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FUNDAMENTOS
PARA UMA GRAMÁTICA DE FUNÇÕES
APLICADA AO PORTUGUÊS
MARTINS MARÇALO
MARIA JOÃO BROA
PREFÁCIO
CARLOS ASSUNÇÃO
4 É V O R A - M M I X
FUNDAMENTOS
PARA UMA GRAMÁTICA DE FUNÇÕES
APLICADA AO PORTUGUÊS
MARIA JOÃO BROA M A RT I N S MARÇALO
FUNDAMENTOS
PARA UMA GRAMÁTICA DE FUNÇÕES
APLICADA AO PORTUGUÊS
COLECÇÃO LINGUÍSTICA 4
É V O R A • M M I X
Título: Fundamentos para uma gramática de funções aplicada ao Português
Colecção: LINGUÍSTICA 4
ISBN: 978-972-99292-1-2
7
O aparato apresentado pela Doutora Maria João Marçalo, ao testar e
aplicar a gramática de funções ao Português, resulta numa obra que marcará
a influência do funcionalismo ibérico no Português e por isso mesmo é credora
de merecidos encómios pelo seu trabalho inovador, metódico, pleno de rigor e
que traz novos contributos para o estudo da sintaxe portuguesa.
Parafraseando Secundino Vigón Artos no estudo «Influências do funcio-
nalismo alarquiano em Portugal», em Península, Revista de Estudos Ibéricos,
n.º 4, 2007, muitas das questões abordadas pela Doutora Maria João Marçalo
não são novas, bem pelo contrário, são questões que sempre interessaram
à linguística, mas a novidade advém do facto de a mesma se revelar para o
português como uma teoria científica coerente, sistemática, regida por crité-
rios de rigor e simplicidade, dando uma visão de explicação do objecto língua
sumamente adequada e de inegável valor descritivo e explicativo que, tendo já
demonstrado os seus frutos na aplicação ao espanhol poderá mostrar-se igual-
mente rica e produtiva como postulado teórico para uma descrição pertinente
do instrumento de comunicação que é o português.
Carlos Assunção
8
ILLE VOS DOCEBIT OMNIA
Nota à presente edição
A Autora
11
Abreviaturas e sinais usados
13
CCF: complemento circunstancial de fim
CCC: complemento circunstancial de causa
CCCo: complemento circunstancial de concessão
CCCd: complemento circunstancial de condição
CCMa: complemento circunstancial de matéria
CCAg: complemento circunstancial de agente
ED (ou ed.): estilo directo
EI (ou ei.): estilo indirecto
VE: verbo enunciativo
VdE: verbo de enunciado
T: tema ou base
TR: transpositor
TOP: tópicos
CVE: complemento de verbo enunciativo
MO: modificador oracional
< > : Insere-se entre ângulos o transpositor que efectua transposição a categoria
adjectival
[ ] : Insere-se entre parêntesis rectos o transpositor que efectua transposição a
categoria nominal
/ / Transposição a categoria adverbial
14
À minha filha,
sonho impossível tornado realidade
Agradecimentos
1
Da amizade e dos ensinamentos de André Martinet, continuei a usufruir, privilegiada-
mente, visitando-o por diversas vezes e a sua esposa, Jeanne Martinet, em Fontenay-aux-Roses.
Aí o escutava, e em vivos diálogos, procurava apreender o seu raciocínio límpido e sempre brilhante.
Gostaria de dedicar este trabalho ao inesquecível Mestre que para mim foi André Martinet, mas,
consciente das muitas imperfeições de que padece este texto, não me atreverei a tal.
17
Creio que não deve haver trabalho intelectual sem risco, risco de dizer
coisas novas, risco de pôr em causa os Mestres, risco de não acertar, risco de
duvidar, risco de querer perceber, repensar e criticar até o próprio paradigma
teórico em que nos movimentamos e no qual existimos cientificamente.
Esta quis ser uma tese arriscada. Ao pedir orientação a Salvador Gutiérrez
Ordóñez correu-se o risco de confrontar a teoria com o seu teorizador,
sabendo, de antemão, que nem sempre o estudo da obra de autores vivos é
bem visto nos meios académicos.
Não obstante, em boa hora, vencidas as barreiras do espaço geográfico,
foi solicitada orientação para o meu projecto de doutoramento. Sempre a
liberdade intelectual, o apreço e respeito pelas minhas dúvidas, críticas e
ideias, pautaram a actuação de Salvador Gutiérrez Ordóñez aliados a uma
enorme sensibilidade humanista. Estou certa que ainda bastante aprenderei
com este brilhante linguista, sabendo que os muitos horizontes que me abriu
o estudo da sua obra, continuarão a ser alargados pelos seus sempre inteli-
gentes, claros e inovadores livros e artigos com que, certamente, continuará
a enriquecer o panorama dos estudos linguísticos.
18
«El objeto teórico de una ciencia no se fija de una vez para siempre.
Depende de las posibilidades explicativas y del desarrollo
de la disciplina misma. Por eso,
a medida que se desarrolla la lingüística,
también se amplía el ámbito de los fenómenos
que trata de explicar.»
1
O conceito de paradigma científico proposto por Thomas Kuhn permanece útil na apre-
sentação e explicitação de uma disciplina, ainda que o próprio autor tenha modificado parcial-
mente a sua visão original.
21
que isso implique uma visão limitada. Como disse Saussure no seu muito
citado Curso de linguística geral, o ponto de vista cria o objecto, e essa visão
limitada é a contrapartida necessária ao respeito pelo princípio da coerência.
O nosso objectivo será apresentar e submeter a discussão os princípios
e magnitudes do funcionalismo linguístico de Gutiérrez Ordoñez.
A teoria deve estar aberta a uma confrontação constante com o objecto
teórico que pretende descrever, como bem reconhece o próprio Gutiérrez
Ordóñez (1997 a: 77). E esse é também um dos nossos percursos investiga-
tivos, o ver como e quando se aplica ou não ao português a proposta teórico-
‑metodológica que Gutiérrez Ordóñez tem aplicado ao espanhol.
Como sustentava Karl Popper, não existe teoria científica que não
seja falseável; estamos conscientes desse facto e não postulamos aqui uma
atitude de subserviência em relação à doutrina estudada, antes defendemos
uma humilde observação interpretativa-explicativa, com as devidas críticas
a propósito da sua aplicação e adequação ao objecto «língua portuguesa».
Como veremos, muitas das questões abordadas por Gutiérrez não são
novas, diremos mais, são até, na sua maior parte questões que sempre inte-
ressaram à Linguística. A novidade da teoria funcional deste autor, e o seu
interesse para nós, advêm do facto de a mesma se revelar como uma teoria
científica coerente, sistemática, regida por critérios de rigor e simplicidade,
dando uma visão e explicação do objecto língua sumamente adequada e de
inegável valor descritivo e explicativo que, tendo já demonstrado os seus
frutos na aplicação ao espanhol, poderá mostrar-se igualmente rica e produ-
tiva como postulado teórico para uma descrição pertinente do instrumento
de comunicação que é o português. A hipótese central que devemos buscar
nesta tese, será precisamente o que acabámos de enunciar: apresentar, sub-
metendo e sujeitando às observações e resultados obtidos em relação ao
português, discutir e testar a teoria funcionalista aplicada por Gutiérrez
Ordóñez ao espanhol. Trata-se pois, sobretudo, de aplicar um novo método
funcionalista à gramática portuguesa, em especial e se quisermos restringir e
ser mais especificadores, trata-se de aplicar à sintaxe portuguesa as propos-
tas linguísticas apresentadas e defendidas por Gutiérrez Ordóñez ao longo
de décadas de trabalho de investigação e dadas à estampa em inúmeras
publicações 2.
2
Entenda-se que um modelo científico será uma representação funcional de um âmbito
da realidade, o qual deve reconstruir de forma exaustiva, coerente e simples. O objecto de uma
ciência será sempre um constructo, um produto de elaboração teórica.
22
Tendo em conta que o objecto teórico de uma disciplina não é imutável
e que «depende de�������������������������������������������������������������
las posibilidades explicativas y del desarrollo de la disci-
plina misma. Por eso, a medida que se desarrolla la lingüística, también se
amplía el ámbito de los fenómenos que trata de explicar» (Gutiérrez, 2002 a:
145), Gutiérrez defende a ideia de que «la Lingüística ha entrado en estos
últimos años en un nuevo paradigma metodológico: la Lingüística de la
Comunicación» (id., ib.: 19) 3.
Na verdade, começa a ganhar visibilidade um modo de fazer linguística
que tome em consideração todas as instruções do contexto, uma linguística
que não force o seu objecto de estudo a adaptações metodológicas, mas antes
pelo contrário, uma linguística que não deixe na sombra as condições em que
são percebidas as mensagens, isto é, em que decorre o acto de comunicação,
o qual tem sempre lugar entre emissores e receptores concretos, que vivem
num tempo e num espaço determinados, para daí extrair todos os elementos
de pragmática linguística que intervêm no uso da língua.
A Linguística tem assim por objecto o estudo das unidades linguís-
ticas quando usadas num acto comunicativo. A análise linguística só terá
a ganhar se se fizer também a partir de uma perspectiva pragmática. Em
nosso entender, a visão da pragmática poderá ser um novo modo de focalizar
todas as tradicionais disciplinas, como a fonologia, a morfologia a sintaxe
e a semântica. O contexto comunicativo, a partir de uma visão pragmática, é
também tomado em linha de conta nas selecções sintagmáticas e paradigmá-
ticas da unidades linguísticas.
3
André Martinet havia já reconhecido explicitamente a necessidade de uma linguís-
tica estritamente formalista necessitar de disciplinas anexas como a pragmática. Cf. Martinet,
1993: 377.
23
entendida como a mensagem mínima, a unidade mínima de comunicação,
o enunciado. Esta unidade apresenta duas dimensões de realização, a
dimensão linguística e a dimensão pragmática. O enunciado linguístico é
composto pelos elementos que sucessivamente ocorrem na mensagem e pelo
signo enunciativo que incide sobre o esquema sintagmático. O enunciado
pragmático tem em linha de conta os aspectos do acto comunicativo que se
combinam com a codificação linguística, como esquematicamente se apre-
senta em seguida:
24
A inter-relação entre os procedimentos codificados e inferenciais é maior
do que previram os próprios criadores da teoria Sperber e Wilson. Gutiérrez
afirma de forma explícita essa necessidade de o linguista se socorrer da
pragmática para obter explicações mais satisfatórias: «La vía pragmática se
hace necesaria asimismo para poder explicar de forma adecuada el funcio-
namiento comunicativo en las llamadas disciplinas del código» (2002 b: 178).
A Pragmática identifica quais os actos de fala actualizados pelos enun-
ciados concretos, quais os sentidos implícitos que se transmitem, ou seja, o
que é que o emissor quer dizer ao receptor. A pragmática ocupa-se também
em verificar quais os graus de adequação de um enunciado concreto ao ser
usado num determinado contexto. A pragmática usa o processo de inferência
e não o processo de «codificação-descodificação» específico da Linguística.
Digamos então que qualquer enunciado actualizado implica dois ciclos inter-
pretativos: um ciclo linguístico e um ciclo pragmático, sendo neste último
pertinente tudo o que permite configurar o sentido e que pode alterar a inter-
pretação adveniente do ciclo linguístico. De um modo contundente, pode-
mos dizer como Gutiérrez que: «Es absolutamente necesaria la presencia del
procedimiento inferencial para poder explicar la interpretación sintáctica,
morfológica, léxica y fonológica. No se puede hacer Lingüística sin Pragmá-
tica, ni construir Pragmática sin Lingüística» (Gutiérrez, 2002 b: 178).
Ao tomarmos em linha de conta a pragmática estamos a fazer uma
linguística necessariamente diferente, estamos a fazer aquilo que pode ser
designado como uma linguística do uso, uma linguística que toma em conta
«todos los factores del circuito de la comunicación que intervienen en la
configuración del sentido» (Gutiérrez, 2002 b: 130). Na verdade, �����������
«la pragmá-
tica... puede ser definida como la disciplina que tiene por objeto el estudio
del lenguaje en su uso, como la lingüística que toma en cuenta todos los
factores del circuito de la comunicación que pueden intervenir en la confi-
guración del sentido» (id.: 85).
Nas novas prospecções da pragmática evita-se a palavra sintaxe, porém,
os fenómenos descritos, as relações e as unidades conectivas estudadas não
deixam de ser elementos constitutivos de uma sintagmática em que se com-
binam unidades superiores.
A unidade superior da sintaxe oracional, o enunciado, é a unidade de
base deste terceiro nível de combinatória que chamaremos sintaxe de enun-
ciados.
Podemos falar de uma linguística da comunicação na medida em que se
torna necessário admitir que a pragmática implica ultrapassar as fronteiras
25
mais clássicas da linguística. Agora pretende-se explicar «no sólo el decir,
sino el querer decir, no sólo la gramaticalidad de los mensajes, sino también
su adecuación a los diferentes tipos de normas imperantes y a los propósitos
comunicativos»������������������������������������������������������������
(Gutiérrez, 2002 b: 77). O objecto específico será a compe-
tência comunicativa.
