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Provavelmente você, ainda que seja um leitor assíduo, nunca ouviu falar de Rafael

Abalos, o que é um erro que deve procurar corrigir imediatamente! O autor de uma obra – a
que resenharei aqui – que chegou a ser comparada com a opus magnum (O Nome da Rosa) do
grande mestre da semiologia, Umberto Eco, não deve ser ignorado, tampouco esquecido.
Advogado e discente, Abalos deu forma a esse seu terceiro romance após uma viagem e longas
conversas com amigos que também revelavam paixão inconteste pelo medievo e suas
fantásticas histórias e mitos. Grimpow e o Caminho Invisível (também chamado de Grimpow, o
Eleito dos Templários em algumas edições) é um romance que se erige sob os mistérios e
lendas fascinantes da alquimia e da Ordem do Templo. Não um romance qualquer, eu já aviso.

Grimpow é uma criança (ou adolescente?) proscrita que vive à companhia de seu
amigo salteador Dúrlib e que, durante uma caçada para conseguir alimento, encontra o corpo
morto de um ginete estirado sobre a neve. Antes de evanescer diante dos olhos assustados
dos dois amigos como brumas diante do nascer do sol, o cavaleiro morto deixa para aqueles
que o encontraram uma pedra fantástica, um selo, uma adaga, moedas de ouro e uma carta
cifrada. Este é o mote para as aventuras e tragédias que Grimpow enfrentará para desvendar a
enigmática mensagem, para entender a magia por trás da chave dos mistérios que é a pedra
que agora carrega no peito e para encontrar o Caminho Invisível e o segredo dos sábios. Para
isso, encontrará e contará com grandes e fiéis aliados durante todo o caminho, bem como
terríveis e execráveis inimigos que farão de tudo para conseguir a pedra e usurpar todos os
tesouros e segredos ocultos pelos templários.

Embora o protagonista seja apenas um menino, a trama está completamente incólume


à ingenuidade e sutilezas que se esperaria. Se você torcer o volume de páginas se deparará
com muito sangue derramado. Grimpow vê coisas que faria com que qualquer
criança/adolescente – e mesmo um adulto – de nossa asséptica realidade entrasse num
profundo TEPT, mas que não o debilitam ao ponto de fazer com que abandone a missão que o
adotara. Com um assombroso poder dedutivo, Grimpow fica ainda mais arguto após tomar
posse da pedra, a qual parece “iluminar” sua inteligência. Outros personagens fazem com que
você se apaixone completamente pela trama, como Dúrlib, o “tutor” proscrito que inicia as
aventuras com Grimpow; os monges da Abadia de Brínkdum, cada qual com uma importância
fundamental para o desdobramento da história e avançar da missão do garoto; Salietti de
Estaglia, cavaleiro que se propõe a seguir Grimpow em sua jornada e que guarda um passado
que se liga muito ao presente do menino; Búlvar de Góztell, inquisidor sanguinário que faz o
escarcéu para conseguir o segredo dos sábios a mando do Papa, que se alia ao Barão
Figüeltach de Vokko e ao Rei da França; Weienell, mulher de fascinante beleza, filha de um dos
sábios e importante aliada às traduções simbólicas que Grimpow tem de fazer nos
“finalmentes” do enredo, dentre muitos outros personagens que a auxiliam no complexo
enviesado da obra.

Assim como Em Nome da Rosa, de Umberto Eco, Grimpow conta com um vasto
repertório semiótico que ajuda a construir os enigmas e códigos que perpassam toda a
história, desde os textos criptografados, passando pelos puzzles que os heróis encontram pela
frente, aos símbolos que norteiam o caminho invisível e a sociedade secreta dos sábios, a
Ouroboros. Todo ponto decisivo da história é cerceado por quebra-cabeças linguísticos e
lógicos inteligentes e muito bem arquitetados. Você se vê na obrigatoriedade de ajudar os
protagonistas a encontrarem a solução de cada um dos desafios que são propostos para o
avanço do grupo e do enredo.

Não bastasse a bela estruturação criada por Rafael Abalos para dar fluidez ao saboroso
fado do nosso herói, Grimpow e o Caminho Invisível goza de uma maravilhosa coleção de
figuras de linguagem que o fazem parecer uma verdadeira odisseia poética. Um texto banhado
no ouro das metáforas. Apesar de lembrar a narrativa dos contos de cavalaria, a obra possui a
dinâmica de romances modernos. Chega a ser romântico, mas de forma alguma pode ser
considerado pedante ou melífluo demais. Ao contrário da maioria dos épicos que temos visto
serem lançados atualmente, Grimpow abre mão da receita dragão/trono/guerra/amoricos
para nos fazer refletir sobre a importância do conhecimento e do perigo da religiosidade cega.
Tanto que, muitas das vezes, o protagonismo se transfere do personagem para o tema ou a
trama.

Não é mais um livro sobre cavaleiros, donzelas, dragões e a noção mística de magia,
mas um elogio à magia que é deter o conhecimento. A tradução de Luís Carlos Cabral é
fabulosa, conseguindo manter a beleza e os signos presentes na versão original, em espanhol.
Eu li a primeira edição, pela Ediouro, cuja capa é a mais bonita na minha opinião. É bem
provável que você, que sofre da Síndrome de Westeros, não se interessará muito por um
romance menos afortunado, midiaticamente falando. Garanto, porém, que ler Grimpow te
trará uma nova luz acerca deste tipo de literatura.

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