE UM VERTEBRADO

O termo vertebrado é derivado da estrutura vértebra. As vértebras estão


serialmente arranjadas formando a coluna vertebral. Na maioria dos vertebrados
as vértebras substituem a notocorda após o período embrionário e do mesmo
modo circundam o tubo nervoso. Esta coluna vertebral ossificada não é
encontrada em boa parte dos peixes que apresentam tais estruturas formadas
por tecido cartilaginoso.
Apesar do nome do grupo, nem todos os animais incluídos no subfilo
Vetebrata possuem vértebras. Entre os ágnatos viventes, os peixes-feiticeiros
não possuem qualquer vestígio de vértebra, enquanto que as lampreias 36
possuem apenas estruturas cartilaginosas recobrindo lateralmente o tubo
nervoso oco. Vértebras como conhecemos com um centro vertebral
circundando a notocorda são encontradas apenas nos vertebrados com
mandíbula. Alguns peixes mantêm a notocorda funcional quando adulto, com
os centros vertebrais formados por diversos elementos distintos em vez de uma
única peça óssea circundando a notocorda. Alguns agnatos fósseis da
linhagem dos gnatostomados provavelmente possuíram vértebras
cartilaginosas de algum tipo.
Todos os vertebrados apresentam uma estrutura diferenciada
circundando o encéfalo. Esta estrutura é denominada crânio, que pode ser
óssea, como na maioria dos vertebrados terrestres, mas também pode ser
cartilaginosa em alguns grupos. O crânio é o principal componente da cabeça e
apresenta uma concentração dos órgãos sensoriais. Estudos recentes sobre
embriologia identificaram uma série de genes denominados genes Hox, que
são encontrados tanto em Cephalochordata quanto em Vertebrata, indicando
que a cabeça não é uma estrutura completamente nova, mas que os
componentes genéticos para tal já estavam presentes no ancestral comum
mais recente destes dois grupos. Alguns pesquisadores preferem denominar o
grupo classicamente como Craniata. Isso porque nem todos os animais
incluídos em Vertebrata possuem vértebras, no entanto, todos possuem crânio.
Um dos aspectos importantes na definição dos vertebrados é a
presença de um tecido embrionário denominado crista neural. Apesar de este
tecido ser encontrado em muitos grupos não vertebrados, nos vertebrados ele
dá origem a uma série de estruturas, principalmente no encéfalo. Inclusive,
alguns autores sugerem que a crista neural nos vertebrados seria um quarto
folheto germinativo único entre todos os grupos zoológicos (HALL, 2000). O
encéfalo dos vertebrados é mais desenvolvido que os encéfalos dos demais
cordados e é dividido em três principais regiões: o prosencéfalo, mesencéfalo e
rombencéfalo.

6 ESTRUTURA BÁSICA DOS VERTEBRADOS

37

No módulo introdutório anterior delimitamos o que é um vertebrado. Neste


módulo, passaremos a investigar quais são as suas principais características. Quando
comparamos os vertebrados com os demais cordados, uma das principais
peculiaridades facilmente reconhecidas é o aumento de tamanho corporal. Os
vertebrados mais primitivos provavelmente atingiam um comprimento corporal de
cerca de dez centímetros, uma ordem de grandeza superior aos maiores cordados não
vertebrados. Devido a isso, os processos de difusão e ação ciliares responsáveis por
praticamente todas as trocas com o ambiente nos cordados não vertebrados são
praticamente desprezíveis nos vertebrados e os processos de troca com o ambiente
são feitos por meio de sistemas especializados. E, dada à presença destes sistemas
especializados, os vertebrados apresentam uma complexidade fisiológica que levou o
grupo a uma atividade muito maior durante a vida quando comparados aos cordados
não vertebrados.

Os vertebrados são caracterizados por uma maior mobilidade que, por sua
vez, é possibilitada através da presença de músculos e um endoesqueleto. Essa
mobilidade permite ainda que o vertebrado esteja em contato com uma maior gama de
ambientes e componentes daquele ambiente que foi possibilitada por um revestimento
resistente e flexível. Ossos e outros tecidos mineralizados tiveram sua origem neste
tegumento de revestimento.

6.1 EMBRIOLOGIA
Por que o estudo da embriologia deve ser empregado? O estudo da
embriologia de um vertebrado pode evidenciar o desenvolvimento dos sistemas, de
forma que tal desenvolvimento está baseado nos contingentes históricos e pode
fornecer evidências sobre a evolução dos sistemas. Apesar da máxima “a ontogenia
recapitula a filogenia” não ser empregada mais como uma unanimidade, como foi
proposto por embriologistas do século XIX, tais como Haeckel, a embriologia fornece
evidências sobre o estado ancestral de certas estruturas e facilita a proposição de
homologias.
38
O desenvolvimento de um vertebrado por meio do zigoto é uma série de
eventos extremamente complexos e não compreendidos por completo (como quase
todos os pontos das ciências). Todos os animais (excetuando-se as esponjas) são
formados por camadas de tecido germinativo, sendo que o destino que cada folheto
germinativo toma durante a evolução é muito conservativo, algumas vezes fácil de
propor homologias nos diversos grupos zoológicos. O tegumento externo denominado
ectoderma origina as camadas mais externas do tegumento do adulto, as porções
mais anteriores e posteriores do trato digestório e o sistema nervoso (incluindo a maior
parte dos órgãos do sentido, como olhos e orelhas). O endoderma (folheto mais
interno) forma o restante do trato digestório, incluindo o revestimento das glândulas
associadas (fígado, por exemplo) e a maior parte das superfícies respiratórias dos
pulmões e brânquias.

O folheto intermediário (mesoderma) em geral é o último a aparecer no


desenvolvimento e dá origem às demais estruturas (músculos, esqueleto, tecido
conjuntivo e sistemas circulatório e urogenital). Mas posteriormente ao
desenvolvimento forma-se uma fenda no mesoderma originando o celoma (cavidade
do corpo onde estão os órgãos internos). O celoma, por sua vez, é dividido em duas
partes: cavidade peritoneal (em torno das vísceras) e cavidade pericárdica (em torno
do coração).

Como citado anteriormente, os vertebrados possuem ainda um possível


quarto folheto germinativo, denominado crista neural. Este tecido forma estruturas da
região anterior da cabeça, incluindo ossos e músculos. Este tecido forma ainda todo o
sistema nervoso periférico (fora do encéfalo e medula espinhal), além de algumas
partes do encéfalo e estruturas que são consideradas como exclusivas dos
vertebrados, como as glândulas adrenais, as células pigmentadas da pele, células
secretoras do intestino e a musculatura lisa que reveste a aorta.
Um embrião de vertebrado quando observado no estágio de faríngula (um
dos muitos estágios pelos quais o embrião passa), é possível reconhecer o estado
ancestral das bolsas faringeanas encontrado nos cordados não vertebrados. Nos
peixes, há a perfuração das bolsas faringeanas, formando-se as fendas branquiais,
enquanto que nos vertebrados terrestres estas fendas desaparecem nos adultos.

Já o tubo nervoso oco (característico dos cordados) é formado por uma


invaginação e subsequente separação da ectoderme dorsal, a notocorda em
desenvolvimento. As células da crista neural aparecem perto do tubo neural e, mais
39
tarde, no desenvolvimento estas células dispersam ao longo do comprimento do
embrião e atingem as diversas regiões do mesmo, onde originarão as estruturas
citadas anteriormente.

O mesoderma embrionário é dividido em três porções diferenciadas, e como


consequência disso o corpo do vertebrado adulto possui regiões segmentadas e
regiões não segmentadas. A área dorsal do mesoderma, acima do trato digestório e
abaixo do tubo nervoso, forma uma série de segmentos denominados somitos e
dispostos desde a região mais anterior até a mais posterior. A parte inferior do
mesoderma (contendo o celoma) não é segmentada e é chamada placa lateral. Há
ainda pequenas regiões segmentadas unindo os somitos e a placa lateral, conhecidas
como nefrótomos.

Posteriormente, os somitos segmentados formam a derme, os músculos do


tronco e das extremidades pares do corpo, a coluna vertebral e região dorsal do
crânio. Posteriormente, alguns músculos, que até então estão localizados na região
superior (epiaxial), migram para a região ventral, formando a musculatura hipoaxial.
Esta musculatura nos tetrápodes dá origem à musculatura da perna. A placa lateral
forma as porções não segmentadas do corpo (tecido conjuntivo, sistema circulatório,
mesentérios – tecido que conecta o trato digestório com a parede do corpo,
revestimento perinitoneal, pericárdico e sistema reprodutivo). Os nefrótomos, por sua
vez, formam os rins (ou estruturas homólogas em vertebrados mais primitivos) e os
ductos de drenagem dos rins.

Do mesmo modo, o desenvolvimento do sistema nervoso segue também a


estruturação segmentar e não segmentar que ocorre no desenvolvimento do resto do
corpo. Uma característica peculiar dos vertebrados é a existência de dois tipos de
sistema nervoso, o somático (ou voluntário) e o visceral (ou involuntário).
O sistema nervoso somático inerva os músculos que podem ser movidos
voluntariamente (por exemplo, os músculos do pescoço) e transmite informações de
sensações que percebemos conscientemente (como os receptores de temperatura da
pele). O sistema nervoso visceral inerva os músculos que não conseguimos mover
conscientemente (por exemplo, os músculos do trato digestório), além de receptores
de sensações que não temos consciência (como os receptores de concentração de
dióxido de carbono do sangue). Apesar desse esquema de desenvolvimento ser válido
como um plano básico dos vertebrados, há variações nos diferentes grupos, sendo
que cada grupo possui certas peculiaridades em seu desenvolvimento embriológico. 40

6.2 TECIDOS PÓS-EMBRIONÁRIOS

Após o período embrionário, em que a diferenciação entre os tecidos ocorre,


é possível reconhecer que existem basicamente cinco tipos de tecidos nos
vertebrados: epitelial, vascular, conjuntivo, muscular e nervoso. Eles combinam-se de
forma que se agregam em unidades maiores e mais complexas denominadas órgãos.
Os órgãos frequentemente são formados por aglomerações dos cinco tipos básicos de
tecidos e, por sua vez, estão arranjados em sistemas.

Um dos componentes principais dos órgãos nos vertebrados é a proteína


colágeno. Esta proteína forma também a matriz orgânica dos ossos, tendões e
ligamentos, bem como os tecidos moles de órgãos. O colágeno é rijo e dificilmente se
distende. Em alguns locais, ele se combina com a elastina, que também se distende.
Outra proteína característica dos vertebrados é a queratina, encontrada em estruturas
epidérmicas (pelos, escamas, bicos, etc.), enquanto que o colágeno em geral está
localizado no mesoderma. Do mesmo modo que o colágeno, a queratina pode se
tornar mineralizada.

6.3 TEGUMENTO

O revestimento externo dos vertebrados é denominado tegumento. O tegumento é


o único órgão responsável por aproximadamente 15% a 20% da massa total dos
vertebrados (podendo representar mais em animais encouraçados) e inclui a pele e seus
derivados, como escamas, pelos, glândulas e armadura dérmica. As divisões mais claras
deste órgão são: epiderme (camada superficial de células derivadas do ectoderma) e derme
(camada mais profunda, originada do mesoderma e da crista neural).

A epiderme funciona como uma fronteira entre o vertebrado e o meio em que


este está inserido. Este tecido é importante na percepção do ambiente e nas trocas
entre o meio interno e o ambiente. Frequentemente são encontradas glândulas e
possuem papel importante na regulação osmótica e do volume do vertebrado. A
principal camada da pele, no entanto, é a derme. Essa inclui inúmeras fibras
41
colágenas que promovem elasticidade e mantém a forma do órgão. Na derme estão
localizados também os vasos sanguíneos. Os vasos sanguíneos, por outro lado, têm o
fluxo controlado tanto por regulações hormonais quanto neurais.

Algumas fibras musculares lisas também podem ser encontradas na derme,


como, por exemplo, a musculatura que promove o enrugamento dos mamilos. Na
derme estão localizadas também estruturas sensoriais e nervos associados a
sensações de pressão, temperatura e dor. Além dos melanócitos, que são as células
pigmentadas contendo melanina.

Há ainda um tecido denominado hipoderme (ou camada subcutânea) que não


faz parte funcionalmente da pele, mas está localizado entre a derme e as fáscias
musculares. Nessa região, há fibras colágenas e elásticas, sendo esta área a de
acumulação de gordura subcutânea em mamíferos e aves. Ali, é encontrada também a
musculatura estriada que promove as expressões faciais, principalmente nos
mamíferos.

6.4 TECIDOS MINERALIZADOS

Os vertebrados possuem um tecido peculiar mineralizado chamado


hidroxiapatita, composto por cálcio e fósforo. Este tecido é mais resistente a ataques
ácidos que a calcita (que forma as conchas de moluscos), resistência tal que impede a
corrosão do tecido no caso de atividades físicas vigorosas que liberam ácido lático nos
vertebrados.

Quatro tecidos principais podem sofrer mineralização nos vertebrados, três


dos quais são encontrados mineralizados nos adultos (esmalte, dentina e ossos). Já o
quarto (cartilagem) em geral não é mineralizado nos tetrápodes, mas forma o principal
elemento mineralizado do esqueleto interno de alguns peixes (como tubarões e raias).
O esmalte e a dentina são os tecidos mais mineralizados (com 99% e 90% de porção
mineralizada, respectivamente). Estes dois tecidos são encontrados nos dentes e nas
escamas de alguns grupos de peixes primitivos.

A mineralização de um tecido é um evento complexo e, embora o osso possa


substituir a cartilagem em alguns casos, ele não é simplesmente a ossificação da
cartilagem. Ela é formada por condrócitos, enquanto que o osso é composto por
osteócitos, sendo, portanto, diferentes tipos de células que formam cada tecido. As
42
células que formam a cartilagem e os ossos são originárias do mesoderma, enquanto
as células que dão origem à dentina são derivadas da crista neural e as que formam o
esmalte são derivadas do ectoderma.

Existe um quinto tipo de tecido mineralizado encontrado nos peixes


(excetuando-se os peixes de nadadeira lobada), denominado enameloide. Este tecido
é semelhante ao esmalte localizado nas camadas externas de ossos dérmicos dos
grupos que o possui. No entanto, quando observada a origem embrionária deste
tecido, há uma maior proximidade deste com a dentina. O último tecido mineralizado é
o cemento, que possui estrutura semelhante ao osso, sendo encontrado em alguns
grupos fixando os dentes nos alvéolos (às vezes incorporado aos dentes também).

Todos os tecidos mineralizados dos vertebrados possuem uma complexa


matriz de colágenos e cristais de hidroxiapatita, secretados por células especializadas.
Estes dois componentes estão arranjados em complexas redes que possuem direções
alternadas que conferem aos tecidos uma maior resistência a fraturas e quebras. No
caso dos ossos, este se mantém vascularizado mesmo quando totalmente
mineralizado. Esta natureza vascular permite que o osso possa remodelar-se. Por esta
propriedade, é possível que um tecido ósseo seja reconstruído após uma fratura. No
entanto, as cartilagens ossificadas (como as dos tubarões) não são vascularizadas e
não se recuperam após uma fratura.

Os ossos não possuem uma estrutura única. Diversas disposições são


encontradas tanto nos diferentes grupos, bem como num mesmo indivíduo que possui
diferentes ossos com distintas estruturas teciduais. As extremidades dos ossos em
geral são recobertas por cartilagem que reduz o atrito quando a articulação se move.

Os dentes possuem estrutura semelhante ao escudo dérmico dos vertebrados


mais primitivos. Esses são compostos por uma camada interna de dentina e uma
camada externa de esmalte ou enameloide, ambas em torno de uma estrutura central
denominada polpa. As escamas dos tubarões possuem mesma estrutura, sendo
reconhecida a homologia entre os dentes e estas escamas dos tubarões.

6.5 SISTEMA ESQUELÉTICO-MUSCULAR

O sistema esquelético dos cordados tem como estrutura básica a notocorda.


Nos vertebrados há a adição do crânio em volta do encéfalo, o esqueleto axial dos 43

arcos branquiais e seus derivados. O esqueleto axial (coluna vertebral e seus


derivados) de cartilagem ou osso, que originalmente circunda e depois substitui a
notocorda, não é encontrado nos vertebrados mais primitivos, como explicado
anteriormente, somente os gnatostomados o possuem. Estes também têm vértebras
verdadeiras, costelas e apêndices com esqueleto interno. A notocorda é perdida em
tetrápodes adultos, apenas pequenas porções ficam presentes na forma dos discos
entre as vértebras. O crânio, esqueleto visceral, notocorda, vértebras, costelas e o
suporte das nadadeiras ímpares dos peixes são denominados coletivamente de
esqueleto axial. Já os esqueletos das nadadeiras pares e patas além das cinturas são
denominados esqueletos apendiculares.

Do mesmo modo, cada componente destes esqueletos apresenta suas


subdivisões. O crânio pode ser dividido em condrocrânio, esplancnocrânio e
dermatocrânio.

O condrocânio é também chamado de neurocrânio e pode ser resumido como


a região óssea que circunda o encéfalo e as estruturas sensoriais. Este é inicialmente
formado por cartilagem e pode ser substituído completamente ou parcialmente por
osso.

O esplancnocrânio (esqueleto visceral ou ainda faríngeo) inclui os arcos


branquiais e do mesmo modo que o neurocrânio pode ser substituído completa ou
parcialmente por osso. Nos gnatostomados, o primeiro par de arcos branquiais são os
formadores das mandíbulas e os arcos posteriores nos vertebrados mais derivados se
transformam em estruturas da laringe e outras estruturas da garganta.

Já o dermatocrânio é constituído por ossos dérmicos formados primariamente


no tegumento. Este recobre ou substitui algumas estruturas que inicialmente são
formadas pelos outros dois sistemas cranianos. Como, por exemplo, a mandíbula dos
mamíferos que é composta inteiramente por ossos dérmicos ao invés de ossos do
esqueleto visceral.

O principal componente do esqueleto axial é a coluna vertebral que, por sua


vez, é formada por vértebras, compostas por um centro vertebral que originalmente
circunda, mas que posteriormente interrompe a notocorda, e por um arco neural que
envolve o tubo nervoso dorsal.

As vértebras possuem um número variável de projeções (apófises)


bilateralmente dispostas por onde se inserem ligamentos e músculos para unir e 44
articular vértebras seguidas. Do mesmo modo, costelas são associadas a apófises que
sustentam inserções musculares e reforçam a parede corpórea. Plesiomórficamente,
as vértebras são associadas simplesmente à locomoção. Entretanto, nos diversos
grupos existem especializações, como por exemplo, num grupo de peixe em que
algumas vértebras funcionam como ouvido, ou nos tetrápodes, em que a coluna
funciona como sustentação no ambiente aéreo.

Do mesmo modo que as vértebras que estão segmentadas a musculatura


associada a elas também apresenta este padrão. Em um peixe é fácil reconhecer o
padrão de zigue-zague da musculatura. Cada bloco de músculo é denominado
miómero e está coligado à movimentação das vértebras. Nos tetrápodes, esta
segmentação muscular é menos evidente, entretanto, no abdome fica mais visível.

O esqueleto apendicular apresenta grande variação ao longo da evolução dos


vertebrados. Basicamente, são seis séries de estruturas, sendo que, dependendo do
grupo tratado, existem especializações diferenciadas de cada uma.

Os apêndices são formados por um elemento mais proximal denominado


cintura (tanto a peitoral anterior, quanto a pélvica posterior). Seguido da cintura
encontra-se o propódio – que em geral é uma peça única –, depois o epipódio,
mesopódio, metapódio e falanges. Nos diferentes grupos a nomenclatura destes
elementos é diferente. Por exemplo, o propódio da cintura pélvica dos tetrápodes é
denominado fêmur. A tabela 1 mostra a divisão básica entre estes elementos nos
tetrápodes.

6.6 METABOLISMO E OBTENÇÃO DE ENERGIA


Vários sistemas estão envolvidos na obtenção de energia e metabolismo nos
vertebrados. A energia alimentar obtida do ambiente processa-se pelo sistema
digestório e libera energia e nutrientes que são transportados aos tecidos. Nesse
processo, o oxigênio é necessário para a liberação da energia, e as funções das
superfícies de trocas gasosas e o sistema circulatório está intimamente relacionado
com as do aparelho digestório, para que todo o processo ocorra.

TABELA 1 - DIVISÕES BÁSICAS DOS SUPORTES ESQUELÉTICOS DOS 45


APÊNDICES PARES DOS TETRÁPODES

Segmentos apendiculares Cintura peitoral Cintura pélvica

Cintura Escápula Pelve

Propódio Úmero Fêmur

Epipódio Radio/Ulna Tíbia/fíbula

Mesopódio Carpo Tarso

Metapódio Metacarpo Metatarso

Falanges Falanges Falange

FONTE: Arquivo pessoal do autor, 2008.

6.7 ALIMENTAÇÃO E DIGESTÃO

A alimentação inclui vários processos, desde a apreensão do alimento até


seu transporte até a cavidade oral (boca). Em geral, o meio de alimentação é feito pelo
sistema muscular esquelético e nos diversos grupos de vertebrados envolve diferentes
estratégias de caça e obtenção de alimento. Esses processos não serão tratados aqui.
Devido à grande diversidade de comportamentos de obtenção de alimento, este tópico
estender-se-ia por muitas páginas simplesmente para uma breve introdução.

Abordaremos somente a introdução dos processos mais conservativos nos


grupos de vertebrados, que são os processos após o transporte dos alimentos até a
cavidade oral. No que concerne à alimentação, os grupos de vertebrados em geral
apresentam algum grau de processamento oral e/ou faríngeo (mastigação de alguma
forma, embora só os mamíferos apresentem mastigação verdadeira), além da
deglutição. Já a digestão envolve a quebra dos compostos complexos em moléculas
menores que são absorvidas através da parede do intestino. Tanto a alimentação
quanto a digestão envolve dois componentes: físico e químico. No entanto, o
componente físico predomina no processo de alimentação e o químico impera no
processo de digestão.
46
Os primeiros vertebrados provavelmente filtravam o alimento da água, como a
condição encontrada nos cordados não vertebrados e nas larvas de lampreias. No
entanto, os demais vertebrados alimentam-se de pedaços maiores em vez de
partículas diminutas. Eles têm um maior volume intestinal que os cordados não
vertebrados e digerem seu alimento secretando enzimas na luz do trato digestório.
Essa condição não é encontrada nos demais cordados, por exemplo, o anfioxo não
apresenta digestão extracelular, mas as partículas ingeridas são transportadas inteiras
para o interior das células onde são digeridas.

Os vertebrados possuem uma musculatura envolvida no trato digestório, de


modo que este trato movimenta o alimento por intermédio de contrações rítmicas da
sua musculatura lisa (movimentos peristálticos).

O estômago está presente somente nos gnatostomados. E esta estrutura está


relacionada ao armazenamento dos alimentos, além de secretar ácido que auxilia na
eliminação de certos tipos de bactéria e na promoção da digestão de proteínas.

O fígado e o pâncreas são duas glândulas que secretam seus produtos para
o intestino em uma posição logo após o estômago. O fígado produz secreções
digestivas, bile produzida na vesícula biliar e enzimas emulsificadoras de gorduras,
que processam nutrientes e metabólitos, auxiliando também na destruição de algumas
substâncias danosas. O pâncreas (que nos agnatos é restrito a um tecido difuso) lança
enzimas que degradam carboidratos e gorduras. O pâncreas secreta também o
hormônio insulina, que está relacionado com a regulação do metabolismo da glicose e
dos níveis de açúcar no sangue.

Na maioria dos vertebrados não há divisão do intestino em intestino grosso e


delgado. Nesses vertebrados, o intestino se abre na cloaca, que se trata de uma
abertura única comum ao sistema digestório, urinário e reprodutivo.
6.8 VENTILAÇÃO E RESPIRAÇÃO

É suposto que a condição plesiomórfica no que concerne à absorção do


oxigênio e liberação do dióxido de carbono nos vertebrados é a difusão através da
pele. Esta condição é observada no anfioxo, animal de pequeno porte e com demanda
de oxigênio baixa, que não apresenta órgãos respiratórios especializados. Embora
este grupo ofereça fendas faringeanas, estas estão relacionadas à filtração de
partículas alimentares.

A liberação do dióxido de carbono pela pele é muito importante para alguns 47


vertebrados de maior porte (incluindo mamíferos, como os morcegos), e alguns
vertebrados, como os anfíbios, utilizam a superfície cutânea na tomada de oxigênio.
Todavia, para os demais vertebrados a combinação de um tamanho corporal grande
com uma alta taxa metabólica (e consequente alta demanda de oxigênio) serviu de
pressão seletiva para o desenvolvimento de órgãos especializados para as trocas
gasosas. As brânquias mostram-se mais eficientes no ambiente aquoso, enquanto que
os pulmões são mais eficientes no ambiente aéreo. Ambas as estruturas possuem
grande área superficial que permite a difusão do oxigênio do ambiente circundante
(água ou ar).

6.9 SISTEMA CARDIOVASCULAR

O sangue transporta o oxigênio e nutrientes pelos vasos sanguíneos até as


células do corpo, remove o dióxido de carbono e os demais resíduos metabólicos,
além de estabilizar o meio interno. Neste processo existe o transporte também dos
hormônios do tecido produtor até o tecido alvo.

O sangue é um tecido fluídico, com dois componentes principais: o plasma e


o componente celular. No componente celular, estão os eritrócitos que contêm
hemoglobina (proteína rica em ferro) além de uma grande diversidade de leucócitos
envolvidos no sistema de proteção do corpo, o sistema imunológico. No componente
celular existem ainda células especializadas na coagulação do sangue (trombócitos),
ausentes nos mamíferos nos quais há plaquetas (componentes não celulares). Já o
fluido tecidual é formado pelo plasma sanguíneo menos as grandes proteínas que não
ultrapassam as paredes dos vasos sanguíneos.
Nos vertebrados existe um sistema circulatório fechado (figura 6) que mantém
todo o sangue restrito nos vasos e órgãos, sendo as artérias e veias comunicadas por
capilares. De um modo geral, as artérias levam o sangue para longe do coração,
enquanto que as veias retornam o sangue para o coração. Sendo assim, a pressão
sanguínea no sistema arterial é maior que a pressão no sistema venoso e as artérias
apresentam um revestimento de musculatura lisa e de tecido conjuntivo fibroso além de
uma parede mais espessa que suporta esta maior pressão.

48
FIGURA 6 - PADRÃO BÁSICO DO SISTEMA CIRCULATÓRIO

DOS VERTEBRADOS

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

Entre as menores artérias e veias estão dispostos capilares que são os locais
de trocas entre o sistema circulatório e os tecidos. A rede de capilares é muito grande,
alcançando praticamente todas as células do corpo de modo que representam uma
enorme superfície de trocas gasosas, nutrientes e produtos da excreção. As paredes
dos capilares são formadas por apenas uma célula. Deste modo, os capilares formam
uma intrincada rede em tecidos metabolicamente ativos, sendo menos desenvolvidos
em tecidos com menores taxas metabólicas.