Esta mudança conceptual nem sempre foi pacífica. Na linha da tradição
aristotélica, em que a ciência se concebe como o terreno dos juízos univer-
sais, não era fácil aceitar que se deveria descrever cientificamente o que é
de índole individual, contextual, ocasional ou efémero. Graças à Sociolin-
guística, torna-se claro para a comunidade científica que a variação pode e
deve ser explicada cientificamente. As fronteiras da competência clássica são
agora demasiado estreitas. Trata-se não apenas de uma competência sobre
o código, mas algo mais abrangente, que designe qualquer tipo de conheci-
mento associado ao uso efectivo da língua. Assim surge, em 1972, com Dell
Hymes, a expressão «competência comunicativa», usada no artigo���������
«On com-
municative competence». Partindo do acrónimo SPEAKING, Dell Hymes
enumera todos os componentes do acontecimento comunicativo, ou seja,
tudo o que pode acontecer na actualização de enunciados:
26
A magnitude mínima capaz de assumir valor comunicativo não é o texto
mas sim o enunciado. Desde Aristóteles que as teorias da comunicação se
baseiam no modelo semiótico, de acordo com o qual a comunicação é feita
através da codificação e descodificação das mensagens. O modelo inferen-
cial, proposto pela pragmática, não é incompatível com o modelo semiótico.
Ambos os modelos podem ser tomados como complementares na explicação
do fenómeno comunicativo. Para além da codificação e descodificação das
mensagens, a comunicação processa-se também de modo inferencial. Temos
assim comunicação codificada e comunicação inferencial em qualquer
processo de comunicação verbal. Acresce ainda que um processo inferencial
pode ser usado como parte de um processo de descodificação. A propósito
da relação entre Linguística e Pragmática, as próprias palavras de Salvador
Gutiérrez expressam claramente a sua postura teórico-metodológica: «Siem-
������
pre dentro del relevantismo, siempre servidor de los esquemas funcionales,
intento mostrar que Lingüística e Pragmática se hallan entreveradas. Han de
convivir en la explicación de los fenómenos lingüísticos de la misma forma
que conviven y cooperan en la comunicación» (2002 b: 19).
Gutiérrez destaca o facto de cada vez ser mais difícil estudar de modo
autónomo as disciplinas linguísticas (Gutiérrez, 2002 a: 49). A sintaxe, para
além de estar interrelacionada com a morfologia como assinala a maior
parte dos gramáticos, está também muito ligada à fonologia, à semântica
e à pragmática. Por exemplo, no caso das orações ditas compostas, há uma
série de conceitos pragmáticos, como o de enunciado pragmático, o de rele-
vância e inferências, ou o de valor argumentativo, indispensáveis para a sua
adequada descrição e interpretação.
27
transposição operada por relativos, a operada pelo estilo directo, estilo indi-
recto, pelas oblíquas não indirectas e pelas chamadas orações causais, onde,
nestas últimas, se faz a partir do verbo enunciativo.
Em 1978, no IV Colóquio de Linguística Funcional (Actas, 1978: 264)
Gutiérrez defende que no estilo directo se verifica a transposição de um
segmento oracional à categoria dos substantivos (cf. 1999 b): «en el estilo
direto: la entonación y/o el orden son entonces responsables directos de la
transposición».
28
Não estamos aqui perante uma gramática categorial; metodologica-
mente a proposta de Gutiérrez é funcional. É uma gramática de funções
no sentido em que as funções se sobrepõem em importância e determinam
as categorias e ainda no sentido em que a incorporação de níveis como o
pragmático, o argumentativo, o conversacional ou o textual é defendida na
medida em que ajuda a explicar melhor o valor comunicativo das mensagens.
29
Incluímos um pequeno anexo com exemplos de visualizações sintác-
ticas. Estamos perante ferramentas descritivas que têm um forte potencial e
que falta explorar devidamente na descrição da língua portuguesa.
Como sublinhou Martinet, a linguística, como qualquer outra ciência,
trata dos factos apreendidos pelo ser humano e não dos factos por si:
«A experiência humana é tudo o que o homem pode sentir ou apreender.
Enquanto linguistas essa experiência só nos interessa na medida em que
queremos comunicá-la. (...) É uma natureza onde se impõem as pertinências
humanas». A ciência não trata do mundo em si, trata do mundo tal como
é apreendido, do mundo da nossa experiência. A linguística não constitui
excepção» (Martinet, 1995: 19-20). Nesta linha de ideias, entendemos que
uma teoria é um sistema lógico e coerente, capaz de orientar o pensamento
e a acção na investigação científica, teoria que não deve ser nem pode ser
entendida como a verdade absoluta. Uma teoria reflecte sempre o estado do
conhecimento sobre determinado facto, num espaço e tempo determinados.
O mesmo acontece com qualquer trabalho académico.
30
Todos los elementos que intervienen en el proceso comunicativo,
hasta los en apariencia más insignificantes,
pueden ser esenciales.
Gutiérrez, 2002 b: 20
1
Conceitos básicos
SINTAGMÁTICA
Sintagmémica Sintaxe
Relações combinatórias internas ao sin- Relações combinatórias externas, relações
tagma entre sintagmas
1
A denominação sintagmémica é usada pela primeira vez pelo funcionalista Conrad
Bureau, 1978, Syntaxe fonctionnelle du français, Université Laval.
2
Sem se problematizar o assunto, consideram-se as seguintes linhas de orientação no
conceito de «gramática tradicional»: herança greco-latina e tratamento gramatical sob a
dependência da lógica clássica e aristotélica, bem visível na teoria das partes do discurso e na
dicotomia frásica sujeito/predicado; tipificação gramatical assente em critérios heterogéneos
de natureza formal, semântica e funcional; atitude normativa perante o uso da língua. Como
se sabe, os movimentos estruturalistas europeus e americanos abriram campo a uma vasta
discussão teórica em torno destes princípios metodológicos da gramática tradicional, ainda hoje
reequacionados no quadro de uma tipologia gramatical, que visa distinguir a gramática antiga
da gramática escolar e da gramática científica.
33
Para sermos mais precisos, diremos que a sintagmática se articula em
sintagmémica e sintaxe e esta, por sua vez, se articula em sintaxe e sintaxe de
enunciados. Teremos, então, três domínios, cada um deles com as respectivas
unidades mínimas. No domínio da sintagmémica as unidades são o monema
e o sintagma, na sintaxe oracional temos o sintagma e o enunciado 3, e na sin-
taxe de enunciados a unidade mínima será o enunciado e a unidade máxima
o texto, como podemos observar no quadro que se segue, o qual decorre de
considerar directamente a divisão entre sintaxe oracional e sintaxe de enun-
ciados a par da sintagmémica:
SINTAGMÁTICA
SINTAGMÉMICA SINTAXE SINTAXE DE ENUNCIADOS
Monema Sintagma Sintagma Enunciado Enunciado Texto
Unid. Unid. Unid. Unid. Unid. Unid.
base superior base superior base superior
Sintagmémica • Monema
Sintaxe • Sintagma
Sintaxe de • Enunciado
enunciados
• Texto
3
Um todo estruturado, uma estrutura sintagmática e não uma associação de palavras. Não
se problematiza aqui a questão da unidade superior da sintaxe e da sua designação (enunciado,
frase, sentença, etc.). Sobre os conceitos de enunciado e frase verbal com que aqui se opera e sua
problematização, cf. infra, 2.2 Oração ou frase verbal.
34
No âmbito da sintagmática, podemos considerar que a teoria funcional
de Salvador Gutiérrez tem dedicado particular interesse à sintaxe, quer
oracional quer de enunciados e, de certo modo, esse será também o perfil
deste trabalho.
Podemos, com Gómez Asencio (1981: 91), dizer que todas as classes de
palavras que encontramos nas obras da gramática tradicional jogam com
vários critérios, prevalecendo uma mistura consciente ou inconsciente dos
mesmos 4. No entanto, o critério formal parece manter, amiúde, a parte de
leão:
1. Critério formal
2. Critérios semânticos
3. Critério sintáctico, articulado em sintáctico combinatório e sin-
táctico funcional.
Não temos, pois, classificações sistemáticas, mas sim classificações
pseudo-sistemáticas uma vez que se combinam ad hoc critérios classifi-
cadores.
No campo da prática escolar, ainda hoje, contribuindo para confusão
que reina na mente de muitos alunos, se «confrontam» e misturam as análi-
ses morfológicas e as análises sintácticas.
No panorama da linguística europeia, a presença dos estudos estrutu-
ralistas de fonologia 5 contribuiu para que no campo sintáctico os avanços
fossem inicialmente tímidos, como se comprova pelos trabalhos das várias
escolas estruturalistas de Genebra, Praga e Copenhaga.
Na segunda metade do século XX, acentua-se o interesse pelos estudos
sintácticos. Disso são testemunhos títulos como Éléments de syntaxe structu-
rale de Tesnière. À época, Martinet publica Studies in functional syntax
(observe-se, contudo, que a obra Syntaxe générale deste Mestre funcionalista
francês apenas é publicada em 1985). Surgem os trabalhos da Nova Escola
4
«es bastante frequente que dentro de una sola gramática se utilice más de un critério,
esto es, que la clasificación que determinada gramática hace de las palabras y las definiciones
que prepare para cada una de las clases no sigan un critério único», Gómez Asencio (1981: 93).
5
Sobre a Escola de Praga e as novas tendências teóricas dele advenientes veja-se a breve
informação que disponibilizamos em (Marçalo, 1992: 25) ou o artigo «O Círculo Linguístico de
Praga e a concepção de fonema» (Marçalo, 1992 b).
35
de Praga (Daneš, Firbaš). Em Espanha, predomina a obra de Emilio Alarcos,
e na Holanda temos S. C. Dik.
Afirmam-se, assim, os vários ramos ou escolas funcionalistas que se
opõem ao gerativismo.
Mas que diferenças marcam aquilo a que podemos chamar sintaxes
categoriais e sintaxes funcionais?
Comecemos por tipificar cada uma delas.
O modelo mais divulgado das sintaxes categoriais, precedido pelo distri-
bucionalismo de Bloomfield, será o proposto pela análise de constituintes
imediatos, onde se destacam nomes como Hockett, Harris, Nida e Gleason.
As suas principais características são o facto de postularem uma organi-
zação estrutural do enunciado que obedece a uma hierarquia, ou seja, toda
a sequência linguística é (ou pode ser) formada por constituintes mais peque-
nos (constituintes imediatos) e todas as sequências podem ser constituintes
de um nível hierárquico superior. Preconiza-se aqui uma segmentação gradual
das sequências nos ditos constituintes imediatos. A célebre caixa de Hockett
é um exemplo de análise em constituintes imediatos:
um carro encarnado
comprei
Eu um carro encarnado
comprei um carro encarnado
Eu comprei um carro encarnado
Eu comprei um carro encarnado
um carro encarnado
comprei
Eu Art. N Adj.
V SN
SN SV
O
36
Em cada constituinte, será núcleo o segmento que evidencie as proprie-
dades distribucionais do todo.
O processo de reconhecimento das categorias dos constituintes decorre
do processo de segmentação prévia da oração em constituintes imediatos.
Chega-se assim ao conceito abstracto de estrutura, que é constituído pela
organização hierarquizada das categorias.
Uma mesma estrutura, digamos, por exemplo, «Sujeito/ Verbo/ Com-
plemento Directo», pode ser realizada em sequências cujos constituintes
apresentam estruturas internas multivariadas, como:
37
ciário, paciente, objecto, instrumento; e no nível das funções informa-
tivas, as unidades serão, entre outras, tema, rema, foco 6.
Numa gramática de funções, haverá a distinguir na análise das estrutu-
ras sintagmáticas, as funções, as relações e os functivos, isto é, elementos
de três ordens distintas.
Os functivos são as magnitudes sintagmáticas, que, independentemente
da sua extensão e categoria morfológicas, assumem o espaço de uma dada
função sintáctica como nós ou terminais de uma relação, relação esta que,
seguindo a proposta de Hjelmslev (1943: 55-64), poderá ser de constelação,
de dependência ou de interdependência.
A noção de núcleo assume um papel preponderante, na medida em que
é este o elemento subordinante.
Acresce ainda que, no presente, a noção de valência 7 como restrição
combinatória das unidades é aceite em larga medida, não só pela maior parte
das escolas funcionalistas, como por algumas escolas gerativistas.
O quadro da página seguinte permite uma visualização contrastiva da
caracterização de sintaxes categoriais e sintaxes funcionais que acabámos
de referir.
O que distingue as sintaxes funcionais das sintaxes categoriais poderá, à
primeira vista, ocultar-se sob a aparente comunhão de princípios.
Porém, radicam-se em bases diferentes os dois percursos analíticos. As
sintaxes funcionais subordinam o estabelecimento das categorias às funções,
enquanto as sintaxes categoriais partem sempre do conceito de categoria.
A segmentação visa, numa sintaxe de categorias, relacionar os constituin-
tes com uma determinada categoria. A noção de hierarquia adoptada pelas
sintaxes categoriais foca apenas a dimensão inclusiva. Em nada se relaciona
com a noção de dependência, uma vez que as relações hierárquicas que se
estabelecem entre os constituintes são só de parte-todo ou todo-parte. Nas
relações parte-parte tudo se situa no mesmo nível, ou seja quando se fala de
núcleo e expansões, está-se sempre no mesmo nível hierárquico, não se esta-
belecem relações de subordinação (cf. Gutiérrez, 1997 a: 31).
6
Veja-se, sobre este tema, o capítulo intitulado Funções, onde criteriosamente se decidiu
tratar os três níveis de funções.
7
O conceito de valência está já presente na obra de Tesnière, de 1959, Eléments de syntaxe
structurale embora só mais tarde ganhe o valor teórico que hoje se lhe reconhece (usámos a
edição de 1982). O conceito é reapreciado em 1.5.
