Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
COLUNA DA ABDF
04/11/2019 08:44
Atualizado em 04/11/2019 às 08:45
Imagem: Pixabay
Por isso, antes de tratar do tema que anima este artigo, vale elencar as principais
críticas dirigidas às atuais propostas de Reforma Tributária: (1) aumento brutal da
1
carga tributária, sobretudo do setor de serviços , com evidente impacto in acionário;
(2) inexistência de números con áveis no embasamento das propostas, impedindo
a simulação de efeitos econômicos e arrecadatórios derivados dos novos tributos
2
tentativos ; (3) restrição das PECs à tributação sobre o consumo, sem trazer
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 1/12
07/11/2019 Municípios e reforma tributária - JOTA Info
3
mudanças na tributação sobre a renda e sobre o patrimônio ; (4) agravamento da
injustiça scal na tributação do consumo, desprezando os princípios da seletividade
e da capacidade contributiva – mandatórios na graduação da imposição tributária
4
sobre despesas essenciais e supér uas ; (5) incapacidade dos modelos-IVA de
5
instrumentalizar a scalização da circulação de bens na economia digital ; (6)
falência da tributação plurifásica (não-cumulativa) diante das fraudes scais
praticadas nas etapas intermediárias da cadeia produtiva (v.g. a “carousel fraud”,
conhecida entre nós como “passeio de notas scais”) e potencial explosão da
sonegação scal com a geração de créditos (dedução do imposto a pagar)
6
decorrente da contratação de serviços (insumos) ; (7) longa transição (de 10 anos)
dos regimes, com a manutenção do atual sistema de tributação sobre o consumo
acrescido de mais um novo (e desconhecido) imposto – quando o país precisa sair
7
imediatamente da crise que ameaça uma geração inteira de brasileiros ; (8)
inexistência de proposta operacional dos novos modelos, não havendo sequer a
apresentação de projeto de lei complementar para regular as inovações
8
constitucionais (141 novos dispositivos!) ; (9) sérias di culdades normativas e
9
semânticas dos textos apresentados nas PECs ; (10) ine ciência do modelo de
Comitê Gestor e de integração de entes federados para a scalização e cobrança de
10
dívidas, como já veri cado na administração do Simples Nacional (v.g. SEFISC) .
Além desses tópicos, por si sós su cientes para silenciar as fanfarras que embalam
o reformismo irresponsável, cumpre analisar duas outras questões com mais
11
detença: (10) a violação do princípio federativo ; e (11) a e ciência tributária dos
municípios na scalização da prestação de serviços, inclusive diante da economia
digital e das novas tecnologias.
É fato que existem municípios que sequer deveriam ostentar a condição de entes
políticos com competência legiferante, pois evidente sua inviabilidade econômico-
13
nanceira , insistindo em se comportar como meras “autarquias territoriais”,
viciadas em repasses nanceiros e em práticas político- siológicas junto aos
14
Poderes Executivos e Legislativos da União e dos Estados . Mas não é desses
“municípios” que aqui se trata. O foco desta análise centra-se nas centenas de
município brasileiros que “carregam o piano” da Federação e atendem a mais de 70%
15
da população brasileira, prestando serviços públicos essenciais à vida nacional .
A ascensão das Províncias na “República” Velha, como o locus político vitorioso das
oligarquias rurais, tisnou a força difusa dos entes locais no quadro nacional.
Fato é que, após a década de oitenta – quando se assistiu à falência endêmica dos
Estados e da própria União – os Municípios assumiram a quase totalidade dos
serviços públicos elementares ao exercício da cidadania no país.
Por outro lado, a partilha e a repartilha das receitas constitucionais e legais sofreu
graves descompassos nos últimos 30 anos, em detrimento do nanciamento das
políticas públicas de competência dos entes locais. Alguns exemplos dessas
distorções: (a) concorrência desleal da União sobre a mesma base tributária
(consumo) mediante a hipertro a do PIS/COFINS; (b) Avanços dos Estados sobre
serviços adicionados a serviços públicos concedidos (v.g. telefonia e energia
elétrica), em detrimento da incidência do ISSQN; (c) manipulação de índices de
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 4/12
07/11/2019 Municípios e reforma tributária - JOTA Info
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 5/12
07/11/2019 Municípios e reforma tributária - JOTA Info
Além das várias soluções normativas, a ABRASF desenvolveu, por meio dos seus
Grupos de Trabalho e da sua Câmara Técnica Permanente, com o concurso de
auditores, técnicos e servidores das Secretarias de Finanças associadas, diversos
critérios e modelos-conceituais para a gestão scal dos impostos municipais,
transferindo para o mercado o desenvolvimento de aplicações aderentes aos
padrões-ABRASF, sem precisar recorrer, por exemplo, ao SERPRO ou a entidades
estatais de tecnologia, em geral lentas e custosas na execução de tais tarefas.