No entanto, existe uma regulação do fluxo sanguíneo nos capilares pelos


músculos esfíncteres pré-capilares. Anastomoses arteriovenosas conectam as
menores veias às menores artérias evitando a passagem do sangue pela rede dos
capilares. Em atividade normal, poucos capilares apresentam sangue fluindo por eles.
No entanto, quando a atividade do tecido aumenta, resíduos metabólicos estimulam os
esfíncteres pré-capilares, dilatando estes músculos, e o fluxo sanguíneo é aumentado
nos capilares daquela região.

Entre duas redes de capilares existem as veias porta. Uma das mais
conhecidas é a veia porta hepática, presente em todos os vertebrados e situada entre
a rede de capilares do intestino e do fígado. As substâncias absorvidas pelo intestino
são transportadas diretamente para o fígado. A maioria dos gnatostomados apresenta
49
uma veia porta renal entre o rim e as veias que retornam da parte posterior do tronco e
da cauda. Essa estrutura supõe-se estar relacionada ao processamento dos resíduos
metabólicos que retornam da musculatura dos membros posteriores usados na
locomoção. Este sistema é perdido nos mamíferos e é muito reduzido nas aves.

Um ponto central no sistema circulatório é o coração. Nos vertebrados este


órgão é um tubo muscular dobrado sobre si mesmo e plesiomorficamente apresenta
três câmaras em sequência: o seio venoso, o átrio e o ventrículo. Nos gnatostomados
existe uma quarta câmara denominada cone arterial, entre o ventrículo e a aorta
ventral. Este padrão plesiomórfico modifica-se nos diversos grupos, sendo que o
coração dos mamíferos dividido em quatro câmaras é resultado da divisão em
metades esquerda e direita do átrio e do ventrículo. Ainda, as estruturas seio venoso e
cone arterial não são diferenciáveis.

O seio venoso apresenta as paredes finas com algumas poucas fibras


musculares cardíacas. Com a pressão das veias esta câmara é preenchida juntamente
com as quedas de pressão periódicas resultantes das contrações do coração. A
sucção produzida pela contração muscular promove a movimentação do sangue
anteriormente para o interior do átrio. O átrio apresenta válvulas em suas
extremidades e não permite o retorno do sangue. O ventrículo, por sua vez, possui
paredes musculares grossas com ritmo pulsátil. Este ritmo de contrações bombeia o
sangue para o cone arterial e deste para a aorta ventral.

A condição plesiomórfica do sistema circulatório dos vertebrados consiste de


um coração que bombeia sangue para uma única aorta ventral. Existem ainda
conjuntos pares de arcos aórticos ramificando da aorta, cada um dos pares suprindo
um dos lados da cabeça. Nos vertebrados aquáticos os arcos aórticos dirigem-se às
brânquias, onde o sangue é oxigenado e retorna pela aorta dorsal. Esta aorta dorsal é
localizada acima das brânquias e possui duas porções. A porção anterior dirige-se
para frente e na região da cabeça se ramifica como artérias carótidas. Atrás da região
branquial, os dois vasos unem-se em uma única aorta dorsal que transporta sangue
para a região posterior do corpo.

A aorta é flanqueada por veias cardinais pares que retornam o sangue ao


coração. As veias cardinais anteriores são denominadas jugulares e drenam a cabeça.
Já as veias cardinais posteriores drenam o corpo e juntamente com as jugulares
unem-se numa veia cardinal comum que desemboca no átrio do coração. O sangue
separadamente retorna ao coração do intestino e do fígado via sistema porta hepático.

A condição plesiomórfica dos vertebrados parece ser de seis pares de arcos 50


aórticos que, por sua vez, supririam seis pares de fendas branquiais. Esta condição de
seis pares de fendas branquiais pode ser reconhecida no embrião de todos
vertebrados. No entanto, em nenhum adulto vertebrado existe o primeiro par de arcos
aórticos. A primeira fenda branquial em geral é perdida também, exceto em alguns
peixes em que esta forma uma pequena abertura denominada espiráculo.

6.10 SISTEMA EXCRETOR E REPRODUTOR

Apesar do sistema excretor e reprodutor apresentar ductos comuns nos quais


os excrementos e os gametas são liberados para o mundo exterior, estes dois
sistemas possuem origem embriológica distinta. Os rins segmentares são derivados
do nefrótomo ou mesoderma intermediário. Enquanto que as gônadas são formadas a
partir da crista genital e não são segmentadas.

Os rins excretam os produtos residuais (substâncias nitrogenadas resultantes


do metabolismo das proteínas) e regulam a água e os minerais do corpo. No entanto,
observadas as diferenças encontradas no metabolismo de diversos grupos, é possível
que os rins estivessem plesiomorficamente relacionados somente à regulação de íons
bivalentes, tais como cálcio e fosfato. Os rins dos vertebrados funcionam por
ultrafiltração. O sangue chega diretamente aos rins pelos vasos renais e, por
intermédio da pressão sanguínea, a água é forçada a sair juntamente com íons e
pequenas moléculas através das paredes dos capilares.

A reprodução é o meio pelo qual os gametas são produzidos, liberados e


combinados com os gametas do sexo oposto para produzir um zigoto fertilizado. Em
geral, a existência de dois sexos é a norma. No entanto, existem espécies com apenas
um sexo em grupos de peixes, anfíbios e répteis. Os órgãos que produzem gametas
(células sexuais) são as gônadas: ovários nas fêmeas e testículos nos machos. As
gônadas são pares e em geral localizadas na parede posterior do corpo por trás do
peritônio. Os ovários possuem grandes células sexuais primárias denominadas
folículos, conforme o desenvolvimento das células foliculares nutre o óvulo em
desenvolvimento. Quando o óvulo amadurece existe o rompimento do folículo e a
liberação do óvulo. Já os testículos são compostos por túbulos seminíferos
interconectados onde os espermatozoides amadurecem. Nestes túbulos, os
espermatozoides são nutridos e sustentados por células de suporte ou também
denominadas células de Sertoli. 51

Nos diferentes grupos de vertebrados existem diversas adaptações tanto


morfológicas quanto comportamentais na reprodução. Estas adaptações fogem ao
escopo desta apostila, sendo um assunto extremamente complexo e extenso.

6.11 COORDENAÇÃO E INTEGRAÇÃO

A coordenação e integração dos vertebrados são feitas pelo sistema nervoso.


O sistema nervoso fornece informações sobre o mundo externo do organismo e
controla as funções dos órgãos e músculos. A coordenação dos órgãos é necessária
para que trabalhem um comum acordo para que as ações não sejam conflitantes.
Tanto os sinais do sistema nervoso quanto as secreções endócrinas distribuídas pelo
sangue tem um papel muito importante nesta regulação.

A unidade básica do sistema nervoso é o neurônio. Nos gnatostomados os


axônios dos neurônios são cobertos por uma camada gordurosa isolante denominada
bainha de mielina que aumenta a velocidade na condução dos impulsos nervosos. Os
axônios em geral são agrupados, de modo que estes agrupamentos são chamados de
diferentes maneiras. No sistema nervoso periférico são denominados nervos, enquanto
que no sistema nervoso central são denominados tratos.

A medula espinhal é composta por um tubo oco contendo uma camada de


substância cinzenta que são os corpos celulares e uma camada de substância branca
que são os axônios revestidos de bainha de mielina. A medula espinhal tem em muitos
vertebrados uma grande autonomia, inclusive alguns movimentos natatórios são
controlados pela medula em alguns peixes.
Ao longo da filogenia dos vertebrados é reconhecido um aumento na
complexidade das conexões dentro da espinha neural e entre a espinha e o encéfalo.
Os nervos do sistema nervoso periférico saem da espinha neural em segmentos. Cada
nervo saindo da espinha neural tem quatro tipos de fibras neurais: fibras sensoriais
somáticas da parede do corpo; fibras motoras somáticas para o corpo; fibras
sensoriais viscerais da parede do trato digestório dos vasos sanguíneos; e fibras
motoras viscerais para os músculos e glândulas do trato digestório e dos vasos
sanguíneos.
52
Os vertebrados apresentam também nervos que saem diretamente do
encéfalo, os chamados nervos cranianos. Estes nervos são dez pares nos vertebrados
não amniotas e 12 pares nos amniotas. De um modo geral, o encéfalo dos vertebrados
é uma estrutura com três partes. Na configuração mais simples o prosencéfalo está
associado com o olfato, o mesencéfalo com a visão, e o rombencéfalo com o equilíbrio
e detecção de vibrações (audição no caso dos vertebrados terrestres). Estas
subdivisões são associadas, respectivamente, com as cápsulas nasal, ópticas e óticas
do condrocrânio.

O encéfalo de um anfioxo se mostra não mais do que uma simples


intumescência do tubo nervo, todavia considerado como homólogo ao encéfalo dos
vertebrados.

A complexidade do sistema nervoso dos vertebrados possuiu ainda partes


mal compreendidas, de modo que em diferentes grupos existe diferenças tanto na
morfologia da espinha neural quanto do encéfalo, sendo que as informações sobre as
peculiaridades de cada grupo devem ser buscadas em literatura especializada.

6.12 ÓRGÃOS DOS SENTIDOS

Com base na experiência na qual os humanos estão submetidos, dados seus


próprios sentidos, acreditamos que os vertebrados têm cinco sentidos: paladar, tato,
visão, olfato e audição. Todavia, estes sentidos não correspondem à condição
plesiomórfica nem, ao menos, a todos os sentidos encontrados nos diversos grupos de
vertebrados. Órgãos sensoriais multicelulares complexos derivados da epiderme são
condições derivadas dentre os vertebrados, todavia este processo ocorreu diversas
vezes na evolução do grupo. Por exemplo, os peixes não possuem audição como nós
conhecemos, mas apresentam a linha lateral que não possui funcionalidade no meio
aéreo.

6.13 SISTEMA ENDÓCRINO

O sistema endócrino transfere informações de uma região do corpo para


outra via liberação de um mensageiro químico, que possui o nome de hormônio, que 53

por sua vez desencadeia uma resposta da célula alvo. O tempo de resposta demora
de minutos até horas, dependendo dos fatores envolvidos. Os hormônios são
produzidos em glândulas endócrinas distintas que estão relacionadas à produção
destas substâncias, ou ainda são produzidos por órgãos ligados a outras funções, mas
que também produzem essas substâncias.

7 OS PRIMEIROS VERTEBRADOS: OS AGNATOS E A ORIGEM DOS


GNATOSTOMADOS

As diferenças mais marcantes dos vertebrados em relação aos demais


cordados é a diferenciação de uma extremidade cefálica com um encéfalo tripartido
dentro de um crânio e contendo complexos órgãos sensoriais. Em vez de usarem
cílios para a movimentação da água, usam a musculatura faríngea para tal. Tal
movimentação da água é usada para a respiração (e não mais para alimentação) e
tecidos especializados nos arcos branquiais promovem as trocas gasosas. Os
primeiros vertebrados são reconstruídos como predadores ativos e não filtradores de
partículas. É proposto ainda que muitos tivessem armaduras de tecido mineralizado ao
redor do corpo. As estruturas dos primeiros vertebrados são reconhecidas por
intermédio de diversos grupos fósseis, muitos dos quais com preservações únicas,
inclusive com a impressão de tecidos moles. Os gnatostomados (vertebrados com
mandíbulas) são um grupo de vertebrados que surgem mais recentemente, sendo que
as mandíbulas são homólogas ao primeiro arco branquial modificado.
7.1 AS PRIMEIRAS EVIDÊNCIAS DA EXISTÊNCIA DE VERTEBRADOS NO
REGISTRO FÓSSIL

Primeiramente, as mais antigas evidências de vertebrados consistiam de


fragmentos de carapaças ósseas de ostracodermos (grupo de agnatos primitivos,
muito diferente de qualquer vertebrado atual). Em uma visão bem simplista, este grupo
era formado por peixes que apresentavam uma armadura óssea extensa,
diferentemente dos agnatos recentes que não possuem nenhuma estrutura ossificada.
Alguns fragmentos ósseos são conhecidos do Ordoviciano (há cerca de 480 milhões
54
de anos). Todavia, recentemente alguns tecidos mineralizados supostamente de
vertebrados foram encontrados no Cambriano da América do Norte e Austrália (por
volta de 500 milhões de anos).

7.2 AMBIENTE DO INÍCIO DA EVOLUÇÃO DOS VERTEBRATA

No Siluriano Superior, os ostracodermes e os primeiros peixes eram


abundantes em todos os ambientes aquáticos, tanto de água salgada quanto de água
doce. Inicialmente alguns cientistas propuseram a origem dos vertebrados em água
doce. Esta inferência inicial foi feita com base nos estudos dos rins e levando em
conta a alta capacidade desta estrutura de eliminar o excesso de água, propondo que
a condição plesiomórfica seria esta. Hoje em dia acredita-se amplamente numa origem
em água salgada para os vertebrados e que a condição dos rins dos vertebrados seria
derivada. Uma evidência de que a origem dos vertebrados está relacionada à água
salgada é o registro fóssil. Todos os fósseis de vertebrados mais antigos estão
associados a ambientes marinhos. Uma segunda linha de evidência é o estudo dos
grupos irmãos dos vertebrados. Todos os cordados não vertebrados, bem como os
demais deuterostômios (possivelmente relacionado na origem de Chordata), são
grupos exclusivamente marinhos. Além do mais, os agnatos atuais apresentam sua
distribuição grande parte restrita a ambientes marinhos.

7.3 AGNATOS ATUAIS


Os agnatos atuais são classificados originariamente na Subclasse Agnatha,
juntamente com os ostracodermos. No entanto, com base na sistemática filogenética, é
suposto que este grupo não apresenta um ancestral comum exclusivo, mas que as
lampreias são mais proximamente relacionadas aos gnatostomados. Ainda, acredita-se
que os diferentes grupos de ostracodermos são mais próximos dos gnatostomados que
os agnatos viventes. Apesar deste fato superficialmente soar estranho, a existência de
grupos fósseis mais derivados que grupos viventes é completamente viável e quando
observado os fósseis e os animais recentes é possível reconhecer este fato em diversos
pontos da evolução de Vertebrata. 55

7.3.1 Feiticeiras – Myxinoidea

Existem cerca de 60 espécies deste grupo. As maiores feiticeiras não


ultrapassam mais do que um metro, são alongadas, sem escamas e de coloração
rósea. Todas são inteiramente marinhas e encontradas em praticamente todas as
regiões do globo, excetuando-se algumas polares. O hábito deste grupo é pouco
conhecido devido ao fato de ocuparem em geral águas profundas e frias, sendo que
são os maiores carniceiros do assoalho oceânico. Um caráter peculiar deste grupo são
as glândulas de muco que se abrem para o exterior por meio das paredes do corpo.
Essas glândulas secretam uma grande quantidade de muco proteico que em contato
com a água forma uma capa em volta do corpo da feiticeira. Martini (1998) aponta que
uma feiticeira pequena pode em poucos minutos produzir muco suficiente para
transformar um balde em uma substância gelatinosa. Este comportamento
aparentemente está relacionado à predação, impedindo que um possível predador
ataque a feiticeira.

Os Myxinoidea não apresentam qualquer estrutura vertebral, sendo esta uma


evidência de que este grupo seja o grupo irmão dos demais vertebrados (figura 7). As
feiticeiras possuem apenas uma narina externa que se conecta com a faringe por meio
de um largo tubo. Os olhos são pequenos, rudimentares e recobertos por pele. A boca
é circundada por tentáculos que podem ser movimentados e são utilizados para
buscar alimento. Na boca são encontradas duas placas nas laterais com estruturas
queratinizadas semelhantes a dentes.

No entanto, não são homólogas aos dentes dos gnatostomados. Estas placas
associadas ao movimento da língua promovem movimento das placas semelhante a
pinças e arrancam pedaços de carne da presa. Este processo de arrancar pedaços de
carne é auxiliado por uma habilidade das feiticeiras. Tais animais conseguem dar nó
no próprio corpo, sendo que o nó começa na cauda e vai sendo movimentado para a
região anterior, auxiliando a feiticeira a arrancar a carne da presa.

56

FIGURA 7 - ESQUEMA BÁSICO DA ANATOMIA EXTERNA E PARTE DA ANATOMIA


INTERNA DA REGIÃO ANTERIOR DE UM REPRESENTANTE DO GRUPO
MIXINOIDEA

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

Os diferentes gêneros de feiticeiras apresentam números variáveis de


aberturas branquiais externas. Podem ocorrer de 1 a 15, sendo que tais aberturas não
necessariamente representam o número de brânquias. Em alguns gêneros existe a
fusão caudal de tubos branquiais diminuindo o número de aberturas externas. Em geral,
elas estão localizadas na parte posterior do corpo do animal. Tal adaptação acredita-se
estar ligada ao hábito escavador que estes animais possam ter.

O sistema circulatório das feiticeiras é diferente dos demais vertebrados.


Estes animais possuem a pressão sanguínea baixa e corações acessórios são
encontrados em diferentes regiões como fígado e cauda, além do coração verdadeiro
próximo às brânquias. Estes corações acessórios não são inervados, sendo que os
ritmos de contração destes corações não são controlados pelo sistema nervoso
central.
57
Na maioria das espécies, as fêmeas de feiticeiras são muito numerosas,
sendo que em algumas delas a existência de um macho é para cada cem fêmeas. O
motivo disso ainda é desconhecido. Outras espécies apresentam-se hermafroditas.
Não há informação alguma sobre a reprodução deste grupo, nem mesmo o modo de
acasalamento. Sabe-se que os ovos destes animais são ovais, ricos em vitelo,
possuem mais de um centímetro e estão envoltos por uma casca resistente com
ganchos que os prende no substrato. No entanto, nunca foram encontrados ovos
fertilizados destes animais. Pouco se sabe sobre a embriologia e primeiros estágios do
desenvolvimento do grupo. Todavia, acredita-se que as feiticeiras emerjam do ovo
como uma feiticeira formada, ou seja, sem um estado larval.

As feiticeiras são encontradas sempre nas regiões profundas da plataforma


continental e algumas espécies vivem em colônias escavadas no lodo oceânico. Cada
entrada é demarcada com um acúmulo de lodo. Em estudos do conteúdo estomacal
das feiticeiras são encontrados poliquetas e camarões e ao que tudo indica, algum
destes animais obtém seus alimentos do próprio substrato.

Apesar de estes animais serem desconhecidos para a maior parte da


humanidade, algumas populações estão seriamente prejudicadas devido à sua
exploração comercial. Nas ultimas décadas houve um aumento na quantidade de
pesca destes animais para a obtenção de seu couro, que por sua vez é usado na
produção de calçados e acessórios. É necessário que mais pesquisas básicas sobre a
biologia deste grupo sejam feitas para que um manejo adequado da exploração das
populações ocorra antes que tais animais se tornem raros.

7.3.2 Lampreias – Petromyzontoidea


Existem cerca de 50 espécies de lampreias. Apesar de serem semelhantes às
feiticeiras no formato do corpo e tamanho, são profundamente diversos em outros
aspectos. Este grupo apresenta várias características ausentes em Myxinoidea, no
entanto, são compartilhadas pelos gnatostomados. Destas peculiaridades, a mais
marcante é a presença de estruturas vertebrais. Apesar de estas estruturas
(denominadas arcuálias) serem rudimentares e cartilaginosas, é proposto a sua
homologia com os arcos neurais dos gnatostomados.

A maioria das lampreias é parasita (em geral de peixes ósseos grandes), se


58
fixam no hospedeiro por meio de sucção e raspam uma ferida no hospedeiro (figura 8).
A boca é circular e a porção anterior do esôfago está disposta no fundo de um grande
funil carnoso, que possui a superfície interna revestida por uma grande quantidade de
estruturas em formato de espinhos e queratinizadas. Existe ainda uma estrutura
protrátil recoberta das mesmas estruturas que cobrem o funil que permite a fixação
mais rápida no hospedeiro. Esta estrutura não é considerada homóloga à língua. A
principal evidência disto é a diferença na inervação destas estruturas feitas por
diferentes nervos nos diversos grupos. Uma glândula oral secreta uma substância
anticoagulante que impede que o sangue da presa coagule, mantendo a alimentação
constante do parasita. As lampreias adultas provavelmente se alimentam de sangue e
fluidos corporais do hospedeiro, sendo seu trato digestório compatível com este tipo
de alimentação: reto e simples.

Uma característica peculiar deste grupo é a presença de uma narina única no


topo da cabeça combinada com um ducto que se dirige à hipófise conhecida como
abertura naso-hipofisiária. A função desta estrutura não é conhecida, mas sabe-se que
sua presença promove a modificação de grande parte das estruturas cranianas
anteriores. Os olhos das lampreias são bem desenvolvidos bem como o corpo pineal,
que pode ser observado atrás da abertura da narina.
FIGURA 8 - ESQUEMA BÁSICO DA ANATOMIA EXTERNA, PARTE DA ANATOMIA
INTERNA DA REGIÃO ANTERIOR E ANATOMIA INTERNA DE UMA LARVA DE UM
REPRESENTANTE DO GRUPO PETROMYZONTOIDEA 59
60

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

As lampreias possuem sete pares de bolsas branquiais que se abrem para o


exterior logo atrás da cabeça. Diferentemente dos demais vertebrados, a ventilação
não é feita por fluxo contínuo, mas sim, há ventilação intermitente. As lampreias
adultas passam boa parte do tempo fixadas nas presas e a ventilação por fluxo
contínuo não é possível. Neste grupo existe tanto a entrada quanto a saída de água
por meio das fendas faringeanas.

As lampreias têm uma distribuição geográfica global, exceto nos trópicos e nas
altas latitudes polares. A maioria das espécies são anádromas, ou seja, quando adultas
vivem no mar, mas utilizam a água doce para reproduzir. Algumas espécies, entretanto,
vivem somente na água doce, mas a fase adulta é extremamente reduzida e não se
alimentam, sendo somente a fase reprodutiva do ciclo. Pouco se sabe sobre a biologia
da fase adulta das lampreias em geral. Na maioria das vezes, os indivíduos são
61
observados somente quando apanhados acidentalmente junto ao seu hospedeiro ou em
suas migrações na etapa reprodutiva. E não se sabe bem, nem ao menos como ocorre
a localização de seu hospedeiro e sua fixação no mesmo.

Apesar do pouco conhecimento acerca da biologia geral das lampreias, seus


eventos reprodutivos são relativamente bem conhecidos. As fêmeas depositam cerca
de centenas de milhares de óvulos com aproximadamente um milímetro de diâmetro e
desprovidos de qualquer cobertura externa. Do mesmo modo que as feiticeiras, não há
ductos especializados na liberação dos gametas. Estes são depositados no celoma e
posteriormente, por poros próximos da cloaca, são expelidos para a fecundação
externa. O sinal que dispara a migração reprodutiva é o abaixamento de temperatura.
Após receber o sinal, as lampreias sobem até as cabeceiras dos riachos de fundo
pedregoso. Após isto, há a construção de um ninho, que pode durar dois dias, pelo
macho e pela fêmea, com grandes pedras. Em seguida ocorre a fertilização dos óvulos
e a morte dos pais.

As larvas eclodem cerca de duas semanas depois da fertilização e


apresentam biologia e ecologia completamente diferentes dos pais, sendo que
inicialmente foram descritas como pertencente a um gênero diferenciado
(Ammocetes). Este nome sendo inclusive associado para denominar as larvas das
lampreias até hoje. As larvas são pequenas (seis a dez milímetros) e possuem o corpo
semelhante a um verme, com um grande funil oral e com os olhos não funcionais.
Correntes levam as larvas rio abaixo até certas margens calmas onde passam de três
a sete anos como filtradores sedentários (semelhantes aos cordados não
vertebrados). As larvas, depois de anos sem nenhuma alteração morfológica, em geral
no meio do verão, terminam o desenvolvimento gerando um adulto que desce até o
mar e inicia sua fase adulta, que normalmente não ultrapassa dois anos.
7.4 IRRADIAÇÃO DOS OSTRACODERMES NA ERA PALEOZOICA (FIGURA 9)

Os ostracodermes representam uma série de linhagens extintas que não


possuem relações consensuais entre elas, nem com os vertebrados viventes. Este
grupo é reconhecido por uma carapaça formada por séries de ossos dérmicos que
apresentam tamanhos variáveis nos diferentes grupos, algumas sendo muito
pequenas e formando escamas. Este grupo tem sido considerado parafilético (sem um
ancestral comum exclusivo) nas análises filogenéticas mais recentes. No entanto, as 62
análises evidenciam que os ostracodermes são mais próximos dos gnatostomados
que as feiticeiras e lampreias. Com base nos fósseis encontrados, as espécies
parecem variar consideravelmente entre espécies de 10 centímetros até 50
centímetros. Embora não apresentassem mandíbula, alguns grupos possuíam placas
dérmicas móveis na boca.

Apesar de a maioria possuir uma nadadeira dorsal, somente as espécies mais


derivadas apresentavam apêndices pares na lateral do corpo. Interpretações recentes
sobre as faringes dos ostracodermes indicam que pelo menos os adultos eram
predadores. De modo que a teoria mais antiga de que a mandíbula dos
gnatostomados estivesse plesiomorficamente ligada à filtração parece não ser
corroborada. Durante o Siluriano Superior e Devoniano, a maioria dos principais
grupos de ostracodermes coexistiu com os primeiros gnatostomados. Esta
coexistência de pelo menos 50 milhões de anos desencoraja a teoria de que tais
grupos tenham se extinguido pela irradiação dos gnatostomados. Os agnatos e
gnatostomados, ao que indicam, exploravam diferentes recursos. A extinção dos
ostracodermes ocorreu no Devoniano Superior e ao que parece está ligada à grande
extinção do final deste período, que extinguiu também uma série de grupos de
invertebrados e vertebrados gnatostomados como, por exemplo, os placodermes.

FIGURA 9 - EXEMPLOS DE AGNATOS EXTINTOS


63

As quatro espécies exemplificadas são representantes de diferentes grupos de ostracodermos,


possivelmente mais próximos dos gnatostomados que os agnatos viventes.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

7.5 PADRÃO BÁSICO E ORIGEM DOS GNATOSTOMADOS


Apesar de existirem no registro fóssil algumas estruturas de escama que possam
ser atribuídas a gnatostomados, os primeiros representantes indubitavelmente
pertencentes a este grupo são originários do Siluriano Inferior (tabela 2). As principais
características relacionadas aos gnatostomados são a presença de mandíbula e dois
pares de apêndices ou nadadeiras. No entanto, análises apontam a existência de outras
várias características que diferenciam este grupo dos demais vertebrados e cordados.
Estas diferenças incluem uma melhora nos aspectos relacionados à boa natação e
64
predação, bem como nos sistemas circulatórios e sensoriais. Na tabela 2, estão
apontados os caracteres derivados dos gnatostomados (figura 10).