38
Sintaxes categoriais Sintaxes funcionais
1. Reconhecem a organização estrutural 1. Reconhecem a organização estrutural
do enunciado, uma vez que a mensagem do enunciado.
não é reduzida a expressão linear.
2. Distinguem estrutura e morfemas. 2. Distinguem-se funções como nós ou ter-
minais de relações, relações e functivos.
3. As sequências linguísticas são analisa- 3. A ordem estrutural é mais complexa
das nos seus constituintes. que a ordem linear e desdobra-se em,
pelo menos, três níveis funcionais: formal,
semântico, informativo.
4. As relações entre os constituintes de um 4. A segmentação dos enunciados obedece
nível superior e de um nível inferior são de a relações de constelação ou coordenação,
inclusão. relações de dependência ou subordinação
e relações de interordenação. São relações
parte/parte e não parte/todo.
5. A segmentação dos enunciados obedece 5. Os elementos de cada magnitude depen-
ao ordenamento hierárquico que os estru- dem ou subordinam-se a um núcleo.
tura.
6. As magnitudes que apresentam a mesma 6. Os elementos possuem virtualidades
estrutura constituem uma categoria. Cada combinatórias que restringem as relações
constituinte pertencerá a uma dada cate- que podem assumir.
goria
8
Cf., por exemplo, 1983, Aspectos básicos de sintaxis funcional.
39
ainda como propósito deliberado a descrição exaustiva das funções semân-
ticas e informativas.
O carácter de continuidade, mas em simultâneo de inovação, valoriza
para nós muito favoravelmente a proposta do funcionalismo desenvolvido
por Salvador Gutiérrez, que preconiza uma teoria sintáctica que se preocupe
com o nível das funções formais e também com o das funções semânticas e
informativas. É este o caminho que também a nós nos parece mais adequados
para as presentes e futuras investigações em linguística funcional.
9
Cf. Tesnière, 1982, Eléments de syntaxe structurale, Paris, Klincksieck, pp. 16-20.
40
A feitura de uma tese de doutoramento implica, regra geral, que o dou-
torando tenha um orientador, estabelecendo-se entre eles uma relação de
orientação:
Relação de
orientador orientação orientando
10
J. T. Platt, Grammatical Relations and Grammatical Meaning, 1971, pp. 1-5, ap. Gutiérrez,
1997 a, p. 82.
11
Pensemos, por exemplo, nas diferenças que há entre falar em Presidente da República
e falar em Jorge Sampaio. Efectivamente, o cidadão Jorge Sampaio pode ocupar o cargo de
Presidente da República Portuguesa, mas o cargo existe em abstracto, independentemente dos
cidadãos concretos que já o ocuparam, ocupam ou virão a ocupar.
41
Numa estrutura funcional diferenciamos relações, funções e functivos.
Tome-se como exemplo uma estrutura em que a função sujeito é assumida
por mais de um functivo, e o mesmo acontece com o núcleo oracional:
Os ventos que
assolaram o derrubaram nas
norte do país
42
Ou seja, a mesma estrutura sintagmática pode ser preenchida por
functivos muito diferentes, que sempre se mantêm as funções e as rela-
ções entre eles, como invariantes que são. Os functivos são todos os signos
que possam desempenhar uma função linguística12. As funções sintácticas
abstractas são como casas vazias prontas a serem ocupadas, não dependem
do significado concreto dos sintagmas que as actualizam. Estamos perante
um importante factor de economia, na medida em que um mesmo sintagma
pode preencher múltiplas funções e que segmentos muito diferentes, quer
formal quer semanticamente, podem funcionar como sujeitos:
CD “paciente”
CI “força”
SUPLEMENTO “instrumento”
CC “beneficiário”
ATRIBUTO “termo”
12
Gutiérrez define-os como: «las magnitudes lingüísticas que contraen una función sin-
táctica», ou, por outras palabras, «denominamos funtivo a toda a magnitud, simple o compleja,
que encarna, representa o llena una función sintáctica abstracta para convertirla en función
sintáctica concreta.» 1997 a, respectivamente 536 e 395.
13
Cf. Martinet, «Cas et fonctions», La linguistique, 8/1, 1972, pp. 9-16; idem, Studies in
Functional Syntax, 1975, pp. 89-100; idem, «Les fonctions grammaticales», La linguistique, 13/2,
1977, pp. 3-14.
43
o uso geral, em que certamente encontramos um número exponencialmente
superior de diferenças, cingindo-nos ao domínio linguístico, vemos que são
hoje vários os sentidos que se atribuem a «função». Na prática dos próprios
linguistas funcionalistas há que distinguir a função, no sentido lato, e a
função das unidades de primeira articulação situadas em contexto. A função
das unidades significativas, a qual é distinta da sua natureza, é o que nos
ocupará de seguida.
14
Em sentido mais abrangente, a sintaxe é «o exame da maneira como, partindo da line-
aridade do enunciado, se pode reconstituir tanto na sua globalidade como na sua pluridimen-
sionalidade, a experiência que dá lugar à mensagem», Martinet, 1995: 97-98.
15
V. Martinet, «Les fonctions grammaticales», La linguistique, 13/2, 1977, p. 13.
44
relacionados. Para que exista uma relação, pressupõem-se dois termos. As
relações de determinação16 que Martinet considera são relações de subor-
dinação em que o termo subordinado determina o subordinante: A existe
sem B, mas B não existe sem A. Concebendo o verbo como o monema em
função do qual se ordenam as relações sintácticas da frase, caberá distinguir
as funções dos vários «complementos verbais». Se uma função é uma relação
de entre várias possíveis entre dois elementos, dir-se-á, por exemplo, que a
função «complemento directo» é uma das relações que se estabelece entre
um monema da classe dos nomes e um monema da classe dos verbos. Em
Tinha perdido o livro, entre livro e perder delineia-se a função de «comple-
mento directo».
Na prática funcionalista, porém, instaurou-se o uso de referir que o
substantivo livro está em função de «complemento directo» ou tem a «função
de complemento directo», ou seja, a função atribuída à relação entre os dois
termos é mais especificamente relacionada com o elemento determinante, o
elemento subordinado 17. O termo função fica, como tal, em Martinet, restrin-
gido a uma relação de sentido (direcção) único que se estabelece do determi-
nante para o determinado.
Nesta perspectiva, não se fala de função predicativa, pois aqui estaría-
mos a usar a direcção de relação de determinado para os seus determinantes.
Se aplicássemos o termo função a este tipo de relação, haveria lugar a distin-
guir na função predicativa várias subfunções, como «sujeito», «complemento
directo», «complemento indirecto», etc. Prefere-se, então, falar de papel
predicativo ou uso predicativo, reservando o termo função exclusivamente
para as funções gramaticais que se estabelecem de determinante ou satélite
a determinado ou núcleo18. A distinção entre unidades susceptíveis de usos
predicativos e outras não susceptíveis de tais usos, não coincide invariavel-
mente com a tradicional distinção passível de ser estabelecida entre verbo e
16
Em termos funcionalistas da escola de Martinet consideram-se apenas relações de subor-
dinação e de coordenação. Sobre as relações de coordenação cf. Martinet (org.), 1979, p. 16 e
idem, «Les fonctions grammaticales», La linguistique, 13/2, 1977, pp. 111-12.
17
Martinet aponta claramente esse desfasamento entre teoria e prática: «La fonction étant
un rapport, elle présuppose deux termes. On devrait donc dire par example «la fonction objet
est un des rapports qui s’établit entre le substantif et le prédicat». Mais l’usage, qui s’est imposé
aux fonctionnalistes, est tout autre… la fonction est attribuée à l’élément subordonné», op. cit,
nota 3, p. 12.
18
Cf. Martinet, « O ponto de vista funcional em gramática», in Função e dinâmica das
línguas, p. 96.
45
substantivo, como conclui Martinet ao mencionar os empregos predicativos
de substantivos. Daí releva todo o interesse em reservar o termo verbo para
referir os monemas que só conhecem usos predicativos19.
19
No latim Paulus bonus, bonus não sendo verbo apresenta um emprego predicativo, seme-
lhante ao que se atesta em português em sequências como Grande cão. Vejam-se as reflexões de
Martinet a propósito da distinção «nomes/verbos». 1985, Elementos de linguística geral, p. 132.
Sobre a oposição verbo-nominal em diversas línguas do mundo, cf. o número inteiramente dedi-
cado à questão de Modèles Linguistiques, 1984, tomo VI, 1, Presses Universitaires de Lille, 248 p.
De entre outros, destacamos os interessantes artigos de C. Clairis, G. Lazard, D. François e
A. Culioli, todos reunidos no referido volume de Modèles Linguistiques.
20
A função como espaço sintáctico corresponde ao que na tagmémica se designa como
«slot», ao passo que o elemento concreto que preenche a função se designa como «filler».
Cf. J. T. Platt, 1971, Grammatical Relations and Grammatical Meaning, North-Holland, pp. 1-5,
ap. S. Gutiérrez, 1997, Principios de Sintaxis Funcional, Madrid, Arco Libros, p. 82.
21
Sobre os conceitos de função abstracta e de função concreta cf. Gutiérrez, 1997 a, p. 77.
22
Cf. Gustave Guillaume, 1943-44, Leçons de Linguistique, Québec/Lille, Les Presses de
l’Université Laval et Presses Universitaires de Lille, p. 47 «Il ne devient pleinement verbe qu’avec
la détermination du rang de la personne».
23
Cf. Martinet, Grammaire Fonctionnelle du Français, p. 159 e Sintaxe Générale, p. 182.
46
que caracterizará o uso dos verbos. Consideraremos funções específicas, as
funções 2 e 3, que faremos coincidir com os denominados «complemento
directo» e «complemento indirecto». De entre as funções não específicas, ou
seja, as que se verificam independentemente do verbo em causa, considera-se
a função 1 («complemento sujeito») e a função facultativa 4, também, grosso
modo, equivalente ao tradicional «complemento circunstancial».
A designação que se atribui às funções é puramente convencional, as
funções podem ser referidas como 1, 2, 3, 4 24, o que corresponderá aos
tradicionais «sujeito», «complemento directo», «complemento indirecto» e
«complemento circunstancial».
24
Esta designação é a preferida por alguns funcionalistas espanhóis, como César Hernández
Alonso, 1996, Gramática Funcional del Español, Madrid, Gredos e tem sido também usada em
Portugal, nomeadamente por Jorge Morais Barbosa e Maria Joana Vieira Santos (vide biblio-
grafia).
47
F1 Núcleo F2
3.ª pessoa partiu o copo
«agente» «acção» «paciente»
25
���������������������������������������������������������������������������������������
Cf. «… interpretamos que en la función A de la estructura X pueden entrar tantos funti-
vos pertenecientes al paradigma de los nombres o de los adjetivos…», Hernández, 1983, «Sobre
el concepto de función», in Serta Philologica F. Lazaro Carreter, Cátedra, p. 266.
48
As funções sintácticas preexistem aos functivos concretos que as possam
assumir, como já se disse anteriormente.
As funções sintácticas ordenam a estrutura hierárquica do enunciado.
Um mesmo sintagma pode representar distintas funções tal como uma
mesma função pode ser assumida por muitos functivos diferentes. Distin-
guimos funções sintácticas abstractas e funções sintácticas concretas. As
primeiras são espaços vazios prontos a serem ocupados, que impõem certas
exigências aos seus constituintes, nomeadamente, exigências de natureza
categorial e de natureza formal. Uma determinada função pode rejeitar
certas categorias sintagmémicas e exigir determinados índices funcionais
(a função sujeito rejeita ser assumida por adjectivos e advérbios; a função
complemento indirecto só rejeita o índice preposicional /a/ quando assumida
por functivos pronominais).
As funções sintácticas concretas não são já espaços vazios, mas sim os
espaços sintácticos preenchidos por functivos.
49
1.3.3 A estrutura funcional articula-se em vários níveis
26
A propósito de níveis ou planos linguísticos também Trnka refere: «The complicated
reality of linguistic signs cannot be grasped merely by its being split into “signifié” and «sig-
nificant», without a basic regard to the hierarchy of linguistic planes (levels)», Bohumil Trnka,
1961, «Principles of morphological analysis», Philologica Pragensia, 1, p. 129.
50
relacionam-se com a experiência extra-linguística, com o mundo social do
Homem, são generalizações como «ser vivo», «qualidade», «acção» (op. cit:
226), ou seja, referem-se ao «mundo semiótico».
O nível informativo está, na perspectiva de Daneš, ligado ao próprio
acto de comunicação e torna possível perceber o funcionamento das estru-
turas gramaticais e semânticas.
Durante algum tempo subsistiu na linguística estruturalista a ideia de
que sintaxe e semântica seriam conceitos antagónicos, o que explica também
o facto de numa primeira época grande parte dos estudos estruturalistas se
caracterizarem por um anti-semanticismo constante.
As investigações sobre o nível semântico estão longe de atingir o mesmo
patamar que a investigação sobre o nível sintáctico. Os trabalhos de semân-
tica estrutural abordam principalmente as restrições das classes semânticas
enquanto os gerativistas se ocupam das restrições de selecção na abordagem
das incompatibilidades do conteúdo 27.
27
As funções semânticas como agente, instrumento, beneficiário, mereceram posterior-
mente aos anos 60 alguma atenção. Disso são testemunho Fillmore em 68, com o estudo dos
casos, Martinet com a relevância dada à axiologia e S. C. Dik com a escola Funcionalista de
Amesterdão, escola que reafirma a importância da dimensão semântica a par das dimensões
sintáctica e informativa (cf. Gutiérrez, 1997 a: 101).
