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d o o r o es t e P en i n s u l a r
O caso do Monte de Góios (Lanhelas, Caminha)
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
A G r a v u ra n a A rt e E s q u e m á t i ca
d o o r o es t e P en i n s u l a r
Joana Valdez
Dissertação de Mestrado
Mestrado em Arqueologia
Orientação
Porto
2010
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AGRADECIMETOS
Ao António Costa pela ajuda com a resolução de problemas com algum software
específico.
À Lara pela amizade, incentivo e exemplo que tem sido para mim nos últimos anos,
pelas fotografias e revisão atenta e crítica do texto.
Um especial agradecimento ao meu colega e amigo João Fonte por toda a ajuda
fundamental na recordação da metodologia de análises para a elaboração de uma
importante parte desta tese.
3
RESUMO
Num período cronológico difícil de precisar mas que se situa entre o Neolítico e a Idade do
Bronze, estas duas tradições encontram-se no espaço e no tempo. Que alterações provocou essa
interacção entre as sociedades e no mundo que as rodeia? O que nos diz a Arte Rupestre acerca
das comunidades com as quais se relacionava e para quem era feita? Qual o significado e o
alcance deste “encontro” em termos de interacção social entre as diferentes comunidades pré-
históricas do Noroeste? Em particular, o que nos revela a Arte Rupestre sobre tais comunidades,
mormente no que respeita à sua relação e entendimento do território e ao uso das formações
rochosas, sejam lajes indistintas na topografia, sejam penedos proeminentes ou abrigos
escondidos? É sobre estas matérias que versa a nossa discussão.
Embora a Arte Rupestre não paleolítica tenha sido frequentemente considerada como uma
disciplina marginal da Arqueologia, actualmente reconhecemos a sua importância para o
conhecimento das vivências das sociedades passadas e das suas simbologias.
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ABSTRACT
In Northwestern Iberia we recognize the existence of two different styles of Rock Art. On one
hand, facing the Atlantic Ocean, the homonym Atlantic Rock Art spans through the bedrocks
from the northern lands in Galicia to the Portuguese river Vouga. On the other hand once
crossed the mountains that separate the coastal and the interior territories, the figures in the
stones gain a new appearance. Regarding the academic tradition the main prevailing idea is that
a great number of representations belong to de designated Schematic Rock Art.
If in the Atlantic Rock Art we can detect mainly complex circular compositions, as well as
animals and weapons in Galicia, carved on low rocks, the known Schematic Art reveals a new
graphic conception, also visible upon the usage of a morphologic variety of rocks and different
figures that share a schematic tendency frequently based on the human image, which sometimes
reaches the simple shape of a cross.
The tradition is known to us by the means of open air sites, natural rock shelters and megalithic
tombs.
At some point, in space and time, the two traditions eventually converge. How did this
interaction interfere with the societies to whom these styles are related and the world around
them? What can we learn through Rock Art, about the communities using these representations
and the audience to whom it was intended? Concerning the social interaction between the two
pre-historic communities, how important is the meeting of the two Rock Art traditions and its
reach on the Northwest Iberia? What does Rock Art reveal about these communities, mainly
concerning its relation and understanding of the territory and the use of the outcrops, whether
they are indistinct upon the topography, prominent or hidden shelters? These are the subjects of
our discussion.
Although Rock Art was frequently considered a minor subject in Archaeology, now-a-days we
recognize the importance of its study concerning a broader knowledge of the societies who used
this artistic resource, their social activities and experiences, as well as their symbolisms.
5
LISTA DE ABREVIATURAS
BP – Before Present
SHP – Shapefile
6
LISTA DE IMAGES
7
LISTA DE TABELAS
8
LISTA DE GRÁFICOS
9
ÍDICE
AGRADECIMETOS
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE IMAGES
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
ÍDICE
ITRODUÇÃO
1. Definições 17
1.1. A Arte 17
1.2. A Paisagem 20
10
2.1. Arte Rupestre do Noroeste Peninsular 32
3. O Monte de Góios 62
11
4.6. Altitude Relativa/Proeminência na Paisagem 101
12
PARTE V Considerações Finais
BIBLIOGRAFIA
AEXOS
13
ITRODUÇÃO
O que se pretendia no início era efectuar uma análise espacial a um objecto de estudo
específico, a Arte Rupestre, procurando compreender a interacção dos elementos desta entre si
mas também com a Paisagem. Parte-se do princípio que a Paisagem e as suas características
particulares desempenhariam um papel importante no acto de perpetuar a acção humana nos
seus componentes.
Pela diversidade de assuntos que o estudo da Arte Rupestre propõe, a determinação de um tema
e título para a presente dissertação não foi tarefa fácil. Sabendo-se a priori que versaria sobre a
Arte Rupestre do Noroeste da Península Ibérica, era agora necessário delinear um projecto de
investigação. Após várias propostas e considerações acerca da temática a abordar, chegou-se à
conclusão que o objecto de estudo em causa seria então a denominada Arte Esquemática do
Noroeste sob a forma gravada e em particular a sua articulação geográfica, espacial, contextual
e estilística com a Arte Atlântica, com a qual partilha, de forma geral o território. Esta
abordagem assenta especificamente num caso de estudo: o conjunto do Monte de Góios
(Lanhelas, Caminha).
A selecção do sítio como objecto de estudo recaiu em Lanhelas uma vez que a signatária esteve
envolvida nas campanhas de prospecção, no ano de 2005, orientadas pela Doutora Lara Bacelar
Alves e que deram a conhecer, no Monte de Góios, um esplendoroso sítio com abundantes
afloramentos gravados ao estilo dos conhecidos conjuntos rupestres (graníticos) de ar livre, na
década de 1980, por António Martinho Baptista (i.e. Gião, Tripe de Mairos).
14
Até aos anos 1990 prevaleceu o debate acerca das cronologias destas manifestações no seio da
comunidade científica. Porém no nosso entender, este aspecto por si só não é suficientemente
explicativo para uma compreensão, ainda que remotamente lata, da Arte Rupestre. Parece-nos
portanto que será necessário ter em conta outros elementos, entre eles, por exemplo, a definição
de estilos. Porque se distingue a Arte Atlântica da Arte Esquemática, se surgem em contextos
geográficos tão próximos? Seriam tradições de sociedades distintas, ou distintas formas de arte
de uma mesma comunidade? Se assim fosse, seriam utilizadas em contextos diferentes, razão
pela qual apresentariam características particulares evidentes? Qual a relação da Arte Rupestre
com a sua envolvente? Em que tipo de contextos surge e de que forma era utilizada? Estas são
apenas algumas questões que se podem levantar quanto aos grafismos e para as quais se
continuam a procurar respostas.
Por um lado, se a Arte Atlântica segue padrões sistemáticos de implantação na Paisagem, a Arte
Esquemática afigura-se-nos mais imprevisível. Partindo do caso do Monte de Góios, procurar-
se-á analisar a Arte Esquemática, através da observação dos seus motivos, dos painéis e suas
implantações, tecnologia empregue e características dos suportes seleccionados.
Seria ainda interessante abordar o contexto social e cultural que envolve a Arte Esquemática
através da correspondência entre a sua área de dispersão geográfica e os outros tipos de registo
arqueológico, como os sistemas de povoamento, contextos funerários e a própria cultura
material. Infelizmente, nem sempre estes dados estão disponíveis e, acima de tudo, o estudo da
Arte Rupestre carece de investigações que utilizem metodologias mais intrusivas, como as
escavações arqueológicas, que forneçam dados correlacionados com os painéis. Parte-se do
pressuposto teórico de que existe uma estreita correspondência entre pensamento, sociedade e
cultura material, compreendendo que o sistema cultural determina a forma de produção de
objectos materiais, Paisagem, território, entre outros aspectos da vida das comunidades. Neste
sentido, é provável que a Arte Rupestre tenha sido empregue no decorrer de diversas actividades
das comunidades e que a sua utilização estivesse dependente deste factor que afectaria,
inclusive, o local de reprodução dos motivos.
A abordagem que se pretende ao estilo da Arte Esquemática inicia-se, antes de mais, com a
procura de uma percepção abrangente do que compõe esta tradição – motivos, interacção com a
Paisagem, entre outros recursos essenciais à sobrevivência do Homem – mas também clarificar
a relação com outros estilos artísticos, neste caso especificamente com a Arte Atlântica, com a
qual partilha, para além do território geográfico e, numa dada altura, determinadas
características físicas.
Foram então realizadas algumas análises locacionais, com recurso às ferramentas SIG, relativas
à Arte Rupestre do Monte de Góios que incidiram sobre as características de implantação e
15
orientação das rochas, bem como quanto às bacias de visão, que determinam a abrangência
visual e a visualização a partir de um determinado ponto de observação.
16
PARTE I PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
1. DEFIIÇÕES
1.1. A ARTE
Jackson Pollock
Segundo alguns autores (i.e. Corby et al 2004) o primeiro problema com que se
deparam os estudiosos da Arte Rupestre prende-se com a própria definição do seu
objecto de estudo. De facto, a referência a estes grafismos pré-históricos como “Arte”
têm vindo a suscitar várias dúvidas e críticas no seio da comunidade científica devido ao
carácter ambíguo do conceito (Bradley 1997; Fairén 2004a:211). Richard Bradley
(1997) considera o termo insatisfatório uma vez que este se pode revelar redutor e
remeter o observador apenas para o espaço estético do monumento. Contudo, diz-nos a
Antropologia e a Etnografia que aquilo que eventualmente entendemos por “obras de
arte” não detém esse estatuto nas suas sociedades criadoras (Sanches 2009), pelo que o
mesmo poderia acontecer em períodos mais recuados da História. Na verdade, a ideia de
que a arte é concebida por um indivíduo iluminado que ocupa uma posição quase
espiritual e pouco comum entre os mortais, é um conceito que ganha força durante o
período do Romantismo (séc. XVIII-XIX), no qual escritores e filósofos afirmam a
ascendência da experiencia individual e transcendental (Williams 2005:43). Nesta
perspectiva o conceito chega mesmo a ser considerado eurocêntrico (Sanches 2003),
além de que pode, numa primeira instância, ser associado a conotações meramente
estéticas, características do pensamento moderno ocidental, que em geral se revelam
pouco úteis (Jorge 1997; Bradley 1997; Gell 1998; Ingold 2000; Fairén 2004a:212;
Sanches 2009). Em muitas sociedades tradicionais contemporâneas tão pouco existem
os conceitos de “Arte” ou “Artista”, conferindo-se maior importância ao acto de criar do
que aos seus resultados propriamente ditos (Clottes 2002).
17
arte em acções de carácter social. As figurações entrariam assim em contextos
específicos de acção, variando as suas funções dentro de uma mesma sociedade
(Sanches 2009).
Apesar das polémicas associamos o conceito de Arte Rupestre à mais antiga forma de
expressão/representação gráfica e/ou proto-escultórica, cujos exemplos podem ser
apreciados em todos os continentes. Ainda que de forma redutora, a Arte Rupestre é
entendida como uma composição de figuras num suporte rígido (geralmente pétreo) que
faz parte da Paisagem, funcionando este conjunto como marcas intencionais e humanas,
na e sobre a terra (Chippindale e Nash 2004:11). Perdura no tempo desde há longínquos
quarenta ou talvez cinquenta mil anos pois conhecem-se ainda poucas datações
absolutas, para algumas regiões da terra, persistindo até aos recentes séc. XX ou XXI
(Clottes 2002).
18
dos mecanismos de recriação simbólica do espaço nas acções de carácter comunitário,
podendo considerar-se como um instrumento de preservação da ordem social (Alves
2001:73). Completando a ideia anterior, Tilley (1994) adianta que as manifestações
rupestres seriam interpretadas pelas populações indígenas de acordo com os mitos e
crenças que compunham o seu universo cosmogónico. O espaço social destas
comunidades seria construído a partir da apropriação do mundo, concebido por seres
atemporais.
Para os povos contemporâneos esta Arte continua a ser uma entidade viva, um elemento
sagrado que terá sido herdado através de crenças que os unem aos seus antepassados e
ao domínio dos espíritos sobrenaturais (Clottes 2002:5). Contudo, ainda que estes
espaços com arte ou com grafismos não se encontrem interditos, a interpretação das
figuras pode estar reservada a alguns elementos social e ritualmente destacados, sendo
que o poder residirá na interpretação (Sanches 2003). Assim, os grafismos pré-
históricos representariam, no seio de um sistema regrado, elaborado e partilhado por um
determinado grupo social (ou parte dele), um meio de expressão e transmissão visual de
ideias e de mensagens de todo o tipo. Como tal, estão intimamente relacionadas com as
crenças e necessidades práticas e ideológicas dos seus criadores. A sua criação e
utilização deveriam responder a uma diversidade de factores desde possíveis limitações
técnicas ou materiais até aos convencionalismos sócio-culturais que determinam o seu
conteúdo, funcionalidade, forma e lugar onde se realizariam (Fairén 2004a:212).
A Arte Rupestre fornece-nos um registo directo feito por povos antigos em mundos
antigos, da forma como essas sociedades viam e experienciavam o mundo. O seu nó
central enfatiza o significado das coisas, convidando ao desenvolvimento de uma
arqueologia da percepção humana, de visão do mundo e religião (Chippindale e Nash
2004:1).
19
1.2.A PAISAGEM
In Êxodo, III, 5
20
forma, a abordagem pós-processual da Paisagem, incluindo a de carácter
fenomenológico que remete, em primeira instância, para a subjectividade da experiência
emocional, cognitiva, sensorial, perceptiva, ideológica de “estar na Paisagem e estar no
mundo”. Esta é articulada com uma dimensão ideológica, simbólica e religiosa dos
elementos físicos da envolvente (Tilley 1994; Garcia 2005). Aos factores
geomorfológicos da Paisagem unem-se então os elementos humanísticos de formação
do espaço, por oposição ao abstracto cartesiano, mais característico da perspectiva
Processual (Van Leusen 2002).
1
Estudos etnográficos mostram que o acto de marcar a envolvente não é aleatório, sendo frequentemente
influenciado pelas características fisiográficas e de implantação dos sítios (Clottes 2002).
21
número razoável de pessoas, outros possuem condições físicas restritas, não permitindo
a permanência de mais do que um número reduzido de indivíduos, condicionando a
observação dos motivos que tem de ser feita a partir de diferentes posições do corpo e
do olhar (Sanches 2003). Esta abordagem ocupa-se, então, das relações recíprocas
estabelecidas entre a Paisagem e os seus habitantes, no contexto quotidiano e em
particular quanto aos aspectos sociais e simbólicos da vida. A Paisagem é concebida
como a envolvente mediatizada pela percepção subjectiva do indivíduo ou do grupo
com a qual se relaciona, ou seja, é um elemento socialmente concebido, domesticado e
apropriado pelos seres humanos (Fairén 2004a). O lugar, e com ele a Paisagem, formam
uma síntese única de todas as dimensões consideradas relevantes num estudo
antropológico. O tempo, o espaço, a cultura, a natureza são eixos importantes que se
unem na Paisagem, que se revela o cenário ideal para a imbricação dos mesmos (Cruz
2003). Neste sentido, Tilley (1994) transpõe o espaço, o lugar e a Paisagem para um
discurso histórico/geográfico, focado na percepção pessoal, que é formada com o
auxílio de mecanismos de apreensão que incorporam emoções humanas como o poder,
o tempo, a memória, a interacção social e política. Estes mecanismos aliados à
individualidade na leitura fazem com que não haja duas interpretações iguais
(Chippindale e Nash 2004:22).
Assim, o espaço não é mais visto como um contentor de práticas sociais, mas representa
uma construção social e inteligível, convertendo-se num elemento intrínseco dos
22
eventos que ocorrem num determinado local e das relações sociais que aí se manifestam
(Tilley 1994; Arsenault 2006:76).
Neste sentido, e sob o olhar das novas abordagens, a Arte Rupestre deixa de ser vista
como uma mera representação artística, passando a ser entendida como elemento
contextualizador de um espaço, ao mesmo tempo que é uma ferramenta de apropriação
e ordenação da envolvente natural, que se reverte em Paisagem social e cultural (Criado
e Santos 2004:174). Neste sentido, a Arte Rupestre só é inteligível se considerarmos as
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dinâmicas de espaço e tempo das sociedades que a criaram, das quais a mais pertinente
se reflecte no povoamento coetâneo, em associação com as características fisiográficas
do território (Tilley 1994; Alves 2001). Desta forma valoriza-se o seu papel como
produto cultural, reflexo da percepção e actuação dos intervenientes sobre a envolvente
(Fairén 2004b:212).
Não obstante, a fiabilidade depositada na Paisagem deve ser questionada. Ainda que a
Arte Rupestre seja relativamente imóvel, embora haja a possibilidade remota de ser
deslocada, as características topográficas que a rodeiam podem ter sido modificadas. As
abordagens integradas são limitadas pela inexistência de uma metodologia de análise
que contemple a reconstrução das dimensões espaciais das práticas sociais, suas
possíveis relações com os elementos percepcionados na Paisagem e a importância do
movimento nesta última (Llobera 1996). A título de exemplo, podemos pensar que o
bloqueio de um e a abertura de outro acesso numa gruta pode alterar a localização de
um painel paleolítico de um lugar próximo da entrada para outro mais profundo. De
igual modo, alguns sítios rupestres na Escandinávia criados em zonas costeiras,
encontram-se actualmente submersos, à semelhança do que sucede com inúmeros
painéis gravados nas margens dos vales dos rios Tejo e Douro, submersos pelas actuais
águas de duas barragens. Conhecem-se, inclusive, exemplos de rochas decoradas que
actualmente se encontram nas malhas de territórios urbanos (e.g. Castriño de Conxo,
Santiago de Compostela) (Chippindale e Nash 2004:8; Criado e Santos 2004:190).
Desta forma, não é difícil compreender que apesar da importância da Paisagem, as suas
características físicas e culturais podem alterar-se, e com elas a nossa percepção que, à
partida, já seria distinta daquela dos artistas criadores. Neste caso chama-se de novo a
atenção para o facto de que as abordagens à Paisagem, embora partam da análise das
suas condições actuais, têm necessariamente de incorporar os conhecimentos das
paisagens/fisiografias coevas da Arte Rupestre em estudo, sob pena de uma distorção
dos pressupostos e hipóteses interpretativas. Em particular no caso da Arte
Rupestre, e devido ao seu carácter de imutabilidade (fixidez), por vezes poderemos
pensar nos sítios como locais estacionários numa envolvente em movimento”
(Chippindale e Nash 2004:8). Em suma, podemos considerar que em qualquer momento
existirão várias “Paisagens” agregadas que se sobrepõem, interagem e contribuem umas
para as outras, co-existindo espacialmente e sofrendo mutações ao longo do tempo. O
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resultado é uma Paisagem cultural e global de uma ou várias sociedades que se
transformam consecutivamente, ou seja, que incorporam várias temporalidades.
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PARTE II ARTE RUPESTRE
Definir o conceito de Arte e compreender as novas facetas da Paisagem são dois passos
importantes para entender a Arte Rupestre. Mas de que forma podemos articular estas
duas noções? O que nos dizem sobre a Arte Rupestre e como contribuem para
entendermos o seu significado e funcionalidade?
2
Taçon e Chippindale (1998) definem os conceitos de Informed Methods e Formal Methods aplicados à
análise da arte rupestre. Por Informed Methods os autores referem-se às metodologias que se baseiam em
fontes de conhecimento que foram sendo passadas, de forma directa ou indirecta, por aqueles que
executaram e usaram a arte rupestre. Esta transmissão de saber faz-se através da Etnografia, Etnohistória,
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Nash 2004) num objecto de estudo vivo e do qual retiram informações muito precisas.
Por vezes, este conhecimento adquirido é transponível para períodos pré-históricos,
através de analogias. Contudo, é necessário relativizar as comparações, já que o
significado do lugar vai sendo reescrito consoante os enquadramentos cognitivos das
sociedades herdeiras do acesso a uma Paisagem particular, impregnada de simbolismos
topológicos que se vão perdendo na memória, juntamente com os sentidos da imagética,
aos quais prevalecem as representações nas rochas (Alves 2001).
registo histórico ou através de um entendimento actual perpetuado desde tempos antigos. Desta forma
podem-se explorar os motivos pelo seu interior. Mas porque se perdem os significados e as motivações
inerentes à criação de arte rupestre ao longo do tempo, os investigadores podem recorrer ao que Taçon e
Chippindale (1998) designam de Formal Methods. Estes não dependem de um conhecimento intrínseco,
baseando-se na observação das características materiais que podem ser observadas nas próprias
manifestações ou nos seus contextos físicos e paisagísticos. A informação disponível é restrita estando
reduzida àquilo que é imanente nas próprias imagens, ou ao que podemos discernir das suas inter-
relações, relações com a paisagem ou com qualquer outro contexto arqueológico que esteja disponível.