FIGURA 10 - ESQUEMA BÁSICO DA ANATOMIA DA REGIÃO ANTERIOR DE


AGNATOS E GNATOSTOMADOS

No esquema básico da anatomia da região anterior de agnatos e gnatostomados, evidenciam-


se as diferenças relacionadas ao aparecimento de mandíbulas.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

TABELA 2 - CARACTERES DERIVADOS DOS GNATOSTOMADOS


Caracteres cranianos

Crânio aumentado na parte rostral, terminando em uma fontanela pré -cerebral

Crânio alongado na parte caudal, sendo que um ou mais arcos neurais occipitais
estão incorporados na parte posterior da caixa craniana

Desenvolvimento de um processo pós-orbital no crânio, separando as funções de


sustentação da mandíbula e encerrando os olhos

Musculatura intrínseca no olho para acomodação da lente


65

Caracteres anatômicos internos

O átrio disposto caudo-dorsalmente ao ventrículo

Veia porta renal presente

Pâncreas com função endócrina e exócrina

Baço distinto

Rins no adulto formado por mesonefros e metanefros

Gônadas masculinas unidas por um ducto ao ducto excretor

Gônadas femininas com ovidutos distintos

Duas proteínas contrácteis de actina

Caracteres sensoriais

Nervos envolvidos por bainha mielínica

Cerebelo e rombencéfalo distinto e bem desenvolvido

Tratos olfatórios distintos dirigindo-se aos bulbos olfatórios separados

Medula espinhal espessa e com prolongamentos laterais de substância cinzenta

Raízes nervosas espinhais dorsais e ventrais ligadas formando nervos espinhais


compostos

Padrão peculiar de canais da linha lateral na cabeça (perdido em tetrápoda)

Linha lateral no tronco flanqueada por escamas especializadas (perdido nos


tetrápoda)

7.6 GRUPOS PALEOZOICOS EXTINTOS DE GNATOSTOMADOS

Apesar dos gnatostomados serem conhecidos no registro fóssil a partir do


Siluriano Inferior, este grupo torna-se abundante e diverso somente no Devoniano.
Neste período, além dos dois grupos principais de peixes viventes (condrícties e
66

osteícties) existiram também outros dois grupos extintos: os placodermes e os


acantódios. Os placodermes compõem um grupo de gnatostomados muito
diferenciados e ao que tudo indica são mais primitivos que os demais grupos (figura
11). Enquanto que os acantódios podem ser mais relacionados aos osteíctes atuais.

Os placodermes (dos termos gregos placo= placa, dermis= pele) são animais
notáveis e de aparência diferente de qualquer grupo vivente, apresentando uma
espessa armadura óssea por boa parte da superfície corpórea. Este grupo é
conhecido desde o Siluriano Inferior até o final do Devoniano, sendo que representava
a maior variedade e quantidade de peixes do Devoniano, ocupando nichos tanto em
águas doces quanto em águas salgadas. Estes animais não possuíam dentes, mas as
placas dérmicas das mandíbulas apresentavam projeções e se desgastavam ao longo
da vida. Além de terem ocupado um grande número de nichos, eles ofereciam uma
grande variação no formato do corpo e no tamanho que podiam atingir. Uma das mais
interessantes espécies é o Dunkleosteus, que podia atingir mais de dez metros e
representou o maior predador do período.

Os acantódios possuem seu nome derivado do grego acanthi, que significa


espinho, devido ao fato dos representantes do grupo portarem espinhos longos na
frente de suas longas nadadeiras dorsal, anal e pares (que dependendo do grupo
podem ser muito numerosas). Este grupo pode apresentar os dois pares de
nadadeiras características dos gnatostomados (peitoral e pélvica) e até seis pares
adicionais na região ventrolateral do corpo. Pertencem ao período Ordoviciano
Superior até o Permiano Inferior, com maior diversidade no Devoniano. Tinham um
corpo delgado coberto por pequenas escamas de formato quadrado. A maioria dos
representantes não ultrapassava os 20 centímetros, todavia algumas espécies podiam
alcançar mais de dois metros. A maioria das espécies era possivelmente predadora,
enquanto que as mais recentes apresentavam especializações que indicaria um hábito
filtrador.
FIGURA 11 - GRUPOS DE GNATOSTOMADOS EXTINTOS DO PALEOZOICO

67

As três espécies na região superior da figura representam placodermes de diferentes


subgrupos. Já as duas imagens da região inferior são duas visões (dorsal e ventral) de um
mesmo acantodi.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

8 O AMBIENTE AQUÁTICO E SUAS PECULIARIDADES


Os vertebrados originaram-se no mar e a maior parte dos vertebrados
viventes é descendente de grupos que permaneceram no ambiente aquático desde
então. Estima-se que 73% da superfície terrestre é coberta por água ocupando os
oceanos, rios, lagos e outros corpos d’água. Os peixes adaptaram-se praticamente em
todos os ambientes aquosos, desde os fundos dos oceanos até os riachos
montanhosos. Apesar de os ambientes aquáticos parecerem inóspitos, têm a maior
taxa de energia disponível, sendo que os diferentes tipos de ambientes aquáticos
68
apresentam suas peculiaridades e os peixes adaptações para tais lugares.

As diferentes propriedades físicas da água em relação ao ar foram pressões


seletivas importantes na evolução dos grupos aquáticos. Como, por exemplo, a força
da gravidade é importante agindo sobre os animais terrestres. Todavia, a resistência
apresentada pelo ar é trivial para a grande maioria dos animais terrestres. Na água a
relação mostra-se oposta, a atuação da gravidade é minimizada, enquanto que a
resistência apresentada pela água é muito forte.

A obtenção de oxigênio na água também é diferenciada. A maioria dos


vertebrados aquáticos apresenta brânquias onde ocorrem as trocas gasosas. As
brânquias dos peixes estão dispostas nas bolsas faringeanas e o fluxo da água em
geral é unidirecional, entrando pela boca e saindo pelas brânquias. A superfície
respiratória de uma brânquia representa pequenas delicadas expansões da superfície
dos arcos branquiais. Conforme a água deixa a cavidade bucal, ela passa sobre os
filamentos branquiais onde ocorrem as trocas gasosas. Este processo de
movimentação da água funciona com base em diferenças de pressões entre a
cavidade oral e o ambiente ao redor. Quando a boca está aberta e os opérculos
fechados se distendem, a pressão dentro da cavidade oral diminui e, portanto, a água
entra. Quando a boca se fecha e os opérculos se abrem, mas se comprimem, a água
é forçada a sair pelas brânquias, ocorrendo as trocas gasosas.

A maioria dos peixes utiliza esse único mecanismo de obtenção de oxigênio.


Contudo, peixes que ocupam ambientes com baixo nível de oxigênio dissolvido em
geral apresentam estruturas que auxiliam nas trocas gasosas. Diversos grupos de
peixes possuem diferentes regiões do corpo adaptadas na obtenção de oxigênio. Além
das brânquias tais grupos especializados utilizam a boca altamente vascularizada,
regiões posteriores da cabeça, a bexiga natatória, porções do estômago e do intestino,
entre outras.
Alguns peixes usam esta respiração como alternativa quando o oxigênio
dissolvido na água diminui, todavia outros peixes como os anabatídeos (por exemplo,
o peixe Betta) empregam os distintos sítios de troca gasosa obrigatoriamente.
Levando em conta os peixes pulmonados é possível reconhecer que o pulmão
apresentado por estes peixes, bem como os pulmões dos vertebrados terrestres são
homólogos a regiões do intestino modificados para respiração. Esta condição
pulmonada, de acordo com estudos mais recentes parece ser a condição
plesiomórfica dos peixes ósseos.
69

8.1 AJUSTE DA FLUTUABILIDADE

Uma das diferenças mais evidentes da vida no ambiente aquoso é a


necessidade do ajuste de flutuabilidade. Os tecidos dos animais são mais densos que
água fazendo os corpos afundar, a não ser que a força da natação mantenha os animais
elevados na coluna de água ou que a densidade total do corpo seja reduzida. Alguns
peixes como os atuns e os peixes-espada se mantêm nadando constantemente. Outros
apresentam estruturas que diminuem a densidade total do corpo.

Muitos peixes ósseos apresentam a bexiga natatória. Esta estrutura funciona


como uma boia interna que reduz a densidade total do corpo. Ela faz com que a energia
gasta para manter o peixe elevado na coluna d’água seja diminuída. A bexiga natatória
está localizada entre a cavidade peritoneal e a coluna vertebral. Esta bolsa de ar
também não apresenta volume constante, ou seja, conforme ocorre a movimentação do
peixe na coluna d’água a pressão exercida pela água altera o volume da bexiga, e os
peixes modificam o volume da bexiga para manter a flutuação neutra. Este animal
regula o volume de sua bexiga natatória por meio de secreção de gás da bexiga quando
afunda na coluna, ou retirando gás quando se move para cima na coluna. A secreção
dos gases ocorre por meio da glândula de gás e a retirada do gás se dá de diferente
maneira nos diversos grupos, podendo ser eliminado pela boca ou jogado no sangue e
posteriormente eliminado pelas brânquias.

Diferentemente dos peixes ósseos que utilizam uma bexiga natatória, os


peixes cartilaginosos empregam outra estrutura para gerar flutuabilidade neutra. Seu
fígado é utilizado para promover tal flutuabilidade. O fígado de alguns tubarões pode
compor até 25% do volume total do corpo, sendo que tal órgão apresenta uma grande
quantidade de óleos que reduzem a densidade total do corpo. A quantidade de óleos
nos fígados destes peixes é diferente, dependendo do hábito. Tubarões que são
nadadores ativos da coluna de água apresentam a maior quantidade dessa
substância, enquanto que os que possuem um hábito bentônico (vivendo no fundo)
apresentam uma menor quantidade de óleos no fígado.

Esta estratégia dos peixes cartilaginosos também é encontrada em alguns


peixes ósseos. Eles apresentam certa quantidade de óleos dentro da bexiga natatória.
Outros perderam esta estrutura e possuem uma grande quantidade de lipídeos
dissolvida nos tecidos, que de uma mesma maneira são menos densos que a água e
70
reduzem a densidade total do peixe.

8.2 PROPRIEDADES DA ÁGUA EM RELAÇÃO AO SISTEMA SENSORIAL DOS


VERTEBRADOS AQUÁTICOS

A água apresenta propriedades físicas diferentes do ar, de modo que esta foi
uma pressão seletiva importante na evolução deste grupo, e os sentidos apresentados
pelos animais aquáticos estão adaptados para este meio. Por exemplo, a luz é
absorvida pelas moléculas de água e é refletida para as partículas em suspensão. Os
objetos tornam-se invisíveis em poucas centenas de metros mesmo nas águas mais
limpas, diferentemente do meio aéreo em que a visão apresenta-se praticamente
ilimitada no ar limpo. Existem ainda outros sentidos que são funcionais apenas na
água. O mais notável é a percepção de movimentos aquosos através do sistema da
linha lateral. Até pequenas perturbações na água são percebidas, devido sua
densidade e viscosidade.

Outro sistema sensorial presente em vertebrados aquáticos é a captação de


campos elétricos, que só funcionam devido à propriedade condutora da água. Um
terceiro sistema importante presente nos vertebrados aquáticos é o grande número de
quimiorreceptores na boca, ao redor da cabeça e nas nadadeiras peitorais. Estes
quimiorreceptores são semelhantes aos presentes nos tecidos olfatórios que, por sinal,
são extremamente desenvolvidos em alguns peixes. Certos tubarões e salmões
apresentam a capacidade de detectar odores na água em torno de uma parte por
bilhão. A migração dos salmões, por exemplo, é guiada por odores particulares dos
rios gravados na memória do peixe quando este nasce. Em experimentos em que os
salmões têm seus tecidos olfatórios danificados, estes animais perdem a capacidade
de reencontrar seu local de nascimento.
8.3 O SISTEMA DA LINHA LATERAL

O sistema da linha lateral é uma intrincada série de receptores mecânicos


dispostos na cabeça e em regiões laterais do corpo (figura 12). Estes receptores são
sensíveis ao som, toque, pressão e movimento. Os peixes apresentam também, como
todo vertebrado, uma orelha interna capaz de detectar sons. Todavia, o sistema de 71
linha lateral, em geral, é o sentido mais aguçado. A unidade básica da linha lateral é o
neuromasto, que são grupamentos de células ciliadas sensíveis ao deslocamento
mecânico. Na maioria dos peixes, os neuromastos estão arranjados em uma série de
canais na cabeça e na lateral do corpo chegando até a cauda. Este mesmo sistema é
encontrado nas larvas aquáticas e adultas dos anfíbios, mostrando-se como uma
condição plesiomórfica dos tetrápodes.

As disposições das linhas e dos neuromastos recebem informações dos


movimentos da água ao redor, de acordo com o sentido da movimentação dos cílios
presentes nos neuromastos de modo que, dependendo das movimentações recebidas
pelos diferentes neuromastos ao longo do corpo, o sistema nervoso dos peixes
interpreta a direção do movimento e a intensidade do meio, disparando uma resposta.
Este mesmo sistema ocorre em nós humanos diante de um som, sem que
percebamos.
FIGURA 12 - SISTEMA DE LINHA LATERAL NOS PEIXES CARTILAGINOSOS E
ÓSSEOS, COM REPRESENTAÇÕES DIAGRAMÁTICAS DA LOCALIZAÇÃO DO
SISTEMA E SUA ANATOMIA

72

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


8.4 A ELETRORRECEPÇÃO DOS PEIXES CARTILAGINOSOS

Muitos peixes têm a capacidade de perceber campos elétricos, no entanto, os


Elasmobranchii (tubarões e raias) apresentam este sentido muito desenvolvido. Este
grupo possui estruturas especializadas denominadas ampolas de Lorenzine. Tais
estruturas encontram-se na cabeça dos tubarões e nas nadadeiras peitorais das raias
e são eletrorreceptores sensíveis. O canal que conecta a célula receptora e o poro é
preenchido por um gel condutor de eletricidade enquanto que a parede do canal não é 73
condutora. Como o canal se estende para o interior da pele, a célula é capaz de
perceber as alterações do campo elétrico do exterior, quando comparado com o tecido
onde as células estão apoiadas. Deste modo, estas células funcionam como
voltímetros que detectam alterações no campo elétrico ao redor do corpo. A
sensibilidade à alteração do campo elétrico destas células é notável, alcançando a
sensibilidade de 0,01 microvolt por centímetro, alteração capaz de ser detectada
somente pelos mais sensíveis voltímetros industriais.

Os Elasmobranchii utilizam esta sensibilidade elétrica na detecção de presas.


Um tubarão, por exemplo, tem a capacidade de captar uma presa escondida somente
reconhecendo as alterações no campo elétrico que a presa causa. Toda atividade
muscular gera um potencial elétrico, além da própria geração do campo elétrico
resultado da interação química entre o animal e a água circundante. Este mesmo
sentido pode ser utilizado por este grupo para a navegação. A Terra apresenta um
campo magnético, sendo que as linhas do campo gerado possuem voltagem suficiente
para ser percebida pelas ampolas de Lorenzine. Do mesmo modo, as correntes
oceânicas apresentam campos elétricos suficientes para a detecção pelas ampolas
conforme movimentam íons dissolvidos na água.

8.5 REGULAÇÃO DO MEIO INTERNO

Os animais aquáticos estão constantemente ganhando ou perdendo água e


íons para o meio circundante. A água flui de áreas com grande atividade cinética
(soluções diluídas) para áreas de baixa atividade, enquanto os íons movem-se
seguindo os gradientes de concentração. Os peixes de água doce são mais
concentrados que a água ao seu redor, de modo que seus fluidos corpóreos recebem
água, sendo diluídos novamente pela difusão dos íons. Já os peixes marinhos são
menos concentrados que a água salgada, devendo lidar com a saída demasiada de
água e a entrada de íons. Alguns peixes, como os cartilaginosos e os celacantos
acumulam uma grande quantidade de ureia em seus corpos, aproximando a
concentração dos fluidos corporais à concentração da água, e assim minimizando a
perda de água.

De um mesmo modo, dado que água possui capacidade na condução de


calor, os peixes apresentam mecanismos para diminuir as oscilações de temperatura
74
no corpo. A temperatura do corpo de um peixe entra em equilíbrio facilmente com a
água ao redor conforme o sangue passa pelas brânquias. Todavia, alguns peixes
utilizam um mecanismo de contracorrente que minimiza a perda de calor de algumas
regiões. Esses mecanismos de contracorrente empregam o próprio calor do corpo
para impedir que a temperatura altere muito enquanto passa pela brânquia. O sangue
que chega frio da brânquia passa por uma rede de capilares venosos que estão indo
em direção à brânquia, sedo assim reduzida a perda de calor.

9 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DOS PEIXES CARTILAGINOSOS

Os tubarões e seus semelhantes aparecem indubitavelmente no Siluriano.


Estes animais têm sido tomados para exemplificar o estado ancestral do plano de
corpo do gnatostomado ancestral. Os representantes viventes podem ser divididos e
identificados dependendo do número de aberturas na cabeça. Um destes grupos é o
Holocephalii, que apresenta apenas uma abertura em cada lateral da cabeça. Neste
grupo estão incluídas as quimeras. No outro grupo, denominado Elasmobranchii, estão
contidos as raias e tubarões, sendo estes mais familiares à maioria dos humanos e
apresentam mais do que uma abertura em cada lado da cabeça.

Apesar do grande número de fósseis bem preservados a filogenia deste


grupo ainda não é bem resolvida. As primeiras irradiações deste grupo são tão
diversas quanto os grupos atuais. Derivado disso existe uma imensa quantidade de
especializações morfológicas apresentadas por este grupo. O resultado deste padrão
evolutivo é uma combinação de grupos com caracteres primitivos e derivados
tornando difícil a reconstrução filogenética. Duas principais radiações são
reconhecidas no registro fóssil: uma na era Paleozoica e outra na era Mesozoica. Os
representantes viventes do grupo são representantes de uma terceira irradiação, que é
encontrada pela primeira vez no registro fóssil no Triássico. No Jurássico e Cretáceo
já são encontrados alguns gêneros viventes. A diferença morfológica mais clara entre
os representantes atuais e os fósseis é a posição da boca. Nos primeiros, a boca é
posicionada ventralmente, enquanto que nos representantes extintos das duas
primeiras radiações a boca é terminal.

9.1 TUBARÕES
75

Ao longo da história evolutiva, os tubarões têm sido carnívoros. Nesta terceira


radiação dos peixes cartilaginosos, características locomotoras, tróficas,
comportamentais e sensoriais evoluíram juntas a partir da era Mesozoica levando este
grupo a ocupar as regiões mais altas da cadeia trófica. Apesar de todos serem
carnívoros, nem todos são grandes, algumas espécies não ultrapassam os 25
centímetros quando adultos.

O sistema sensorial dos tubarões e raias atuais é muito complexo e refinado,


sendo possível reconhecer as presas por meio da visão, olfato, linha lateral e pelas
ampolas de Lorenzine. A visão é um importante sentido na alimentação e
comportamento dos tubarões, sendo que em intensidades luminosas baixas representa
uma grande vantagem desses animais. Este grupo apresenta uma grande quantidade
de bastonetes e cristais de guanina na retina que formam o chamado tapetum lucidum,
que reflete a luz de volta para a retina aumentando a sua absorção.

Apesar de os sentidos serem muito aguçados, estudos apontam que os


tubarões usam vários para localizar uma presa e que, dependendo das condições
ambientais, um sentido apresenta dominância sobre o outro sendo mais representativo
para a obtenção da presa. Todavia, uma vez que o tubarão está próximo dela, a visão
passa a ser o sentido mais importante para a decisão do ataque.

Caso o tubarão ataque a presa, uma importante característica destes animais


é a cinese craniana, ou seja, a capacidade de mover os ossos do crânio. Esta cinese
craniana permite que itens alimentares grandes sejam ingeridos. As ligações da
mandíbula ao crânio são feitas por ligamentos elásticos, assim, quando as mandíbulas
se abrem existe a possibilidade de que ela seja projetada anteriormente aumentando o
ângulo de abertura das mesmas. Este mecanismo permite, por exemplo, que o
tubarão branco (Carcharodon carcharias) mate presas grandes como focas e leões
marinhos por meio do sangramento. Após uma mordida o tubarão espera o
sangramento da presa e depois de algum tempo abocanha grandes pedaços de carne
utilizando-se da cinese craniana. Após as mordidas, o tubarão solta a presa, e esta
flutua. O procedimento de morder e soltar repete-se várias vezes até que o animal
morra.

O sucesso deste grupo algumas vezes não está atribuído prioritariamente a


seu sistema sensorial ou a sua capacidade de predar, mas sim a seus complexos
mecanismos de reprodução. Todos os tubarões apresentam fecundação interna
76
através dos clásperes pélvicos. Apesar de os machos possuírem um par de clásperes,
apenas um é utilizado na cópula, sendo inserido na cloaca da fêmea. Na extremidade
dos clásperes existe um sistema de ganchos que se prendem na cloaca da fêmea. O
sêmen é ejaculado em um canal dorsal presente no clásper e após alguns movimentos
o sêmen juntamente com a água do mar entram na fêmea onde os espermatozoides
seguem até o trato reprodutor da fêmea.

Apesar de todos apresentarem fecundação interna, existe uma grande


variação da maneira que estes dão à luz os filhotes. Muitos tubarões são ovíparos, a
maioria dos ovos apresenta o tamanho semelhante a um ovo de galinha e uma
condição diferenciada da região posterior do oviduto secreta uma capa proteica que
protege relativamente o ovo. Neste caso, o embrião nutre-se exclusivamente do vitelo
contido no ovo. Alguns outros tubarões, no entanto, retêm o ovo no oviduto até o
nascimento do filhote. Este tipo de reprodução é chamada de ovoviparidade, sendo
que pouca diferença existe entre o crescimento do embrião nestes grupos em relação
aos ovíparos. Na ovoviparidade os ovos em geral apresentam uma redução na casca
e íons e gases podem ser trocados entre a mãe e os filhotes.

Uma condição que evoluiu diversas vezes na evolução dos peixes


cartilaginosos é a viviparidade. Neste caso a nutrição é feita exclusivamente pela mãe.
Nos diferentes grupos que desenvolveram a viviparidade, esta ocorre de diversas
maneiras. Em alguns grupos o oviduto da mãe desenvolve projeções que entram na
boca do filhote que secreta uma substância nutritiva. Em outros, a mãe ovula
constantemente e os óvulos não fecundados alimentam o embrião. Outros ainda criam
um tecido que funciona da mesma maneira que a placenta, ligando a circulação do
filhote à da mãe. Um caso extremo é o da mãe que produz uma grande quantidade de
filhotes e os maiores comem pouco a pouco seus irmãos.

Observações mais novas apontam ainda que a diversidade não está restrita a
estruturas, mas o comportamento deste grupo também é muito diverso. Um dos tipos
comportamentais descobertos atualmente é o comportamento gregário. Os tubarões
têm sido considerados solitários, todavia, observações recentes apontam que diversas
espécies apresentam comportamento gregário, pelo menos durante o período
reprodutivo. Em geral os grupos são formados por indivíduos do mesmo tamanho e
sexo, mas indicações claras do motivo de tais reuniões ainda estão em discussão.

Não só o comportamento gregário é pouco conhecido dos cientistas. A maior


parte das espécies de tubarão não é bem estudada. E algumas são conhecidas
somente por poucos (em alguns casos apenas um) exemplares apanhados
77
acidentalmente por pescadores. Apesar de este desconhecimento estar diminuindo, é
possível que a maior parte das espécies se extinga antes de serem bem estudadas.
Não obstante à grande variedade de dispositivos de reprodução, os tubarões não
deixam muitos descendentes e as alterações nos ambientes causadas pelo homem
estão prejudicando a sobrevivência de várias populações destes animais, em alguns
casos reduzindo populações a 15% em poucos anos.

9.2 RAIAS

Apesar de menos conhecidas que os tubarões, as raias compõem um grupo


mais diverso que os tubarões com aproximadamente 450 espécies. A maioria das
adaptações das raias relaciona-se ao hábito bentônico (de fundo) e a alimentação de
animais com conchas. Praticamente todos os dentes possuem a coroa chata e estão
agrupados em estruturas que formam placas dentárias. As raias são representantes
da última radiação dos Elasmobranchii e as análises filogenéticas mostram que este
grupo forma um grupo monofilético com os tubarões Saqualomorpha. Enquanto os
tubarões em geral são animais que não ocupam água doce, as raias apresentam
diversos representantes neste ambiente. A Família Potamotrigonidae, por exemplo,
são raias exclusivamente habitantes de água doce, ocupando extensas áreas
alagadas da América do Sul.

As raias são similares por serem achatadas dorsoventralmente com bastões


de cartilagem que sustentam as nadadeiras peitorais aumentadas. Este grupo
movimenta-se por meio das ondulações de suas nadadeiras peitorais e se alimenta
em geral de moluscos que apresentam conchas, e seus dentes especializados para tal
auxiliam na quebra das conchas para a obtenção do interior carnoso. Diversos
subgrupos de raias possuem diferentes tamanhos e hábitos. Em geral, as raias são
pequenas, mas algumas espécies, como a raia jamanta podem alcançar mais de seis
metros de diâmetro de seu disco.

9.3 QUIMERAS

As quimeras pertencem ao grupo dos Holocephalii e por volta de 35 espécies


somente são conhecidas (figura 13). Este desconhecimento está possivelmente 78

relacionado ao hábito deste grupo que ocupa águas profundas. Todas as espécies
conhecidas apresentam pequeno porte, não ultrapassando muito mais do que um
metro de comprimento e possuem uma morfologia diferenciada dos demais peixes
cartilaginosos. Várias delas têm prolongamentos do rostro de função desconhecida na
maioria dos casos. Este grupo movimenta-se por ondulações laterais sinuosas das
longas caudas e por movimentos das longas nadadeiras peitorais. Este grupo
apresenta uma dentição modificada formada por placas em que os dentes estão
aproximados um do outro. Além disso, possuem (como alguns tubarões) uma glândula
de veneno associada ao espinho da nadadeira dorsal.

Não existe muito consenso sobre a ancestralidade dos Holocephalii. Não se


sabe ao certo a qual grupo as quimeras estão relacionadas. Diversos grupos já foram
apontados como sendo possíveis ancestrais, incluindo os placodermes. Todavia,
análises filogenéticas abrangentes têm corroborado que todos os peixes cartilaginosos
atuais formam um grupo monofilético e que os placodermes encontram-se fora do
grupo.
FIGURA 13 - ESQUEMAS DE REPRESENTANTES DE QUIMERAS VIVENTES

79

Note o prolongamento do rostro das duas espécies no inferior da figura.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


10 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DOS PEIXES ÓSSEOS

A maior parte dos grupos vivos e extintos de peixes coexistiu nas águas
marinhas e continentais do planeta ao longo do Devoniano, chamada de “Era dos
Peixes”. Neste contexto evoluiu o grupo ao qual pertencem peixes ósseos atuais
(Osteichthyes). 80

Os primeiros registros deste grupo são apontados com dúvida para o


Siluriano, no entanto, representantes mais completos são encontrados somente no
Devoniano. Caracteres cranianos mostram uma ancestralidade comum exclusiva entre
este grupo e os acantodi, sendo apontada a divergência para estes clados para o
início do Siluriano. Desde o meio do Devoniano são observadas duas linhagens que
correspondem às linhagens principais reconhecidas até hoje: os Sarcopterygii (do
grego sarco = carnosos e pteryg = nadadeiras) e os Actinopterygii (do grego actino =
raios). A linhagem Sarcopterygii apresenta as nadadeiras sustentadas por músculos e
ossos que são homólogos aos ossos dos membros dos tetrápodes, enquanto os
Actinopterygii apresentam as nadadeiras suportadas majoritariamente por raios.