51
Todas são anómalas 28, mas em níveis diferentes. 1 e 2 violam relações
semânticas uma vez que a ovelha não pode morder, nem a árvore subir esca-
das. Em 3 é no nível da organização formal que se verifica uma sequência
inaceitável. Na frase 1 A ovelha é o sujeito de mordeu, porém é anómalo
que seja o seu agente, isto é, este functivo concreto não viola as regras sintác-
ticas, apenas as semânticas.
Numa perspectiva funcional, sujeito é uma noção relacional, designa
somente uma forma de comportamento sintáctico.
As funções semânticas são categorias gerais atinentes a processos e
comportamentos da experiência humana como agente, paciente, benefi-
ciário, etc. Não há uma relação directa e unívoca entre funções sintácticas
e funções semânticas. Podemos ter sujeitos que são agentes e sujeitos que o
não são:
O João partiu o vidro.
O João recebeu uma medalha de mérito.
28
Obviamente, mesmo a aceitabilidade semântica é condicionada pelo universo de refe-
rência. No imaginário infantil, na poesia, na banda desenhada, a ovelha «pode morder» o cão e
a árvore «pode subir» escadas.
29
Aflorámos aqui apenas alguns conceitos básicos. No capítulo 3 – Funções, veja-se o
sub-ponto que se ocupa das funções semânticas.
30
Tratando-se aqui de conceitos básicos, remetemos também para o ponto 3.3 em que se
tratam as funções informativas.
52
Na própria pergunta há também informação nova e informação conhecida:
31
Estes conceitos, introduzidos por Charles Hockett, são próximos dos conceitos de Tema/
rema.
53
Não há correferência em:
54
que para além dos níveis que se ocupam da informação codificada, devemos
atender a um nível onde a informação referencial e intencional marcam pre-
sença, ou seja, para além da codificação da mensagem, locutor e alocutário
devem fazer apelo ao raciocínio inferencial. Estas e outras questões ligadas
a este nível serão abordadas no capítulo dedicado à sintaxe de enunciados.
32
Cf. em especial o exposto por Salvador Gutiérrez Ordóñez em «Categorías y clases en
sintaxis funcional», conferência de encerramento do VI Congreso de Linguística General, reali-
zado em Santiago de Compostela em Abril de 2004. Texto gentilmente cedido pelo autor.
33
Lamentavelmente não possui o português um estudo como o que para o espanhol fez
Gómez Asencio sobre as categorias verbais (1981) interessante estudo para um adequado conhe-
cimento do conceito na história das ideias linguísticas.
55
A unidade mínima da análise inter-sintagmática será o sintagma ou
sintaxema, definindo-se este como a magnitude mínima capaz de desem-
penhar uma função sintáctica.
O conceito de função sintáctica precede e determina teoricamente o
conceito de categoria sintáctica ou funcional. Todo e qualquer sintagma que
exerça a mesma função, ainda que diferente do ponto de vista formal deve
ser adscrito à mesma categoria sintáctica. Gutiérrez 34 oferece a seguinte defi-
nição de categoria sintáctica: «pertenecerán a la misma categoría todos
los sintagmas (simples o complejos) que estén capacitados para con-
traer las mismas funciones sintácticas abstractas» (1997 a: 190).
Neste aspecto será importante trazer à colação algumas das posturas
sobre determinadas categorias.
Quais são as categorias sintácticas que devemos identificar? Estas
definem-se pelos seus comportamentos e não podem ser confundidas com
categorias sintagmémicas ou outras cuja classificação se baseie na forma.
Tomemos o caso do dito «sintagma preposicional». Tal designação é mera-
mente formal e remete apenas para a presença de uma preposição. Portanto,
uma semelhante classificação apenas se poderá opor legitimamente a «sin-
tagma não preposicional». Será inaceitável falar de uma categoria sintáctica
«sintagma preposicional» ao lado de categorias como sintagma nominal,
sintagma adjectival, sintagma verbal e sintagma adverbial. Tais caracte-
rísticas pertencem a ordens caracterizadoras distintas. Uma preposição não
pode ser o núcleo de um sintagma, sendo este a unidade sintáctica. Decorre
deste raciocínio que ao falarmos de sintagma nominal, sintagma adjectival,
sintagma verbal, sintagma adverbial estamos a falar de uma categoria sintác-
tica, que não coincide com os conceitos de nome, adjectivo, verbo, advérbio,
até porque os referidos sintagmas podem ter tal categoria sintáctica obtida
por transposição.
Se o monema é a unidade de primeira articulação, ele não é enquanto tal
a unidade sintáctica. A unidade de função sintáctica é o sintagma, podendo
este na sua extensão coincidir com um monema. A problemática em torno da
unidade mínima da sintaxe que parece opor alguns funcionalistas, nomea-
damente a escola francesa martinetiana e a escola espanhola seguidora de
Alarcos, poderá ser esbatida se adoptarmos a postura de Morais Barbosa
34
Vejam-se em particular os textos «Unidades de función sintáctica», «Sobre las unidades
gramaticales», in Principios de Sintaxis Funcional, 1997 a: 394 a 414 e 415 a 437.
56
sobre a questão 35. Para este linguista, a divergência relaciona-se com os dife-
rentes planos onde se situa a análise, uma vez que são igualmente verda-
deiras as afirmações de que a sintaxe opera com as unidades significativas,
ou seja, os monemas, ocupando-se das relações dos constituintes das frases,
isto é, os functivos, que na maior parte dos casos não correspondem a mone-
mas, mas a sintagmas de natureza muito variável.
São quatro, como dissemos, as categorias funcionais: sintagma nomi-
nal, sintagma adjectival, sintagma verbal e sintagma adverbial. Não há
qualquer identificação entre categorias sintagmémicas e categorias funcio-
nais, como se pode depreender da análise dos seguintes enunciados onde se
apresentam em itálico os sintagmas que integram a categoria nominal por
partilharem a possibilidade de assumirem a função sujeito:
35
������������������������������������������������������������������������������������
Cf. Jorge Morais Barbosa, 1998, «Détermination épithétique et détermination prédica-
tive», La linguistique, 34-2, pp. 15-20, especialmente p. 18.
57
Que Sim
O sim da noiva Ricos/pobres
Quem vai à guerra
A
Ricos e pobres
Que me beijes
Eu
O que tu queres
Eles
36
A nossa concepção de categoria funcional, que perfilhamos nos termos de Gutiérrez,
corresponde ao que Rojo e Jiménez (1989: 96) apelidam de classe paradigmática: «pertenecen
a la misma clase paradigmática todas las cadenas que contraen relaciones paradigmáticas, es
decir, todas las cadenas que pueden aparecer en el mismo hueco funcional», Fundamentos del
análisis sintáctico funcional.
58
pertence a magnitude não são determinantes para a identificação da cate-
goria funcional.
As categorias funcionais agrupam as unidades com os mesmos compor-
tamentos sintácticos. Distinguimos quatro categorias: Sintagma Nominal,
Sintagma Adjectival, Sintagma Verbal e Sintagma Adverbial.
As classes são conjuntos dentro das categorias, ou seja, são «subcon-
juntos de las categorías formados por elementos que comparten unas mismas
características y propriedades valenciales» (Gutiérrez, 2004: 6).
Estas propriedades valenciais manifestam-se de três formas diferentes 37.
Distinguimos valência funcional, valência semântica e valência formal, daí
que sejam também três os tipos de classes que se consideram:
37
Veja-se Gutiérrez, 1997 a, «Sobre las categorías, las clases y la transposición», pp. 123‑160.
38
Sobre o conceito de valência cf. Gutiérrez, 1979, Linguística y Semántica, pp. 76-77.
Veja‑se também Coseriu, Principios de Semántica Estructural, especialmente pp. 175-176.
59
Os sintagmas, tal como os elementos químicos, possuem uma valência
que dita ou prescreve a sua combinatória, ou seja, reconhece-se claramente
que a semântica pode permitir uma explicação mais exaustiva dos fenó-
menos sintácticos 39, como explicita Gutiérrez ao afirmar: «la teoría de la
valencia, al igual que cualquier gramática de base léxicosemántica, aporta
una visión importante y complementaria de la sintaxis» (Gutiérrez, 2002 a:
299). A valência inclui não só especificações semânticas mas também pres-
crições sintácticas 40.
A B
A B
39
Gutiérrez expressa em vários artigos esta posição. Veja-se, entre outros, quer um artigo
de 1978 como «Construciones N de N: sintaxis y semántica», quer os mais recentes como
«Gramática y modificaciones valenciales» e «Participio y diátesis pasiva», in 2002 a, Forma y
sentido en sintaxis.
40
Sobre modificações valenciais veja-se neste trabalho o capítulo sobre Funções Semânticas.
41
V. Hjelmslev, 1969, Prolegomena to a Theory of Language, Madison/London, The Univer-
sity of Wisconsin Press, p. 33 e ss.
60
Se A e B estabelecem entre si uma relação de coordenação, esta relação
será visualizada através de uma linha que liga os dois elementos:
A B
A B
42
«We can define interdependence as a function between two constants, determination
as a function between a constant and a variable, and constellation as a function between two
variables». Hjelmslev, op. cit., 1969, p. 35.
61
As relações entre A e B podem ser de vário tipo, como vimos no gráfico
acima, serão de constelação ou coordenação, de dependência ou subordi-
nação e de interdependência.
Haverá uma relação de constelação ou coordenação se a comutação
por zero de A ou de B por zero, desde que não simultânea, não anula a função
que C contrai em relação a D.
C D
A B
C D
A B
C D
A B
C D
A B
62
Estamos perante uma relação de interdependência sempre que a
comutação por zero, quer de A quer de B implica o desaparecimento de C
e logo invalida a relação com D:
C D
A B
C D
A B
63
A gramática tradicional distinguia coordenação de justaposição, porém,
em termos funcionais, ao aplicarmos a prova da supressão, verificamos com-
portamentos idênticos.
Observem-se as sequências:
* Perdeu da garagem.
* Regressaram terminada.
* Regressaram a vindima.
64
1.7 Núcleo
Veja-se, entre outros, Matthews, 1981 e Escribano, 1990.
43
65
Na teoria linguística funcional aqui em apreço, a determinação do
núcleo baseia-se na prova de comutação por zero.
Esta prova da comutação por zero depara-se com o problema da elipse,
seja gramatical ou discursiva, problema que retomaremos em 1.8.
A noção de núcleo é crucial na teoria linguística de Gutiérrez, além
de que, tem vindo a ser alvo de maior interesse por parte da comunidade
linguística em geral.
Podemos concluir que em Gutiérrez:
«�����������������������������������������������������������������
La lengua dispone de procedimientos y transformaciones que permi-
ten al usuario anular momentánea o definitivamente un funtivo o incluso el
mismo hueco funcional que lo alberga» (Gutiérrez 2002 a: 249).
A elipse é um estado de latência, mais do que uma supressão ou anula-
ção, pois o functivo, apesar de não ser expressado fonicamente, está latente.
Na elipse há um constituinte que não se realiza, apesar de se referir
a um espaço funcional activado. Com efeito, a elipse só afecta o plano do
significante, não o plano do significado nem o plano funcional. A elipse pode
ser originada por valores contextuais, gramaticais e informativos (Gutiérrez,
2002 a: 249).
Vejamos exemplos de elipses contextuais, gramaticais e informativas:
– Temos uma elipse contextual em [os cães] Correm no jardim.
– Um esvaziamento em Eu gosto do campo e ela [gosta] de praia.
Temos uma elipse informativa no seguinte exemplo:
– A que horas é o concerto?
– [O concerto é] Às 21.30h.
Na elipse, o falante deixa que seja o ouvinte a recuperar certas magni-
tudes, na sua actividade discursiva, a partir do contexto, por inferência ou a
66
partir de regras do próprio texto. O falante considera desnecessária a concre-
tização fónica da sequência dado que a mesma é facilmente recuperável.
Por exemplo, veja-se uma elisão do functivo sujeito e não da função no
seguinte exemplo:
44
Veja-se capítulo 4, ponto 4.3 deste trabalho.
67
Louis Hjelmslev, em 1943, apresenta a catálise como um procedimento
de recuperação de elementos, pois no discurso dão-se acidentes de fala, abre-
viaturas, ausências, aposiopesis, etc.
Como refere Rodríguez Díez (Rodríguez, 1991: 8-9): «En el nivel en que
se efectúa el análisis sintáctico hablaremos de elipsis cuando un elemento
(un funtivo: verbo, sustantivo, adjetivo o adverbio, o un funcional, transpo-
sitor o conector) falta porque las propias reglas de la sintaxis, que en ese enun-
ciado concreto se actualizan, exigen la presencia de ese elemento elidido».
O mais importante será determinar quando se deve falar de catálise.
Em sequências como Cuidado!, Socorro!, Muito bem!, não podemos
falar de perda de functivos. A questão da existência de segmentos elididos
pode apenas ser compreendida a partir de uma posição logicista, logo não
se justifica que se fale em catálise, pois não estamos perante qualquer elipse.
Nas chamadas orações impessoais, como
também não se deve postular uma elipse. Se é certo que toda a acção pres-
supõe um actor, é também certo que a língua portuguesa, tal como outras,
disponibiliza ao falante recursos linguísticos que permitem falar da acção
sem mencionar o agente.
Em sequências como Trabalha; A Luísa escreve; A Carla enviou os con-
vites de casamento, o falante não considera necessário actualizar algumas
das funções argumentais do verbo:
[O Rui] trabalha.
A Luísa escreve [frases bonitas].
A Carla enviou os convites de casamento [aos amigos].
