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DE ENGENHARIA FLORESTAL
E-mail: cn_abeef@yahoo.com.br
www.abeef.wordpress.com
´´CAPITALISMO VERDE``
(CADERNO DE TEXTOS)
2011
´´A escassez e a mercantilização da natureza podem ser descritas como um processo.
Primeiramente busca-se criar um clima de escassez, que pode ser da água, dos alimentos, de ar limpo, de
minérios, de florestas. Esse clima tem um discurso ideológico por trás, pois não é uma falta em absoluto e
sim uma falta em relação às próprias necessidades criadas pelo sistema capitalista. Cria-se assim, a
necessidade de consumo e a consequente necessidade de aumento da produção. A idéia de que certo
recurso é escasso leva as pessoas a desejarem mais esse recurso, levando a um aumento de sua demanda e
consumo, gerando um alerta para a conservação, motivado pelo medo de ficar sem certo recurso que é
direito de todos. Na busca da conservação dos recursos, justificado pela idéia da escassez, determina-se
um preço, ou seja, um valor para a riqueza natural, para que ela não se esgote e com isso seja
teoricamente limitado o seu consumo (mesmo que a produção continue aumentando para acompanhar a
demanda crescente). Essa noção de escassez que busca criar um consenso de que a escassez é um
problema de falta de recurso e não de desigualdade na produção e distribuição, cria o discurso de que a
escassez é de todos e exige o sacrifício de todos (normalmente de uma classe em detrimento da outra) e
que o “mercado” é capaz de resolver os problemas, propondo soluções como, por exemplo, a privatização
das fontes de água potável pela Nestlé e pela Coca-cola. Junto a essa noção de escassez podemos destacar
os chamados desastres ambientais, onde mais uma vez é gerado um mercado em torno de questões
ambientais, como é o caso do lixo, da poluição das águas e do ar, desmatamento e aquecimento global,
todos como consequências do modelo capitalista adotado no mundo. A ABEEF entende que a crise
ambiental não é uma crise por si só, ela é consequência do nosso modelo de consumo que é fundamentado
no sistema produtivo. Ou seja, é uma crise da sociedade
capitalista, portanto deve ser discutido juntamente com as formas de organização da sociedade e do
trabalho.`` deliberação, riquezas naturais do 41 CBEEF
Em julho, o MMA publicou quatro editais para recebimento de propostas de cinco das nove linhas
identificadas para aplicação de recursos não reembolsáveis. Setenta projetos, com custo total de mais de R$
52 milhões, disputaram os R$ 16 milhões disponíveis. A reunião ordinária do Comitê, no final de agosto,
tinha como pauta principal a avaliação de critérios e procedimentos para decidir a aplicação não
reembolsável. Entretanto, nada foi resolvido, pois não foi disponibilizado a tempo um conjunto de
informações que permitiriam que os integrantes do Comitê tomassem decisões. Nova reunião extraordinária
havia sido marcada para o final de setembro deste ano.
Muitas incertezas
De que servirá um fundo que aplica algumas centenas de milhões de reais em projetos meritórios e
úteis, se bilhões de reais continuarem a fluir para iniciativas que nada têm de sustentáveis e nenhuma
relação com a economia de baixo carbono? Será que o Fundo Clima pode se tornar uma referência de
critérios e procedimentos de investimentos públicos, inclusive em iniciativas de cunho empresarial, de tal
modo que tantos outros fundos, recursos orçamentários e instrumentos financeiros, nos três níveis de
governo, sejam mais consistentes com as necessidades de lidar com medidas de mitigação e de adaptação às
mudanças do clima? Será que o próprio BNDES, além do Banco do Brasil, bancos regionais e os fundos
constitucionais deixarão de investir em atividades e empreendimentos que, no curto, médio e longo prazo,
não são consistentes com um país de baixa intensidade de produção de gases de efeito estufa?
O Fundo Clima, instrumento importante da Política Nacional de Mudança de Clima, começou a
funcionar. O desafio é ter condições de fazer a diferença, instigando especialmente o poder público e o setor
privado na efetiva alocação de recursos - financeiros, orçamentários e especiais - em iniciativas que
contribuam para a transição para uma sociedade fundada em uma economia ambientalmente sustentável,
socialmente justa e com baixa emissão de gases de efeito estufa.
Rubens Harry Born é coordenador executivo adjunto do Vitae Civilis e representante de ONGs no
Comitê Gestor do Fundo – born@vitaecivilis.org.br
Raposa no galinheiro
Winnie Overbeek*
Para garantir a continuidade de emissões de três empresas nos EUA, organização brasileira
prejudica severamente o “bem viver” de comunidades tradicionais. Em 1999, anos antes do lançamento do
mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), um dos primeiros projetos
de carbono em áreas de floresta no mundo já havia iniciado. Trata-se de um projeto da ONG brasileira
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), em parceria com a ONG
estadunidense TNC (The Nature Conservancy). O projeto está sendo desenvolvido no litoral do estado do
Paraná, na região Sul do Brasil, mais especificamente, nos municípios de Antonina e Guaraqueçaba.
Com recursos de três empresas americanas, a General Motors, a American Eletric Power e a
Chevron, a SPVS adquiriu áreas que, juntas, abrangem 18,6 mil hectares. Com atividades de preservação e
restauração de áreas degradadas, a entidade afirma já ter removido 860 mil toneladas de carbono da
atmosfera1. Na lógica dos projetos REDD, os créditos advindos do carbono seriam aproveitados pelas três
empresas dos Estados Unidos, que financiam a SPVS, para compensar uma parcela das suas emissões de
poluentes. No entanto, não foram encontradas muitas informações no site da SPVS, nem no site das
empresas, sobre os valores repassados por essas empresas à SPVS. As comunidades locais visitadas
tampouco têm informação a respeito, o que já mostra uma falta de informação e transparência nesse
aspecto. O site da SPVS2 divulga que, segundo o Serviço Florestal Brasileiro, o projeto está na categoria de
“ações de REDD que têm gerado bons resultados”. No entanto, o projeto em causado um impacto
devastador sobre as comunidades locais residentes em torno das reservas da SPVS.
