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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ESTUDANTES

DE ENGENHARIA FLORESTAL

´´ As empresas de maior exito no mundo são as que mais assassinam o


mundo e os países que lhe decidem o destino são os que mais contribuem
para aniquilá-lo`` Eduardo Galeano

E-mail: cn_abeef@yahoo.com.br
www.abeef.wordpress.com

´´CAPITALISMO VERDE``
(CADERNO DE TEXTOS)

2011
´´A escassez e a mercantilização da natureza podem ser descritas como um processo.
Primeiramente busca-se criar um clima de escassez, que pode ser da água, dos alimentos, de ar limpo, de
minérios, de florestas. Esse clima tem um discurso ideológico por trás, pois não é uma falta em absoluto e
sim uma falta em relação às próprias necessidades criadas pelo sistema capitalista. Cria-se assim, a
necessidade de consumo e a consequente necessidade de aumento da produção. A idéia de que certo
recurso é escasso leva as pessoas a desejarem mais esse recurso, levando a um aumento de sua demanda e
consumo, gerando um alerta para a conservação, motivado pelo medo de ficar sem certo recurso que é
direito de todos. Na busca da conservação dos recursos, justificado pela idéia da escassez, determina-se
um preço, ou seja, um valor para a riqueza natural, para que ela não se esgote e com isso seja
teoricamente limitado o seu consumo (mesmo que a produção continue aumentando para acompanhar a
demanda crescente). Essa noção de escassez que busca criar um consenso de que a escassez é um
problema de falta de recurso e não de desigualdade na produção e distribuição, cria o discurso de que a
escassez é de todos e exige o sacrifício de todos (normalmente de uma classe em detrimento da outra) e
que o “mercado” é capaz de resolver os problemas, propondo soluções como, por exemplo, a privatização
das fontes de água potável pela Nestlé e pela Coca-cola. Junto a essa noção de escassez podemos destacar
os chamados desastres ambientais, onde mais uma vez é gerado um mercado em torno de questões
ambientais, como é o caso do lixo, da poluição das águas e do ar, desmatamento e aquecimento global,
todos como consequências do modelo capitalista adotado no mundo. A ABEEF entende que a crise
ambiental não é uma crise por si só, ela é consequência do nosso modelo de consumo que é fundamentado
no sistema produtivo. Ou seja, é uma crise da sociedade
capitalista, portanto deve ser discutido juntamente com as formas de organização da sociedade e do
trabalho.`` deliberação, riquezas naturais do 41 CBEEF

O caderno de texto tem o objetivo de auxiliar a militância da ABEEF na compreensão