68
O homem bonito, o irmão rico, o filho inteligente, parece ser teoricamente
mais simples e conveniente falar de transposição nominal 45.
Hernánz e Brucart (op. cit., 137) falam de «elisão de SV com partícula
de polaridade». Vejamos a propósito algumas sequências como:
Os Veiga viveram em África e os Lopes também.
A mim interessa-me saber mesmo que a ti não;
Se o pai não se importa, a mamã sim.
Nestas sequências os advérbios são a única marca do predicado elíptico:
também, não, sim.
1.9 A Transposição
Cf. a questão das transposições nominais no capítulo dedicado ao Sintagma Nominal.
45
Veja-se adiante capítulo 2 deste trabalho.
46
69
1.9.1 Conceito e componentes
Categoria X
Transpositor Base
«Nova» categoria
47
Cf. L. Tesnière, 1969, Éléments de Syntaxe Structurale, Paris, Klincksieck, p. 364.
48
Autores funcionalistas, como César Hernández, defendem que qualquer categoria está
capacitada para desempenhar qualquer função. Cf. 1994, Gramática Funcional del español,
Madrid, Gredos.
70
Vejamos exemplos de transposição:
A trela do cão
o cão
de o cão
Sintagma adjectival
1.9.4 Economia
A concentração estudantil
A concentração dos estudantes
A concentração policial
A concentração dos polícias
71
A concentração dos que tinham vindo de Espanha
A concentração que os polícias fizeram
A concentração feita pelos estudantes
1.10 Conclusão
72
2
Enunciado, frase verbal ou oração
e níveis oracionais. Categorias funcionais
1
Não estamos perante conceitos sinónimos, embora o uso os confunda.
2
Não há dúvida de que existem relações sintagmáticas supraoracionais. Seguindo
Gutiérrez, «Asumimos como evidencia demostrada científicamente que más allá de los límites
del enunciado existen relaciones de carácter combinatorio». Ver Gutiérrez, 1997 a: 580.
73
2.1.1 O enunciado linguístico
Signo enunciativo
Verbal
Enunciado linguístico Nominal
Esquema sintagmático
Adjectival
Adverbial
Vejam-se os exemplos:
3
Quando digo: Luísa, está frio. Calça os sapatos,posso, conforme a situação, estar a fazer
um pedido, a dar uma ordem, ou a repreender a minha filha (a quem já disse três ou quatro
vezes que calçasse os sapatos) (cf. Gutiérrez, 1997 b: 370)
4
Seguimos o proposto por Gutiérrez em 1978: «A propósito de Cláusulas y Oraciones» e
reelaborado em trabalhos posteriores. Cf. «La determinación de los niveles oracionales». Ambos
os textos se encontram em S. Gutiérrez, 1997 b, La oración y sus funciones, Madrid, Arco Libros,
pp. 23 a 39 e 368 a 426.
74
enunciado. Todas as sequências seguintes, independentemente da sua exten-
são, constituem enunciados:
a) Compraste?
b) Compraste o livro?
c) Compraste o livro sobre animais?
d) Compraste o livro sobre animais de que falámos no Domingo?
e) Ontem compraste o livro sobre animais de que falámos no Domingo
depois de almoço?
f) Ontem compraste o livro sobre animais de que falámos no Domingo
depois de almoço enquanto davas a vacina ao cão?
75
Os quatro esquemas sintagmáticos, respectivamente verbal, adjectival,
nominal e adverbial, combinam-se, no exemplo apresentado, com as moda-
lidades assertiva e interrogativa, produzindo oito possíveis enunciados,
número que aumentará exponencialmente quando os mesmos esquemas
sintagmáticos são combinados com as modalidades exclamativa e impera-
tiva (cf. Gutiérrez, 1997b: 70).
Um enunciado linguístico pode incorporar no seu esquema sintagmá-
tico um outro enunciado linguístico dotado de um signo enunciativo idêntico
ou diferente do signo enunciativo do enunciado em que se insere.
Veja-se a sequência:
carochinha cantou: Quem quer casar com a carochinha que é
A
bonita e formosinha?
Teremos a modalidade interrogativa dentro da modalidade assertiva:
Modalidade assertiva
Modalidade interrogativa
A carochinha cantou «Quem quer casar com a carochinha que é
bonita e formosinha?»
SINTAGMÉMICA
Relações internas
SINTAGMA
Relações externas
SINTAXE
76
Na análise das relações intra-sintagmáticas estudar-se-ão as relações
combinatórias entre os constituintes do sintagma, concebendo-se este como
«magnitud mínima capaz de desempeñar una función sintáctica» (cf. Gutiér-
rez, 1997 a: 23):
Des- Fazer
5
Sobre o conceito de sintema, criado por André Martinet, veja-se, em especial, Marti-
net, André, 1967, «Syntagme et synthème», La linguistique, 2, pp. 1-14. Reproduzido em 1975,
Studies in Functional Syntax, München, Wilhelm Fink, pp. 182-195, e para o português, Maria
João Marçalo, 1995 c, «Synthèmes et unités qui tendent à la synthématisation dans la presse
portugaise», in Actas – XIX Colóquio Internacional de Linguística Funcional, Coimbra, Faculdade
de Letras, pp. 87-93, e ainda Marçalo, 1997 b e 1998.
6
Cf. Gutiérrez, 1997 a: 542 e Alarcos, Estudios de Gramatica Funcional, p. 298. A ordem
linear saussuriana foi alvo de reflexão e questionada por linguistas como Charles Hockett 1958:
151 ou Lucien Tesnière. Este último distingue ordem linear e ordem estrutural. A ordem estru-
tural será uma ordem a várias dimensões «enquanto a ordem linear tem apenas uma dimensão:
«L’ordre structural des mots est celui selon lequel s’établissent les connexions. Or les connexions
sont multiples… Il en résulte que l’ordre structural est à plusieurs dimensions…). La chaîne
parlée est à une dimension: Elle se présente comme une ligne. C’est là son caractère essentiel».
7
Gutiérrez assinala precisamente que esta é uma das hipóteses de trabalho que cada vez
maior número de investigadores perfilham, a hipótese de que «las combinaciones intersintagmá-
77
2.1.2 O enunciado pragmático
Pedido
Interrogação Ordem
Repreensão
ticas no sólo se hallan unidas por argamasa formal, sino que se unem también por medio de
vínculos semánticos y pragmáticos» (1997 b: 468).
8
Ofelia Kovacci refere-se à oração como uma entidade constituída por dois componentes
solidários, um componente sintáctico e um componente supra sintáctico ou figura tonal. Como
unidade modal, a oração manifesta uma atitude do falante, enunciativa, interrogativa, desidera-
tiva, etc. Cf. 1986, Estudios de Gramática Española, p. 25.
78
conceitos que são amiúde tomados como sinónimos sem mais preocupações
de ordem epistemológica. Referimo-nos aos termos «enunciado», «oração»,
«frase», «proposição», «cláusula» e «sentença». É indispensável contudo que
o façamos a fim de clarificar o quadro dos conceitos teóricos em que nos
movemos (cf. Gutiérrez, 1997 b: 15, 63, 368).
A grande questão que se coloca é a de saber se face ao conceito de enun-
ciado será necessário manter os conceitos de oração, frase, proposição, como
unidades diferentes.
9
�������������������������������������������������������������������������������������
Salvador Gutiérrez refere-se-lhes dizendo: «Las unidades fundamentales de esta disci-
plina, tan insatisfactoriamente definidas…», 1997, La oración y sus partes, Madrid, Arco Libros,
p. 23.
10
«Le problème terminologique est d’abord, au départ, un problème d’hygiène intellectuelle
et scientifique individuelle, un problème d’attitude épistémologique. Il fait partie des règles les
plus essentielles de la constitution de la conaissance», Georges Mounin, 1974, «Introduction au
problème terminologique», Dictionnaire de la linguistique, PUF, p. XIX.
11
Veja-se a propósito R. Lenz, 1935, La oración y sus partes, Madrid, 3.ª ed. Vejam-se
ainda os diversos dicionários de linguística, para se ter uma ideia da variação. Sobre a questão,
escreveu Herculano de Carvalho: «Na sintaxe (oração) é cada um dos termos ou componentes,
maiores da frase». Se a frase é mono-oracional podem coincidir em extensão frase e oração.
A frase, por sua vez é definida pelo mesmo autor, como designando «uma entidade significativa
79
ceito pré-teórico de geometria variável que urge delimitar. Consideramos que
só se torna possível e exequível uma definição estipulativa de frase, dado que
se trata aqui de um termo técnico e não da significação de frase no falar
corrente. Importa, pois, que a definição seja aceitável, coerente e razoável.
Os termos valem pela definição que lhe atribuímos em linguística, a qual não
deve ser influenciada pela utilização comum do termo. Na medida em que
definimos os termos com que trabalhamos, estaremos mais aptos a clarificar
os nossos utensílios de trabalho e os nossos conceitos operatórios.
Atribuímos a dificuldade em produzir uma definição de frase, aceitável
na generalidade, à diversidade de critérios aplicados e de estruturas exibidas
pelos objectos concretos designáveis como frase. Há assim uma complexifi-
cação crescente, aduzida, de um lado, pela dificuldade demonstrada pelas
várias definições em seleccionar um ponto de vista que abarque todas as
variedades designadas por frase e, de outro, pela dificuldade em identificar
no discurso concreto, as propriedades delimitadoras de frase.
A frase é um tipo particular de unidade? Como são constituídas as
frases? Será a frase passível de ser descrita sem que sejamos obrigados a sair
do âmbito da sintaxe? Perguntas semelhantes a estas foram já alvo de discus-
são num dos Colóquios organizados pela Société Internationale de Linguis-
tique Fonctionnelle12.
Destaca-se no plano teórico a contribuição de André Martinet em
«Reflexions sur la phrase» (id.: 28 a 31). Martinet não aceita uma definição
de frase que atenda à consideração da curva melódica, pois tal implicaria,
para o autor francês, sair do seio da sintaxe estrita. Martinet defende que não
podemos ignorar as alterações melódicas que acompanham a produção de
um qualquer enunciado, as pausas, os gestos, o tom de voz, etc. Todos estes
factores aos quais se reconhece existência, estão fora do âmbito da dupla
articulação da mensagem e escapam à análise dos significantes em unidades
80
discretas. O reconhecimento da existência de tais características, não deverá
contudo interferir na distinção categórica dos fenómenos linguísticos e para-
linguísticos, do discreto e do contínuo.
As definições semânticas, recorrentemente usadas nas obras escolares
são, segundo o nosso ponto de vista, pouco desejáveis e largamente inopera-
tórias. Seguramente mais interessantes numa perspectiva funcionalista são
as concepções produzidas a partir de critérios formais e funcionais.
Muitas das definições que encontramos conjugam as características
formais e as características semânticas13.
As definições funcionais atendem ao tipo de relações que se estabelecem
no interior da frase.
Não sendo aqui nosso objectivo proceder a um tipo de levantamento
exaustivo, diremos que as várias definições se agrupam em pelo menos cinco
grandes tipos:
13
Assim Otto Jespersen interpreta a frase, a que na sua terminologia chama nexus, como
expressão completa e independente. Cf. Jespersen, La philosophie de la grammaire, p. 148.
14
É deste tipo a definição de «sentence» dada por Bloomfield «It is evident that the
sentences in any utterance are marked off by the mere fact that each sentence is an independent
linguistic form, not included by virtue of any grammatical construction in any larger linguistic
form», Language, p. 170. Todo o capítulo 11 «Sentence-Types», pp. 170 a 183 é bastante fecundo
e interessante. Meillet, discípulo de Saussure, na mesma linha, define frase como «un ensemble
d’articulations liées entre elles par certains rapports grammaticaux et qui, ne dépendant gram-
maticalement d’aucan autre ensemble, se suffisent à elles mêmes», 1903, Introduction à l’étude
comparative des langues indo-européennes, p. 326, ap. Martinet, 1985, Syntaxe générale, p. 15.
81
uma unidade portadora de sentido em situação ou contexto, não exibe,
obrigatoriamente, uma organização em relação a um monema verbal15.
15
É o que vemos traçado por Morais Barbosa, nomeadamente em «Détermination épithé-
tique et détermination prédicative», La linguistique, 1998, 2, pp. 15-20. Cf. Santos, 2003: 57.
16
A designação é de B. Pottier, 1974, Linguistique Générale, p. 33.
17
Cf Gutiérrez, 1997 a: 402; Alarcos, 1994: 225 e ss. e Bechara, 1999: 406 e ss.
18
Gutiérrez, 1984, «Es necesario el concepto «oración”?, Revista Espanõla de Linguistica,
14.2, pp. 23-28. Reproduzido em 1997, La oración y sus funciones, pp. 40-65.
82
4) É uma unidade composta por signos de dois tipos, formulações e
esquemas sintagmáticos, que entre si estabelecem relações.
5) As formulações ou signos enunciativos são constituídos por signi-
ficante e significado, respectivamente, os contornos melódicos e os
modos enunciativos (a afirmação, a interrogação, a exclamação, o
imperativo)
6) O signo enunciativo integra o esquema sintagmático no acto da
comunicação e assim dota o enunciado de função comunicativa.
a) Trouxeste o livro.
b) Trouxeste o livro?
c) Trouxeste o livro!
Ibidem, pp. 13 a 22.
19
1985, Syntaxe générale, p. 85 e ss.
20
83
No entanto, o que se verifica nas línguas conhecidas é um procedimento
comparativamente muito mais económico, o da existência de um nó central
determinado por expansões.