Um histórico de “bem viver”
Desde o processo de colonização da região, o litoral paranaense tem sido habitado por comunidades
chamadas de ‘caiçaras’3, além de comunidades indígenas e quilombolas. As comunidades se caracterizam
por serem agricultoras e extrativistas. Historicamente, elas convivem de modo respeitoso com a mata, onde
produzem seus alimentos de subsistência pelo sistema de pousio (descanso), com destaque para a produção
da farinha de mandioca. Tiram da Mata Atlântica o palmito para se alimentar, cipó para fazer artesanato e
madeira para a construção de moradias, cercas e canoas para a pesca. Praticam a caça e a pesca para a
alimentação de suas famílias.
Portanto, percebe-se que essas comunidades dependem totalmente da floresta, com a qual
construíram uma convivência harmoniosa. Prova disso é o fato de que essa região situa-se entre as mais
preservadas do bioma Mata Atlântica, o mais devastado do País. As comunidades nunca se preocuparam em
registrar ou cercar as terras onde moram, já que consideravam esse território como uma área de uso comum,
de usufruto de todos. As terras são, na sua maioria, devolutas e sobre as quais as famílias sempre tiveram
suas posses, repassadas de geração em geração. Trabalhavam no território, às vezes de forma individual,
por família, e às vezes coletivamente, nas roças itinerantes.
Chegada dos fazendeiros = grilagem
A primeira grande mudança na região ocorreu a partir dos anos de 1960, com a chegada de
madeireiras e, sobretudo, de fazendeiros. Estes começaram a registrar e se apropriar das terras, muitas vezes
utilizando-se da grilagem (prática comum nas áreas rurais no Brasil). Em consequência disso, as famílias
das comunidades foram ameaçadas e, muitas, expulsas de suas áreas. Os fazendeiros usavam ‘jagunços’ e
até mesmo búfalos para invadir e tomar as propriedades dos pequenos agricultores. A utilização da criação
de búfalos nessa região, em vez do gado bovino, deve-se ao fato de este ser um animal mais rústico e,
portanto, mais adequado para conviver com o ambiente local nas áreas desmatadas, constantemente
alagadas e, em geral, de difícil acesso e locomoção.
Chegada da SPVS = promessas não cumpridas
No final dos anos de 1990, a SPVS chegou à região e começou a comprar grandes áreas dos
fazendeiros. Ela também conseguiu comprar algumas áreas de posseiros, sobretudo daqueles que se
sentiram mais pressionadospela ação dessa organização. Segundo os moradores, inicialmente, a SPVS
empregou 47 pessoas da comunidade, pagando pouco mais de um salário mínimo. Três dos funcionários
eram mulheres com salários ainda menores que os dos homens. A SPVS prometeu que os empregos
durariam cerca de 40 anos, o mesmo tempo de existência previsto para o projeto. A maioria dos
funcionários foi empregada como guarda florestal. Além do emprego, a SPVS prometeu melhorias na renda
e na vida das famílias.
Impactos sobre a comunidade
No entanto, a chegada da SPVS constituiu um verdadeiro golpe para as comunidades. Foi a partir da
compra das terras pela SPVS que as comunidades nessas áreas e no entorno começaram a perder o acesso à
floresta abundante na região e aos rios - ou seja, começaram a perder liberdade, autonomia, o direito de ir e
vir e de exercer o seu modo de vida. Perderam até mesmo o direito de cortar árvores nativas de suas
próprias propriedades, como foi o caso de um morador que plantou, para sua sobrevivência, uma área com
palmito-juçara, uma árvore nativa. Hoje, ele não pode mais cortar essas árvores, mesmo que elas estejam
em sua própria terra.
Para amedrontar as comunidades, a SPVS começou, junto com a polícia ambiental do estado do
Paraná, chamada de Força Verde, a perseguir as comunidades. Essa violência continua até hoje, pois a
Força Verde invade até mesmo as casas das pessoas, sem que possua a devida autorização para isso. Um
morador de uma das comunidades conta que: “Queriam fazer parceria com nós ali. Nós até aceitemos de
fazer uma parceria (...) mas aí, de repente, eles começaram a mandar as guardas também. Passou mais ou
menos uns três dias aí, começaram a mandar os guardas lá em casa. Entravam dentro da casa dizendo que
tinha coisas escondido ali, tanta coisa errada. E se tivesse fechada a porta, entrava para dentro. Batiam na
porta, eles falaram que era ordem de juiz, não estavam nem ligando, mas entravam assim mesmo. (...) a
Força Verde entrava ali, isso várias vezes, não era uma nem duas vezes, muitas vezes. (...) Nossa casa ali, se
tiver algum tipo de arma aí, que prendesse tudo, levasse (...). Não podia ter um facão que eles queriam
levar, queriam tudo. (...) Não apresentavam nada, só chegavam e estavam dentro de casa lá. Nessa hora, não
estava em casa quando eles chegaram, com revólver em punho. Meu cunhado estava deitado na cama, a
porta estava encostada assim, meu pai estava lá fora. Eles entraram para dentro, empurraram a porta,
bateram até na porta até sair a trancazinha da porta. Ainda o meu cunhado estava meio adoentado com gripe
e dor de cabeça. Já levou o revólver em punho, meu cunhado disse: “O que é isso rapaz, estou adoentado
aqui, você entra desse jeito aí”. (...) É dessa maneira que eles chegaram várias vezes em casa. E a parceria?
Desse jeito não adianta parceria; parceria para te incomodar. Então, não adianta, melhor suspender. E eles
queriam enganar muita gente desse jeito.” Uma outra moradora conta que o marido foi algemado em casa
pela Força Verde, que disse que era o “serviço” deles. Em outra ocasião, quando ele cortou uma árvore para
fazer uma canoa, ficou preso por 11 dias. Para sair, teve que pagar fiança. Hoje vivem com dificuldades e
medo: se ficar em casa, não tem como sobreviver. Mas se o marido sai para conseguir algum trabalho fora,
a esposa e as crianças ficam numa situação de medo e insegurança, o que mostra também que os impactos
da perseguição e do projeto da SPVS afetam as mulheres e as famílias como um todo.