Toda a arte rupestre pré-histórica só poderá ser estudada desta forma, complementando os dados
disponíveis com analogias e inferências provenientes dos Informed Methods (Chippindale e Nash
2004:14).
27
eliminar um eventual carácter mais “transcendente” de uma rocha gravada ou pintada,
da mesma forma que não será correcto divorciá-la por completo das realidades do dia-a-
dia e do uso do solo embora, na realidade, estas duas atitudes não tenham de se opor,
mas antes conjugar-se em diferentes escalas, que cabe analisar. O significado e as
motivações da Arte Rupestre devem, por isso, depender do contexto na qual se insere,
mas também do ambiente social no qual foi realizada, embora este seja um aspecto
difícil de abordar.
Ainda que a descodificação dos símbolos nos esteja vedada, ao procurar demonstrar que
estes se organizam de acordo com determinadas convenções, segundo uma análise
estruturalista, estamos a considerar que eram fontes de informação e que a Arte
Rupestre poderia ter sido também um veículo de comunicação intra e inter grupos
humanos (Leroi-Gourhan 1971). Mas a quem seriam dirigidas as mensagens
especificadas pelos símbolos nas rochas? No actual estado do conhecimento não é
possível especificar a composição exacta dos grupos a quem a informação era dirigida,
ainda que seja possível tecer algumas considerações acerca do seu carácter,
considerando o local onde as mensagens se situavam na Paisagem. É por este motivo
que Richard Bradley (1997) considera a Arte Atlântica, seu objecto de estudo directo,
como uma Arte Geográfica, já que se insere na envolvente de acordo com padrões
definidos pela topografia, bem como a suposição de um determinado modo de
organização sócio-económico territorial. As condicionantes fisiográficas às quais a Arte
Rupestre estaria sujeita levam-nos a inferir acerca da audiência à qual era destinada. A
topografia contribuiria para estas limitações se considerarmos, por exemplo, o caso das
grutas ou dos abrigos, espaços encerrados que não permitiam a permanência de um
alargado número de pessoas. De facto, presume-se que houvesse algumas determinações
sociais ou normas quanto à audiência habilitada para visualizar os motivos
representados nas rochas. Por um lado, a idade, o estatuto, o género ou a etnia poderiam
ser factores de restrição para que um indivíduo fosse também um
observador/interpretador. Por outro lado, as mesmas limitações poderiam ser
encontradas na quantidade de informação fornecida, sendo que também o significado da
arte poderia estar condicionado consoante o tipo de pessoas para as quais se destinaria.
Acima de tudo, seria certamente importante a experiência e o conhecimento que o grupo
permitia a cada indivíduo para que este pudesse ou soubesse interpretar as figuras.
28
Como meio de comunicação a Arte Rupestre parece mostrar condicionalismos quanto à
quantidade de informação que se pretende divulgar e a audiência a que se destina
(Bradley 1997).
29
Independentemente de Richard Bradley não ter definido de modo aceitável qual a
cronologia dos grafismos que considera como “Arte Atlântica”, é admissível, do ponto
de vista metodológico, que a Arte Rupestre também possa ser interpretada, em certos
contextos específicos, como um elemento apropriador do território, bem como um
dispositivo comunicativo para pessoas e/ou grupos que não se encontrem face a face.
30
religioso ou transcendental. A Arte Rupestre poderia também reproduzir um corpus de
masculinidade e guerra, elementos característicos da Idade do Bronze (Santos e Criado
2000).
Assim, perduram as gravuras e as pinturas mas não é expectável que se mantenha a sua
interpretação original, agora provavelmente renovada e talvez incluída em modernas
cosmogonias. É este ciclo reinterpretativo que leva à preservação e conservação das
representações nos seus suportes, mas também à adição de novos elementos, ao longo
do tempo, numa tentativa de apropriação dos sítios. Este aspecto é muito evidente nas
rochas com Arte Esquemática, muito baseada no cruciforme, em que não raras vezes se
observam outras representações do mesmo símbolo, mas de contornos religiosos,
verificando-se então um certo sincretismo por parte das comunidades que vão passando
pelos locais.
31
Quer seja pré-histórica, histórica ou contemporânea, a Arte Rupestre é criada, em alguns
casos para ser vista e noutros para se manter secreta. Porém, toda a arte foi criada por
alguém, para alguém e a sua posição na Paisagem teria sido muito importante, conforme
atestam as orientações estratégicas e localizações específicas destas manifestações, um
pouco por todo o mundo (Chippindale e Nash 2004:21).
32
As primeiras notícias que surgem acerca da arte pré-histórica do pós-glaciar do ocidente
ibérico são publicadas na primeira metade do séc. XVIII (Baptista 1980). Desde então, e
em particular no século XX, tem vindo a ser alvo de vários estudos, desenvolvidos sob
diferentes perspectivas. Cabré Aguiló (1915, 1916) e Sobrino Buhigas (1919) fazem os
primeiros estudos de conjunto para as gravuras rupestres do Noroeste, incidindo em
particular na tradição dos círculos. Enquanto isso, Henri Breuil inicia a sistematização
da arte pré-histórica europeia, que na Península Ibérica se debruça sobre a pintura
esquemática (1933-1935). Mas é nas décadas de 70 e 80 do século XX que se assiste a
um intenso debate acerca da origem da Arte Rupestre do Noroeste peninsular, opondo
os defensores de uma génese autóctone destes fenómenos artísticos aos defensores da
ideia de que se trataria de derivações de influências exógenas, provindas do
Mediterrâneo oriental. Autores como H. Breuil, Obermaier ou Juan Cabré, defendiam
que esta Arte Rupestre era o resultado de uma evolução pictórica com génese no
Paleolítico Superior que, por sua vez, se desenvolvera no sentido de uma
esquematização das formas, enquanto Kuhn considera uma origem oriental para estes
motivos holocénicos. Ainda Jordá Cerda considera a contemporaneidade da Arte
Esquemática e Arte Levantina3, ponderando para ambas uma origem local comum bem
como três aspectos fundamentais característicos da arte pós-glaciar do Noroeste: a
presença da figura humana, dos animais e dos símbolos. Contudo, estes motivos podem
ser observados um pouco por toda a península, e mesmo pela Europa fora, embora
representados com diferentes combinações.
Para Ripol Perelló (1968), que adopta também uma abordagem evolucionista, a Arte
Esquemática por sua vez deriva da Arte Levantina, tendo apreendido, na sua expansão
para Oeste, fluxos exógenos nomeadamente da Arte Megalítica. Por oposição a estas
teorias, A. Beltrán (1998) descarta qualquer continuidade entre as duas tradições
artísticas, contrariando a origem comum que alguns investigadores lhes conferem. Para
este autor, a utilização da imagética esquemática terá resultado da adopção de novas
ideias trazidas do Mediterrâneo Central e Oriental, por prospectores de metal, no
contexto de alterações ideológicas, religiosas e sociais das comunidades ibéricas, no
decorrer no IV milénio BC. Já Pilar Acosta (1968) concebe uma teoria mais
globalizadora, congregando ambas as perspectivas. Sistematiza a Arte Esquemática e os
3
Outra “tradição” artística, baseada na pintura estilisticamente naturalista e expressionista, cuja
distribuição geográfica é a região do Levante espanhol.
33
seus temas abordando os seus critérios de filiação e cronologia, que ainda hoje são
considerados válidos por muitos autores. Considera que a Arte Esquemática deriva da
fusão de diferentes elementos que pertenciam a uma tradição forte e autóctone,
tendendo para a degeneração das formas naturalistas e que, na Idade do Bronze, devido
aos fluxos do Oriente Mediterrânico, foi ampliada a receptividade das sociedades face à
adopção do estilo esquemático na representação. Na sua tese de doutoramento,
orientada por Jordá, a Arte Esquemática é então vista como um produto da Idade dos
Metais.
Enquanto isso, em Portugal Rui de Serpa Pinto (1929) elabora um primeiro inventário
das estações de Arte Rupestre do território. A propósito da publicação de novas rochas
gravadas identificadas em Sabroso, faz o ponto da situação do estudo dos grafismos pré-
34
históricos, seguindo as propostas defendidas por Obermaier para a Galiza. Desta forma,
considera a existência de dois grupos artísticos no Noroeste, um primeiro, mais antigo,
onde se incluiriam os motivos presentes nos megálitos e as “variadas figuras
esquemáticas” que coloca num período “neo-eneolítico”, e um segundo grupo onde
figurariam as “combinações circulares, as espirais e figuras complicadas, que
atin[gem] a Idade do Ferro” (Pinto 1929:24).
Contudo, é com Santos Júnior (1940), por ocasião do Congresso do Mundo Português
(1940) que se procede à maior compilação de sítios com Arte Rupestre localizados em
território português. No que diz respeito à Arte Rupestre de ar livre, o autor considera
que alguns sítios poderão recuar ao Neolítico, ainda que integre a maior parte dos
grafismos já na Idade do Ferro. Perante o carácter dúbio de algumas formas admite que
certas figuras poderão tratar-se de marcas de termo dos períodos medieval ou moderno,
fazendo uma chamada de atenção para as generalizações que podem distorcer
interpretações.
Contudo, é o trabalho de Sobrino Lorenzo-Ruza (i.e. 1951, 1953, 1956), crítico dos
postulados evolucionistas de Obermaier, que dá início a uma nova etapa no estudo da
Arte Rupestre, introduzindo o conceito de “diferenciação espacial”, que concerta com a
cronologia. Assim, a Arte do Noroeste é dividida em duas regiões que conhecem
diferentes tipos iconográficos de representação (Baptista 1980; Alves 2008):
A. Área correspondente à fachada Atlântica que se estende até ao rio Vouga. Este
grupo seria composto pelas gravuras galego-atlânticas, conceito que deriva da
sua dispersão geográfica. Integram-se aqui as figurações de círculos
concêntricos, espirais e labirintos, que pertenceriam à Idade do Bronze;
B. Área de zoomorfos que se distribuem pelas penínsulas de Barbanza, Morrazo,
interior da província de Pontevedra e Baixo Minho. Segundo Lorenzo-Ruza este
grupo deveria ser mais recente.
35
Quanto aos motivos cruciformes, o autor considera-os aleatórios, remetendo-os para
épocas históricas.
Este autor não aceitava a teoria do evolucionismo difusionista, facto que o fez
considerar as gravuras do Noroeste como o final da evolução do esquematismo
peninsular, pelo que as colocava cronologicamente no Bronze Final (Baptista 1980).
1. Fase Arcaica;
2. Fase Estilizada-dinâmica;
3. Fase dos Ídolos e Punhais;
4. Fase dos Círculos e Linhas;
5. Fase Geométrico-Simbólica.
Esta tese foi, à data, aceite de forma geral, ainda que criticada por alguns autores
galegos (e.g. Peña Martinez 1975; Vásquez 1975) e também portugueses (i.e. Baptista
1983-84). Acima de tudo, estes investigadores reprovam o facto do estudo em questão
36
assentar sobre critérios meramente tipológicos e em sobreposições pouco
representativas de uma rocha apenas, resultando num ciclo de vigência muito amplo e
pouco sustentado. Por outro lado, a teoria de Anati acaba por ser uma transposição das
conclusões formuladas pelo autor para Valcamonica, aplicadas num contexto geográfico
e cultural distinto.
Não obstante, os mesmos autores galegos continuariam a fazer uma separação entre
Arte Rupestre de ar livre e Arte Megalítica, considerando que a segunda seria anterior à
primeira. António Martinho Baptista, a propósito da Arte do Vale do Tejo e não da Arte
do Noroeste, defende que esta cisão não é correcta, referindo para isso que estas artes
deveriam partilhar conceitos e um contexto simbólico-religioso, que pode ter evoluído
posteriormente, dando origem a diferentes grupos estilísticos, mas que de uma forma
geral assentaria no geometrismo e numa gramática figurativa que podia, inclusive, ser
reconhecidos nas fases I e II da Arte do Vale do Tejo (Baptista et al 1978; Baptista
1980).
O autor propõe uma datação para estas manifestações que remete para o Bronze Final e
Idade do Ferro (Baptista 1980; 1983-84; Alves 2008).
37
Contudo, o grande contributo desde autor surge em 1983-84 com a publicação de uma
síntese organizada, explanatória, mas também crítica acerca do panorama da Arte
Rupestre do Noroeste Peninsular. Nestes trabalhos o autor questiona a interpretação
destas expressões artísticas segundo o conceito convencional e homogeneizador do
“Grupo do Noroeste” ou “Grupo Galaico-Português”, na qual escora a sua interpretação
que formaliza nos dois grupos.
É também em 1983 que é dada à estampa uma nova síntese sobre a Arte Rupestre
portuguesa, pela mão de Vitor Oliveira Jorge, na qual o autor questiona o conceito de
“Grupo Galaico-Português”, considerando a existência de diferentes realidades no
Noroeste Peninsular. Em 1986 escreve nova síntese, onde põe em causa a existência dos
dois grupos anteriormente identificados por António Martinho Baptista, defendendo a
existência de “um autêntico “poliformismo” de fundo” (1986:45), em particular quanto
ao Grupo II onde, desde logo, integraria os sítios arqueológicos com Arte Rupestre das
Beiras.
Finalmente, nas últimas décadas têm surgido alguns trabalhos interessantes para o
estudo da Arte do Noroeste, levados a cabo por autores como sejam Richard Bradley,
que abriu um precedente fundamental para a aplicação da Arqueologia da Paisagem.
Este autor, e mais tarde outros investigadores que enveredam por esta perspectiva (i.e.
Alves 2003) faz uma análise global à Arte Atlântica, abordando a arte em sítios tão
díspares como as Ilhas Britânicas e a fachada NW da Península Ibérica, procurando
sempre articular as rochas com o local onde se implantam, considerando a Arte
Atlântica como uma manifestação territorial, muito ligada à apropriação do território
(Bradley 1997).
Outra importante abordagem para o estudo da Arte Rupestre da Península Ibérica surge
com Primitiva Bueno e Rodrigo Balbín, que se distinguem por apresentarem um modelo
interpretativo, enquadrado no paradigma da Arqueologia Espacial, para a Extremadura
espanhola, onde incluem também as gravuras de ar livre do Alto Tejo, situadas em
território português. Aqui, os dois investigadores relacionam os grafismos dos dólmenes
com os sítios de Arte Rupestre ao ar livre, concluindo que as comunidades neolíticas e
calcolíticas da região em questão possuem um sistema gráfico único – “estilo
megalítico” -, que é codificado consoante o “lugar” onde é depositado e que pode variar
desde monumentos megalíticos, rochas nos vales dos rios, abrigos sob rocha, etc. Estas
38
considerações são então aplicadas a toda a Arte Megalítica da Península Ibérica, pondo
em causa os dois grupos estilísticos propostos por E. Shee (1981). Desta forma, Bueno e
Balbín (2006) defendem uma base gráfica comum a todo o território peninsular, de
tradição esquemática mas de índole regional, onde a figura do antropomorfo e as suas
mais diversas formas e associações (em particular com animais, figuras solares,
serpentes e armas) constituiria a marca mais visível do megalitismo ibérico.
Muita tinta tem corrido quanto à origem da Arte Esquemática, inicialmente abordada
sob a sua forma pintada. Eduardo Ripoll (1968) é um evolucionista que considera existir
uma forte ligação entre Arte Levantina, de origem meridional e Arte Esquemática,
embora mencione a maior dispersão geográfica para esta última, reconhecendo que se
expande num vasto território desde a faixa Mediterrânica ao interior da Meseta,
atingindo a costa atlântica. Para justificar as suas ideias estabelece paralelos com os
diversos achados da cultura material provenientes de Los Millares, o sítio de Palmela,
Las Carolinas e Vélez Blanco. Por outro lado, A. Beltrán dá ênfase à origem e
cronologia da Arte Esquemática que, na sua opinião, não deriva da Arte Levantina,
embora admita que possam ter coexistido, baseando-se para tal no exemplo de abrigos
nos quais a Arte Esquemática se sobrepõe à Levantina e vice-versa. Nega ter havido
uma evolução cultural, advogando antes uma ruptura despoletada pela “introdução de
novas ideias religiosas e funerárias e uma nova concepção de vida, nascida da
revolução metalúrgica” (Beltrán 1968:72), numa altura em que se terão deslocado para
a Península Ibérica povos de outras regiões na procura de matéria-prima. Beltrán situa,
39
assim, o advento do esquematismo no 4º milénio A.C. propondo o seu final em plena
Idade do Ferro, com o advento daquilo a que designa de “iberização” (Beltrán 1998;
Hérnandez 2004:17).
Jordá Cerdá (1978) recusa estas influências exógenas, defendendo uma evolução
autóctone cujo cerne se encontraria no Sistema Bético e em Sierra Morena. Defende que
a Arte Esquemática não é posterior nem derivada da Arte Levantina, e baseia-se nos
achados de decorações esquemáticas na Gruta de Cocina e na Gruta de Nerja, que
deverão remontar aos finais do 5º milénio A.C. Finalmente, a publicação de P. Acosta
(1968) parece reavaliar a Arte Esquemática que, segundo F. Jordá no prólogo da
monografia, fora até à data “tratada como um elemento cultural secundário, pelo que,
portanto, merecera as honras de uma grande investigação”. Na sua proposta
cronológica Acosta introduz os conceitos de Esquematismo, que relaciona com “a
estilização e esquematização das formas, alcançada pela degeneração progressiva de
motivos já existentes na pintura rupestre autóctone que precede directamente a
esquemática” e de Fenómeno Esquemático que entende como “produto e consequência
da fusão de elementos autóctones importados” (Acosta 1968). Num primeiro momento,
os seus dados, recolhidos numa profunda análise de paralelos entre artefactos móveis
peninsulares e do Mediterrâneo oriental, a autora atribui a fase mais antiga da Arte
Esquemática aos finais do Neolítico, terminando no Bronze Inicial. Em trabalhos
posteriores aborda novamente a questão (1984), sugerindo que o início da Arte
Esquemática se dá num momento avançado no Neolítico, mas altera o período do seu
terminus que recua para o Calcolítico (Hérnandez 2004:17).
Estudos recentes sugerem que a Arte Esquemática conheceu a sua génese na zona
meridional da Península Ibérica, associada à Arte Macro-Esquemática. Esta última é
40
frequentemente encontrada em amplos abrigos de fácil acesso, próximos das principais
linhas de articulação da Paisagem, que permitiriam uma congregação considerável de
pessoas e que se situavam próximos das principais linhas de articulação da envolvente.
Tendo em conta a dimensão das representações, pode dizer-se que esta eleição especial
corresponderia a modelos de monumentalização da Paisagem relacionadas com novas
estratégias de controlo e domínio da natureza, próprias das comunidades produtoras.
Associada a esta tradição terá surgido a Arte Esquemática que atinge o seu auge
aquando do desaparecimento da Arte Macro-Esquemática. A nova tradição apresenta
uma grande dispersão geográfica que se associa à expansão do povoamento em novas
zonas. Verifica-se uma maior variabilidade na implantação e capacidade dos abrigos
seleccionados, bem como dos motivos representados e contextos de utilização.
Enquanto alguns abrigos parecem ter sido usados para fins rituais, seja de carácter
restrito ou destinado a uma ampla e heterogénea audiência, outros evidenciam uma
vontade de controlo visual do espaço, dos recursos e do movimento dos grupos e
indivíduos. Esta diversificação pode ser entendida no contexto de expressão
demográfica e de maior complexidade social que se observa no decorrer do processo de
Neolitização (Fairén 2004a).
Junta-se ainda a este quadro rupestre a Arte Levantina, que parece mostrar uma
estratégia semelhante de ocupação simbólica no espaço, respondendo a necessidades
muito concretas. Por um lado, a manutenção do cerimonial social em determinados
locais e um progressivo aumento da territorialidade à medida que avança a sequência
neolítica. Apesar de presença conjunta de manifestações esquemáticas e levantinas em
muitos abrigos, distinguem-se algumas tendências exclusivas para ambos: nos abrigos
onde se encontram as cenas levantinas mais complexas escasseiam os motivos
esquemáticos e vice-versa. Esta constatação confirma a complementaridade na
articulação da Paisagem Social durante este período (Fairén 2004a).
41
A pintura surge sobretudo em abrigos (e monumentos megalíticos), geralmente
conseguida com recurso a colorações que variam entre o vermelho ocre, o preto e por
vezes o branco.