do temas que envolvem o capitalismo verde e para enriquecer o debate dentro da
organização. É importante que durante a leitura desse material possamos extrair as
problemáticas que o capitalismo verde apresenta para podermos construir maneiras de
denunciá-lo. É necessário também fazermos o exercício de identificar como os elementos
que compõe o capitalismo verde influenciam a nossa formação e atuação profissional.
Os textos que compõe esse caderno foram, e grande parte, copiados da revista Contra
Corrente vol. 3 da Rede Brasil onde as referencias bibliográficas podem ser consultadas.
BOM ESTUDO!!!!!
O REDD na vida real
No Amazonas, a flexibilização da legislação, o ajuste estrutural das políticas ambientais e a
privatização das unidades de conservação estaduais estão umbilicalmente relacionados à implantação dos
mecanismos de “economia verde”. Para piorar, comunidades que preservam a floresta, de fato, são
impedidas de viverem de modo tradicional “É interessante, nessa discussão do REDD e de tudo o que está
por trás, observar que a primeira lei de mudanças climáticas do Brasil foi feita aqui no Amazonas, antes até
da lei federal. E houve toda uma preparação sobre a criação de unidades de conservação, que a gente
percebe hoje que foi feita exatamente para vender mesmo os créditos de carbono. Temos mais de 60
unidades de conservação no estado, entre reserva de desenvolvimento sustentável, reserva extrativista,
floresta estadual e parque estadual. Estes tipos de unidades foram criadas no estado; e, hoje, estão
negociando um mercado de carbono em Chicago.
Foi criado também a FAS, Fundação Amazonas Sustentável. Quem investiu nela foi o Bradesco, a
Coca Cola... Várias empresas transnacionais investiram muitos recursos. E em cima deste fundo, elas têm
dado R$ 50 reais por família por mês. O que é ruim é que as famílias não podem mais fazer nada na terra.
Toda aquela forma de lidar com a terra - que sempre tiveram porque são comunidades tradicionais,
ribeirinhos... Hoje não podem mais fazer nem uma roça pra plantar a mandioca pra fazer farinha. Isso, pra
nós, é um absurdo muito grande porque se eles sempre fizeram e sempre preservaram, por que o estado hoje
está reprimindo? Outro agravante é que a FAS, apesar de receber todos estes recursos do estado, é uma
entidade privada. E ninguém sabe quanto ela recebe, de que forma ela presta conta, porque ela não presta
conta. É uma caixa preta, que ninguém abre, ninguém sabe. Tudo isso é bastante complicado. O ex-
governador Eduardo Braga continua ganhando prêmios internacionais porque ele se diz como defensor da
floresta. E, na prática, a gente tem visto que o estado tem ganho muito dinheiro com a preservação,
enquanto as famílias continuam pobres, exploradas, e os conflitos agrários que existiam nessas áreas onde
foram construídas unidades de conservação não foram resolvidos. Então, este é um complicador muito
grande porque nós lutamos pela demarcação das unidades de conservação, mas para garantir a vida que as
comunidades tradicionais sempre viveram. E a gente tem visto que as unidades do estado não têm
respondido a isso.
A gente também percebe que, juntamente com o REDD, foi feito nos últimos anos, a flexibilização
das leis ambientais, exatamente para garantir o REDD. Você faz uma lei - que é a concessão de florestas
públicas; depois faz uma outra lei - que é a de regularização fundiária na Amazônia, a 11.952; depois, faz a
mudança do Código Florestal. Ou seja, três leis super importantes que vão atingir diretamente a Amazônia.
Por que tudo isso? A legislação ambiental era muito rígida com a Amazônia, na forma de preservar, de
utilizar os recursos e com essa flexibilização agora, você vai poder desmatar, vai poder fazer várias coisas,
desde que depois pague com compensações ou mitigações ambientais. Então, na verdade, você percebe um
REDD, mas um REDD estadual. A gente vê isso claramente na forma como foi construído para chegar
neste ponto em que chegou. Para nós, é uma preocupação muito grande.
Seria legal se a gente pudesse fazer um levantamento, um acompanhamento de todas as unidades de
conservação e ver como as unidades mais antigas não modificaram e não melhoraram a qualidade de vida
dessas comunidades. É o contrário. E muitas delas pioraram porque agora elas não podem nem mais plantar
a mandioca que antes se fazia a farinha, um dos meios de vida deles. Hoje, a gestão dessas unidades de
conservação estaduais é feita pela FAS.
A gente não consegue entender isso porque, pela lei do estado, [isso] seria inconstitucional. Porque
se é uma unidade de conservação do estado, eu não posso passar aquilo para uma entidade privada. E em
todas as unidades de conservação do estado, a gestão é da FAS. Já era da FAS, quando a FAZ foi criada...
Criaram vários institutos para administrar, para fazer a gestão das unidades de conservação. Hoje, elas estão
todas dentro da FAS. A gestão não é do governo do estado, apesar dessas unidades de conservação serem
do estado. A gestão é da FAS e todo recurso que vem para o governo do estado, vai também para a FAS. E
quem é que administra a FAS? Dentre outras pessoas, o Virgílio Viana, ex-secretário de Desenvolvimento
Sustentável do Estado do Amazonas, que era a Secretaria de Meio Ambiente. Tudo é coligado para
arrecadar dinheiro e não repassar para quem, de fato e de direito preserva, que são as comunidades
tradicionais.”
Depoimento de Marta Valéria, Comissão Pastoral da Terra (CPT), regional Amazonas, participante do
Seminário Regional sobre Mudanças Climáticas na Amazônia, recolhido por Lucia Ortiz, em agosto de
2011 / (link para o vídeo-testemunho: www.youtube.com/watch?v=1M5bq1l-E1Y)
Monotonia conveniente: a ideologia aquecimentista
Oswaldo Sevá*
Esclarecimento necessário: o autor desse artigo não é climatólogo, nem pesquisador de química ou
física atmosférica, nem geólogo. Não tem condições profissionais nem legitimidade para afirmar nem
desmentir assertivas sobre a história recente ou remota do planeta Terra, nem sobre dimensões e
comportamento do seu imenso volume de águas oceânicas, lacustres, fluviais e da sua imensa massa de
gelos, neves, nuvens e chuvas.
Como engenheiro mecânico e velho pesquisador na área de Energia, tem plena consciência de que a
atmosfera, essa estupenda casquinha de gases, poeiras, vapores e condensados que nos envolve, é uma
máquina termodinâmica com dois motores: a radiação do sol que nos bate a cada segundo e em todos os
recantos a cada dia e ano; e o calor interno do núcleo fundente do planeta. A longuíssimo prazo, parece que
esses dois motores tendem a esfriar por causa do decaimento radiativo - é o que dizem atualmente os
estudiosos da física nuclear e da astronomia, e faz sentido.
Muita gente sabe ou intui que não fervemos nem explodimos ao fim de um dia de verão tórrido
porque no outro hemisfério faz frio no mesmo dia, e a massa atmosférica se vira como pode soprando
ventos e sendo sacudida pelos alíseos da rotação planetária. Também porque a casquinha de poucos
quilômetros de espessura conta com um poderoso e onipresente estabilizador e dissipador dessa energia, a
massa aquática bem mais espessa, em permanente circulação, em incessante troca de estados físicos: de
líquido a sólido e de novo a líquido, daí a vapor e, de novo, a líquido.
De fato há consenso de que a atmosfera da Terra é única e funciona para nós como uma verdadeira
estufa de criar plantas; que ela segura por aqui, por causa das sucessivas reflexões dos raios nas camadas de
gases, poeiras, nuvens e gotículas, um pouco do estupendo calor que retornaria, se perdendo, ao espaço
sideral. O planeta sim resfriaria se não existisse a atmosfera como ela é. Em inglês, é o “greenhouse”, na
língua francesa, o “effet de serre”, na castelhana, o “efecto invernadero”. Em todas as línguas, a
compreensão de que a casquinha irradiada e quase transparente é tão fundamental para a vida como o calor
do útero. Eis o único consenso. O restante da conversa é criação da linguagem, da sociedade, suas ciências
e suas mídias. Quando se quer afirmar a todo custo, que “está aquecendo” e que isto resulta da nossa ação,
chamada de “antrópica”, trata-se de uma ideologia refinada, uma crença monótona, conveniente para muitos
lados das lutas políticas e de classes deste novo milênio. Nem todos, aliás!, como veremos aqui algumas
pistas.
Aquecimento global: uma impostura científica
Este é o impiedoso título de um extenso artigo publicado em 2003 pelo cientista francês Marcel
Leroux, recentemente falecido. Professor de Climatologia da Universidade Jean Moulin - Lyon III e diretor
do Laboratório de Climatologia do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), ele é o autor dos
livros Global Warming: Myth or Reality? The Erring Ways of Climatology e La dynamique du temps et du
climat. Eis alguns trechos selecionados do início do seu artigo, traduzido pelo site português Resistir. Info:
“O aquecimento global é uma hipótese fornecida por modelos teóricos. Baseia-se em relações simplistas
que anunciam um aumento da temperatura, proclamado mas não demonstrado. São numerosas as
contradições entre as previsões e os factos climáticos observados directamente. A ignorância destas
distorções flagrantes constitui uma impostura científica. Nos anos 70 (do séc. XX) verificou-se um desvio
climático (que os modelos não ‘previram’). Traduziu-se num aumento progressivo da violência e da
irregularidade do tempo e foi provocado pela modificação do modo de circulação geral da atmosfera. O
problema fundamental não é prever o clima em 2100. Deve-se, antes, determinar as causas daquele desvio
climático recente. Isso permitiria prever a evolução do tempo no futuro próximo.”
Mais adiante, ele lembra que nos Estados Unidos, a memória do tempo inclemente dos nos de 1930
foi reavivada pelo verão extremamente quente de 1988, e daí: “Seguiu-se-lhe a dramatização (‘greenhouse
panic’). Inicialmente assunto da climatologia, o tema passou a ser tratado com emoção e irracionalidade.
Depressa evoluiu para o alarmismo. Perdeu o seu conteúdo científico. Questiona-se actualmente:
estaremos ainda a falar de climatologia? Com uma ‘convicção’ geralmente proporcional à ignorância dos
rudimentos da disciplina, os ‘climatólogos autoproclamados’ propagam hipóteses procedentes dos
modelos. Hipóteses infundadas ou mal estabelecidas e não
corroboradas pelas observações.” Leroux é bem precavido quanto ao fato propalado de que os relatórios
do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) são preparados por
“centenas de cientistas”: “O número anunciado pode iludir e esconder o monolitismo da mensagem. Na
realidade, uma pequena equipa dominante impõe os seus pontos de vista a uma maioria sem competências
climatológicas. O ‘I’ de IPCC significa, com efeito, ‘intergovernamental’. Significa que os pretensos
cientistas são antes do mais representantes governamentais.”
Encontrar um brasileiro, especialista, que conteste a monotonia da pauta “aquecimentista” foi bem
mais difícil, mas... existe um meteorologista, que aqui representa a Organização Meteorológica Mundial,
com sede em Genebra, o sr. Luis Carlos Molion. Ele assim respondeu a uma pergunta do site UOL Ciência
e Saúde, em dezembro de 2009, enquanto se desenrolava a badalada e fracassada Conferência COP 15, na
capital da Dinamarca: “Q: O senhor, então, contesta qualquer influência do homem na mudança de
temperatura da Terra? Molion: Os fluxos naturais dos oceanos, pólos, vulcões e vegetação somam 200
bilhões de toneladas de emissões por ano. A incerteza que temos desse número é de 40 bilhões para cima
ou para baixo. O homem coloca apenas 6 bilhões de toneladas, portanto as emissões humanas representam
3%. Se, nessa conferência, conseguirem reduzir a emissão pela metade, o que são 3 bilhões de toneladas
em meio a 200 bilhões? Não vai mudar absolutamente nada no clima.”
A ciência do clima: observações versus modelos
O site californiano Global Research.Ca acompanha com farta publicação temas tão variados como
ambiente, petróleo e energia, biotecnologia, medicina, pobreza e, especialmente, os crimes contra a
humanidade, a militarização e o estado policial emergente após o atentado de 11 de setembro. Nele, o
articulista Richard Moore compila os resultados da análise do gelo da Groenlândia que indicam as
temperaturas no hemisfério Norte no período longo de 2.000 anos AC até o ano de 1900, e organiza as
medições das temperaturas da superfícieterrestre em três latitudes distantes, dessa data até hoje.
Para o leitor sedento dos números e gráficos, ele registra os principais links dos relatórios do satélite
NOOA, do Instituto Goddard, do Centro Marshall, bem como os trabalhos recentes de Roy Spencer, (da
University of Alabama, Huntsville e do U.S. Science Team Leader for the Advanced Microwave Scanning
Radiometer) que trata os dados do satélite NASA-Acqua. Ele tirou conclusões opostas às da ideologia
aquecimentista, principalmente por causa do comportamento das nuvens pesadas (cirrus) e das chuvas
quando ocorre aquecimento da superfície terrestre. Para não cometer erros, traduzo abaixo um trecho de
Moore, comentando a pesquisa de Spencer: “O que ele encontrou, dirigindo os sensores dos satélites para
os alvos apropriados, é que a resposta de retroalimentação (‘feedback response’) é mais negativa do que
positiva. Em particular, ele verificou que a formação de nuvens ‘cirrus’ de tempestades é inibida quando
as temperaturas da superfície do globo são altas. As nuvens ‘cirrus’ são elas mesmas um poderoso gás de
efeito estufa, e essa diminuição na sua formação pode compensar o aumento de aquecimento causado pelo
CO2”.
Os modelos climáticos e a opinião pública
Cito agora trechos de Moore onde ele desvenda o restante da argumentação científica-e-política
pois, nesse caso, não temos mais como separar uma da outra: “No caso dos modelos climáticos que estão
sendo usados pelo IPCC, a suposição é de que o CO2 é um controlador fundamental do clima. Há uma
base intuitiva para essa suposição, dado que o CO2 é um gás de efeito estufa, e tanto o CO2 como a
temperatura tem-se elevado substancialmente no último século. Além disso, observou-se uma forte
correlação entre os níveis de CO2 e a temperatura em registros de longo prazo revelados por amostras de
gelo. Mais ainda, a queima de combustíveis fósseis continua a poluir a atmosfera (e os oceanos) com níveis
cada vez mais altos de CO2. Isso levou à hipótese de que a temperatura pode se elevar abruptamente,
colocando em perigo a vida no planeta. Tudo isso foi apresentado de forma bastante dramática por Al
Gore em seu famoso documentário.”
Lembrando que o famoso modelo do egípcio Ptolomeu, no segundo século da era cristã, colocando a
Terra no centro do sistema solar, era quase perfeito, Moore destaca que: “Assim como com o modelo
ptolomaico, há vários problemas com a suposição de que o CO2 condiciona o clima, e com a predição de
aquecimento perigoso. Em primeiro lugar, os registros de longo prazo mostram que primeiro a
temperatura sofreu mudanças históricas, seguidas muito depois por alterações nos níveis de CO2. Outra
coisa é que tem havido períodos de resfriamento significativo em anos recentes, mesmo
enquanto os níveis de CO2 continuaram a se elevar dramaticamente. Além disso, os registros de longo
prazo mostram que a temperatura foi no passado muito mais alta que hoje – inclusive há apenas mil anos
(o Período de Aquecimento Medieval) – e nenhum desastre bizarro, tal como a extinção de ursos polares
ou ciclos de retroalimentação positiva (runaway feedback loops), ocorreu em consequência disso. Assim
como com o modelo ptolomaico, há facções politicamente poderosas que encamparam para seus próprios
propósitos a teoria do aquecimento global danoso de origem antropogênica. Por enquanto, basta dizer que
generosos fundos foram fornecidos para os cientistas da CRU (Climatic Research Unit), que ficaram mais
que dispostos a ‘refinar’ o modelo para lidar com a ‘verdade inconveniente’ dos problemas do modelo -
mesmo que isso requeresse coisas como ‘esconder o declínio’.
Finalizo protegendo a própria imagem: criticando os “aquecimentistas”, tem gente séria
e bem informada como os citados, mas também vários fundamentalistas neo-liberais, guerrilheiros do livre
mercado, a indústria carbonífera, além dos senhores do petróleo e suas guerras. Quem se interessar, vá ao
site Competitive Enterprise Institute, de onde se pode navegar no http://www. globalwarming.org/ e, daí,
pular para outro endereço que questiona o falado filme Uma verdade inconveniente –
http://www.noteviljustwrong.com/home (ou seja: ele não é o diabo, apenas está errado). Um dos mais
ferinos desses “direitosos” publicou, em 2007, Os 35 erros do filme de Al Gore. Seu nome plebeu é
Christopher Walter, mas trata-se do Terceiro Visconde Monckton of Brenchley, assessor político direto da
ex-primeira ministra Margaret Thatcher. Espero não ser confundido com essa gente, e que eu tenha honrado
o nome da revista: é hora e vez de estar na Contra Corrente!
Um contra-exemplo:
No início de outubro deste ano, organizamos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) um
Fórum intitulado “Injustiça Ambiental e Saúde: os atingidos pela poluição do ar”, no qual pesquisadores
universitários e lideranças de entidades não governamentais levaram o seu testemunho e experiência sobre
o avanço dramático dos números medidos de poluição do ar (poeiras, fumaças, hidrocarbonetos, inclusive
os aromáticos bastante patogênicos, gases de nitrogênio e de enxofre, precursores de chuvas ácidas e de
ozônio respirável) e sobre a degradação das condições de vida de populações em áreas carboníferas,
siderúrgicas e do agronegócio. Esses temas e assuntos cruciais para a saúde e sobrevivência do ambiente e
da espécie humana vêm sendo obscurecidos, desprezados e omitidos pelos que, nas empresas, governos,
universidades e ONGs, passaram a seguir a moda e o credo aquecimentista. Muito antes de aquecer, se é
que aquece... a atmosfera está certamente sendo envenenada.
* Oswaldo Sevá é engenheiro mecânico, doutor em Geografia Humana e professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) – seva@fem.unicamp.br e www.fem.unicamp.br/~seva
Banco Mundial Fora do Clima!...e de nossos países.
Jubileu Sul*
Campanha internacional denuncia os novos interesses mercadológicos dessa velha instituição que,
através de falsas soluções, quer assegurar a hegemonia financeira. Assim como as demais Instituições
Financeiras Internacionais (IFIs), desde a sua criação, o Banco Mundial tem servido como instrumento de
defesa dos interesses do Norte global, das transnacionais e das elites financeiras e política. Ou seja, atua na
defesa dos responsáveis por impulsionar e beneficiarem-se do modelo econômico que empobrece as
grandes maiorias, explora a natureza, gera a mudança climática e mina a soberania dos povos.
Há décadas, o Banco Mundial é alvo de graves denúncias e mobilizações que reivindicam a sua retirada e a
de suas instituições correlatas (os banco regionais de desenvolvimento, o Fundo Monetário Internacional e
o Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimento – Ciadi, dentre outras) dos países
do Sul e a transformação profunda do sistema financeiro.
Porém, esse banco encontrou, na confluência da crise sistêmica (econômica, alimentar, energética e
climática, dentre outras), uma nova roupagem para suas velhas práticas. Através de um discurso
repaginado, passou a incorporar e consolidar um conjunto de ações para a “transição” para um capitalismo
“verde”. Para isso, incorporou em suas normas as “preocupações ecológicas” e uma suposta prioridade para
o “desenvolvimento sustentável”. Com esse pseudo “novo paradigma”, seguiu impondo suas definições
sobre os problemas e suas soluções. Não se pode permitir que o Banco Mundial deturpe a defesa dos
direitos dos povos e da Natureza para continuar priorizando os mesmos interesses de sempre.
A crise climática é uma realidade atual que impacta mais as populações do Sul global. Ela é
consequência do próprio modelo de desenvolvimento dos países industrializados do Norte e de um modo de
produção e consumo baseado na crença de que a natureza não possui limites. Com a cumplicidade dos
governos e das elites do Sul, as comunidades trabalhadoras, povos originários, camponeses, pescadores e
mulheres são obrigados a pagar pelos custos de uma crise que não causaram.
Novo paradigma? É tudo mentira!
No mesmo sentido, as respostas que vêm sendo formuladas desde os centros de poder - as
corporações transnacionais e as instituições financeiras internacionais - são falsas soluções, pois ignoram as
causas dos problemas e aumentam a dívida climática dos países do Norte. Para estas instituições, as
mudanças climáticas revelam-se como uma saída para a crise econômica e uma oportunidade para a criação
de novos paradigmas e conceitos, como o de “economia verde”.
Assim, se reduz a crise civilizatória a uma crise ecológica e a crise ecológica a uma crise climática,
e esta a uma falha do mercado. A destruição ecológica se converte em um novo impulso para o crescimento
e a acumulação econômica das elites. Os problemas ambientais e sociais são caracterizados como uma
questão meramente tecnológica ou da falta de clareza na atribuição dos direitos de propriedade. Frente aos
quais se reivindicam soluções de mercado, como os novos produtos financeiros “verdes”, a criação e a
venda de serviços ambientais e a mercantilização da natureza, de modo geral.
A estratégia do Norte, reconhecendo o já inevitável problema do aquecimento climático, busca
preservar a impunidade e evitar qualquer mudança no estilo de vida e no consumo, além de tentar transferir
a responsabilidade ao Sul, através da promoção e apoio a falsas soluções como o mercado de carbono, as
hidrelétricas, a energia nuclear, os agrocombustíveis e a venda de tecnologia. Desse modo, o papel que as
elites buscam consolidar junto ao Banco Mundial é chave e similar ao utilizado nos anos de 1970, quando
se propagou o modelo de desenvolvimento com base no endividamento externo, e nos anos de 1980 e 1990,
quando utilizou-se dessa dívida para impor o ajuste estrutural, as privatizações e a abertura neoliberal.
Fundos e mais fundos
Por outro lado, a criação do mercado de carbono abriu a porta para que as IFIs e, em especial o
Banco Mundial, expandissem sua área de atuação e fortalecessem sua capacidade de intervenção e
condicionamento sobre os países mutuários (emprestadores). Também permitiu gerar um programa novo de
financiamento para projetos integrados ao mercado de carbono através de iniciativas como o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL), Controle e Comércio (Cap and Trade, na versão original, em
inglês) e os projetos do programa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). Este
programa permite aos países do Norte, e suas transnacionais, compensar ficticiamente parte de suas
emissões de gases de efeito estufa financiando projetos no Sul. Esse modelo aumenta a dívida financeira
ilegítima, assim como também as dívidas ecológicas e sociais. O mercado de carbono favorece a
especulação e o lucro a partir das mudanças climáticas, fomentando novos “derivados” que nada tem a ver
com o impacto climático, mas sim com a possível criação de novas bolhas especulativas similares ao que
ocorreu em 2007 e 2008, quando o mercado imobiliário explodiu.
Atualmente, o Banco Mundial administra 12 fundos de Unidade de Financiamento de Carbono, com
um valor aproximado de 2,5 bilhões de dólares, que até agora envolveram países como China, Índia, Brasil,
México e Colômbia. Entre os fundos mais importantes estão:
-Fundo de Biocarbono: centrado em projetos florestais e do uso da terra;
- Fundo de Carbono de Desenvolvimento Comunitário: centrado em projetos em países menos
desenvolvidos;
O Banco Mundial, também maneja distintos fundos de investimentos, por exemplo:
- Fundo de Tecnologia Limpa: projetos de mitigação ou redução de emissões;
- Fundo Cooperativo para o Carbono das Florestas (FCPF): para mitigação - REDD;
- Programa de Investimento em Florestas: para mitigação - REDD;
- Programa Piloto de Resistência Climática: para adaptação;
- Programa de Ampliação da Energia Renovável para os Países de Baixo Ingresso: para mitigação - geral;
- Fundo Estratégico sobre o Clima: adaptação, mitigação – REDD, mitigação – geral;
- Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF, sigla em inglês): tem dois fundos fiduciários financiando
projetos de adaptação e mitigação.
Nas negociações sobre clima, os governos do Norte têm buscado reforçar este papel do Banco
Mundial através, por exemplo, da gestão do Fundo Verde Climático, cuja criação foi acordada na COP-16,
em Cancun. Mesmo reconhecendo que o financiamento prometido é problemático pela sua lógica, destino e
atores envolvidos, além de outras questões, o prometido não é aplicado. Investigações recentes assinalam
que dos 30 bilhões de dólares para financiamento “rápido” que foram prometidos em dezembro de 2009 no
chamado “Acordo de Copenhague”, até agora, foram aplicados efetivamente apenas 7,9 bilhões de dólares,
dos quais 42% (3,3 bilhões de dólares) serão canalizados através do Banco Mundial e 47% (3,7 bilhões de
dólares) serão aplicados através de empréstimos.
Mais do mesmo
Enquanto isso, o Banco Mundial continua financiando um modelo de desenvolvimento que contribui
para o aquecimento climático, incluindo massivo investimento em combustíveis fósseis e no agronegócio:
• Entre 1992 e 2004, aprovou mais de 11 bilhões de dólares de empréstimos para mais de 120 projetos de
combustíveis fósseis, representando 20% das emissões globais atualmente.
• Somente em 2007 e 2008, o Banco Mundial financiou outros 7,3 bilhões de dólares em projetos de
combustíveis fósseis – sem incluir empréstimos para as políticas e agências de financiamento intermediário
do setor de combustível fósseis. O banco também financiou 5,3 bilhões de dólares para energias renováveis
e eficiência energética.
Como é de se esperar, a construção da “nova” Estratégia Energética do Banco Mundial para 2011
apresenta algumas mudanças. Entre outros aspectos, planeja investir no setor privado enfocando na
produção de energia e não no consumo. Para o Banco Mundial, a energia limpa continua sendo a
hidrelétrica, os agrocombustíveis, a energia nuclear (mesmo afirmando que não vai financiar) e o mercado
de carbono. Ao desenvolver estas políticas, o Banco Mundial continua ignorando, entre outras questões:
* a sugestão da Comissão Mundial de Barragens, que acaba de completar 10 anos de esquecimento, sobre
os impactos econômicos, sociais e ecológicos negativos das represas. As hidrelétricas não são fontes de
energia limpa: contribuem para o desmatamento e a expulsão das populações de seus territórios e são, ao
mesmo tempo, grandes emissoras de gases de efeito estufa na atmosfera;
* as advertências da FAO (Organização da ONU para a Agricultura e Alimentação) sobre os impactos
negativos dos agrocombustíveis sobre a segurança e a soberania alimentar e o desmatamento;
* a pressão, a mobilização e as críticas de milhares de organizações e pessoas que, nas últimas décadas,
reivindicam o fechamento desta instituição ilegítima e injusta.
O Acordo dos Povos – realizado durante a Conferência Mundial dos Povos sobre as Mudanças
Climáticas e os Direitos da Mãe Terra, em abril de 2010, em Cochabamba (Bolívia), como uma resposta ao
fracasso de Copenhague (COP16) - afirma que o financiamento mínimo necessário para enfrentar as
mudanças climáticas deve ser de 6% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os fundos devem ser públicos, novos, adicionais e não reembolsáveis, eliminando o mercado de
carbono, e sem nenhum envolvimento do Banco Mundial ou dos bancos de desenvolvimento regionais. O
Acordo demarca ainda que, para construir o equilíbrio e a equidade climática, é indispensável reparar a
dívida ecológica e climática que o Norte tem com o Sul e com todo o planeta. Os fundos não devem ser
entendidos em função das mudanças climáticas, mas sim em função da busca de um caminho para uma
sociedade não dependente de petróleo, pois são os combustíveis fósseis os principais causadores do
problema.
Conhecemos as conseqüências históricas das dívidas ilegítimas que o Sul global tem sofrido há
séculos. Nesse sentido, conclamamos que, em todas as partes do mundo, sejam organizadas ações que
evidenciem o papel danoso do Banco Mundial e que se fortaleça a resistência da Campanha Banco Mundial
Fora do Clima. É preciso fazer frente às falsas soluções que este banco promove em relação à crise
climática, incluindo, sobretudo, o financiamento ao mercado de carbono em suas diversas formas, e as
consequências para a aliança dos direitos dos povos e a natureza.
O Jubileu Sul, rede composta de organizações e movimentos da sociedade civil da América Latina e
Caribe, África e Ásia, integra a Campanha Banco Mundial Fora do Clima – www.jubileubrasil.org.br
Fundo Clima: útil, mas suficiente?
Rubens Harry Born*
Considerado, por alguns, um importante instrumento da política do clima, este Fundo navega em um
mar de dúvidas sobre sua real capacidade de contribuir para um Brasil de “baixo carbono”. Como parte das
incipientes respostas políticas do Brasil à comunidade internacional no tocante ao enfrentamento doméstico
para o cumprimento do acordo multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudança de
clima, o governo brasileiro fez aprovar a lei n° 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que definea Política
Nacional sobre Mudança Climática (PNMC), e a lei n° 12.114, de 09 de dezembro de 2009, que estabelece
e dispõe sobre o Fundo Nacional sobre Mudança Climática (FNMC), um dos
instrumentos da política nacional.
Em 2008, o governo brasileiro apresentou o PNMC para a sociedade e anunciou que até 2020, com
medidas voluntárias, as emissões brasileiras seriam reduzidas em 36 a 38% em relação ao nível que
poderiam chegar caso nada fosse feito. Sua implementação carece do detalhamento de alguns planos
setoriais. O plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) foi elaborado em consultas com algumas
organizações. Outros planos e atividades setoriais de combate ao desmatamento, na Amazônia e no
Cerrado, e de mitigação de emissões na produção e uso de energia devem detalhar o PNMC.
Essas ações são consideradas, por alguns, um razoável avanço, uma vez que, até recentemente, o governo
defendia que o Brasil, por não ter compromissos globais de redução obrigatória de emissões, não precisaria
de uma política nacional. Esta percepção baseava-se na constatação de que os projetos de compensações de
emissões por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), do Protocolo de Quioto, bastariam
para que o País contribuísse com os esforços globais.
No entanto, o cenário nacional é, como em outros países, complexo e, por vezes, contraditório. Por
um lado, temos tais instrumentos. Por outro, predomina ainda a visão de que qualquer tipo de crescimento
econômico é louvável. Seguimos adiante com programas de desenvolvimento insustentável e que agravarão
o aquecimento global, como: ampliar a exploração e uso de combustíveis fósseis; estimular o aumento da
frota de veículos particulares; e denegar critérios de emissões para o licenciamento ambiental de atividades
modificadoras ou que usam recursos na natureza, dentre muitas outras.
O Brasil tem que lidar também com as disparidades regionais. Isso significa equacionar, de forma
equitativa, as condições dos estados e municípios em lidar com as causas e os impactos das mudanças de
clima, além de evitar “vazamentos” das emissões (por efeito de medidas para reduzir as emissões em uma
área, as atividades econômicas que as produzem se deslocam para outras regiões). Teríamos que evitar
também a ocorrência de fenômenos registrados no âmbito internacional: alguns, resistindo a mudar sua
estrutura produtiva, buscam medidas compensatórias em outras regiões. Ou seja, manter uma indústria aqui
e plantar uma árvore acolá, ou continuar a explorar petróleo e ampliar o uso de termoelétricas a carvão em
troca de algumas usinas eólicas.
O Fundo Clima (FNMC) – como ele é mais conhecido - é um fundo de natureza contábil,
regulamentado pelo Decreto n° 7.343/2010, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ele tem
como finalidade assegurar recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos
que visem à mitigação da mudança do clima e à adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos. Os
recursos do Fundo Clima são constituídos por até 60% da cota parte (10%) do MMA dos recursos da
participação especial aplicada sobre a receita bruta da produção de energia, deduzidos os royalties, previstos
no inciso II do § 2º. do art. 50 da lei n° 9478, de 1997 (lei de política energética). Também podem constituir
recursos do Fundo: as dotações consignadas na lei orçamentária anual da União e em seus créditos
adicionais; recursos decorrentes de acordos, ajustes, contratos e convênios celebrados com órgãos e
entidades da administração pública federal, estadual, distrital ou municipal; doações realizadas por
entidades nacionais e internacionais, públicas ou privadas; empréstimos de instituições financeiras
nacionais e internacionais; reversão dos saldos anuais não aplicados; e recursos oriundos de juros e
amortizações de financiamentos.
Poucas definições
Em relação ao recorrente questionamento sobre a possibilidade do Fundo apoiar medidas que levem
o Brasil a ser um país de “baixo carbono”, é preciso avaliar se a Política Nacional de Mudança de Clima,
em sua forma atual, é suficiente e adequada. Também é preciso ter clareza de seu impacto no Plano
Plurianual de Ações (PPA), bem como avaliar outros instrumentos regulatórios, de planejamento e
investimentos do Estado brasileiro, inclusive os do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). No
entanto, um caso exemplar foi o fato de que, na promulgação da lei no 12.187, houve veto presidencial ao
dispositivo que definia como uma das diretrizes da política o “estímulo ao desenvolvimento e ao uso de
tecnologias limpas e ao paulatino abandono do uso de fontes energéticas que utilizem combustíveis
fósseis”.
Os recursos públicos do FNMC devem ser aplicados em apoio financeiro reembolsável mediante
concessão de empréstimo, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), o agente operador; e em apoio financeiro não reembolsável a projetos relativos à mitigação da
mudança do clima ou à adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos, aprovados pelo seu Comitê
Gestor. Cabe a este Comitê Gestor vinculado ao MMA, com representantes do poder Executivo federal e de
setores da sociedade, definir, anualmente, a proporção de recursos a serem aplicados em cada uma das
modalidades, empréstimos e doações, sendo que estas podem ser aplicadas diretamente pelo MMA ou
transferidas mediante convênios, termos de parceria, acordos, ajustes ou outros instrumentos previstos em
lei.
A primeira reunião do Comitê Gestor, no início de 2011, tratou de questões operacionais e
institucionais e a construção do regimento interno. Na segunda reunião, em março, foi apresentada e
aprovada a proposta de aplicação de recursos para este ano, sendo R$ 200 milhões na categoria de aplicação
reembolsável (financiamento) e pouco mais de R$ 29 milhões na concessão (doação) de recursos. Sugeriu-
se que os recursos reembolsáveis sejam aplicados em:
• Financiamento das ações estabelecidas nos planos setoriais da Política Nacional sobre Mudança
Climática;
• Financiamento de ações de mitigação e adaptação nos estados e municípios;
• Financiamento de inovação tecnológica para o desenvolvimento e consolidação de uma economia de
baixo carbono;