A comunicação, como facilmente se comprova, pode estabelecer-se per-
feitamente sem que estejamos perante frases verbais:
84
Estes três níveis não devem ser confundidos com funções. Os circuns-
tantes tal como os aditamentos ou circunstanciais e os argumentos são
órbitas em que podem girar diferentes funções sintácticas (cf. Gutiérrez,
1997 b: 390).
Aditamentos ou Circunstantes
Argumentos
circunstanciais ou tópicos
Estão previstos na valência Não estão previstos na Não estão previstos na valên-
combinatória do verbo. valência combinatória do cia combinatória do verbo.
verbo.
Permanecem na valência São pronominalizáveis por Não concordam com o verbo
dos deverbais um relativo tónico numa
interrogação parcial.
São substituíveis por inde- Não são comutáveis por
finido nas equandicionais átonos pronominais.
Comutam com fazer (não Não são substituíveis por
se aplica ao sujeito) advérbios ou por pronomes
precedidos de preposição.
Deixam marca no corpo Focalizáveis em equacio- Não permitem ser objecto de
formal do verbo (não se nais e equandicionais uma interrogação parcial
aplica aos «suplementos»)
Respondem positivamente Não são focalizáveis.
à interrogação disjuntiva.
Podem ser elididos nas Estão fora da organização
estruturas coordenadas e informação nova/conhecida
comparativas
Modificam infinitivos, ge- Vêm geralmente destacados
rúndios e particípios pelo inciso.
Podem coexistir com Não podem modificar infini-
segmentos idênticos na tivos, gerúndios nem parti-
mesma sequência cípios.
Contrastam em estruturas Modificam enunciados sem
correctivas verbo.
São externos à modalidade
enunciativa
85
Lucien Tesnière foi dos primeiros autores a propor uma distinção de
níveis nos complementos verbais. O linguista francês distinguiu actantes
e circunstantes como subordinados imediatos do verbo, definindo os pri-
meiros como «les êtres ou les choses qui… participent au procès» e os segun-
dos os que «expriment les circonstances de temps, lieu, manière, etc., dans
lesquelles se déroule le procès» (Tesnière, 1982: 102).
O facto de tal distinção se fundamentar essencialmente em traços
semânticos proporcionou-lhe críticas várias. Posteriormente a este binómio,
surge a distinção entre argumentos e satélites proposta pelo funcionalista
holandês Simon C. Dik, em 1978. Dik toma como base distintiva a perti-
nência dos complementos no esquema predicativo. A presença obrigatória
permite identificar os argumentos ou termos argumentais ao passo que os
satélites se caracterizam por serem complementos opcionais: «Los satélites
son los constituyentes… que amplian la información relativa al estado de
cosas considerado como un todo, especificando el tiempo o la ubicación del
estado de cosas, explicando la razón o la causa de su existencia y proporcio-
nando cualquier otro tipo de información adicional» (Dik, 1981: 45-46). Dik
explicita ainda que os satélites facultam adições opcionais relativamente à
informação contida na predicação nuclear.
Não podemos fazer coincidir ambos os binómios, pois ao aplicarmos o
proposto por Tesnière e por Dik obteremos resultados diferentes:
1 – Comprei casa em Évora.
2 – Moro em Évora.
A sequência em Évora será considerada, ao aplicarmos o critério de
Tesnière, como circunstante em ambas as frases. Aplicando o critério pro-
posto por Dik teremos em 1 um satélite e em 2 um argumento. Na aplicação
de ambas as propostas alguns factores entram em conflito.
Ao basearmo-nos em valores de conteúdo para distinguirmos níveis de
funções formais teremos dificuldade em justificar como é que o mesmo cir-
cunstante pode ser por vezes eliminado sem criar uma sequência gramatical
e outras vezes acontece precisamente o contrário:
1 – Comprei casa.
2 – * Moro.
A relação entre elementos opcionais e elementos marginais está também
na origem de alguma inadaptação do conceito proposto por Dik. A comu-
tação por zero não parece ser uma prova adequada para averiguar o carácter
86
marginal ou não marginal de um dado segmento. A relação entre opcionali-
dade e marginalidade origina uma série que questões pertinentes:
– Todos os elementos opcionais são marginais?
– Todos os elementos marginais são opcionais?
– Marginalidade é sinónimo de opcionalidade?
A resposta a esta última questão é certamente negativa apesar de ser
essa equivalência que normalmente observamos. Como refere Rojo «se ha
equiparado incorrectamente marginalidad con posibilidad de eliminación»
(Rojo, 1990: 161). Os elementos opcionais não são necessariamente marginais
embora todos os elementos marginais sejam elimináveis, isto é, opcionais.
Na nossa concepção funcionalista, torna-se porém indispensável distin-
guir níveis hierárquicos na frase verbal. Estes caracterizar-se-ão pela sua
maior ou menor proximidade do verbo e pelo seu âmbito de incidência.
Numa imagem semelhante à que nos oferece o átomo, os complementos
colocam-se na órbita do verbo finito, mais ou menos afastados do centro do
poder verbal como se representam na seguinte figura 21:
FV1
V
FV2
FV3
A figura é elaborada a partir de Gutiérrez, 1997 b: 373.
21
87
chamaremos circunstantes ou tópicos. Vejamos então quais são as caracte-
rísticas que nos permitem distinguir os complementos que se alojam nestes
três níveis oracionais.
2.3.1.1 C
omportamento dos argumentos em construções equan-
dicionais «Se x SER y»
As equandicionais, denominação que tomamos à letra de Gutiérrez, são
estruturas sintácticas que permitem enfatizar ou focalizar um segmento da
oração 22. São constituídas por três partes: o segmento hipotético, o verbo ser
e o segmento focalizado:
22
Gutiérrez propõe em 1994 o termo equandicionais para designar este tipo de estruturas
baseando-se na sua característica de construções hipotéticas e semelhanças com as equacionais
de Alarcos. Cf Gutiérrez, 1997 b: 549-576.
88
Segmento B (focalizado) Ser Segmento A (hipotético)
23
Gutiérrez assinala a elipse que este constituinte genérico sofre, o que é bastante comum
no que respeita aos complementos satélites não exigidos pelo verbo (op. cit.: 557).
89
2.3.1.2 Comportamento dos argumentos e a prova de Happ
Morei em Estremoz.
?* Fi-lo em Estremoz.
24
Cf. Happ, 1978, «Théorie de la valence et enseignement du français», Le français moderne,
46/2, pp. 97-134. ����������������������������������������������������������������������������
A mesma prova foi aplicada por Somers, 1984, «On the validity of the comple-
ment-adjunct distinction in valency grammar», Linguistics, 22, pp. 507-530.
90
2.3.1.3 Os argumentos e a marca formal no verbo
25
Referimo-nos ao chamado dativo ético ou dativo de interesse. Cf. o tratamento do tema
em Gutiérrez, 1999, Gramática Descriptiva de la Lengua Española, pp. 1855-1930.
91
Tal como os argumentos, os complementos de nível 2 podem ser objecto
de uma interrogação parcial e comutam com pronominais tónicos:
92
Os argumentos e os aditamentos podem determinar infinitivos, gerún-
dios e particípios, propriedade que raramente é partilhada pelos comple-
mentos de nível 3.
Argumentos e aditamentos contrastam em estruturas correctivas:
Mora em Évora
A Luísa mede 1 metro e trinta.
A casa custou 130 mil euros.
93
2) Dois aditamentos diferentes não são comutáveis por um mesmo
referente pronominal:
eu uma aula de revisões antes do exame, na universidade para que
D
os resultados fossem melhores.
Deu uma aula de revisões então, ali /lá, para isso.
3) Complemento circunstanciais ou aditamentos diferentes correspon-
dem a interrogações parciais diferentes:
Onde deu uma aula de revisões…? Na Universidade
Quando deu uma aula de revisões…? Antes do exame.
Para que é que deu uma aula de revisões…? Para que os resultados
fossem melhores.
4) Nas construções de ênfase equacionais e equandicionais, cada uma
das funções de nível 2 é alvo de uma focalização independente como
acontece com os argumentos:
ntes do exame, foi quando deu uma aula de revisões na universidade…
A
Na universidade, foi onde deu uma aula de revisões antes do exame…
Se deu uma aula de revisões foi antes do exame.
Se deu uma aula de revisões foi na Universidade.
Se deu uma aula de revisões foi para que os resultados fossem melhores.
5) Dois ou mais aditamentos diferentes podem coocorrer assindeti-
camente.
Eu faço sempre os grelhados no carvão em minha casa.
A Luísa desenha com cuidado na escola.
6) Os aditamentos coordenados comutam com um único substituto.
A Luísa foi ao cinema com a Filipa, a Maria e o Duarte.
A Luísa foi ao cinema com eles.
94
2.3.3 Nível dos tópicos ou circunstantes
95
Comprei flores.
A Luísa fez os trabalhos da escola.
Ela é esperta.
Amar é difícil.
26
Cf. O que adiante se diz sobre transposições nominais.
96
2.4.1.1 Transposições nominais
A bicicleta de a Luísa
Tr Sn
Sint. Adjectival
Um transpositor será todo o elemento que permite a uma base que com
ele se associe, exercer função diferente das próprias da sua categoria.
Considerando a sequência Disse que não queria comer, será indiscutível
que o segmento não queria comer poderia funcionar como enunciado inde-
pendente. Estaríamos perante uma oração ou frase verbal, porém, no exem-
plo considerado estamos perante a sequência que não queria comer, onde o
transpositor que impede que tal se verifique, ou seja, que a sequência seja
oração independente, convertendo-a em equivalente funcional de um subs-
tantivo.
97
Falamos ainda de transposição nominal sempre que um artigo ante-
posto a um sintagma adjectivo forma um sintagma nominal. A transpo-
sição nominal pode ainda ocorrer com orações de relativo, por meio de «se»
e «que», com interrogativas e exclamativas indirectas e com segmentos em
estilo directo.
Escolheu o perigoso
Transpositor Sintagma adjectival
Sintagma nominal
Escolheu o menos perigoso
Transpositor Sintagma adjectival
Sintagma nominal
Cf. o que se apresenta sobre transposições adjectivas em 3.4.1.
27
98
2.4.1.3 Orações substantivas
28
Cf. o artigo de Salvador Gutiérrez, «La transposición en las «Interrogativas indirectas»,
in 1997 a: 278-303.
99
Salvador Gutiérrez propõe que se denominem apenas relativos tónicos, reti-
rando a denominação de interrogativos.
100
são introduzidas por que, independentemente do facto de expressarem cer-
teza ou incerteza e de serem frase verbal ou não:
101
2.4.2.3 SN infinitivo
102
são, pois, sinónimos, o adjectivo é uma categoria morfológica, ao passo que
o sintagma é uma categoria sintáctica. Podemos ter como sintagmas adjecti-
vais sequências constituídas por adjectivos, mas também por determinantes,
particípios, substantivos em aposição, substantivos transpostos e orações de
relativo:
Escolhi um cão enérgico.
Este cão é o meu.
São casas alugadas.
O escritor Gunter Grass tem uma exposição de pintura em Tavira.
O hospital de Évora tem um edifício novo.
O carro que compraste é muito confortável.
103
Tens uma família bastante numerosa.
É um Papa querido de muita gente.
O colar que o marido lhe ofereceu é lindíssimo.
Os bolinhos de azeite são óptimos.
104
2.5.2 Transposições adjectivais
Muitos dos sintagmas adjectivais que atestamos são criados por trans-
posição. Normalmente são sintagmas constituídos por uma preposição que
funciona como transpositor e por um nome, dando lugar a uma construção
de natureza adjectiva.
As transposições são por vezes variantes equivalentes de adjectivos,
outras vezes a língua não possui adjectivos que lhes equivalham:
O Hospital de Évora = O hospital eborense
Uma anedota com graça = Uma anedota engraçada
Um pecado por confessar = Um pecado inconfessado
Mel de abelha
Mesa de jogo
A oração dos monges
A guerra das Rosas
Os de Évora
Transpositor Sintagma nominal
Transpositor Sintagma adjectival
Sintagma nominal
105
2.5.2.1 As orações de relativo
Os de Évora
Tr. Tr. SN
SAdj.
SN
106
plemento circunstancial, há advérbios que no discurso funcionam como
adjacentes de adjectivo, de advérbios e até de nomes. Além de que há advér-
bios que nunca são aditamentos e aditamentos cujos functivos são substan-
tivos com ou sem preposição (cf. Gutiérrez, 1997 a: 208). Alguns advérbios
em função de aditamento nunca comutam com outros advérbios, mas sim
com substantivos e pronomes.
Na verdade, a função aditamento é uma função aberta às categorias
adverbial e nominal.
Cf. Também E. Alarcos, 1990: 37 e ss.
29
107
2.7. Enunciado, frase verbal, níveis e categorias. Síntese conclusiva
30
Esta matéria é aprofundada no capítulo 4.
108
3
Funções
FUNÇÕES CATEGORIAS
Núcleo oracional Sintagma verbal
Sujeito Sintagma nominal
Complemento nominal Sintagma adjectival
1
Ainda que, como Martinet, se considere o monema a unidade mínima da primeira arti-
culação, não é o monema, enquanto tal, que estabelece as relações sintácticas na frase, mas sim
o sintagma. É o sintagma que preenche funções sintácticas (ainda que esse sintagma corres-
ponda exactamente a um monema). Cf. (Barbosa, 1998 a:18).
