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Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula

O POTENCIAL DA ARTE ISLÂMICA NO ENSINO DE


GEOMETRIA

Adriana da Costa Barbosa1


Ligia Arantes Sad2

Resumo
Esse trabalho visa apresentar as potencialidades dos padrões geométricos usados na arte
islâmica para o ensino de geometria. Trata-se de uma pesquisa exploratória cujo procedimento
metodológico de coleta de dados teve por base principal intensa investigação bibliográfica e
visitas a cidades islâmicas. A análise dos resultados foi referenciada, fundamentalmente, nos
pressupostos da Etnomatemática. Os resultados indicam que os padrões geométricos islâmicos
usam desenvolvimentos matemáticos, com destaque para a geometria, na construção de um
simbolismo relacionado a religião muçulmana. A presença da geometria na arte islâmica é um
caminho para discutir, por exemplo, isometrias e pavimentação do plano. Percebeu-se que a
prática matemática Girih foi desenvolvida e utilizada no contexto das construções arquitetônicas
dos povos muçulmanos, estando presente na ornamentação de construções religiosas, estatais e
culturais. Essa prática mostra-se potente também para o ensino de Geometria.

Palavras-chave: Padrões Geométricos; Girih; Arte Islâmica; Pavimentação; Isometrias.

1. Introdução

A difusão da cultura islâmica a partir do século VII evidenciou as manifestações


artísticas desse grupo como a caligrafia, os desenhos florais estilizados, a arquitetura e
os padrões geométricos abstratos. Esta última categoria adorna edifícios em todo o
mundo islâmico. Na Europa, por exemplo, o Palácio de Alhambra localizado em
Granada na Espanha é uma construção famosa que detém muitos exemplos de padrões
geométricos. (KAPLAN e SALESIN, 2004).

Os padrões geométricos islâmicos empregam a matemática, com destaque para a


geometria, na construção de um simbolismo para representar a religião muçulmana.
Leite (2007, p. 34) defende que “(...) as figuras geométricas podem ser consideradas, em
si mesmas, entidades espirituais, pois não tem tamanho, não tem peso, não tem sequer
existência real” e por isso o artista muçulmano as teriam usado para “(...) representar
Deus e os atributos divinos não por meio de coisas mas de relações”. A autora esclarece
que “ a representação de uma pessoa ou de um animal está limitada ao ser e à espécie à

1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – Ifes; acbifes@gmail.com
2
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – Ifes; aransadli@gmail.com
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qual pertence (...) enquanto um quadrado, por exemplo, pode remeter ao simbolismo da
terra (...) além de um número infinito de outras possibilidades” (LEITE, p. 35).

Considerando a presença da geometria na arte islâmica, esta torna-se potente


para investigar as relações geométricas usadas na construção dos padrões geométricos
que adornam os edifícios islâmicos, possibilitando uma discussão acerca do simbolismo
religioso nos padrões e também da cultura islâmica. Esse contexto pode motivar os
estudantes, seja pela curiosidade de conhecer ou pela estética envolvida, a (re)visitarem
os conteúdos de geometria relacionados as isometrias e a pavimentação do plano.

Diante o exposto, este trabalho se propõe a apresentar as potencialidades dos


padrões geométricos usados na arte islâmica para o ensino de geometria. Os padrões
geométricos que ornamentam as construções islâmicas podem ser reconstruídos a partir
da geometria tradicional grega (euclidiana), usando régua e compasso, mas há indícios,
no pergaminho Topkapi, evidenciados por Lu e Steinhardt (2007), que essas
construções foram realizadas por meio de uma técnica denominada Girih.

Incentivadas pela viagem e visitas in locus a países do mundo islâmico,


prosseguiu-se a investigação da construção de padrões geométricos islâmicos por meio
da técnica Girih, a qual leva a refletir sobre as práticas e os procedimentos geométricos
usados pelos artistas islâmicos, inerentes a uma cultura, a um grupo ou comunidade e
ainda com pouca visibilidade no mundo ocidental. Considera-se, portanto, que esse
contexto cultural permite observar o estudo da geometria, em especial na construção de
padrões geométricos islâmicos, por meio da abordagem etnomatemática, reconhecendo
que é importante valorizar o conhecimento produzido por diferentes povos, para
preservar e recuperar seus traços culturais, proporcionar a diversidade cultural e das
produções matemáticas, além de promover a criatividade.

2. Fundamentação Teórica a respeito dos padrões islâmicos e o Girih

A presença da geometria é evidente na arquitetura do mundo islâmico. Os


padrões geométricos islâmicos têm suas raízes na decoração geométrica bizantina e
romana. Eles são usados na ornamentação de construções, com o propósito de deixá-las
mais belas.

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Ao observar boa parte de monumentos islâmicos antigos, percebe-se a presença
de malhas quadradas, retangulares, triangulares, trapezoidais ou hexagonais que
utilizam simetrias de reflexão, translação, reflexão de deslizamento e rotações. Contudo,
há uma notável ausência de pentágonos e decágonos. Bier (2015) mostra que a razão
pode ser devida aos ângulos internos destes polígonos. Ao contrário de outros polígonos
regulares como triângulos, quadrados e hexágonos, seus ângulos internos não são
fatores de 360. Dessa forma, o uso dos pentágonos e decágonos deveria ser um desafio
para o artista islâmico que pensava em qualquer tipo de pavimentação.

Em um único monumento é possível encontrar muitos padrões geométricos


diferentes. Até meados do século XI, tais padrões eram construídos com pedra ou
mosaicos de vidro/tijolo. Eles são formados por uma unidade que é repetida de acordo
com um princípio organizador (grupo de simetria), que resulta no padrão. Os padrões
geométricos, do final do século XII até as conquistas mongóis do século XIII,
demonstram uma predominância por polígonos que se cruzam, incluindo estrelas.
(BIER, 2015).

Muitos desses padrões podem ser construídos usando o método strapwork que
usa régua compasso para transformar círculos e quadrados em estrelas. A figura 1 ilustra
o processo de construção de um padrão usando o método strapwork (TENNANT, 2009)

Figura 1: Método strapwork.

Fonte: TENNANT( 2009)

O palácio de Alhambra na Espanha contém muitos exemplos de padrões


islâmicos. Alhambra talvez seja o exemplo mais conhecido de arquitetura islâmica no
ocidente. O palácio fica em uma colina com vista para a antiga cidade de Granada na
Espanha e foi construído pelos mouros no século 13. O nome Alhambra tem origem na
palavra árabe alhamra que significa terra vermelha, que se refere a cor da terra em que a
Alhambra é construída.(TENNANT, 2004)

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No palácio de Alhambra observa-se diversos padrões geométricos com
diferentes isometrias. A esse respeito, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC -
(BRASIL, 2018) defende a construção de uma visão integrada dos conteúdos com vistas
a aplicação à realidade. Consta em seus direcionamentos que os conhecimentos básicos
devem ser distribuídos nas unidades: Números, Álgebra, Geometria, Grandezas e
Medidas, Probabilidade e Estatística. Quanto as orientações acerca das aprendizagens
essenciais dos estudantes,

Em relação ao pensamento geométrico, eles desenvolvem habilidades


para interpretar e representar a localização e o deslocamento de uma
figura no plano cartesiano, identificar transformações isométricas e
produzir ampliações e reduções de figuras. Além disso, são solicitados
a formular e resolver problemas em contextos diversos, aplicando os
conceitos de congruência e semelhança. (BRASIL, 2018, p. 517,
grifos das autoras).

Na reflexão acerca dos padrões geométricos da arte islâmica, é pertinente


identificar as transformações isométricas promovendo o raciocínio, a representação, a
argumentação e a comunicação, uma vez que “ (…) a identificação de regularidades e
padrões exige, além de raciocínio, a representação e a comunicação para expressar as
generalizações, bem como a construção de uma argumentação consistente para justificar
o raciocínio utilizado.” (BRASIL, 2018, p. 519)

Tennant (2004) indica que a grande maioria dos padrões geométricos islâmicos
se repetem de forma periódica. Alguns deles se repetem em duas direções lineares como
os observados na primeira imagem da figura 2, enquanto outros possuem um ponto
central, a partir do qual são posicionados os polígonos com simetria radial, como na
segunda imagem da figura 2.

Figura 2: Padrão de Alhambra com simetria por translação.

Fonte: TENNANT (2009)

Ele também comenta que há diversos outros padrões que aparentam ser não
periódicos e contém diferentes simetrias, o que sugere que o artista islâmico tenha usado
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diferentes estratégias de construção. Lu e Steinhard (2007) concluíram que os artistas
usaram a estratégia denominada Girih para construir diversos padrões, como os
apresentados na figura 3.

Figura 3: Alojamento do sultão Ottama, mesquita verde -Turquia.

Fonte: TENNANT (2009)

O termo Girih significa nó em persa, e refere-se a um conjunto de 5 peças que


podem ser combinadas de diferentes maneiras para gerar os padrões geométricos
observados nas construções da arquitetura islâmica. As peças Girih, em si, não são as
partes completas do padrão final, mas sim as linhas de ornamentação contidas nas
peças. A figura 4 e 5 mostram as peças Girih com dois estilos de linhas de
ornamentação.

Figura 4: Peças Girih com linhas de decoração dupla.

Fonte: Zheng e Helmer (2008)

Figura 5: Peças Girih com linha de decoração simples.

Fonte:Lu e Steinhardt (2007)

As peças Girih consistem de um decágono regular, um pentágono regular, um


losango, um hexágono não regular (também chamado de bobina) e um hexágono não
convexo chamado de gravata borboleta. O Pentágono e o decágono possuem
respectivamente, 5 e 10 eixos de simetrias, que coincidem com o número de lados
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desses polígonos. A gravata-borboleta, o losango e a bobina/hexágono possuem dois
eixos de simetria. As arestas dos 5 polígonos possuem o mesmo comprimento. As linhas
de decoração impressas no interior das peças podem ser simples ou duplas. Elas cruzam
o ponto médio, do lado do polígono a 72o ou 108o. Como as interseções das linhas são
múltiplas de 36, todas as linhas serão paralelas aos lados do pentágono regular. (LU E
STEINHARDT, 2007). Importante destacar que o decágono regular tem 10 ângulos
internos, cada um medindo 144°. O hexágono convexo irregular (bonina) tem 6 ângulos
internos sendo três de 72° e três de 144°. O hexágono não convexo (gravata borboleta)
tem 6 ângulos internos sendo três de 72° e três de 216°. O losango tem 4 ângulos
internos, dois dele de 72° e os outros de 108°. O pentágono regular tem 5 ângulos
internos, cada um de 108°. Essas descrições são para ajudar a mapear o quanto pode-se
explorar em termos de elementos de geometria, certamente, dependendo dos objetivos
do professor com os aprendizes.

Com as peças Girih representadas na figura 5, é possível, por exemplo,


recriar facilmente o padrão que ornamenta o mausoléu de Mama Hatun em Tercan na
Turquia, datado de 1200 D. C. A figura 6 mostra a ornamentação do mausoléu.

Figura 6:Mausoléu de Mama Hatun em Tercan na Turquia

Fonte: Lu e Steinhardt (2007)

Lu e Steinhardt (2007) mostraram que a construção de padrões usando as peças


Girih está registrada no pergaminho Topkapi datado do século 15. O pergaminho é uma
importante fonte documental para o estudo de padrões geométricos islâmicos usados em
ornamentação. Ele contém uma série de padrões geométricos desenhadas em páginas
individuais. Não é um manual de como fazer e, sim, um livro catálogo de padrões
(Cromwell, 2010). A figura 7 mostra o painel 28 do pergaminho.

Figura 7:Painel 28 do pergaminho Topkapi com as 5 peças Girih

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Fonte: Lu e Steinhardt (2007)

Outro exemplo, do uso da técnica Girih está no portal principal do complexo


Sultanhan Caravanserai construído em 1229, localizado em Sulthan a cerca de 40 km de
Aksaray na Turquia, conforme figura 8. O prédio tem portais majestosos e a decoração
de pedra dos portais e da mesquita mostra o domínio do artista no uso da técnica Girih.

Figura 8: Portal do complexo Sultanhan Caravanserai

Fonte: Lu e Steinhardt (2016)

No centro do complexo Sultanhan Caravanserai temos as ruínas de uma


mesquita cujas paredes são ornamentadas com um padrão islâmico, que pode ser
observado na figura 9.
Figura 9: Mesquita do complexo Sultanhan Caravanserai .

Fonte: Lu e Steinhardt (2016)

Lu e Steinhardt (2007) nos diz que o padrão usado para ornamentar a mesquita
do complexo Sultanhan Caravanserai, foi criado a partir da repetição da célula padrão
ilustrada na figura 10.
Figura 10: Célula de criação da ornamentação da mesquita do complexo Sultanhan Caravanserai

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Fonte: Lu e Steinhardt (2016)

Para construir essa célula, é possível usar régua e compasso. Os procedimentos


usados na construção estão ilustrados na figura 11.

Figura 11: Construção do padrão de ornamentação da mesquita por meio de régua e compasso

Fonte: Lu e Steinhardt (2016)

Outra forma de pensar a construção do padrão da figura 10 é por meio das peças
Girih que estão representadas na figura 5. A ornamentação é representada como uma
pavimentação de três peças: decágono, gravata borboleta e hexágono. As duas
ornamentações usam a mesma malha, no entanto houve uma rotação, resultando em
desenhos distintos (figura 12).

Figura 12: Identificação do uso de Girih na ornamentação de construções de Sultanhan

Fonte: Lu e Steinhardt (2016)

A construção de padrões geométricos islâmicos por meio das peças Girih traz
reflexões sobre as práticas e os procedimentos geométricos usados pelos artistas
islâmicos, inerentes a uma cultura, a um grupo ou comunidade e que tem pouca
visibilidade no mundo ocidental.
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A presença constante da geometria na ornamentação das
construções islâmicas deve-se ao fato de que formas e padrões geométricos são
abstratos e o islamismo é uma religião não figurativa, logo os antigos artistas islâmicos
levaram a expressão visual de figuras geométricas para expressarem os preceitos do islã.
Dessa forma, esses artistas produziram esses padrões não só para criar mosaicos
geométricos atrativos, mas também para transmitir as noções divinas do Islã
(ILKTÜRK, 2008).

Lovric (2003) definiu intuitivamente mosaico como o revestimento de uma


superfície. Revestir significa cobrir um plano com várias formas geométricas de forma a
cobrir toda a superfície sem deixar buracos ou espaços vazios e não sobrepor as figuras
geométricas. A figura 13 mostra alguns exemplos de mosaicos presentes no palácio de
Alhambra.

Figura 13: Mosaicos do palácio de Alhambra

Fonte: Lovric (2003)

Nos padrões geométricos, segundo Leite (2007), cada forma geométrica e sua
disposição no mosaico possui um significado no contexto da peça. Os padrões
geométricos representam o “(…) o mundo invisível, à estrutura eterna ou Unidade de
subjacente à criação” (LEITE, 2007, p. 43). Conforme esta autora, nos padrões as
formas geométricas podem estar na forma de expiração (expansão) ou de inspiração
(contração).

O quadrado é uma forma básica que constantemente encontrada nos padrões da


arte islâmica. De acordo com Leite (2007), o artista a utiliza porque ela representa as
principais direções do espaço, o número de elementos que compõem o mundo físico (ar,
terra, fogo e água) e tem a mesma quantidade de lado do Ka’ba (pedra cuba de Meca).

A autora usa o quadrado (ou da composição de quadrados) como base para obter
as formas geométricas que vão compor os padrões geométricos. Mostra 6 polígonos que

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estão presente em alguns padrões geométricos usados para adornar as construções
islâmicas. Outro elemento que sempre está presente nos padrões geométricos são as
estrelas de 5, 6, 8, 9, 10, 12, …, n pontas. Por exemplo, a estrela de 5 pontas simboliza
os cinco ensinamentos do Islã (LEITE, 2007).

Os autores Wichmann e Wade (2017) afirmam que as estrelas formam rosetas,


icônicas nos padrões islâmicos. A roseta é uma estrela cercada por polígonos idênticos,
chamados de pétalas. A figura 15 mostra uma roseta de 10 pétalas.

Figura 15: Roseta.

Fonte: Wichmann e Wade (2017, p. 64)

Há inúmeros padrões islâmicos que usam rosetas, a figura 16 mostra diferentes


pavimentações com rosetas de tamanhos distintos.

Figura 16: Rosetas

Fonte: Wichmann e Wade (2017, p. 67)

Os vários exemplos apresentados mostraram que a geometria é usada com


frequência na ornamentação das construções islâmicas. Dessa forma, o uso dos padrões
geométricos islâmicos nas aulas de matemática pode desenvolver a consciência
intercultural e proporcionar o reconhecimento da relação entre matemática, arte e
história. (KARSSENBERG, 2014).

3. Aspectos Metodológicos

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Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula
Uma vez que o objetivo traçado para o presente estudo é apresentar
potencialidades dos padrões geométricos usados na arte islâmica para o ensino de
geometria, este trabalho se caracteriza como um estudo exploratório, aquele que busca
proporcionar o entendimento inicial e compreensão de conceito básicos para se ter uma
visão geral sobre um fenômeno (GIL, 1999).

Para nos ajudar a refletir sobre as potencialidades dos padrões geométricos da


arte islâmica no ensino de Geometria, realizamos inicialmente uma revisão bibliográfica
no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. A busca ocorreu em março de 2017
usando os identificadores “Padrões Geométricos” e “Arte Islâmica”. Encontramos
apenas uma dissertação de mestrado, intitulada O Simbolismo dos padrões geométricos
da Arte Islâmicas de autoria de Sylvia Virgínia Andrade Leite, defendida em 2004 na
Universidade de São Paulo, no mestrado de Língua, Literatura e Cultura Árabe.
Em virtude da escassez de trabalhos no banco de teses e dissertações da capes,
procedeu-se a uma busca com os mesmos identificadores “Padrões Geométricos” e
“Arte Islâmica” nas revistas de educação Matemática: Educação Matemática em Revista
(SBEM); Educação Matemática em Revista - RS (SBEM-RS); Revista de Educação
Matemática (SBEM-SP) e CoInspiração - Revista de Professores que Ensinam
Matemática (SBEM-MT). Nenhum resultado foi encontrado.
Diante deste cenário, uma busca foi empreendida no Google Acadêmico, por
abranger diferentes fontes de dados. Foram encontrados 63 trabalhos. Para filtrar, inclui-
se o termo Girih à busca e nenhum resultado foi encontrado. Por fim, no google
acadêmico, foi realizada uma busca com o termos na língua inglesa: “geometric
patterns”, “islamic art” e Girih, encontrado-se 94 trabalhos. Desses, alguns mais
pertinentes ao objetivo da pesquisa foram escolhidos para comporem as análises e são
brevemente comentados a seguir, devido às limitações do texto.
Além disso, cabe comentar que houve observações prévias das viagens de uma
das autoras a algumas cidades de cultura islâmica, as quais contribuíram motivando as
buscas e escolhas de imagens utilizadas na pesquisa, bem como uma aproximação
cultural maior e discernimento nas escolhas dos autores e trabalhos revisados.

2. Síntese de trabalhos selecionados e analisados

A dissertação O Simbolismo dos padrões geométricos da Arte Islâmica, de


Sylvia Virgínia Andrade Leite, foi transformada em um livro em que a autora discute a
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construção dos padrões geométricos presentes na arte islâmica pelo viés filosófico,
relacionando religião, arte e geometria. Essa obra, de 2007, é muito rica para mostrar a
razão de o artista islâmico usar a geometria para construir padrões e ornamentar as
construções mulçumanas.

D’Ambrosio (2009) defende que há diferentes formas de explicar, entender e


lidar com a realidade. Há diversidade na geração, na organização e na difusão do
conhecimento e se aproximar dessas distintas abordagens é a essência do programa
etnomatemática. Segundo o autor, o programa é “interdisciplinar abarcando o que
constituiu o domínio das chamadas ciências da cognição, epistemologia, história,
sociologia e transmissão do conhecimento, e educação” (D’AMBROSIO, 2009, p. 26).
No trabalho Decagonal and Quasi-crystalline Tilings in Medieval Islamic
Architecture, de autoria de Lu e Steinhardt (2007), os autores refutam a visão
tradicional de que os padrões geométricos islâmicos tenham sidos construídos com
régua e compasso. Os autores defendem que os padrões foram construídos com o Girih,
um conjunto especial de polígonos equiláteros decorados com linhas, que foram usados
na criação de padrões geométricos complexos.
Neste contexto, entendemos que a técnica Girih usada pelos artistas islâmicos na
construção de padrões geométricos é uma prática matemática desenvolvida e utilizada
no contexto da engenharia dos povos muçulmanos, para a ornamentação das
construções religiosas, estatais e culturais. Essa técnica não é mencionada na
Matemática Grega, que traz outra forma de criar os padrões presentes nas construções
islâmicas, por meio de régua a compasso; no entanto, é um conhecimento geométrico
relevante do mundo islâmico.
O trabalho de Ilktürk, intitulado An Attempt to Combine Mathematics and Visual
Arts: a research on Islamic Geometric Patter, mostra como a estratégia de régua e
compasso é utilizada para criar os padrões geométricos islâmicos. Além disso, Ilktürk
ilustra a criação de diferentes padrões usando ferramentas computacionais.
Na obra de 2008, Islamic Star Patterns in Absolute Geometry, os autores Kaplan
e Salesin apresentam um algoritmo computacional para criar padrões islâmicos com
estrelas. A obra apresenta as características dos padrões geométricos com estrelas, como
é possível gerá-los computacionalmente por meio de algoritmos e alguns resultados do
algoritmo proposto.