Em julho, o MMA publicou quatro editais para recebimento de propostas de cinco das nove linhas
identificadas para aplicação de recursos não reembolsáveis. Setenta projetos, com custo total de mais de R$
52 milhões, disputaram os R$ 16 milhões disponíveis. A reunião ordinária do Comitê, no final de agosto,
tinha como pauta principal a avaliação de critérios e procedimentos para decidir a aplicação não
reembolsável. Entretanto, nada foi resolvido, pois não foi disponibilizado a tempo um conjunto de
informações que permitiriam que os integrantes do Comitê tomassem decisões. Nova reunião extraordinária
havia sido marcada para o final de setembro deste ano.
Muitas incertezas
De que servirá um fundo que aplica algumas centenas de milhões de reais em projetos meritórios e
úteis, se bilhões de reais continuarem a fluir para iniciativas que nada têm de sustentáveis e nenhuma
relação com a economia de baixo carbono? Será que o Fundo Clima pode se tornar uma referência de
critérios e procedimentos de investimentos públicos, inclusive em iniciativas de cunho empresarial, de tal
modo que tantos outros fundos, recursos orçamentários e instrumentos financeiros, nos três níveis de
governo, sejam mais consistentes com as necessidades de lidar com medidas de mitigação e de adaptação às
mudanças do clima? Será que o próprio BNDES, além do Banco do Brasil, bancos regionais e os fundos
constitucionais deixarão de investir em atividades e empreendimentos que, no curto, médio e longo prazo,
não são consistentes com um país de baixa intensidade de produção de gases de efeito estufa?
O Fundo Clima, instrumento importante da Política Nacional de Mudança de Clima, começou a
funcionar. O desafio é ter condições de fazer a diferença, instigando especialmente o poder público e o setor
privado na efetiva alocação de recursos - financeiros, orçamentários e especiais - em iniciativas que
contribuam para a transição para uma sociedade fundada em uma economia ambientalmente sustentável,
socialmente justa e com baixa emissão de gases de efeito estufa.
Rubens Harry Born é coordenador executivo adjunto do Vitae Civilis e representante de ONGs no
Comitê Gestor do Fundo – born@vitaecivilis.org.br
Raposa no galinheiro
Winnie Overbeek*