Por extensão, e ainda que de forma pouco criteriosa, existe uma tendência que é a de
considerar que quase todos os grafismos de carácter esquemático espalhados pelo
território peninsular se inscrevem nesta tendência esquematizante, do ponto de vista
estilístico. Então verifica-se que o conceito de Arte Esquemática, inicialmente utilizado
para identificar estilística, tecnicamente (a pintura) e cronologicamente os abrigos
pintados do interior e Sul Peninsular (Acosta 1968), bem como para os distinguir
estilisticamente e/ou cronologicamente da Arte Levantina por um lado e da Arte
Megalítica por outro, perde o seu sentido cronológico, cultural e passa a designar
dominantemente uma tendência formal, o esquematismo quer se trate de pintura ou de
gravura. Deste modo, à escala regional, e nas diversas regiões peninsulares tem-se
assistido a tentativas de enquadramento cronológico-cultural e estilístico das
manifestações que apresentam genericamente aquelas características de tendência
esquemática. Falando especificamente do Noroeste Peninsular, verifica-se que a figura
do antropomorfo simples teria um papel relevante. Segundo António Martinho Baptista
(1983-84:75) os primeiros motivos a ser insculturados terão sido os reticulados e alguns
42
tipos de antropomorfos em “phi”, que evoluíram no sentido da simplificação da forma,
chegando a atingir a simples geometria de uma cruz.
A uma escala mais regional, no Noroeste Peninsular, aquilo que hoje designamos por
Arte Esquemática seria o já mencionado Ältere Grüppe de Obermaier, que reúne
cruciformes, quadriláteros, lineares simples. As mesmas figuras são consideradas pelo
Grupo A de Bosh-Gimpera, Grupo A de Lopez Cuevillas e Grupo II de António
Martinho Baptista. Não obstante, esta tradição é negligenciada por vários autores (i.e.
Peña Santos 1979:100; Costas e Pereira 1998:131-173; Peña Santos e Rey 2001:28,29)
que remetem os seus motivos cruciformes para períodos exclusivamente históricos. De
facto, regista-se uma persistência do cruciforme ao longo dos séculos, que deverá ser o
resultado da aglutinação pela tradição cristã, dada a aproximação da forma ao ícone da
religião. Pelas suas características simples é provável que esta configuração tenha sido
utilizada para uma diversidade de fins, desde a marcação de termos à delimitação de
propriedades. Algumas estações pré-históricas como a Botelhinha (Est. 24, 25 e 26), a
Fraga da Aborraceira ou a Fraga das Ferraduras de Ribalonga parecem coincidir com
actuais delimitações administrativas (Lima 2008). Se, em algum dos casos as figuras
podem realmente ser atribuídas a períodos históricos, é também provável que as rochas,
já marcadas, possam ter sido aproveitadas para demarcar tal territorialidade.
Por outro lado, o cruciforme deve também ter sido utilizado como materialização de um
acto de cristianização, numa altura em que o culto pagão das pedras, ainda vigente
segundo documentos da época nos séc. IV e V d.C., era reprovado pela nova religião, e
combatido por homens como S. Martinho de Dume (Baptista 1983-84). O mesmo S.
Martinho de Dume escreve, no séc. VI, uma carta – De Correctione Rusticorum – ao
bispo de Astorga, apresentando um modelo doutrinal para a cristianização nos campos,
que pretendia conter a prevalência de cultos naturalistas e a veneração de divindades
pagãs (Alves 2001:76). Os actos de cristianização não surgem apenas nas rochas com
maior profusão de motivos pré-históricos, tendo sido insculturados também de forma
isolada, sugerindo uma evangelização programada (Lima 2008).
43
religiosos, reflectindo a incorporação de fragmentos de um mundo pagão no novo
sistema de crenças (Alves 2001:72).
A maior parte dos motivos da Arte Megalítica são obtidos através da pintura (Mamoa I
de Madorras, Sabrosa), mas casos há nos quais a decoração dos esteios é feita com
recurso à gravação (i.e. Mamoa do Castelo, Murça) (Sanches 2008/2009) conhecendo-
se alguns exemplos da conjugação das duas técnicas (e.g. Dólmen do Juncal) (Bradley e
Fábregas 1999; Alves 2003; Carrera 2006).
44
motivos antropomórficos e zoomórficos (Bradley e Fábregas 1999; Bueno e Balbín
2004:65).
Os motivos são gravados, embora não seja possível afirmar peremptoriamente que não
tenham sido igualmente pintados, numa combinação das duas técnicas, à semelhança do
que se verifica em alguns monumentos megalíticos esquemáticos. As iconografias
representadas na pintura esquemática – barras, formas em pente, zoomorfos, variedades
incríveis de antropomorfos, etc. – dão agora lugar, no Noroeste, a outras figurações
baseadas dominantemente na figura humana em frequente articulação com grelhas e
combinações de linhas perpendiculares (Baptista 1980, 1983-84; Alves 2003). Quanto à
execução apresentam um sulco mais estreito do que aquele que se verifica na gravura da
Arte Atlântica, embora partilhem a percussão/picotagem como técnica de execução
(Baptista 1983-84:75).
45
Em Portugal o Gião (Baptista 1981b) (Est. 32, 33 e 34), o Tripe (Baptista (1983-84)
(Est. 35, 36 e 37) e a Botelhinha (Lima 2008) (Est. 24, 25 e 26) são os melhores
exemplos de conjuntos de ar livre com Arte Esquemática identificados e publicados até
à data, juntando-se-lhes agora o Monte de Góios.
Na sua síntese sobre a Arte do Noroeste António Martinho Baptista (1983-84) faz uma
caracterização da Arte Esquemática gravada baseando-se nos exemplos dos sítios
rupestres de ar livre do Gião (Arcos de Valdevez), do Tripe (Mairos, Chaves) e do
Outeiro Machado (Chaves) (Est. 38), a partir dos quais determina o seguinte conjunto
de motivos e características iconográficas:
46
• Conjunto rupestre de ar livre do Gião (Arcos de Valdevez)
O conjunto rupestre do Gião (Cabana Maior, Arcos de Valdevez) foi descoberto pelo
Pe. José Saraiva de Miranda (Fontes 1932, citado em Baptista 1980). Situa-se numa
imponente elevação homónimo, encimada por dois cumes que atingem os 800 m de
altitude e que se encontram ligados entre si através de uma crista planáltica de
configuração semi-circular, que afunila suavemente num pronunciado anfiteatro natural
(Baptista 1980). Nas zonas inferiores desta encosta há uma nascente a partir da qual
correm as águas do ribeiro do Gião, no interior do anfiteatro, favorável à subsistência
das manadas. É em torno destas duas grandes áreas que se concentra a Arte Rupestre: o
interior do amplo recinto natural (Gião 1) e o topo de um outeiro situado para nascente
do primeiro (Gião 2) (Baptista 1980; Silva e Alves 2005b). Pelos afloramentos
graníticos foram gravados motivos que actualmente consideramos como típicos da
região, de carácter geométrico e esquemático compostos essencialmente por quadrados
e rectângulos segmentados internamente, antropomorfos esquemáticos, reticulados e
covinhas. Os antropomorfos encontram-se em maior número e seguem tipologias
diversificadas, chegando a identificar-se alguns exemplares formalmente similares aos
da arte do Vale do Tejo. Estão praticamente ausentes as figurações de tradição atlântica.
Segundo alguns autores (i.e. Fontes 1933; Lorenzo-Ruza 1956) parecem identificar-se
alguns esteliformes, que poderão ser integrados na tradição artística da Arte Atlântica,
atendendo ao paralelo com a Portela da Laxe na Galiza (Anati 1968; Baptista 1980,
1981b). Não obstante, estas representações esteliformes estão também presentes na
pintura esquemática em sítios como a Pala Pinta ou nos abrigos da Serra de Passos
(Sanches 2002), sendo também frequentes na Arte Megalítica (i.e. Dólmen da Chã de
Parada, Baião; Dólmen do Carapito) (Baptista 1980:92). De facto, trata-se de um
motivo também ele característico da Arte Esquemática Megalítica, podendo ainda surgir
na Arte Atlântica, sugerindo que estes modos estilísticos compositivos têm raízes no 4ª
(e 3ª) milénio AC.
47
ser contemporâneas daquele exemplar megalítico, se não mesmo anterior, no caso do
bloco ter sido alvo de reaproveitamento.
48
A partir das novas características que a Arte Esquemática adquire, conforme se
manifesta em zonas mais ocidentais, é possível percepcionar alterações na concepção do
mundo, por parte das comunidades criadoras. Se aceitarmos uma cronologia coetânea
para ambas as tradições e se partirmos do princípio que se tratam de comunidades
distintas, criadores de duas Artes também elas divergentes, talvez seja possível supor
que a Arte Esquemática tenha sido amplamente impressionada pela cosmogonia das
comunidades atlânticas. Assim sendo poderá colocar-se a hipótese de que este encontro
terá conduzido à metamorfose da Arte Esquemática, antes presente nos abrigos e nos
monumentos megalíticos, para uma arte de ar livre. Esta simbiose terá também tido
repercussões ao nível do significado dos grafismos. Se anteriormente fazia sentido
confinar a arte a espaços apertados, escuros e restritos, as novas visões do mundo
preferem espaços mais abertos e amplos, permitindo um movimento mais dinâmico dos
indivíduos em torno das rochas. A mensagem seria seguramente outra, embora a
interpretação da mesma continuasse a depender da bagagem simbólica e ideológica do
observador.
Aquela que actualmente conhecemos como Arte Atlântica corresponde, grosso modo,
ao já mencionado “grupo galaico-atlântico” de Lorenzo-Ruza (Baptista 1983-84), ao
Jüngere Grüppe de Obermaier (Baptista 1980, 1983-84; Alves 2003), e ao Grupo I de
António Martinho Baptista (1983-84, 1986; Alves 2003) e ao qual nós apelidamos de
Arte Atlântica, no seguimento de outros autores (e.g. Bradley 1997; Alves 2003).
A maior parte das designações atribuídas a este grupo têm por base a sua disposição
geográfica. Na verdade o termo Atlantic Galician Art é inicialmente utilizado por Eoin
MacWhite em 1951, porque a investigação deste autor é orientada no sentido da fachada
atlântica enquanto, por exemplo, Anati se refere ao grupo de Arte Galaico-Portuguesa
sugerindo uma distinção entre as ocorrências da Galiza e as de Portugal. É, por fim,
Richard Bradley (1997) que reassume a designação e se refere a um Estilo Atlântico,
que aborda a partir de uma perspectiva antropológica, baseando-se no pensamento de
Ingold (1986), e da Arqueologia da Paisagem (Bradley 1997; Alves 2003). Lara Alves
irá optar por alternar a designação de Estilo por Tradição de Arte Atlântica,
49
considerando a variabilidade regional e a profundidade diacrónica do fenómeno (Alves
2008).
Surge de facto em regiões que se encontram geograficamente afastadas umas das outras,
separadas pelo Oceano Atlântico, elemento natural comum a todas elas, mas não deixa
de ser curioso que estas zonas acabam por partilhar algumas características
geomorfológicas e também climáticas. Não obstante todas as semelhanças que podemos
encontrar nas várias regiões por onde se espraia a Arte Atlântica, esta encontra-se
50
crivada de regionalismos, sendo que é possível observar diferenças, por exemplo, nas
manifestações que se encontram a Norte do rio Minho com aquelas que surgem para Sul
da sua margem esquerda.
As gravuras atlânticas são geralmente sulcadas no suporte com traços bem definidos e
delimitados que deveriam ser muito evidentes aos olhos do observador, antes da patine
desempenhar o seu papel no tempo. Na maior parte dos casos as gravuras são obtidas
através da utilização de um percutor de pedra, por vezes sendo previamente delimitadas
com um traçado picotado mais fino, observável em algumas figurações. Os mais
perfeitos círculos concêntricos podem ainda ser obtidos através da junção de pequenas
covinhas que se dispõem lado a lado sucessivamente no suporte (Sobrino 1951, 1952;
Baptista 1983-84). De uma forma geral, ainda que se observem algumas variações, as
gravuras atlânticas tendem a ocupar sobretudo as plataformas superiores das rochas mas
estendem-se também para as zonas laterais dos suportes.
Contudo, se em alguns sítios – Tapada do Ozão (Baptista 1980; Cunha e Silva 1980) ou
Lampaça (Teixeira 2007) – se assiste a uma total ocupação do espaço operatório,
relembrando o “horror ao vazio” referido por António Martinho Baptista quanto à Arte
Esquemática, noutros exemplos parece reconhecer-se uma certa predeterminação e
51
organização na colocação dos motivos (i.e. Bouça do Colado, Ponte da Barca) (Baptista
1981a).
52
(Sever do Vouga) (Souto 1932; 1938; Alves 2003). Na Galiza a iconografia das
insculturas apresenta uma particularidade. De forma geral são compostas por covinhas,
combinações circulares e meandriformes, aos quais se adiciona um considerável número
de zoomorfos e armas. Distribuem-se sobre toda a envolvente das Rias Baixas, com
alguns prolongamentos para o interior, nas províncias de Lugo e Ourense, até às Rias
Altas, a partir das quais se estendem também para Portugal (Criado e Santos 2004:176).
Ainda na Galiza, alguns estudos da década de 1990 (Bradley 1997) sugerem que as
rochas gravadas teriam o propósito de assinalar a delimitação dos territórios de
pastagens das manadas, as brañas, zonas férteis onde abundavam os cursos de água que
revitalizam a região (Baptista 1983-84; Bradley 1997; Alves 2008). Esta marcação
territorial faria parte de uma linguagem de códigos de sítios que, composta pelos
motivos gravados transmite informação aos indivíduos que as contemplassem (Bradley
1997). Conforme pudemos concluir anteriormente, é provável que o significado desta
simbologia de contornos circulares adquirisse diferentes interpretações dependendo do
contexto físico no qual se inseria. Será ainda conveniente recordar que, apesar das
semelhanças aparentes, a Arte Atlântica sofre regionalismos, não fosse tão notável a sua
dispersão geográfica.
53
obstante, o facto de podermos situar cronologicamente um elemento gravado numa
rocha não significa que essa datação possa ser extensível a outras figuras que coexistem
no mesmo suporte.
Desde os primórdios dos seus estudos que vários autores têm vindo a procurar datar a
Arte Esquemática, ou não fosse a cronologia um dos grandes debates de todas as
tradições de Arte Rupestre.
54
Ibéria através dos colonos da actual Andaluzia através da “via de la plata” (Maria
Isabel Martinez e Hipolito Collado 1997, citados em Alves 2003). Esta ideia é
corroborada pela descoberta de fragmentos cerâmicos decorados, em particular do estilo
“Almagre”, que surgiram em Cáceres/Badajoz. Assim, Collado afirma que o influxo de
Arte Esquemática pode ser datado do início do 4º milénio BC (Alves 2003).
55
Segundo os autores (Bradley et al 2005) do estudo de que foi alvo El Pedroso, do qual
fizeram parte escavações arqueológicas, as duas câmaras que compõem este sítio terão
sido alvo de sequências cronológicas distintas, sendo que tanto a caverna como os
terraços terão conhecido longas ocupações humanas. Daqui foi exumado algum espólio
arqueológico que fará remontar a utilização do espaço ao final do 3º milénio BC. Não é,
contudo, claro que todos os componentes do sítio tenham sido utilizados no mesmo
momento, havendo algumas diferenças nos registos das diferentes áreas. Os contextos
arqueológicos demonstram evidências consideráveis de preparação de alimentos, mas
indiciam também a produção de artefactos. Não obstante, os investigadores colocam
também a hipótese de estarmos perante um eventual contexto funerário, já que na
câmara mais profunda terá surgido uma ponta de seta de tipo Palmela, artefacto
frequente no acompanhamento de enterramentos. Para além da evidência material,
sublinha-se o facto de motivos com características formais semelhantes aos de El
Pedroso terem sido pintados, por exemplo, no túmulo megalítico de El Mareco
(Burgos), onde as figuras datam do Neolítico Final (Bradley et al 2005).
Para além das características temáticas e dos contextos que aqui podem ser analisados,
as escavações arqueológicas levadas a cabo indiciam uma ocupação durante o
Calcolítico (Alves 2003, 2008; Bradley et al 2005).
Lara Bacelar Alves (2003) considera o Vale da Casa e a Casa do Moro como sítios de
transição, unidos pela cronologia Calcolítica atribuída a partir das evidências
artefactuais e arquitectónicas associadas à Arte Rupestre. Por outro lado, ambos os
sítios apresentam características que podem ser associadas a contextos funerários pós-
56
Neolíticos (Baptista 1983; Alves 2003; Bradley et al 2005), ainda que não de forma
peremptória.
De facto, alguns autores (i.e. Bueno e Balbín 2002; 2004; Sanches 2008/2009)
defendem uma profunda relação cronológica e iconográfica entre a Arte Esquemática e
a Arte Megalítica, partindo da evidente semelhança entre as figuras e do facto destas
ocuparem o mesmo espaço geográfico alargado. A Arte Megalítica é então colocada, do
ponto de vista metodológico, no centro da definição cronológica para a Arte Rupestre da
Pré-História Recente na Península Ibérica. As analogias dos motivos representados ao
ar livre com aqueles inseridos nos ambientes encerrados dos monumentos megalíticos
podem realmente trazer alguma luz à questão cronológica da Arte Esquemática. Uma
vez que partilham semelhanças iconográficas e tipológicas, podem ser criadas analogias,
aproveitando os contextos directos dos monumentos megalíticos e dos abrigos que
poderão ser transpostos para os conjuntos de ar livre. A obtenção de evidências
arqueológicas datáveis através de métodos absolutos em contextos megalíticos podem,
de alguma forma, contribuir para esclarecer questões cronológicas relativas aos motivos
gravados ou pintados nas rochas de ar livre.
57
A Arte Megalítica é então vista como um código funerário conhecido em toda a
Península Ibérica e praticado em diversos tipos de estruturas, incluindo covas naturais,
abrigos, rochas ao ar livre, numa amplitude cronológica que deveria iniciar-se no 5º e
seguir até ao 3º milénio AC. Neste período de tempo estariam em vigência os motivos
antropomorfos, solares, armas, objectos e serpentes. As imagens e os desenhos
esquemáticos que se encontram na Península Ibérica já no 4º milénio AC são os que
pela tradição serão associados ao código funerário tanto de menires como de dólmenes
(Bueno e Balbín 2004:63).
Nesta perspectiva, Bueno e Balbín (2004:58) defendem que se devem utilizar os dados
contextualizados dos recintos funerários como sistema de cronologia relativa para os
grafismos de ar livre, bem como as deduções simbólicas aplicáveis ao mundo da morte,
como ponto de reflexão para todos os sistemas de representação de ar livre da península.
A abordagem destes autores à Arte Megalítica parte do conceito de contemporaneidade
de técnicas, suportes e diferentes contextos, no âmbito de uma análise estrutural
semelhante àquela proposta por Leroi-Gourhan para a Arte Paleolítica.
Em particular era necessário assimilar a grande contradição entre um sul peninsular rico
em manifestações parietais que não surgiam em contextos funerários e um norte sem
pintura ao ar livre (Bradley e Fábregas 1999), mas onde era utilizada nos dólmenes. No
entanto, parece-nos que esta ilação é naturalmente subjectiva porque não é possível
assegurar que a pintura não tenha sido também praticada em ambientes exteriores.
58
que estes terão conhecido o seu apogeu durante o Calcolítico (i.e. Acosta 1968:184-186;
Ripoll 1983; Jordá 1987:20-21; Martinez e Collado 1997:160-162; Collado et al
1998:218) mas atendendo aos dados arqueográficos disponíveis parece arriscado
afirmar que se tivesse prolongado muito para além do 3º milénio.
Ainda sobre este assunto deverão também referir-se dois estudos recentes e inovadores,
dos quais resultaram teses de doutoramento que, abordando o mesmo tema, ainda que
em áreas geográficas diferentes, obtiveram resultados contraditórios. Assim, em 2003,
Lara Bacelar Alves sugere uma cronologia mais antiga para a Arte Atlântica, recuando
até ao Neolítico a sua génese. Refere que sistemas simbólicos bem estabilizados
enraizaram as cosmologias das sociedades humanas ao longo da fachada Atlântica
durante o Neolítico, facto que terá impedido um alastramento da Arte Esquemática para
Oeste das Montanhas Atlânticas. Através de uma análise em diferentes regiões
geográficas – Rias Baixas, na Galiza e a Serra do Arestal – a autora conclui que existe
uma clara relação entre as gravuras abstractas ao longo de caminhos que conduzem a
necrópoles megalíticas. Finalmente, o universo iconográfico da Arte Rupestre de ar
livre e a decoração dos monumentos Neolíticos partilham uma propensão abstracto-
59
geométrica e há alturas em que os tipos de motivos se sobrepõem. Segundo Lara
Bacelar Alves o final da sequência Atlântica deverá remontar à Idade do Bronze,
referindo as sobreposições de estruturas da Idade do Ferro com rochas Atlânticas,
embora reconheça que seja difícil precisar exactamente o momento do seu terminus.