Essa nova era da gestão scal disseminada entre os Municípios, por meio de suas
entidades representativas de caráter técnico, já os permite propor e desenvolver
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 6/12
07/11/2019 Municípios e reforma tributária - JOTA Info
soluções para os desa os atuais da tributação, tais como: (A) a incidência (total ou
parcial) “no destino”, (B) convergência de informações scais entre os entes
22
tributantes nacionais e internacionais; (C) a criação de instrumentos de
scalização dos meios de pagamento; (D) uniformização e uni cação de obrigações
scais em nível nacional.
Para citar alguns exemplos, vale recordar não só o Simples Nacional e as disputas
por índices de participação dos Municípios no FPM e na cota-parte do ICMS, mas as
restrições a repasses por determinação (ilegal) do ente arrecadador ou por novas
exigências legais em relação a endividamento, condições para operações de crédito,
e uma in ndável miríade de condições impostas aos entes destinatários das
parcelas a serem redistribuídas.
Por outro lado, não faz sentido, mesmo num viés puramente econômico de “custos
de transação”, centralizar a arrecadação, scalização e gestão (criando novos
órgãos, duplicando o sistema normativo nacional tributário, etc), quando a
arrecadação e os gastos públicos já devem ser realizados em nível mais próximo
(Município) ao destinatário das políticas públicas (o Cidadão).
Não fosse isso o bastante para demonstrar a ameaça das propostas de Reforma
Tributária à higidez da forma federativa enunciada pela Constituição de 1988,
estudos recentes demonstram o impacto do aumento da carga tributária sobre os
orçamentos municipais, onerando em mais de 15% os gastos orçamentários atuais
23
(algo em torno de R$ 30 bilhões/ano) , uma vez que a prestação de serviços
públicos exige a aquisição serviços outros como insumos ou se realiza por meio da
terceirização das próprias atividades- m.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 7/12
07/11/2019 Municípios e reforma tributária - JOTA Info
Por certo, tal impacto não decorreria apenas da PEC 45/2019 (Deputado Baleia
Rossi) ou da PEC 110/2019 (Senador Roberto Rocha), mas também do famigerado
“IVA-Dual” – que reuniria ICMS e ISSQN sob a titularidade dos Estados. Aliás, a
proposta de um IVA-Dual formulada pelos Estados – veiculada pelo CONSEFAZ –
nada mais é do que um exemplo de deslealdade federativa e de incompetência na
gestão tributária estadual.
A nal, ao invés dos Estados consertarem o seu imposto próprio (ICMS), desfazendo
as barbaridades criadas pelo CONFAZ ou à sua revelia – sobretudo a política de
incentivos scais -, preferem assaltar os municípios, tungando-lhes o seu principal
imposto. Esta iniciativa arrosta o equilíbrio entre responsabilidades (de gastos) e de
capacidades (de arrecadação) federativas, e afronta, sobretudo, a autonomia política
dos municípios no plano das competências constitucionais.
O Brasil precisa urgentemente de uma Reforma Fiscal, muito antes de que qualquer
Reforma Tributária, sobretudo quando as propostas se restringem à uni cação de
incidências e ao agravamento da tributação do consumo.
Por m, é curioso ver que, apesar das recentes convulsões havidas em diversos
países – inclusive no Brasil, em 2013 – por força do simples aumento de centavos
em tarifas de serviços públicos – não se perceba o “potencial explosivo” das
propostas de Reforma Tributária atuais, que atingem o bolso dos cidadãos e,
sobretudo, os orçamentos dos entes federados que lhes prestam os principais
serviços públicos diários, fragilizando receitas e encarecendo as despesas dos
Municípios brasileiros.