Para garantir a continuidade de emissões de três empresas nos EUA, organização brasileira
prejudica severamente o “bem viver” de comunidades tradicionais. Em 1999, anos antes do lançamento do
mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), um dos primeiros projetos
de carbono em áreas de floresta no mundo já havia iniciado. Trata-se de um projeto da ONG brasileira
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), em parceria com a ONG
estadunidense TNC (The Nature Conservancy). O projeto está sendo desenvolvido no litoral do estado do
Paraná, na região Sul do Brasil, mais especificamente, nos municípios de Antonina e Guaraqueçaba.
Com recursos de três empresas americanas, a General Motors, a American Eletric Power e a
Chevron, a SPVS adquiriu áreas que, juntas, abrangem 18,6 mil hectares. Com atividades de preservação e
restauração de áreas degradadas, a entidade afirma já ter removido 860 mil toneladas de carbono da
atmosfera1. Na lógica dos projetos REDD, os créditos advindos do carbono seriam aproveitados pelas três
empresas dos Estados Unidos, que financiam a SPVS, para compensar uma parcela das suas emissões de
poluentes. No entanto, não foram encontradas muitas informações no site da SPVS, nem no site das
empresas, sobre os valores repassados por essas empresas à SPVS. As comunidades locais visitadas
tampouco têm informação a respeito, o que já mostra uma falta de informação e transparência nesse
aspecto. O site da SPVS2 divulga que, segundo o Serviço Florestal Brasileiro, o projeto está na categoria de
“ações de REDD que têm gerado bons resultados”. No entanto, o projeto em causado um impacto
devastador sobre as comunidades locais residentes em torno das reservas da SPVS.
Um histórico de “bem viver”
Desde o processo de colonização da região, o litoral paranaense tem sido habitado por comunidades
chamadas de ‘caiçaras’3, além de comunidades indígenas e quilombolas. As comunidades se caracterizam
por serem agricultoras e extrativistas. Historicamente, elas convivem de modo respeitoso com a mata, onde
produzem seus alimentos de subsistência pelo sistema de pousio (descanso), com destaque para a produção
da farinha de mandioca. Tiram da Mata Atlântica o palmito para se alimentar, cipó para fazer artesanato e
madeira para a construção de moradias, cercas e canoas para a pesca. Praticam a caça e a pesca para a
alimentação de suas famílias.
Portanto, percebe-se que essas comunidades dependem totalmente da floresta, com a qual
construíram uma convivência harmoniosa. Prova disso é o fato de que essa região situa-se entre as mais
preservadas do bioma Mata Atlântica, o mais devastado do País. As comunidades nunca se preocuparam em
registrar ou cercar as terras onde moram, já que consideravam esse território como uma área de uso comum,
de usufruto de todos. As terras são, na sua maioria, devolutas e sobre as quais as famílias sempre tiveram
suas posses, repassadas de geração em geração. Trabalhavam no território, às vezes de forma individual,
por família, e às vezes coletivamente, nas roças itinerantes.
Chegada dos fazendeiros = grilagem
A primeira grande mudança na região ocorreu a partir dos anos de 1960, com a chegada de
madeireiras e, sobretudo, de fazendeiros. Estes começaram a registrar e se apropriar das terras, muitas vezes
utilizando-se da grilagem (prática comum nas áreas rurais no Brasil). Em consequência disso, as famílias
das comunidades foram ameaçadas e, muitas, expulsas de suas áreas. Os fazendeiros usavam ‘jagunços’ e
até mesmo búfalos para invadir e tomar as propriedades dos pequenos agricultores. A utilização da criação
de búfalos nessa região, em vez do gado bovino, deve-se ao fato de este ser um animal mais rústico e,
portanto, mais adequado para conviver com o ambiente local nas áreas desmatadas, constantemente
alagadas e, em geral, de difícil acesso e locomoção.
Chegada da SPVS = promessas não cumpridas
No final dos anos de 1990, a SPVS chegou à região e começou a comprar grandes áreas dos
fazendeiros. Ela também conseguiu comprar algumas áreas de posseiros, sobretudo daqueles que se
sentiram mais pressionadospela ação dessa organização. Segundo os moradores, inicialmente, a SPVS
empregou 47 pessoas da comunidade, pagando pouco mais de um salário mínimo. Três dos funcionários
eram mulheres com salários ainda menores que os dos homens. A SPVS prometeu que os empregos
durariam cerca de 40 anos, o mesmo tempo de existência previsto para o projeto. A maioria dos
funcionários foi empregada como guarda florestal. Além do emprego, a SPVS prometeu melhorias na renda
e na vida das famílias.
Impactos sobre a comunidade
No entanto, a chegada da SPVS constituiu um verdadeiro golpe para as comunidades. Foi a partir da
compra das terras pela SPVS que as comunidades nessas áreas e no entorno começaram a perder o acesso à
floresta abundante na região e aos rios - ou seja, começaram a perder liberdade, autonomia, o direito de ir e
vir e de exercer o seu modo de vida. Perderam até mesmo o direito de cortar árvores nativas de suas
próprias propriedades, como foi o caso de um morador que plantou, para sua sobrevivência, uma área com
palmito-juçara, uma árvore nativa. Hoje, ele não pode mais cortar essas árvores, mesmo que elas estejam
em sua própria terra.
Para amedrontar as comunidades, a SPVS começou, junto com a polícia ambiental do estado do
Paraná, chamada de Força Verde, a perseguir as comunidades. Essa violência continua até hoje, pois a
Força Verde invade até mesmo as casas das pessoas, sem que possua a devida autorização para isso. Um
morador de uma das comunidades conta que: “Queriam fazer parceria com nós ali. Nós até aceitemos de
fazer uma parceria (...) mas aí, de repente, eles começaram a mandar as guardas também. Passou mais ou
menos uns três dias aí, começaram a mandar os guardas lá em casa. Entravam dentro da casa dizendo que
tinha coisas escondido ali, tanta coisa errada. E se tivesse fechada a porta, entrava para dentro. Batiam na
porta, eles falaram que era ordem de juiz, não estavam nem ligando, mas entravam assim mesmo. (...) a
Força Verde entrava ali, isso várias vezes, não era uma nem duas vezes, muitas vezes. (...) Nossa casa ali, se
tiver algum tipo de arma aí, que prendesse tudo, levasse (...). Não podia ter um facão que eles queriam
levar, queriam tudo. (...) Não apresentavam nada, só chegavam e estavam dentro de casa lá. Nessa hora, não
estava em casa quando eles chegaram, com revólver em punho. Meu cunhado estava deitado na cama, a
porta estava encostada assim, meu pai estava lá fora. Eles entraram para dentro, empurraram a porta,
bateram até na porta até sair a trancazinha da porta. Ainda o meu cunhado estava meio adoentado com gripe
e dor de cabeça. Já levou o revólver em punho, meu cunhado disse: “O que é isso rapaz, estou adoentado
aqui, você entra desse jeito aí”. (...) É dessa maneira que eles chegaram várias vezes em casa. E a parceria?
Desse jeito não adianta parceria; parceria para te incomodar. Então, não adianta, melhor suspender. E eles
queriam enganar muita gente desse jeito.” Uma outra moradora conta que o marido foi algemado em casa
pela Força Verde, que disse que era o “serviço” deles. Em outra ocasião, quando ele cortou uma árvore para
fazer uma canoa, ficou preso por 11 dias. Para sair, teve que pagar fiança. Hoje vivem com dificuldades e
medo: se ficar em casa, não tem como sobreviver. Mas se o marido sai para conseguir algum trabalho fora,
a esposa e as crianças ficam numa situação de medo e insegurança, o que mostra também que os impactos
da perseguição e do projeto da SPVS afetam as mulheres e as famílias como um todo.
Hoje, muitas famílias vivem traumatizadas e a situação é de tamanha gravidade que várias acabaram
desistindo de continuar vivendo no local onde moravam há gerações. Famílias que produziam e vendiam
farinha, atualmente, compram tudo para comer, inclusive a farinha. Com isso, mudou a qualidade da
alimentação - um dos motivos pelos quais a saúde das pessoas não é mais a mesma, segundo relatos dos
moradores. Hoje, parte da população local tem hipertensão arterial, estresse, entre outros problemas de
saúde. Além disso, como há um esvaziamento das comunidades, a classe média de Curitiba tem comprado
casas e áreas na região para passar seus finais de semana e feriados.
As promessas de melhoria das condições de vida e geração de renda resultaram em algumas
iniciativas, que foram se esvaziando ao longo dos anos. Um trabalho de organização de um grupo de
mulheres em torno do propósito de gerar renda através de corte-costura funcionou algum tempo, mas hoje
está parado, segundo os depoimentos de várias mulheres das comunidades. E a promessa de emprego por
parte da SPVS tampouco foi cumprida. Exempregados das comunidades contam que a grande maioria foi
demitida, restando apenas sete funcionárias. Apenas um trabalho de produção de mel parece ter dado certo,
porém não envolve diretamente as comunidades mais impactadas.
Árdua luta pela própria terra
No entanto, as comunidades ainda resistem à pressão da SPVS, que só pode ter como objetivo a
expulsão de todas elas. Uma delas organizou-se de forma especial. No início da década passada, em uma
das localidades no município de Antonina, um fazendeiro queria vender sua área para SPVS, o que poderia
levar à expulsão de todas as famílias que viviam no local. Elas se organizaram e com o apoio do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizaram, em 2003, uma ocupação. Atualmente,
há 20 famílias no local lutando pela oficialização do acampamento, que tem o nome do ambientalista José
Lutzenberger, para que seja um assentamento da reforma agrária.
Ao longo da luta árdua dessa comunidade contra as pressões do fazendeiro, da SPVS e de órgãos
ambientais, foram denunciados crimes ambientais cometidos pelo próprio fazendeiro, como o desvio de um
rio e o uso indiscriminado de agrotóxicos, os quais não receberam atenção dos órgãos ambientais. Por outro
lado, a comunidade realizou pequenos trabalhos de reflorestamento e, a partir da opção pela agroecologia,
escolheu a proposta de trabalhar coletivamente através do sistema agroflorestal, como proposta principal
para futuramente gerar renda para as famílias. Além disso, cada uma das famílias terá sua área individual
para sua subsistência básica. A área do acampamento faz limite com a área da SPVS mas, segundo os
moradores, as áreas de florestas sob controle das comunidades estão em melhores condições, se comparadas
com as áreas da SPVS.
Futuro ameaçado
Perto de uma das comunidades encontra-se uma casa no meio da floresta onde a SPVS faz pesquisas
das espécies da Mata Atlântica, graças à parceria com o banco privado HSBC, através da Parceria de Clima
da HSBC (HSBC climate partnership, no original, em inglês). Segundo o site da HSBC, trata-se de um
‘programa ambiental inovador’ para ‘dar continuidade à preservação do planeta’.4
Enquanto isso, o futuro das comunidades está extremamente ameaçado se a proposta de preservação das
áreas florestais da SPVS, que conta com todo o apoio do aparelho estatal, principalmente da área ambiental
e da área policial, continuar dominando na região.
É absolutamente urgente que parem o abuso e a perseguição das comunidades. O que ocorre nessa
região, conforme testemunham os moradores, são violações graves dos direitos humanos, inclusive sociais,
culturais e ambientais. Uma moradora conta que: “Sim, a gente sempre manteve a floresta. Só que, às
vezes, a gente precisa derrubar alguma coisa também, às vezes a gente precisa construir uma casa, precisa
tirar uma madeira. No caso, não pode e, aí, fica difícil. (...) Antes a gente fazia para plantar roça onde hoje
você não pode mais. Quando a SPVS entrou, acabou tudo. Onde meu pai morava, hoje não pode mais.
Antes não comprava feijão, não comprava milho, muitas verduras plantava, que podia desmatar um pouco,
não mata alta, mais baixa, ele roçava, plantava, ele colhia a maioria das coisas da terra. E hoje não pode
plantar, tudo tem que comprar. (...) Antes, a gente não via enfermidade. Hoje, a maioria vive até doente,
muitos. (...) Eles falaram, prometeram, que iam ajudar meu pai mas, até hoje, a gente nunca viu nenhuma
ajuda, sempre piorou porque, no caso, eles falaram que iam ajudar e depois veio a Força Verde e ainda
queriam levar meu pai preso. Essa é a ajuda deles.”
Para “atacar” o aquecimento global, é urgente também que as empresas estrangeiras envolvidas no
projeto da SPVS comecem imediatamente a reduzir suas emissões de carbono, em vez de compensar
emissões por meio de compra de créditos de carbono vindos de uma área onde o povo é castigado por algo
que deveria ser motivo de respeito: sua prática de conservação da floresta.
Winnie Overbeek é coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM,
sigla em inglês) e membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Multilaterais, pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde - winnie@wrm.org.ur
Soberania dos Povos contra a Economia Verde
Luiz Zarref
Breve análise política da movimentação do capital
A atual crise estrutural do capital está produzindo impactos profundos nas economias
centrais (EUA, Europa e Japão). Entretanto, essa crise não inviabilizará o sistema capitalista, que
vem reconfigurando seus mecanismos de acumulação. Um dos eixos dessa reconfiguração é o
espraiamento desse capital para as economias periféricas emergentes, com foco principalmente nos
países conhecidos como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Grandes projetos de estruturação
dessa capital nesses países estão em curso, e definiram também as formas que a acumulação
capitalista se dará nos outros países periféricos.
Os antigos mecanismos de industrialização, exploração da mais valia urbana e avanço do
agronegócio estarão no centro dessa expansão do capital nesses países. Entretanto, há um elemento
comum à esses países que não será descartado pelo capital: as áreas naturais e territórios dos povos
do campo. Toda nossa leitura sobre a Rio +20 e as últimas disputadas nas convenções de
diversidade biológica (CDB) e mudanças climáticas (UNFCCC) está baseada na tese de que o
capital está se organizando para se apropriar desses territórios e transformar a natureza em uma
série de mercadorias.
No Brasil, por exemplo, temos cerca de 220 milhões de hectares em Unidades de
Conservação e Terras Indígenas. Somando-se ai as áreas das comunidades tradicionais,
quilombolas e camponesas, que possuem expressivas áreas conservadas de natureza, chegamos a
cerca mais de ¼ de todo o território nacional onde o capital ainda não possui mecanismos de
acumulação. Essa realidade se repete na imensa maioria dos países do Sul e da Ásia, o que se
apresenta como um potencial flanco de expansão do capital em crise.
As convenções da ONU e seu atrelamento ao projeto político do Capital
As convenções ambientais jamais chegaram a consensos consistentes. Entretanto, a Rio 92
possibilitou alguns importantes avanços, colocando a questão ambiental no âmbito da relação
sociedade-Estado. Definiu-se questões importantes como o Princípio da Precaução e a criação das
três convenções que ocorrem até os dias atuais: Desertificação, Diversidade Biológica (CDB) e
Mudanças Climáticas (UNFCCC). Todas as três deveriam criar uma governança global sobre o
meio ambiente.
Convenção das Mudanças Climáticas
A principal pauta desta convenção foi a definição, por parte dos países, de metas de redução
de emissões de gases efeito estufa (GEE). Apesar da pressão dos movimentos e de várias
organizações, os instrumentos para essa redução foram propositalmente vagos e com um
progressivo atrelamento ao mercado. A partir do Protocolo de Quioto (1997) criou-se mecanismos
importantes para a entrada do mercado neste espaço, como os Mecanismos de Desenvolvimento
Limpo e o Sequestro de Carbono.
Apesar do fracasso dessas falsas soluções, o interesse do capital se consolidou cada vez mais
nas convenções seguintes. Nas duas últimas convenções (Copenhagen e Cancun) o que se viu
foram o império das propostas do capital e a derrota de toda a agenda popular, que estava
sintetizada na proposta boliviana dos direitos da Mãe-Terra.
Dentre os principais instrumentos do capital para transformar as mudanças climáticas em
maior acumulação estão o investimento massivo em novas fontes de energia (sem debater para
onde vai a energia que já produzida), o desenvolvimento de espécies transgênicas resistentes às
alterações do clima e a criação de um fundo internacional para o clima, atrelado ao Banco Mundial.
Entretanto, o principal instrumento que vem sendo trabalhado é a Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação (REDD). Esse mecanismo quer transformar as florestas em áreas de
compensação das poluições de outros países, pagando valores por toneladas de carbono que
supostamente seriam “seqüestradas” pelas florestas. Além disto, esse mecanismo possibilitará a
apropriação dos territórios dos povos da floresta e do campo, uma vez que as empresas que
pagarem pelo REDD estão tentando garantir domínio sobre essas áreas.
Convenção da Diversidade Biológica
Essa convenção historicamente foi um espaço voltado às pautas da sociedade. Importantes
regulações e proibições a tecnologias transgênicas (como o Terminator e Árvores transgênicas)
foram conquistadas na CDB. Entretanto, nos últimos quatro anos ocorreu um forte atrelamento da
CDB às empresas, que teve seu ponto mais forte na última convenção, ano passado, em Nagoya,
Japão.
A pedido do G7, um economista da diretoria de mercados futuros do Deutsche Bank
defendeu um estudo chamado The Economics of Ecosystems and Biodiversity (TEEB) – A
Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade. De forma resumida, esse instrumento transforma em
mercadoria toda a natureza, desde a beleza cênica até a polinização das abelhas. Esse foi o principal
debate da CDB de Nagoya.
Rio +20: a tese capitalista sobre a natureza dos povos
Portanto, há uma clara intencionalidade na Rio +20, conferencia que vai celebrar os 20 anos
da Rio 92 e terá um mandato acima da UNFCCC e da CDB. A proposta é unir os caminhos
trilhados em cada uma das convenções paralelas e lançar para o mundo a síntese das falsas
soluções: a economia verde. O objetivo é trocar o Estado pelo Mercado na mediação sobre os bens
comuns e os territórios.
O último documento apresentado pelo PNUMA para a Rio +20 chega a ser escandaloso.
Considera que “o caminho do desenvolvimento deve manter, aprimorar e, quando possível,
reconstruir capital natural como um bem econômico crítico”. E vai além: Uma economia verde,
com o passar do tempo, cresce mais rapidamente do que a economia marrom, enquanto mantém e
restabelece o capital natural (...). Um cenário de investimento verde de 2% do PIB mundial
proporciona um crescimento a longo prazo, entre 2011-2050. Ou seja, além de defender que a tal
economia verde deve servir para a continuidade da acumulação capitalista, defende que 98% do
PIB continue atrelado ao tradicional sistema de acumualação capitalista que vem levando nosso
planeta ao colapso.
Por último, o atrelamento da Rio +20 com os interesses do mercado fica mais claro ainda
quando o texto defende a relação dessa Conferência com a OMC: “As negociações atuais da
Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio oferecem a oportunidade de promover uma
economia verde. Uma conclusão bem sucedida destas negociações poderia contribuir para a
transição para uma economia verde”.
Ou seja, as propostas a serem defendidas no próxima ano, na Rio +20, estão em clara
oposição às reais e necessárias mudanças que devem ocorrer nas relações de produção, bem como
confrontam a idéia de soberania dos povos. Ao mercado, tudo.

A importância da articulação da sociedade civil organizada


A partir dessa leitura política, temos buscado nos organizar com os grupos políticos que
possuem uma visão crítica sobre a mercantilização da natureza. Evidentemente essa não é uma
tarefa simples, uma vez que muitas organizações, principalmente ONGs e sindicatos, exibem algum
nível de envolvimento com a agenda da Economia Verde. Mas, em nossa leitura, é importante uma
frente ampla, que articule campo e cidade e demonstre que as verdadeiras soluções para o colapso
ambiental estão juntos à agricultura camponesa, à reforma agrária e urbana e à justiça social.
A Via Campesina Brasil está inserida dentro do t (CFSC), que organizará a Cúpula dos
Povos na Rio +: Por Justiça Ambiental e Social. O CFSC possui um Grupo Articulador, onde estão
as principais redes ambientalistas, socioambientais, sindicais e agrárias do país. Aliados de outros
momentos, como Jubileu Sul e Amigos da Terra formam um campo mais crítico junto com a Via
Campesina, enquanto as redes ambientalistas e sindicais defendem uma tentativa de ingerência no
processo oficial.
A proposta construída no âmbito do CFSC é fazermos um grande ato político no dia
25/05/2012, na cidade do Rio de Janeiro, anunciando a mobilização da sociedade e a pressão sobre
a Rio +20, que começará no dia 28, com reuniões técnicas. A Cúpula dos Povos iniciaria de fato no
dia 01/06/2012, indo até o dia 06. O dia de luta mundial seria o dia 05, dia mundial do meio
ambiente e momento em que os Chefes de Estado já deverão estar no Rio de Janeiro.
A metodologia ainda está sendo desenhada. Há um consenso de crítica ao processo do
Fórum Social Mundial e à Cumbre de Cochabamba, onde atividades auto-gestionadas ou
fragmentadas em muitas temáticas não colaboram para a construção de uma unidade. Está se
amadurecendo a proposta de realizar grandes painéis comuns entre todas as organizações, com
base: I) As causas estruturais do crise ambiental; II) Os novos meios de reprodução do Capital a
partir da crise; III) As verdadeiras soluções dos povos; IV) O que fazer após a Rio +20. Para além
disto, cada rede/campo político deverá ter autonomia para tocar seu espaço.
A linha da nossa ação enquanto Via Campesina é fazer uma atividade massiva ao longo da
Cúpula dos Povos, com caráter de denúncia do capitalismo verde e da mercantilização da natureza
e de defesa da agricultura camponesa, da agroecologia e dos direitos da Mãe Terra. No entanto,
também organizaremos ações simbólicas, de impacto, em outras cidades, com o objetivo de
denunciar o avanço que já está ocorrendo do capitalismo verde nos territórios dos povos do campo.
A partir desta análise de que o capitalismo verde irá avançar justamente sobre os países onde
os povos do campo ainda estão em seus territórios, temos a clareza que é importante articularmos
uma jornada internacional de luta contra a mercantilização da natureza e o capitalismo verde. É
importante que em cada país onde a Via Campesina está articulada tenhamos ações concretas que
demonstrem a nossa unidade contra esse avanço do capitalismo.
Contra a globalização do capitalismo, que quer devorar nossa natureza e roubar nossos
territórios, devemos globalizar a nossa luta. Devemos dar uma mensagem clara ao mundo contra as
falsas soluções, defendendo a Mãe Terra, a agricultura camponesa e a soberania dos povos.
Pagamento por “Serviços Ambientais” e Flexibilização
do Código Florestal para um “Capitalismo Verde”
Larissa Parcker/ Terra de Direitos

O QUE SÃO OS PAGAMENTOS POR “SERVIÇOS” AMBIENTAIS (PSA)?