Supondo que as formas clássicas da Arte Atlântica tenham deixado de ser utilizadas no
decorrer da primeira metade do 2º milénio BC, a prática de gravar sinais em elementos
naturais deve, no entanto, ter prevalecido, ainda que sem a carga simbólica e
significativa consistência dos séculos anteriores (Alves 2003).
4
Executado pelo Instituto de Estudios Galegos Padre Sarmiento, Laboratório de Arqueologia del Paisaje
(Lar del IEGPS – CSIC Xunta de Galicia).
5
A falta de sedimentos associados a este pavimento não permitiu uma atribuição cronológica.
6
O conceito de “Termoclasto” não é utilizado no léxico geológico português, ao contrário do que se
verifica, por exemplo, na Galiza. Em português conhecem-se os termos “Crioclasto” e “Crioclastia” que
se relacionam com fragmentos de rocha ou grãos que se separam por desagregação provocada pela
congelação de água nos portos e microporos da rocha, em sequência do aumento de volume da água na
passagem do estado líquido para o sólido. Na perspectiva de descrever o fenómeno oposto ao da
60
A laje de Os Carballos foi alvo de duas campanhas de escavação arqueológica (em 2003
e 2004) que revelaram o processo de sedimentação da rocha bem como um depósito de
lascas de quartzo, interpretado como se tratando dos vestígios de gravação. Foi ainda
identificado um nível de combustão e por baixo deste surgiram mais gravuras na mesma
camada de um buraco de poste, um pequeno fragmento cerâmico, um percutor e várias
lascas de quartzo (Santos 2007).
Não obstante parece-nos que a génese da Arte Atlântica deve recuar a períodos antigos
como o Neolítico, altura a partir da qual se terá desenvolvido, perdurando no tempo até
à Idade do Bronze Final.
61
PARTE III CASE STUDY: O COJUTO RUPESTRE DO MOTE DE GÓIS
3. MOTE DE GÓIOS
3.1.COTEXTO GEOMORFOLÓGICO
Na sua região meridional o território concentra algumas das zonas mais elevadas no
país, no que respeita a altitude do terreno. Aqui dominam os vigorosos relevos da Serra
Amarela, Peneda, Soajo e Gerês, separados por vales de fractura com orientações ENE
– WSW, que dão origem a vales de rios encaixados, como o próprio rio Minho, Lima,
Cávado e Ave (INAG 2004). Estas paisagens compõem-se quase exclusivamente de
potentes batólitos graníticos, xistos cristalinos, alonquianos, xistos argilosos pré-
câmbricos e quartzitos silúricos do Maciço Hespérico7, banhados por climas húmidos
(Ribeiro et al 1987). Juntamente com o sudoeste da Galiza e a plataforma continental
adjacente, ocupa o espaço entre o bordo superior do talude continental e a oeste e o eixo
da Culminação Ibérica Principal8, a leste. Não obstante, o Noroeste de Portugal
7
Também designado por Maciço ou Meseta Ibérica, é uma antiga unidade geomorfológica da Península
Ibérica formada durante o pré-Câmbrico, correspondendo a uma cordilheira que se situa maioritariamente
em Espanha, mas que atinge também o território português. Tem sensivelmente a forma de um triângulo
cujos vértices se situam a noroeste da Galiza, perto do Cabo de S. Vicente (Algarve) e na parte oriental da
Serra Morena. Afloram essencialmente os xistos e os granitos, sendo que o conjunto se encontra
actualmente num avançado estado de erosão. Apresenta a norte um relevo acentuado, com vales
encaixados, contrastando com a sua parte sul onde ocorre uma superfície aplanada, interrompida por
alguns relevos pouco acentuados (INAG).
8
Conceito introduzido por Lautensach referente a uma área onde afloram jazigos minerais formados a
profundos níveis da crusta. Para o autor este fenómeno explica-se porque esta zona corresponderia ao
sector do Maciço Hespérico que sofreu uma maior elevação durante o período pos-hercínico. Possuindo
62
caracteriza-se pela sua forma de anfiteatro com um relevo descendente no sentido do
oceano (na direcção NNW – SSE), que parte da Serra da Cabreira e Peneda-Gerês e que
se encontra rasgado por inúmeros vales, geralmente na orientação bética (ENE – WSW)
(Araújo e Pérez, s.d.).
uma orientação no sentido NNW será coincidente com o eixo da zona centro Ibérica (Araújo e Pérez,
s.d.).
63
direita, estável. Os rios inserem-se neste litoral por meio de estuários amplos mas pouco
profundos (Ribeiro et al 1987).
Quanto ao coberto vegetal, nas florestas do norte de Portugal deviam ser predominantes
as espécies de folhosos, em particular o Quercus, em formações puras ou associadas a
coníferas (Pinus, Juniperus) (Araújo e Pérez, s.d.). Contudo, grande parte das áreas
vegetais foi humanizada, em particular desde o Neolítico, sendo que as práticas
agrícolas e pastorícias alteraram o semblante das superfícies.
64
Cachadinha (Est.39). A somar a este cenário, as abruptas vertentes oriente e poente do
contraforte cobertas por afloramentos graníticos, que alternam entre as grandes
superfícies inclinadas, penedos mais ou menos elevados e blocos de rocha de menores
dimensões que se expandem pelo topo da elevação e pelo fundo do Vale do Ouro (Alves
2006).
3.2.COTEXTO ARQUEOLÓGICO
De facto, a grande quantidade de artefactos líticos que se podem recolher nas praias do
litoral minhoto, são exemplificativas de uma ocupação do território que remonta ao
início do Holoceno, atendendo também ao facto de que durante este período se terão
formado aqui alguns terraços fluviais propícios ao desenvolvimento da vida humana.
Abel Viana foi o primeiro investigador a interessar-se verdadeiramente pelas jazidas
paleolíticas do vale do rio Minho, publicando em 1930 uma síntese das estações por si
identificadas até à data. Trinta anos volvidos, E. Aguirre (1964), na sequência das suas
escavações em Gándaras de Budiño (Pontevedra) acaba por se debruçar também um
pouco sobre a margem esquerda do rio Minho. Finalmente, é na década de 1980 que
José Meireles desenvolve um estudo articulando a vertente geológica e arqueológica,
65
que aplica ao Quaternário do litoral minhoto. Este autor terá estudado uma série de
sítios arqueológicos, onde levou a cabo escavações cujos resultados complementaram as
ilações de outros investigadores, tais como Rui de Serpa Pinto que identificou uma série
de sítios pré-históricos em Vila Praia de Âncora. A Jazida de Forte do Cão (Gelfa), a
“Estação asturiense de Âncora” assim mencionada por Serpa Pinto, mas também a
outros sítios como a Jazida de S. Domingos (Moledo) são alguns exemplos dos sítios
abordados por Meireles (1986, 1987) sendo que em todos eles foram recolhidos
materiais líticos, em particular picos asturienses, seixos de talhe unifacial e bifacial,
lascas residuais de talhe e alguns utensílios sobre lasca.
66
acompanhamento técnico. Neste sentido, quando se sentiu “necessidade” de se construir
uma auto-estrada de acesso a Caminha (actualmente concluída) (Est. 43), não obstante a
polémica de que foi alvo, foi necessário proceder à realização de trabalhos de
prospecção prévios. Durante as campanhas identificaram-se outras rochas inéditas nas
imediações das imponentes lajes, algumas partilhando os mesmos motivos atlânticos,
nomeadamente zoomorfos e círculos concêntricos (e.g. Laje da Chã das Carvalheiras 2 e
3 (Est. 44), Laje da Boucinha (Est. 45) comprovando que, à semelhança do que se
verifica na Galiza, também aqui estes conjuntos são compostos por diversos elementos
que se distribuem de forma coerente na paisagem.
Após um grande incêndio no ano de 2005 que devastou grande parte da densa vegetação
da vertente meridional do Monte de Góios, foram aqui identificadas, pelos membros de
uma associação de defesa do património – COREMA – quatro rochas gravadas. A área
já tinha sido alvo de prospecções, no âmbito dos trabalhos prévios inerentes à referida
obra pública, ainda que estes tenham sido sobejamente dificultadas pelo coberto vegetal
que impedia a progressão no terreno. Agora com o espaço limpo, via-se a necessidade
de se realizarem novas campanhas de prospecção sistemática que permitissem um
melhor conhecimento desta vertente do monte e que impedissem a destruição fortuita de
quaisquer outras rochas gravadas que pudessem existir, sem que delas houvesse
conhecimento. O terreno deixara de ser uma amálgama de árvores e arbustos ganhando,
apesar da coloração negra das cinzas, contornos mais humanizados. Desde logo foi
possível identificar troços de um antigo caminho que se encontrava já perdido na
memória da população, bem como uma série de muros de propriedade e inúmeras
pedreiras que, aliás, são também frequentes na encosta poente. O Caminho do Ratapau,
entretanto apagado da memória do povo, surge então delineado percorrendo a encosta e
seguindo as zonas topograficamente favoráveis que coincidem com o relevo da chã
onde também se situam as gravuras. Nas zonas mais declivosas observam-se profundas
marcas de rodado, com cerca de 15 a 20 cm, provocados por uma passagem contínua do
tempo. Foi neste ambiente amplo que identificamos dezenas de rochas gravadas, desta
feita com motivos de Arte Esquemática, baseados essencialmente em antropomorfos e
cruciformes. Para além das rochas com gravuras de feição pré-histórica, outros motivos
67
foram ainda registados, como sejam as cruzes de termo, sendo que nesta zona
convergem os limites de algumas divisões administrativas actuais. Por exemplo, na
Cachadinha, um cruciforme na zona superior de um suporte coincide com o limite das
freguesias de Lanhelas e Vilar de Mouros. Em outras rochas identificamos motivos
alfabetiformes, como o “P” (Alves 2006).
9
Consideramos que esta informação carece de mais indicações, mas pomos a hipótese deste artefacto ter
sido encontrado fe facto no próprio Monte de Góios, tendo em conta a riqueza arqueológica da zona.
68
tenha identificado qualquer estrutura deste tipo. Destacamos então o Dólmen da
Barrosa, também conhecido por Lapa dos Mouros, situado na freguesia de Vila Praia de
âncora, anteriormente conhecida por Donfinhães, em formações de terraço fluvial ou
praia elevada de 15 – 25 metros. Trata-se de uma anta de corredor indiferenciado, nas
palavras de Vítor Oliveira Jorge (1987:227), uma vez que na sua planta é notório um
alargamento progressivo da galeria, a partir da entrada, que se estendia ao interior da
câmara. Esta é composta por nove esteios imbricados, cada um disposto na diagonal, à
excepção da laje da cabeceira. O corredor é constituído por dez esteios, cinco de cada
lado, diferenciando-se bastante, em altura, da câmara (Jorge 1987). O monumento foi
inicialmente escavado por Francisco Martins Sarmento, tendo sido também alvo de
algumas profanações premeditadas ao longo do tempo. Para além do material que este
pioneiro da Arqueologia recolhera do qual faz parte uma ponta de seta e “cerâmicas
grosseiras” (Nunes 1951) nas suas escavações, Castro Nunes (1951) encontrou um
raspador microlítico, uma faca de sílex, um pequeno machado, pontas de seta deltoidais
e uma ponta de seta esboçada. A este espólio juntam-se três lajes de granito insculpidas.
Duas delas encontravam-se na câmara, em área oposta ao corredor, enterradas a cerca
de um metro de profundidade. A terceira laje foi encontrada in situ encaixando-se entre
o último esteio do lado esquerdo (Sul) do corredor e o primeiro da câmara. Castro
Nunes admite ter existido algo semelhante do lado oposto (1955:157). As gravuras
insculpidas nestas lajes são sobretudo baseadas em meandros ondulados, que
atravessam longitudinalmente os suportes. No caso do Petroglifo B (Nunes 1955) foram
gravados dois sulcos que percorrem a rocha em paralelo. Relativamente ao Petroglifo C
(Nunes 1955), que foi encontrado entre os esteios do monumento, tem a particularidade
de ter sido decorado em ambas as faces, uma mais profusamente insculturada sendo essa
a que se encontrava voltada para o corredor. Possui também motivos meandriformes e
em “U” (na face exterior) e uma linha horizontal larga (na face voltada à câmara). Na
sua zona superior a laje parece ter sido quebrada, pelo que é provável que os motivos
estejam truncados (Jorge 1987).
A cerca de 1,5 km para leste do Dólmen da Barrosa situa-se o Dólmen de Vile, também
assente em formações de terraço fluvial de 15 – 25 metros (Jorge 1987). Trata-se de um
dólmen, com apenas um esteio da câmara visível na cratera e vestígios de couraça
pétrea. Para sudoeste, percorridos cerca de 2,5 km ergue-se a mamoa da Eireira, outra
estrutura com câmara e corredor indiferenciados, mas que no caso possui os esteios
69
todos da mesma altura (Jorge 1987). O monumento, profusamente decorado com
pinturas e gravuras, foi alvo de escavação arqueológica, dirigida por Eduardo Jorge
Lopes da Silva, tendo sido recolhidos alguns artefactos líticos como pontas de seta em
sílex, quartzo e xisto, lâminas de sílex, machados de pedra polida e um elevado número
de lascas de quartzito e seixos afeiçoados (Silva 2003).
Mas se precisavam de espaços para praticar os seus actos rituais e enterrar os seus
mortos, os homens antigos precisavam também de sítios para desenvolver as suas
actividades quotidianas. Assim, até à Idade do Ferro assiste-se a uma ocupação de
vários pontos, por norma preponderantes na paisagem. Para citar alguns exemplos, em
maior relação de proximidade com o Monte de Góios encontramos entre Vilar de
Mouros e Lanhelas a Senhora do Crasto de Góios. Trata-se de uma elevação no cimo da
qual foi construída uma capela dedicada à Senhora do Crasto, assente sobre uma
pequena plataforma artificial (Lopes e Martins 1999:453). Para além da indicação
toponímica foram de facto aqui identificadas estruturas que remetem para a Idade do
Ferro (Silva 1986; Lopes e Martins 1999). O sítio surge na bibliografia com Martins
Sarmento, associado à localização do achado, em finais do séc. XIX, de um conjunto de
machados em bronze, entre outras jóias e armas, para as quais já remetemos em ocasião
anterior. O povoado implanta-se numa zona estratégica a partir de onde lhe é possível
dominar visualmente o vale do rio Minho, controlando as vias de passagem e a
ocupação territorial, preocupações típicas que se reflectem no sistema de povoamento
das comunidades do ferro do noroeste peninsular. Algumas sondagens arqueológicas, as
últimas realizadas em 1998 (Lopes e Martins 1999), confirmam a génese do povoado no
Bronze Final, perdurando pela Idade do Ferro, após a qual se verifica um intenso
processo de romanização e um total abandono na Idade Média.
70
região terá sido ocupada de forma contínua no tempo, não sendo contudo possível
associar qualquer um destes vestígios, de forma directa e peremptória, ao nosso objecto
de estudo, as rochas gravadas do Monte de Góios. Nem mesmo o material arqueológico
que foi registado durante as campanhas de prospecção podem ser relacionados desta
forma, na ausência de contextos arqueológicos quer deles próprios, que surgiram à
superfície, quer dos motivos insculpidos nos afloramentos.
Chegados a este ponto procuraremos mostrar de que modo o Monte de Góios é capaz de
se destacar no panorama de estudo da Arte Rupestre nacional, em primeiro lugar pela
presença das duas extraordinárias Laje das Fogaças e Laje da Chã das Carvalheiras.
Não sabemos ao certo de onde advém o micro-topónimo mas diz a tradição oral que o
nome dado à laje tem a ver com a semelhança entre as gravuras representadas nesta laje
e as próprias “fogaças”10, cuja semelhança deve ter sido apurada devido aos motivos
circulares inseridos em linhas ovaladas (Silva e Alves 2005b). O povo fala ainda de
“grelhas” e “sertãs” (Viana 1929) que estariam também gravadas na rocha. À
semelhança do que sucede com muitos sítios de Arte Rupestre, grande parte deles pré-
históricos, existia também para a Laje das Fogaças uma lenda contada por Abel Viana
segundo a qual aqui se escondia um tesouro “pela moirama (…) no teor da que se conta
quanto ao castro de Vilar de Mouros, que lhe ficam a cerca de 1500 m para SE” (Viana
1929). Actualmente a Laje das Fogaças localiza-se na propriedade de uma antiga fábrica
de pirotecnia, desactivada desde há umas décadas devido a uma explosão, cujas
estruturas assentam sobre o afloramento e terão truncado uma parte do conjunto
gravado. Já à data da visita de Abel Viana o autor refere que a rocha deveria ser ainda
maior e possuir mais motivos, mas terá sido alvo de extracção de pedra cujos
testemunhos são ainda visíveis no suporte (1929).
10
Segundo o Dicionário Prático Ilustrado da Lello (1990) a palavra Fogaça remete para um “Grande
Bolo. Bolo ou presente que se oferece à capela ou à igreja, em festas populares e que é depois vendido em
leilão”.
71
Situada na vertente ocidental do Monte de Góios, esta laje de granito de grão fino
possui ainda hoje grandes dimensões e uma decoração profusa. A superfície é
relativamente irregular, apresentando um acentuado declive e variações de coloração no
granito consoante as zonas que sofreram extracções mais recentes e as partes até hoje
intocadas. Muitos dos seus motivos mantém uma grande nitidez, quando não sendo
necessário o recurso a métodos específicos de visualização como a luz artificial. É na
acentuada pendente para Sudoeste, que se inscrevem a maior parte dos motivos que
seguem a orientação da rocha. Na sua base o afloramento encontra-se fracturado pela
extracção de pedra.
Um dos motivos mais emblemáticos deste conjunto pictórico é um zoomorfo que para
alguns representa um cavalo, um lobo, uma raposa ou um leão. Contudo, parece-nos que
este motivo deverá querer representar um cervídeo ou um caprídeo de características
subnaturalistas. Apesar da sua posição relativamente estática a imagem é dotada de
alguns interessantes pormenores anatómicos, como as orelhas e a cauda, que se
encontram bem definidas, sendo acompanhado, na zona dos quartos traseiros, por um
sulco profundo com cerca de um metro comprido, interrompido por uma covinha.
Algumas sobreposições e distintas morfologias dos sulcos das gravuras podem sugerir
que esta laje tenha sido alvo de distintos períodos de gravação, sendo que a composição
original poderá ter sido alterada e/ou retocada em épocas posteriores à sua génese,
embora não se possa afirmar peremptoriamente que motivo foi executado em qual
período. No entanto, a coerência e uniformidade formal observadas permitem admitir
que os motivos tenham sido, na generalidade, executados durante a Pré-História, tanto
na criação original do painel, como nas alterações posteriores (Silva e Alves 2005b).
72
• Chã da Laje das Carvalheiras
A Laje da Chã das Carvalheiras é uma extensa área aplanada na vertente ocidental do
Monte de Góios orientada para o estuário do Minho, dominando visualmente ambas as
margens e o Monte de Santa Tecla. Para nascente a chã encontra-se confinada por uma
monumental encosta do Monte de Góios, favorável à concentração de águas de
escorrência que se acumulam entre os penedos, proporcionando zonas de
encharcamento propícias às pastagens. Num pequeno outeiro que se destaca junto ao
remate oriental da chã surgem, gravados na pedra, numerosos cervídeos que ocupam a
face lisa de uma rocha que, voltada a nascente, deverá ter feito parte de um imponente
maciço granítico, consumido pelas extracções de pedra (Silva e Alves 2005b). Porém,
ao contrário do que acontece na Laje das Fogaças aqui, à excepção de alguns motivos,
as gravuras estão já muito esbatidas sendo praticamente imperceptíveis, em alguns
casos.
Mais recentemente, Costas Goberna e Viñas Cúe registaram mais cinco quadrúpedes de
representação esquemática11, virados para Norte, no espaço delimitado pelos dois
grandes sulcos longitudinais e sob o zoomorfo de talhe profundo. Observaram também
um conjunto de dois círculos concêntricos próximo da parte final de uma das linhas
sinuosas e outros três quadrúpedes, orientados para sul, bem como uma figura humana
que parece ocupar a zona superior do painel (Silva e Alves 2005b). Contudo, estes
motivos são actualmente quase imperceptíveis, uma vez que o seu sulco está muito
deteriorado e esbatido, sendo necessário, para os observar, o auxílio de luz artificial
direccionada.
