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Coordenação de Armindo Rodrigues Coordenação de Armindo Rodrigues

Padrões em Calçada Portuguesa nos Açores:


Autores:
Helena Sousa Melo
um cruzamento entre o Património
Ricardo Cunha Teixeira
Susana Goulart Costa
e a Matemática
O Património Cultural de um país, de uma região ou de uma mestres calceteiros. Deste modo, a calçada começou a ser
cidade está em contínua mudança. Perante tal instabilidade, valorizada, promovendo não só elementos estéticos de ele-
a sociedade reage, através de registos institucionais, comu- vado interesse, mas também oferecendo ao nosso olhar per-
nitários ou mesmo por via de iniciativas pessoais, tentando feitos roteiros de simetria matemática.
chamar a atenção para a importância de determinado O conceito intuitivo de simetria acompanha-nos desde que
Património, reclamando a sua proteção ou mesmo a sua começamos a ter consciência do mundo em que vivemos.
classificação. Reconhecemos facilmente exemplos de simetria na
Todavia, a par deste Património classificado, há uma imensa Natureza, na arquitetura e na arte decorativa. A palavra
riqueza patrimonial simetria tem a sua a ori-
que nos rodeia que gem na palavra grega
ainda não está classifi- ıȣȝȝİIJȡȓĮ (ıȪȞ “com”,
cada. Os exemplos são ȝȑIJȡȠȞ “medida”) e o seu
muitos, quer no campo conceito está relacionado
do Património Material com a invariância de um
Imóvel, Móvel e objeto sob certas trans- nos rodeia. No caso dos padrões em calçada que encontra- um friso que tem apenas simetria de translação, que é
Integrado, quer na área formações geométricas, mos nos Açores, os mais comuns são de dois tipos: as rosá- comum a todos os frisos, registando-se sempre o mesmo
do Património Cultural denominadas isometrias, ceas e os frisos. espaçamento entre as várias cópias do motivo. Em (d), o
Imaterial. Isto não que preservam a distân- As rosáceas não apresentam simetrias de translação. O seu friso apresenta também simetria de reflexão num eixo com
significa que este cia entre pontos, e conse- grupo de simetria pode ser um grupo cíclico Cn, se tiver ape- a direção da translação. Em (e), a figura apresenta simetria
Património não seja quentemente, a colineari- nas simetrias de rotação, ou um grupo diedral Dn, se tam- de reflexão em eixos perpendiculares à direção da transla-
valioso, mas apenas que ainda não foi institucionalmente dade e ordem dos pontos, a amplitude dos ângulos, as rela- bém tiver simetrias de reflexão em reta. Em termos práticos, ção e, em (f), simetria de reflexão deslizante. Nos exemplos
reconhecido como tal. ções de paralelismo e perpendicularidade. o valor de n corresponde ao número de vezes que se repete (g), (h) e (i), para além da translação, existe meia-volta ou
É neste contexto que estão as calçadas que, diariamente, As isometrias existentes no plano são quatro: a reflexão em o motivo em torno do centro de rotação. Em (a), as velas do simetria pontual. Na prática, isto significa que a sua configu-
observam os nossos passos e acompanham a nossa azáfama reta, em que está associada a simetria axial, sendo a reta o moinho são um exemplo de uma rosácea com grupo de ração não se altera se imaginarmos a figura “de pernas ao
nos passeios e espaços públicos urbanos. Não são muitos os eixo da reflexão; a rotação, e entre esta a meia-volta (rota- simetria C e, em (b), observamos uma rosácea do tipo D. ar”. Em (h) e (i) também existe simetria de reflexão em eixos
que prestam atenção para o contraste do preto do basalto ção de 1 graus) relacionada com a simetria pontual; a Por sua vez, os frisos são figuras com simetria de translação perpendiculares à direção da translação. O que distingue os
com o branco do calcário, embora este chão que pisamos translação, dependente da direção, sentido, e comprimento numa única direção, o que se traduz na repetição de um dois últimos tipos de frisos é a existência de simetria de refle-
seja minuciosamente olhado por muitos turistas estrangei- de um vetor; e a reflexão deslizante, uma composição entre motivo ao longo de uma faixa. Prova-se em termos matemá- xão num eixo com a direção da translação apenas em (h).
ros. Esta calçada, designada como Calçada Portuguesa, deve uma reflexão em reta e uma translação. ticos que existem apenas  tipos de frisos e, de seguida, Terminamos convidando o leitor a percorrer as ruas das várias
ter chegado aos Açores em meados do século XIX, provavel- Dizemos que uma figura do plano é simétrica quando há apresentamos um exemplo de cada um deles. Em (c), temos cidades açorianas e a apreciar a beleza das suas calçadas.
mente pelas mãos de gente ilustre que tinha condições uma isometria no plano que a deixa invariante. Ao conjunto
financeiras para, junto às suas nobres moradias, importar a de todas as simetrias da figura, com a operação de composi-
moda da calçada que se observava em Lisboa e em outras ção, denominamos de grupo de simetria da figura. Nestas
cidades continentais. Só mais tarde, já no século XX, condições, a figura é chamada ornamento ou padrão, e este
enquanto os arruamen- pode ser classificado. Matemática Urbana
tos de terra iam sendo O trabalho do matemáti-
substituídos por pavi- co consiste em encontrar,
mentos empedrados, os estudar e classificar todo
respetivos passeios o tipo de padrões. Esta O projeto Matemática Urbana foi cria- que tendemos a ignorar por nos estar
pedonais ganhavam tarefa, por vezes árdua, do no âmbito do Ano Internacional da tão próximo. A Universidade dos
uma nova configuração ajuda-nos a compreender Matemática do Planeta Terra e preten- Açores associou-se a este projeto. Até
através do trabalho dos melhor a realidade que de sensibilizar estudantes, professores ao momento já foram desenvolvidos
e público em geral para a matemática vários roteiros de simetria, disponíveis
escondida nas nossas cidades, identifi- em www.mat.uc.pt/mpt1/matemati-
cando afinal um património valioso ca-urbana.html.

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 de setembro de 1  de setembro de 1

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