Apesar do nome, os Osteichthyes (incluindo os tetrápodes) não são os únicos


vertebrados com ossos. Vários grupos fósseis de agnatos possuem esta estrutura e a
condição encontrada nos Chondrichthyes (peixes cartilaginosos) é uma condição
derivada e não a manutenção de uma característica primitiva. Classicamente, este
grupo era subdividido conforme o grau de ossificação do esqueleto. Com o advento de
análises filogenéticas, usando a sistemática filogenética, acredita-se hoje que houve
diversos eventos evolutivos de incremento e perda de ossificação ao longo da
evolução do grupo.

10.1 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DE SARCOPTERYGII

A evolução deste grupo está ligada a peixes de pequeno tamanho com cerca
de 20 a 70 centímetros, com duas nadadeiras dorsais, nadadeira heterocerca (com os
lobos de diferentes tamanhos) e nadadeiras carnosas, com um eixo ósseo central. Os
músculos mandibulares deste grupo são muito fortes, sendo que esta característica
gera no crânio modificações importantes que os distingue dos demais Osteichthyes. A
filogenia do grupo não está completamente resolvida, todavia os peixes pulmonados
chamados de Dipinoi apresentam caracteres únicos que apontam um ancestral
comum exclusivo para este grupo. Os demais Sarcopterygii apresentam posições
flutuantes nas filogenias, mas a inclusão do ancestral dos tetrápodes neste grupo
representa um consenso nas filogenias.

10.2 SARCOPTERYGII ATUAIS 81

Neste ponto é necessário ter em mente a distinção clara entre os


Sarcopterygii basais (os peixes Sarcopterygii) dos demais representantes. Todos os
vertebrados terrestres são tecnicamente Sarcopterygii, de modo que quando levado
em conta este fato para se analisar a diversidade do grupo, esta espécie representa
um grupo enorme e diverso. Todavia, neste ponto trataremos somente desses peixes.
Apesar de terem sido muito diversos no Devoniano, os Sarcopterygii aquáticos
apresentaram um declínio no número de espécies no Paleozoico e Mesozoico, sendo
restrito hoje a poucas classes. Atualmente são reconhecidos apenas quatro gêneros
deste grupo: os Dipnoi são compostos por Protopterus na África, Lepidosiren na
América do Sul e Neoceratodus na Austrália; enquanto que os Actinistia são
representados por Latimeria do leste africano e Indonésia.

10.3 DIPINOI

Os primeiros dipinois eram marinhos e ao longo da evolução do grupo houve


o desenvolvimento de um aparato mastigatório especializado para a alimentação de
itens duros, sendo que a aparência do grupo é diferenciada dos demais Sarcopterygii
(figura 14). A mais marcante destas características é ausência das nadadeiras
ímpares (dorsais e anal). A grande quantidade de dentes presente nos demais
Sarcopterygii está reduzida a poucos elementos robustos usados para triturar animais
com concha.

O gênero Neoceratodus é tido como representando, dentre as formas


viventes, o padrão ancestral do grupo. As passagens nasais estão localizadas
próximas ao lábio superior com aberturas incorrentes (onde entra a água) sobre o
rostro com as aberturas excorrentes (onde sai a água) dentro da boca (como ocorre
com os tetrápodes, incluindo os humanos). Deste modo, a ventilação das brânquias se
dá pelas narinas (e não pela boca). O Neoceratodus respira somente pelas brânquias
e utiliza seu único pulmão somente sob condição de estresse.

82
FIGURA 14 - ESQUEMAS DOS REPRESENTANTES VIVENTES DE

DIPINOI

No topo: Neoceratodus, no meio Lepidosiren e em baixo Protopterus

Note a maior semelhança entre as formas sul-americana e africana.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

Os dipinois americano e africano por outro lado apresentam as brânquias


pouco desenvolvidas e podem se afogar caso não possam subir à superfície para
respirar. Apesar disso, as brânquias têm papel importante na eliminação do dióxido de
carbono. Estes animais possuem um plano de corpo bem diferenciado em relação ao
Neoceratodus e aos dipinois extintos, pois estes apresentam um corpo cilíndrico
alongado e as nadadeiras carnosas estão reduzidas a filamentos. São tão
diferenciados e com estruturas semelhantes aos tetrápodes que quando descobertos
foram considerados anfíbios Urodela (salamandras) especializados. Principalmente
quando observados os filhotes recém-eclodidos que apresentam brânquias externas
como algumas salamandras aquáticas.

Um comportamento peculiar dos dipinois africano é estivação. Diferentemente


da hibernação, a estivação é um estado em que as taxas metabólicas são reduzidas e
83
induzidas pela seca do ambiente. Os Protopterus habitam áreas alagadas que
periodicamente secam. Durante as épocas de chuvas esses animais alimentam-se
muito e crescem consideravelmente, e quando as águas baixam, cavam buracos
verticais na lama. Durante o tempo de estiagem, o animal torna-se letárgico, respirando
ar através da abertura da câmara de estivação. Quando a água seca totalmente o peixe
curva-se em U com a cauda sobre os olhos e secreta uma grande quantidade de
substância mucosa que envolve o animal completamente, exceto por uma pequena
abertura na região anterior do focinho. Quando as chuvas voltam o animal retoma os
níveis normais de metabolismo saindo do estado de estivação. Em geral os peixes
pulmonados africanos passam seis meses sobre o estado de estivação, mas em
experimentos laboratoriais foi possível reanimar peixes que passaram quatro anos em
estivação sem maiores problemas. Este comportamento parece ser uma condição
plesiomórfica do grupo, sendo encontrados alguns fósseis de dipinoi dentro da toca na
posição de U peculiar da estivação.

10.4 ACTINISTIA

Os Actinistia são encontrados no registro fóssil a partir do Devoniano Médio


(figura 15). A principal característica externa do grupo é a presença de uma cauda
com três lobos. Todavia, diversas outras características osteológicas os diferem dos
demais Sarcopterygii. No registro fóssil este grupo é abundante até o Cretáceo,
ocupando áreas tanto de águas doces quanto marinhas. No entanto, até poucos anos
acreditava-se que estivessem extintos. Em 1938, o primeiro espécime foi coletado
acidentalmente na costa leste da África. Foi uma revolução no mundo científico a
sobrevivência deste grupo até os dias de hoje. Após este período nenhum outro
celacanto foi coletado até meados de 1950, onde outras populações foram
reconhecidas próximas a Madagascar e Moçambique. Estes animais foram
observados uma vez em seu ambiente natural e ao que parece ocupam áreas de 250
a 300 metros de profundidade. Ao invés de caminhar sobre o fundo (como o
Neoceratodus) os celacantos nadam, mas utilizando o mesmo ciclo de movimentos
que um tetrápode utiliza para caminhar.

Em 1998 foi descoberta uma segunda espécie a 10 mil quilômetros de


distância da região de ocorrência da espécie africana. No arquipélago da Indonésia
foram capturados dois exemplares, que após exame de DNA foram considerados
84
pertencentes a uma espécie diferenciada.

FIGURA 15 - ESQUEMAS DO ACTNISTIA VIVENTE LATIMERIA

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

10.5 EVOLUÇÃO E DIVERSIDADE DE ACTINOPTERYGII

Os Actinopterygii são reconhecidos indubitavelmente a partir do Devoniano


Médio. Este grupo inclui uma série de grupos fósseis, além da grande maioria dos
peixes atuais. A morfologia do grupo é extremamente diversificada, principalmente
quando levados em conta os grupos extintos, e uma caracterização genérica é
praticamente impossível. Todavia, uma característica presente é a sustentação das
nadadeiras feitas principalmente por raios ósseos.

Hoje, existem aproximadamente 24 mil espécies viventes descritas para este


grupo, mas a todo o momento são descritas novas espécies. Com este número
especialmente grande, a diversidade morfológica, comportamental e ecológica deste
grupo é imensa, ocupando os mais variados ambientes aquáticos da Terra. Com esse
número fica impossível de se analisar os grupos, mesmo que superficialmente,
portanto, poucos grupos serão avaliados. Uma extensa bibliografia especializada pode
85
ser encontrada facilmente (e. g.: NELSON, 1994; STIASSNY, 1996). As relações
filogenéticas deste grupo são muito complexas, de modo que alguns pontos são
consensos nas diferentes análises, enquanto outros apresentam mínimas
sobreposições nas diferentes hipóteses oferecidas. Para demonstrar a diversidade
deste grupo serão apresentados subgrupos bem conhecidos sob a classificação
tradicional (presente na maioria dos livros textos).

10.6 POLYPTERIFORMES E ACIPENSERIFORMES

Embora poucos, representantes das formas mais basais dos Actinopterygii


sobrevivem até o período atual (figura 16). A linhagem mais primitiva vivente trata-se
dos Polypteriformes, pouco conhecidos dos brasileiros, mas com o nome popular de
peixes-do-junco africano ou bichirs (nome africano e utilizado por aquaristas).
Atualmente, acredita-se que existam apenas 11 espécies deste grupo. De tamanho
modesto, os bichirs raramente ultrapassam um metro de comprimento e ocupam áreas
alagadas africanas. Todos são carnívoros predadores de pequenos peixes e
invertebrados. A maior característica do grupo é a presença da nadadeira dorsal
subdividida em muitos segmentos. Todavia, várias peculiaridades osteológicas os
diferem dos demais Actinopterygii. Pouco se sabe sobre a evolução do grupo, dado
que raríssimos fósseis são encontrados.

Os Acipenseriformes representam um grupo também de diversidade atual


restrita, compondo basicamente duas famílias que incluem os esturjões e peixes-
espátula, que classicamente recebem o nome de Chondrostei devido ao esqueleto que
apresenta elementos cartilaginosos e ósseos. Este grupo é pouco conhecido pelos
brasileiros também, dado que é encontrado somente no hemisfério norte. Tais animais
apresentam uma morfologia estranha, sendo especializados em uma vida bentônica.
Possuem corpo alongado e achatado, e os peixes-espátula um estranho rostro
alongado em formato de espátula.

Os esturjões são conhecidos por seus ovos, com os quais são feitos os
caviares mais caros. Por esse motivo também, as populações destes peixes
diminuíram grandemente. De outra forma, os peixes-espátula também estão em
grande risco de extinção, mas principalmente pela perda de seu ambiente (Mississipi
na América do Norte e outra ocupando a drenagem do rio Yangtze na China).

86

FIGURA 16 - ESQUEMAS DOS ACTINOPTERYGII VIVENTES

Na região mais posterior um polipteriforme, no meio, um esturjão e em baixo um peixe-


espátula.

Note o rostro modificado do peixe-espátula em detalhe em vista dorsal.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


10.7 NEOPTERÍGIOS PRIMITIVOS

Excetuando-se os dois grupos supracitados, a radiação maior dos


Actinopterygii compreende os Neopterygii (figura 17). As mais primitivas linhagens
deste grupo compreendem os Lepisosteiformes e Ammiformes. Os lepisosteiformes
são conhecidos como gars e as 11 espécies estão distribuídas na América do Norte e 87
em Cuba. São peixes grandes, de um a quatro metros, predadores de superfície.
Possuem corpo e rostro alongados e com muitos dentes. Já os Ammiformes são
representantes de uma linhagem que foi muito diversa no Mesozoico, mas que
somente uma espécie sobrevive (Ammia calva) habitando águas norte-americanas,
alimentando-se de qualquer presa que caiba em sua boca.

FIGURA 17 - ESQUEMAS DOS NEOPTERYGII PRIMITIVOS VIVENTES

No topo um representante dos Lepisosteiformes e abaixo o único representante vivente do


grupo Ammiformes (Ammia calva).

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


10.8 TELEOSTEI

Dentre os Neopterygii, a linhagem mais diversa trata-se dos Teleostei. E,


dentro deste grupo, quatro principais linhagens são mais representativas. Os
Osteoglossomorpha, que compõem uma série de linhagens sul-americana e africana.
Dentre os representantes mais característicos estão os aruanãs (Osteoglossum) e o 88
pirarucu (Arapaima), mas os peixes-elefante africanos também fazem parte deste
grupo. O Elopomorpha é outra linhagem em que as enguias estão incluídas, além dos
tarpões. Uma das características mais marcantes deste grupo é a presença de uma
larva leptocéfala. Os Clupeomorpha representam uma linhagem que em geral está
relacionada à alimentação por meio de filtração. São normalmente prateadas e vivem
em grandes cardumes, e por isso possuem grande importância comercial nos
ambientes marinhos. As sardinhas são modelos deste grupo.

Todavia, a mais diversa linhagem de Teleostei é a Euteleostei. Esta linhagem,


por sua vez, é subdividida em vários outros grupos. Os dois principais são os
Ostariophysi e Acanthopterygii.

O primeiro grupo é o mais diverso de todos os peixes, representando de 25%


a 30% de todos os peixes viventes e cerca de 80% das espécies de água doce. Neste
grupo estão incluídos todos os Characiformes e Siluriformes. O primeiro incluindo os
lambaris, por exemplo, e o segundo os peixes de couro, como pintados.

O outro grande grupo de Euteleostei são os Acanthopterygii, que são os


peixes mais derivados e que apresentam a maior quantidade de caracteres
modificados do padrão básico de Actinopterygii, com controle de natação muito
preciso. Neste grupo estão incluídos, por exemplo, a Família Cichlidae, que incluem
tilápias, tucunarés, dentre outros.

11 ECTOTÉRMICOS TERRESTRES: ANFÍBIOS, TARTARUGAS E


LEPIDOSSAUROS
A vida na Terra apresenta desafios e demandas muito diferentes da
vida na água. Provavelmente a mais importante é a gravidade. Diferente dos
peixes, que possuem a densidade do corpo próxima à da água, o corpo de um
vertebrado terrestre apresenta densidade muito discrepante da densidade do
meio. Assim, um sistema em que houve grande diferenciação na transição do
ambiente aquático para o terrestre foi o sistema muscular esquelético. Alguns
processos fisiológicos também foram alterados. As brânquias dos peixes são 89
sítios de troca para o ambiente tanto de gases, quanto de íons, além de
excretarem alguns metabólitos. As brânquias não desempenham estes
processos adequadamente, visto que colaboram, reduzindo muito a área de
trocas com o ambiente. Nos vertebrados terrestres são observadas outras
estruturas que desempenham o papel das brânquias no ambiente aquático.
Outra clara diferença entre os vertebrados aquáticos e terrestres é o
armazenamento de gordura. Os peixes, de forma geral, retêm gordura em
gotas lipídicas no fígado e músculos. Enquanto que os vertebrados terrestres
armazenam gordura na forma de células especializadas (adipócitos) formando
corpos gordurosos discretos. Nos diversos grupos este armazenamento ocorre
de maneiras diferentes, por exemplo, os répteis guardam estes corpos
gordurosos na região abdominal e na base da cauda, enquanto que mamíferos
e aves armazenam estes corpos em camadas subcutâneas. Todavia, várias
outras diferenças podem ser apontadas. Na presente apostila não há espaço
suficiente para que todas as diferenças sejam levadas em conta, todavia, estas
diferenças são fundamentais para o entendimento da evolução de Vertebrata e
devem ser buscadas em outras fontes.
O crânio dos primeiros tetrápodes não é, em linha geral, muito diferente
do crânio de peixes ósseos primitivos, sendo que ambos apresentam um
grande dermatocrânio. Todavia, o esqueleto branquial e os ossos do opérculo
que conectam esta região à cintura peitoral foram muito modificados. O crânio
dos peixes ósseos apresenta um rostro muito curto e os movimentos das
mandíbulas faz com que a água seja sugada para a boca para alimentação e
trocas gasosas. Em terra a alimentação por sucção não é efetiva, visto que o ar
possui viscosidade desprezível. Sendo assim, nos tetrápodes o crânio é
deslocado para o alimento e não o alimento para o crânio. Outra diferença é a
presença de uma grande língua musculosa nos tetrápodes, ao invés de uma
pequena língua nos peixes. A língua é utilizada para a manipulação do
alimento na boca e para conduzi-lo até a região faringeana. Associado a isto,
os vertebrados terrestres apresentam glândulas salivares que umidificam e
lubrificam o alimento para uma deglutição facilitada.
Com a perda das brânquias, boa parte da musculatura associada a
estas se perdeu. Todavia, uma estrutura se manteve e se modificou durante a 90
evolução da vida em terra firme. A musculatura, associada à elevação das
brânquias, modificaram-se no que conhecemos hoje como o músculo trapézio.
Este músculo estende-se desde a região posterior do pescoço, se alarga até a
cintura escapular (peitoral) e é usado na locomoção, na rotação dos ombros. A
maioria dos músculos restantes do aparelho branquial está associada à
alimentação.
Do mesmo modo que o sistema branquial modificou-se, o esqueleto
axial (coluna) alterou-se também, na transição ambiente aquático–ambiente
terrestre. As principais mudanças estão relacionadas à sustentação do corpo em
terra. Enquanto animais aquáticos praticamente não apresentam quaisquer
estruturas de sustentação (somente estruturas de locomoção), nos vertebrados
terrestres as vértebras possuem as zigapófizes nos arcos neurais. As
zigapófizes são estruturas que articulam uma vértebra em outra e transformam a
coluna vertebral numa unidade única funcional, que evita torções e
compressões. Em conjunto, as vértebras atuam como uma ponte suspensa que
auxiliam na sustentação das vísceras no ambiente terrestre. O interessante é
que animais terrestres que retornaram ao ambiente aquático, como as baleias e
ictiossauros, perdem as zigapófizes.
O surgimento do pescoço também está relacionado com a perda das
brânquias. Com a perda do opérculo que conectava a cabeça à cintura peitoral,
forma-se esta região distinta na coluna vertebral. As vértebras cervicais
formando o pescoço aumentam a mobilidade da cabeça ao mesmo tempo em
que protegem o cordão nervoso. As duas primeiras vértebras cervicais são
denominadas atlas e axis e apresentam-se modificadas para uma maior
mobilidade da cabeça. A atlas sustenta a cabeça, enquanto que a axis permite
movimentos de rotações. Estas duas estruturas são mais diferenciáveis nos
amniotas, que possuem maior movimentação da cabeça.
Uma segunda região diferenciada da coluna vertebral dos tetrápodes é
a sacral. Essa área auxilia no reforço da coluna vertebral na cintura pélvica. Ali
existe a fusão da vértebra com a cintura. Nos distintos grupos, diferentes
números de vértebras se fundem à cintura pélvica; nos anfíbios atuais apenas
uma vértebra é fundida, ao passo que nos dinossauros, por exemplo, até uma
dúzia pode ser encontrada.
Apesar das diversas modificações em várias partes do sistema muscular 91
esquelético ocorrida nesta transição, as alterações mais marcantes reconhecidas
estão relacionadas ao esqueleto apendicular (membros). O próprio nome
tetrápode está relacionado a estas estruturas (do grego tetra= quatro, podes=
pés, ou seja, quatro pés, ou membros). Os tetrápodes perderam as nadadeiras
medianas presentes nos peixes (dorsal e anal). Apesar dos Sarcopterygii
apresentarem os ossos sustentando suas nadadeiras, eles não possuem
articulações equivalentes ao pulso e tornozelo, nem mãos e pés. A fusão da
cintura pélvica com vértebras torna esta região mais robusta e como força
primária na propulsão do animal. A cintura pélvica é dividida em três partes: ílio,
ísquio e púbis. Diferentemente da cintura pélvica, a cintura peitoral é liberada do
dermatocrânio com a perda do opérculo. Sendo a ligação desta cintura com a
coluna feita indiretamente pelo esterno e pelas costelas.
Nos tetrápodes existe a formação de membros articulados, com o
joelho direcionado para frente e cotovelos para trás, além de articulações no
pulso e tornozelo e a presença de mãos e pés com dígitos sendo que os raios
das nadadeiras são perdidos. Nos peixes os membros (nadadeiras) são
utilizados principalmente como ancoragem no substrato, ou para o controle da
natação, enquanto que a propulsão é feita principalmente pela musculatura
axial. Nos tetrápodes os membros são cada vez mais utilizados para a
propulsão e a musculatura associada a estes membros se torna também cada
vez mais complexa, apresentando especializações nos diferentes grupos, bem
como modos de locomoção nos diversos grupos.

11.1 ORIGEM DOS TETRÁPODA


O conhecimento sobre a evolução dos tetrápodes vem crescendo com
o advento de novos fósseis descobertos em diferentes regiões do mundo
(figura 18). Com o advento destes novos fósseis, a diferenciação dos
tetrápodes em relação aos peixes que por muito tempo eram tidos como muito
grandes, está sendo reconhecida como mais gradual. No início do Carbonífero,
os tetrápodes se dividiram em duas linhagens distinguíveis. Uma delas é a dos
batracomorfos, que inclui uma infinidade de formas fósseis e os anfíbios atuais. 92
A outra linhagem é a dos reptilomorfos, que contém uma série de linhagens
fósseis não amniotas, além dos amniotas, incluindo os grupos recentes.
Os tetrápodes são claramente relacionados aos Sarcopterygii. No
registro fóssil, além dos dipinoi e actinistias, são encontrados também os
Rhipidistias. Este terceiro grupo é possivelmente o que mais está relacionado
aos tetrápodes. O termo Rhipidistia está em desuso desde que as análises
filogenéticas apontaram que se trata de um grupo parafilético. Todavia, estas
análises demonstram também que dentre as diferentes linhagens
preteritamente denominadas de Rhipidistia, os osteolepiformes são mais
intimamente relacionados aos tetrápodes.
Dentre os osteolepiformes são identificados, ainda, grupos que estão
mais relacionados aos tetrápodes. Destes, a família Elpistostegidae (figura 19)
parece ser a mais próxima. Uma das características mais marcantes deste grupo
que os aproxima dos tetrápodes é ausência de nadadeiras dorsal e anal. Tais
animais apresentam olhos no topo da cabeça, que ao que tudo indica estão
relacionados à vida em ambientes de águas rasas. Possuíam também focinhos
alongados como nos tetrápodes mais basais. Classicamente todos os tetrápodes
das irradiações basais são agrupados artificialmente sob o nome Amphibia.
Todavia, diversas linhagens estão reunidas sob este nome, que se mostrou
como um grupo parafilético. Na apostila não será possível tratar destes grupos
fósseis. Restringir-nos-emos a falar somente dos anfíbios viventes, que em
termos filogenéticos são agrupados sob o nome de Lissamphibia.
FIGURA 18 - CLADOGRAMA SOBRE AS RELAÇÕES FILOGENÉTICAS
DOS TETRÁPODES EM RELAÇÃO
AOS GRUPOS FÓSSEIS (MARCADOS COM UMA CRUZ)

93

Os nomes entre aspas indicam grupos parafiléticos.


FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

FIGURA 19 - ESQUEMA BÁSICO DA ESTRUTURA DE UM


ELPISTOSTEGÍDEO

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


11.1.1 Os Lissamphibia

Os Lissamphibia são tetrápodes de tegumento úmido e sem qualquer


anexo (pelo, pena, escama). Três linhagens podem ser encontradas
atualmente: Anura (sapos e rãs), Caudata (salamandras) e Gymnophiona
(cecílias) (ver figura 20 para exemplo de cada uma destas linhagens). À
primeira vista, estas três linhagens têm pouco em comum: os Anura possuem 94
longos membros posteriores e um corpo curto e não flexível; os Caudata
apresentam membros do mesmo tamanho e caminham por meio de
ondulações laterais; enquanto que as Gymnophiona não têm membros e
movimentam-se como serpentes. Contudo, estas modificações são
relacionadas à locomoção e uma análise mais detalhada mostra que
compreendem um grupo monofilético. A característica mais importante talvez
seja a presença do tegumento úmido e permeável. As diferentes linhagens de
“Anfíbios” fósseis em geral apresentam uma carapaça dérmica com escamas,
sendo a ausência desta característica típica de Lissamphibia.
A forma do corpo dos Anura provavelmente representa um padrão de
corpo modificado de um plano mais parecido com uma salamandra. As
salamandras e cecílias nadam como os peixes (com ondulações pelo corpo)
enquanto que os Anura nadam por fortes movimentações dos membros
posteriores. Muito se especula sobre as vantagens do plano de corpo
diferenciado dos Anura. Alguns pesquisadores indicam uma vantagem somente
relacionada à natação, enquanto que outros advogam uma vantagem tanto em
terra quanto na água deste plano de corpo.
FIGURA 20 - EXEMPLOS DE LISSAMPHIBIA VIVENTES

95

No topo, um Anura (Rana pipiens), no meio um Caudata (Ambystoma tigrinum) e em baixo um


Gymnophiona (Ichthyophis glutinosus).
FONTE: Modificado de Storer et al. (2002).