2
Esta função argumental, se olhada à luz da sintemática martinetiana, pode ser descrita
e entendida de modo diverso da proposta de Alarcos, como mostram alguns dos estudos dedi-
cados ao tema. Confiram-se, por exemplo os estudos, para o português, de Barbosa e, na mesma
linha os de Marçalo, sobre a sintemática e constantes da bibliografia final.
109
3.1.1 A função sujeito
Não se deve definir o sujeito como o elemento que realiza a acção, pois
nem sempre isso se verifica. Temos sujeitos agentes e sujeitos não agentes.
O sujeito define-se por meio de traços formais, ou seja, por compor-
tamentos do tipo «concordância em pessoa e número entre um sintagma
nominal e um sintagma verbal. Noções como agente, paciente, instrumento,
ainda que possuam importância (são funções semânticas) não nos servem
para oferecer uma definição consistente no que respeita às funções sintácticas.
O functivo de sujeito é sempre um sintagma nominal ou um sintagma
nominalizado ou substantivado. Através do artigo nominalizam-se sintagmas
de outras categorias. Através das conjunções que e se substantivam-se
3
Confira-se neste capítulo a questão das funções semânticas.
110
orações. Também têm carácter nominal as interrogativas indirectas e as rela-
tivas substantivadas 4.
O sujeito impõe ainda outras condições formais: deve concordar em
pessoa e número com o verbo; deve ser comutável pelos pronomes pessoais e
não deve admitir preposição.
Vejamos cada uma destas características:
a) Concordância
Sempre que não existam factores formais que o impeçam, o sujeito con-
corda com o núcleo da oração no que respeita aos monemas de número e
pessoa. Se modificamos as desinências de número e pessoa do nome, também
variam as do verbo.
A concordância não é patente quando o sujeito ou o verbo são invariá-
veis, o que ocorre se o functivo de sujeito é a chamada oração substantivada:
Agrada-lhe que o ajude.
ou se o verbo adopta uma forma não pessoal:
Viver o meu pai longe da sua terra?
Sendo menina e moça.
c) Ausência de preposição
4
Recorde-se o que foi apreciado no capítulo 2, a propósito dos diferentes tipos de sin-
tagmas nominais.
111
Neste exemplo, até não é preposição, equivale a inclusive, também.
b) Segundo ele, hoje não há sessão de cinema.
5
A propósito desta questão, veja-se o artigo de Gutiérrez Ordóñez, 1999, «Comentario
sintáctico de un texto de Pío Baroja», in Analecta Malacitana, Anexo XXIV, pp. 205 a 243.
112
O complemento directo é uma função subordinada, ou seja, o comple-
mento directo é uma função determinante do verbo (SV) e em importância
é o segundo elemento da órbita verbal depois do sujeito. Complementa um
verbo conjugado, um infinitivo ou um gerúndio.
É uma função desempenhada por um sintagma nominal (substantivo,
pronome, infinitivo ou sintagma nominalizado).
Considerem-se os exemplos:
Sintagmas nominais:
Prefere as melancias.
Sabe a lição.
Despreza a ignorância.
Sintagmas nominalizados (nominais por transposição):
Prefere o doce.
Prefiro que venhas mais cedo.
Sabe que tem razão.
Compra quanto vê.
113
3.1.3 Função de complemento indirecto
6
Sobre este conceito introduzido por Alarcos, cf., entre outros H. Martínez, El suplemento,
Madrid, Gredos.
114
pelo verbo, assemelham-se aos complementos circunstanciais. O suplemento
é, contudo, uma função argumental. Os suplementos são seleccionados pelo
verbo. Por isso são também chamados complementos de regime preposicional.
O constituinte que ocupa a função suplemento é um sintagma nominal
(nome, pronome, infinitivo ou sintagma nominalizado).
O suplemento é uma função preposicional ou seja, constrói-se sempre
com preposição. Esta preposição está prevista no verbo e é um mero índice
funcional que nos ajuda a identificar a função contraída pelo elemento que
introduz. Os verbos que são determinados por suplemento seleccionam,
geralmente, só uma preposição.
Em relação ao verbo, o suplemento mantém uma relação semântica
próxima da de complemento directo. Não são muitos os casos em que ambos
os complementos são compatíveis.
Libertou os cativos dos ladrões.
Confunde a velocidade com o conduzir bem.
Adequa o discurso à tua audiência.
Agente Causa
Beneficiário Companhia
Concessão Meio
Condição Modo
Destino Origem
Fim Privação
Instrumento Quantidade
Lugar Tempo
Matéria
115
agente causa companhia concessão condição
tempo destino
CD
Não se trata de uma função única, como já se disse, mas de várias fun-
ções que têm em comum pertencer a um mesmo nível.
Considera-se que os circunstanciais constituem várias funções dado que:
– vários circunstanciais podem coexistir sem estarem coordenados, con-
trariamente ao que se verifica com o Sujeito, o CD e o CI.
– cada circunstancial comuta com o seu próprio substituto pronominal:
Viajou até Lisboa / Viajou até lá.
– as funções que se inserem no nível dos circunstanciais não precisam
de aparecer juntas e podem alterar posições e permutar de forma
autónoma.
116
Os advérbios de lugar e tempo mostram um comportamento idêntico
aos seus substitutos. Só requerem que o nome que substituem tenha um
significado locativo ou temporal.
117
Tópicos de perspectiva Expressam o ponto de vista a partir do qual se pers-
pectiva o enunciado (expressões como desde este
ponto de vista).
Tópicos locativos e temporais Delimitam um espaço e um tempo que servirá de
marco ao processo verbal (Em Évora, tinha aulas
práticas).
Tópicos de causalidade Inclui os tópicos que expressam causa, condição ou
concessão.
118
Podemos encontrar advérbios em -mente em ambas as funções de AtM
(atributos de modalidade) e de CVEn (complemento de verbo enunciativo:
Felizmente, não vi ninguém.
Sinceramente, não vi ninguém.
3.1.7 Atributos
7
Os atributos têm sido tradicionalmente designados predicados nominais (com os verbos
ser e estar) e predicativos (com os restantes verbos). Aqui utilizaremos os termos atributo e
predicativo como sinónimos.
119
3.1.7.1 Características
ATR: condenada
120
Se o atributo estiver determinado e indicar uma cifra ou dígito trata-se
de uma equativa. O número da minha casa é o 2.
121
– quando um dos termos desta relação é invariável: Estes jovens são uma
maravilha; As cidades brasileiras são uma festa.
– quando o atributo é um nome genérico ou abstracto: Vós sois o sal da
terra.
b) Tipos de Atributos
122
Os atributos ou predicativos do sujeito com ser, estar, parecer admitem
ser comutados pelo pronome o, facto que os diferencia do resto. Em portu-
guês nem sempre se geram sequências muito aceitáveis, dado que a língua
parece preferir a ausência do pronome:
A Luísa é lindíssima – É- o.(?)
A noite está serena – Está-o.(?)
A multidão parece agitada – Parece-o.(?)
Os atributos ou predicativos de sujeito com outros verbos não admitem
ser substituídos pelo pronome átono. Estes atributos por vezes são obriga-
tórios, outras opcionais.
Ele ficou exausto.
A menina dorme tranquila - A menina dorme.
A vida seguia feliz. – A vida seguia.
A base de atribuição pode ser um complemento directo. Estaremos
perante atributos ou predicativos de CD. Se o atributo é um adjectivo modal
admite substituição por assim.
Trago a saia curta – trago-a curta – trago-a assim.
Achou a mãe triste – achou-a triste – achou-a assim
Os infinitivos, gerúndios e particípios podem funcionar como atributos
de CD. Ficam fora do âmbito da substituição dos átonos pronominais.
A concordância também não é possível nos infinitivos e gerúndios porque
são invariáveis.
At S CD AT.CD
SUJ Verbo CI
123
Atributos com preposição
Estruturas de atribuição
124
Aposições do tipo que se segue estão relacionadas com construções atri-
butivas:
– Lisboa, a capital de Portugal;
– O escritor José Saramago
– O Presidente Sampaio
– O teu amigo, o chefe da polícia.
Atributivas passivas
125
O contexto de passividade mais comum é aquele em que o particípio
funciona como atributo do verbo ser. Nesse caso o particípio concorda com o
sujeito e é substituível pelo átono pronominal o:
O Pedro foi agredido pelo primo - Foi-o.
A bebé foi muito desejada pelos pais. – Foi-o.
Com outros verbos que não o ser ou até mesmo na ausência de verbo
podem obter-se também conteúdos de passividade.
O Pedro acabou agredido pelo primo.
O Pedro ficou magoado.
A bebé parecia muito desejada pelos pais.
A bebé, desejada pelos pais;
Uma bebé desejada pelos pais
126
Como construção absoluta ou tópico aparecem desligadas, ou seja,
entre pausas e amiúde em posição inicial. Por vezes adquirem valores
causais, condicionais ou concessivos.
As construções causais dado que, posto que, suposto que advêm de cons-
truções absolutas em que o substantivo comuta com uma oração substan-
tivada:
Dada a sua coragem vencerá = Dado que é corajosa vencerá.
Postas estas exigências, não quis continuar = Posto que exigiam
muito, não quis continuar.
127
3.2 Funções semânticas
128
Luísa adopta o papel de «agente», o que é o mesmo que dizer que no
mundo extra-linguístico «realiza a acção». A fruta comporta-se como o expe-
rienciador do processo apodrece.
Para o português identificam-se várias funções semânticas 8. Como tipos
fundamentais de processos distinguem-se:
– acção
– estado
– processo
8
Para o espanhol Rojo diferencia três tipos de funções. Cf. 1983, Aspectos basicos de
sintaxis funcional, p.83. A lista de papéis semânticos varia de autor para autor, variando também
a designação atribuída a cada uma das funções em causa.
9
Estas autoras sublinham o facto da variação numérica e designativa de autor para autor,
e remetem para vários autores de orientação gerativista que não considerámos na presente inves-
tigação. Especificamente sobre o português, vejam-se entre outras, as propostas de Peres,1984,
Busse e Vilela, 1986, e Campos e Xavier 1991.
129
Podemos falar em hierarquia funcional, na medida em que se estabe-
lecem relações entre os vários níveis funcionais. A cada função semântica
corresponde uma única função sintáctica, sendo o inverso igualmente válido,
ou seja, a cada função sintáctica corresponde uma única função semântica.
Acresce, porém, que essa relação não é constante, ou seja, a cada função
sintáctica não corresponde sempre a mesma função semântica. Na corres-
pondência relacional de funções sintácticas e funções semânticas verifica-se
ainda uma dada hierarquização, ou seja há relações preferenciais, por exem-
plo, para desempenhar a função sintáctica sujeito tem preferência o «agente»
sobre o «paciente» e este sobre o «instrumento», que por seu turno prevalece
sobre o «experimentante»:
A Luísa partiu o vidro com uma pedra.
Uma pedra partiu o vidro.
O vidro partiu-se.
130
O Duarte vendeu 50 litros de vinho ao Gaspar.
50 litros de vinho foram vendidos pelo Duarte ao Gaspar.
50 litros de vinho vendidos pelo Duarte ao Gaspar.
A venda de 50 litros de vinho ao Gaspar pelo Duarte.
131
pode acontecer, ou seja, acrescenta-se ao verbo uma função argumental
não prevista nas possibilidades combinatórias do seu significado. Pode ainda
acontecer uma transformação que consiste na alteração dos papéis semân-
ticos que correspondem aos espaços funcionais de carácter formal.
Alguns autores falam, a este propósito, de transitivação e intransiti-
vação, admitindo que esta pode atingir qualquer actante (cf. Touratier, 2000:
130). Porém, concordamos com Gutiérrez quando rejeita tal postura com base
no facto de tais designações estarem tradicionalmente demasiado relacio-
nadas com o complemento directo.
Há ainda alguns procedimentos sintácticos que aparentemente corres-
pondem a modificações valenciais e que não o são, uma vez que não afectam
a valência do verbo. Temos entre eles a elipse, fenómeno que opera ao nível
do significante e não afecta os planos semântico, nem funcional. Na elipse
suprime-se a presença de um determinado functivo na sequência, embora a
função permaneça. Ao interpretarmos a sequência discursiva restitui-se o dado
não expresso. A elipse pode derivar de factores sintácticos ou discursivos10.
Outra falsa modificação valencial é a que parece ocorrer com alguns
verbos. Na verdade estamos perante dois verbos distintos e não perante o
mesmo verbo, caso da homonímia verbal. Verbos que partilhando o mesmo
significante correspondem a significados diferentes uma vez que se cons-
tróem com funções sintagmáticas diferentes. Trata-se nestes casos de signos
diferentes. Se o complemento directo fica implícito por consabido, como em
O João cantou dois fados / O João cantou.
O Pedro bebeu álcool / O Pedro bebeu.
10
Cf. o que se disse sobre a elipse no capítulo 1.
132
Logo concluímos estar perante signos distintos e não perante modificações
valenciais:
Chovia / Choviam pedradas
Relampejava / Relampejavam as luzes do circo.
133
O processo pode parar aqui ou pode ainda verificar-se a recuperação do
elemento elidido que ocupará então a função de complemento agente. A pas-
sagem de activa a passiva é sobretudo um processo de redução valencial, com
omissão do inicialmente argumento sujeito. Este agente, ou seja, o functivo
responsável pela acção verbal, normalmente eliminado, se aparece, é como
complemento periférico, como circunstancial.