Hoje, muitas famílias vivem traumatizadas e a situação é de tamanha gravidade que várias acabaram
desistindo de continuar vivendo no local onde moravam há gerações. Famílias que produziam e vendiam
farinha, atualmente, compram tudo para comer, inclusive a farinha. Com isso, mudou a qualidade da
alimentação - um dos motivos pelos quais a saúde das pessoas não é mais a mesma, segundo relatos dos
moradores. Hoje, parte da população local tem hipertensão arterial, estresse, entre outros problemas de
saúde. Além disso, como há um esvaziamento das comunidades, a classe média de Curitiba tem comprado
casas e áreas na região para passar seus finais de semana e feriados.
As promessas de melhoria das condições de vida e geração de renda resultaram em algumas
iniciativas, que foram se esvaziando ao longo dos anos. Um trabalho de organização de um grupo de
mulheres em torno do propósito de gerar renda através de corte-costura funcionou algum tempo, mas hoje
está parado, segundo os depoimentos de várias mulheres das comunidades. E a promessa de emprego por
parte da SPVS tampouco foi cumprida. Exempregados das comunidades contam que a grande maioria foi
demitida, restando apenas sete funcionárias. Apenas um trabalho de produção de mel parece ter dado certo,
porém não envolve diretamente as comunidades mais impactadas.
Árdua luta pela própria terra
No entanto, as comunidades ainda resistem à pressão da SPVS, que só pode ter como objetivo a
expulsão de todas elas. Uma delas organizou-se de forma especial. No início da década passada, em uma
das localidades no município de Antonina, um fazendeiro queria vender sua área para SPVS, o que poderia
levar à expulsão de todas as famílias que viviam no local. Elas se organizaram e com o apoio do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizaram, em 2003, uma ocupação. Atualmente,
há 20 famílias no local lutando pela oficialização do acampamento, que tem o nome do ambientalista José
Lutzenberger, para que seja um assentamento da reforma agrária.
Ao longo da luta árdua dessa comunidade contra as pressões do fazendeiro, da SPVS e de órgãos
ambientais, foram denunciados crimes ambientais cometidos pelo próprio fazendeiro, como o desvio de um
rio e o uso indiscriminado de agrotóxicos, os quais não receberam atenção dos órgãos ambientais. Por outro
lado, a comunidade realizou pequenos trabalhos de reflorestamento e, a partir da opção pela agroecologia,
escolheu a proposta de trabalhar coletivamente através do sistema agroflorestal, como proposta principal
para futuramente gerar renda para as famílias. Além disso, cada uma das famílias terá sua área individual
para sua subsistência básica. A área do acampamento faz limite com a área da SPVS mas, segundo os
moradores, as áreas de florestas sob controle das comunidades estão em melhores condições, se comparadas
com as áreas da SPVS.
Futuro ameaçado
Perto de uma das comunidades encontra-se uma casa no meio da floresta onde a SPVS faz pesquisas
das espécies da Mata Atlântica, graças à parceria com o banco privado HSBC, através da Parceria de Clima
da HSBC (HSBC climate partnership, no original, em inglês). Segundo o site da HSBC, trata-se de um
‘programa ambiental inovador’ para ‘dar continuidade à preservação do planeta’.4
Enquanto isso, o futuro das comunidades está extremamente ameaçado se a proposta de preservação das
áreas florestais da SPVS, que conta com todo o apoio do aparelho estatal, principalmente da área ambiental
e da área policial, continuar dominando na região.
É absolutamente urgente que parem o abuso e a perseguição das comunidades. O que ocorre nessa
região, conforme testemunham os moradores, são violações graves dos direitos humanos, inclusive sociais,
culturais e ambientais. Uma moradora conta que: “Sim, a gente sempre manteve a floresta. Só que, às
vezes, a gente precisa derrubar alguma coisa também, às vezes a gente precisa construir uma casa, precisa
tirar uma madeira. No caso, não pode e, aí, fica difícil. (...) Antes a gente fazia para plantar roça onde hoje
você não pode mais. Quando a SPVS entrou, acabou tudo. Onde meu pai morava, hoje não pode mais.
Antes não comprava feijão, não comprava milho, muitas verduras plantava, que podia desmatar um pouco,
não mata alta, mais baixa, ele roçava, plantava, ele colhia a maioria das coisas da terra. E hoje não pode
plantar, tudo tem que comprar. (...) Antes, a gente não via enfermidade. Hoje, a maioria vive até doente,
muitos. (...) Eles falaram, prometeram, que iam ajudar meu pai mas, até hoje, a gente nunca viu nenhuma
ajuda, sempre piorou porque, no caso, eles falaram que iam ajudar e depois veio a Força Verde e ainda
queriam levar meu pai preso. Essa é a ajuda deles.”
Para “atacar” o aquecimento global, é urgente também que as empresas estrangeiras envolvidas no
projeto da SPVS comecem imediatamente a reduzir suas emissões de carbono, em vez de compensar
emissões por meio de compra de créditos de carbono vindos de uma área onde o povo é castigado por algo
que deveria ser motivo de respeito: sua prática de conservação da floresta.
Winnie Overbeek é coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM,
sigla em inglês) e membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Multilaterais, pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde - winnie@wrm.org.ur
Soberania dos Povos contra a Economia Verde
Luiz Zarref
Breve análise política da movimentação do capital
A atual crise estrutural do capital está produzindo impactos profundos nas economias
centrais (EUA, Europa e Japão). Entretanto, essa crise não inviabilizará o sistema capitalista, que
vem reconfigurando seus mecanismos de acumulação. Um dos eixos dessa reconfiguração é o
espraiamento desse capital para as economias periféricas emergentes, com foco principalmente nos
países conhecidos como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Grandes projetos de estruturação
dessa capital nesses países estão em curso, e definiram também as formas que a acumulação
capitalista se dará nos outros países periféricos.