11
Estes motivos são já perceptíveis no molde da laje que se encontra exposto no Museu Arqueológico de
Caminha, mas que na verdade nunca tinha sido questionado.
73
• Outras ocorrências de Arte Rupestre
Outras rochas com Arte Atlântica foram identificadas em 2005, salientando-se a Laje 2
da Chã das Carvalheiras, com duas covinhas unidas por um meandro, mas em particular
a Laje 3 da Chã das Carvalheiras. Trata-se de um afloramento de contornos
arredondados, de granito de grão fino, praticamente orientado para Sul defrontando-se
visualmente com a própria Laje da Chã das Carvalheiras e a foz do rio Minho. Além de
uma cruz na base que seria provavelmente uma marca de termo, foi identificado na
superfície da rocha, em zona mais elevada, um zoomorfo que se encontrava já coberto
por sedimentos e vegetação. Na realidade, uma observação mais atenta, em altura
posterior, permitiu constatar que de facto se trata de dois zoomorfos, provavelmente
equídeos, que se enfrentam fazendo lembrar a cena “amorosa” dos cavalos paleolíticos
da Rocha 1 de Ribeira de Piscos (Vila Nova de Foz Côa) (Est.47) (Baptista 1999). Num
plano superior àquele em que se encontra o par de equídeos, foi ainda identificado, com
o auxílio de luz rasante, a representação de um outro quadrúpede e uma figura
incompleta que retrata os quartos traseiros de outro zoomorfo (Alves 2006).
74
Resta ainda referir o Cavalinho do Monte do Cruzeiro Velho (Est. 49), figura
zoomórfica que representa um equídeo, situada no lugar das Castanheiras/Boucinha.
Este motivo tem a particularidade de estar representado sobre um sulco que deveria
corresponder ao solo sobre o qual a representação de equídeo se encontraria. Quanto às
suas características morfológicas, é semelhante ao comum para a região, partilhando os
traços dos restantes animais representados nas grandes lajes vizinhas. Note-se que esta
figura está isolada no penedo, de contornos arredondados, enfrentando directamente o
estuário do rio Minho (Est.48 e 49). Finalmente, foi identificada uma figura proto-
labirintica12 (Est.50), rodeada por covinhas, situada a 150 metros da Laje das
Carvalheiras. Incorria no risco de ser destruída pelas obras de construção em curso.
A título de síntese, segue-se um quadro com a inventariação dos sítios com Arte
Atlântica conhecidos no Monte de Góios e que foram contemplados no presente estudo,
bem como uma breve descrição dos motivos representados:
º Designação Descrição
1 Laje das Fogaças Rocha profusamente decorativa com um
evidente motivo zoomorfo, covinhas,
meandriformes, círculos simples, concêntricos s
interiormente seccionados, rectângulos, bem
como outras figuras de difícil classificação.
2 Laje da Chã das Carvalheiras Presença de vários zoomorfos, sendo que alguns
se vêem apenas através da utilização de luz
rasante. Grande quadrúpede subnaturalista
associado a um motivo geométrico na zona da
cauda. Círculos concêntricos, meandros e
covinhas.
3 Laje 3 da Chã das Carvalheiras Duas gravuras de equídeos que parecem
representar uma cena de acasalamento e um
quadrúpede incompleto. Cruz de termo.
4 Laje da Boucinha A Nuvens de pontos, uma figura circular e um
12
A identificação desta rocha foi efectuada durante uma incursão pelo território levada a cabo pelos
membros , da associação COREMA, António Martinho Baptista e Lara Bacelar Alves, sendo esta uma
informação oral dos autores do achado.
75
motivo proto-labiríntico.
5 Laje da Boucinha B Duas figuras zoomórficas.
6 Cruzeiro Velho 1 Representação de um zoomorfo e covinhas.
Tabela 1 Inventário e descrição das rochas com Arte Atlântica do Monte de Góios.
Assim se conclui que o Monte de Góios era entendido como lugar privilegiado de
gravação para as comunidades que, com o advento da Neolitização deverão ter tomado
maior consciência de si mesmos e da capacidade que tinham para dominar/domesticar
quer os animais quer a Paisagem. Não obstante todas as campanhas de prospecção
efectuadas no Monte de Góios, não podemos afirmar que este sítio não irá continuar a
revelar sítios surpreendentes e dados emblemáticos, certos de que já muito património
terá entretanto desaparecido, em particular devido à extracção de pedra que deixou os
seus testemunhos em vários afloramentos.
3.4.ARTE ESQUEMÁTICA
Já vimos que a originalidade do Monte de Góios quanto à Arte Rupestre que contempla
não se limita às representações atlânticas, ímpares em território português, que se
implantam na sua vertente poente.
76
previamente, mas também as suas imediações, sempre que justificado pelas
características do suporte ou implantações espaciais propícias ao surgimento de Arte
Rupestre. Após um primeiro dia de trabalhos afigurou-se-nos desde logo necessário
contemplar a totalidade do anfiteatro natural, já que se começavam a perceber as
semelhanças com as características dos “santuários” de ar livre (Alves 2006). Contudo,
as particularidades do terreno, bem como a densa vegetação em algumas zonas e em
particular os constrangimentos legais da obra impediram que as prospecções se
estendessem sobre a totalidade da área pretendida, tendo abrangido apenas os 100 m do
eixo da via, conforme prevê a lei, além de que havia uma grande necessidade de
conhecer bem a zona afectada.
• Escala Maior
Por este motivo, mas também pelas características de implantação da Arte Esquemática,
a detecção destas manifestações não é evidente, ao contrário dos vizinhos exemplares de
Arte Atlântica, quase padronizados no espaço. Assim, deparamo-nos com os motivos
esquemáticos insculpidos em recantos confinados que passam despercebidos na
Paisagem amplamente granítica. Partimos do pressuposto que as pessoas para quem
eram efectuadas estas gravuras deveriam ter um conhecimento prévio dos suportes
gravados (Alves, 2006: 26), e deveriam estar cientes dos modelos que orientavam a
colocação das figuras na Paisagem.
77
em torno dos suportes. No conjunto, a visualização das insculturas, em particular se
pretendida de forma minuciosa, implica uma aproximação às rochas.
Gostaríamos ainda de realçar que a implantação das gravuras parece fazer-se consoante
alguns limites topográficos do espaço. Para além das características geomorfológicas
que seguem, uma breve análise espacial leva-nos a concluir que estes suportes teriam
sido insculpidos de acordo com a sua proximidade aos cursos de água, que já vimos
serem abundantes num espaço relativamente pequeno. Assim, conclui-se que todas as
rochas gravadas se implantam pelo menos a 1000 metros de um curso de água, sendo
que estes enquadram o próprio espaço de localização (Est.8). Alguns dos motivos
parecem ter também uma relação com o já mencionado Caminho do Ratapau,
implantado nas zonas de mais fácil passagem no Monte de Góios e que pode ter vindo a
ser utilizado desde há tempos imemoriais, sucessivamente reaproveitado pelas
comunidades.
• Escala Média
Contudo, para além destes factos, as figurações esquemáticas têm por norma não
obedecer a um padrão de implantação, conforme podemos verificar nos restantes
78
“santuários”, diferindo da Arte Atlântica que, como vimos, é uma tradição muito
padronizada no que refere à forma de interacção com a envolvente. No Monte de Góios
esta imprevisibilidade dos grafismos esquemáticos não é excepção e a variabilidade dos
suportes utilizados dificulta a sua detecção, juntamente com as diferentes morfologias
das implantações topográficas.
Não obstante, a apropriação do espaço nesta encosta é massiva e variada, sendo que os
motivos proliferam também em batólitos salientes (Est.62) ocupando ainda bloco mais
ou menos destacados na envolvente. Contudo, as comunidades criadoras destas
figurações esquemáticas aproveitavam rochas que provavelmente para si teriam algum
tipo de significado, que actualmente nos escapa, sem que lhes consigamos conferir
alguma característica especial que justifique a gravação.
• Escala Menor
A uma escala mais refinada falta agora referir os próprios motivos esquemáticos
utilizados no Monte de Góios.
79
que este terá sido inicialmente insculpido em época pré-histórica e reavivado num
período mais recente, com recurso a uma diferente técnica de execução (Est.61).
Posto isto, já vimos que a localização das gravuras, que se disseminam por uma série de
rochas é semelhante à de alguns conjuntos rupestres de ar livre, nos quais a iconografia
é maioritariamente composta por motivos cruciformes e variações deste (Baptista 1986).
80
como tal quer pela sua patine como pela tipologia. Assim, aquilo que nos parece serem
cruzes de termo (Est.52), que limitariam propriedades privadas ou zonas
administrativas, são geralmente representadas através de dois tipos de cruciformes. Por
um lado, ainda que mais raros, algumas marcas parecem-se com a cruz grega que se
contrapõe ao tipo mais utilizado, que é a cruz latina. Neste contexto identificamos
também um alfabetiforme – “P” – e um motivo mais complexo que geralmente se
associa à representação de cruzeiros.
81
Encontram-se espacialmente
associadas a gravuras pré-
históricas.
Afloramento raso ao solo, no
Mata das qual se observam diversas
7 Cruzes – sub- gravuras cruciformes, Pré-História Regular
sector 1 geométricas e antropomorfos
esquemáticos em “phi”.
Mata das Bloco de granito de pequenas
Pré-História
8 Cruzes – sub- dimensões com covinha, Regular
(?)
sector 1 próximo da R7.
Bloco de granito contendo duas
Mata das
figuras cruciformes, que
9 Cruzes – sub- Pré-História Regular
poderão representar
sector 1
antropomorfos, e uma covinha.
Rocha inserida num muro de
propriedade. Encontra-se
Mata das posicionada na vertical e
10 Cruzes – sub- apresenta uma grande Pré-História Mau
sector 1 quantidade de gravuras
cruciformes, covinhas e
concavidades oblongas.
Mata das
Rocha com gravura cruciforme.
11 Cruzes – sub- Pré-História Regular
Situa-se a cerca de 50 cm da R7.
sector 1
Mata das
12 Cruzes – sub- Pequena covinha isolada. Indeterminado Regular
sector 2
Bloco de granito de dimensões
reduzidas onde se encontram
gravados 6 motivos: pequenos
Mata das
círculos simples, figura Pré-História
13 Cruzes – sub- Mau
cruciforme e uma figura (?)
sector 2
geométrica (pectiforme). O
sulco encontra-se actualmente
muito esbatido. É uma das
82
rochas que compõe o núcleo
formado pelos sítios 14, 15, 16,
17, 18.
Rocha rente ao solo
Mata das apresentando nove figuras
14 Cruzes – sub- gravadas: cruciformes de Pré-História Regular
sector 2 distintas tipologias, pequenas
covinhas ou pontos.
Mata das Gravura cruciforme em “T”,
Pré-História
15 Cruzes – sub- podendo supor-se que se trata de Regular
(?)
sector 2 um antropomorfo.
Representação de duas formas
Mata das
cruciformes que poderão tratar- Pré-História
16 Cruzes – sub- Regular
se de antropomorfos (?)
sector 2
esquemáticos.
Mata das
Gravura cruciforme e eventual Pré-História
17 Cruzes – sub- Regular
antropomorfo em “phi”. (?)
sector 2
Mata das Gravura cruciforme que pode
Pré-História
18 Cruzes – sub- representar um antropomorfo Mau
(?)
sector 2 esquemático.
Mata das Gravura muito erodida composta
Pré-História
19 Cruzes – sub- por duas linhas que formam um Mau
(?)
sector 2 ângulo recto e um ponto.
Mata das
20 Cruzes – sub- Antropomorfo esquemático. Pré-História Regular
sector 3
Figura gravada com sulco
profundo sendo composta por
uma linha recta na parte
Mata das superior, da qual parte outro
21 Cruzes – sub- sulco curvo. Pelas características Indeterminado Bom
sector 3 que apresenta, esta deverá ser
uma gravura de época
contemporânea, ainda que não
se possa descartar a
83
possibilidade de se tratar de um
reavivamento de motivos mais
antigos.
Rocha profusamente decorada
com motivos típicos da Arte
Esquemática de ar livre. Estes
Vale do Rio do distribuem-se por 3 painéis onde
22 Pré-História Regular
Ouro se identificam antropomorfos
esquemáticos de diferentes
tipologias, figuras compósitas e
cruciformes em “phi”.
Pequeno afloramento raso ao
solo apresentando um
antropomorfo esquemático.
Contudo, o contorno e o perfil
do sulco, bastante profundo
quando comparado com os
Vale do Rio do
23 restantes exemplares, sugerindo Pré-História Regular
Ouro
que o motivo terá sido
subsequentemente reavivado.
Contudo, são ainda visíveis
alguns vestígios do sulco
original, menos profundo e com
Maior regularidade de gravação.
Tabela 2 Inventário e descrição das rochas com Arte Esquemática da vertente meridional do Monte de
Góios.
84
Relativamente à Arte Esquemática do Monte de Góios falta apenas referir que numa
recente visita ao local, ainda que na sua vertente ocidental, deparámo-nos com uma
gravura inédita. De facto, próximo de uma pequena clareira onde se ergueu um cruzeiro
encontra-se um bloco de granito, integrado num muro de delimitação de propriedade,
com dois motivos entrelaçados, insculpidos. Ao que nos é possível observar parece
tratar-se de dois motivos reticulados (Est.65 e 66 A e B) que, a confirmar-se, estão
deslocados da sua realidade cosmogónica. Não é concludente, contudo, a sua
localização nem daqui poderemos retirar quaisquer conclusões, uma vez que estes
motivos se encontram insculpidos num suporte móvel. Provavelmente não terá sido
concebido como tal, mas o tempo transformou a sua função. Assim, tanto podemos
supor que também existam rochas com Arte Esquemática mais para ocidente, em zonas
ainda mais próximas dos exemplares de Arte Atlântica, como também temos de
considerar a hipótese deste bloco ter sido extraído na vertente meridional e daí trazido
para compor este muro, ainda que nos pareça um desperdício de energia, perante o
abundante cenário de afloramentos graníticos na vertente poente.
Vemos assim uma Paisagem natural e imponente apropriada por comunidades pré-
históricas que transformam o espaço numa Paisagem Humanizada. Esse mesmo cenário
parece surgir aos nossos olhos de forma segmentada, sendo que ainda não nos é possível
compreender a totalidade da estruturação do território. Até à data sabemos que há duas
vertentes que ostentam representações geométricas gravadas nos seus suportes e que
parecem obedecer a critérios distintos, não interagindo directamente uma com outra, por
via material. Procuraremos compreender a interacção destas duas tradições artísticas
com a Paisagem, nos capítulos que se seguem e tentar perceber se existe alguma relação
entre elas.
85
PARTE IV ITERACÇÃO COM A PAISAGEM: SIG, AÁLISE TERRITORIAL E
RESULTADOS
Actualmente muito se tem ouvido falar dos SIG, sem que na realidade, por vezes, se
conheça o significado da sigla e do que por trás dela se esconde.
Segundo a ESRI13, os SIG são uma colecção de hardware, software e dados geográficos
úteis e utilizados na apreensão, gestão, análise e apresentação de todas as formas de
informação geograficamente referenciadas.
A evasividade da noção de SIG advém do facto de estes serem compostos por uma série
de ferramentas que foram adaptadas a diversas disciplinas, conforme as suas
necessidades e especificidades. Este conceito está, então, intimamente dependente do
fim/utilização de cada aplicação (Wheatley e Gillings 2001).
Uma das grandes vantagens dos SIG é o facto de ser possível utilizar a Topologia15, que
define a relação espacial entre os vários elementos, sendo que a mais utilizada se baseia
13
www.esri.com
14
Localização de um elemento do território num sistema normalizado de coordenadas geográficas, sejam de tipo
geográfico-esféricas ou rectangulares planas (como é o caso UTM, actualmente mais utilizado em Arqueologia)
(Garcia 2005).
86
em pontos, linhas e polígonos. Quando existem relações topológicas é possível produzir
uma série de análises através da ligação de linhas em rede, combinando polígonos
adjacentes com características semelhantes e sobreposição de camadas geográficas.
Os SIG permitem a captação de diferentes conceitos e definições por parte dos seus
utilizadores. Segundo Marble (1990, citado em Wheatley e Gillings 2001) os quatro
grandes subsistemas que compõem estes processos são:
15
De uma forma geral pode dizer-se que se trata de um conjunto de relações espaciais estabelecidas entre uma série
de entidades. No domínio dos SIG designam-se por relações topológicas aquelas existentes entre entidades
cartográficas e/ou as relações que definem geometricamente um objecto. Tal pode ser o caso da definição de linhas e
áreas (em ambos os casos, relações entre pontos) e das relações de contiguidade, adjacência, conectividades,
coincidência ou inclusão que se estabelecem entre elas (Garcia 2005).
87
Figura 1 Os principais subsistemas identificados por Marble (1990, citado em Wheatley e Gillings 2001),
mas adicionando o interface, inputs e outputs.
4.2.SIG E ARQUEOLOGIA
88
Na década de 1940 o interesse na especialidade declinou por parte da Arqueologia
britânica, enquanto nos Estados Unidos da América os estudos de padrões conciliados
com o ambiente continuaram a desenvolver-se ao longo de todo o século XX,
encontrando a sua mais clara expressão na abordagem ecológica defendida por Steward
e mais tarde também por Willey (Wheatley e Gillings 2001).
Neste caso o mapeamento de sítios arqueológicos foi levado a cabo a uma escala
regional com o propósito de estudar a adaptação social e os padrões de povoamento
num dado contexto ambiental, sendo que as técnicas utilizadas eram meramente
intuitivas e basearam-se na simples observação de mapas de distribuição. Nestes mapas
a posição espacial relativa das coisas é representada como uma dispersão de símbolos
espalhados num plano bidimensional. Este tipo de representação foi amplamente
utilizado no Reino Unido, durante o século XIX, em particular com o objectivo de
demonstrar e explorar a ocorrência de doenças infecto-contagiosas tais como a cólera,
na procura dos seus focos de disseminação.
É nesta década que se dão os primeiros passos para ultrapassar a simples avaliação
visual, na qual se baseava a apreciação de um mapa de distribuição, procurando-se
desenvolver uma abordagem mais detalhada da forma e natureza dos padrões espaciais
visíveis no registo arqueológico.
A nova abordagem à análise e estudo dos dados espaciais chegou através da aplicação
de um alargado leque de métodos e técnicas de análise. Não desaparece o mapa de
distribuição mas o seu papel altera-se já que deixa de ser o único elemento sobre o qual
se baseiam as interpretações, para se tornar um sumário de dados para outras análises
mais detalhadas.
89
fixo daquilo que era o espaço, percepcionando-o como uma dimensão neutra e abstracta
na qual se desenvolve a acção humana. Na década de 1980 esta noção de espaço não
problemático, abstracto, começa a ser questionada e desafiada surgindo então o Pós-
Processualismo que relaciona intimamente o espaço com a actividade cultural
(Wheatley e Gillings 2001).
90
percepção da envolvente física e social e a sua representação cognitiva no mundo. Surge
então a Arqueologia Cognitiva, no contexto da Arqueologia da paisagem, que se
preocupa com os aspectos cognitivos das paisagens geográficas e humanas do passado
(Van Leusen 2002).
91
os quais se irá trabalhar, porque quer um aspecto quer outro, podem apresentar algumas
limitações (Hyder 2004:98).
Uma metodologia formal vai ligar as variáveis locacionais tais como os pontos na
Paisagem, as características topográficas, lineares ou relacionamentos complexos entre
dois ou mais pontos, ou relacionar esses mesmos elementos com comportamentos
humanos expectáveis (Hyder 2004:86).
Uma análise combinada entre as bacias visuais acumuladas ao longo dos caminhos
óptimos pode fazer perceber se os sítios contemplados se localizam ou não em zonas
mais visíveis à medida que se avança pelos caminhos, ou se a sua implantação
demonstra uma preferência por lugares com um menor índice de visibilidade, sendo que
podem não ser visíveis de todo (Fairén 2004a:220).
92
Contudo, é evidente o problema da análise do movimento não documentado na
Paisagem dos grupos sociais pré-históricos, especialmente naquelas zonas onde, as suas
características topográficas oferecem um amplo leque de possibilidades para o
delineamento dos caminhos óptimos.
17
Este tipo de análise foi desenvolvido por Pastor Fábrega Álvarez no âmbito dos seguintes projectos de
investigação: “Autopista ao Passado: Investigación e Protección do atrimonio Arqueolóxico num Proxecto de Obra
Pública (ACEGA D+I) e “Da Protohistoria á Romanización: interacción cultural e dinâmica do território no &orte
da Província de Pontevedra”.
