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Moscas e abelhas...

Texto: Acedriana Sandi – Retirado da revista Atividades e Experiências – Ano 8 – Nº 2 – junho 2007

Aprendemos muito com os nossos professores. Para além dos conteúdos conceituais, tive
a oportunidade de aprender com o Professor Fialho, um grande mestre da Universidade
Federal de Santa Catarina, que algumas pessoas parecem ser “abelhas”, pois qualquer
que seja a situação enxergam o “néctar”. Outros, dizia meu professor, ao contrário, optam
por ser “moscas”: em tudo, vêem excremento. Essa idéia me ajuda, diariamente, na
empreitada que travo comigo mesma, de aperfeiçoamento da qualidade de ser pessoa.
Não são poucos os momentos em que questiono se minha postura é de “mosca” ou de
“abelha” diante desta ou daquela situação.

Mas, em que a analogia do “jeito mosca ou abelha de ser” pode nos ajudar a entender
melhor uns aos outros?

Dificilmente uma situação é totalmente ruim ou totalmente boa. Para ilustrar essa
afirmativa, pensemos em um lindo jardim. Todos os movimentos de uma mosca nesse
jardim são para encontrar os dejetos ali presentes, enquanto os da abelha são para
buscar néctares. Nossos movimentos de busca, muitas vezes, definem aquilo que vamos
encontrar... Se estivermos imbuídos da “postura de abelha”, teremos inúmeras
possibilidades de produzir o “deleite” e com ele construir coisas boas. Mas, se optarmos
por uma “postura de mosca” – além do potencial veiculador de mais de uma centena de
organismos patogênicos, como vírus, bactérias, protozoários – encontraremos, sem
dúvida, as mazelas existentes em todas as escolhas que fazemos, em todas as
produções que concebemos, em todas as relações humanas de que participamos.
Sempre haverá possibilidade de encontrarmos os dois elementos!

Ampliando ainda mais esta reflexão, sabemos que as abelhas produzem o mel que serve
de alimento durante o período do inverno; no entanto, ao produzirem o seu próprio
alimento, elas geram vida em abundância, pois da polinização depende a perpetuação de
muitas espécies de plantas e de outras formas de vida. Percebe-se, então, que não é
apenas um fazer que se limita à extensão, mas também a intensidade do acontecimento.

As “moscas” também geram a vida, mas o fazem depositando bactérias em comidas ou


suas larvas em frutos que em seguida apodrecem. O curioso é que esses dois insetos
habitam no mesmo espaço e, no entanto, olham para as possibilidades de formas muito
diferentes.

Estendendo a analogia à docência, podemos nos perguntar se somos mais “abelhas” ou


mais “moscas”. É evidente que ao fazer analogia com animais devemos ponderar o fato
de que eles são programados geneticamente e, nós humanos, somos dependentes da
aprendizagem. Os animais já nascem preparados, como se a obra já viesse pronta. Eles
são o que são ao nascer. O ser humano, ao contrário, além da carga genética, é
dependente da mediação, pois ao nascer já encontra um mundo preexistente, o que
acaba por ser uma vantagem, uma vez que pode usar esses conhecimentos construídos
por gerações, para evoluir como espécie, sem que tenha que começar do nada.

Mesmo tendo consciência dessas diferenças, vale a pena investir um pouco mais na
metáfora da vida de inseto. Ela pode nos ajudar a problematizar uma perspectiva de
aprendizagem mais condizente com esse tempo que vivemos e outro que há de vir, em
que as nossas crianças serão desafiadas a interagir em ambientes complexos, marcados
pela diversidade e em constante mudança. Sendo assim, possivelmente tenha mais
chance de favorecer uma verdadeira aprendizagem o educador que fecunda do que
aquele que deposita. As abelhas e as moscas não têm opção... Mas nós a temos!

As nossas escolhas geram possibilidades de vida por meio dos nossos olhares, dos
nossos gestos, das nossas palavras, dos nossos saberes... Vida que cria, vida que
inventa, vida que duvida, vida que pergunta... A nossa inteligência não deve nos deixar
escolher o outro tipo de vida: a copiada, a treinada, a reproduzida. Simplesmente uma
vida que já nasce morta ou talvez, mais triste do que isso, uma vida que nunca conhecerá
suas potencialidades de criar o novo, de olhar para os velhos problemas e ver neles
velhas soluções. A “postura de abelha” traz consigo, portanto, a possibilidade intrínseca
da docência, que é a de fecundar as pessoas para que elas possam, por meio de uma
gestão única e intransferível, deixar nascer todo o seu potencial.

Sob essa ótica é que fundamos o papel da expectativa do professor em relação ao


desenvolvimento das potencialidades dos seus alunos. Ouso dizer que existe uma relação
direta entre a expectativa do professor e o desempenho do aluno. Quando encontramos
um professor que acredita que somos capazes e com ele temos um vínculo positivo,
botamos em movimento para não decepcioná-lo. O que é capaz de aquecer os nossos
corações é capaz de nos mobilizar, rumo à superação das nossas dificuldades, com
vistas a ampliar nossos saberes. São os professores com “postura de abelha” que fazem
a diferença, pois ajudam a encontrar o melhor de nós e acreditam, piamente, que
podemos nos superar a cada dia.

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