Os antigos mecanismos de industrialização, exploração da mais valia urbana e avanço do
agronegócio estarão no centro dessa expansão do capital nesses países. Entretanto, há um elemento
comum à esses países que não será descartado pelo capital: as áreas naturais e territórios dos povos
do campo. Toda nossa leitura sobre a Rio +20 e as últimas disputadas nas convenções de
diversidade biológica (CDB) e mudanças climáticas (UNFCCC) está baseada na tese de que o
capital está se organizando para se apropriar desses territórios e transformar a natureza em uma
série de mercadorias.
No Brasil, por exemplo, temos cerca de 220 milhões de hectares em Unidades de
Conservação e Terras Indígenas. Somando-se ai as áreas das comunidades tradicionais,
quilombolas e camponesas, que possuem expressivas áreas conservadas de natureza, chegamos a
cerca mais de ¼ de todo o território nacional onde o capital ainda não possui mecanismos de
acumulação. Essa realidade se repete na imensa maioria dos países do Sul e da Ásia, o que se
apresenta como um potencial flanco de expansão do capital em crise.
As convenções da ONU e seu atrelamento ao projeto político do Capital
As convenções ambientais jamais chegaram a consensos consistentes. Entretanto, a Rio 92
possibilitou alguns importantes avanços, colocando a questão ambiental no âmbito da relação
sociedade-Estado. Definiu-se questões importantes como o Princípio da Precaução e a criação das
três convenções que ocorrem até os dias atuais: Desertificação, Diversidade Biológica (CDB) e
Mudanças Climáticas (UNFCCC). Todas as três deveriam criar uma governança global sobre o
meio ambiente.
Convenção das Mudanças Climáticas
A principal pauta desta convenção foi a definição, por parte dos países, de metas de redução
de emissões de gases efeito estufa (GEE). Apesar da pressão dos movimentos e de várias
organizações, os instrumentos para essa redução foram propositalmente vagos e com um
progressivo atrelamento ao mercado. A partir do Protocolo de Quioto (1997) criou-se mecanismos
importantes para a entrada do mercado neste espaço, como os Mecanismos de Desenvolvimento
Limpo e o Sequestro de Carbono.
Apesar do fracasso dessas falsas soluções, o interesse do capital se consolidou cada vez mais
nas convenções seguintes. Nas duas últimas convenções (Copenhagen e Cancun) o que se viu
foram o império das propostas do capital e a derrota de toda a agenda popular, que estava
sintetizada na proposta boliviana dos direitos da Mãe-Terra.
Dentre os principais instrumentos do capital para transformar as mudanças climáticas em
maior acumulação estão o investimento massivo em novas fontes de energia (sem debater para
onde vai a energia que já produzida), o desenvolvimento de espécies transgênicas resistentes às
alterações do clima e a criação de um fundo internacional para o clima, atrelado ao Banco Mundial.
Entretanto, o principal instrumento que vem sendo trabalhado é a Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação (REDD). Esse mecanismo quer transformar as florestas em áreas de
compensação das poluições de outros países, pagando valores por toneladas de carbono que
supostamente seriam “seqüestradas” pelas florestas. Além disto, esse mecanismo possibilitará a
apropriação dos territórios dos povos da floresta e do campo, uma vez que as empresas que
pagarem pelo REDD estão tentando garantir domínio sobre essas áreas.
Convenção da Diversidade Biológica
Essa convenção historicamente foi um espaço voltado às pautas da sociedade. Importantes
regulações e proibições a tecnologias transgênicas (como o Terminator e Árvores transgênicas)
foram conquistadas na CDB. Entretanto, nos últimos quatro anos ocorreu um forte atrelamento da
CDB às empresas, que teve seu ponto mais forte na última convenção, ano passado, em Nagoya,
Japão.
A pedido do G7, um economista da diretoria de mercados futuros do Deutsche Bank
defendeu um estudo chamado The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB) – A
Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade. De forma resumida, esse instrumento transforma em
mercadoria toda a natureza, desde a beleza cênica até a polinização das abelhas. Esse foi o principal
debate da CDB de Nagoya.
Rio +20: a tese capitalista sobre a natureza dos povos
Portanto, há uma clara intencionalidade na Rio +20, conferencia que vai celebrar os 20 anos
da Rio 92 e terá um mandato acima da UNFCCC e da CDB. A proposta é unir os caminhos
trilhados em cada uma das convenções paralelas e lançar para o mundo a síntese das falsas
soluções: a economia verde. O objetivo é trocar o Estado pelo Mercado na mediação sobre os bens
comuns e os territórios.
O último documento apresentado pelo PNUMA para a Rio +20 chega a ser escandaloso.
Considera que “o caminho do desenvolvimento deve manter, aprimorar e, quando possível,
reconstruir capital natural como um bem econômico crítico”. E vai além: Uma economia verde,
com o passar do tempo, cresce mais rapidamente do que a economia marrom, enquanto mantém e
restabelece o capital natural (...). Um cenário de investimento verde de 2% do PIB mundial
proporciona um crescimento a longo prazo, entre 2011-2050. Ou seja, além de defender que a tal
economia verde deve servir para a continuidade da acumulação capitalista, defende que 98% do
PIB continue atrelado ao tradicional sistema de acumualação capitalista que vem levando nosso
planeta ao colapso.
Por último, o atrelamento da Rio +20 com os interesses do mercado fica mais claro ainda
quando o texto defende a relação dessa Conferência com a OMC: “As negociações atuais da
Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio oferecem a oportunidade de promover uma
economia verde. Uma conclusão bem sucedida destas negociações poderia contribuir para a
transição para uma economia verde”.
Ou seja, as propostas a serem defendidas no próxima ano, na Rio +20, estão em clara
oposição às reais e necessárias mudanças que devem ocorrer nas relações de produção, bem como
confrontam a idéia de soberania dos povos. Ao mercado, tudo.