O Pagamento por Serviços Ambientais é um mecanismo criado para fomentar a criação de um novo
mercado, que tem como mercadoria os processos e produtos fornecidos pela natureza, como a purificação
da água e do ar, a geração de nutrientes do solo para a agricultura, a polinização, o fornecimento de
insumos para a biotecnologia, etc.
O PSA é, portanto, um dos instrumentos elaborados para tentar solucionar os problemas ambientais
dentro da lógica do mercado, sem questionar as estruturas do capitalismo. Desde a década de 1970, quando
a crise ambiental tornou-se evidente, uma forte corrente da economia passou a construir um conjunto de
teorias para defender que o capitalismo pode oferecer, por meio do mercado, soluções para a crise
ambiental. Essas propostas incluem três mecanismos principais: a) a internalização dos custos ambientais (a
poluição por exemplo) na produção, por meio do estabelecimento de taxas públicas; b) a atribuição de valor
econômico para a biodiversidade e os ecossistemas e c) o estabelecimento de direitos de propriedade a
recursos e ecossistemas que possuam as características de bens comuns.
Segundo os defensores dessas idéias, a degradação ambiental seria apenas uma “falha do mercado”,
ocasionada pelo fato de que o preço das mercadorias produzidas (como os alimentos, por exemplo) não
incorporam a totalidade dos recursos usados na sua produção. O problema da poluição, seria explicado, por
sua vez, pelo fato de que a ausência de direitos de propriedade sobre os bens comuns (como o ar e a água,
por exemplo) constitui um incentivo para que não haja qualquer incentivo para a preservação, dando origem
ao que se chama de “Tragédia dos bens comuns”.
A lógica dessas teorias é que a única possibilidade de garantir a preservação ambiental é a inserção
dos processos ecológicos e dos bens ambientais no mercado. Para isso, é fundamental que exista
possibilidade de valoração monetária, para viabilizar a comercialização e também a criação de leis que, por
meio do estabelecimento de obrigações, criem a demanda para o mercado hoje inexistente.
Impor limites ao crescimento de uma cadeia produtiva cuja atividade lucrativa provoca a poluição dos rios
e mares e a emissão de CO2, por exemplo, gera enormes custos para a indústria. Impedir o avanço da
fronteira agrícola do agronegócio sobre as florestas também gera uma perda de lucros futuros com o avanço
de commodities agrícolas como a soja. Deste modo, de forma ardilosa, tanto o mercado do carbono como o
mercado dos pagamentos por serviços ambientais foram pensados para gerar lucros com os limites
ambientais ao crescimento. A floresta em pé, a terra parada ou atividades e tecnologias “pintadas de verde”,
como o plantio direto1, - que coloca a “agricultura de baixo carbono” como um dos maiores mercados de
pagamentos por “serviços ambientais” -, passam a gerar valor em capital, criando um mercado lucrativo, e
que autoriza a continuidade da cadeia produtiva emissora e degradante do ambiente.
Esse novo mercado seria naturalmente eficiente para evitar a escassez de alguns recursos naturais, gerada
pelos grandes poluidores e depredadores, assim como para socializar com todos os cidadãos os custos
gerados com a conservação destes recursos
Essas idéias passaram a ganhar força nos últimos anos, pois bens comuns acessíveis a todos, como a
água, o carbono e os componentes da biodiversidade, tornam-se cada vez mais escassos e representam
custos adicionais para as cadeias de produção que os têm como matéria-prima. A degradação ambiental
representa uma ameaça concreta à própria reprodução do capital. Sob o risco da escassez, tais bens se
tornam objeto de preocupação não apenas de ambientalistas e dos povos que tem seu modo vida
estreitamente vinculado à biodiversidade, mas também da indústria e do agronegócio, adquirindo valor
monetário e se tornando mercadorias.
Dessa forma, a “Economia Verde” ou a “Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade”
apresenta-se como a grande solução para a crise ambiental e também uma excelente oportunidade de
criação de “novos negócios” para as empresas e um novo fluxo de recursos financeiros, muito conveniente
no contexto das sucessivas crises econômicas. É o chamado “ganha-ganha”. Mas, não é por um passe de
mágica que esse novo mercado será constituído, nem todos estarão nele incluídos. A transformação de bens
ambientais em mercadoria e o processo de privatização dos bens comuns trazem consigo uma proposta de
profunda alteração nos modos de gestão desses bens, que pode ter graves implicações sobre os direitos
territoriais, como será analisado ao longo do texto.
Por enquanto, é necessário ressaltar que do ponto de vista de sua eficiência para conservação ambiental, a
“Economia Verde” é objeto de diversas críticas:

1) A inserção dos ‘serviços ambientais’ no mercado gera um mecanismo perverso, em que quanto maior a
degradação, maior o ‘valor’ dos serviços ambientais. Ex: quanto mais emissões e quanto mais degradação
do meio, mais pagamento por créditos de carbono e por serviços ambientais para autorizar o dano. O lucro
de um é o lucro do outro! A fórmula é estritamente econômica e nada tem a ver com conservação e
uso sustentável.
2) Os critérios utilizados para a precificação dos recursos têm como fundamento os valores que se formam
no mercado e não a sustentabilidade ambiental. Os mecanismos de precificação da natureza e dos processos
ecossistêmicos estão necessariamente vinculados à uma lógica produtivista, relacionada à lucratividade, que
não tem relação direta com a sustentabilidade ambiental.
3) A agenda da “Economia Verde” não prevê a modificação dos padrões de consumo e prevê estimular a
mudança parcial dos padrões de produção unicamente por meio da atribuição de preço à biodiversidade e
privatização dos bens comuns. Com isso, a sociedade não deixará seus modos destruidores, mas sim irá
criar um novo mercado para regular essas atividades, gerando mais privatização dos valores sociais e
ambientalmente gerados. Ao passo que, de um lado, gera-se a privatização e o comércio desses bens
comuns, de outro se gera a autorização daquele que comprou crédito de compensação de carbono, ou
que pagou pelos serviços ambientais de continuar emitindo GEE (gases efeito estufa) ou continuar
poluindo rios e degradando o ambiente. A degradação, portanto, não diminui. Pelo contrário, a natureza
se converte em produto do mercado, inclusive do mercado financeiro.
4) Ainda que os mecanismos da Economia Verde possam gerar empreendimentos e tecnologias orientadas
pelos princípios da sustentabilidade, o que, como visto acima, é questionável, a tendência geral do sistema
permanece a mesma: a necessidade de produção sempre crescente, a comercialização de um volume cada
vez maior de mercadorias, levando ao consumo acelerado dos recursos naturais e de sua degradação, com a
produção de resíduos e degradação.

COMO FUNCIONA O MERCADO DOS PAGAMENTOS POR SERVIÇOS AMBIENTAIS?


A regulamentação legal internacional e nacional é crucial para a criação do mercado de serviços
ambientais. É por meio da regulamentação que serão estabelecidos os critérios de precificação e
estabelecidas as condições de obrigatoriedade de pagamento e, portanto, definidas as regras do jogo: o que
se vende, quem vende, quem compra, quanto custa e quais são os direitos dos compradores e vendedores.
A demanda por serviços ambientais será gerada por aqueles que não tem como (ou não querem)
cumprir as obrigações de não poluir ou não degradar o meio ambiente, mas que podem “comprar”ou
“recompensar” aqueles que contribuem para a preservação. Esse mecanismo é chamado de “limite e
comércio” (em inglês “cap and trade”) , que permite que, por meio de compensações, os poluidores não
sejam obrigados a modificar seus padrões de produção.
O Protocolo de Kyoto, por exemplo, ao passo que impõe metas e limites para emissões dos países
que mais emitiram os GEE, também autoriza a compra de permissões e créditos de compensação das
emissões de CO2 acima do limite estabelecido, dos países que estão abaixo do limite ou que não têm limites
a cumprir, como os países do Sul. Com o limite (comando e controle) cria-se a demanda e a escala, e com a
flexibilização, cria-se o mercado para gerenciar os custos gerados com a imposição dos limites. Este
mercado tende a crescer caso seja estendido os limites de emissões de GEE ao mesmo tempo em que se
autoriza a compensação de emissões através do mercado de REDD e REDD+. Do mesmo modo, o Plano
Estratégico para 2020, aprovado no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) em 2010, ao
passo que impõe limites mínimos de conservação da biodiversidade por meio da definição de 20 metas,
incorpora também como meta a necessidade dos países desenvolverem instrumentos de mercado capazes
de custear o limites mínimos estabelecidos. Deste modo, as metas de proteção de no mínimo 17% dos
ecossistemas terrestres e de água doce, e 10% dos ecossistemas marinhos e costeiros do planeta; a redução
pela metade das taxas de perda de habitats naturais, inclusive florestas, ou a recuperação de 15% de
ecossistemas degradados, devem ser atingidas através da internalização dos valores econômicos da
biodiversidade nas contas nacionais dos países.
Para dar suporte a essa proposta, a CDB incorporou uma metodologia de precificação ou valoração
da Biodiversidade elaborada em um estudo denominado “A Economia dos Ecossistemas e da
Biodiversidade”- TEEB (em inglês, TEEB - The economics of ecosystems and biodiversirty). A
metodologia proposta pelo TEEB foi divulgada como uma solução às dificuldades de valoração ambiental,
por ser capaz de dar um valor econômico expresso em dinheiro a qualquer função ecossistêmica ou a
quaisquer valores culturais associados à biodiversidade, desde a polinização das abelhas aos valores
espirituais das comunidades.

O que é o TEEB – A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade


Estudo encomendado pelo G8+5 em 2007, vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente3, para criar uma metodologia para estipular valor econômico à biodiversidade. Isso irá permitir
uma simplificação dos valores da biodiversidade necessária para ser apropriada pelo mercado produtivo e
financeiro. O estudo foi coordenado pelo economista indiano Pavan Sukhdev, que também é chefe da
divisão de novos mercados globais do Banco Alemão, Deutsche Bank. O TEEB consolida o tratamento
da natureza como mercadoria, podendo ser medida e valorada com precisão, apropriada e negociada
pelo mundo corporativo.
O TEEB tenta resolver “a falha de mercado” que os bens comuns representam para o capitalismo, já
que os recursos naturais, como ar, água, biodiversidade, beleza cênica etc, possuem uma característica
pública e por isso torna-se impossível excluir alguém do acesso e do consumo destes recursos e de seus
benefícios, ou de seus “serviços”. Apesar de seu alto valor para a sobrevivência e bem estar da humanidade,
a biodiversidade não incorpora o preço como outras mercadorias. É a chamada ‘tragédia dos comuns’
(HARDIN, Garret), o que significa suboferta dos serviços ambientais ou a baixa disposição de algum
agente financeiro em custear a conservação em prol de todos os outros beneficiários.
Para resolver este “gargalo de mercado”, o TEEB propõe a visibilização dos valores econômicos da
biodiversidade, a partir da capacidade de determinados recursos em satisfazer “as necessidades da
humanidade”, ou melhor, do próprio capital. Com isso o estudo pretende introduzir a biodiversidade e seus
serviços entre as alternativas de ação dos agentes do mercado financeiro diante de um cenário de escassez
dos recursos naturais.
Os valores econômicos dependem do grau de satisfação, mas satisfação de quem? O TEEB divide os
valores econômicos da biodiversidade em valores de uso e valores de não uso. Os valores de uso podem ser
de uso direto (aqueles que beneficiam diretamente, como o alimento, a madeira, medicamentos, a beleza
cênica e o turismo), de uso indireto (aqueles que beneficiam indiretamente, como a regulação do clima, o
armazenamento de carbono, a manutenção dos ciclos hidrológicos), e os valores de opção (deixar a opção
ou expectativa de uso futuro da biodiversidade, como para fins medicinais). Já os valores de não uso são
atribuídos por um agente independentemente dele mesmo se beneficiar do uso, são os valores de legado e
os valores de existência. Valor de legado é aquele atribuído a algo para que seja conservado para gerações
futuras (habitats, espécies ameaçadas etc.), enquanto que os valores de existência são aqueles atribuídos a
algo independentemente de seu uso, como a importância de se proteger uma espécie em seu habitat, como o
urso polar. Tirando os valores de uso direto, os demais benefícios providos pelos ecossistemas não possuem
mercado, portanto não há um preço. Todos estes valores, assim como os culturais, religiosos e sociais,
dependem de quem é o sujeito que valora.
As comunidades locais que detém inúmeras formas não catalogadas de uso, manejo e técnicas
sociais ligadas a conservação e uso sustentável da biodiversidade, com certeza valoram os componentes da
biodiversidade de forma muito diversa do estabelecido pelo TEEB. A “fórmula simplificadora” do TEEB,
necessariamente leva à fixação de poucas variáveis ou indicadores de diversidade, já que um preço imposto
pelo custo de oportunidade para a cadeia produtiva é que irá expressar o valor do “serviço ambiental”
ignorando assim todas as demais formas de valorização, inclusive aquelas ligadas aos direitos humanos.
Para determinar este custo de oportunidade, o TEEB apresenta um cenário comparativo dos custos em se
manter a biodiversidade em relação aos custos gerados para a empresa com a realização dos danos
ambientais. O Estudo determina várias formas de cálculo, mas todas elas partem do pressuposto da
comparação entre ter um projeto de PSA e dos custos de não tê-los. O PSA água, por exemplo, apresenta a
conta dos custos de investimento em pagamento por “serviços” ambientais aos agricultores para
preservarem as nascentes e cursos d’água, em comparação aos custos com estações de tratamento.Nesse
exemplo, o preço pelo PSA seria calculado pelo valor do tratamento da água. A ausência de polinizadores,
por exemplo, geraria custos adicionais para a agricultura, seja para dispersão mecânica de sementes
(semeadeira, diesel, mão de obra) e a regulação química de pragas (aumento dos custos da produção com
agrotóxicos e etc.). Assim, o serviço de um beija flor ou das abelhas iriam adquirir um preço a depender do
valor das commodities agrícolas e do pacote tecnológico. E para estes novos proletários da natureza não há
sindicatos que lutem por seus direitos, contra a mais valia sobre seu trabalho!
Dessa forma, será através das necessidades do capital e da cadeia de produção que serão estipulados
os “valores” pelos “serviços” prestados pela biodiversidade e ecossistemas. Se valer a pena
financeiramente pagar para manter a floresta em pé como “valor de opção” (especulação da terra e dos
recursos) para fazer reserva de mercado para o desenvolvimento futuro de medicamentos e cosméticos, o
mercado favorece as florestas. Caso as commodities agrícolas se valorizem, não há motivo para a
conservação. Ou ainda, o mercado pode comprar e vender serviços prestados por agricultores para
recomporem mata ciliar ou conservarem manguezais para evitar desastres ambientais e deslizamentos –
valor de uso indireto- se o cálculo econômico valer a pena.

COP 10: Biodiversidade como mercadoria


Diante do problema da conservação e uso sustentável dos ecossistemas e da biodiversidade, os
Países criaram no âmbito da ONU um sistema de comando e controle, para impor limites aos países mais
desenvolvidos que historicamente degradam o planeta e saqueiam recursos naturais dos países provedores
do Sul para empreender seu desenvolvimento econômico. Deste modo, mecanismos foram criados para que
houvesse o investimento financeiro destes países do Norte, como forma de “reparação” para incentivar
medidas de proteção e uso sustentável da biodiversidade nos países do Sul, como o regime finalmente
aprovado pela CDB de Acesso e Repartição de Benefícios (ABS), após quase 20 anos de negociação.
A ferramenta econômica TEEB para operacionalizar o pagamento pelos “serviços” ambientais
autoriza os países a compensar suas emissões e degradação através de crédito de compensação de carbono e
de pagamento por serviços ambientais. A proteção da biodiversidade vira um negócio e a possibilidade de
sua preservação se resume ao custo de oportunidade.
Com a recepção do TEEB no Plano Estratégico da Convenção da Diversidade Biológica e a massiva
presença do setor empresarial e corporativo nas negociações de Nagoya, os mecanismos tradicionais de
financiamento para garantir políticas públicas efetivas para evitar a perda da diversidade biológica correm o
risco de ser rapidamente substituídas por “mecanismos inovadores”, com vistas à geração de mercados em
detrimento do cumprimento das obrigações das Partes e objetivos da Convenção.
Ao colocar preço na biodiversidade e em seus “serviços”, as convenções ambientais poderão se
tornar mais um espaço de negociação de serviços, produtos, tecnologias e ativos “verdes” para serem
negociados pelos setores corporativo e financeiro. Não é por outro motivo que o TEEB para o setor de
negócios foi traduzido pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e vem sendo operacionalizado
através dos chamados Pagamentos por Serviços Ambientais, principalmente os PSA água, PSA carbono e
iniciando o PSA biodiversidade, que ganham força com as tentativas de desmonte do Código Florestal e a
transferência da proteção das florestas para os mercados e os custos de oportunidade.
Ao introduzir a idéia de “pagamento por serviços ambientais”, o TEEB vai na contramão da luta
histórica dos movimentos pelo pagamento da dívida ecológica, resultante do saqueio colonial e das políticas
de comércio e exploração que subordinam os países do sul. Corremos o risco de, ao assumir o TEEB e o
mercado da biodiversidade, assumimos politicamente que estaríamos perdoando a dívida ecológica.