11.1.2 Caudata

Dentre os anfíbios atuais, as salamandras apresentam a forma de


locomoção mais generalizada. Seus ciclos provavelmente importem uma
situação muito semelhante à dos primeiros tetrápodes. Este tipo de locomoção
combina a locomoção por ondulações laterais, como nos peixes, mas com a
movimentação dos membros. As aproximadamente 400 espécies estão
divididas em 10 famílias e sua distribuição é quase que exclusivamente no
hemisfério norte, com apenas uma espécie (Bolitoglossa amazonica)
ultrapassando a linha do Equador, alcançando a região norte da América do
Sul. A maior diversidade está centralizada nas Américas do Norte e Central.
Um traço recorrente na evolução do grupo está relacionado à pedomorfose
(retenção de características juvenis no adulto). Diferentes famílias apresentam
linhagens pedomórficas. Estas formas podem ser reconhecidas pelo padrão
larval de dentição e ossificação, ausência de pálpebras, retenção do sistema
de linha lateral e, em alguns casos extremados, a retenção de brânquias
externas. Dentre os representantes do grupo estão os maiores anfíbios
viventes. As salamandras gigantes japonesas e chinesas (gênero Andrias)
podem alcançar até 1,2 m e são aquáticas mesmo quando adultas. Como 96
poderia se esperar, são espécies altamente vulneráveis, dadas a perda
constante de ambiente e a poluição que é altamente prejudicial para estas
espécies (figura 21).
Dentre as diferentes linhagens de Caudata, muitas se especializaram em
vida em cavernas. A temperatura e umidade constante fazem destes locais
ambientes propícios tanto para as próprias salamandras quanto para os insetos
que são predados por elas. Muitos níveis de especializações são encontrados
entre as espécies que habitam estes locais, sendo que as espécies formam um
contínuo de morfologias. Algumas espécies representam adultos completamente
metamorfoseados que habitam as regiões de penumbra no interior da caverna,
até aquelas que vivem em as regiões mais profundas desses ambientes e
apresentam morfologia pedomórfica. Por exemplo, o gênero Typlhomolge do
Texas apresenta corpo e membros alongados, são despigmentados, cegos e
com brânquias externas. Este exemplar habita cavernas e possui uma
morfologia convergente com o gênero Proteus da Europa, que também mora
nesses lugares.
As especializações em Caudata são impressionantes. Uma das
condições mais extremas observadas neste grupo pode ser reconhecida na
Família Plethodontidae. Parece-nos impossível que um vertebrado terrestre
não apresente pulmão, todavia algumas espécies deste grupo os perderam no
curso da evolução. O sistema de ventilação dos Lissamphibia funciona como
uma bomba positiva de pressão. Ou seja, o ar é bombeado ativamente para
dentro dos pulmões. As salamandras desta família ao invés de usar as
estruturas da bomba positiva de pressão para bombear o ar para os pulmões
especializaram-se e este sistema é utilizado para projetar a língua durante a
captura de insetos.
FIGURA 21 - DIVERSIDADE DE CAUDATA

97

(a) Necturus, (b) Siren, (c) Cryptobranchus, (d) Amphiuma, (e) Typhlomolge, (f) Proteus, (g)
Ambystoma, adulta e larva, (h) salamandra. De (a) a (f) representam espécies pedomórficas,
enquanto, (g) a (h) representam espécies não pedomórficas. Note a presença das brânquias
externas na maioria das espécies pedomórficas e na larva da espécie não pedomórfica.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
11.1.3 Anura

Ao contrário dos Caudata, que apresentam distribuição e diversidade


reduzidas, as aproximadamente 4.300 espécies de Anura são distribuídas em
todos os continentes, exceto a Antártida (figura 22). As características
esqueléticas mais evidentes deste grupo estão relacionadas ao modo de 98
locomoção por meio de saltos. Os membros posteriores funcionam como
alavancas que lançam o animal ao ar, podendo alcançar grandes distâncias a
cada salto.
Várias especializações esqueléticas podem ser reconhecidas nos
Anura (figura 23). Os membros posteriores são alongados e a tíbia e fíbula
fundidos. A cintura pélvica é fortemente presa à coluna vertebral, que por sua
vez é rígida também. O ílio é alongado e se estende anteriormente. As
vértebras mais posteriores são fundidas em um bastão sólido, denominado
uróstilo. A coluna vertebral na região posterior é, portanto, rígida e inflexível,
enquanto a região anterior é formada por cinco a nove vértebras que possuem
zigapófizes reforçadas que evitam movimentos laterais. Os membros anteriores
são fortes e a cintura peitoral flexível absorve impactos da aterrissagem. Outra
característica relacionada a este tipo de locomoção são os olhos localizados
anteriormente no crânio, permitindo uma visão binocular que facilita a
percepção espacial em três dimensões.
As diferenças no tipo de locomoção podem ser utilizadas para a
diferenciação dos vários tipos de Anura. Muitas espécies de ranídeos possuem a
forma típica de um Anura. Outros grupos representam formas semiaquáticas e
possuem o corpo moderadamente hidrodinâmico e membranas entre os dedos
que facilitam a natação. Os anuros de grande porte terrestre (família Bufonidae,
geralmente tratados de sapos) locomovem-se por pequenos saltos. Alguns
anuros arborícolas apresentam os olhos grandes bem como a cabeça. Possuem
também a cintura fina e os membros longos e além de saltarem podem caminhar
de forma quadrúpede.
FIGURA 22 - DIVERSIDADE DE
ANURA

99

(a) Ptychadena, (b) Bufo, (c) Scaphiopus, (d) Ceratophrys, (e) Hemisus, (f) Agalychnis, (g)
Xenopus
Note a grande diversidade morfologias gerais dos Anura.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
FIGURA 23 - ESQUELETO DE ANURA, APONTANDO OS CARACTERES
MAIS EVIDENTES RELACIONADOS À LOCOMOÇÃO POR MEIO DE
SALTOS

100

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996)

Muitas espécies arborícolas possuem estruturas modificadas nos


dedos. Estes discos digitais apresentam-se com sulcos e glândulas que
secretam muco e auxiliam na adesão do animal em superfícies lisas e verticais.
Em geral, os animais que apresentam estes discos são denominados
pererecas. Estudos recentes apontam que tais discos digitais evoluíram
independentemente em várias linhagens de Anura, de modo que as chamadas
pererecas não formam um grupo monofilético.

11.1.4 Gymnophiona

O terceiro grupo de anfíbios viventes trata-se dos Gymnophiona. Apesar


de apresentarem em algumas regiões o nome popular de cecílias, poucas 101
pessoas já viram um representante do grupo vivo. Mesmo entre os biólogos,
poucos já tiveram o privilégio de ver uma cecília viva. Estes animais em geral
são escavadores e se distribuem por áreas tropicais de todo o mundo. Seus
olhos são cobertos por tegumento e algumas vezes por ossos ou, ainda, não
apresentam qualquer estrutura ocular. A aparência externa é segmentada, dada
as dobras dérmicas presentes em todo o comprimento do corpo. Alguns
representantes possuem tentáculos sensoriais entre os olhos e as narinas. Este
tentáculo possui função sensorial e está provavelmente associado à percepção
química de substâncias. As cecílias alimentam-se de presas pequenas, como
cupins, minhocas, larvas e insetos adultos. A diversidade de reprodução deste
grupo é grande. Alguns incubam os ovos, enquanto que outros dão à luz filhotes.
Todavia, pouco se sabe em geral sobre este grupo.

11.2 REPRODUÇÃO

Dentre as diferentes peculiaridades do grupo, nenhuma é mais notável


que a reprodução. Uma infinidade de tipos é encontrada, rivalizando somente
com a variedade de reprodução dos peixes, que possuem nada menos que o
quíntuplo de espécies descritas. A maioria dos anfíbios põe ovos, que podem
ser depositados na água ou em terra firme. Desses ovos podem nascer larvas
ou ainda filhotes que não passam por estágio de larva. Alguns Anura carregam
os filhotes nas costas, outros transportam seus ovos em regiões do tegumento,
nas bolsas vocais ou, ainda, no estômago. Algumas fêmeas retêm os ovos no
oviduto e dão à luz filhotes metamorfoseados. A maioria não cuida das crias,
mas outros apresentam cuidado parental até mesmo alimentando os girinos
(figura 24). Assim, qualquer tentativa de descrever a reprodução dos anfíbios
vai gerar lacunas e alguma generalização fatalmente incorrerá em erros.
Apesar disso, será descrita brevemente a reprodução de rãs semiaquáticas
para ilustrar um dos tipos de reprodução (figura 25).

FIGURA 24 - EXEMPLOS DE DIFERENTES SISTEMAS DE REPRODUÇÃO 102


PRESENTE EM ANURA

(a) Centrolenella: Ovos postos em cima de um corpo aquoso, quando os filhotes


nascem, caem na água; (b) Physalaemus: ninho de espuma dentro da água; (c) Rhinoderma:
ovos carregados pelo adulto até o final da metamorfose, no interior do corpo; (d) Dendrobates:
girino carregado nas costas; (e) e (f) Hemiphractus e Pipa: ovos carregados no dorso do adulto,
no tegumento.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
Os machos e fêmeas em geral apresentam dimorfismo sexual, ou seja,
é possível diferenciar externamente os machos das fêmeas. Os machos entram
na água e começam a coaxar para atrair as fêmeas. Cada fêmea é agarrada
por um macho no chamado amplexo. Quando a fêmea expele os óvulos, o
macho descarrega o esperma sobre eles para a fecundação. Os ovos são
envolvidos por camadas gelatinosas que protegem o embrião contra choques,
patógenos e predadores. Após a fecundação a cobertura se expande e pode 103
prender o ovo em uma superfície de folha ou pedra.
Após um tempo variável, as larvas eclodem e os girinos podem sair do
invólucro gelatinoso. Estes apresentam o corpo e cabeça oval e uma longa
cauda característica. As brânquias externas são logo encerradas pelo opérculo.
As transformações ficam mais evidentes conforme o crescimento dos membros
e redução progressiva da cauda. Todavia, outras características importantes se
desenvolvem na metamorfose. Há o crescimento da boca, perda das brânquias
e fendas branquiais, desenvolvimento dos pulmões e de uma língua protrátil,
além de redução do intestino.
Outro tipo de reprodução peculiar que será brevemente descrito aqui é
a das salamandras que utilizam espermatóforos. Os espermatóforos são
massas gelatinosas cobertas de esperma utilizadas para a fecundação interna.
As diferentes espécies apresentam morfologia peculiar dos espermatóforos. A
base do espermatóforo é um molde interno da cloaca do macho, algumas
vezes reproduzindo com detalhe. Diferentes maneiras de introdução do
espermatóforo na fêmea são observadas dentre as salamandras. Mas, em
geral, o processo vem acompanhado de uma corte elaborada do macho sobre
a fêmea antes da introdução do espermatóforo (figura 26). Esta corte muitas
vezes está associada com a produção de feromônios específicos que medeiam
a aproximação e corte do macho. Nas salamandras terrestres em geral ocorre
o contato físico entre os pares para que o feromônio possa ser percebido pela
fêmea.
FIGURA 25 - EXEMPLO DE UM TIPO DE REPRODUÇÃO
RECONHECIDA NOS ANURA

104

FONTE: Modificado de Storer et al. (2002).


11.3 CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA EM LARVAS E ADULTOS

A metamorfose que ocorre na maioria dos anfíbios apresenta


modificações marcantes na morfologia do sistema esquelético muscular.
Todavia, este sistema não é o único a se modificar durante a metamorfose.
Praticamente todos os sistemas são alterados, sendo que um dos mais 105
marcantes é o sistema circulatório. Conforme a metamorfose ocorre, o girino
perde as brânquias e os pulmões se desenvolvem. Existe também uma
modificação nos arcos aórticos. Os arcos um e dois são perdidos no início do
desenvolvimento embrionário. O padrão encontrado no girino é de que os arcos
três a cinco suprem o sangue das brânquias e o arco 6 carrega o sangue para a
aorta dorsal. Durante a metamorfose, o arco três torna-se o vaso que supre as
artérias carótidas internas. Ao final, na maioria dos anfíbios o arco cinco se reduz
e o arco quatro torna-se a principal rota do sangue que sai do coração.
Finalmente, o arco seis supre os pulmões e a pele por meio de artérias
subcutâneas.
FIGURA 26 - DIFERENTES CORTES ENTRE SALAMANDRAS
TERRESTRES, INCLUINDO A TRANSFERÊNCIA DE FEROMÔNIOS

106

(a) Taricha granulosa, (b) Plethodon jordani, (c) Eurycea bisilineata, (d) Triturus
vulgaris
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
Todos os anfíbios apresentam respiração cutânea, sendo que esta
característica determina praticamente a ecologia e fisiologia encontradas neste
grupo. O equilíbrio entre a respiração cutânea e pulmonar não é estático.
Diferentes espécies utilizam em distintas proporções estes dois tipos de
respiração. Num mesmo indivíduo, dependendo da temperatura, um tipo de
respiração é mais importante que outro. O coração do adulto deste grupo
reflete a utilização destas duas superfícies respiratórias.
O átrio dos anfíbios adultos apresenta-se subdividido em câmaras 107
esquerda e direita. O sangue que chega dos tecidos flui para a câmara direita
do átrio e o sangue proveniente dos pulmões flui através da câmara esquerda
do átrio. Apesar de indiviso, o ventrículo dos anfíbios parece controlar bem o
destino dos sangues provenientes das duas câmaras do átrio. As diferentes
densidades do sangue oxigenado e não oxigenado são fundamentais para este
direcionamento, sendo que o animal pode orientar os distintos sangues para
áreas específicas do corpo.

11.4 ORIGEM E DIVERSIDADE DOS AMNIOTAS

Dentre os tetrápodes viventes, somente os Lissamphibia não são


Amniota. Os Amniota representam a grande diversidade dos tetrápodes e seu
nome é oriundo do ovo amniótico característico deste grupo. A primeira grande
irradiação dos Amniota parece ter ocorrido no Permiano Inferior, todavia
algumas formas encontradas no Carbonífero podem representar amniotas mais
antigos. Um dos fatos relacionados com a grande irradiação dos amniotas foi a
irradiação dos insetos nesta época, que ao que parece foi proporcionada pela
invasão da Terra pelas plantas terrestres. Provavelmente, a maioria dos
vertebrados desta época era carnívora, sendo que a oferta energética
proporcionada pela invasão dos ambientes terrestres não pôde ser
imediatamente aproveitada pelos vertebrados, mas com a invasão dos insetos
conjuntamente com as plantas, a energia disponível de insetos permitiu a
radiação dos vertebrados terrestres, dentre estes, os amniotas. A grande
diversidade de amniotas no final da era Paleozoica corrobora o sucesso deste
clado nesta época. Ao passo que os amniotas se diversificaram, a variedade
dos não amniotas reduziu. Do início da era Mesozoica em diante as maiores
irradiações de vertebrados terrestres ocorreram entre grupos de amniotas.

11.4.1 Características derivadas de Amniota

108
Tradicionalmente, os Amniota são caracterizados pela presença do ovo
amniótico (figura 27) e do tegumento impermeável à água. Ao que parece, o
ovo seria uma boa característica, enquanto que o tegumento impermeável
parece ser menos conservativo. O ovo amniótico é característico das
tartarugas, lagartos, serpentes, aves e mamíferos monotremados, além do
mais, estruturas da placenta são consideradas homólogas a certos anexos
embrionários do ovo amniótico. Assume-se que o ovo amniótico seria o modo
de reprodução dos répteis Mesozoicos, sendo que no registro fóssil são
encontrados diversos ovos fósseis. O tegumento impermeável não é uma boa
característica para se tomar como apomórfico de Amniota, dado que a
ausência de estruturas queratinizadas no tegumento dos Lissamphibia pode
estar relacionada a uma perda posterior, ligada à respiração cutânea presente
neste grupo.
FIGURA 27 - OVO AMNIÓTICO, DESTACANDO AS PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS E SEQUÊNCIA
DE DESENVOLVIMENTO (DA ESQUERDA PARA A DIREITA)

109

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

O ovo amniótico é muito complexo. A casca pode ser flexível (como de


muitos lagartos e tartarugas) ou calcificada como, por exemplo, presente nas
aves. Esta casca fornece proteção mecânica, além de ser suficientemente
porosa para permitir as trocas gasosas e de água. A albumina funciona como
proteção extra contra choques mecânicos, além de ser um reservatório de
água para o crescimento do embrião. O vitelo (gema) é a reserva energética
para o embrião. No início do desenvolvimento, o embrião é formado por um
pequeno número de células no topo do vitelo. Posteriormente as células se
multiplicam e a Mesoderma e Endoderma envolvem o vitelo formando o saco
vitelínico, compondo parte do sistema digestório em desenvolvimento. Vasos
sanguíneos crescem rapidamente no entorno do saco vitelínico, transportando
gases e nutrientes para o embrião. No final do desenvolvimento embrionário,
logo antes ou depois da eclosão, já não há nenhum resquício do saco
vitelínico.
Outras membranas externas estão presentes neste tipo de ovo e o
torna diferenciado: córion, âmnio e alantoide. O córion e o âmnio se
desenvolvem como expansões terminais do corpo do embrião (ainda em
formato de placa). Estas bolsas se expandem para fora e em volta do embrião,
até que se encontram. No ponto em que as membranas se deparam, elas se
fundem e formam uma membrana externa – o córion – que envolve o embrião
e o saco vitelínico; e uma membrana interna – o âmnio – que abarca o próprio
embrião. O alantoide é formado por uma expansão do intestino delgado, caudal
em relação ao saco vitelínico e interno ao córion. Esta estrutura está
relacionada com o acúmulo de dejetos do embrião e da base desta estrutura
vai se formar posteriormente a bexiga do amniotas. O alantoide funciona
também para trocas gasosas. Esta membrana extraembrionária é ricamente
vascularizada e pode levar oxigênio da superfície para o embrião, além de 110
dióxido de carbono do embrião para a superfície. Quando o ovo eclode o
alantoide é deixado com todo o excremento produzido durante a fase
embrionária.
A evolução de estruturas complexas é sempre um ponto de
discordância entre os diferentes cientistas. Uma hipótese é que o ovo amniótico
tenha surgido a partir de ovos não amnióticos colocados em terra (como ocorre
com alguns poucos anfíbios atuais). Um ovo não amniótico num ambiente
terrestre dificilmente ultrapassa os 10 mm de diâmetro, pois ovos não
amnióticos maiores que isso em geral não conseguem sustentar o próprio
peso, além da difusão de gases até o interior ficar prejudicada ou praticamente
inviável. Um ovo com anexos embrionários permite uma maior sustentação,
bem como facilita as trocas gasosas. Carroll (1970) advoga um cenário
evolutivo em que os animais ancestrais dos amniotas deveriam ser animais
pequenos e que o precursor do ovo amniótico deveria ser um ovo não
amniótico posto em terra.

11.4.2 Os padrões de fenestração nos Amniotas

Os amniotas são divididos classicamente de acordo com padrões de


fenestrações temporais cranianos, do latim fenestra = janela. As diferentes
configurações destas fenestras e que dão nome aos grupos são: anápsídeo (do
grego an = sem, apsid = junção), observado em amniotas primitivos e nas
tartarugas; sinapsídeo (arco único, do grego syn = único), observado nos
mamíferos e nas linhagens ancestrais; e diapsídeo (arco duplo, do grego di =
dois), observado nos demais répteis e aves. O arco a que se refere o nome
está relacionado às barras temporais, que podem ser chamadas de arcadas
temporais, que estão posicionadas entre as fenestras.
Você deve estar pensando: eu sou um mamífero, mas onde está minha
fenestra temporal? O crânio dos mamíferos atuais é muito modificado dos
crânios dos sinapsídeos mais primitivos, todavia se você colocar as mãos na
lateral da cabeça, logo atrás das órbitas e movimentar a mandíbula, sentirá a
movimentação de alguns músculos. Estes músculos estão inseridos na fenestra 111
temporal, correndo por dentro do arco zigomático (um pouco atrás da maçã do
rosto) e se fixam na mandíbula. Esta condição da musculatura já era encontrada
nos sinapsídeos mais primitivos.
Mas com o que estão relacionadas tais fenestras? Como exemplificado
no parágrafo anterior, estas fenestras estão envolvidas com fixação de
musculatura. Em linhas gerais, os amniotas possuem uma musculatura mais
diferenciada que os não amniotas. O aumento da diferenciação da massa dos
músculos que se fixam na mandíbula permite uma maior complexidade de
movimentos mandibulares e consequentemente uma maior diversidade de
tipos de alimentação.

11.5 TESTUDINIA

Uma pessoa facilmente reconhece uma tartaruga devido à sua relativa


morfologia, presente em todos os membros do grupo. Os testudinos viventes
apresentam diversidade reduzida, sendo encontradas 13 famílias (figura 28).
Duas grandes linhagens podem ser reconhecidas, os Cryptodira e os Pleurodira,
sendo diferenciadas facilmente pela maneira que retraem o pescoço. Os
Cryptodira (do grego crypto = escondido, dire = pescoço) retraem o pescoço em
formato de “S” vertical, enquanto que os Pleurodira (do grego pleuro = lado)
retraem o pescoço horizontalmente. Os Cryptodira representam a maior
diversidade atual do grupo, sendo encontrados na maior parte do Hemisfério
Norte, formas aquáticas e terrestres na América do Sul e formas terrestres na
África. Este grupo está ausente na Austrália.
Os Pleurodira estão localizados atualmente apenas no Hemisfério Sul,
embora o registro fóssil demonstre sua presença no Hemisfério Sul durante o
Mesozoico e Cenozoico. O registro fóssil dos Pleurodira é muito extenso na
América do Sul durante o Cenozoico, sendo encontradas formas gigantescas,
como o Stupendemys da Venezuela que possuíam carapaça com mais de dois
metros de comprimento. Os Pleurodira atuais possuem sua vida de algum
modo ligada à água sendo todos no mínimo semiaquáticos, enquanto que os 112
Cryptodira possuem representantes totalmente terrestres até representantes
totalmente aquáticos.
Apesar de certa constância morfológica, os testudinos ocupam uma
grande variedade de nichos, sendo encontrados em desertos até as tartarugas
marinhas que vagam pelos oceanos fazendo migrações só comparáveis a
migrações de algumas aves. Esta diversidade de nichos ocupados possui
reflexos na variedade de comportamentos bem como nos hábitos de
alimentação. Um dos mais diferentes Testudinia é o Pleurodira matamatá
(gênero Chelus) da América do Sul. Este animal possui aparência bizarra, com
o casco apresentando diversas protuberâncias, bem como a pele do pescoço
com dobras onde crescem algas. Todas estas características auxiliam o
matamatá a se esconder nos fundos de córregos amazônicos. As dobras
dérmicas presentes nestes animais são sensíveis a vibrações e, quando um
peixe passa por perto, a garganta desta tartaruga se expande rapidamente e o
peixe é tragado juntamente com água para dentro da boca. A água é expelida
posteriormente e a presa ingerida. Esta tartaruga não apresenta o bico córneo
característico das tartarugas, nem mesmo língua.
Outro Testudinia predador com modificações morfológicas é o Cryptodira
Macroclemys, encontrado na América do Norte. Esta tartaruga espreita suas
presas enterrada no fundo lodoso de rios, mantendo sua boca aberta. Para atrair
suas presas, usa um apêndice em formato de verme em sua língua, e, quando os
peixes se aproximam dele buscando alimento, este testudino fecha a boca e
aprisiona sua presa.
FIGURA 28 - DIVERSIDADE DE TESTUDINIA

113

(a) Testudo, (b) Malacochersus, (c) Terrapene, (d) Trachemys, (e) Aplone, (f)
Kinosternon, (g) Macroclemys, (h) Pelusius, (i) Chelodina, (j) Chelys, (k) Cartta, (l)
Dermochelys. (a) a (g), (k) e (l) Cryptodira; (h) e (j) Pleurodira.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

Outro grupo de testudinos Cryptodira com bastante apelo ecológico e


conhecido da grande parte da população são as tartarugas marinhas, famílias
Cheloniidae e Dermochelydae. Estas tartarugas são reconhecidas como
possuindo o plano de corpo mais adaptado à vida aquática. Todas possuem os
membros anteriores em formato de remo e seus cascos possuem morfologia
hidrodinâmica que diminui o gasto energético durante a natação. O maior
Cheloniidae vivente é a tartaruga verde, com exemplares alcançando 400
quilos. Todavia, a maior tartaruga marinha vivente é a tartaruga de couro do
gênero Dermochelys, da família Dermochelydae, que pode alcançar mais de
600 quilos e dois metros de casco. Estas tartarugas apresentam hábito
pelágico, sendo que um mergulho registrado extrapolou a maior medida do
marcador de profundidade. Inclusive, estimou-se que este mergulho tivesse
extrapolado a maior profundidade registrada para uma baleia cachalote,
demonstrando a adaptação destes animais à vida marinha.

11.5.1 Relações filogenéticas dos Testudinia 114

Apesar de possuírem uma aparência inconfundível. Os testudinos


apresentam uma combinação de aspectos primitivos e derivados que não são
compartilhados com qualquer outro grupo, dificultando a elucidação das
relações filogenéticas do grupo. Os testudinos provavelmente se originaram de
grupos de amniotas primitivos do Carbonífero Superior. Tal como aqueles
animais, os testudinos apresentam crânio anapsido, todavia, o casco e
esqueleto pós-craniano são totalmente diferentes. Alguns autores (REISZ &
LAURIN, 1991; LEE, 1993) aceitam o crânio anapsido como característica
fundamental para agrupá-lo com os pararrépteis. Uma opinião radicalmente
diferente (RIEPPEL & BRAGA, 1996) aponta que a condição anapsida das
tartarugas é uma característica derivada de uma condição diapsida. Existem
peculiares que apontam nas duas direções, no entanto, esta discussão
encontra-se em aberto.
Os Testudinia mais antigos são encontrados no Triássico na Alemanha,
Tailândia e Argentina. Apesar de muito antigos, estes animais apresentavam
praticamente a aparência de uma tartaruga, sendo que todas as características
que definem um Testudinia já são reconhecidas neste grupo, e estes fósseis
não lançam muita luz sobre as inter-relações filogenéticas do grupo. O
Proganochelys da Alemanha é a mais conhecida destes, sendo que
apresentava aproximadamente um metro de comprimento, com casco
arqueado e alto. Não existem dentes marginais (como nos Testudinia atuais) e
os ossos pré-maxilares e maxilares provavelmente eram recobertos com um
bico córneo, como as espécies atuais. Todavia, esta espécie possuía
dentículos na região do palato, além de um osso supratemporal e lacrimal
perdido nas espécies mais derivadas. As vértebras cervicais desta espécie do
Triássico não apresentam as especializações que permitiram a retração do
pescoço, nem com os Cryptodira ou Pleurodira, mostrando que no início da
evolução do grupo não haveria a retração do pescoço.

11.5.2 Estruturas do casco dos Testudinia


115

Este grupo apresenta características muito diferentes dos demais


vertebrados e provavelmente se estivessem extinguindo-se e fossem conhecidos
somente no registro fóssil seria muito difícil reconstruir o seu modo de vida. A
mais marcante destas características é a presença de um casco ósseo. O casco
é constituído de ossos dérmicos que crescem a partir de vários centros de
ossificação diferenciados. Oito placas dispostas ao longo da linha dorsal
mediana formam a série neural e se fundem aos arcos neurais das vértebras. Ao
lado das placas neurais existem outras oito placas pareadas que se conectam às
costelas. As costelas dos Testudinia são únicas entre os tetrápodes, pois estas
são externas às cinturas peitoral e pélvica. A margem da carapaça é formada por
11 placas pareadas e mais duas placas, uma na extremidade anterior e outra na
extremidade posterior. O plastrão (parte inferior da carapaça) é formado de
ossificações dérmicas. O endoplastrão é derivado da interclavícula, enquanto
que os epiplastrões são derivados das clavículas. Os processos do hipoplastrão
fundem-se com o primeiro e quinto processos pleural do casco, formando uma
conexão firme entre o plastrão e o casco.
Sobre os ossos da carapaça estão dispostos escudos córneos de
origem epidérmica e que não coincidem em número e forma com os ossos.
Tanto no casco quanto no plastrão as subdivisões observadas no animal em
vida são na verdade as subdivisões dos escudos córneos que estão recobrindo
esta região (figura 29).
Apesar da presença do casco ser uma característica muito evidente
nos testudinos, a ossificação em algumas espécies é muito reduzida. A família
Tryonichidae, conhecida como tartarugas de casco mole, apresenta redução
nas ossificações periférica e não possui escudos córneos. As extremidades das
costelas estão embutidas em tecido conjuntivo e o casco e plastrão estão
recobertos por pele. A tartaruga de couro (Dermochelys) possui casco
cartilaginoso com milhares de ossículos poligonais em seu interior. Algumas
outras tartarugas apresentam ainda no entorno do casco estruturas flexíveis
denominadas charneiras. Alguns gêneros como, por exemplo, Terrapene, são
capazes de fechar as aberturas anterior e posterior do casco, para uma maior
proteção da cabeça e cauda.
116
FIGURA 29 - ESTRUTURA DO CASCO E PLASTRÃO DE UM TESTUDINIA

117

(a) escudos epidérmicos do casco (esquerda) e do plastrão (direita); (b) ossos dérmicos do
casco (esquerda) e do plastrão (direita); (c) vista interna de um casco.
Note a ausência de correspondência entre os ossos dérmicos e os escudos córneos, e a fusão
das costelas e vértebras.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
11.5.3 O coração dos Testudinia

O coração dos tetrápodes pode ser visto como dois circuitos: o circuito
sistêmico que transporta sangue oxigenado do coração para a cabeça, tronco e
membros e o circuito pulmonar que conduz sangue desoxigenado do coração
para os pulmões. Estes sistemas funcionam em sequência, de modo que o 118
sangue que passa pelos pulmões volta para o coração e então é bombeado
para as demais regiões do corpo. O coração com quatro cavidades separadas
dos mamíferos e aves faz com que este sistema serial seja obrigatório.
Todavia, o coração dos demais amniotas e dos anfíbios pode fazer trocas entre
os sangues dos dois sistemas.
Apesar de geralmente ser advogado como uma desvantagem a mistura
dos sangues oxigenados com o não oxigenado, este sistema pode oferecer
benefícios no caso das tartarugas marinhas. Quando estas iniciam um
mergulho profundo, o padrão de circulação muda e a quantidade de sangue
oxigenado que é enviada a certas partes do corpo diminui, abaixando a taxa
metabólica de certos tecidos e auxiliando a tartaruga a passar mais tempo
submergida.