1) A inserção dos ‘serviços ambientais’ no mercado gera um mecanismo perverso, em que quanto maior a
degradação, maior o ‘valor’ dos serviços ambientais. Ex: quanto mais emissões e quanto mais degradação
do meio, mais pagamento por créditos de carbono e por serviços ambientais para autorizar o dano. O lucro
de um é o lucro do outro! A fórmula é estritamente econômica e nada tem a ver com conservação e
uso sustentável.
2) Os critérios utilizados para a precificação dos recursos têm como fundamento os valores que se formam
no mercado e não a sustentabilidade ambiental. Os mecanismos de precificação da natureza e dos processos
ecossistêmicos estão necessariamente vinculados à uma lógica produtivista, relacionada à lucratividade, que
não tem relação direta com a sustentabilidade ambiental.
3) A agenda da “Economia Verde” não prevê a modificação dos padrões de consumo e prevê estimular a
mudança parcial dos padrões de produção unicamente por meio da atribuição de preço à biodiversidade e
privatização dos bens comuns. Com isso, a sociedade não deixará seus modos destruidores, mas sim irá
criar um novo mercado para regular essas atividades, gerando mais privatização dos valores sociais e
ambientalmente gerados. Ao passo que, de um lado, gera-se a privatização e o comércio desses bens
comuns, de outro se gera a autorização daquele que comprou crédito de compensação de carbono, ou
que pagou pelos serviços ambientais de continuar emitindo GEE (gases efeito estufa) ou continuar
poluindo rios e degradando o ambiente. A degradação, portanto, não diminui. Pelo contrário, a natureza
se converte em produto do mercado, inclusive do mercado financeiro.
4) Ainda que os mecanismos da Economia Verde possam gerar empreendimentos e tecnologias orientadas
pelos princípios da sustentabilidade, o que, como visto acima, é questionável, a tendência geral do sistema
permanece a mesma: a necessidade de produção sempre crescente, a comercialização de um volume cada
vez maior de mercadorias, levando ao consumo acelerado dos recursos naturais e de sua degradação, com a
produção de resíduos e degradação.
O contrato de pagamento de serviços ambientais para as propriedades rurais poderá ser vinculado
ao imóvel por meio da instituição de servidão ambiental, ou seja, através da renúncia do provedor
aos direitos de supressão ou exploração da vegetação, em caráter permanente ou temporário.
Este dispositivo é especialmente problemático já que garante ao PAGADOR o direito de livre acesso à
terra e território, assim como a sistemas de conhecimentos dos provedores dos serviços. Para
atender as obrigações contratuais, as comunidades prestadoras de serviço passam a deixar de usar a
terra e o território, tornando-se agentes de fiscalização destes, sob pena de descumprimento contratual.
Em última instância, esta dinâmica representa a transferência da dívida ambiental às comunidades
pobres do Sul, o que significa sério risco sobre o controle da terra e território dos países em
desenvolvimento e aos modos de vida de seus povos associados ao manejo e conservação das florestas.
3. Desmatadores poderão ser pagos com o dinheiro do contribuinte para recompor áreas Embora o texto
aprovado na Comissão de Meio Ambiente não preveja um Subprograma por recurso natural que será
objeto dos serviços ambientais pagos, como faz o Substitutivo da Comissão de Agricultura que prevê
seis Subprogramas que compõem o Programa Federal de PSA (ProPSA), ambos os Substitutivos ampliam
quase que sem restrições o rol de ações e de áreas que podem estar sob o regime jurídico do
Pagamento por Serviços Ambientais.
Dentre os subprogramas estabelecidos está o reflorestamento e recuperação de áreas degradadas,
destinado a ações e iniciativas de recuperação e conservação dos solos e recomposição da
cobertura vegetal de áreas degradadas. Deste modo, o reflorestamento de APPs e Reserva Legal exigidas
por lei, podem ser pagas com o dinheiro do contribuinte. Isso já ocorre no Programa de pagamentos por
serviços ambientais da Costa Rica, em que se paga para se cumprir a Lei, como também é o caso do
projeto produtores de água de Extrema- MG para restaurar as APPs, Lei 2.100/2005.
4. Isenção de Impostos e dispensa de licitação
Os substitutivos também isentam os valores monetários percebidos pelo provimento de serviços
ambientais do Imposto sobre a Renda e da Contribuição social sobre lucro líquido, assim como não
integram a base de calculo para PIS/PASEP ou Cofins - Contribuição para financiamento da seguridade
social.
O texto final aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara também dispensa licitação para a
contratação pelo poder público de provedores ou recebedores de serviços ambientais, a não ser que haja
competição entre provedores.
Além de ganhar com o desmatamento ilegal, ter as multas e penas ambientais extintas, ser financiado
pelos impostos de todos para recompor a RL e APP, os grandes desmatadores que quiserem prestar
serviços ambientais também estarão isentos de impostos e licitação, se contratados pelo poder público.
Na forma em que se encontra o regime de PSA este dispositivo só aumentará a impunidade e incentivará
mais desmatamentos por parte do agronegócio, que se sente premiado com a Reforma do Código e com a
política de pagamentos.
O mercado de pagamentos por serviços ambientais foi pensado para se gerar dinheiro para
custear o cumprimento dos tetos de emissão ou limites de conservação impostos por lei,
financiando desmatadores, assim como para autorizar a continuidade das emissões e desmatamentos
através do mercado das compensações. A compra de títulos “verdes”, como a Cota de Reserva
Ambiental, ou a compra de serviços ambientais autorizariam a continuidade e até o aumento das emissões
e degradação das grandes corporações dos países desenvolvidos, transferindo a dívida ambiental e
climática para os países e povos e comunidades do Sul. O dinheiro levantado no mercado financeiro
“verde”, não apenas paga a conta da indústria e do agronegócio como alavanca o sistema financeiro
com um gigantesco mercado de produtos, tecnologias, serviços, assessorias e ativos sob o rótulo de verdes.
Embora possa significar um apoio aos agricultores familiares, povos indígenas e povos e comunidades
tradicionais para continuar a manter suas práticas associados a conservação e uso sustentável dos
recurso, o mercado de pagamento por serviços ambientais só sobrevive se ganhar escala para cobrir seus
custos. Para isto é muito mais simples pagar grandes proprietários de terras para recompor suas APPs, RL
e aumentar sua cobertura verde, do que buscar diversos agricultores espalhados em suas unidades
produtivas, muitas vezes sem o título de propriedade, o que gera insegurança para o mercado e o
pagador.