——————————————–
2 Cf. ABRASF
http://www.abrasf.org.br/arquivos/ les/NT_CONJUNTA_DOC_ABRASF_ARACAJU.
pdf Nota Técnica Conjunta com a Secretaria de Fazenda de Aracajú/SE: “Os
principais projetos em discussão no Congresso Nacional, propõe a uni cação de
tributos das três esferas da Federação (União, Estados e Municípios), sem que sejam
realizados estudos mais aprofundados e simulações dos efeitos das mudanças para
os contribuintes e para o setor público”. Vide também o artigo de Everardo Maciel,
“Um Elefante na Loja de Louças”, publicado em
https://www.institutomillenium.org.br/artigos/um-elefante-em-loja-de-loucas/: “A
PEC n.º 45, de 2019, autodesignada “reforma tributária”, é um exemplo eloquente de
diagnóstico mal formulado e tratamento inadequado”.
3 Vide a entrevista da Ministra Regina Helena Costa ao Jota, sob o título “Nenhuma
proposta de reforma se preocupa com Justiça tributária”, publicada em 23/08/2019.
4 Cf. ROCHA, Sérgio André. “Justiça é um dos pilares da reforma tributária ideal”.
Publicado no CONJUR, https://www.conjur. com.br/2019-jul-18/sergio-rocha-justica-
entre-pilares-reforma-tributaria-ideal, visitado em 12/10/2019. Vide também a
entrevista das Professoras Betina Grupenmacher e Tathiane Piscitelli no UOL
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 9/12
07/11/2019 Municípios e reforma tributária - JOTA Info
Notícias. Projeto eleva imposto em pão, carne e leite e promete pagar pobre depois.
Publicado em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/10/12/cesta-
basica-desoneracao-reforma-tributaria-bene cios-restituicao.htm?cmpid=copiaecola
7 “A PBR [Proposta Balei Rossi], infelizmente, faz pior: cria uma nova categoria,
mundialmente inédita, de tributo: o tributo “zumbi”, aquele que, embora morto, persiste
meio vivo, assombrando o contribuinte. Não é só um zumbi. Serão cinco. Enquanto
eles não morrerem, dois novos impostos, no entanto, já terão entrado em vigor, com
suas leis e regulamentos especí cos. Esta é a receita certa para uma escalada nunca
antes experimentada na balbúrdia tributária.” Cf. CASTRO, Paulo Rabello. REFORMA
TRIBUTÁRIA NA VISÃO ECONÔMICA: PROPOSTA BALEIA ROSSI. Publicado em:
https://www.atlantico.org.br/wp-content/uploads/2019/07/ Reforma-
tribut%C3%A1ria-Vis%C3%A3o-econ%C3%B4mica.pdf
9 Cf. Com o alerta contido no artigo “Onerar mais não é o caminho” subscrito por
Everardo Maciel, Hamilton Dias de Souza, Humberto Ávila, Ives Gandra da Silva
Martins, Kiyoshi Harada, Roque Antonio Carrazza.
10 Vide artigo aqui no Jota: “Vilão das Finanças Nacionais – Simples Nacional vem
se tornando o maior buraco das nanças públicas do país”, publicado em
27/09/2017. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/vilao-das- nancas-
nacionais-27092017
Tributação, (org.) DERZI, Misabel Abreu Machado; BATISTA Jr., Onofre Alves;
MOREIRA, André Mendes. Belo Horizonte, 2015, p. 55-96.
15 Hoje, mais de 35% dos gastos com Saúde no Brasil são realizados pelos
Municípios, apesar de contarem apenas com 22,5% da receita pública disponível
total (conforme Relatório de Acompanhamento Fiscal de Julho de 2018, produzido
pela Instituição Fiscal Independente – do Senado Federal).
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 11/12
07/11/2019 Municípios e reforma tributária - JOTA Info
23 ABRASF
http://www.abrasf.org.br/arquivos/ les/NT_CONJUNTA_DOC_ABRASF_ARACAJU.
pdf Nota Técnica Conjunta com a Secretaria de Fazenda de Aracajú/SE:
RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA – Diretor da ABDF, Procurador do Município do Rio de Janeiro e
Assessor Jurídico da ABRASF.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abdf/municipios-e-reforma-tributaria-04112019 12/12