11.5.4 Respiração nos Testudinia

Como um animal que possui cascos rígidos consegue respirar? Os


amniotas primitivos, bem como os lagartos atuais utilizam movimentos da caixa
torácica para introduzir ar nos pulmões e para retirá-lo. Nos testudinos, em que
a caixa torácica está fundida com o casco rígido, estes movimentos são
impossibilitados, pois somente as aberturas anterior e posterior do casco
possuem tecidos flexíveis. Os pulmões dos testudinos estão ligados à carapaça
no sentido dorsal e lateral. No sentido ventral, os pulmões estão presos a uma
lâmina de tecido conjuntivo que por sua vez está presa às vísceras. O peso das
vísceras mantém a lâmina diafragmática estirada para baixo.
Os testudinos promovem mudanças de pressão dentro da caixa
torácica, contraindo os músculos que suspendem as vísceras (músculo
transverso abdominal e músculo peitoral), de modo que o pulmão é comprimido
e o ar expelido, e em seguida contraem outros músculos (abdominal oblíquo e
serrátil) que expandem o volume dos pulmões aspirando o ar. A respiração de
algumas tartarugas aquáticas, todavia, são auxiliadas por outras superfícies
respiratórias que não a pulmonar. Algumas tartarugas utilizam a região traqueal
para absorção de oxigênio, enquanto outras empregam a cloaca com 119
invaginações em formato de bolsa que absorvem oxigênio e eliminam dióxido
de carbono.

11.6 LEPIDOSAURIA (TUATARA, LAGARTOS E SERPENTES)

Os Lepidosauria apresentam uma diversidade relativamente grande.


São encontradas aproximadamente 4 mil espécies de lagartos, 2,7 mil de
serpentes e duas de tuatara (a origem do nome tuatara é Maori e não se
acrescenta “s” para designar o plural). Estes animais são basicamente
terrestres com algumas poucas espécies relativamente aquáticas. O tegumento
deste grupo é recoberto com escamas, sendo pouco impermeável à água.
Apesar do plano corporal básico deste grupo ser a presença dos quatro
membros, a perda de membros entre linhagens de lagartos é comum, bem
como todas as serpentes que são caracterizadas pela ausência de membros.
Os Archosauria (aves e crocodilos) são o grupo irmão dos Lepidosauria, e os
Rhynchocephalia (tuatara) compõe o grupo irmão de Squamata (lagartos e
serpentes). Dentre os Squamata, as análises filogenéticas apontam que os
lagartos não representam um grupo monofilético, todavia a divisão entre
lagartos e serpentes será adotada aqui para facilitar a compreensão do grupo.
Estes animais apresentam comportamentos sociais complexos,
associados à defesa do território e corte, mas o cuidado parental é reduzido,
sendo praticamente inexistente. A fecundação é interna e a viviparidade ao que
parece surgiu independentemente. Bem como muitas espécies são
partenogenéticas, com as fêmeas produzindo filhotes sem a necessidade de
cópula.

11.7 OS RHYNCHOCEPHALIA

Este grupo, apesar da diversidade e distribuição muito reduzida, com


apenas o gênero Sphenodon, que ocupa áreas da Nova Zelândia, apresenta-se
muito diverso no registro fóssil (figura 30). Os fósseis indicam que existiram
espécies insetívoras e herbívoras de pequeno porte ocupando nichos terrestres 120
e arborícolas, mas que existiram também irradiações marinhas deste grupo
com algumas espécies, alcançando mais de um metro de comprimento. As
duas espécies de Rhynchocephalia viventes estão em grande perigo de
extinção, sendo que a Sphenodon guentheri está restrito a cerca de 300
indivíduos isolados numa região de 1,7 hectares na Nova Zelândia. A outra
espécie, Sphenodon puncatus, apesar de possuir um número maior de
indivíduos, também corre sério perigo de extinção.

FIGURA 30 - CRÂNIO DE SPHENODON PUNCATUS


EM VISTA DORSAL (A) E LATERAL (B)

O crânio pouco difere aparentemente de um crânio de “lagarto”, entretanto caracteres


osteológicos bem evidentes delimitam tal diferenciação. Notam-se os dois dentes pré-maxilares
superiores.
FONTE: Modificado de Carroll (1988).
Os tuatara adultos medem por volta de 60 centímetros de
comprimento. São noturnos e carnívoros, alimentando-se de invertebrados e
pequenos vertebrados. Este grupo apresenta uma articulação diferenciada
entre o crânio e mandíbula que permite que a mandíbula se desloque para
frente durante a alimentação criando um efeito cortante, auxiliado pelos dentes
hipertrofiados da pré-maxila. A temperatura de atividade dos tuatara é muito
baixa quando comparada com os demais Lepidosauria. Foram relatadas 121
temperaturas de até 6ºC em tuatara em atividade, considerada muito baixa.
Todavia, esta pode tratar-se de uma especialização a vida próxima às colônias
das aves de onde estes animais retiram seu alimento.

11.8 SQUAMATA: LAGARTOS,SERPENTES

11.8.1Lagartos

As aproximadamente 4 mil espécies de lagartos atuais apresentam uma


grande variedade de tamanhos, desde diminutas lagartixas até a maior espécie
vivente, o dragão de Komodo (Varanus komodoensis), que pode atingir até três
metros de comprimento (figura 31). Todavia, 80% dos lagartos pesam quando
adulto menos de 20 gramas e são insetívoros. Estes animais apresentam uma
grande diversidade de nichos ocupados, desde desertos, florestas tropicais e
regiões temperadas.
A maioria dos lagartos de grande porte são herbívoros arborícolas.
Algumas espécies possuem como ambiente regiões alagadas, pantanosas ou
praias, mas poucas espécies entram com frequência na água. A iguana
marinha de Galápagos é uma exceção, passando grande parte do dia
“pastando” em rochas submersas próximas a costa. Uma exceção sobre os
lagartos de grande porte é a família Varanidae, que também é carnívora,
alimentando-se de uma farta variedade de vertebrados e invertebrados,
incluindo mamíferos de médio porte.
A redução de membros ocorreu várias vezes no grupo. Análises
indicam que possa ter ocorrido até 62 vezes ao longo da história evolutiva do
grupo, sendo que em todos os continentes destes animais existem famílias que
possuem redução de membros. Os Amphisbaenia, conhecidos popularmente
no Brasil como cobra cega (figura 32), representam um grupo sem membros
com cerca de 140 espécies e são animais fossoriais (vivem em galerias
subterrâneas), apresentando diversas características para tal. A maioria das
espécies não apresenta membros, todavia, o gênero Bipes pode ser 122
reconhecido pela presença dos membros anteriores muito reduzidos. O crânio
das Amphisbaenia é rígido e utilizado para cavar as galerias onde estes
animais vivem. Sua dentição também é característica. O único dente mediano
da maxila superior atuando juntamente com os dentes da mandíbula permite
que estes animais arranquem pedaços de carne de presas que não podem ser
engolidas por inteiro. Seu corpo também é característico, com o corpo
aparentemente segmentado (como as cecílias). São animais predadores e que
possuem uma mordida muito forte, mas dado o hábito fossorial dificilmente
entram em contato com o ser humano.
FIGURA 31 - DIVERSIDADE DE LAGARTOS

123

(a) Sceloporus, (b) Ctenosaura, (c) Moloch, (d) Gekko, (e) Chamaeleo, (f) Ophisaurus, (g)
Varanus.
Noe que, apesar de não possuir membros, o Ophisaurus é filogeneticamente próximo de outros
lagartos e não de serpentes.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).
FIGURA 32 - AMPHISBAENIA

124

Acima, esquema da anatomia externa de Monopeltis e, abaixo, vista lateral da cabeça


de Rhineura. Notea ausência de olhos nestas espécies, bem como a anatomia da cabeça
modificada para cavar e os anéis do tegumento.
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

11.8.2 Serpentes

As aproximadamente 2,7 mil espécies de serpentes variam muito de


tamanho, desde pequenas espécies fossoriais que se alimentam de cupins e
não ultrapassam os dez centímetros de comprimento até as grandes
constritoras que comem grandes vertebrados e alcançam os dez metros de
comprimento. As Scolecophidia são serpentes agrupadas em três famílias de
tamanho diminuto, escamas brilhantes e olhos reduzidos. As Aniliidae e
Uropeltidae também são escavadoras, enquanto que a Família Xenopeltidae é
representada por uma única espécie terrícola. Os Boinae são provavelmente as
serpentes mais familiares para os brasileiros. São as grandes cobras do Novo
Mundo, como jiboia e sucuri. Já as Pythoninae são as grandes cobras do Velho
Mundo. Todavia, nem todos os representantes destas duas subfamílias são
animais grandes, algumas são pequenas e fossoriais, alcançando menos de
um metro quando adultas. A Família Acrochordidae são serpentes totalmente
aquáticas, sendo que algumas espécies não possuem as escamas ventrais 125
alargadas que lhes permite andar em terra firme.
A maior diversidade de serpentes está incluída no grupo Colubroidea,
sendo que a Família Colubridae compreende dois terços de tal diversidade. A
grande variedade do grupo dificulta caracterizações, sendo que muitas
Colubridae são peçonhentas, bem como as serpentes das famílias Viperidae e
Elapidae. Estas duas possuem presas inoculadoras de veneno na porção
anterior da maxila superior, sendo que nestas duas famílias, são incluídas a
cascavel e a coral verdadeira, respectivamente (figura 33).
FIGURA 33 - DENTIÇÃO DAS SERPENTES

126

Legenda: ecptg: ectopterigoide; fro: frontal; max: maxila; pi: presas inoculadoras; pfr: pré-
frontal; ptg: pterigoide; q: quadrado.
(a) áglifa, sem presas inoculadoras (Python);
(b) opistóglifa, com presas inoculadoras na região posterior da maxila (Dispholidus);
(c) solenóglifa, com presas móveis na região anterior da maxila (Bitis);
(d) proteróglifa, com presas inoculadoras fixas na região anterior da maxila
(Dendroaspis).
FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

As espécies não fossoriais podem ser divididas, sem correspondência


filogenética, em dois grupos, relativo ao modo de obtenção de presas.
As constritoras são serpentes que obtêm sua presa envolvendo-a e
sufocando-a (nunca quebrando os ossos como a cultura popular aponta), e
apresentando dentição áglifa. Apesar das grandes serpentes estarem incluídas
neste grupo, pequenas serpentes também são constritoras.
O outro grupo é o das serpentes peçonhentas, que obtêm sua presa
inoculando ali peçonha. Três tipos de dentição podem ser reconhecidos neste
grupo: opistóglifa, que possuem as presas inoculadoras de peçonha na região
posterior da maxila; solenóglifa, em que as presas estão localizadas na região
anterior da maxila, e ainda são móveis; e o último tipo são as proteróglifas, em
que as presas são encontradas na região anterior da maxila, todavia estas se
mantêm permanentemente eretas.
O crânio das serpentes é cinético, o que permite amplos movimentos
das maxilas, dado a ligamentos flexíveis entre os ossos cranianos. Estas
estruturas possibilitam que uma serpente apresente complexos movimentos
tridimensionais do crânio. Do mesmo modo, a sínfise mandibular (local de junção
anterior das mandíbulas) das serpentes é feita por tecido conjuntivo que admite 127
que as mandíbulas movimentem-se lateralmente, expandindo a cavidade oral.
Este extremo cinetismo craniano permite que as serpentes consigam deglutir
presas com diâmetro maior que o do seu próprio corpo, bem como estes
mesmos movimentos auxiliam na ingestão.

11.9 TERMORREGULAÇÃO EM LEPIDOSAURIA

Desde os tempos mais remotos, os “anfíbios” e “répteis” têm sido


chamados de animais de sangue frio. Até meados do século XX esta afirmação
era corrente mesmo entre os cientistas, que acreditavam que estes animais
suportavam temperaturas muito altas e que não tinham qualquer capacidade
de regulá-la.
Um estudo pioneiro que demonstrou a possibilidade de um fino controle
de temperatura corporal entre os animais denominados de sangue frio é o de
Cowes & Bogert (1944). Este estudo expôs que o componente comportamental
da termorregulação nos Lepidosauria representa o mais importante. Um
lagarto, por exemplo, pode regular sua temperatura buscando pontos do
ambiente que estejam mais quentes ou mais frios, dependendo de sua
necessidade.
Estudos subsequentes mostraram que tal mecanismo pode ser ainda
mais refinado, alterando a posição do corpo, expondo mais ou menos áreas ao
ambiente. Foi demonstrado, inclusive, que estes animais quando infectados
com alguns tipos de patógeno podem elevar sua temperatura
comportamentalmente num mecanismo semelhante à febre que ocorre nos
mamíferos. Mecanismos fisiológicos também podem auxiliar na
termorregulação, como, por exemplo, a capacidade para mudança de cor que
os lepidosauria apresentam pode aumentar ou diminuir a absorção de luz, bem
como o controle do batimento cardíaco e também as irrigações diferenciais de
certas áreas do corpo.
Apesar dos mecanismos dos Lepidosauria permitirem uma regulação
fina da temperatura, foi demonstrado que tais mecanismos comportamentais
representam boa parte da atividade diária de um lagarto ou serpente; de modo 128
que em certas regiões temperadas o ambiente simplesmente não possibilita
que estes animais termorregulem, sendo que muitos apresentam mecanismos
de hibernação durante os meses frios e permanecem em atividade somente
nos períodos quentes.

12 RÉPTEIS DO MESOZOICO E ARCHOSAURIA

A era Mesozoica se estendeu por mais de 180 milhões de anos e é chamada


coloquialmente como a era dos répteis. Ao longo deste período, em todo o globo um
grande número de formas evoluiu, diversificou e irradiou, ocupando muitas das zonas
adaptativas presentes no planeta. Um destes grupos são os dinossauros, que embora
sejam os mais conhecidos não foram os únicos. Devido ao grande número de grupos
que existiu (alguns permanecendo até hoje), a compreensão destes é complicada e o
entendimento da evolução destes grupos fica prejudicado dado às inúmeras
adaptações convergentes presentes entre as diferentes linhagens. Animais piscívoros
de focinho longo, bem como quadrúpedes encouraçados apareceram repetidamente
nas diferentes linhagens.

O conhecimento sobre as relações filogenéticas dos grupos está em


constante mudança, conforme a descoberta de novos fósseis, além da reavaliação de
outros, facilitando a compreensão deste período e, consequentemente, o período
atual. Os Crocodyliformes e as aves são os animais atuais que formam um grupo
monifilético com vários dos grupos que existiram no Mesozoico, assim, serão tratados
concomitantemente com alguns dos répteis daquela era.
Os Archosauria são os animais mais frequentemente associados à grande
irradiação dos tetrápodes da era mesozoica. Neste grupo estão incluídos além das
aves e Crocodyliformes, os dinossauros, pterossauros e outros grupos menos
conhecidos. Os Archosauria são distinguíveis pela presença de uma fenestra antero-
orbital (em frente à órbita). Outras características também são diagnósticas do grupo,
todavia menos evidentes. Simplesmente para facilitar a compreensão dos grupos,
serão tratados aqui somente os Crocodyliformes, os Pterossauria, os dinossauros e
consequentemente as aves, que de acordo com os conhecimentos atuais são
consideradas dinossauros. 129

12.1 CROCODYLIFORMES

Enquanto as 23 espécies de Crocodyliformes atuais são animais


semiaquáticos, no registro fóssil (figura 34) é reconhecido que tal hábito é uma
condição recente e que a diversidade de nichos ocupados por este grupo foi bem mais
extensa, ocupando áreas secas, inclusive desérticas. O Cretáceo, ao que parece,
representou o clímax de diversidade dos Crocodyliformes. Neste período são
encontradas em todo o mundo formas muito peculiares no que diz respeito à
morfologia craniana e hábito de vida. Dentre este grupo, uma linhagem que se pode
destacar são os Notosuchia. Estes Crocodyliformes de pequeno tamanho ocuparam
no Cretáceo áreas da América do Sul, África, Madagascar e China. Tais animais
apresentavam uma dentição muito complexa quando comparada com os
Crocodyliformes recentes, que poderia indicar inclusive o hábito herbívoro de algumas
espécies, como o Chimaerasuchus ou Simosuchus.

Outros grupos como os Sebecosuchia e os Peirosauridae, ao contrário,


deveriam ser predadores de topo de cadeia, alimentando-se inclusive de dinossauros
que vagavam pelo Mesozoico. Estes dois grupos apresentavam a dentição
especializada para rasgar carne, com os dentes curvos e com serrilhas na região
anterior e posterior (semelhante a dentes de dinossauros terópodes). Um grupo do
Jurássico (Thalattosuchia) ocupou nichos marinhos. Estes Crocodyliformes possuíam
os membros modificados em nadadeiras e provavelmente algumas espécies sequer
poderiam deixar a água, dada suas especializações morfológicas. A grande
diversidade dos Crocodyliformes não está restrita ao Mesozoico. Muitos grupos
existiram durante o Cenozoico e foram extintos durante tal período, mostrando que a
diversidade atual é relictual.

Alguns Crocodyliformes fósseis alcançaram dimensões gigantescas, como o


Purussaurus brasiliensis do Mioceno do Acre (Brasil). Um dos crânios encontrados
mede cerca de 1,50 metro e, se este animal tivesse as mesmas proporções de um
crocodilo atual, mediria de 11 a 12 metros de comprimento e teria 2,50 metros de
altura! Portanto, a afirmação encontrada na maioria dos livros textos de que os
Crocodyliformes atuais são animais pouco modificados dos ancestrais Archosauria e
130
que estes são bons modelos para a reconstrução dos estados ancestrais de
Archosauria deve ser repensada.
FIGURA 34 - EXEMPLOS DE CROCODYLIFORMES ENCONTRADOS NO
REGISTRO FÓSSIL

131

(a) Esqueleto de Protosuchus em vista lateral; (b) crânio de Orthosuchus em vista dorsal;

(c) esqueleto de Geosaurus em vista lateral; (d) crânio de Geosaurus em vista dorsal;

(e) crânio de Araripesuchus gomesii em vista lateral;

(f) crânio de Sebecus em vista lateral e foco de um dente da mesma espécie.

Note a grande variedade de morfologias destas espécies e as modificações de Geosaurus


(Talatthosuchia) para a natação.

FONTE: (a) retirada de Colbert & Mook (1951); (b) retirada de Nash (1975);

(c) a (f) retirada de Steel (1973).


12.2 CROCODYLIFORMES ATUAIS

A distribuição dos Crocodyliformes atuais em geral se restringe a regiões


tropicais e subtropicais do mundo. Três famílias de Crocodyliformes são consideradas
atualmente: Alligatoridae (incluindo os aligátores norte-americano e chinês, além dos
jacarés); Crocodylidae (incluindo os crocodilos) e Gavialidae (incluindo o gavial) (figura 132
35).

O aligátor norte-americano é encontrado próximo ao Golfo do México,


enquanto que o aligátor chinês ocupa uma pequena área daquele país. Os jacarés
possuem distribuição sul e centro-americana.

Os aligátores e jacarés são reconhecidos por serem animais de água doce,


enquanto que os crocodilos são conhecidos por apresentarem tolerância à água
salgada, inclusive com uma espécie denominada popularmente como crocodilo de
água salgada. Na América, os crocodilos habitam pequenas ilhas do Caribe, Flórida e
norte da América do Sul, por onde se dispersam facilmente pelo Oceano Atlântico. Tal
tipo de dispersão ocorre também entre os crocodilos asiáticos e da Oceania.

Os Gavialidae são representados atualmente por somente uma espécie que


ocupava amplamente grandes rios do sudeste asiático, mas que ultimamente estão
restritos principalmente a pequenas regiões da Índia (rio Ganges) e Paquistão. Esta
espécie apresenta um rostro bem alongado com pequenos dentes que utiliza para
capturar peixes.
FIGURA 35 - EXEMPLOS DE CROCODYLIFORMES VIVENTES

133

(a) Vista geral de um Crocodylus, (b) vista do crânio de Alligator em ângulos lateral e dorsal, (c)
vista do crânio de Crocodylus em ângulos lateral e dorsal,

(d) vista do crânio de Gavialis em ângulos lateral e dorsal.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

Entre as espécies viventes, existem algumas que alcançam aproximadamente


um metro de comprimento quando adulta, como o Paleosuchus (jacaré-coroa) da
América do Sul e o Osteolaemus (crocodilo anão africano), enquanto outras como o
Crocodylus porosus (crocodilo de água salgada) pode chegar a sete metros, bem
como o Crocodylus niloticus (cocodilo do Nilo) que alcança facilmente os cinco metros
de comprimento.

Uma característica interessante sobre as mandíbulas dos Crocodyliformes é


que apesar dos músculos de fechamento das mandíbulas serem muito fortes, inclusive
possibilitando que alguns se alimentem de tartarugas, a musculatura que abre as
mandíbulas (depressor da mandíbula) é fraca. Uma pessoa pode facilmente manter
fechada a boca de um crocodiliforme somente com a força de suas mãos. A mordida
de um crocodiliforme é muito forte e pode arrancar pedaços grandes de carne de sua
presa, e engoli-los. Para obter suas presas, em geral, estes animais permanecem
quietos em corpos de água até que a presa aproxime e o ataque seja inevitável. Com
a mordida, o crocodiliforme prende a presa e a arrasta para dentro da água onde a
afoga. Depois de morta, para arrancar os pedaços de carne o animal morde a presa e
gira repetidamente. A alimentação deste grupo é facilitada pela presença de um palato
secundário que permite ao mesmo tempo em que o animal se alimente e respire. 134

Entre os Crocodyliformes, o cuidado parental e a comunicação vocal são


menos conhecidos que nas aves, todavia, ao que os estudos indicam são tão
desenvolvidos quanto naquele grupo. Todos os Crocodyliformes atuais protegem seus
ninhos e em algumas espécies foi demonstrado um cuidado parental que dura vários
anos. Os recém-nascidos de Crocodyliformes começam a vocalizar antes mesmo de
saírem do ovo, sinalizando para a mãe que estão eclodindo, estimulando-a a cavar para
facilitar sua eclosão. Depois de eclodidos, os filhotes são levados pela mãe para o corpo
de água mais próximo utilizando a boca para tal. Os filhotes de algumas espécies
vocalizam também quando estão em perigo utilizando sons estridentes que atraem
rapidamente a mãe para próximo. Outros estudos estão demonstrando que a gama de
comportamentos empregados pelos Crocodyliformes pode rivalizar com os das aves em
complexidade em muitos pontos e que estes foram subestimados por muito tempo.

Bem como os Lepidosauria, os Crocodyliformes são animais ectotérmicos,


mas que de maneira geral conseguem manter relativamente constante sua
temperatura com base em mecanismos comportamentais e fisiológicos. O coração dos
Crocodyliformes apresenta quatro câmaras (figura 36). O arco aórtico direito abre-se a
partir do ventrículo esquerdo e recebe sangue oxigenado. O arco aórtico esquerdo e a
artéria pulmonar abrem-se a partir do ventrículo direito. O fluxo de sangue é controlado
pela maior resistência em fluir no circuito sistêmico em contraste com a menor pressão
em fluir no sistema pulmonar, sendo que dependendo das atividades do animal, as
pressões em cada lado se alteram, permitindo um ajuste fino do direcionamento do
sangue. Quando o animal está em repouso, a pressão nos dois ventrículos é
basicamente a mesma. Nessa situação, o sangue desoxigenado flui do ventrículo
direito para o arco aórtico esquerdo e em seguida para a região posterior e vísceras. É
interessante notar que o arco aórtico direito fornece o sangue para a cabeça, assim
esta região, incluindo o cérebro, recebe sangue oxigenado em todos os momentos.
FIGURA 36 - ESQUEMA DO CORAÇÃO DE

UM CROCODILIFORME EM ATIVIDADE

135

Note a passagem de sangue oxigenado pelo forame de Panizza invadindo o arco aórtico
esquerdo e fechando a válvula ventricular, que impede a entrada de sangue não oxigenado por
este arco.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


Um padrão diferente de circulação ocorre quando o animal está em atividade.
Neste caso, a pressão do ventrículo esquerdo aumenta em relação ao direito. Uma
conexão entre os aórticos direito e esquerdo denominado forame de Panizza tem
papel importante na regulação neste outro padrão de circulação. Quando a pressão do
arco aórtico direito excede a do arco aórtico esquerdo há o fluxo do sangue oxigenado,
através do forame de Panizza, para o arco aórtico esquerdo. A pressão que se instala
ali mantém a válvula ventricular fechada, impedindo que o sangue desoxigenado flua
pelo arco aórtico esquerdo.
136
Um terceiro tipo de circulação ocorre nestes animais quando estão em
mergulho. A pressão dos vasos do circuito pulmonar aumenta e uma grande
quantidade de sangue não oxigenado flui através do arco aórtico esquerdo.

12.3 PTEROSAURIA

Dentro da linhagem dos Archosauria, o voo batido surgiu independentemente


em dois grupos. Um desses grupos são as aves e o outro são os pterossauros. Este
grupo é encontrado somente no registro fóssil desde o Triássico até o Cretáceo e
variavam de formas diminutas, próximos aos menores pássaros viventes, até formas
muito grandes com a envergadura de mais de dez metros.

As asas dos pterossauros possuem morfologia radicalmente diferente das asas


das aves. Neste grupo, a maior parte do membro é suportada pelo quarto dedo da mão,
que é extremamente alongado, e que suportava uma membrana de pele que se prendia
à lateral do corpo. Não existe consenso entre os estudiosos do grupo, mas alguns
acreditam que esta membrana também se prendia à lateral dos membros posteriores,
que existiria uma segunda membrana entre os membros posteriores e, ainda, uma
terceira membrana entre os membros anteriores e o pescoço.

Apesar das asas formarem a mais evidente adaptação ao voo, em todo o


esqueleto dos pterossauros é possível reconhecer adaptações a este tipo de
locomoção (figura 37). O voo é um meio de locomoção energeticamente dispendioso,
sendo que o ambiente apresenta limitações que restringem a morfologia dos animais
voadores. Assim, os pterossauros apresentam muitas convergências morfológicas
com as aves. Os ossos dos pterossauros eram ocos, bem como nas aves esta
morfologia permite uma redução do peso do corpo; todavia, com perda reduzida de
resistência. O esterno, ao qual se prendem os músculos utilizados no batimento das
asas, embora não apresentem a quilha como nas aves, é bem desenvolvido. Os olhos
igualmente, e fósseis com moldes internos da cavidade encefálica apontam que a
região responsável pela visão assim também o era, enquanto a região relacionada ao
olfato bem reduzida. E, ainda, o cerebelo, responsável pelo equilíbrio, era muito
desenvolvido, como nas aves.