18
“Least-cost path” – este conceito faz referência aos traçados cujo percurso, por parte do indivíduo, requer um
menor esforço, em termos de gasto de energia invertida. Daí deriva o conceito de “cost surface” ou superfície de
fricção, como modelo de terreno que inclui todos aqueles factores que podem reprimir ou favorecer o movimento.
Estes não são apenas atributos cartesianos (a distância entre dois pontos, por ex.), mas também inclui elementos de
outra ordem como a inclinação do solo (pendentes), cursos de água, tipos de solo ou a vegetação.
93
através de que pontos a deslocação e o movimento seriam facilitados. A proposta
pretende complementar quer a determinação dos “caminhos naturais” (determinados
através de superfícies de fricção), quer o cálculo dos Caminhos Óptimos com uma
determinada origem e destino.
O principal problema com a estimativa destes percursos naturais prende-se com a sua
tendência para diferentes formas de determinismo paisagístico, enquanto não se definir
um ponto de partida e outro de chegada. No caso dos Caminhos Óptimos entre dois
pontos sucede precisamente o contrário, já que estes estão condicionados pelos sítios
definidos que são assumidos a priori como que para conectar (Fábrega 2006).
Existem, à semelhança destes estudos de movimento, vários outros aspectos que podem
também ser analisados a partir da Arqueologia com recurso às ferramentas SIG.
Assim, através de diversas análises Maria Cruz fala numa Paisagem estruturada à qual
responde a pintura Neolítica, passível de ser demonstrado até um certo limite, imposto
pela escala de análise local. Se é possível identificar uma determinada ordem de
implantação da pintura neolítica, esta tese acaba por reforçar o paradigma defendido por
Bradley (1997) e sustentado por outros autores (i.e. Santos 1998; Santos e Criado 1998;
Santos 1999), segundo o qual a Arte Rupestre segue padrões de ocupação do espaço que
se revelam sistemáticos e coerentes, particularmente dentro de algumas regiões. Desta
94
forma, as estações de pintura neolítica não se encontrariam implantadas ao acaso na
Paisagem, respeitando variáveis geográficas de altura, pendente, orientação, geologia e
uso tradicional do solo, pelo que se localizariam em áreas muito específicas,
previamente seleccionadas pelos “artistas”. Embora não existam parâmetros
“geográficos” puros, alguns dos critérios que dão conta da implantação das pinturas
podem ser aplicados a todas as regiões, como sejam os tipos de uso do solo, a distância
aos cursos de água, às vias de passagem, etc. (Cruz 2003:387).
Outro trabalho desenvolvido neste âmbito é o de Sara Fairén (2004a), no qual a autora
pretende contemplar todos os aspectos que definem o surgimento e desenvolvimento do
processo de Neolitização da região de Valência, atendendo a factores tão diversificados
como sejam as variações na cultura material, no povoamento, costumes funerários,
manifestações gráficas e de que forma reflectem uma progressiva transformação no
modo de vida das comunidades implicadas no processo. Procura assim contextualizar a
Arte Rupestre, tentando atingir a esfera ideológica da vida social dos grupos humanos.
95
Segundo Fairén (2004a:597), a Arqueologia da Paisagem, paradigma que segue,
revelou-se muito útil no estudo das comunidades neolíticas, entendendo a neolitização
como um processo de longa duração que contempla a mudança de um modo de vida
baseado na caça e recolecção para a produção, que implicava uma maior fixação ao
território e uma alteração nas características ideológicas e na estrutura social. Desta
forma, a análise deste processo implica a contemplação de uma série diferenciada de
dados relativos à actividade humana no espaço, sendo que o objectivo final não é a
descrição de um cenário estático, mas a reconstrução das redes que relacionavam
pessoas e lugares a características das comunidades humanas e, em última instância, a
interpretação dos processos evolutivos.
96
culturalmente ao período Neolítico, conforme demonstram os seus paralelos móveis,
sobreposições estilísticas e respectivos contextos de utilização, tendo sido criados pelas
mesmas comunidades. Este facto explicaria as diferenças na forma e conteúdo que
verificam entre as três correntes artísticas que não se podem atribuir à sua diacronia nem
a uma diversidade de grupos étnicos, explicando sobretudo algumas das semelhanças
que se verificam nos seus padrões de representação e na forma como se articulam na
paisagem Neolítica (Fairén 2004a:602).
97
indivíduos. Esta diversificação pode ser entendida no contexto de expansão demográfica
e maior complexidade social que se observa no decorrer do processo de Neolitização.
Assim, as interpretações e os resultados obtidos nas abordagens SIG são produto das
escalas de análise utilizadas durante a execução dos estudos. Alguns arqueólogos
definem três escalas de análise. Butzer (1982) define-as como ambientes micro, meso e
macro, respectivamente o ambiente local do sítio, o ambiente topográfico e o ambiente
regional. Adler (1996) define as escalas como o intra-sítio, a comunidade local e a
região. Segundo este autor, a escala varia consoante os indicadores de integração social
e ideológica, a identidade social e a defesa, as relações sociais e económicas. (Hyder
2004:87).
98
desenvolve a actividade humana, mas toda uma rede de relações entre pessoas e lugares,
que proporciona um contexto para as condutas quotidianas (Thomas 2001).
Os resultados destas análises, por vezes, permitem comprovar algumas ideias que já têm
vindo a ser lançadas, bem como desenvolver outras.
A orientação das encostas é uma análise a partir da qual se determina uma estimativa da
orientação de uma célula, entre 1,6 a 2 vezes maior do que a resolução do MDE
(dependendo do método utilizado). É normalmente calculado em graus, sendo que “0º”
ou “360º” representam geralmente o Norte. É normalmente reclassificado de forma a
obterem-se as oito direcções principais da bússola: N, NE, E, SE, S, SW, W e NW
(Fairén 2004a).
O grau de incidência de luz nas vertentes depende da orientação destas, sendo que:
Este factor pode também ser determinante no tipo de vegetação existente em cada
vertente de um monte, nos habitats das espécies faunísticas, no tipo de solo, entre outras
características físicas e biológicas da Paisagem.
Não sendo uma análise complexa, pretende-se apenas avaliar a orientação dos sítios
arqueológicos em causa, definindo assim padrões de implantação com orientações
direccionadas, sendo que estas poderão ser deliberadas.
99
4.5. PEDETE (SLOPE)
Este estudo torna-se tão mais interessante quantos mais dados se possam relacionar,
preferencialmente de diversas tipologias, conferindo assim uma compreensão mais
integrada e alargada do espaço em questão. Assim, e seguindo já o exemplo de alguns
estudos efectuados neste sentido (i.e. Fairén 2004a), optou-se por reclassificar o
resultado da obtenção da inclinação das vertentes, nos seguintes intervalos:
1 Plano <2%
2 Suave 2 % - 2,5 %
3 Mediano 2,5 % - 15 %
4 Acentuado 15 % - 40 %
5 Muito Acentuado >40 %
100
4.6.A ALTITUDE RELATIVA/PROEMIÊCIA TOPOGRÁFICA
Quer isto dizer que se trata de um indicador que permite avaliar a proeminência de um
determinado sítio em relação à sua envolvente imediata, comparando a relação
altimétrica entre ambos os factores (sítio e envolvente) (Parcero e Fábrega 2006:77).
Os alcances dessa relação são então definidos através de três intervalos de curta, média
e longa distância, determinados de forma aleatória, no caso do presente estudo, tendo
apenas em conta como factor condicionante a dimensão do modelo construído.
Para quantificar e melhor analisar os resultados obtidos, foram definidos três níveis de
alcance para a Altitude Relativa Tipificada dos núcleos de Arte Rupestre do Monte de
Góis, que são os seguintes:
Desta forma, os resultados que se irão obter têm a ver com a forma como as rochas são
perceptíveis na envolvente, a partir das distâncias previamente definidas.
4.7.A VISIBILIDADE
101
outros elementos e sítios arqueológicos conhecidos na envolvente, mas também com as
linhas básicas de mobilidade no território, facilitando a compreensão da Paisagem onde
todos os elementos se articulam.
Segundo alguns autores (Gaffney et al 1995) pode dizer-se que “a viewshed represents
the area in which a location on a monument may communicate visual information.
Viewsheds may overlap, producing zones in which an observer might be aware of the
presence of many such locations, all of which may carry information. The increased
density of such information can in some circumstances be interpreted as a measure of
the importance of a particular area. It provides a spatial index of perception, mapping
the cognitive landscape within the monuments operated”.
102
e Gillings 2001). As abordagens pós-processuais irão ter um papel fundamental no
desenvolvimento deste conceito, já que a partir do seu conceito fenomenológico
aplicado à Paisagem se irão centrar na reconstrução das experiências particulares dos
grupos e indivíduos que nela habitam. Estas experiências são subjectivas e baseadas no
processamento de dados sensoriais recolhidos na envolvente, através do filtro da
percepção que tem em conta as condicionantes sócio-culturais mas também as
experiências prévias. A percepção não se limitaria à mera recepção de dados sobre a
envolvente através dos sentidos, mas de todo um acto de introspecção baseado na
informação sensorial, na memória pessoal ou do grupo, ou nas próprias expectativas do
indivíduo (Witcher 1999:16; Fairén 2004a). A percepção visual, como construção
cultural, actuaria como mediador entre o indivíduo e o seu olhar.
Dois elementos podem definir-se como mutuamente visíveis se uma linha recta se puder
traçar entre ambos sem ser interrompida por nenhum outro elemento da superfície
situada entre eles (Fischer 1992). Assim, as bacias de visão obtêm-se através do cálculo
103
de múltiplas linhas de visibilidade que partem de um ponto de origem e que chegam até
todos aqueles pontos onde não exista uma interferência visual do terreno (topográfico)
ou de elementos do terreno (construções, vegetação, etc, …). Assume-se assim uma
reciprocidade na visibilidade (Kvamme 1999:177). Não obstante, e conforme
assinalaram alguns investigadores, podem existir distorções nesta reciprocidade
consoante o sítio onde está o observador, em função da sua altura (Wheatley e Gillings
2002: Fig. 10.6).
Desta forma, e para aperfeiçoar o resultado das análises é ainda possível estabelecer
alguns parâmetros adicionais, como seja a altura do observador e a do observado, o
ângulo de visão, entre outros. No presente estudo, partimos do princípio em como a
bacia visual estabelecida a partir de cada sítio não implica necessariamente a
intervisibilidade, considerando como válida unicamente a visibilidade estabelecida a
partir do ponto de observação.
Os tipos de cálculo mais utilizados no software ArcGIS são o “Line of Sight” (para
definir intervisibilidades) e o “Viewshed” (para definir bacias de visão), sendo que este
último apresenta algumas variantes – “Multiple Viewshed”, “Cumulative Viewshed”,
“Gradient Viewshed”.
104
4.7.1. BACIAS VISUAIS SIMPLES
Numa bacia visual acumulada os resultados classificam-se desde “0” (área para onde
não há visibilidade a partir de nenhum ponto) até “n” (visível a partir de todos os pontos
em simultâneo, sendo “n” o total dos sítios considerados) (Ruggles et al 1993; Wheatley
e Gillings 2002; Fairén 2004b). Assim, representam-se todos os pontos visíveis
simultaneamente e a partir de que lugares poderiam ser avistados. Desta forma é
105
possível determinar áreas de confluência de visibilidade em alguns casos, e noutros
identificar estratégias de visibilidade e de articulação com a Paisagem.
Através de um simples cálculo, feito a partir do mesmo MDE, adquirimos uma imagem
com a orientação dos vários elementos que compõem a superfície terrestre em estudo.
Uma vez sobreposta a localização dos sítios arqueológicos, é possível saber para onde
estão orientados. Desta forma, e elaborada a análise relativamente às rochas gravadas
com Arte Atlântica do Monte de Góios podemos observar uma manifesta tendência da
orientação das rochas para Oeste e Noroeste, embora três dos suportes não apresentem
uma tendência preferencial de direcção. Não obstante, parece-nos plausível considerar
que se confirma neste caso a relação da Arte Atlântica com o Poeste e o Oceano,
parecendo haver uma escolha deliberada na orientação escolhida para a deposição dos
motivos. Conforme vimos anteriormente, para Oeste o Sol incide apenas directamente
nestas encostas durante uma parte do dia. Partimos então do princípio que durante o
restante tempo a iluminação adquirisse características de luz rasante, principalmente ao
amanhar e ao entardecer, sendo que podemos presumir que as gravuras seriam bem
visíveis nestas alturas, pelos contrastes de sombras provocados através dos jogos de luz.
Designação Orientação
Laje das Fogaças Sem inclinação preferencial
Laje da Chã das Carvalheiras Noroeste
Laje 3 da Chã das Carvalheiras Oeste
Laje da Boucinha A Sem inclinação preferencial
Laje da Boucinha B Noroeste
Cruzeiro Velho 1 Sem inclinação preferencial
106
Figura 2 Representação da orientação das encostas (Aspect). Mapa feito a partir das curvas de linha das
Cartas Militares de Portugal, escala 1/25 000, folhas 6 e 14.
107
4.8.1.2.PEDETE (SLOPE)
Pendente (%)
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Laje das Laje da Chã Laje 3 da Laje da Laje da Cruzeiro
Fogaças das Chã Boucinha A Boucinha B Velho 1
Carvalheiras das
Carvalheiras
Tabela 5 Resultado e classificação da orientação das encostas onde se implantam as rochas com Arte
Atlântica.
108
Perante estes dados, será então fácil de compreender que a mobilidade do observador
estará mais condicionada na envolvente directa da Laje 3 da Chã das Carvalheiras, onde
a inclinação é bastante mais acentuada quando relacionada com as restantes ocorrências.
Embora com valores inferiores, também a Laje da Chã das Carvalheiras se situa numa
zona relativamente declivosa, seguindo-se a Laje da Boucinha B. Estes dados revelam-
nos que a observação destas rochas obrigaria a um dispêndio maior de esforço por parte
da audiência, em particular quando comparadas com a Laje das Fogaças, Laje da
Boucinha A ou Laje do Cruzeiro Velho, onde a inclinição é irrisória e praticamente não
considerada, segundo os resultados obtidos nas análises. Nestas zonas deveria ser
possível congregar um maior número de observadores, colocados em posições de
observação mais confortáveis, quando comparadas com as restantes lajes.
Assim, ao analisar os resultados obtidos para as rochas insculpidas com Arte Atlântica,
quanto à sua Altitude Relativa conseguimos perceber que estas são, de uma forma geral,
pouco salientes na Paisagem, principalmente a curta e longa distância (a 500 m e a 7000
m). Inclusivamente há algumas rochas (Laje das Fogaças e a Laje da Boucinha A) que
não são de todo perceptíveis a partir da sua envolvente, independentemente da distância
a que nos encontramos. Contudo a média distância há alguns valores positivos a
registar, querendo isto dizer que algumas rochas – Laje da Chã das Carvalheiras, Laje 3
da Chã das Carvalheiras, Laje da Boucinha B e Laje do Cruzeiro Velho 1 – são
relativamente sobressalientes, considerando o facto de que estamos a lidar com
afloramentos e, como tal, à partida com uma proeminência limitada.
109
Apesar do grande aparato decorativo e até das grandes dimensões que apresentam a
Laje das Fogaça e a Laje da Chã das Carvalheiras, esta análise permite-nos concluir que
estas características, que tornam as rochas tão únicas, não são indicadoras de uma maior
proeminência sobre a envolvente. De facto, a rocha mais proeminente do conjunto é a
Laje 3 da Chã das Carvalheiras que tem apenas gravados três pequenos zoomorfos.
Altitude Relativa
Arte Atlântica
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
-0,20
-0,40
-0,60
-0,80
-1,00
Laje das Laje da Chã Laje 3 da Chã Laje da Laje da Cruzeiro
Fogaças das das Boucinha A Boucinha B Velho 1
Carvalheiras Carvalheiras
500 m 3.000 m 7.000 m
Gráfico 2 Resultado dos cálculos de Altitude Relativa das rochas com Arte Atlântica.
4.8.1.4.VISIBILIDADE
4.8.1.4.1. BACIAS DE VISÃO SIMPLES
A escolha recaiu sobre as rochas mais emblemáticas com Arte Atlântica, conhecidas
desde há quase um século, sobre as restantes ocorrências surgidas em 2005 durante as
prospecções mencionadas em ocasião anterior, bem como sobre posteriores
identificações. Trata-se apenas de uma pequena amostra, composta por seis elementos,
110
num meio em que nos parece provável que tenham existido outras rochas com
representações pré-históricas possivelmente destruídas pelas inúmeras pedreiras que por
lá deixaram os seus vestígios.
De uma forma geral pudemos comprovar que de facto a orientação preferencial das
rochas com Arte Atlântica são os eixos Oeste e Noroeste (coincidindo com os resultados
obtidos na análise da Pendente, pressupondo uma implantação propositada relacionada
com esta orientação), havendo um grande domínio visual sobre o rio Minho a partir de
qualquer uma das ocorrências. As margens deste curso de água são então amplamente
dominadas, sendo que as bacias de visão das lajes insculturadas chegam a atingir
dimensões consideráveis sobre a margem direita, actual Galiza, onde também há
exemplares de Arte Atlântica.
A visibilidade a partir da Laje das Fogaças (Estampa 11A) espraia-se num sentido NW
– SE (à semelhança da Laje da Boucinha A, por exemplo) e concentra-se
maioritariamente em torno do rio e do seu estuário. A partir deste ponto é possível
observar Santa Tecla, na margem direita do curso de água, já em território galego.
A bacia de visão da Laje da Chã das Carvalheiras (Estampa 11B) é mais ampla, quando
comparada com a Laje das Fogaças, sendo que a sua abrangência ronda cerca de 13 km
de extensão, num sentido NW - SE. Não obstante, a visibilidade para Sul e SE a partir
deste ponto de observação é praticamente nula. Para NW contempla apenas alguns
pontos específicos do território.
A Laje 3 da Chã das Carvalheiras apresenta uma bacia de visão semelhante à da Laje da
Chã das Carvalheiras, ainda que seja relativamente mais limitada para NE. A maior
capacidade de visão a partir desta rocha concentra-se no quadrante NW e também daqui
se avista Santa Tecla (Estampa 11C).
111
Norte, quer sobre o estuário. A partir daqui é possível observar Santa Tecla e uma parte
significativa da margem direita do curso de água.
Finalmente, a Laje do Cruzeiro Velho fica encaixada numa zona sem visibilidade para a
sua envolvente mais imediata, num diâmetro de certa de 4 km. Não obstante, possui um
amplo domínio visual para NW e NE, chegando a ser possível observar alguns pontos
para Sul, embora praticamente insignificantes, ao contrário das restantes rochas.
De uma forma geral, e segundo se pode observar na tabela nº 6, cada suporte tem
visibilidade apenas para uma ou duas rochas com grafismos, à excepção da Laje da
Boucinha B, que tem visibilidade sobre a totalidade das ocorrências.
Intervisibilidades
Laje Laje da Chã Laje 3 da Laje da Laje da Cruzeiro
das das Chã das Boucinha Boucinha Velho 1
Fogaças Carvalheiras Carvalheiras A B
Laje das X
Fogaças
Laje da Chã X
das
Carvalheiras
Laje 3 da X X
112
Chã das
Carvalheiras
Laje da X X
Boucinha A
Laje da X X X X X
Boucinha B
Cruzeiro X
Velho 1
Para melhor avaliar a capacidade visual de casa sítio procedeu-te a uma quantificação
das visibilidades (Tabela nº7) segundo três distâncias diferentes (com os mesmos
valores utilizados na determinação da Altitude Relativa) concluímos que a Laje das
Fogaças apresenta um grande alcance visual na curta distância, sendo que até 500 m
consegue dominar visualmente cerca de 73,55 há de terreno, enquanto as restantes
rochas não ultrapassam os 32,13 há (no caso da Laje da Boucinha A). Também na
média e longa distância esta laje apresenta valores elevados, tornando-a uma das rochas
com mais amplo domínio visual do conjunto, não obstante o facto de apenas se
observar, a partir deste ponto, a Laje da Boucinha A como rocha insculturada.
Por comparação com as restantes, concluímos também que a Laje da Chã das
Carvalheiras, embora a sua imponência decorativa, possui um alcance visual bastante
reduzido, sendo de assinalar a grande disparidade de valores obtidos para a média
distância, quando comparada com a Laje das Fogaças (Tabela nº7).
Já a Laje 3 da Chã das Carvalheiras é a rocha com menor alcance visual nas várias
distâncias, à excepção dos 3000 metros, onde a Laje do Cruzeiro Velho apresenta ainda
menos potencial visual (Tabela nº7).
113
Finalmente a Laje do Cruzeiro Velho, embora seja detentor de uma bacia visual ampla,
possui valores baixos de visibilidade a curta e média distância. Não obstante, é na longa
distância que se destaca, apresentando o valor mais elevado do conjunto de seis rochas
aqui descritas. Pela sua posição sobranceira ao rio Minho, e pelos resultados obtidos na
análise de visibilidade, poderá supor-se que esta rocha teria um importante papel no
domínio da envolvente externa das rochas como conjunto.
Tabela 7 Resultado da quantificação das visibilidades das rochas com Arte Atlântica.
4000
3500
3000
2500
Hectares
2000 500 m
1500 3.000 m
1000 7.000 m
500
0
Laje das Laje da Chã Laje 3 da Laje da Laje da Cruzeiro
Fogaças das Chã das Boucinha A Boucinha B Velho 1
Carvalheiras Carvalheiras
Gráfico 3 Resultado dos cálculos do domínio visual segundo a curta, média e longa distância, da Arte
Atlântica.
114
4.8.1.4.2. VISIBILIDADE ACUMULADA
De uma forma geral, o conjunto das rochas gravadas determina um amplo domínio
visual sobre o rio Minho, o seu estuário e grande parte da margem direita do curso de
água (actual território da Galiza), sendo que quase todas as rochas têm visibilidade para
o Monte de Santa Tecla onde terá sido implantado um povoado fortificado, pelo menos
em período da Idade do Ferro.
Na sua totalidade, a soma das bacias de visão individuais das rochas com Arte Atlântica
do Monte de Góios dominam potencialmente cerca de 7440 ha de extensão territorial,
significando que possuem um alcance bastante longo mas que o pormenor da
visibilidade fica condicionado pela grande distância. Quanto mais longe se vê, menos
pormenores se consegue apreende.
115
Figura 3 Bacia de Visão Acumulada das rochas com Arte Atlântica. Mapa feito a partir das curvas de
linha das Cartas Militares de Portugal, escala 1/25 000, folhas 6 e 14.
116
Figura 4 Bacias de Visão Acumulada a partir do grupo de rochas com Arte Atlântica
117
4.8.2. ARTE ESQUEMÁTICA
Assim, e após uma breve observação aos dados obtidos concluímos que, apesar de
algumas nuances em certas rochas (i.e. 12 ou 20), a quase totalidade dos suportes se
encontra em vertentes orientadas para Sul, ou Sudoeste. Pela quantidade de elementos
que compõem a amostra e perante os resultados apresentados, poderemos então
considerar que esta orientação pode não ser fortuita, havendo intenção das comunidades
em dispor a gravação dos seus motivos em rochas orientadas segundo estas direcções.
A tendência na orientação das rochas com Arte Esquemática coincide com os resultados
das análises de visibilidade efectuadas, conforme se verá adiante, sendo que as bacias de
visão estão maioritariamente direccionadas para Sul e Sudoeste.
Designação Orientação
1 Sul
2 Sul
3 Sul
4 Sul
5 Sul
6 Sul
7 Sul
8 Sul
9 Sul
10 Sul
11 Sul
12 Sudoeste
13 Sul
14 Sul
15 Sul
16 Sul
118
17 Sul
18 Sul
19 Sul
20 Sudeste
21 Sem Inclinação
22 Sudoeste
23 Sudoeste
Tabela 8 Orientação das encostas onde se implantam as rochas com Arte Esquemática.
119
Figura 5 Orientação das vertentes onde se implantam as rochas com Arte Esquemática (Aspect). Mapa
feito a partir das curvas de linha das Cartas Militares de Portugal, escala 1/25 000, folhas 6 e 14.
120
4.8.2.2.PEDETE (SLOPE)
Relativamente à implantação das rochas com Arte Esquemática e a sua relação com a
inclinação da pendente percebemos, através dos resultados obtidos, que todo o terreno
apresenta algum declive que, maioritariamente se situa entre os 15 e os 40%. Deste
modo, é no intervalo de classe “4” que se insere a grande maioria das rochas gravadas.
Não obstante o facto da maior parte das rochas se enquadrar na classe 4 dos intervalos,
através do Gráfico 4 é possível observar que a percentagem de inclinação é
relativamente variável entre as rochas, sendo que as ocorrências 1419, 1520, 1621, 1822 e
1923 se encontram implantadas em zonas de declive mais acentuado.
Pendente (%)
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 º de Inventário
19
Rocha rasa ao solo com nove motivos gravados, entre os quais se destacam cruciformes de várias
tipologias e pequenas covinhas ou pontos.
20
Gravura cruciforme em “T” (antropomorfo?).
21
Rocha com duas gravuras cruciformes que podem ser interpretadas como antropomorfos esquemáticos.
22
Gravura cruciforme que poderá tratar-se de um antropomorfo esquemático.
23
Gravura muito erodida composta por duas linhas que formam um ângulo recto e um ponto.
121
Designação Pendente (%) Classe de Pendente
1 19,58 4
2 19.58 4
3 18,78 4
4 17,33 4
5 18,51 4
6 19,58 4
7 19,58 4
8 19,58 4
9 19,58 4
10 17,33 4
11 19,58 4
12 11,16 4
13 20,17 4
14 36,88 4
15 36,88 4
16 36,88 4
17 19,88 4
18 36,88 4
19 36,88 4
20 19,74 4
21 0 1
22 13,46 3
23 24,61 4
Tabela 9 Resultado e classificação da inclinação das vertentes onde se implantam as rochas com Arte
Esquemática.
Podemos portanto concluir que a movimentação dos indivíduos em torno das rochas
poderia ser condicionada pela topografia local, devido aos elevados graus de inclinação,
sendo necessário despender algum esforço físico para atingir alguns sítios.
Por outro lado, concluímos também que este território não deveria apresentar condições
favoráveis ao desenvolvimento de actividades rotineiras tais como as práticas agrícolas,
se atendermos às considerações e estudos elaborados por alguns autores (i.e. García
122
1999; Fairén 2004a) e aos valores obtidos nas análises efectuadas. Por outro lado, a
geomorfologia local não parece ser apta, por si só, à prática agrícola, quer pela aridez do
solo, quer pela abundância de blocos graníticos que se dispersam por todo o território.
Para realizar esta análise mantivemos os alcances da relação estabelecidos nos três
intervalos de curta, média e longa distância: 500, 3000 e 7000 metros, à semelhança dos
pressupostos utilizados para a abordagem à Arte Atlântica.
123
0,80
Altitude Relativa
Arte Esquemática
0,60
0,40
500 m
0,20
3.000 m
7.000 m
0,00
-0,20
-0,40
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 º de Inventário
Conforme se observa no gráfico, as rochas que mais se destacam a média distância são a
20, 21 e 22, sendo a 12 a menos proeminente. Esta última é apenas composta pela
gravura de uma covinha.
124
A curta distância a rocha menos proeminente é a 1324 enquanto a longa distância é a 2
que menos se destaca da envolvente. Na rocha 2 encontramos a gravura de um
antropomorfo em “phi”, ocupando uma superfície sub-vertical que se situa nas
proximidades das rochas do Sector I (Alves 2006), destacando-se a curta distância.
4.8.2.4.VISIBILIDADE
4.8.2.4.1. BACIAS DE VISÃO SIMPLES
Para calcular a Visibilidade das rochas com Arte Esquemática foram consideradas todas
as ocorrências detectadas no decorrer das campanhas de prospecção de 2005, que
apresentam características mais evidentes de antiguidade e que se relacionam tipológica
e morfologicamente com outros sítios de tradição Esquemática.
A curta distância a bacia visual mais curta é a da rocha 17 que domina apenas 4,74 ha
de território, sendo a mais abrangente a da rocha 20 com uma amplitude de 21,42 ha.
Contudo, estes valores não são obrigatoriamente proporcionais sendo que, por exemplo,
a rocha 20 apresenta um domínio visual a curta distância de 7,45 ha, que a média
distância é de 59,9 ha, valor muito inferior à média distância da rocha 17 (390,17 ha),
que tem o valor mínimo quanto à curta distância, em relação à totalidade das rochas.
24
Pequeno bloco de granito com seis motivos gravados: pequenos círculos simples, figura cruciforme e
figura geométrica. É uma das rochas que compõe o conjunto formado pelos sítios 14, 15, 16, 17, 18 e 19.
Na sua maioria os motivos destas rochas são compostos por cruciformes que poderão tratar-se de
antropomorfos esquemáticos. A rocha 17 apresenta mesmo uma figuração em “phi”.
125
Podemos então concluir que o domínio visual do território é variável, sendo que há
rochas que têm uma bacia visual mais ampla a curta distância, outras que dominam uma
parte maior do território a média distância, e outras cuja bacia visual é mais ampla a
longa distância. Os resultados obtidos parecem sugerir um complemento das rochas
quanto às suas capacidades de domínio visual.
Tabela 10 Resultado da quantificação das visibilidades das rochas com Arte Esquemática, segundo a
curta, média e longa distância.
126
3000
2500
2000
Hectares
1500
500 m
1000 3000
m
500
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23Nº de Inventário
Gráfico 6 Representação gráfica do resultado da quantificação das visibilidades das rochas com Arte
Esquemática, segundo a curta, média e longa distância.
º Designação Descrição25
1 Coto da Pena Povoado fortificado formado por uma linha de muralha
(a única até agora confirmada) e estruturas de habitação.
A muralha, envolvendo a plataforma superior do
povoado, assenta em superfície preparada na rocha
natural e tem espessura irregular. Apresenta planta
circular e é constituída por fiadas de pedra no perímetro
interior e no perímetro exterior, umas com forma
alongada e outras com forma rectangular e ângulos
arredondados, aproveitando para implantação os espaços,
os desníveis e os rochedos existentes. O pavimento
exterior é de saibro arenoso e o interior mais espesso.
Algumas casas têm lareira de barro encostada à face
exterior do muro. Este castro apresenta um conjunto de
estruturas típicas da cultura dos castros do Noroeste, um
espólio rico e variado e uma amplitude cronológica
apreciável (do Bronze Final à Idade Média), com uma
estratigrafia perfeitamente identificável.
2 Povoado Fortificado de Foram detectados no local muros e estruturas circulares
Vilar de Mouros São provavelmente provenientes deste sítio, os materiais
referidos em ocasião anterior, como os machados de
bronze.
3 Mamoa da Bouça Trata-se de montículo provavelmente artificial, cujas
características superficiais permitem equipará-lo a uma
mamoa. A vegetação que o cobre é muito densa o que
dificultou uma observação muito cuidada.
4 Lapa do Funchal Situa-se dentro da povoação e é contígua a uma estrada
medieval, lajeada e que tem sido utilizada como curral de
gado.
25
Descrições retiradas do Endovelico (www.igespar.pt).
128
5 Caminho do Ratapau Via conhecida como “Caminho do Ratapau” com troços
ladeados por muros, vestígios de lajeado em algumas
zonas e profundas marcas de rodados ao longo do eixo.
Algumas zonas encontram-se sulcadas para proporcionar
maior tracção aos veículos que por aqui passaram ao
longo do tempo.
6 Estação de Arte Rupestre Referência de uma laje onde supostamente se encontra
de Azevedo26 representado um sol, lua e estrelas. Esta interpretação é
na realidade representativa de vestígios de fossetes, de
diferentes diâmetros.
26
Este sítio não foi confirmado no local, pelo que a inserção do mesmo neste estudo é meramente
bibliográfica, já que se encontra registado na base de dados do Endovelico.
27
1= Coto da Pena; 2= Senhora do Crasto de Góios; 3= Mamoa de Bouças; 4= Lapa do Funchal; 5=
Caminho do Ratapau; 6= Estação de Arte Rupestre de Azevedo.
28
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
129
esquemático.
Figura geométrica
3 X X X X 1 - 2129 22; 23
adossada a cruciforme.
Duas figuras
4 X X X X 1 - 2130 22; 23
cruciformes.
Figura cruciforme.
Representação de
5 X X X X 1 - 2131 22; 23
antropomorfo
esquemático.
Profunda cavidade
6 aberta na rocha e sulco X X X X 1 - 2132 22; 23
linear.
Dois painéis
profusamente
decorados com
7 cruciformes, figuras X X X X 1 - 2133 22; 23
geométricas e
antropomorfos
esquemáticos em “phi”.
1; 2; 3; 4; 5; 6; 7;
Pequeno bloco de
8; 9; 10; 11; 12;
8 granito com uma X X X X 13; 22; 23
14; 15; 16; 17; 18;
covinha.
19; 20; 2134
Bloco de granito com
1; 2; 3; 4; 5; 6; 7;
duas figuras
8; 9; 10; 11; 12;
9 cruciformes X X X X 13; 22; 23
14; 15; 16; 17; 18;
(antropomórficas?) e
19; 20; 2135
pequena covinha.
29
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
30
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
31
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
32
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
33
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
34
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
35
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
130
Bloco de granito
inserido em muro de
propriedade, colocado
em posição vertical.
Apresenta uma grande
10 X X X X 1 - 2136 22; 23
densidade de gravuras
cruciformes de
tipologias variadas,
covinhas e
concavidades oblongas.
Rocha com figura
cruciforme. Situada a
11 X X X X 1 - 2137 22; 23
cerca de 50 cm para
Norte da Rocha 7.
1; 2; 3; 4; 5;
6; 7; 8; 9; 10;
Pequena covinha 11;13; 14;
12 X X X X X 21; 22
isolada. 15; 16; 17;
18; 19; 20;
23
Pequeno bloco de
granito com seis
motivos gravados:
13 pequenos círculos X X 1 - 2138 22; 23
simples, figura
cruciforme e uma
figura geométrica.
Rocha rasa ao solo com
9 motivos gravados:
14 cruciformes de diversas X X 1 - 2139 22; 23
tipologias e pequenas
covinhas ou pontos.
36
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
37
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
38
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
39
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
131
Gravura cruciforme em
15 X40 X X 1 - 21 22; 23
“T” (Antropomorfo?)
Duas gravuras
cruciformes
16 X X 1 - 21 22; 23
(antropomorfos
esquemáticos?)
Cruciforme e possível
17 X X 1 - 2141 22; 23
antropomorfo em “phi”.
Gravura cruciforme
18 (antropomorfo X X 1 - 2142 22; 23
esquemático?)
Gravura muito erodida
composta por duas
19 linhas que formam um X43 X X 1 - 21 22; 23
ângulo recto e um
ponto.
Antropomorfo
20 X X X X 1 - 21 22; 23
esquemático.
Figura de gravação 1; 2; 3; 4; 5;
profunda composta por 6; 7; 8; 9; 10;
linha recta da parte 11; 13; 14;
21 X 12
superior, a partir da 15; 16; 17;
qual parte uma outra 18; 19; 20;
44
curva . 21; 22; 23
Rocha profusamente
insculpida, sendo que
os motivos de
22 X X X 1 - 23
distribuem por três
painéis. Surgem
antropomorfos
40
Avista-se parcialmente o Coto da Pena.
41
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
42
Rocha 20 encontra-se no limite da bacia de visão.
43
Avista-se parcialmente o Coto da Pena.
44
Poderá tratar-se de uma gravura executada recentemente, não sendo contudo de descartar a hipótese de
se tratar de um reavivamento.
132
esquemáticos de
diversas tipologias
(figuras compósitas,
cruciformes,
antropomorfos em
“phi”).
Afloramento raso ao
solo que apresenta uma
23 X 1 - 22
figura antropomórfica
esquemática.
Através dos cálculos de visibilidade é possível compreender que a maior parte das
rochas são intervisíveis, à excepção das ocorrências 22 e 23 que, para além de não
avistarem qualquer outra rocha gravada, são apenas distinguidas a partir de alguns
pontos de observação. A rocha 22 apresenta uma figura em “Y” com os braços em semi-
círculo semelhantes aos designados “corniformes” e a rocha 23 tem insculpido um
cruciforme simples, em forma de cruz latina (Alves 2006). Parecem deter um carácter
oculto no conjunto, já que não são observadas a partir de quaisquer pontos.
A curta distância, quase todas as rochas se vêem umas às outras. Contudo, a longa
distância as características das bacias de visão alteram-se e variam (Tabela12), sendo
que apenas dos elementos arqueológicos considerados, apenas a Mamoa das Bouças é
visível a partir de todas as rochas insculturadas. Por se tratar de um grande número de
resultados é difícil definir exactamente os pontos de origem das visibilidades, mas ao
observar o mapa (Figura 5) ficamos desde logo com a ideia de que as bacias visuais das
rochas em questão se convergem maioritariamente para Sul. No entanto há algumas
excepções, sendo que algumas rochas detêm também domínio visual para SE (i.e. 1, 2,
3, 4, 5, 6, 7, 8, 13, 15, 19, 20, 21, 22), E (i.e. (1, 2, 3, 4, 5, 19, 20) e até mesmo para NW
(i.e. 6, 20, 21, 22).
133
Figura 6 Mapa com a Visibilidade Acumulada das rochas com Arte Esquemática. Mapa feito a partir das
curvas de linha das Cartas Militares de Portugal, escala 1/25 000, folhas 6 e 14.
134
Figura 7 Ortofotomapa com Visibilidade Acumulada do grupo de rochas gravadas com Arte
Esquemática.
135
PARTE V COSIDERAÇÕES FIAIS
Após uma análise ao que foi exposto até este momento podemos considerar
genericamente a Arte Esquemática como um conjunto de motivos de estilo naturalista e
abstracto que se apresenta sob a forma de pintura ou gravura rupestre, ou em alguns
casos numa conjugação de ambas as técnicas. Ter-se-á difundido, maioritariamente,
pela vertente oriental da Península Ibérica, desde o Neolítico Antigo ao Bronze Inicial
(Bradley e Fábregas 1999). De facto, actualmente sabemos que a Arte Esquemática se
encontra sob influência do Mediterrâneo (Alves 2003), com uma área de expansão
maioritariamente continental.
136
motivos gravados invadem as superfícies rochosas, embora não de forma tão intensa
como se observa em sítios como o Gião ou o Tripe.
Para melhor compreender a Arte Esquemática seria necessário analisar os motivos que a
compõem em contexto, ainda que tal raramente seja possível. Contudo, por vezes as
figuras surgem relativamente associadas a sítios arqueológicos de outras tipologias, já
aqui descritos. Os parcos contextos que até à data se puderam associar a esta tradição
artística permitem ligar a Arte Esquemática aos ancestrais, como acontece nos sítios do
Vale da Casa e El Pedroso. Mas poderia esta tradição artística ser utilizada
simultaneamente em contextos variáveis? O certo é que variáveis já eram as suas formas
de implantação, eleição de suportes e técnicas de execução.
137
manifestam diferentes estilos artísticos de gravação, associados a composições
também elas de diferentes tradições.
3. É comum a Arte Rupestre dos conjuntos de ar livre ter sido realizado sobre
afloramentos de morfologias variadas, tornando imprevisível a detecção dos
motivos; no passado e no presente, tal facto exige um conhecimento prévio dos
locais. Contudo, a Arte Esquemática do Monte de Góios, embora surja em
alguns afloramentos destacados, é normalmente encontrada em rochas de
dimensões relativamente reduzidas e rasas ao solo. Será esta característica uma
influência manifesta dos parâmetros que presidem à Arte Atlântica?
4. Quanto à tipologia dos motivos, El Pedroso e a Botelhinha são os melhores
paralelos com os quais podemos relacionar o Monte de Góios. Não obstante,
embora executados pela gravura, falar de El Pedroso é mencionar um abrigo e
como tal um ambiente encerrado por oposição à abertura e amplitude do
conjunto do Monte de Góios e da Botelhinha. Mas esta diferença física e talvez
ideológica não é de todo estranha, se pensarmos que os “santuários” graníticos
de Arte Esquemática se localizam na transição do mundo continental para o
Atlântico, quer dizer, a Oeste de El Pedroso, um abrigo dentro de um recinto
(Calcolítico). Nesta última região adquirem caraterísticas excepcionais no
mundo da Arte Esquemática. Apesar da semelhança tipológica da iconografia,
será que as representações eram utilizadas com o mesmo propósito, num sítio e
no outro, tendo em conta as distintas implantações e contextos? Provavelmente
não.
5. Através de uma pequena análise podemos concluir que a Arte Esquemática do
Monte de Góios foi implantada muito próxima de cursos de água, sendo que se
encontram várias linhas a menos de 1000 metros das rochas inventariadas.
