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JOHN KIRK
1
Elsa Fennan
Fountain Café
Caro Smiley.
É imprescindível que almocemos juntos amanhã no Compleat
Angler, em Marlow. Por favor, faça o possível para estar lá à uma
hora. Tenho umas coisas para lhe contar.
Do seu
SAMUEL FENNAN
Chá e simpatia
A história de Scarr
E o que se seguiu?
Nada, a menos que...
Sim, aquela era a única conclusão possível: a menos que quem os
viu juntos tenha reconhecido não somente Fennan, mas Smiley
também e se tenha oposto violentamente àquela associação.
Por quê? De que modo Smiley era perigoso? Seus olhos
repentinamente se escancararam. Naturalmente... de um modo, de
um único modo — como funcionário da segurança.
Largou o lápis.
E assim, quem matou Sam Fennan queria por todos os meios
evitar que ele falasse a um funcionário da segurança. Alguém do
Foreign Office, talvez. Mas, para todos os efeitos, alguém que
também conhecia Smiley. Alguém que Fennan conhecera em Oxford,
conhecera quando comunista, alguém que temia alguma delação,
que julgava que Fennan ia falar, que já tivesse falado, talvez? E se já
tivesse falado, então, é claro, Smiley teria de morrer, e morrer logo,
antes que pudesse encaminhar seu relatório.
Isso explicaria o assassinato de Fennan e o assalto a Smiley. Tinha
certa razão de ser, mas não muita. Ele construíra um castelo de
cartas muito alto, mas ainda tinha cartas na mão. E o que dizer de
Elsa, de suas mentiras, de sua cumplicidade, de seus temores? E que
dizer do carro e do telefonema das 8h30? E da carta anônima? Se o
criminoso estava assustado com o encontro de Smiley e Fennan, não
ia então chamar a atenção sobre Fennan, denunciando-o. Quem
então? Quem?
Recostou-se e fechou os olhos. A cabeça latejava de novo. Talvez
Peter Guillam pudesse ajudar. Era a única esperança. A cabeça
rodava. Doía terrivelmente.
9
História da virgem
Sonho em liquidação
O grupo de Dresden
Smiley pôs esta de lado e virou-se para a outra carta. Apenas por
um instante não reconheceu a letra; por um momento contemplou
atarantado o selo suíço e o dispendioso papel de correspondência do
hotel. De súbito sentiu-se ligeiramente tonto, sua vista se toldou e
quase não teve força suficiente nos dedos para abrir o envelope. O
que ela queria? Se era dinheiro, podia ter tudo o que ele possuía. O
dinheiro era dele, para gastar no que quisesse; se lhe dava prazer
esbanjá-lo com Ann, ele o faria. Não tinha mais nada para lhe dar...
ela já levara tudo muito antes. Levara a coragem, o amor, a
compaixão, metera-os lepidamente em sua caixinha de joias para
acariciá-los numa ou noutra tarde em que o tempo custasse a passar
sob o sol cubano, para talvez acenar com eles diante dos olhos de seu
mais novo amante, para compará-los mesmo com idênticos
berloques que outros antes ou desde então lhe tinham trazido.
O último ato
Ecos da neblina
Caro conselheiro
“Caro Peter.
Junto a este uma nota sobre o caso Fennan. Só tenho essa cópia.
Por favor, entregue-a a Maston depois que a tiver lido. Pensei que seria
útil registrar os acontecimentos — mesmo que eles não tenham
ocorrido.
Do
GEORGE
O CASO FENNAN
Na segunda-feira 2 de janeiro entrevistei Samuel Arthur Fennan,
funcionário de categoria ão Foreign Office, a fim de elucidar certas
alegações formuladas contra ele numa carta anônima. A entrevista
foi combinada de acordo com o processo costumeiro, isto é, com a
anuência do FO Não sabíamos de nada desfavorável a Fennan além
de ter sido simpatizante do comunismo quando estudava em Oxford
na década de 30, ao que pouca importância era atribuída. A
entrevista foi portanto, em certo sentido, mero trabalho de rotina.
A sala de Fennan no Foreign Office foi considerada imprópria e
concordamos em continuar nossa conversa em St. James’ Park,
beneficiando-nos do bom tempo reinante.
Posterior mente transpirou a notícia de que fôramos
reconhecidos e observados em nossa conversa por um agente ão
Serviço de Informações da Alemanha Oriental, que havia cooperado
comigo durante a guerra. Não é certo se ele havia colocado Fennan
sob alguma forma de vigilância ou se sua presença no parque foi
pura coincidência.
Na noite de 3 de janeiro a polícia de Surrey informou que Fennan
se tinha suicidado. Uma carta do suicida, datilografada e com a
assinatura de Fennan, dizia que ele fora vítima das autoridades de
segurança.
No curso das investigações, porém, os seguintes fatos se
evidenciaram, sugerindo ter havido trapaça:
A Sra. Fennan, que tinha ido ao teatro na noite em. que seu
marido morreu, foi convidada a explicar o telefonema das 8h30 e
alegou falsamente tê-lo solicitado ela própria. O centro foi categórico
ao dizer que tal não era o caso. A Sra. Fennan afirmou que seu
marido tinha estado nervoso e deprimido desde a entrevista com o
representante do serviço de segurança, o que corroboram o
testemunho da carta deixada pelo morto.
Na tarde de 4 de janeiro, tendo visitado a Sra. Fennan na parte da
manhã, voltei para minha casa em Kensington. Tendo num relance
avistado alguém à janela, toquei a campainha da porta da frente. A
porta foi aberta por um homem que desde então foi identificado
como membro do Serviço de Informações da Alemanha Oriental.
Convidou-me a entrar na casa, mas declinei do oferecimento e voltei
ao meu carro, anotando ao mesmo tempo os números de carros
estacionados na vizinhança.
Naquela noite fui a uma pequena garagem em Ba ersea a fim de
averiguar a origem de um desses carros, o qual estava registrado no
nome do proprietário da garagem. Fui atacado por um agressor
desconhecido que me deixou inconsciente. Três semanas depois o
proprietário da garagem, Adam Scarr, foi encontrado morto no
Tâmisa, perto da Ponte Ba ersea. Ele estava bêbado no momento em
que se afogou. Não havia sinais de violência e o homem era tido
como beberrão inveterado.
Cumpre assinalar que Scarr vinha nos últimos quatro anos pondo
um carro à disposição de um estrangeiro anônimo e recebendo em
troca generosas recompensas. Os acordos entre os dois visavam a
esconder a identidade do estranho até mesmo do próprio Scarr, que
só conhecia seu cliente pelo apelido de “Blondie” e com quem só
podia se comunicar pelo telefone. O número do telefone é
importante: era o da Missão do Aço da Alemanha Oriental.
Enquanto isso, o álibi da Sra. Fennan para a noite do crime fora
submetido a investigações, tendo vindo à luz informações valiosas: