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No final da década de 1950, ao ser transferida para o Setor de Terapia Ocupacional (STOR)
do Hospital Pedro II, no bairro carioca do Engenho de Dentro, o lugar de menor prestígio da
instituição, a psiquiatra Nise da Silveira inaugura um ateliê de pintura e modelagem como
parte do tratamento desenvolvido por ela para esquizofrênicos. Para entender os desenhos
feitos por seus pacientes, Nise procura explicações na obra do psicoterapeuta suíço Carl G.
Jung e inicia, neste momento, uma relação profissional que duraria até 1961, ano da morte
de Jung.
A produção dos internos no ateliê de pintura e modelagem do STOR cresce de tal modo
que, em 1950, o acervo é exposto pela primeira vez. O lugar escolhido é o I Congresso
Internacional de Psiquiatria, em Paris, na “Exposição de Arte Psicopatológica”. Em 1952,
Nise reúne todo o acervo do ateliê e inaugura o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio
de Janeiro, hoje com mais de 360 mil obras. Apesar de não considerar os desenhos e
pinturas apresentados no Museu como obras artísticas, o trabalho de Nise à frente do ateliê
revelou, com o respaldo do crítico de arte Mário Pedrosa, sete pacientes que foram
considerados talentosos artistas plásticos, apelidados pela psiquiatra de “os sete camafeus”.
As mandalas
Em 1954, após passar anos observando seus pacientes desenharem formas circulares no
ateliê do STOR, a psiquiatra passa a defender que aquelas pinturas tinham algo em
comum: eram mandalas.
“Os profissionais da equipe de Nise falavam que era impossível os pacientes estarem
fazendo mandalas, porque eles não sabiam o que era isso. Os pacientes eram pessoas
muito humildes e pobres, a maioria analfabeta, e a mandala é uma figura oriental, do
sânscrito. Mas Nise afirmava que aqueles desenhos eram mandalas e representavam a fala
de Jung, que escreveu que as formas circulares eram a tentativa do esquizofrênico de se
reorganizar”, conta Bernardo.
Desde os primeiros desenhos, Santina explica que Nise percebia nas formas circulares de
seus pacientes “um arquétipo que agiria, segundo a obra de Jung, para reequilibrar a
psique do esquizofrênico, especialmente em momentos de crise”.
Contra a vontade de sua equipe, Nise fotografa os desenhos circulares de seus pacientes e
manda o material, junto a uma carta em francês, ao próprio Carl Jung, na Suíça. Meses
depois, para a surpresa da médica, a assessora de Jung escreve para Nise. “A assessora
comenta que Jung ficou muito impressionado com o material, que se surpreendeu ao
descobrir que aquele trabalho estava sendo feito em um hospício do subúrbio brasileiro e
confirmava que aquelas figuras eram, de fato, mandalas. Jung e Nise, então, passam a se
corresponder e o nome de Nise começa a ser associado ao do psicanalista
internacionalmente”, explica Bernardo. As cartas trocadas viraram documentos históricos e
estão expostas no Instituto Junguiano de Zurique.
Em 1957, Jung convida Nise para passar um ano estudando com ele no Instituto Junguiano
e a expor o acervo do Museu de Imagens do Inconsciente no II Congresso Internacional de
Psiquiatria. A médica passa um ano com Jung na Suíça e ganha projeção internacional. Na
volta ao Brasil, Nise cria o Grupo de Estudos C. G. Jung no Rio de Janeiro, que coordenou
até morrer, em 1999.
Jung, Freud e Nise
Bernardo frequentou o grupo de estudos junguianos de Nise por 12 anos. O jornalista conta
que presenciou inúmeras vezes a psiquiatra declarar respeito a Freud, mas afirmar que foi
na obra de Jung que encontrou as ferramentas mais adequadas para desenvolver a terapia
ocupacional no Brasil. “Jung foi discípulo de Freud, mas aconteceu uma cisão e os dois
rompem. Existem analistas que afirmam que a relação entre Jung e Freud marcou a
psicanálise moderna. Nise leu e releu as obras de Freud em inglês e espanhol, assim como
leu muito também a obre de Jung. Nise era uma devoradora de livros, um gênio, o que a
fez conhecer profundamente a obra dos dois para formular a sua”.
A diferença entre Freud e Jung no tratamento do esquizofrênico foi a parte da obra na qual
Nise se debruçou por anos. “Enquanto Freud estudou os esquizofrênicos e afirmou que o
lugar de tratamento deles era o divã, Jung observou os esquizofrênicos e afirmou que o
tratamento deles deveria se dar por meio da expressão plástica – veja bem, não artística,
mas plástica – e o divã deveria ser substituído pelo ateliê. Ao tratar de fato o
esquizofrênico e não somente estudá-lo, Nise fez o trabalho de Jung evoluir e aprofundou
as ideias dele”, explica o jornalista.
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