Deste modo, a avalanche de políticas e marcos legais para implementar este mercado de pagamentos por
serviços ambientais pode representar sérios riscos para a proteção dos direitos dos agricultores, povos
indígenas, povos e comunidades tradicionais. Dentre eles, destacamos:
• Distribuição da propriedade sobre a natureza e a privatização de bens comuns e comunitários por poucas
empresas e monopólios, como o ar, água e componentes da biodiversidade;
• Redução dos valores de existência da biodiversidade e os valores sócio-econômicos, culturais e religiosos
ao preço colocado pelo mercado e pelo custo da cadeia produtiva. O beija flor pode custar o preço de um
litro de diesel. Custo do beija flor = custo para distribuição mecânica de sementes (plantadeira, diesel, mão
de obra);
• Valoração externa da biodiversidade e dos ecossistemas a partir das cadeias de produção pode significar,
de imediato, a redução da biodiversidade e das técnicas sociais construídas nos territórios pelas
comunidades locais a partir de suas valorações, usos e conhecimentos;
• O instrumento contratual eleito pelo regime jurídico dos PSA trata grandes empresas e
comunidades tradicionais em igualdade de condições sócio-econômica, colocando o pólo mais frágil do
contrato em plena desigualdade de condições. O direito tem de tratar os iguais igualmente e os
desiguais desigualmente, sob pena de distribuir injustiça.
• Obrigação contratual dos PSA pode significar controle dos modos de vida e controle sobre a terra
e território;
• Contratação de serviços ambientais pelo pagador, a depender do custo de oportunidade, obriga as
comunidades fornecedoras a desenvolver ações e fiscalizar o território, conforme os serviços
ambientais elegidos como obrigações no contrato. O que pode impactar o modo de vida, a gestão do
território e a conservação da biodiversidade que não expressar preço de mercado.
• A depender dos critérios de elegibilidade e as demandas por escala, os pequenos agricultores
podem ficar fora do mercado de PSA. Aquele que tiver a maior quantidade em hectares acabará
concentrando o mercado, como ocorre em todas as outras cadeias produtivas.
• Substituição e enfraquecimento de políticas públicas e marcos legais consolidados. A extensão da
Política de PSA a todos aqueles que quiserem prestar serviços ambientais, retira o tratamento diferenciado
e a intervenção do estado para incentivar e empoderar de forma privilegiada os agricultores
familiares, povos indígenas, povos e comunidade tradicionais que tem seus modos de ser e fazer ligados a
conservação e uso sustentável, como exigem normas internacionais como o Tratado Internacional sobre os
Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (art. 5. 6 e 9) e a Convenção da Diversidade
Biológica (8 j e 1º c).
• Pagamentos por serviços não é repartição de benefícios. O PSA traz outras questões como acesso aos
conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios que não podem ser tratados como SERVIÇOS,
já que tem uma regulamentação própria em âmbito internacional (Protocolo de Nagoya da CDB) e
nacional (MP 2.186-16/2001)
• Possível aumento de taxas sob uso dos recursos a todos os cidadãos para custear a política de
pagamentos, que como visto, tem o potencial de beneficiar grandes proprietários desmatadores.
Existem diversas políticas destinadas a valorização das práticas e dos produtos da agricultura
familiar, seja através da implementação de SAFs e projetos de manejo facilitados, compra de sementes e
mudas crioulas e o bônus para alimentos saudáveis, como o PAA e o PNAE. Ao invés de se pagar para que
comunidades se tornem prestadoras de serviços, por que o Estado não empodera estas políticas
estruturantes, como por exemplo, o aumento do bônus de 30% para 70 % para a agricultura
orgânica e agroecológica?
Uma política de Pagamento por Serviços Ambientais voltada a todos indistintamente, além de
beneficiar desmatadores, leva a política sócio-ambiental a tratar todas as classes de agricultores (pequenos,
médios e grandes), assim como a pluralidade de povos e comunidades locais da mesma forma. O
mote que orienta a reformulação da política pública (fiscal, agrícola, ambiental): “Todos juntos
contra as catástrofes ambientais, as emissões e a degradação”, pode significar retrocessos
significativos nos marcos legais e na condução de políticas estruturantes da agricultura familiar
camponesa e das comunidades locais. É necessário separar o joio do trigo e apontar quem são os
responsáveis pelas emissões e pelo desmatamento, assim como identificar quais são os sujeitos que
vem realizando a conservação e uso sustentável, como também a produção de alimentos saudáveis para
o povo.
O que de fato pode realizar a conservação e uso sustentável dos recursos naturais é a garantia do
direito à terra e território, a reforma agrária e democratização do acesso e uso do solo rural e
urbano e dos recursos naturais, a proteção dos conhecimentos comunitários pelo seu direito ao livre
uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade, respeitando as características dos bens comuns. Na
conjuntura atual, uma Política de Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA- não está dissociado da
criação de um mercado mundial de bens e serviços ambientais. Por isso a redução das
práticas tracionais agroecológicas e dos modos de vida das populações a um “serviço” mensurável e
vendável vai na contramão da afirmação dos Direitos dos Agricultores que precisam sim receber o
preço justo e políticas estruturantes, mas estas não devem passar, sob nenhuma condição pelas
vontades e especulação dos mercados.
Rio+(ou-)20: uma chancela para o capitalismo verde?
Lúcia Ortiz *
Com foco em economia verde e governança global, conferência sinaliza captura pelo mercado e
pode ser consolidada como a Cúpula da Mercantilizacão da Natureza. A Rio+20, conferência mundial sobre
‘desenvolvimento sustentável’, será realizada no Rio de Janeiro de 4 a 6 de junho de 2012, por sugestão do,
então, presidente Lula, em 2007, na Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU). Os objetivos iniciais
eram nobres:o de assegurar a renovação dos compromissos políticos para o desenvolvimento sustentável,
avaliar o progresso e as lacunas (e por que não suas causas estruturais?) na implementação dos resultados
das principais conferências desde a Eco92 e tratar novos e emergentes desafios. Porém, não foi criado um
processo de avaliação e negociação à altura desses objetivos.
