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O TRABALHO DA CITAÇÃO
1 ª REIMPRESSÃO
i
EDITORA UFMG
BELO~HORIZONTE
2007
O HOMEM DA TESOURA
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. kàveria
'
entre sua biblioteca e uma antologia, um
_, , escolar? Ele se desembaraçara do dejeto, criara a ,:ianuaJ
-- . - dºl - erdade
da leitura como exc1taçao
. e 11·aceraçao,
" apregoava essa
verdade bruta e a. praticava
- nos
d. 1vros.
- Oe verídico"' como
diz Céline. Pois isso nao se 1z, nao se 1az. Ler com u
lápis na mão, recopiar na caderneta de anotações, iss
mUito bom. Mas recortar e sobretudo jogar fora os resto e
lançá-los ao lixo, que inconveniência! Ora, no funJ;•
substancialmente, é a mesma coisa. O essencial da leitura ;
ó q'ue éu"recorto, o que eu ex-cito; sua verdade é o que m:
êómpraz, ii que me solicita. Mas como fazê-los coincidir? A
citaç-ão é a ilusão de uma coincidência entre a solicitação e
a e:KcitaÇâ0, ilusãó
.
levada ao extremo pelo guarda-florestal'
sintoma da leitura como citação. Era preciso fazê-lo calar,
. pois o homem da tesoura é o único verdadeiro leitor. Valéry
confessava: '~Leio com uma rapidez superficial, pronto a
agatrar minha presa." É verdade que logo acrescentava:
"Tento escrever de tal forma que, se eu me lesse, não
poderia ler como eu leio:' 15 Sem dúvida, ele também não
teria gostado que bancássemos o homem da tesoura nos
seus livros.
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REESCRITA
.
f
r
1
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em seu horizonte: o texto
. ideal,
. utópico , aquele e
sonhou Flaubert, sena uma citação. A utiliza _ orn que
. - , e b . . Çao de u
c1taçao como ep1gra1e su stltu1 esse ideal defi rna
E na impossibilidade de realizar o ideal, 0 livroº;;aotlo-o.
·t d . - . contenta
em. ser a reescn
. a e uma c1taçao inaugural que por s1. só
sena suficiente. .
Se o modelo da citação, do texto, todo ele reescrit0
assusta, fascina ainda mais. Ele toca no limite em que ~
escritura se perde em si mesma, na cópia. Reescrever, sim.
"Mas copiar,: diz Aragon, "isso_é mal visto, observem que
todo mundo copia, mas há aqueles que são espertos, que
trocam os nomes, por exemplo, ou que <lã.o um jeito de se
apropriar de livros esgotados,: 25 E Françoise, cheia de bom
senso, prevenia o narrador de Em Busca do Tempo Perdido,
recriminava-o por dar as dicas de seus artigos antes de
tê-los escrito: : Todas essas pessoas aí são copistas. Você
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precisa desconfiar mais:,
A obra de Borges representa, sem dúvida, a exploração
mais aguda do campo da reescrita, sua extenuação. Pois
se a escrita é sempre uma reescrita, mecanismos sutis de
regulação, variáveis segundo as épocas, trabalham para que
ela não seja simplesmente uma cópia, mas uma tradução,
uma citação. É com esses mecanismos que Borges organiza
a violação. "Pierre Menard, Autor do Quijote,,, um dos
contos reunidos sob o título de Fictions (Ficções), realiza
o ideal do texto e pretende que ele se distinga da cópia.
Pierre Menard
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coincidissem - palavra por palavra e linha por linha - com
as de Miguel de Cervantes.27
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