A REGULAMENTAÇÃO NACIONAL DOS SERVIÇOS AMBIENTAIS


Por enquanto ainda não foi formado um mercado de serviços ambientais, mas já existem transações
contratuais entre usuário ou poluidor-pagador e fornecedores de serviços ambientais. Também já surgiram
algumas leis estaduais e municipais que implementam os pagamentos de serviços ambientais,
principalmente de água (o PSA água) e carbono (PSA carbono). A tentativa da regulamentação dos
Pagamentos por Serviços Ambientais cria o conceito do “provedorrecebedor”, que seria o agente
econômico responsável pela conservação ambiental que preserva um determinado serviço ambiental. Esse
conceito vem complementar o princípio do “poluidor/pagador”, presente na legislação brasileira desde a
década de 1980 e segundo o qual o poluidor deve pagar pela degradação de um recurso natural.

Iniciativas de PSA que já acontecem no Brasil


O Programa Bolsa Verde em Minas Gerais (Lei 17.727/2008) e o Programa de Pagamento por
Serviços Ambientais e o FUNDÁGUA no Espírito Santo (Leis 8.995/2008 e Lei 8.960/2008) são as
legislações estaduais mais antigas que estabelecem pagamentos aos prestadores de serviços ambientais pela
conservação de cobertura florestal para melhoria da qualidade e disponibilidade hídrica. As duas leis
estaduais aproveitam os recursos dos fundos constituídos com a taxação da água, como também os recursos
especiais dos royalties do petróleo para realizar os pagamentos, inclusive para os desmatadores
recomporem matas ciliares. O bolsa verde em MG também se destina a ações de recuperação e conservação
da biodiversidade e de ecossistemas especialmente sensíveis, regulamentando o PSA biodiversidade.
Embora o programa priorize os agricultores familiares e pequenos agricultores de até 4 módulos fiscais,
prevê que, progressivamente todos os proprietários e posseiros sejam beneficiários.
Posteriormente, São Paulo (por meio da Lei Estadual de Mudanças Climáticas n. 13.798/2009 e do
Programa Mina D’água), o Paraná (Lei do Prestador de Serviços Ambientais n. 16.436/2010), Santa
Catarina (Política Estadual de Serviços Ambientais) e o Acre (Lei 2.308/2010 Sistema Estadual de
incentivos a Serviços Ambientais, que regulamenta inclusive a negociação dos créditos oriundos dos PSA,
na bolsa de mercados e de futuros) também regulamentaram o mercado de PSA. Todos são viabilizados
através de fundos estaduais que contam com a cobrança de compensação financeira pela geração de energia
hidrelétrica4, cobranças pelo uso da água e do fundo especial de petróleo. Conforme será demonstrado a
seguir, a grande diferença dessas leis estaduais para as propostas em trâmite no Congresso é a
contratualização do Pagamento por Serviços Ambientais, ultrapassando-se o modelo de incentivo
econômico, para a comercialização.

INICIATIVAS DE PSA NO CONGRESSO NACIONAL


* PL 792/07
Autor: Anselmo de Jesus (PT/RO)
Apresentado em: 19/04/2007
Situação atual: o PL no 792/07 passou por diversas modificações, resultantes, sobretudo, da encampação
dos 10 Projetos de Lei apensados ao original. Adquiriu sua atual configuração em 2010, nos termos dos
pareceres dos Dep. Fábio Souto (DEM/BA) e Moreira Mendes (PPS/RO), na Comissão de Agricultura e
Desenvolvimento Rural, e do Dep. Jorge Khoury (DEM/BA), na Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável. Atualmente, o PL encontra-se na Comissão de Finanças e Tributação,
aguardando parecer.
O PL 792/07 foi o primeiro Projeto de Lei proposto no Congresso Nacional para regulamentar o
pagamento por serviços ambientais à todos os que empreendem esforços para conservar e produzir os
benefícios gerados pelos ecossistemas. Para justificar a Proposta de Lei, o autor enumera 10 recursos
naturais prioritários: uso do solo, recursos hídricos, biodiversidade, fauna e flora, recursos florestais,
oceanos, recursos pesqueiros, atmosfera e energia. Aponta também os principais “serviços ambientais”
prestados por cada um deles, e identifica as principais causas de sua degradação, como o uso irracional e a
super-exploração dos recursos, apontando os custos de sua escassez para o setor produtivo.
Sem apontar as principais cadeias produtivas ou atividades de risco responsáveis pela degradação e escassez
dos recursos naturais identificados, o PL autoriza a continuidade das atividades que representam risco e
dano ambiental e socializa com todos os cidadãos os custos econômicos, sociais e ambientais gerados por
elas através da proposta de pagamento por serviços ambientais a qualquer pessoa que quiser prestar tais
serviços ambientais. Se a principal causa da degradação dos ecossistemas é a super-exploração dos
recursos naturais pelo setor agrícola e industrial de larga escala, por que a medida do pagamento por
serviços ambientais, inclusive para financiar os desmatadores, poderia resultar na conservação e uso
sustentável?
Vale analisar que este Projeto altera significativamente a forma como a matéria ambiental poderá ser
trabalhada em breve. A Legislação ambiental deveria sempre ser conduzida a partir dos princípios da
princípios da precaução e da prevenção, através da responsabilidade objetiva da pessoa que realiza uma
atividade de risco à natureza, da fixação de impostos extrafiscais, ou do cumprimento da função sócio
ambiental da propriedade. E pior: a maioria dos PLs de pagamento por serviços ambientais anexados a este
PL, não só beneficiam os grandes poluidores e desmatadores ao cobrir os custos das conseqüências danosas
de suas atividades, como colocam a culpa do mal uso dos recursos, nos pequenos agricultores e famílias
pobres da zona rural, que por necessidade se utilizam de forma irracional dos recursos naturais.
Hoje existem mais 10 Projetos de Lei anexados ao PL 972/2007 e todos eles apresentam como justificativa:
a) as mudanças climáticas, a escassez de recursos naturais e a necessidade de incentivar medidas de redução
de emissões e de degradação ambiental; b) incentivo às família pobres da zona rural que se utilizam de
forma não sustentável dos recursos; c) a falência do sistema de comando e controle, que impõem restrições
legais ao uso das terras (como a função socioambiental); d) incentivar as boas práticas por meio de
instrumentos econômicos. Embora sejam textos distintos, os dois substitutivos das Comissões de
Agricultura e de Meio Ambiente da Câmara dão as bases do regime jurídico proposto para a Política
Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, definindo seus principais conceitos, princípios, objetivos,
as cláusulas essenciais dos contratos e as principais estruturas e órgãos administrativos que passam a apoiar
a Política.

ENTENDA OS CONTRATOS DE PSA

1. Cláusulas do contrato de PSA


Ambos os substitutivos que estão na Câmara dos Deputados prevêem as cláusulas essenciais para o
contrato de pagamento por serviços ambientais, quais sejam:
• Quem são as Partes (pagador e provedor);
• O objeto do contrato, com a descrição dos serviços a serem pagos ao provedor, a delimitação territorial
da área do ecossistema responsável pelos serviços ambientais e a sua inequívoca vinculação ao
provedor;
• Os direitos e obrigações do provedor, incluindo as ações de conservação assumidas, os critérios e
indicadores de qualidade dos serviços ambientais prestados;
• Os direitos e obrigações do pagador, como o modo, as condições, prazos da fiscalização e
monitoramento;
• A obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas do provedor ao pagador;
• Eventuais critérios de bonificação para o provedor que atingir indicadores de desempenho
superiores aos previstos no contrato;
• Preços e formas de pagamento, critérios e procedimentos para reajuste;
• Casos de revogação e de extinção do contrato; e
• Penalidades contratuais e administrativas a que está sujeito o provedor.

2. Controle sobre a terra e o território


Para garantir o monitoramento e a fiscalização da prestação dos serviços ambientais contratados fica
assegurado ao pagador o PLENO ACESSO À ÁREA o objeto do contrato e aos dados relativos às ações de
manutenção, recuperação e melhoramento ambiental do ecossistema assumidas pelo provedor, respeitando-
se os limites de sigilo ou constitucionalmente previsto.

O contrato de pagamento de serviços ambientais para as propriedades rurais poderá ser vinculado
ao imóvel por meio da instituição de servidão ambiental, ou seja, através da renúncia do provedor
aos direitos de supressão ou exploração da vegetação, em caráter permanente ou temporário.
Este dispositivo é especialmente problemático já que garante ao PAGADOR o direito de livre acesso à
terra e território, assim como a sistemas de conhecimentos dos provedores dos serviços. Para
atender as obrigações contratuais, as comunidades prestadoras de serviço passam a deixar de usar a
terra e o território, tornando-se agentes de fiscalização destes, sob pena de descumprimento contratual.
Em última instância, esta dinâmica representa a transferência da dívida ambiental às comunidades
pobres do Sul, o que significa sério risco sobre o controle da terra e território dos países em
desenvolvimento e aos modos de vida de seus povos associados ao manejo e conservação das florestas.

3. Desmatadores poderão ser pagos com o dinheiro do contribuinte para recompor áreas Embora o texto
aprovado na Comissão de Meio Ambiente não preveja um Subprograma por recurso natural que será
objeto dos serviços ambientais pagos, como faz o Substitutivo da Comissão de Agricultura que prevê
seis Subprogramas que compõem o Programa Federal de PSA (ProPSA), ambos os Substitutivos ampliam
quase que sem restrições o rol de ações e de áreas que podem estar sob o regime jurídico do
Pagamento por Serviços Ambientais.
Dentre os subprogramas estabelecidos está o reflorestamento e recuperação de áreas degradadas,
destinado a ações e iniciativas de recuperação e conservação dos solos e recomposição da
cobertura vegetal de áreas degradadas. Deste modo, o reflorestamento de APPs e Reserva Legal exigidas
por lei, podem ser pagas com o dinheiro do contribuinte. Isso já ocorre no Programa de pagamentos por
serviços ambientais da Costa Rica, em que se paga para se cumprir a Lei, como também é o caso do
projeto produtores de água de Extrema- MG para restaurar as APPs, Lei 2.100/2005.
4. Isenção de Impostos e dispensa de licitação
Os substitutivos também isentam os valores monetários percebidos pelo provimento de serviços
ambientais do Imposto sobre a Renda e da Contribuição social sobre lucro líquido, assim como não
integram a base de calculo para PIS/PASEP ou Cofins - Contribuição para financiamento da seguridade
social.
O texto final aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara também dispensa licitação para a
contratação pelo poder público de provedores ou recebedores de serviços ambientais, a não ser que haja
competição entre provedores.
Além de ganhar com o desmatamento ilegal, ter as multas e penas ambientais extintas, ser financiado
pelos impostos de todos para recompor a RL e APP, os grandes desmatadores que quiserem prestar
serviços ambientais também estarão isentos de impostos e licitação, se contratados pelo poder público.
Na forma em que se encontra o regime de PSA este dispositivo só aumentará a impunidade e incentivará
mais desmatamentos por parte do agronegócio, que se sente premiado com a Reforma do Código e com a
política de pagamentos.

5. Os contribuintes pagarão a conta, inclusive através de novas dívidas internacionais


Quanto as fontes de recursos para o pagamento dos serviços ambientais por meio do Programa Federal de
PSA, o Projeto de Lei cria o FunPSA, o Fundo Federal de Pagamento por Serviços Ambientais. Este fundo
será composto pelas seguintes fontes: até 40 % (quarenta por cento) dos recursos provenientes dofundo
especial do petróleo (o inciso II do § 2º do art. 50 da Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997 da Lei do
petróleo); dotações consignadas na Lei Orçamentária Anual da União e em seus créditos adicionais;
recursos decorrentes de acordos, ajustes, contratos e convênios celebrados com órgãos e entidades da
administração pública federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal; doações realizadas por
entidades nacionais e internacionais, públicas ou privadas; empréstimos de instituições financeiras
nacionais ou internacionais, a reversão dos saldos anuais não aplicados; receitas oriundas da cobrança pelo
uso dos recursos hídricos (Lei 9.433/97), aplicadas prioritariamente na mesma bacia de origem.O dinheiro
para garantir os pagamentos, além das “doações” como se a proteção da biodiversidade fosse um
filantropia dos países desenvolvidos e não um obrigação, poderia ser adquirid8o através da velha
fórmula dos endividamentos com instituições financeiras internacionais! Ótimo negócio para a
recapitalização do Banco Mundial, FMI e etc.

Principais divergências entre os Substitutivos da Comissão do Meio Ambiente e a Comissão de


Agricultura

1. Comissão Nacional e competência regulamentadora


A Comissão de Agricultura confere amplos poderes a uma Comissão Nacional da Política de
Pagamentopor Serviços Ambientais, criada para implementar a Política Nacional de Pagamento por
Serviços Ambientais (PNPSA), gerenciar o Programa Nacional de PSA (ProPSA) e para acompanhar e
fiscalizar as ações do Fundo Federal – FunPSA. Este seria um órgão colegiado composto por
representantes de sete Ministérios e outros órgãos estatais (como Agência Nacional de Águas; BNDS;
ICMbio, Embrapa, FUNAI) e sete representantes da sociedade civil - órgãos públicos estaduais e
municipais de meio ambiente, ONGs e federações patronais e de trabalhadores da agricultura e da pesca.
A exemplo de outras Comissões, como a CTNBio, a competência de regulamentar a matéria
é encarcerada em um espaço restrito e não paritário. Dentre as competências delegadas a esta Comissão
está a elaboração de critérios de elegibilidade para recebimento de remuneração pelos Serviços
ambientais. Se for definido que para se habilitar no cadastro de PSA é necessário apresentar matrícula da
área, a Comissão retira todos os NÃO proprietários de terra da Política de Pagamento por Serviços
Ambientais. A Comissão também fica responsável pela definição de valores a serem pagos pelos
serviços e deverá considerar a qualidade do serviço, a extensão da área e a condição socioeconômica do
beneficiário. A divulgação dos serviços ambientais beneficiados e a manutenção do Cadastro Nacional com
os dados da pessoa física ou jurídica beneficiada, os valores dos serviços, as áreas contempladas e os
serviços prestados, também compõem a competência desta Comissão.
Já o Substitutivo da Comissão de Meio Ambiente também cria um órgão colegiado, mas não delega
tantos poderes a uma Comissão, sendo sua atribuição o estabelecimento de metas, monitoramento de
resultados e proposição de aperfeiçoamentos cabíveis, de acordo com a regulamentação da Lei. Também a
forma de composição do Colegiado é paritária entre poder público, setor produtivo e sociedade civil, sendo
presidido pelo órgão central do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

2. Controle sobre o mercado financeiro e as emissões de crédito


O texto da Comissão de Agricultura indica que o agente financeiro que controla o Fundo
Federal de Pagamento por Serviços ambientais será o BNDES, podendo inclusive habilitar bancos
públicos e privados para operacionalização de contratos de PSA. Já o substitutivo da Comissão de Meio
Ambiente não especifica o agente financeiro, apenas indicando que será Instituição Financeira Federal.
Esta previsão confere todas as condições para que o mercado secundário de carbono e biodiversidade se
estruture através das negociações e especulação dos ativos verdes constituídos. Os diversos agentes
financeiros “habilitados” podem negociar offsets/compensações nos países megadiversos, enquanto o
mundo autoriza a manutenção dos padrões atuais de emissão e degradação dos países desenvolvidos e
recupera-se da crise econômica forjando a nova bolha “verde”.