Por outro lado, estabeleceu-se como o foco da Rio+20, e com muito mais empenho e força política,
os questionáveis temas da economia verde ‘no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da
pobreza’, e o arranjo institucional para o desenvolvimento sustentável, ou a governança global para o meio
ambiente. No mínimo, pode se reconhecer a redução dos pilares do que foi conceituado como
desenvolvimento sustentável – social, ambiental e econômico – ao da economia global capitalista,
mascarando os mecanismos de implementação e de controle global da natureza, deste novo ciclo de
acumulação. Contexto que invisibiliza ainda mais a diversidade cultural, a qual deveria ser incorporada
como pilar central da sustentabilidade, por trazer novas e ancestrais formas de pensar, relacionar-se e ser
parte da natureza, criando e recriando outras economias em sociedades sustentáveis.
Economia verde: um frágil novo consenso
Este foco, no pretenso novo consenso global da economia verde e a preocupação com a governança
num sistema de Nações Unidas capturado pelos interesses das corporações, explicita a resistência imposta a
uma agenda de sustentabilidade e democracia global nestes últimos vinte anos, assim como os interesses
que devem definir a direção dos acordos globais para o meio ambiente daqui para frente.
A agenda da Rio+20 busca legitimar o capitalismo verde. Isso, por um lado, expõe a fragilidade do
sistema frente às múltiplas crises e a necessidade de tamanho aparato e refinamento do discurso para
dialogar com a apreensão da sociedade frente aos problemas ecológicos e sociais, como o sintoma do caos
climático, para, então, conseguir uma aceitação social e política – apesar do poderio econômico e midiático
a seu serviço.
A estratégica falta de conteúdo dada ao termo economia verde no ambiente das negociações da
ONU, ainda que pretenda ser a base de um novo “acordo verde”, já tem provocado reações de diversos
países. Na 19a sessão da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), o resultado das negociações
foram: a falta de acordo na agenda de implementação no tema central do ciclo da CDS, sobre Padrões de
Produção e Consumo; a dúvida sobre a capacidade da ONU para lidar com o ambicioso tema do arranjo
institucional para a Rio+20; e propostas de, inclusive, rever o termo economia verde para reduzir polêmicas
evidentes.
Fato de maior relevância foi a declaração dos países latinoamericanos, resultante dos dois dias e meio de
processo regional oficial de preparação que aconteceu no início de setembro no Chile, que simplesmente
rechaçaram e ignoraram o termo economia verde do seu pouco ambicioso acordo final.
Processo oficial: longe da governança inclusiva
O processo em curso, iniciado oficialmente pela resolução da ONU de 24 de dezembro de 2009,
estabelece etapas preparatórias de negociações oficiais. De forma autônoma e independente, já envolve uma
agenda de mobilizações da sociedade civil, bem como um processo (que não se encerra com a conferência)
de acompanhamento dos reflexos da sua preparação e resultados sobre as políticas nacionais e de
construção e fortalecimento de um movimento global por justiça social e ambiental.
A conferência acontecerá em apenas três dias (4 a 6 de junho de 2012) e está baseada em três etapas
preparatórias internacionais, sendo que as duas primeiras já aconteceram e a próxima será nos dias que
antecedem imediatamente a Rio+20 (28 a 31 de maio).
O processo acordado consiste em chamar os diversos setores da sociedade civil a enviar
contribuições por internet sobre os temas foco da Rio+20 durante todo o ano de 2011, para que um
documento chamado “rascunho zero” seja divulgado somente em janeiro de 2011.
Antes, se trabalhava para buscar consensos globais nas negociações, para que as convenções e tratados
fossem ratificados pelos países signatários, passassem a valer e se desdobrar em políticas públicas
domésticas. Hoje, a lógica se inverte: já existe uma corrida pela implementação de arcabouços legais e
políticos nos países para a chamada transição para uma economia verde sem que suas bases ou metas, e
mesmo seu conteúdo, tenham sido definidos.
Tendo como referência os resultados das últimas negociações mundiais para o meio ambiente,
podemos prever que as estratégias de inovação dos processos de negociação aumentam os riscos de limitar
a participação dos países em desenvolvimento, e da sociedade organizada de desconsiderar as
desconformidades, como foi o caso da posição da Bolívia frente ao acordo de Cancun na COP16 do Clima,
bem como da imposição de textos “caídos do céu” num ambiente falho de negociações para alcançar
verdadeiros consensos. Como resultado dos (ou da falta dos) processos em curso, se a Eco92 ficou
conhecida como a Cúpula da Terra, a Rio+20 poderá significar a consolidação da Cúpula da
Mercantilização da Natureza, com ou sem consenso.
Um acordo de livre comércio disfarçado de verde?
Seguindo na linha da captura corporativa das convenções da ONU, o processo em marcha por conta
da Rio+20 é o de recomendar estratégias domésticas (leia-se políticas nacionais) que os países em
desenvolvimento (e não aqueles historicamente responsáveis pelas crises ecológica, financeira, alimentar,
energética...) necessitam pôr em prática para alcançar os desafios da transição para a economia verde
(tema sobre o qual não há consenso nem entre os países envolvidos na negociação) e mapear o andamento
das iniciativas.
Nos moldes dos polêmicos empréstimos do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacinal
(FMI) para os chamados Ajustes Estruturais da economia dos países em desenvolvimento, de privatização e
abertura dos serviços à fase neoliberal do capitalismo nos anos de 1990, ou das imposições dos Tratados de
Livre Comércio (TLCs) às políticas nacionais para as indústrias extrativas, a economia verde vem, tal e
qual, como uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). No entanto, ela vem muito mais sutil,
disfarçada de verde e considerada inofensiva nas negociações mundiais para o meio ambiente.