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Faz-se pertinente comentar que se reconhece como importante a valorização do
conhecimento produzido por diferentes povos, pois assim contribui-se para preservar e
recuperar seus traços culturais, proporcionar a diversidade cultural, o respeito à cultura
do outro e promover a criatividade. D’Ambrosio (2001, p. 45) defende que “Não
podemos nos esquecer de que essas gerações [futuras] viverão em um ambiente
multicultural, suas relações serão interculturais e seu dia-a-dia será impregnado de
tecnologia”.
No artigo Geometry in Islamic Art, Bier (2008) descreve como a geometria é
usada em diferentes tipos de padrões geométricos que ornamentam as construções
islâmicas. O autor destaca a evolução da complexidade dos padrões geométricos no
tempo.
Tennant (2004), em sua obra Islamic Tilings of the Alhambra Palace: Teaching
the Beauty of Mathematics apresenta os padrões geométricos do Palácio de Alhambra
destacando a construção, a presença de isometrias e a periodicidade dos padrões
geométricos. Enquanto de forma similar, Lovric (2003), em seu artigo intitulado Magic
Geometry: Mosaics in the Alhambra, descreve os conceitos matemáticos de alguns dos
mosaicos presentes no palácio de Alhambra.
Em seu trabalho Islamic Geometric Designs from the Topkapi Scroll, Cromwell
(2010) faz uma análise matemática de diferentes estratégias para a construção de
padrões islâmicos com estrelas. Os padrões foram analisados a partir do pergaminho de
Topkapi, considerado uma importante fonte documental de padrões geométricos
islâmicos.
Há implicações éticas no trabalho com as etnomatemáticas. O estudante é
conscientizado para além da compreensão epistemológica do fazer matemático, acerca
do “respeito pelo outro com todas as suas diferenças; solidariedade com o outro na
satisfação de necessidades de sobrevivência e de transcendência; cooperação com o
outro na preservação do patrimônio natural e cultural comum.” (D’AMBROSIO, 2009,
p. 120)
No livro Islamic Design: a Mathematical Approach, Wichmann e Wade
(20017), apresentam o contexto cultural e a história do Islã. Além disso, mostram
diferentes estilos de padrões geométricos e como cada um se posiciona no tempo. Os
autores ainda fazem análises matemáticas de vários padrões e apresentam diferentes
estratégias para suas construções.

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Conhecer uma variedade de instrumentos e técnicas intelectuais nos torna
capazes de “[…] enfrentar situações e de resolver problemas novos, de modelar
adequadamente uma situação real para, com esses instrumentos, chegar a uma possível
solução ou curso de ação” (D’AMBROSIO, 2009, p. 119). É nesse sentido que o
domínio de diferentes etnomatemáticas pode oferecer maiores possibilidades de
conhecer, explicar e entender a realidade, proporcionando o desenvolvimento da nossa
criatividade.

5. Considerações Finais
Ao iniciar essa pesquisa, tivemos como objetivo apresentar as potencialidades
dos padrões geométricos usados na arte islâmica para o ensino de geometria. No
percurso metodológico observamos que há uma escassez de trabalhos em língua
portuguesa que abordam o tema. Portanto, pesquisa desta natureza mostra-se potente no
ensino de Geometria, pois é uma forma de conhecimento matemático que foi subjugado,
pouco conhecido em nosso meio.
É possível trabalhar diversos aspectos geométricos usando o contexto da
geometria dos padrões islâmicos: conceito de polígonos, ângulos, pavimentação,
isometrias e outros. Além disso, é possível promover um diálogo entre as disciplinas de
arte e história ao se pensar em atividades com a geometria dos padrões islâmicos.

Outro aspecto observado na revisão bibliográfica é a possibilidade de usar


ferramentas computacionais para a confecção dos padrões geométricos. A atual BNCC
(Base Nacional Comum Curricular) orienta que devemos promover a investigação de
vários conceitos e propriedades matemáticas usando diferentes estratégias como a
observação de padrões, experimentações e tecnologias digitais (BRASIL, 2018). Dessa
forma, os padrões geométricos islâmicos são recursos potentes para esse fim.

Referências

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Springer, Dordrecht. 2015.
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http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
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