GARGALOS AO MERCADO DA BIODIVERSIDADE

O principal desafio ou gargalo do mercado de pagamento por serviços ambientais está na


biodiversidade, no chamado PSA biodiversidade. Os economistas que acreditam que botar preço
resolve o problema da conservação, identificam que o pagamento pela conservação dos componentes
da biodiversidade se tornam muito difíceis, por serem bens totalmente públicos pertencente a todos
e a ninguém ao mesmo tempo. Deste modo, a disposição em pagar pela polinização das abelhas,
pela manutenção de determinadas nativas num bioma ou alguns animais em extinção, por exemplo, é
baixa, já que não há visibilidade de como tais componentes da biodiversidade podem gerar benefícios a um
possível pagador.
Por isso os criadores deste novo mercado da biodiversidade e dos ecossistemas identificam
cinco grandes dificuldades para geração deste mercado:
a) são bens comuns ou bens públicos “puros”, ou seja, o preço não reflete o valor e a escassez do recurso
como qualquer mercadoria;
b) baixo conhecimento técnico para eleger quais serviços geram mais benefícios para este ou aquele
setor;
c) dificuldade de monitorar a prestação ou “entrega” do serviço ambiental contratado;
d) dificuldade em colocar preço ou valor econômico que compense o custo de oportunidade;
e) ausência de marco institucional legal nacional para gerar demanda e escala.
Para superar estes gargalos, os economistas apontam que é necessário criar três indutores para a
formação da demanda pelos serviços ambientais: interesses voluntários; pagamentos mediados por
governos; e regulamentações ou acordos internacionais e nacionais.
O TEEB foi construído para sanar parte destas dificuldades já que pretende influenciar o setor
privado e o público para incorporar em suas estratégias os pagamentos por serviços ambientais como
instrumento ou opção de gestão para a conservação da biodiversidade.
No Brasil, os grupos que construíram a flexibilização do Código Florestal e a regulamentação dos
Pagamentos por Serviços Ambientais pretendem induzir a demanda pelo mercado da biodiversidade e dos
ecossistemas. Ao criar a obrigação por Lei, ao mesmo tempo que transfere para o mercado seu
cumprimento, causam uma verdadeira mudança de paradigma no trato da matéria ambiental. A
subordinação dos interesses públicos e sociais aos interesses privados e corporativos é uma das
mais graves conseqüências.

REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL: FLORESTA EM PÉ É FLORESTA COM PREÇO


Os debates sobre a reforma do Código Florestal são um bom exemplo de como a desregulamentação
da proteção ambiental constitui uma oportunidade para o “mercado verde”. As reformas do Código
Florestal vêm no mesmo sentido de diminuir as obrigações legais criando condições para o
desenvolvimento do mercado de carbono e o mercado da biodiversidade ou serviços ambientais. Criadas as
obrigações legais (Lei n° 4.771, de 15-09-1965) e constitucionais em torno da função sócio-ambiental da
propriedade (art. 186 CF), de que todo possuidor de terra no país deve destinar uma porcentagem de
sua área para Reserva Legal (RL), assim como de se manter as florestas nativas em Áreas de Preservação
Permanente (APP), o agronegócio briga para que os custos destas obrigações sejam socializados
com todos os cidadãos, segundo as necessidades do neoliberalismo econômico em clara afronta à
Constituição Federal.

O QUE É A FUNÇÃO SOCIO-AMBIENTAL DA PROPRIEDADE?


A Constituição Federal de 1988 impõe em seu art. 5º, inciso XXIII que toda propriedade privada
sobre a terra no país deve cumprir com os requisitos da função-socioambiental da propriedade, ou
seja, condiciona a possibilidade da apropriação privada sobre o uso e ocupação do solo aos interesses
público e socioambiental.
Deste modo, o art. 186 da CF determina que a propriedade privada atenda, simultaneamente,
a 4 (quatro) requisitos, quais sejam: o aproveitamento racional e adequado; a utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; a observância das disposições
que regulam as relações de trabalho; e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e
dos trabalhadores. A propriedade que não cumprir com os quatro requisitos de forma que a produzir
de forma racional e adequada com respeito ao meio ambiente e à legislação trabalhista, deve ser
desapropriada por interesse social para fins de reforma agrária (art. 184 CF).
Trata-se de intervenção do Estado Constitucional e Democrático de Direito na ordem econômica e
no direito de propriedade privada para que esta não seja protegida pelo sistema jurídico em detrimento dos
direitos humanos fundamentais de todos os cidadãos, como o direito à moradia, ao trabalho, à
alimentação adequada e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isto significa que a função
socioambiental compõe o direito de apropriação privada sobre o uso do solo e dos recursos naturais no país,
operacionalizando o programa constitucional para a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais e regionais (art. 3º CF).
Por isso, a atual reforma do Código Florestal é claramente inconstitucional, já que pretende
desconstituir o núcleo constitucional que impõe a função socioambiental da propriedade. A reforma
desobriga o proprietário a atender qualquer interesse público e social e transfere a todos os cidadãos -
inclusive aos não-proprietários já prejudicados com a concentração da terra e da renda no país - através de
mecanismos como o pagamento por serviços ambientais e a compra de Cotas de Reserva Ambiental, o ônus
econômico e social gerado com as atividades degradantes empreendidas pelo agronegócio.
Com a reforma do Código Florestal através da MP nº 2.166-67 de 2001 (última modificação antes
da atual tentativa), passou-se a permitir a compensação da Reserva Legal por outra área equivalente
em importância ecológica e extensão, desde que localizada na mesma microbacia, através de contratos de
arrendamento de áreas sob o regime de servidão florestal ou aquisição de Cota de Reserva Florestal -CRF,
título representativo de vegetação nativa sob regime de servidão florestal, de Reserva Particular do
Patrimônio Natural ou sob reserva legal instituída voluntariamente sobre a vegetação que exceder os
percentuais mínimos exigidos. Quem não tenha área necessária para o atendimento ao mínimo previsto da
RL, pode adquirir tais títulos representativos, as cotas de reserva florestal. Cria-se a obrigação ou limite
mínimo para todos e depois os “mecanismos flexibilizantes” geram o mercado da floresta, que passa a
autorizar desmatamentos e a compensação da Reserva Legal na área de terceiros.

A REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL: DADA A LARGADA PARA O MERCADO


FINANCEIRO
Com a atual proposta do Código Florestal que se encontra sob análise do Senado, o limite mínimo
de cobertura florestal por propriedade foi drasticamente diminuído, ampliando-se tanto os mecanismos de
flexibilização ao ponto de a lei transferir aos instrumentos de mercado a tarefa de regular as florestas e a
biodiversidade. Em poucas palavras, são os impostos de todos os brasileiros e o mercado de pagamento por
serviços ambientais, através da negociação de títulos representativos de floresta nativa no mercado
financeiro, o que custeará o cumprimento do mínimo de cobertura verde exigido por lei.
A anistia de reflorestamento de APPs para áreas consolidadas de desmatamento; ;a
possibilidade de cômputo da APP no cálculo da reserva legal a todos os agricultores; a possibilidade de
redução da RL em 50% da Amazônia para fins de regularização ambiental pelo poder público federal, se
indicado no ZEE (Zoneamento Econômico Ecológico) estadual, além da isenção das áreas de até 4
módulos em manter Reserva Legal, são alguns dos diversos mecanismos flexibilizantes que passam a
incorporar milhões de hectares aos mercados de commodities agrícolas, ou então ao mercado de
carbono e/ou
pagamentos por serviços ambientais, a depender dos custos de oportunidade oferecidos.
As florestas nativas que deixam de ser Reserva legal ficam liberadas para serem negociadas como
títulos de crédito no mercado financeiro e especulativo, através da criação da Cota Florestal
Ambiental que torna a cobertura florestal um título ambiental negociável. A proposta atual do Código
cria todas as possibilidades para o mercado de pagamento por serviços ambientais em seu capitulo XI
ao autorizar a emissão da Certidão de Reserva Florestal (CRA), título de crédito nominativo representativo
de 1 hectare de vegetação nativa que não seja obrigatória por lei, ou seja, não pode recair sob RL e
APP. A CRA pode representar floresta nativa sob o regime de servidão ambiental (denominada
servidão florestal no Código de 64), sob Reserva Legal voluntária acima do mínimo exigido por lei;
sob Reserva Particular do Patrimônio Natural, além da Reserva Legal das propriedades de até 4 módulos
rurais, conforme Lei 11.326/06, já que isentas.

Davi contra Golias no mercado da floresta


A isenção das áreas de até 4 módulos em manter Reserva Legal, insere os pequenos produtores
como fornecedores de serviços ambientais em plena desigualdade de condições com os grandes
desmatadores, principais beneficiários das modificações do Código, já que ganham com o
desmatamento, com o custeio do mercado de carbono e de pagamento por serviços ambientais para a
regularização de suas propriedades, além da possibilidade de lucro com os novos ativos de crédito
florestal que podem negociar, para além das commodities agrícolas. O mercado ordena a opção.
Outro ponto crucial que coloca os pequenos fora do real mercado de pagamento por
serviços ambientais é a exigência para a emissão da CRA de apresentação de matrícula do imóvel, ou seja, é
um mercado de proprietários de terra. E os pagamentos por serviços ambientais dependerão de critérios
elegibilidade, como a dimensão da área vinculada a provisão dos serviços. Para os grandes desmatadores
que ainda estejam fora das exigências legais que restaram, a proposta atual cria o mercado de
pagamento por serviços ambientais para cobrir os custos da regularização ambiental. Aqueles que se
inscrevem no Programa de Regularização Ambiental têm direito a benefícios fiscais (isenção de ITR),
incentivos financeiros no crédito agrícola, e outras medidas indutoras e linhas de financiamento, como a
destinação da arrecadação da cobrança sobre o uso da água para o pagamento para serviços ambientais para
fins de recomposição de RL e APP, e outras coberturas verdes além do mínimo exigido. É o povo
brasileiro custeando a legalização das áreas do agronegócio.
Além do prêmio fiscal e financeiro aos desmatadores, a proposta propõe a suspensão das
multas e também da punibilidade de alguns crimes ambientais durante o processo de regularização
ambiental e, após cumpridas as obrigações de regularização, haverá a conversão das multas em serviços
ambientais e a extinção da punibilidade.
Diferente do Código atual que prevê a Cota de Reserva Florestal, a Cota de Reserva Ambiental
(CRA) trazida com a atual proposta de modificação, além de servir para realizar compensação de Reserva
legal, permite a ampliação das possibilidades de transações comerciais e financeiras com as florestas. O art.
55 da proposta de modificação do Código torna a Cota representativa de cobertura florestal, um título de
crédito nominativo. Assim a Cota de floresta nativa pode ser transferida, inclusive por cadeias
sucessivas de endosso como um cheque, de forma onerosa ou gratuitamente, a pessoa física ou jurídica de
direito público ou privado, mediante termo assinado pelo titular da CRA ao adquirente. A
transferência gera efeitos ao novo proprietário após o registro no Sistema único de controle das Cotas de
Reserva Ambiental. Ou seja, não só o agricultor que não tem Reserva Legal pode substituí-la por um título
de crédito, como qualquer particular pode adquirir e vender cotas sob servidão, RPPN ou cobertura nativa
acima do limite legal, criando-se um sistema de comercialização de cotas de conservação sob os tetos
estabelecidos pela lei. O dinheiro levantado paga a conta e autoriza a manutenção das atividades
dos grandes desmatadores, poluidores e dos grandes monopólios sobre os recursos naturais.
Na tentativa de evitar a sobreposição de compensações de diversas áreas em uma só cota, ou
então a emissão de títulos florestais sem qualquer floresta nativa correspondente, o Código cria alguns
sistemas de controle como a própria natureza jurídica de titulo nominativo. Este título só será emitido
mediante aprovação e registro do órgão competente do Sisnama e só pode ser transferido com a
assinatura do proprietário; o cadastro do CRA em um sistema único de controle com o nome do
proprietário, dimensão e local da área vinculada ao título também representa uma tentativa de controle
sobre emissão de títulos “verdes’. Também a área vinculada a Cota deve ser averbada na matrícula
do registro do imóvel, e o título deve ser registrado, em até 30 dias da data da emissão, em bolsa de
mercadorias de âmbito nacional ou em sistemas de registro e de liquidação financeira de ativos autorizados
pelo Banco Central, de modo a garantir a não emissão de títulos podres ou sem lastro florestal.
A negociação de títulos florestais no mercado financeiro e especulativo, como ativo ou derivativo,
passa a custear este novo mercado de pagamento por serviços ambientais, que embora possa
beneficiar de forma modesta os pequenos agricultores, foi criado tanto para custear a regularização
de grandes desmatadores, como o custo industrial e do agronegócio em abster-se de avançar sobre alguns
territórios e recursos.
Com a atual sistema de REDD + não apenas ganha-se com o desmatamento evitado, assim como
está sob negociação na Convenção do Clima a possibilidade em se financiar o reflorestamento com
monocultivos de exóticas como o dendê (a palma africana) e o eucalipto, de especial interesse para a
indústria dos agrocombustíveis e de papel e celulose. O que pode se tornar uma das grandes atividades
beneficiárias de um tipo de pagamentos por “serviços ambientais”.
A fórmula é simples: a terra parada e a floresta em pé, seja nativa ou exótica, devem virar commodities para
custear sua sobrevivência, nós não temos nada haver com isso!
A proposta de mudança em poucas palavras retira esta obrigação constitucional de cumprimento da função
sócio-ambiental da propriedade e coloca a preservação do meio ambiente nas mãos do mercado e nos
ombros dos trabalhadores.

PRINCIPAIS PROBLEMAS DO MERCADO DE PAGAMENTOS POR


SERVIÇOS AMBIENTAIS PARA O DIREITO DOS AGRICULTORES

O mercado de pagamentos por serviços ambientais foi pensado para se gerar dinheiro para
custear o cumprimento dos tetos de emissão ou limites de conservação impostos por lei,
financiando desmatadores, assim como para autorizar a continuidade das emissões e desmatamentos
através do mercado das compensações. A compra de títulos “verdes”, como a Cota de Reserva
Ambiental, ou a compra de serviços ambientais autorizariam a continuidade e até o aumento das emissões
e degradação das grandes corporações dos países desenvolvidos, transferindo a dívida ambiental e
climática para os países e povos e comunidades do Sul. O dinheiro levantado no mercado financeiro
“verde”, não apenas paga a conta da indústria e do agronegócio como alavanca o sistema financeiro
com um gigantesco mercado de produtos, tecnologias, serviços, assessorias e ativos sob o rótulo de verdes.
Embora possa significar um apoio aos agricultores familiares, povos indígenas e povos e comunidades
tradicionais para continuar a manter suas práticas associados a conservação e uso sustentável dos
recurso, o mercado de pagamento por serviços ambientais só sobrevive se ganhar escala para cobrir seus
custos. Para isto é muito mais simples pagar grandes proprietários de terras para recompor suas APPs, RL
e aumentar sua cobertura verde, do que buscar diversos agricultores espalhados em suas unidades
produtivas, muitas vezes sem o título de propriedade, o que gera insegurança para o mercado e o
pagador.
Deste modo, a avalanche de políticas e marcos legais para implementar este mercado de pagamentos por
serviços ambientais pode representar sérios riscos para a proteção dos direitos dos agricultores, povos
indígenas, povos e comunidades tradicionais. Dentre eles, destacamos:

• Distribuição da propriedade sobre a natureza e a privatização de bens comuns e comunitários por poucas
empresas e monopólios, como o ar, água e componentes da biodiversidade;
• Redução dos valores de existência da biodiversidade e os valores sócio-econômicos, culturais e religiosos
ao preço colocado pelo mercado e pelo custo da cadeia produtiva. O beija flor pode custar o preço de um
litro de diesel. Custo do beija flor = custo para distribuição mecânica de sementes (plantadeira, diesel, mão
de obra);
• Valoração externa da biodiversidade e dos ecossistemas a partir das cadeias de produção pode significar,
de imediato, a redução da biodiversidade e das técnicas sociais construídas nos territórios pelas
comunidades locais a partir de suas valorações, usos e conhecimentos;
• O instrumento contratual eleito pelo regime jurídico dos PSA trata grandes empresas e
comunidades tradicionais em igualdade de condições sócio-econômica, colocando o pólo mais frágil do
contrato em plena desigualdade de condições. O direito tem de tratar os iguais igualmente e os
desiguais desigualmente, sob pena de distribuir injustiça.
• Obrigação contratual dos PSA pode significar controle dos modos de vida e controle sobre a terra
e território;
• Contratação de serviços ambientais pelo pagador, a depender do custo de oportunidade, obriga as
comunidades fornecedoras a desenvolver ações e fiscalizar o território, conforme os serviços
ambientais elegidos como obrigações no contrato. O que pode impactar o modo de vida, a gestão do
território e a conservação da biodiversidade que não expressar preço de mercado.
• A depender dos critérios de elegibilidade e as demandas por escala, os pequenos agricultores
podem ficar fora do mercado de PSA. Aquele que tiver a maior quantidade em hectares acabará
concentrando o mercado, como ocorre em todas as outras cadeias produtivas.
• Substituição e enfraquecimento de políticas públicas e marcos legais consolidados. A extensão da
Política de PSA a todos aqueles que quiserem prestar serviços ambientais, retira o tratamento diferenciado
e a intervenção do estado para incentivar e empoderar de forma privilegiada os agricultores
familiares, povos indígenas, povos e comunidade tradicionais que tem seus modos de ser e fazer ligados a
conservação e uso sustentável, como exigem normas internacionais como o Tratado Internacional sobre os
Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (art. 5. 6 e 9) e a Convenção da Diversidade
Biológica (8 j e 1º c).
• Pagamentos por serviços não é repartição de benefícios. O PSA traz outras questões como acesso aos
conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios que não podem ser tratados como SERVIÇOS,
já que tem uma regulamentação própria em âmbito internacional (Protocolo de Nagoya da CDB) e
nacional (MP 2.186-16/2001)
• Possível aumento de taxas sob uso dos recursos a todos os cidadãos para custear a política de
pagamentos, que como visto, tem o potencial de beneficiar grandes proprietários desmatadores.