O ajuste estrutural do meio ambiente ao capital
O Brasil sancionou, em plena loucura pós Copenhague, nos últimos dias de 2009, sua Política
Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). E mesmo após quase uma década de demandas da sociedade
civil, houve o veto presidencial ao artigo que tratava da redução progressiva do uso de combustíveis fosseis
e a inclusão da instituição de mercados certificados de carbono, o suprassumo da economia verde.
Hoje, os planos setoriais, outro instrumento da PNMC, estão para ser aprovados com pujantes orçamentos
públicos. No entanto, eles não vão além de “mais do mesmo”: um plano chamado ABC do agronegócio, ou
Agricultura (industrial) de Baixo Carbono; outro de Siderurgia Verde, para exportação de aço produzido
com carvão vegetal de monoculturas de árvores; um terceiro, que é o próprio Plano Decenal de Expansão
de Energia (PDEE), calcado na construção de barragens na Amazônia e na expansão do agronegócio da
energia da cana e da energia nuclear; e outros dois de combate ao desmatamento na Amazônia e no
Cerrado. Já em 2010, durante as negociações de Cancún, o Brasil lançou o Fundo Clima, para direcionar
recursos da exploração do petróleo do pré-sal - de alto carbono - na forma de empréstimos num total de 200
milhões de reais para o setor privado assim promover a economia verde.
Políticas públicas para garantir direitos ao mercado
Avançam as políticas verdes com resultados para a especulação fundiária e que fazem da reforma
agrária um sonho de justiça cada vez mais distante. Há quem diga que o “Novo Código Florestal” ruralista a
ser votado no Senado deixa o Brasil em flagrante contradição como país anfitrião da Rio+20. Não será o
contrário? O governo poderá, a seguir, vetar algumas emendas, ou não perdoar a dívida de desmatadores.
Mas tirar a proteção do Estado, reduzindo ou eliminando Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e
Reserva Legal, é uma forma de dar acesso aos mercados a essa enorme e bilionária riqueza verde que, até
então, não circulava nas bolsas. Nova modalidade em debate, depois da votação no Congresso, é que os
desmatadores anistiados possam também receber incentivos e créditos de carbono por recuperar áreas que
degradaram - isso não sendo válido para os pequenos agricultores, que estariam isentos do dever de
reconstituir reserva legal.
Nessa linha, estão em tramitação os Projetos de Lei (PLs) de REDD nacional e estaduais e o de
Serviços Ambientais, que já têm cronograma definido para “ou sim ou sim” estarem aprovados antes da
Rio+20 para mostrar como o Brasil fez sua lição de casa. Antes que nos organizemos e nos atentemos para
o seguimento destas políticas, uma lei dessas dá como certa a perda de soberania das comunidades sobre
seus territórios ao garantir juridicamente o acesso irrestrito das corporações - ou outros pagantes dos
serviços que estejam compensando a degradação ambiental de suas atividades em outro canto do mundo -
para medições e verificações sobre os serviços adquiridos, sejam eles o carbono, a água ou a
biodiversidade.
Entre os estados mais adiantados está o Acre, que desenvolve um projeto pioneiro de REDD,
contabilizando um volume estimado, para os anos de 2006 a 2009, de 100 milhões de toneladas de dióxido
de carbono (CO2), cuja comercialização será feita em leilão na BM & FBovespa no final do segundo
semestre de 2011 para precificar, pela primeira vez no Brasil, os créditos de carbono das florestas.
E chegando à capital dos megaeventos, para além da Rio+20, no Rio de Janeiro, se anuncia a Copa
do Mundo verde e solar. Ela se concretiza com vultosos financiamentos públicos para o setor privado
abastecer com energia renovável novos estádios e mega infraestruturas de entretenimento das elites, a serem
construídas em locais de disputa com as comunidades urbanas carentes de acesso aos serviços públicos
básicos. Cada vez mais a lógica da especulação imobiliária nas cidades reproduz o discurso do verde que
entrou pela porta do clima. É o caso da geração de créditos e mercados de compensações no caso de
projetos que pela lei sejam privados de aplicar máximos índices construtivos, ou dos eco condomínios de
luxo que apropriam-se de áreas verdes anteriormente públicas e passam a vender sustentabilidade.
Movimentos sociais na contra corrente
Buscando deslegitimar desde já o pretenso novo consenso global da economia verde, os movimentos
sociais no Brasil e no mundo podem ver o caminho a Rio+20 como um processo político para fortalecer e
dar visibilidade às lutas de resistência no campo, nas cidades e na floresta, assim como às propostas e
soluções populares por justiça social e ambiental. Através da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Multilaterais, o Amigos da Terra, juntamente com a Via Campesina, a Marcha Mundial das Mulheres, o
Jubileu Sul e mais dez outras redes nacionais, integra o Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a
Rio+20. Este Comitê prepara uma série de atividades locais, nacionais e internacionais, que passam pelo
fórum alternativo ao G20, na França, em novembro; pela COP17 do Clima, em Durban, no final de
novembro; pelo Fórum Social Temático, em Porto Alegre, em janeiro de 2012; e pelas atividades paralelas
a Rio+20, que pretendem oferecer um choque de paradigma durante a próxima semana do meio ambiente
no Rio de Janeiro.
Sem ter como foco os megaeventos oficiais, estas etapas podem representar momentos de
convergência e fortalecimento dos movimentos sociais e das suas propostas contra hegemônicas,
necessárias ao enfrentamento de um novo e complexo ciclo de acumulação repleto de contradições e
apropriações dos discursos ambientais e das demandas populares por justiça social. O grande desafio e
oportunidade que esta Conferência traz é o da mobilização daqueles setores da sociedade civil ávidos por
um real choque de paradigma, por mostrar justamente que as soluções reais não têm como se dar, nem
pintadas (de verde), dentro de um sistema que precisa mudar, e já.
Lucia Ortiz é coordenadora do Amigos da Terra Brasil, membro da Coordenação Nacional da Rede
Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e coordenadora regional do Programa Justiça
Climática e Energia do Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) – lucia@natbrasil.org.br