137

FIGURA 37 - MORFOLOGIA GERAL E TAMANHO DOS PTEROSSAUROS

(a) Vista lateral geral de Pteranodon; (b) vértebra cervical em vista lateral; (c) vértebras dorsais
fundidas (notário); (d) vértebras sacrais fundidas (sinsacro); (e) esterno em vista ventral; (f)
proporções entre Quetzalcoaltlus, Pteranodon, Pterodactylus e um homem.

FONTE: Modificado de Benton (2006).


Durante as irradiações do grupo, alguns pterossauros perderam os dentes e
desenvolveram bicos semelhantes aos das aves. Outros pterossauros, entretanto,
apresentavam uma série de dentes cônicos e uma cabeça arredondada que se
assemelhava à dos morcegos. Algumas espécies apresentavam mandíbulas
alongadas e dentes robustos que ao que tudo indica seriam utilizados para capturar
pequenos peixes e possivelmente outros vertebrados. Alguns pterossauros possuíam
morfologia craniana tão diferenciada (figura 38) que se acredita que apresentavam
138
alimentação também especializada. O Pterodaustro (item “e” da figura 38), por
exemplo, tinha um focinho desenvolvido e curvo que, juntamente com uma série de
dentes finos e bem desenvolvidos, parecia um pente. Crê-se que este animal
permanecia em corpos aquosos rasos e que utilizava aparato de dentição para filtrar
pequenos organismos, bem como algumas baleias o fazem.

FIGURA 38 - DIVERSIDADE CRANIANA DOS PTEROSSAUROS

(a) Dimorphodon, (b) Rhamphorhynchus, (c) Pterodactylus, (d) Ctenochasma, (e) Pterodaustro,
(f) Ornithocheirus, (g) Dsungaripterus, (h) Pteranodon.

FONTE: Modificado de Wellnhofer (1978).


A ideia inicial sobre a capacidade de voo destes animais sugeria que eram
voadores ineficientes, e tal premissa levou a se pensar que apresentavam restrições
ecológicas relacionadas a isto. Todavia, estudos recentes apontam que tal premissa
pode não ser verdadeira e estudos da aerodinâmica dos pterossauros apontam
diferentes capacidades voadoras para as diversas morfologias encontradas nas
espécies do grupo. Os pterossauros de pequeno porte eram provavelmente voadores
lentos, porém manejáveis como os morcegos. Já os pterossauros de grande porte
139
eram planadores especializados como as fragatas e alguns abutres.

As especulações sobre a ecologia dos diferentes grupos estão baseadas


principalmente nos formatos das asas assumidas para os pterossauros. Como
apontado anteriormente, vários estudiosos possuem diferentes opiniões sobre a
extensão das membranas das asas deste grupo. Sendo que as diversas extensões
possíveis apresentam reflexos no modo de locomoção terrestre do animal. Duas
teorias são apontadas: uma é que estes animais apresentavam locomoção
quadrúpede quando em terra e outra hipótese seria que possuíam locomoção bípede
quando em terra. Diferentes fósseis apontam para diferentes lados nestas hipóteses e
este assunto ainda está em aberto nas discussões acadêmicas.

12.4 DINOSSAURIA

Levando em conta os fósseis, os dinossauros provavelmente compõem o


grupo mais conhecido dos Archosauria. Por 150 milhões de anos, do Triássico
Superior até o final do Cretáceo, os dinossauros dominaram os ecossistemas
terrestres. Eles são inquestionavelmente os mais bem sucedidos répteis e rivalizam
com os mamíferos quando são comparados em relação à diversidade estrutural e
distribuição. Nesse grupo estão incluídos os maiores animais terrestres que já
existiram e também animais que devem ter se igualado aos mamíferos em relação às
taxas metabólicas e tamanho do cérebro.

Este grupo está dividido em duas linhagens que apresentam adaptações


diferenciadas: os Saurischia e os Ornitischia (figura 39). O ancestral comum destas
duas origens era um animal bípede, mas em ambas as linhagens o quadrupedalismo
se desenvolveu independentemente. Os estudos dos dinossauros durante muitos anos
estiveram concentrados em fósseis da América do Norte e Europa, no entanto, uma
série de fósseis da América do Sul tem trazido várias informações sobre o grupo,
principalmente no que concerne a seu surgimento.

Muitas modificações ao longo da evolução do grupo parecem estar


associadas ao aumento da eficiência locomotora. Umas delas foi a rotação dos
membros para a região inferior do corpo, outra foi a evolução do pipedalismo. A
condição plesiomórfica da posição dos membros dos arcossauros seria a lateral, muito
semelhante à disposição dos membros dos lagartos e salamandras atuais. O úmero e
140
fêmur eram mantidos horizontalmente ao lado do corpo de modo que o joelho e o
cotovelo mantinham-se em ângulo reto.

O bipedalismo foi importante na abertura de novas possibilidades nas zonas


adaptativas aos dinossauros. Animais quadrúpedes utilizam os quatro membros para a
locomoção e as mudanças adaptativas que ocorram ali estão atreladas a esta função.
Todavia, à medida que os animais tornam-se progressivamente bípedes, a importância
dos membros anteriores para a locomoção diminui e as possibilidades da evolução de
funções especializadas aumentam. Os membros anteriores dos pequenos dinossauros
carnívoros eram provavelmente utilizados para a captura de presas. Outra
especialização que ocorreu nos membros anteriores dos dinossauros foi a modificação
destes em asas, como vemos nas aves atualmente.
FIGURA 39 - CLADOGRAMA APRESENTANDO AS RELAÇÕES ENTRE OS
GRUPOS DE DINOSSAUROS

141

Note a separação inicial entre Ornithischia e Saurischia.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

As diferenças mais claras entre as duas grandes linhagens de dinossauros


estão relacionadas à posição do ísquio (um dos ossos da pelve). Os ornitísquios
possuem este nome derivado do grego ornithos = ave e iskion = pelve, ou seja, “pelve
como das aves”, onde o púbis é direcionado posteriormente, enquanto que os
saurísquios (do grego sauros = lagarto) são denominados “pelve como dos lagartos”
em que o púbis é direcionado anteriormente. Todavia, é necessário frisar que apesar
do nome as aves são componentes do grupo dos Saurischia.

12.5 DINOSSAUROS ORNITHISCHIA


142

Os Ornithischia eram dinossauros herbívoros e se diversificaram em um grande


número de formas com morfologias consideravelmente diferentes (figura 40). Ao que
tudo indica, todos possuíam na região mais anterior da boca um bico córneo e não
tinham dentes. Os maiores ornitísquios nunca alcançaram o tamanho dos maiores
representantes dos saurísquios, entretanto, alguns chegaram a dez metros de
comprimento e pesaram cerca de dez toneladas. Os ornitísquios são, por sua vez,
divididos em três principais linhagens: Thyreophora, Ornithopoda e Marginocephalia.

Os Thyreophora são dinossauros encouraçados que incluem como


representantes mais populares o Stegosaurus e o Ankilosaurus. O primeiro, como
todos os parentes próximos, era quadrúpede e apresentava os membros anteriores
muito mais curtos que os posteriores. Estas espécies possuíam uma série dupla de
placas que se alternavam nos lados direito e esquerdo da coluna vertebral e ainda
possuíam na cauda, pares de espinhos desenvolvidos. Diferentes espécies
apresentavam distintos números de placas e de espinhos, sendo que algumas
continham espinhos na região dorsal do corpo, ao invés de somente na cauda, como o
Stegosaurus. Este grupo é encontrado em rochas do Jurássico e Cretáceo, e alguns
podiam alcançar o comprimento de seis metros. Os crânios destes animais eram
surpreendentemente pequenos em relação ao corpo e os dentes pouco modificados,
que juntamente com a anatomia da articulação mandibular não indicam a habilidade
de triturar e macerar os vegetais ingeridos.
FIGURA 40 - DIVERSIDADE DE ORNITHISCHIA

143

(a) Esqueleto de Stegosaurus em vista lateral; (b) esqueleto de Polacanthus em vista lateral;

(c) esqueleto de Edmontosaurus em vista lateral; (d) crânio de Edmontosaurus em vista dorsal;

(e) esqueleto de Stegoceras em vista lateral; (f) esqueleto de Centrosaurus em vista lateral.

FONTE: Modificado de Benton (2006).

O Ankilosaurus e os parentes formam um grupo de animais fortemente


encouraçados encontrados em rochas do Jurássico e cretáceo da América do Norte e
Eurásia. Estes animais possuíam grande variação de tamanho com animais de dois
metros até algumas espécies que podiam alcançar mais de seis metros de comprimento.
Eram quadrúpedes com membros curtos e corpo robusto. Este grupo apresentava
osteodermos (ossos embutidos na pele) que eram fundidos entre si na cabeça,
mandíbula, pescoço, tronco, membros e cauda de modo que formavam grandes escudos
que os protegia de predadores. A cauda curta destes animais possuía expansões ósseas
distais formando uma protuberância que poderia ter sido utilizada como arma de defesa.
Algumas espécies possuíam ainda espinhos nas regiões laterais dos membros e do corpo
que reforçava ainda mais sua armadura óssea.

Os Ornithopoda são conhecidos inicialmente por formas pequenas do


Jurássico inferior com representantes de alguns animais bípedes que alcançavam de
um a três metros de comprimento. Já os Ornithopoda são incluídos no grupo dos
144
Hadrosauria, que são conhecidos como dinossauros bico de pato. Este grupo surgiu
no registro fóssil no final do Cretáceo e, como seu nome sugere, algumas formas
apresentavam bicos achatados assemelhando-se a bicos de patos. Eram animais
grandes, podendo alcançar mais de dez metros de comprimento e com uma dentição
especializada. Uma bateria dentária ocupava a região posterior das maxilas e
mandíbulas formando um conjunto de dentes compactos que trituravam os vegetais.
Uma característica deste grupo é a presença, em algumas espécies, de cristas que
possuíam diferentes formas e tamanhos e que, em certas espécies, podiam alcançar
mais de 1,50 metro de comprimento. Algumas destas cristas possuíam uma série de
conexões com as vias nasais e provavelmente estavam relacionadas com
vocalizações destes animais.

Os Marginocephalia compõem duas linhagens de herbívoros altamente


diferenciados. Os Pachycephalosauria são animais com o pós-crânio com o padrão
bípede semelhante ao dos Ornithopoda, entretanto, o crânio apresentava uma cúpula
óssea característica. Esta cúpula podia alcançar proporções enormes. Em um crânio de
apenas 60 centímetros de comprimento a espessura do osso chegava a mais de 25
centímetros. Este teto craniano espessado juntamente com morfologia do côndilo
occipital, bem como das vértebras, indicam que o crânio poderia ser alinhado
horizontalmente com a coluna vertebral. Assim, especula-se que estes crânios poderiam
ser usados em batalhas, como alguns bovinos o fazem atualmente.

Os demais Marginocephalia são incluídos no grupo dos Ceratopsia, mais


diverso que os Pachycephalosauria, e ocupavam áreas da América do Norte e Ásia.
Os mais antigos Ceratopsia são os Psittacosauria da Ásia, que possuíam um bico,
mas sem expansões na cabeça. Os demais Ceratopsia tinham expansões na cabeça
com o formato de escudo. Os Ceratopsia mais derivados apresentavam ainda cornos
em diferentes números e de diferentes tamanhos. Um dos mais famosos dinossauros,
o triceratops, é incluído neste grupo.
12.6 DINOSSAUROS SAURISCHIA

Dentre os Saurischia, duas linhagens principais são identificáveis:


Sauropodomorpha e Theropoda. Os extintos Sauropodomorpha eram principalmente
herbívoros quadrúpedes enquanto que os Theropoda (incluindo as aves) são bípedes e
primariamente carnívoros. O caráter mais facilmente definido para os Saurischia é a 145
presença de um pescoço em formato de “S”. Entretanto, diversos outros caracteres –
principalmente da mão e crânio – definem este grupo como monofilético.

12.7 SAUROPODOMORPHA

Os Sauropodomorpha apresentam uma radiação mais antiga denominada de


Prosauropoda. Estes animais são encontrados desde o Triássico Superior até o
Jurássico Inferior. Diferentes análises apontam que estão agrupados sob este nome
como um grupo parafilético, enquanto outras sustentam que são do grupo
monofilético. Estas espécies variavam de animais de pequeno porte, como o
Anchisaurus, que atingiriam apenas 2,50 metros até animais de maior porte, como
Riojasaurus, que poderiam chegar a mais de 10 metros. De acordo com os estudos da
anatomia deste grupo, todos seriam herbívoros. Outra evidência é a presença de
gastrólitos associados a alguns fósseis deste grupo. Gastrólitos são pequenas pedras
que alguns animais engolem para facilitar a maceração do alimento. Atualmente, as
aves utilizam este mecanismo engolindo pedriscos que com o auxilio da moela
musculosa facilitam a maceração do alimento ingerido.

Os prossauropodos mais antigos eram animais pequenos e bípedes; os mais


recentes eram de maior porte e possuíam os membros posteriores robustos e capazes
de mantê-los numa postura bípede. Todavia, os estudos indicam que estes animais
provavelmente mantinham-se na maior parte do tempo sobre os quatro membros,
sendo bípedes facultativos.

Os Sauropodomorpha mais derivados são agrupados em Sauropoda (figura


41). Este grupo do Jurássico e Cretáceo eram herbívoros enormes. A maior parte dos
fósseis é de materiais fragmentários e esqueletos relativamente completos são
conhecidos para poucos gêneros dos mais de 90 descritos. Os sauropodes foram os
maiores vertebrados terrestres que já existiram. Os maiores poderiam alcançar mais
de 30 metros de comprimento e pesar mais de 100 mil quilos (cem toneladas, o peso
aproximado de 20 elefantes africanos!).

FIGURA 41 - DIVERSIDADE DE SAUROPODA.

146

(a) Crânio de Shunosaurus em vista lateral; (b) esqueleto de Cetiosaurus em vista lateral;

(c) crânio de Brachiosaurus em vista lateral; (d) esqueleto de Brachiosaurus em vista dorsal.

FONTE: Modificado de Benton (2006).

Os Sauropoda eram dominantes nas paisagens do Jurássico Superior e


Cretáceo Inferior e tiveram sua evolução atrelada à evolução de diversas floras
características (coníferas, ginckgoáceas, samambaias, cicadáceas e cavalinhas).
Posteriormente, no Cretáceo Superior da América do Norte e Ásia, houve uma grande
radiação das angiospermas (plantas com flores) e estes animais ao que parecem
tiveram sua diversidade diminuída ao passo que os Ornithischia avançados tiveram
sua diversidade aumentada, ocupando nichos anteriormente tomados pelos
Sauropoda. Na América do Sul, esta substituição parece não ter ocorrido e uma
recolonização do sul da América do Norte pelos saurópodas do sul ocorreu.

Desde a descoberta dos primeiros fósseis deste grupo, os cientistas


indagaram sobre a capacidade destes animais se manterem em terra e várias vezes
especulou-se que seriam animais aquáticos. No entanto, estudos biomecânicos
apontam fortemente na vida terrestre destes animais, bem como pegadas deste grupo
sugerem terem sido feitas sob ambiente terrestre, incluindo semidesertos e desertos.
147
Seus longos pescoços eram sugeridos como adaptação para a alimentação em copas
de árvores. No entanto, algumas hipóteses indicam que os movimentos do pescoço
eram reduzidos e que estes animais poderiam estender a cabeça horizontal e
verticalmente através de arcos limitados e que a maior vantagem era poder se
alimentar de árvores mais baixas, mas sem precisar se mover, dado o tamanho do
pescoço.

12.8 THEROPODA

Os Theropoda (figura 42) incluem três estereótipos de predadores: de grande


porte, que caçavam presas igualmente de grande porte utilizando as maxilas como
armas (Ceratosauria, Allosauria e Tyranosauria); predadores velozes, que utilizavam
membros para caçar presas pequenas (Ornithomimidae); e predadores pequenos, que
caçavam animais maiores que o próprio corpo utilizando as garras presentes no pé
(Dromeosauria).

Os grandes Theropoda em geral são conhecidos da maioria das pessoas.


Estes animais moram no imaginário popular, devido a peças centrais em filmes de
ficção e museus paleontológicos. O aumento do tamanho corpóreo foi concomitante
com o aumento no corpo do Ornithischia e Sauropodomorpha, de modo que se
acredita ter havido uma coevolução entre presa e predador; alguns destes animais
alcançando até 15 metros de comprimento e seis metros de altura. Os dentes, por sua
vez, podiam alcançar 15 centímetros de comprimento e apresentavam as margens
anterior e posterior serrilhadas. Algumas vezes, dentes pertencentes a animais deste
grupo são encontrados presos a fósseis de dinossauros herbívoros que sobreviveram
depois da mordida, mostrando que poderiam ser caçadores ativos e não carniceiros,
como sugerem alguns cientistas.
FIGURA 42 - DIVERSIDADE DE SAUROPODA

148

(a) Crânio de Shunosaurus em vista lateral, (b) esqueleto de Cetiosaurus em vista lateral, (c)
crânio de Brachiosaurus em vista lateral, (d) esqueleto de Brachiosaurus em vista dorsal.

FONTE: Modificado de Benton (2006).

Os Ornithomimidae assemelhavam-se na forma geral do corpo a avestruzes,


apresentando cabeças pequenas, pescoços alongados e membros posteriores
robustos indicando alta capacidade locomotora. Possuíam as maxilas sem dentes e
cobertas com um bico córneo. Os membros anteriores eram longos e com um dedo
opositor que fazia das mãos destes animais ótimas para a manipulação de objetos, no
caso, presas de pequeno porte.
Os Dromeosauria são terópodes de pequeno porte que incluem as aves.
Estes possuíam constituição leve do corpo. A principal característica é a presença de
garras nos pés que eram utilizadas para caçar presas de grande porte. Algumas vezes
foram encontrados vários esqueletos de animais deste grupo juntos e associados a
esqueletos de dinossauros herbívoros, indicando a presença de grupos de caça, e
possivelmente comportamento gregário.

13 AVES 149

As aves e os mamíferos são os vertebrados que as pessoas estão mais


familiarizadas, porque muitas espécies são grandes, de hábito diurno e colonizaram
quase todos os habitats terrestres. Em muitos dos habitats, o sucesso destes dois
grupos está relacionado à capacidade de gerar calor próprio (endotermia) que permite
serem ativos à noite e a baixas temperaturas. São nestas condições que os
ectotérmicos terrestres possuem maiores dificuldades para termorregular, assim
poucos destes animais ocupam tais nichos.

O voo domina a biologia das aves em geral. A maioria dos caracteres


morfológicos está direta ou indiretamente relacionada à necessidade do voo e muitos
dos aspectos distintos dos seus comportamentos e ecologia derivam da mobilidade
proporcionada por este meio de locomoção (figura 43).

13.1 EVOLUÇÃO DAS AVES

Embora existam muitas evidências da origem dinossauriana das aves, esta


hipótese não pode ser diretamente testada. Os dromeossauros estavam evoluindo de
modo crescente às características que hoje consideramos típicas das aves, sendo que
a similaridade entre as aves e dinossauros foi notada há muito tempo. A ave mais
antiga, Archaeopteryx, foi desde sua descoberta muito famosa pelo momento histórico
em que foi encontrada. O primeiro exemplar composto de partes esqueletais foi
descrito um ano após a publicação de “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, e
parecia representar tipicamente um “elo perdido” entre as aves e dinossauros. Este
fóssil foi utilizado por entusiastas da evolução do momento, como Thomas Henry
Huxley, como evidência desta teoria. Este animal possuía uma cauda óssea longa,
mão com três dedos separados portando garras e mandíbula com dentes, sendo estes
caracteres tipicamente reptilianos, mas também apresentava penas assimétricas,
fúrcula (clavículas fundidas) e asas que são estilos derivados das aves modernas.

FIGURA 43 - OSTEOLOGIA DAS AVES APONTANDO ALGUMAS 150


CARACTERÍSTICAS

Os números indicam os dígitos da mão presente nas aves modernas.

FONTE: Modificado de Benton (2006).


Outras particularidades osteológicas podem ser indicadas como caracteres que
auxiliam no voo, tais como: os ossos em geral ocos e resistentes; os elementos das
mãos e pulsos fortemente reduzidos, formando um sistema único de alavancas que
maximiza a força e suporta as penas, dando o contorno principal das asas; os dígitos
reduzidos e sem garras; os carpais fundidos aos metacarpais; o úmero apresentando
processos bem definidos nas extremidades que possibilitam a inserção dos poderosos
músculos do voo; o esterno com uma quilha bem desenvolvida (para inserção dos
músculos do voo); presença de um sinsacro e pigóstilo (vértebras sacrais fundidas).
Outras características não osteológicas também podem ser reconhecidas como 151
adaptações ao voo: penas assimétricas, intestino curto, bexiga muito reduzida, presença
de sacos aéreos, dentre outras.

Os mecanismos internos de produção de energia e calor das aves também é


um fator decisivo no incremento do voo. O desenvolvimento locomotor, mesmo antes do
voo, que ocorreu nos dinossauros dromeossauros ao que parece foi concomitante com
o surgimento da endotermia. Os predadores ativos realizam metabolismo aeróbico para
sustentar os níveis altos de atividade. O metabolismo anaeróbico que utiliza como
substrato o glicogênio estocado nos músculos pode fornecer combustível para uma
corrida curta e rápida, porém este substrato não é eficiente para manter a atividade, pois
é rapidamente esgotado.

As aves, bem como os corredores de longas distâncias, dependem do


metabolismo aeróbico, cujo combustível provém da glicose e do oxigênio, levado aos
músculos através do sistema circulatório. A glicose vem do fígado e o oxigênio dos
pulmões, podendo manter a atividade por um longo período. Assim, de um modo geral,
tornar-se um predador ativo, exacerbado nas aves que voam, aumentando a
capacidade de executar o metabolismo aeróbico mantendo em sincronia o sistema
circulatório, ventilatório (pulmões) e respiratório (mitocôndrias). As aves são o exemplo
de como todos estes sistemas funcionam permitindo um incremento na produção
energética.

O sistema ventilatório das aves é único (figura 44). Os sacos aéreos ocupam
uma área considerável da região dorsal do corpo, penetrando em alguns ossos,
permitindo que o fluxo nos pulmões das aves seja unidirecional ao invés de bidirecional
como nos pulmões dos mamíferos. Os sacos aéreos são pobremente vascularizados e
as trocas gasosas ocorrem praticamente somente no pulmão parabronquial (homólogo
ao pulmão dos demais amniotas). Durante a inspiração, o volume torácico aumenta,
conduzindo o ar pelos brônquios e sacos aéreos torácicos posteriores e abdominais,
bem como para o pulmão parabronquial. Simultaneamente, o ar do pulmão
parabronquial é conduzido para os sacos clavicular e torácicos mais craniais. Na
expiração, o volume torácico diminui e o ar dos sacos torácicos mais caudais e
abdominais é impelido para o pulmão parabronquial e o ar dos sacos clavicular e
torácicos é expelido pelos brônquios. Deste modo, o ar inspirado só é expirado depois
de dois ciclos de movimentos respiratórios.

FIGURA 44 - ESQUEMA DO CICLO RESPIRATÓRIO DE UMA AVE 152

(1) Pulmão parabronquial; (2) saco aéreo clavicular; (3) saco aéreo torácico cranial; (4) saco
aéreo torácico caudal; (5) saco aéreo abdominal.

Note que o ar inspirado só é expirado no segundo ciclo respiratório.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

14 MAMÍFEROS

Os mamíferos como conhecemos hoje representam os amniotas mais


derivados de uma linhagem que tem origem no Paleozoico Superior, denominada
Synapsida. Esta linhagem inclui, além dos mamíferos, uma série de grupos muitas
vezes chamados de répteis mamaliformes, que compõe sucessivos grupos irmãos dos
mamíferos. A terminologia de répteis mamaliformes é imprecisa e vem sendo
abandonada na literatura científica, isto porque, como observado no cladograma das
inter-relações dos vertebrados (figura 2), os répteis atuais e as aves possuem um
ancestral comum exclusivo que exclui os mamíferos. Em outras palavras, os
mamíferos apresentam-se como uma linhagem separada dos répteis e aves atuais.

Os sinápsidos foram os primeiros amniotas a irradiarem amplamente pelos


ambientes terrestres, sendo integrantes dominantes das faunas terrestres durante
grande parte do Paleozoico e Mesozoico. Neste período a maior parte dos sinápsidos
era de grande porte (pesando mais de cem quilos) e ocupavam vários níveis tróficos,
incluindo consumidores primários até predadores de topo de cadeia. A maioria das
153
linhagens de sinápsidos desapareceu no final do Triássico e as linhagens que
sobreviveram eram compostas por animais de pequeno porte, compreendendo os
mamíferos, que seria a única origem representante dos Synapsida a partir do
Cretáceo.

A diferenciação dos mamíferos viventes em relação aos demais amniotas


viventes é simples, todavia, quando consideramos o registro fóssil das linhagens e
reconhecemos os mamíferos como Synapsida, a caracterização é dificultada. De um
modo geral, os sinapsidos podem ser caracterizados pela presença de apenas a
fenestra temporal superior. Uma série de grupos é definida nas linhagens de
sinápsidos. Boa parte destes grupos não representa grupos monofiléticos. Dentre eles
apontam-se os pelicossauros e os terápsidos. Dentre os pelicossauros, um
representante é amplamente conhecido devido sua morfologia peculiar, o Dimetrodon,
mas na maioria das vezes sem o conhecimento de que se trata de um sinápsido, mais
relacionado aos mamíferos que aos répteis atuais.

Durante a evolução dos Synapsida, houve uma série de modificações que


quando observadas nos mamíferos apontam tendências na evolução do grupo. A
maioria das modificações é marcada como resultantes do incremento do metabolismo
e a passagem da ectotermia para a endotermia, que por sua vez resulta em
modificações ecológicas e comportamentais. As características fisiológicas, ecológicas
e comportamentais não são passíveis de observações em fósseis, no entanto,
características anatômicas podem ser utilizadas para traçar nos fósseis essas
modificações. Tais mapeamentos dos caracteres estão relacionados com a premissa
de que animais com taxas metabólicas elevadas requerem quantidades maiores de
alimento e oxigênio. De modo que adaptações relacionadas ao aumento na eficiência
de obtenção de alimento, bem como de trocas gasosas, podem indicar um incremento
na taxa metabólica.
Das diversas características esqueléticas apontadas como significativas no
incremento da taxa metabólica, podem-se destacar algumas (figura 45).

14.1 CARACTERÍSTICAS ESQUELÉTICAS APONTADAS COMO SIGNIFICATIVAS


NO INCREMENTO DA TAXA METABÓLICA DOS MAMÍFEROS

14.1.1 Tamanho da fossa temporal 154

Um aumento progressivo da fossa temporal superior resulta numa maior


quantidade de fibras musculares inseridas na fossa. Consequentemente, uma maior
quantidade de musculatura relacionada à abertura e fechamento das mandíbulas, que é
inferido como um aumento da capacidade mastigatória e de ingestão de alimento.