Existem diversas políticas destinadas a valorização das práticas e dos produtos da agricultura
familiar, seja através da implementação de SAFs e projetos de manejo facilitados, compra de sementes e
mudas crioulas e o bônus para alimentos saudáveis, como o PAA e o PNAE. Ao invés de se pagar para que
comunidades se tornem prestadoras de serviços, por que o Estado não empodera estas políticas
estruturantes, como por exemplo, o aumento do bônus de 30% para 70 % para a agricultura
orgânica e agroecológica?
Uma política de Pagamento por Serviços Ambientais voltada a todos indistintamente, além de
beneficiar desmatadores, leva a política sócio-ambiental a tratar todas as classes de agricultores (pequenos,
médios e grandes), assim como a pluralidade de povos e comunidades locais da mesma forma. O
mote que orienta a reformulação da política pública (fiscal, agrícola, ambiental): “Todos juntos
contra as catástrofes ambientais, as emissões e a degradação”, pode significar retrocessos
significativos nos marcos legais e na condução de políticas estruturantes da agricultura familiar
camponesa e das comunidades locais. É necessário separar o joio do trigo e apontar quem são os
responsáveis pelas emissões e pelo desmatamento, assim como identificar quais são os sujeitos que
vem realizando a conservação e uso sustentável, como também a produção de alimentos saudáveis para
o povo.
O que de fato pode realizar a conservação e uso sustentável dos recursos naturais é a garantia do
direito à terra e território, a reforma agrária e democratização do acesso e uso do solo rural e
urbano e dos recursos naturais, a proteção dos conhecimentos comunitários pelo seu direito ao livre
uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade, respeitando as características dos bens comuns. Na
conjuntura atual, uma Política de Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA- não está dissociado da
criação de um mercado mundial de bens e serviços ambientais. Por isso a redução das
práticas tracionais agroecológicas e dos modos de vida das populações a um “serviço” mensurável e
vendável vai na contramão da afirmação dos Direitos dos Agricultores que precisam sim receber o
preço justo e políticas estruturantes, mas estas não devem passar, sob nenhuma condição pelas
vontades e especulação dos mercados.
Rio+(ou-)20: uma chancela para o capitalismo verde?
Lúcia Ortiz *

Com foco em economia verde e governança global, conferência sinaliza captura pelo mercado e
pode ser consolidada como a Cúpula da Mercantilizacão da Natureza. A Rio+20, conferência mundial sobre
‘desenvolvimento sustentável’, será realizada no Rio de Janeiro de 4 a 6 de junho de 2012, por sugestão do,
então, presidente Lula, em 2007, na Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU). Os objetivos iniciais
eram nobres:o de assegurar a renovação dos compromissos políticos para o desenvolvimento sustentável,
avaliar o progresso e as lacunas (e por que não suas causas estruturais?) na implementação dos resultados
das principais conferências desde a Eco92 e tratar novos e emergentes desafios. Porém, não foi criado um
processo de avaliação e negociação à altura desses objetivos.
Por outro lado, estabeleceu-se como o foco da Rio+20, e com muito mais empenho e força política,
os questionáveis temas da economia verde ‘no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da
pobreza’, e o arranjo institucional para o desenvolvimento sustentável, ou a governança global para o meio
ambiente. No mínimo, pode se reconhecer a redução dos pilares do que foi conceituado como
desenvolvimento sustentável – social, ambiental e econômico – ao da economia global capitalista,
mascarando os mecanismos de implementação e de controle global da natureza, deste novo ciclo de
acumulação. Contexto que invisibiliza ainda mais a diversidade cultural, a qual deveria ser incorporada
como pilar central da sustentabilidade, por trazer novas e ancestrais formas de pensar, relacionar-se e ser
parte da natureza, criando e recriando outras economias em sociedades sustentáveis.
Economia verde: um frágil novo consenso
Este foco, no pretenso novo consenso global da economia verde e a preocupação com a governança
num sistema de Nações Unidas capturado pelos interesses das corporações, explicita a resistência imposta a
uma agenda de sustentabilidade e democracia global nestes últimos vinte anos, assim como os interesses
que devem definir a direção dos acordos globais para o meio ambiente daqui para frente.
A agenda da Rio+20 busca legitimar o capitalismo verde. Isso, por um lado, expõe a fragilidade do
sistema frente às múltiplas crises e a necessidade de tamanho aparato e refinamento do discurso para
dialogar com a apreensão da sociedade frente aos problemas ecológicos e sociais, como o sintoma do caos
climático, para, então, conseguir uma aceitação social e política – apesar do poderio econômico e midiático
a seu serviço.
A estratégica falta de conteúdo dada ao termo economia verde no ambiente das negociações da
ONU, ainda que pretenda ser a base de um novo “acordo verde”, já tem provocado reações de diversos
países. Na 19a sessão da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), o resultado das negociações
foram: a falta de acordo na agenda de implementação no tema central do ciclo da CDS, sobre Padrões de
Produção e Consumo; a dúvida sobre a capacidade da ONU para lidar com o ambicioso tema do arranjo
institucional para a Rio+20; e propostas de, inclusive, rever o termo economia verde para reduzir polêmicas
evidentes.
Fato de maior relevância foi a declaração dos países latinoamericanos, resultante dos dois dias e meio de
processo regional oficial de preparação que aconteceu no início de setembro no Chile, que simplesmente
rechaçaram e ignoraram o termo economia verde do seu pouco ambicioso acordo final.
Processo oficial: longe da governança inclusiva
O processo em curso, iniciado oficialmente pela resolução da ONU de 24 de dezembro de 2009,
estabelece etapas preparatórias de negociações oficiais. De forma autônoma e independente, já envolve uma
agenda de mobilizações da sociedade civil, bem como um processo (que não se encerra com a conferência)
de acompanhamento dos reflexos da sua preparação e resultados sobre as políticas nacionais e de
construção e fortalecimento de um movimento global por justiça social e ambiental.
A conferência acontecerá em apenas três dias (4 a 6 de junho de 2012) e está baseada em três etapas
preparatórias internacionais, sendo que as duas primeiras já aconteceram e a próxima será nos dias que
antecedem imediatamente a Rio+20 (28 a 31 de maio).
O processo acordado consiste em chamar os diversos setores da sociedade civil a enviar
contribuições por internet sobre os temas foco da Rio+20 durante todo o ano de 2011, para que um
documento chamado “rascunho zero” seja divulgado somente em janeiro de 2011.
Antes, se trabalhava para buscar consensos globais nas negociações, para que as convenções e tratados
fossem ratificados pelos países signatários, passassem a valer e se desdobrar em políticas públicas
domésticas. Hoje, a lógica se inverte: já existe uma corrida pela implementação de arcabouços legais e
políticos nos países para a chamada transição para uma economia verde sem que suas bases ou metas, e
mesmo seu conteúdo, tenham sido definidos.
Tendo como referência os resultados das últimas negociações mundiais para o meio ambiente,
podemos prever que as estratégias de inovação dos processos de negociação aumentam os riscos de limitar
a participação dos países em desenvolvimento, e da sociedade organizada de desconsiderar as
desconformidades, como foi o caso da posição da Bolívia frente ao acordo de Cancun na COP16 do Clima,
bem como da imposição de textos “caídos do céu” num ambiente falho de negociações para alcançar
verdadeiros consensos. Como resultado dos (ou da falta dos) processos em curso, se a Eco92 ficou
conhecida como a Cúpula da Terra, a Rio+20 poderá significar a consolidação da Cúpula da
Mercantilização da Natureza, com ou sem consenso.
Um acordo de livre comércio disfarçado de verde?
Seguindo na linha da captura corporativa das convenções da ONU, o processo em marcha por conta
da Rio+20 é o de recomendar estratégias domésticas (leia-se políticas nacionais) que os países em
desenvolvimento (e não aqueles historicamente responsáveis pelas crises ecológica, financeira, alimentar,
energética...) necessitam pôr em prática para alcançar os desafios da transição para a economia verde
(tema sobre o qual não há consenso nem entre os países envolvidos na negociação) e mapear o andamento
das iniciativas.
Nos moldes dos polêmicos empréstimos do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacinal
(FMI) para os chamados Ajustes Estruturais da economia dos países em desenvolvimento, de privatização e
abertura dos serviços à fase neoliberal do capitalismo nos anos de 1990, ou das imposições dos Tratados de
Livre Comércio (TLCs) às políticas nacionais para as indústrias extrativas, a economia verde vem, tal e
qual, como uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). No entanto, ela vem muito mais sutil,
disfarçada de verde e considerada inofensiva nas negociações mundiais para o meio ambiente.
O ajuste estrutural do meio ambiente ao capital
O Brasil sancionou, em plena loucura pós Copenhague, nos últimos dias de 2009, sua Política
Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). E mesmo após quase uma década de demandas da sociedade
civil, houve o veto presidencial ao artigo que tratava da redução progressiva do uso de combustíveis fosseis
e a inclusão da instituição de mercados certificados de carbono, o suprassumo da economia verde.
Hoje, os planos setoriais, outro instrumento da PNMC, estão para ser aprovados com pujantes orçamentos
públicos. No entanto, eles não vão além de “mais do mesmo”: um plano chamado ABC do agronegócio, ou
Agricultura (industrial) de Baixo Carbono; outro de Siderurgia Verde, para exportação de aço produzido
com carvão vegetal de monoculturas de árvores; um terceiro, que é o próprio Plano Decenal de Expansão
de Energia (PDEE), calcado na construção de barragens na Amazônia e na expansão do agronegócio da
energia da cana e da energia nuclear; e outros dois de combate ao desmatamento na Amazônia e no
Cerrado. Já em 2010, durante as negociações de Cancún, o Brasil lançou o Fundo Clima, para direcionar
recursos da exploração do petróleo do pré-sal - de alto carbono - na forma de empréstimos num total de 200
milhões de reais para o setor privado assim promover a economia verde.
Políticas públicas para garantir direitos ao mercado
Avançam as políticas verdes com resultados para a especulação fundiária e que fazem da reforma
agrária um sonho de justiça cada vez mais distante. Há quem diga que o “Novo Código Florestal” ruralista a
ser votado no Senado deixa o Brasil em flagrante contradição como país anfitrião da Rio+20. Não será o
contrário? O governo poderá, a seguir, vetar algumas emendas, ou não perdoar a dívida de desmatadores.
Mas tirar a proteção do Estado, reduzindo ou eliminando Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e
Reserva Legal, é uma forma de dar acesso aos mercados a essa enorme e bilionária riqueza verde que, até
então, não circulava nas bolsas. Nova modalidade em debate, depois da votação no Congresso, é que os
desmatadores anistiados possam também receber incentivos e créditos de carbono por recuperar áreas que
degradaram - isso não sendo válido para os pequenos agricultores, que estariam isentos do dever de
reconstituir reserva legal.
Nessa linha, estão em tramitação os Projetos de Lei (PLs) de REDD nacional e estaduais e o de
Serviços Ambientais, que já têm cronograma definido para “ou sim ou sim” estarem aprovados antes da
Rio+20 para mostrar como o Brasil fez sua lição de casa. Antes que nos organizemos e nos atentemos para
o seguimento destas políticas, uma lei dessas dá como certa a perda de soberania das comunidades sobre
seus territórios ao garantir juridicamente o acesso irrestrito das corporações - ou outros pagantes dos
serviços que estejam compensando a degradação ambiental de suas atividades em outro canto do mundo -
para medições e verificações sobre os serviços adquiridos, sejam eles o carbono, a água ou a
biodiversidade.
Entre os estados mais adiantados está o Acre, que desenvolve um projeto pioneiro de REDD,
contabilizando um volume estimado, para os anos de 2006 a 2009, de 100 milhões de toneladas de dióxido
de carbono (CO2), cuja comercialização será feita em leilão na BM & FBovespa no final do segundo
semestre de 2011 para precificar, pela primeira vez no Brasil, os créditos de carbono das florestas.
E chegando à capital dos megaeventos, para além da Rio+20, no Rio de Janeiro, se anuncia a Copa
do Mundo verde e solar. Ela se concretiza com vultosos financiamentos públicos para o setor privado
abastecer com energia renovável novos estádios e mega infraestruturas de entretenimento das elites, a serem
construídas em locais de disputa com as comunidades urbanas carentes de acesso aos serviços públicos
básicos. Cada vez mais a lógica da especulação imobiliária nas cidades reproduz o discurso do verde que
entrou pela porta do clima. É o caso da geração de créditos e mercados de compensações no caso de
projetos que pela lei sejam privados de aplicar máximos índices construtivos, ou dos eco condomínios de
luxo que apropriam-se de áreas verdes anteriormente públicas e passam a vender sustentabilidade.
Movimentos sociais na contra corrente
Buscando deslegitimar desde já o pretenso novo consenso global da economia verde, os movimentos
sociais no Brasil e no mundo podem ver o caminho a Rio+20 como um processo político para fortalecer e
dar visibilidade às lutas de resistência no campo, nas cidades e na floresta, assim como às propostas e
soluções populares por justiça social e ambiental. Através da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Multilaterais, o Amigos da Terra, juntamente com a Via Campesina, a Marcha Mundial das Mulheres, o
Jubileu Sul e mais dez outras redes nacionais, integra o Comitê Facilitador da Sociedade Civil para a
Rio+20. Este Comitê prepara uma série de atividades locais, nacionais e internacionais, que passam pelo
fórum alternativo ao G20, na França, em novembro; pela COP17 do Clima, em Durban, no final de
novembro; pelo Fórum Social Temático, em Porto Alegre, em janeiro de 2012; e pelas atividades paralelas
a Rio+20, que pretendem oferecer um choque de paradigma durante a próxima semana do meio ambiente
no Rio de Janeiro.
Sem ter como foco os megaeventos oficiais, estas etapas podem representar momentos de
convergência e fortalecimento dos movimentos sociais e das suas propostas contra hegemônicas,
necessárias ao enfrentamento de um novo e complexo ciclo de acumulação repleto de contradições e
apropriações dos discursos ambientais e das demandas populares por justiça social. O grande desafio e
oportunidade que esta Conferência traz é o da mobilização daqueles setores da sociedade civil ávidos por
um real choque de paradigma, por mostrar justamente que as soluções reais não têm como se dar, nem
pintadas (de verde), dentro de um sistema que precisa mudar, e já.
Lucia Ortiz é coordenadora do Amigos da Terra Brasil, membro da Coordenação Nacional da Rede
Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e coordenadora regional do Programa Justiça
Climática e Energia do Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) – lucia@natbrasil.org.br

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