6. Uma vez que nos são vedados os contextos arqueológicos directos parece-nos
plausível a partir de analogias, propor uma cronologia pré-histórica para os
motivos esquemáticos do Monte de Góios, que poderá recuar a momentos do
Neolítico e Calcolítico. Esta cronologia apoia-se nas características tipo-
morfológicas e na análise das técnicas de execução, nas características dos
sulcos e implantação na Paisagem. Se por um lado o sítio Monte de Góios se
assemelha a outros exemplos de conjuntos rupestres de ar livre de tradição
esquemática, por outro lado “na rocha ao lado” é possível observar motivos de
feição histórica e proceder a uma comparação das figuras quanto à tipologia e
138
técnica empregue, o que permite discernir uma maior antiguidade para os
motivos reticulados e antropomorfos.
7. Pelas novas características que a Arte Esquemática assume, nesta região mais
litoral, i.e. amplos anfiteatros naturais, parece-nos que esta tradição terá ganho
aqui novos significados e interpretações, quer pela sua nova forma de
implantação na Paisagem e, consecutivamente, diferente entendimento do
mundo. De facto, se inicialmente encontramos a Arte Esquemática em ambientes
escuros e encerrados como os monumentos megalíticos e os abrigos, estes
grafismos são agora vistos ao ar livre, em espaços abertos, pressupondo também
uma diferente interacção com a sociedade que pode agora aceder mais
facilmente e em maior número aos sítios.
Após a elaboração das análises locacionais, foi possível compreender que de facto Arte
Atlântica e Arte Esquemática seguem diferentes modelos de implantação na Paisagem,
demonstrando distintas formas de relacionamento com a envolvente. Os motivos de
cada uma destas tradições artísticas terão sido, certamente, depositados nos suportes
com objectivos distintos, ou por comunidades com diferentes cosmogonias. Não
obstante deverá ressalvar-se a diferença no número de amostras utilizado para os dois
grupos de Arte Rupestre, sendo que seria enriquecedor num futuro próximo alargar este
tipo de análises a outros sítios de tipologias semelhantes.
139
diferença no número de amostras utilizadas, para cada conjunto, para executar as
análises. Assim, com os dados disponíveis podemos apenas supor que as lajes
com insculturas Atlânticas são mais acessíveis do que as Esquemáticas.
10. Apesar da existência de grandes lajes gravadas com Arte Atlântica na vertente
poente do Monte de Góios, as análises locacionais demonstram que a sua
proeminência na Paisagem não é muito evidente. Já na vertente meridional, os
blocos insculpidos com Arte Esquemática são de dimensões mais reduzidas,
sendo que os suportes também não se destacam muito na envolvente. Não
obstante os exemplares atlânticos são mais destacados, sendo que os valores de
proeminência chegam a atingir 0,8, enquanto na Arte Esquemática o valor mais
elevado não chega a 0,4. A Altitude Relativa para ambos os conjuntos de
gravuras apresenta melhores resultados na média distância (3000 m), sendo que
na curta e na longa distância estes são mesmo negativos. Quer isto dizer que as
rochas são praticamente imperceptíveis, tanto para um grupo artístico como para
outro, quando se pretende perceber a sua visibilização, ou seja, a forma como
são vistas a partir da envolvente. Assim, a maior relevância que as rochas
adquirem para o observador é quando este se encontra a cerca de 3000 m de
distância, resultado que nos leva a supor que esta situação seja premeditada, na
eventualidade de se pretender que o observador identificasse as rochas à
distância.
11. Quanto ao domínio visual conclui-se que a bacia de visão acumulada da Arte
Atlântica é muito mais vasta do que a da Arte Esquemática. No entanto, as
rochas da vertente poente apresentam uma intervisibilidade reduzida, enquanto
que as ocorrências da vertente meridional são praticamente todas visíveis entre
si.
12. No que refere às visibilidades individuais da Arte Atlântica é de salientar que
não são as imponentes lajes profusamente decoradas – Laje das Fogaças e Laje
da Chã das Carvalheiras – que possuem maior amplitude visual, destacando-se
duas outras ocorrências de características interessantes. Por um lado, a Laje da
Boucinha B é a única rocha a partir da qual é possível observar todos os outros
suportes com grafismos atlânticos, dando a ideia de que se trata de um ponto de
observação principal para o interior do conjunto. Por outro lado, a Laje do
Cruzeiro Velho domina visualmente o rio Minho, o seu estuário e a a sua
margem direita de forma ampla, pelo que aliado à sua posição sobranceira ao
140
curso de água sugere tratar-se de um ponto de observação para o exterior do
conjunto rupestre.
13. As visibilidades do conjunto esquemático apresentam diferentes características.
Desde logo uma grande intervisibilidade entre as rochas, quando comparada
com a Arte Atlântica. Todas as rochas têm visibilidade para a Mamoa da Bouça.
Neste grupo destaca-se a Rocha 20, onde foi insculpido um antropomorfo
esquemático peculiar que parece dominar todo o grupo. Por um lado possui a
maior amplitude visual que ronda os 21,42 ha e é vista por todas as restantes
ocorrências, avistando-as também reciprocamente, à excepção das R 21 e 22.
Apenas as rochas 22 e 23 não são intervisiveis a partir de nenhum outro bloco
insculpido e possuem uma visibilidade muito reduzida, parecendo ser dotadas de
um certo secretismo no conjunto rupestre. Assim podemos supor que o grupo de
rochas com motivos esquemáticos formaria um conjunto coeso, articulado
internamente do ponto de vista territorial e iconográfico.
14. Concluimos ainda que o domínio visual a partir dos elementos com Arte
Atlântica se concentram todos na direcção Norte e Oeste, enquanto os elementos
com Arte Esquemática dominam maioritariamente a vertente Sul, mas
conseguem ainda observar uma parte da costa, para Norte, nomeadamente a
zona de Santa Tecla (Galiza). Colocando ambas as Bacias de Visão num mesmo
mapa, concluímos que todo o Monte de Góios e a sua envolvente imediata se
encontram sob o domínio visual dos criadores das tradições de Arte Rupestre
(Figura 7).
15. Ainda relativamente à Visibilidade, apesar das limitações que estas análises
apresentam e que foram mencionadas anteriormente, foi possível determinar que
a Arte Atlântica possui um maior domínio visual potencial, sendo que a
visibilidade acumulada das ocorrências estudadas é de 7559,27 ha, enquanto a
Arte Esquemática apresenta apenas 2934,17 ha como área de domínio visual
total. Atendendo à discrepância de valores parece-nos plausível supor que há
uma escolha deliberada na implantação das rochas de Arte Atlântica de forma a
que a sua implantação domine uma grande parte do território, ainda que neste
caso seja, grosso modo, o rio Minho. São também estas rochas que possuem um
maior alcance visual a longa distância (7000 m) (após a quantificação dos
valores obtidos). Assim enquanto a Laje 3 das Carvalheiras possui um domínio
141
visual de 4644,78 ha, na Arte Esquemática, a rocha 20 chega apenas a dominar
2495 ha.
16. Com as bacias visuais das rochas com Arte Esquemática conjugaram-se ainda
outros dados, como a localização geográfica de sítios arqueológicos das
proximidades e, na eventualidade da localização estar correcta45, constata-se o
facto de que o único sítio que é visível a partir de todas as ocorrências é a
Mamoa de Bouças.
17. Finalmente, resta referir que tanto para a Arte Atlântica como para a Arte
Esquemática os resultados dos três tipos de análise de implantação dos sítios
resultaram em dados que se complementam, sendo que, por exemplo, a
inclinação das vertentes coincide com a orientação das bacias visão. A junção
destes resultados só reforça a ideia intencional de implantação das rochas
segundo determinadas orientações. Resta procurar compreender o porquê desse
propósito e o porquê dessas determinadas orientações.
Poderemos afirmar que estamos perante sociedades com tradições culturais distintas?
Parece-nos que é provável, se admitirmos diferenças cronológicas na ocupação do
território. Porém, no caso de se vir a perceber que ambas as tradições convivem numa
mesma cronologia, então deveríamos procurar antes diferentes “funções” para cada um
dos estilos. Contudo, estas ideias só poderão ser corroboradas através de trabalhos de
escavação em sítios de diferentes tipologias, como zonas de habitat ou os próprios sítios
de Arte Rupestre, que contextualizam as manifestações das rochas.
45
Foram utilizadas as coordenadas obtidas através do IGESPAR, I.P.
142
Figura 8 Ortofotomapa com a representação da visibilidade total de cada um dos grupos com Arte
Rupestre.
143
5.3.COCLUSÃO
Pela complexidade que apresenta o estudo da Arte Rupestre as abordagens ao tema têm
vindo a ser complementadas com o saber de outras disciplinas. Por um lado, a partir da
Biologia Evolucionista a disciplina conseguiu estender o processo à evolução cognitiva
do seu objecto de estudo e lançar algumas dúvidas quanto ao carácter redutor de
algumas explanações evolutivas. Por outro lado, certas hipóteses avançadas sobre o
papel da arte na concepção humana continuam a ser especulativas.
Durante este estudo concluímos que para além dos motivos diferentes, estas duas
tradições apresentem distintas formas de interacção com a envolvente imediata. Para
além da implantação, o domínio visual de cada conjunto rupestre é diferente, pouco ou
nada convergindo, levando-nos a supor que os grafismos foram ali colocados com
diferentes objectivos. Também no que respeita à forma como as rochas de cada grupo se
relacionam entre si é possível aferir algumas diferenças. De facto, enquanto a Arte
Atlântica parece ser mais restrita, sendo que os seus exemplares pouco ou nada se
avistam em simultâneo, as rochas com Arte Esquemática são todas intervisíveis, facto
que pressupõe uma característica de colectividade, uma maior coesão e um maior
carácter de conjunto.
Não obstante, continuamos sem conseguir dar resposta à questão que se coloca: estamos
perante manifestações de dois grupos diferentes, com culturas distintas e que até
poderão ter sido díspares no tempo? Ou estaremos perante duas formas de grafismos de
uma mesma sociedade sendo que cada uma teria a sua função específica?
144
Relativamente às análises locacionais com recurso às ferramentas SIG, há ainda uma
série de possibilidades a explorar, sendo que uma abordagem à mobilidade nos parece
um tema interessante e que nos poderá, no futuro, esclarecer algumas questões relativas
à associação destas tradições de Arte Rupestre com caminhos ou zonas de passagem.
De facto, parece-nos que o estudo da Arte Rupestre terá atingido um novo ponto de
partida, no qual se deverá utilizar os conhecimentos e experiências adquiridos
anteriormente, bem como desenvolver novos procedimentos que permitem abordar a
Arte, a Paisagem e a Arte na Paisagem. Os novos rumos da investigação vão no sentido
de uma transdisciplinaridade nas abordagens complementadas por leituras transversais,
sendo necessário considerar aspectos relacionados com a Arte Rupestre, como sejam os
contextos, as identidades, funcionalidades, os autores e as audiências (Alves 2003),
fugindo à simples exposição dos motivos e descrição topográfica. Pretende-se uma
maior ambição no confronto com os vestígios do passado.
145
se e ganhar significado quando contempladas num quadro mais abrangente de
articulação entre o Homem e a Paisagem.
O Homem, esse, ter-se-á servido da Arte Rupestre para estabelecer relações com o seu
meio envolvente. A evocação de um lugar, quer seja físico ou não, é fundamental na
construção da identidade individual ou na identificação de um grupo ou comunidade.
Por outro lado, a evocação de narrativas associadas a um dado lugar transforma o
espaço antes amorfo, em cognitivo (Sanches 2003). Sítios com Arte Rupestre
permanecem na experiência diária do espaço, sendo-lhes atribuídos nomes e lendas que
contribuem para a sua prevalência na memória das pessoas (Alves 2001:77; Sanches
2003).
Apesar das extensas abordagens de que tem vindo a ser alvo ao longo do tempo, a Arte
Rupestre continua por explicar. Deve, no entanto, ser abordada como um fenómeno
plural que atravessa diferentes contextos temporais, espaciais, culturais e cognitivos,
como uma praxis diária que implica um diálogo permanente entre passado e presente,
em vez de ser apenas considerada como objecto de estudo arqueológico (Alves
2001:71).
146
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approaches to the study of archaeological visibility, In G. Lock (Ed.) (2000)
166
WHEATLEY, David; GILLINGS, Mark, (2002) Spatial Technology and Archaeology. The
Archaeological Applications of GIS, Taylor and Francis, Londres.
167
AEXOS
168
AEXO A: Mapas
Estampa 1: Extracto da Carta Militar de Portugal, 14, escala 1/25 000. Localização dos
sítios arqueológicos identificados no decorrer das campanhas de prospecção de 2005.
169
Estampa 2: Extracto da Carta Militar de Portugal, 14, escala 1/25 000. Localização dos
sítios com arte rupestre pré-histórica (de feição Esquemática) na vertente meridional do
Monte de Góis (Lanhelas, Caminha).
170
Estampa 3: Ortofotomapa com localização geográfica dos conjuntos de Arte Atlântica
e Arte Esquemática do Monte de Góios. (Ortofotomapa disponível em www.esri.com).
171
Estampa 4: MDT46 do Noroeste Peninsular com localização do sítio de Arte Rupestre
do Monte de Góis (Fonte dos dados topográficos: Shuttle Radar Topography Mission –
http://www2.jpl.nasa.gov/srtm).
46
Modelo Digital de Terreno: Representação tridimensional da topografia de um território realizada em
SIG por meio de um modelo de dados que pode ser raster (matriz de valores topográficos) ou vectorial
(TIN). Representa-se tridimensionalmente a variação do espaço, de qualquer variável (García 2005).
172
Estampa 5: Pormenor do MDT (escala 1:1 000) com indicação dos limites da freguesia
de Lanhelas e implantação das rochas gravadas na vertente meridional do Monte de
Góis.
173
A
Arte Esquemática
Arte Atlântica
174
Estampa 7: Implantação topográfica dos sítios de Arte Atlântica e Arte Esquemática.
175
Estampa 9: Localização dos principais Conjuntos Rupestres de Ar Livre do Noroeste
Peninsular (Fonte dos dados topográficos: Shuttle Radar Topography Mission –
http://www2.jpl.nasa.gov/srtm).
176
Sector I: Mata das Cruzes
177
A B
C D
E F
Estampa 11: Bacias de Visão Individuais do conjunto de rochas com Arte Atlântica.
178
A B
C D
E F
Estampa 12.1 A a F: Bacias de Visão Individuais do conjunto de rochas com Arte Esquemática
179
G H
I J
K L
Estampa 12.2 G a L: Bacias de Visão Individuais do conjunto de rochas com Arte Esquemática
180
M
O P
Q R
Estampa 12.3 M a R: Bacias de Visão Individuais do conjunto de rochas com Arte Esquemática
181
S T
U V
Estampa 12.4 S a W: Bacias de Visão Individuais do conjunto de rochas com Arte Esquemática
182
AEXO B: Registo Gráfico e Fotográfico
Estampa 13: Pormenor dos motivos da Laxe das Ferraduras (Fentáns, Pontevedra).
Fonte: Laboratório de Arqueoloxia da Paisaxe (Lar IEGPS – XuGa) (Santiago de
Compostela).
183
A
184
Estampa 15: Resultado do levantamento efectuado através de decalque directo do
Penedo dos Sinais (Valdez e Oliveira 2005/2006).
Estampa 16: Visibilidade sobre o vale do rio Ave, a partir do Penedo dos Sinais. Fonte:
António Martinho Baptista.
185
Estampa 17: Aspecto actual da Laje das Fogaças e sua envolvente.
186
Estampa 19: Pormenor dos motivos da Laje das Fogaças.
187
Estampa 20: Pormenor dos motivos da Laje das Fogaças e visualização da sua
pendente relativamente acentuada.
188
Estampa 21: Pormenor do motivo zoomorfico da Laje das Fogaças.
189
Estampa 23: Pormenor do motivo zoomorfico da Laje da Chã das Carvalheiras.
190
Estampa 25: Pormenor de motivo cruciforme da Botelhinha. Fonte: Câmara Municipal
de Alijó.
191
Estampa 26: Pormenor de rocha gravada na Botelhinha (Fonte: Câmara Municipal de
Alijó) onde são perceptíveis os reticulados e cruciformes.
193
Estampa 29: Pormenor dos motivos meandriformes (Lampaça).
194
Estampa 30: Estátua-menir da Ermida aquando da sua descoberta. Fonte: António
Martinho Baptista.
Estampa 31: Abrigo sob pala na Faia (Vila Nova de Foz Côa). Fonte: António
Martinho Baptista.
195
Estampa 32: Enquadramento visual a partir do Conjunto Rupestre de Ar Livre do Gião
(Arcos de Valdevez). Fonte: António Martinho Baptista.
Estampa 33: Pormenor de uma das rochas gravadas do Gião com antropomorfos e
reticulados. Fonte: António Martinho Baptista.
196
Estampa 34: Um dos levantamentos efectuados através da técnica do decalque directo
no Santuário do Gião. Fonte: CNART.
197
Estampa 36: Pormenor de uma das rochas gravadas no Conjunto de Ar Livre do Tripe
onde se observam antropomorfos de braços no ar, braços rectos, com linha dupla e
cruciformes.
198
Estampa 38: Afloramento denominado por Outeiro Machado (Chaves).
200
Estampa 41: Enquadramento geomorfológico e aspecto da vertente meridional do
Monte de Góis. Fonte: Lara Bacelar.
201
Estampa 42: Desenho de Abel Viana referente ao Penedo do Trinco ou Pedra
Trincadeira, conforme lhe chama também (Viana 1929).
202
Estampa 44: Laje 3 da Chã das Carvalheiras.
Estampa 43: Laje da Boucinha A (vertente ocidental). Fonte: Lara Bacelar Alves.
203
Estampa 46: Machado de Talão encontrado no Monte de Góis. Fonte: reproduzido de
Fontes 1902.
Estampa 47: Rocha 1 da Ribeira de Piscos (Vila Nova de Foz Côa). Fonte: CNART.
204
Estampa 48: Implantação e domínio visual do Cavalinho do Monte do Cruzeiro. Fonte:
Lara Bacelar Alves.
Estampa 49: Pormenor do zoomorfo do Monte do Cruzeiro. Fonte: Lara Bacelar Alves.
205
Estampa 50: Proto-labirinto rodeado de pequenas covinhas, identificado em 2007.
Fonte: COREMA.
Estampa 51: Material lítico recolhido durante as prospecções, na Mata das Cruzes.
Fonte: Lara Bacelar Alves.
206
Estampa 52: Sector Vale do rio do Ouro. Cruciforme provavelmente utilizado como
marca de termo. Fonte: Lara Bacelar Alves.
207
Estampa 53: Rocha 23 do vale do rio do Ouro. Fonte: Lara Bacelar Alves.
208
Estampa 54: Rocha 2 do sub-sector I, Sector Mata das Cruzes. Gravação de um
antropomorfo esquemático frequente na arte de ar livre. Fonte: Lara Bacelar Alves.
Estampa 57: Rocha 12, sub-sector II, Sector Mata das Cruzes. Enquadramento. Fonte:
Lara Bacelar Alves.
210
Estampa 58: Sub-sector III, Sector Mata das Cruzes. Enquadramento. Fonte: Lara
Bacelar Alves.
211
Estampa 59: Rocha 20, sub-sector III, Sector Mata das Cruzes. Representação de
antropomorfo esquemático e enquadramento. Fonte: Lara Bacelar Alves.
212
Estampa 60: Rochas 7 e 8, sub-sector I, Sector Mata das Cruzes. Pequenos blocos ao
nível do solo, nos quais se insculpiram diversos antropomorfos. Perfazem um conjunto
de rochas articulado. Fonte: Lara Bacelar Alves.
213
Estampa 61: Rocha 23, Sector Vale do Rio do Ouro. Afloramento raso ao solo com
figura antropomorfica que demonstra sinais de regravação. Fonte: Lara Bacelar Alves.
214
Estampa 62: Rocha 2, sub-sector I, Sector Mata das Cruzes. Figura antropomorfica
enquadrável na tradição esquemática de ar livre. Fonte: Lara Bacelar Alves.
Estampa 63: Rocha 22, Sector Vale do Rio do Ouro. Bloco granitico profusamente
decorado, cujos motivos se distribuem por três painéis. Estão essencialmente presentes
os antropomorfos. Fonte: Lara Bacelar Alves.
215
Estampa 64: Rocha 10, sub-sector I, Sector Mata das Cruzes. Bloco granítico
profusmente decorado com motivos pré-históricos que terá sido inserido num muro de
divisão de propriedade. Fonte: Lara Bacelar Alves.
Estampa 64: Nova ocorrência que terá surgido numa visita recente ao local. Bloco
granítico integrado num muro de propridade (vertente poente) onde parecem figurar
motivos reticulados.
216
A
217
A
218