14.1.2 Condição do arco temporal inferior

Diferentemente dos demais amniotas, os mamíferos apresentam o arco


temporal inferior ressaltado, formando o arco zigomático. A presença deste arco
promove a inserção de musculatura especializada na mastigação, principalmente o
músculo masseter, indicando também o incremento no processamento e ingestão de
alimentos. Nos Synapsida não mamíferos é possível reconhecer o aumento
progressivo desta estrutura indicando uma pressão seletiva para o aumento nas
habilidades mastigatórias.

14.1.3 Maxila inferior e articulação mandibular

Modificações na articulação mandibular indicam uma relação muito forte entre


a mastigação e audição dos mamíferos. A condição plesiomórfica da mandíbula dos
Synapsidas é a presença da parte portadora de dentes (dentário) ocupando cerca de
metade do comprimento total e o restante do comprimento é feito por outros ossos.
Nos mamíferos, o dentário ocupa toda a mandíbula e os ossos que formam o restante
da mandíbula, os demais amniotas formam os ossículos do ouvido médio (ver sessões
seguintes).
FIGURA 45 - ILUSTRAÇÃO DAS MODIFICAÇÕES OCORRIDAS NO ESQUELETO
DURANTE A EVOLUÇÃO DOS SYNAPSIDA

155

Estas modificações estão indicadas em exemplos de diferentes espécies

em posições distintas na linhagem.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


14.1.4 Dentes

Os dentes dos amniotas não mamíferos (com raras exceções) não


apresentam muitas modificações, sendo que num mesmo animal geralmente todos
possuem mesma morfologia (dentes homodontes). Além disso, a substituição dentária
em geral é polifiodonte, ou seja, os dentes são constantemente renovados. No caso
dos mamíferos, os dentes são muito diversos, tanto nos diferentes grupos, quanto num
mesmo animal, de modo que este aumento na heterodontia reflete uma ênfase no 156
processamento do alimento.

Houve ainda nos mamíferos a perda da capacidade de substituição constante


dos dentes com o desenvolvimento da difiodontia, em que existe somente uma
substituição dos dentes durante a vida de um mamífero. Todas estas adaptações são
inferidas como relacionadas a um incremento na capacidade de ingestão e
processamento do alimento, tanto quando adultos como filhotes.

14.1.5 Desenvolvimento de palato secundário

A presença de um palato secundário permite que o animal respire e se


alimente ao mesmo tempo. Esta estrutura pode ser mapeada no registro fóssil, sendo
encontrada nas diferentes linhagens de sinápsidos a ausência total de tal estrutura,
passando por condições intermediárias até a presença de um extenso palato
secundário presente nos mamíferos.

14.1.6 Perda de forame parietal

O forame pineal é um orifício no teto do crânio que permite que células


fotossensíveis da glândula pineal utilizem sinais do meio externo para a regulação
comportamental do meio interno. Na linhagem dos mamíferos houve a perda de tal
orifício indicando que estes animais não utilizavam informações do meio externo para
regular o meio interno, possivelmente devido a um meio interno estável
(homeotermia).
14.1.7 Posição dos membros

A presença de uma postura ereta, com os membros posicionados na região


inferior do corpo está relacionada a uma maior atividade do animal de forma que esta
maior atividade está diretamente relacionada a um aumento das taxas metabólicas,
diminuindo o conflito entre respiração e locomoção. Os Synapsida não mamíferos
apresentam a postura semelhante a dos répteis, com os membros dispostos na lateral
do corpo, sendo que é observada uma gradual modificação de tal postura durante a 157
evolução desta linhagem até a condição reconhecida nos mamíferos.

14.1.8 Formas das cinturas

Do mesmo modo que os membros, as cinturas dos mamíferos são


modificadas para a postura ereta. Com a rotação dos membros para baixo do corpo
parte da sua sustentação passa a ser feita pelos membros, de modo que na evolução
deste grupo é observada uma diminuição das cinturas resultantes desta redistribuição
das forças exercidas nas cinturas e membros.

14.1.9 Forma do pé

A presença de dedos longos está relacionada a uma função escavadora,


enquanto que dedos curtos a uma postura ereta, utilizando-os como alavancas no
deslocamento da massa do corpo. Na evolução dos mamíferos houve também o
desenvolvimento de uma projeção do calcâneo (osso que forma a região posterior do
pé), que permite também a maximização da força durante a caminhada auxiliada pelo
músculo gastrocnêmico (panturrilha).

14.1.10 Modificações da coluna vertebral

Plesiomorficamente, todas as vértebras apresentam costelas, todavia, nos


mamíferos existe a perda das costelas das vértebras lombares e cervicais. Deste
modo, nos mamíferos estas regiões anatômicas da coluna são facilmente
distinguíveis. A ausência de costelas lombares tem sido relacionada à presença do
diafragma e da possibilidade de flexão dorsoventral da coluna. Ambas as
características estão ligadas a um incremento na locomoção e respiração.

14.1.11 Redução da cauda

A redução da cauda presente nos mamíferos é tida como referida a uma


movimentação dada majoritariamente pelos membros e não mais por ondulações
laterais do corpo, como nos répteis. 158

14.2 PRINCIPAIS PROCESSOS EVOLUTIVOS RELACIONADOS AOS MAMÍFEROS

14.2.1 Evolução das maxilas e ouvido médio

A condição plesiomórfica dos Synapsidas é a mesma encontrada como


plesiomórfica para os amniota, com o dentário ocupando a região anterior da
mandíbula e os demais ossos (ossos pós-dentário) formando o restante da mandíbula,
inclusive a região de articulação com o crânio. A articulação entre a mandíbula e o
crânio era dada pelo articular na mandíbula e pelo quadrado no crânio. Durante a
evolução dos Synapsida foi observada uma tendência no aumento do dentário e a
diminuição dos ossos pós-dentários. A ampliação do dentário é relacionada ao
aumento na musculatura adutora da mandíbula (que se insere no dentário), majorando
a capacidade mastigatória destes animais. Nos Synapsida mais derivados, o dentário
desenvolveu um processo condilar que alcançou o esquamosal no crânio.
Posteriormente, estes dois ossos passaram a formar a nova articulação entre
mandíbula e crânio: a articulação dentário-esquamosal (presente nos mamíferos
atuais). No registro fóssil é possível inclusive observar em algumas espécies a
presença dos dois tipos de articulação.

Com o aumento dentário os demais ossos da mandíbula diminuíram, bem


como a mudança nos ossos que formavam a articulação crânio-mandibular modificou
alguns ossos do crânio. Os ossos presentes nos Synapsidas não mamíferos (bem
como nos demais amniotas) – articular (presente mandíbula), quadrado (presente
crânio) e columela (plesiomorficamente presente no arco ioide) – foram incorporados
ao ouvido médio, sendo homólogos aos ossos martelo, bigorna e estribo,
respectivamente.

Existe na literatura uma imensa quantidade de trabalhos que analisam esta


complexa evolução e as pressões evolutivas envolvidas em tal mudança morfológica.
A hipótese mais aceita atualmente é que estes ossos da mandíbula e do crânio já
fossem relacionados com a audição nos sinapsidos não mamíferos. Todavia, com o
incremento da taxa metabólica ligada à especialização da ingestão de alimentos,
houve o que é chamado de conflito evolutivo, levando também à especialização dos
159
ossos relacionados com a audição.

14.2.2 Evolução da postura ereta

Os primeiros sinapsidos provavelmente locomoviam-se por meio de


ondulações laterais do corpo, como as salamandras e lagartos atuais. Assim, a
musculatura axial possui grande contribuição na locomoção. Todavia, os mesmos
músculos axiais são utilizados nos movimentos respiratórios e, desta maneira, um
lagarto e uma salamandra não respiram enquanto se locomovem. Isto não representa
nenhum problema visto que estes são animais de baixo metabolismo e, ainda, as
corridas de pequenas distâncias são supridas pela respiração anaeróbica (mesmo nos
mamíferos). Nesse caso, acredita-se que houve também um conflito evolutivo entre a
respiração e locomoção na evolução dos Synapsida. Esse conflito foi tratado
evolutivamente com a postura ereta que evoluiu na linhagem.

Com a postura ereta, a propulsão dos animais é dada pela movimentação dos
membros e não mais pela musculatura axial. Auxiliada pela possibilidade de flexão
dorsoventral da coluna vertebral presente nos mamíferos mais derivados e a
existência de um diafragma muscular a locomoção dos mamíferos passa a ser
sinérgica com a respiração, e não mais conflitante como nos Synapsida primitivos.

14.2.3 Evolução do palato secundário e região nasal

Modificações na região nasal e palato secundário são atribuídas como


indicativo de endotermia. A presença dos ossos turbinados é um destes indicativos.
Estes ossos estão presentes nas duas linhagens de endotermos atuais: os mamíferos
e as aves. Estes ossos laminares estão relacionados (entre outras funções) com a
conservação de água e calor durante a ventilação.

As altas taxas de ventilação necessárias para um metabolismo elevado


geram um problema. Os tecidos dos pulmões são muito finos e sujeitos a
ressecamento. Para minimizar a perda de umidade nos pulmões, o ar inalado é
aquecido e umidificado durante a inspiração. Este processo ocorre quando o ar
inalado passa pela superfície da região nasal. Durante expiração, por sua vez, a
umidade do ar é retida pela condensação da água ao passar pelos ossos turbinados.
160
Nesta mesma região existe ainda nos mamíferos a formação do palato
secundário. Este palato secundário é formado por processos laminares de ossos da
região oral que separam as passagens nasais e orais. Deste modo, os mamíferos
conseguem respirar e se alimentar ao mesmo tempo. Tal separação pode ser
essencial para um aumento na capacidade de processamento do alimento.

14.2.4 Lactação

A lactação é provavelmente o processo evolutivo mais difícil de traçar durante a


evolução dos mamíferos. A lactação é dada através de tecidos moles (glândulas
mamárias) que não se preservam nos fósseis, sendo a inferência sobre a evolução de
tal estrutura totalmente indireta. As glândulas mamárias apresentam a morfologia
semelhante às glândulas sebáceas da pele, de modo que se espera que possuem
mesma origem evolutiva. Observando-se a composição do leite dos mamíferos e suas
substâncias antimicrobianas, acredita-se que as glândulas mamárias inicialmente
produzissem uma substância com tais propriedades que auxiliavam a proteção dos ovos
destes animais. Posteriormente, a ingestão dessa substância pode ter sido vantajosa e
pode ter substituído a nutrição do vitelo do ovo auxiliando na evolução da viviparidade
no grupo. Crê-se, ainda, que uma das características mais distinguíveis dos mamíferos,
a presença de músculos da expressão facial, tenha surgido neste contexto, sendo que
inicialmente os músculos da face fossem usados para criar a pressão negativa que o
movimento de sucção necessita.
14.2.5 Evolução do tegumento

O tegumento dos mamíferos é facilmente diferenciado do tegumento dos


demais amniotas. Estes animais apresentam como caracteres únicos a presença de
pelos, glândulas sebáceas lubrificantes e produtoras de óleo e glândulas apócrinas e
sudoríparas que secretam substâncias voláteis, água e íons. Neste tegumento são 161
encontradas também diversas terminações nervosas relacionadas com a percepção
do mundo externo (por exemplo, receptores de temperatura e pressão). Este
tegumento apresenta inúmeras variações quando analisadas diferentes regiões do
corpo de um mesmo animal, ou quando comparadas espécies distintas. Todavia, de
um mesmo modo que outras características mencionadas anteriormente, o surgimento
deste tegumento glandular não pode ser recuperado do registro fóssil. Algumas destas
glândulas especializadas estão relacionadas com o aumento das taxas metabólicas
(por exemplo, glândulas sudoríparas) e surgimento deste tegumento glandular deve ter
sido prematuro na história evolutiva do grupo.

15 ANATOMIA INTERNA E FISIOLOGIA

Os mamíferos possuem inúmeras diferenças na anatomia interna e fisiologia


que os distinguem dos demais amniotas. Várias das características dos mamíferos
apresentam-se como adaptação às altas taxas metabólicas e a endotermia. Algumas
destas características são convergentes com caracteres das aves também
consideradas como adaptações a endotermia. Tanto as aves quanto os mamíferos,
diferentemente dos demais tetrápodes, não apresentam as células de gorduras
(adipócitos) confinadas a corpos gordurosos discretos, mas, sim, espalhadas por todo
o corpo e associadas aos mais variados tecidos. Os mamíferos apresentam ainda um
tecido único e adiposo marrom, que está relacionado com a produção de calor por
quebra de lipídios e glicose. Este tecido está presente nos recém-nascidos dos
mamíferos, bem como em espécies que hibernam.

O coração dos mamíferos difere dos demais amniotas ectotérmicos por


possuir o septo ventricular completo e apenas um arco sistêmico. Esta condição é
convergente com a condição encontrada nas aves, todavia, nas aves o arco sistêmico
mantido é o direito, enquanto que nos mamíferos é o esquerdo. Os glóbulos vermelhos
(eritrócitos) também são diferenciados; neste grupo, quando maduros, estas células
não apresentam núcleo.

Os mamíferos têm especializações no sistema respiratório em que as trocas


gasosas são feitas em ramificações fechadas denominados alvéolos. Este sistema
apresenta ainda o diafragma musculoso que auxilia as costelas, gerando as diferenças
de pressões necessárias para os movimentos ventilatórios. Este diafragma ainda
separa anatomicamente a cavidade pleuroperitoneal em cavidade peritoneal, que
162
envolve as vísceras, e cavidade pelural, que envolve os pulmões.

Sistemas reprodutor e urinário também possuem características únicas nos


mamíferos. Este grupo apresenta uma porção diferenciada dos túbulos renais,
denominada alça henleriana, relacionada à excreção de urina com alta concentração
de sal. Os térios possuem ainda a separação do sistema urinário e reprodutor do
sistema digestório, diferentemente dos demais amniotas, que possuem uma cloaca
onde estes sistemas convergem.

Os sistemas sensoriais dos mamíferos apresentam-se também diferenciados


em relação aos demais amniotas. Este grupo tem o encéfalo proporcionalmente maior
que os demais amniotas e os animais são, em geral, menos dependentes da visão e
mais dependentes da olfação e audição quando comparados aos demais tetrápodes.

16 PRINCIPAIS LINHAGENS DE MAMÍFEROS

A definição de mamíferos apresenta-se como um assunto muito controverso


nos estudos de vertebrados. Como visto anteriormente, boa parte das características
que podemos utilizar para diferenciar um mamífero vivente de qualquer outro amniota
não é preservada no registro fóssil. Assim, diferentes autores consideram o grupo dos
mamíferos em diferentes pontos da evolução. Boa parte desta discussão é, porém,
apenas questão semântica, interferindo pouco no reconhecimento dos mamíferos
atuais.

Levando em conta somente os animais indubitavelmente reconhecidos como


mamíferos, estes são divididos em Allotheria, Prototheria e Theria. O primeiro grupo
trata-se dos multituberculados, que são animais extintos atualmente, mas que
formaram uma grande irradiação, principalmente no Hemisfério Norte, desde o
Jurássico até o Eoceno. Eram animais de pequeno porte e que provavelmente
ocupavam nichos semelhantes aos dos roedores modernos. Já os Prototheria são
compostos pelos monotremados e os Theria englobam os marsupiais e os Eutheria.

16.1 MONOTREMADOS

Os monotremados são facilmente diferenciados dos demais mamíferos atuais 163

pela presença de vários caracteres (alguns plesiomórficos). O mais óbvio é a


reprodução, que é feita pela postura de ovos e não de filhotes, como nos demais
mamíferos.

Outra característica observada é a ausência de mamilos. Tais animais secretam


leite difusamente pela região ventral do corpo, de modo que as crias em geral lambem
toda a região ventral dos pais para obterem porções significativas de leite.

Característica também facilmente observada é a ausência de pavilhões


auditivos externos (orelhas) nos monotremados.

Duas famílias são reconhecidas dentre os animais viventes:


Ornithorhynchidae (ornitorrincos) e família Tachyglossidae (équidnas) (figura 46).

O ornitorrinco é um animal peculiar semiaquático que se alimenta de


invertebrados dos rios do leste australiano. Apresenta um bico característico,
semelhante ao dos patos e os machos um esporão nos membros posteriores que o
torna o único mamífero venenoso.

As équidnas, por sua vez, são animais com o corpo revestido de pelos duros
semelhantes a espinhos e apresentam o focinho afunilado que juntamente com sua
língua desenvolvida se alimentam de cupins e outros pequenos vermes na Austrália e
Nova Guiné.

Todos os monotremados não possuem dentes quando adultos.


FIGURA 46 - MONOTREMADOS VIVENTES

164

(a) Ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus), (b) équidna de focinho curto (Tachyglossus


aculeatus), (c) équidna de focinho longo (Zaglossus bruijni).

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).

16.2 MARSUPIAIS

Os marsupiais, apesar de pouco conhecidos, são muito diversos, apresentam


uma grande variedade de formas corporais e ocupam nichos muito variados,
principalmente na Austrália. Uma divisão fundamental é reconhecida pelos
pesquisadores em relação aos representantes viventes deste grupo: os Ameridelphia,
encontrados no Novo Mundo, e os Australidelphia, localizados principalmente na
Austrália (figura 47).
FIGURA 47 - DIVERSIDADE DE MARSUPIAIS VIVENTES

165

(a) Gambá comum norte-americano (Didelphis virginiana); (b) gambá-musaranho (Lestorus


inca); (c) “monito del monte” (Dromiciops australis); (d) demônio da Tasmânia (Sarcophilus
harrisii);(e) topeira marsupial (Notoryctes typhlops); (f) um bandicot (Macrotis lagotis);

(g) “honey opossum” (Tarsipes rostratus); (h) coala (Phascolarctos cinereus).FONTE:


Modificado de Pough et al. (1996).
Dentre os Ameridelphia, os Didelphimorpha são representados pelos gambás.
Os gambás são formas diversificadas de pequeno a médio portes de animais
arborícolas e semiarborícolas que se alimentam de pequenos animais e alguns
vegetais.

Outros Ameridelphia são os cenolestídeos, que são formas de porte diminuto


semelhante a esquilos. Há ainda um único representante sul-americano típico, o
“monito del monte”, que habita regiões montanhosas do Chile e Argentina. Esse
modelo apresenta o porte de um rato e análises filogenéticas apontam uma afinidade
166
grande com os marsupiais australianos.

Os Australidelphia são incluídos em três grupos principais: diasiurídeos,


peramelídeos e diprotodontios.

Os diasiurídeos são formas carnívoras: os gatos e camundongos marsupiais.


Um dos representantes é o diabo da Tasmânia, outros, porém, são menos conhecidos,
como o lobo da Tasmânia, por exemplo, considerado extinto desde 1930. O tamanduá
e a toupeira marsupial (numbat) podem ser filogenéticamente próximos dos
diasiurídeos.

Outro grupo de Australidelphia são os peramelídeos, que incluem os


bandicots. Estes animais parecem coelhos, todavia, são insetívoros.

A maior diversidade dos marsupiais australiana está incluída no grupo


diprotodontios. São incluídos neste grupo animais arborícolas como os marsupiais
planadores, os ring-tails, os cuscuses, o “honey opossum” (único mamífero não
morcego que se alimenta de néctar), coalas e cangurus arborícolas, além dos
terrestres wombat e os cangurus terrestres. No registro fóssil, porém, este grupo é
ainda mais diverso, incluindo alguns wombats do tamanho de bisões além de
cangurus carnívoros e predadores do porte dos felinos atuais.

16.3 EUTÉRIOS

Os eutérios compõem o grupo de mamíferos mais conhecido e extenso


atualmente (figura 48). Estes animais podem ser agrupados em diferentes linhagens,
no entanto, as inter-relações entre elas ainda permanecem obscuras. Um cladograma
(figura 49) está representado como uma das hipóteses sobre tais inter-relações entre
os mamíferos atuais. Segundo esta hipótese, o grupo de eutérios mais primitivos seria
os edentados (Xenarthra). Este grupo é composto por preguiças, tamanduás e tatus.
Ainda, os pangolins (Pholidota) podem estar relacionados a este grupo.

Uns dos grupos pouco conhecidos de mamíferos são os Insetívora, que inclui
os musaranhos verdadeiros, as toupeiras, os “hedghogs” e os tenrecs. Estes animais
variam muito de tamanho e alguns como os “hedgehogs” apresentam seu corpo
coberto por pelos modificados em espinhos.

Inicialmente pensou-se que os musaranhos arborícolas fossem primatas 167


primitivos. Nas hipóteses mais atuais esses animais são agrupados não só com os
primatas, mas também com os morcegos e dermópteras (lêmures voadores) em um
grupo denominado Archonta. Já os musaranhos-elefante são agrupados no grupo
Glires juntamente com roedores e Lagomorpha (coelhos e afins).

O grupo denominado Ferae inclui os Carnívora atuais (carnívoros). Este


grupo é distinto dos demais por possuir um par de dentes especializados chamado
dentes carniceiros. Não só inclui formas carnívoras como os felinos e canídeos, mas
também os ursos e os pinipédios (focas, leões-marinhos e elefantes-marinhos).

Outro grupo bem conhecido são os Ungulata, popularmente denominados como


mamíferos com cascos. Os ungulados são divididos com base no número de dedos. Os
artiodátilos possuem número par, enquanto que os perissodátilos têm número ímpar.
Dentre os ungulados estão incluídos ainda as baleias e golfinhos (Cetácea). Esses
animais foram compreendidos neste grupo com base no registro fóssil de diversas formas
que apresentam a transição entre um animal terrestre com casco para as formas
aquáticas com os membros modificados em nadadeira (figura 49).

Um último agrupamento reconhecido é o dos penungulados. Este grupo inclui


os hiraces (formas semelhantes a roedores), os sirenios (peixes-boi e manatís) bem
como os proboscídeos (elefantes).
FIGURA 48 - DIVERSIDADE DE EUTÉRIOS VIVENTES

168

(a) Preguiça de dois dedos (choloepus didactylus); (b) tenrec (tenrec ecaudatus); (c)
musaranho elefante ( rhynchocyon chrysopygus); (d) toupeira (heterocephalus glaber); (e)
lêmure voador (cynocephalus volans); (f) hiena (crocuta crocuta); (g) tapir asiático (tapirus
indicus); (h) trágulo (hyemoschus aquaticus); (i) hírace (procavia capensis).

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


FIGURA 49 - CLADOGRAMA INDICANDO UMA DAS PROPOSTAS
FILOGENÉTICAS PARA AS INTER-RELAÇÕES DOS MAMÍFEROS

169

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996)


17 EVOLUÇÃO HUMANA

O homem é apresentado classicamente como uma entidade à parte dos


demais animais. Todavia, somos apenas mais uma espécie de animal e não
possuímos história evolutiva diferenciada destes. A linhagem de primatas que deu
origem aos humanos sempre esteve e está (por mais que esqueçamos isso) sujeita à 170
seleção natural, e as nossas características foram escolhidas por tal força.

Quando analisamos os humanos sob a óptica evolucionista, levando em


conta as diversas inclusibilidades dos grupos (como os demais primatas, mamíferos,
amniotas etc.), vemos que nossas características são modificações (algumas vezes
bem sutis) de caracteres já presentes nos demais animais. Na figura 50 está
representada uma das hipóteses evolutivas para as inter-relações dos primatas e a
posição do homem neste cladograma.

A proximidade do homem aos grandes macacos do velho mundo foi


inicialmente refutada e ridicularizada pelos contemporâneos de Charles Darwin.
Todavia, apesar dos movimentos criacionistas atuais que tentam negar tal afirmação,
o reconhecimento de tal proximidade é senso comum na sociedade atual e fortemente
apoiado pelo conhecimento científico corrente.

Informações sobre a origem do Homo sapiens são obtidas através do registro


fóssil de primatas do Cenozoico, bem como de estudos de anatomia comparada entre
os macacos, grandes macacos e os humanos recentes.

Os primeiros mamíferos semelhantes aos primatas são reconhecidos no


Paleoceno, mas os primeiros primatas verdadeiros são conhecidos do Eoceno.
Possuem o formato geral semelhante ao dos prossímios (lêmures e afins), hábito
arborícola e volume craniano maior proporcionalmente aos demais mamíferos.

Após vários eventos climáticos dramáticos do Eoceno, os primatas


permaneceram confinados a regiões tropicais. No Oligoceno, a grande dicotomia
presente entre os macacos surgiu: os Platyrrhini e os Catarrhyni; os primeiros são os
macacos do novo mundo enquanto os segundos são os macacos do velho mundo
(incluindo o homem).
Dentre os Catarrhyni o homem é incluído juntamente com os gibões,
orangotangos, gorilas e chimpanzés num grupo denominado Hominoidea. Em meio às
características que separam os Hominoidea dos demais Catarrhyni, o aumento do
volume craniano é uma das fundamentais. Os primeiros representantes deste grupo
são encontrados no início do Mioceno, sendo que no final deste período o grupo tinha
irradiado para muitos ambientes da África, Europa e Ásia.

171
FIGURA 50 - CLADOGRAMA INDICANDO UMA DAS PROPOSTAS FILOGENÉTICA
PARA AS INTER-RELAÇÕES DOS PRIMATAS

172

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


Dentre os Hominoidea, o homem é ainda incluído no grupo menos inclusivo
dos homídeos (figura 51), que engloba uma série de espécies fósseis semelhantes ao
homem. Este grupo apresenta uma diversidade de formas no Plioceno e Pleistoceno
em depósitos do Quênia e Etiópia principalmente. Os primeiros representantes deste
grupo são incluídos entre os australopitecíneos e possuíam volume craniano
relativamente pequeno, eram aparentemente bípedes e retinham o hábito arborícola.

O mais antigo representante do gênero Homo é datado de cerca de 2,5 173


milhões de anos e seu aparecimento é concomitante com o advento das primeiras
ferramentas de pedra no leste africano. Este gênero parece ser tipicamente terrestre e
esta característica provavelmente foi importante na evolução das crianças mais frágeis
que prolongavam seu período de crescimento cerebral.

O Homo erectus apresentou distribuição pela África e Europa desde 1,8 milhão
de anos até aproximadamente 30 mil anos. Esta espécie possuía volume craniano
próximo aos menores já encontrados entre os Homo sapiens, fabricava ferramentas e
utilizava o fogo. Todavia, o Homo erectus não foi a única casta extinta de Homo, várias
outras existiram em diversas partes do planeta e a condição de apenas uma espécie
de hominídeo ocupando o planeta só ocorreu há pouco tempo na história.

Os Homo sapiens foram a única espécie sobrevivente de hominídeos e ao que


tudo indica surgiu por volta de 200 mil anos, na África. Datam de 60 mil a 40 mil anos
atrás registros de populações desta espécie, bem estruturadas em diversas regiões do
globo. Estas populações apresentam traços de cultura e de linguagem avançados,
além do uso de ferramentas. Esta habilidade de construir ferramentas elaboradas foi
sendo incrementada com a evolução cultural, e não biológica, dado que todos os
requerimentos para tal provavelmente estavam presente em outros hominídeos, como
os australopitecíneos.
FIGURA 51 - EXEMPLO DE QUATRO HOMINÍDEOS (INCLUINDO O HOMEM)

174

Note o aumento de estatura e volume craniano.

FONTE: Modificado de Pough et al. (1996).


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FIM DO CURSO

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