O particípio é sempre o responsável pela oposição diatética. O parti-
cípio é uma classe dentro da categoria dos sintagmas adjectivos. Uma classe
que revela propriedades combinatórias distintas das outras classes da mesma
categoria, uma vez que o particípio admite complementos de verbo:
Um bombeiro, condecorado pelo Presidente (particípio atributo)
Um bombeiro condecorado pelo Presidente (particípio = adjacente
nominal)
11
Veja-se, sobre a matéria em apreço, o artigo «Lêem-se livros? Lê-se livros», Barbosa,
1999: 19-26.
134
estas estruturas que tradicionalmente se chamou passiva reflexa. No entanto,
não podem ser ignorados os problemas que se colocam:
12
Cf. Blinkenberg, 1960, p. 125. Este autor fala de transitivação desta operação que tem
«comme forme de rechange une expression factitive obtenu à l’ aide de faire».
135
Nos verbos causativos, na ausência do sujeito, o complemento directo
pode ocupar esse lugar:
136
seu. Mas é permitida também uma suspensão valencial, a qual será marcada
pela preposição /por/ no segundo actante, aparecendo como complemento
mais periférico. Com os deverbais causativos o «agente-instigador» só apa-
rece em posição periférica com /por/.
Nos deverbais transitivos podem por vezes observar-se algumas altera-
ções valenciais à semelhança do que se verifica na passiva (Gutiérrez, 2002 a:
315). Se o agente for eliminado, o segundo actante ocupa esse lugar de com-
plemento nominal proeminente e é substituível pelo possessivo seu. A ambi-
guidade que assim se produz favorece a presença do complemento agente.
Deus ama os homens O amor de Deus aos homens O seu amor aos homens O amor dos homens por Deus
137
partir, destruir, gastar, esgotar, lavar, limpar, reparar, desenhar, copiar, anotar,
fritar, cozinhar, comer, fazer, preparar…
Os complementos indirectos que admitem não ultrapassam positiva-
mente todas as provas que costumam aplicar-se na determinação de comple-
mentos do primeiro nível. São substituíveis por fazê-lo e respondem ao teste
das equandicionais. Contudo, não aceitam as nominalizações nem o teste
dos particípios.
Os complementos indirectos quando não estão presentes capacitam o
seu espaço funcional a ser preenchido com complementos mais periféricos
que podem assim aceder ao nível da argumentalidade.
Sempre que o lugar de CD não estiver preenchido, os complementos
circunstanciais «benefactivos» introduzidos por para são incorporados nesse
espaço funcional. O dito «benefactivo» confunde-se amiúde com o comple-
mento indirecto; trata-se por vezes do chamado complemento indirecto não
valencial.
138
3.3 Funções informativas
3.3.1 Introdução
3.3.2 «
Tema» ou informação conhecida e «rema» ou informação
nova
13
Em 1964, Daneš propunha a distinção de três níveis na organização sintáctica, entre
os quais, para além do propriamente sintáctico e do semântico, considera o informativo.
Cf. «A three level approach to syntax», Travaux de linguistique de Prague 1, pp. 225-240. Os pri-
meiros estudos relacionados com a dimensão informativa da actividade linguística remontam,
porém, segundo Jiménez Juliá, a Henri Weil e ao seu estudo de 1844, De l’ordre des mots dans
les langues anciennes comparées aux langues modernes, ap. Jiménez Juliá, 1986, Aproximación al
estudio de las funciones informativas, p. 19 e ss.
139
conhecida, e outra onde o falante procura obter informação nova. Do ponto
de vista informativo, tudo acontece como se nos enunciados o emissor
desse resposta a perguntas formuladas pelo seu interlocutor: «El emisor de
un mensaje informativamente correcto se comporta como un enunciador
cooperante que responde a una pregunta formulada por su interlocutor»
(Gutiérrez, 2002 b: 165).
Há uma deontologia da comunicação tal como há para qualquer outra
actividade social. Também na dimensão informativa adquirem valor as
máximas de Grice (quantidade, qualidade, relevância e modo14), sendo até
possível enunciar um princípio semelhante ao da cooperação: «faz com que
o teu enunciado seja tão informativo quanto for necessário à instância de
comunicação em que te achas comprometido»15.
Para uma afirmação como:
Camões escreveu os Lusíadas antes de 1572.
Poderão formular-se várias perguntas:
Quem escreveu os Lusíadas antes de 1572?
O que escreveu Camões antes de 1572?
Quando escreveu Camões os Lusíadas?
14
Cf. capítulo 7 deste trabalho.
15
Gutiérrez (1997 c: 18) apresenta o seguinte princípio da informatividade: «Haz que tu
enunciado sea tan informativo como sea necesario en la instancia de comunicación en que te
hallas comprometido».
140
3.3.2.1 A pergunta inicial
16
Segundo Mendenhall, a pergunta inicial «decide lo que es pertinente, conveniente,
acceptable», cf. Mendenhall, 1990: 76, ap. Gutiérrez, 1997 c: 26.
141
A estrutura informativa consta do tema, ou seja, a informação conhecida
(ou que se pressupõe conhecida) e do rema, ou informação nova (ou supos-
tamente desconhecida do interlocutor).
R. Quirk, Greenbaum, Leech e Svartvik, autores de A Comprehensive
Grammar of the English Language, definem o tema como: «Theme is the
name we give to the initial part of any structure when we consider it from
an informational point of view» (Quirk et al., 1985: 1361), referindo que,
normalmente, há um paralelismo entre a relação que se estabelece entre a
informação dada e informação nova, por um lado, e tema em contraste com
o foco, por outro.
A informação nova é quase sempre o foco da mensagem. A nova infor-
mação precisa de ser, por vezes, explicada de um modo mais completo do
que a informação conhecida, ou seja com uma estrutura mais pesada que
parece tender a ocupar a posição final.
A informação conhecida e a informação nova estabelecem-se contextu-
almente, e por assim dizer, de um modo extralinguístico. O tema e o foco
são linguisticamente definidos, em termos de posição e prosódia respectiva-
mente. Muitos linguistas usam a distinção entre tópico e comentário para o
que os autores da Comprehensive Grammar denominam como theme/focus e
outras vezes corresponde ao par given/new ou seja conhecido/novo. Este par
tema/foco de Greenbaum et al. parece coincidir com o par tópico/rema que se
usa neste trabalho.
Pergunta Resposta
Rema Tema Tema Rema
Quem Escreveu Os Lusíadas antes de 1572? Os Lusíadas escreveu-os antes de 1572 Luís de Camões
O que Escreveu Camões antes de 1572? Antes de 1572 Camões escreveu Os Lusíadas
Quando Escreveu Camões Os Lusíadas? Camões escreveu Os Lusíadas Antes de 1572
142
Em casos em que esta organização binária parece não ocorrer, fala‑se
em estruturas informativas monorrémicas: É de manhã; chove; neva.
Nestes casos, é no plano sintáctico que não se verifica a organização bimem-
bre. Mesmo quando sintacticamente não se observa a presença do tema, ou
seja a informação conhecida, ela existe, podendo ser marcada em verbos
genéricos implícitos como: sucede que; há; tem lugar.
Tema Rema
O que aconteceu? 0 A Luísa leu o livro de histórias
O que fez a Luísa? A Luísa Leu o livro de histórias.
O que leu a Luísa? A Luísa leu O livro de histórias.
143
A partícula interrogativa pode encabeçar a sequência, como acontece
quando a interrogação incide sobre um functivo da oração subordinada
introduzida por um verbo de modalização parentética, como crer, pensar,
opinar, achar, supor, recordar, julgar, comentar, saber, assegurar, adivinhar:
Quem pensas que pagou a conta do almoço?
Onde supões que guardaram a chave?
Quem julgas que escreveu a carta?
144
Se se repetir o interrogativo indicia-se que são dois autores diferentes
(mesmo que isso possa ser enganador para o interlocutor):
Quem escreveu Os Lusíadas e quem O Auto da Índia?
Os Lusíadas escreveu-os Camões e o Auto da Índia, Gil Vicente.
Quem escreveu Os Lusíadas e quem As Endechas a Bárbara Escrava?
Os Lusíadas e As Endechas a Bárbara Escrava escreveu-os Camões.
Pergunta Resposta
Rema Tema Tema Rema
1 – O que Fez a Luísa? A Luísa escreveu a composição.
2 – O que escreveu a Luísa? A Luísa escreveu a composição.
3 – Quem escreveu a composição? A composição escreveu-a a Luísa.
145
A aplicação da prova «Não A mas (sim) B» só funciona com os elemen-
tos de informação nova e assim permite destacá-los dos elementos de infor-
mação conhecida:
1) *Não Luísa mas Marina escreveu a composição.
1”) A Luísa não escreveu a composição mas fez a ficha de matemática.
2) *A Luísa não escreveu mas a Marina leu um conto.
2”) A Luísa não escreveu a composição mas uma carta.
3) * Não uma composição escreveu mas uma carta Luísa.
3”) A composição escreveu-a não a Marina mas a Luísa.
A respeito da ordem das palavras, cabe sublinhar que nas línguas ditas
de ordem livre, como o português e o espanhol, tal não equivale a dizer que a
ordem das palavras é arbitrária.
146
No campo das funções informativas, a ordem dos constituintes alcança
valores elevados de pertinência.
A ordem das palavras em português pode ter valor funcional, pertinên-
cia essa que se verifica não no nível representativo, mas no nível informativo.
Significa isto que a ordem não depende propriamente das funções semânticas
nem sintácticas, mas das funções informativas. Se a ordem for importante
para a identificação de uma função sintáctica é óbvio que no nível informa-
tivo essa pertinência será respeitada. Em português, de modo idêntico ao
que Gutiérrez verifica para o espanhol (1997 c: 29), o rendimento da ordem
das palavras para a identificação de funções do nível representativo é menor
do que o rendimento da mesma ordem no plano informativo.
A chamada ordem natural existe, mas não em absoluto, uma vez que
depende da ordem imposta pela pergunta inicial. A ordem pode ser adequada
ou inadequada dependendo da pergunta. Na sequência A Luísa leu a carta,
estamos perante uma resposta adequada à pergunta Que fez a Luísa, mas
cuja ordem é pouco explícita se a pergunta for Quem leu a carta?. Para esta
pergunta a ordem adequada de resposta que permite salientar o rema será
A carta leu-a a Luísa.
Pergunta Resposta
Ordem natural Ordem inadequada
Que fez a Luísa? A Luísa / leu a carta. #A carta leu-a a Luísa.
Quem leu a carta? A carta leu-a / a Luísa. # A Luísa leu a carta.
O que leu a Luísa? A Luísa leu / a carta. # A carta leu-a a Luísa.
147
O falante faz uso das pausas sempre que o considera adequado aos
objectivos comunicativos.
A informação nova não admite ser suprimida, logo este é um bom teste
para identificar tema e rema. A informação conhecida pode ser omitida se o
falante assim o entender, facto que na língua portuguesa ocorre frequente-
mente.
A relevância da informação nova também não admite que a mesma seja
representada por pronomes átonos. À pergunta A quem deste o livro? Não é
adequada a resposta * O livro dei-lho. A resposta adequada é O livro dei-lho
a ele, embora o átono e o tónico sejam correferenciais e assumam a mesma
função sintáctica.
148
tiva. A seguinte mensagem A Luísa escreveu uma carta, pode ser resposta a
várias perguntas, como:
Que sucedeu?
Que fez a Luísa?
O que escreveu a Luísa?
Pergunta Resposta
Que fazes? Como.
Que estás fazendo? Estudo.
Que fazia a Luísa? Pintava.
149
Se o falante prevê que o seu interlocutor pode ter dúvidas sobre algum
dos elementos, por exemplo, se foi a Luísa ou o João quem comeu bem ao
almoço, pode dar relevo à informação que quer veicular:
A LUÍSA, (não o João) ao almoço (não ao jantar) comeu bem.
Os meios de focalização são vários. Vejamos os utilizados pela língua
portuguesa.
Pergunta Resposta
O que leu a Luísa? A Luísa leu a carta.
Quem leu a carta? 1. A carta leu-a a Luísa.
2. A LUÍSA leu a carta.
Tema Rema
A carta escreveu-a a Luísa
150
Em 2 temos:
Pergunta Resposta
Que fez a Luísa? A Luísa / escreveu a carta.
Quem escreveu a carta? A LUÍSA/ escreveu a carta.
b) Recursos léxicos
Pergunta Resposta
Que te mandou fazer o pai? A FICHA (me mandou fazer o pai)
Quem te mandou fazer a ficha? A ficha mandou-ma fazer o pai
Quem tocará piano? O piano toca-o a Luísa.
Que tocará a Luísa? O PIANO toca a Luísa.
151
c) Acento de insistência
a) Estruturas equacionais
17
Cf. Alarcos, 1980, Estudios de Gramática Funcional do Español.
152
no presente ou reproduzindo as características da forma verbal agora inte-
grada na oração de relativo. Esta estrutura pode focalizar qualquer functivo
de todas as funções dependentes do verbo que se situem na órbita dos argu-
mentos ou aditamentos.
Uma mensagem como A Luísa leu a história do Capuchinho vermelho
ontem, pode ser enfatizada dos seguintes modos:
A Luísa é que leu a história do Capuchinho Vermelho ontem.
A história do Capuchinho Vermelho é que a Luísa leu ontem.
Ontem é que a Luísa leu a história do Capuchinho Vermelho.
Qualquer destas sequências enfatizadas possibilita três ordens diferentes:
1 – A é B: A Luísa é que leu a história do Capuchinho Vermelho
ontem.
2 – B é A: Quem leu a história do Capuchinho Vermelho ontem foi a
Luísa.
3 – É A B: Foi a Luísa quem leu ontem a história do Capuchinho
Vermelho.
O foco pode, simultaneamente, ser reforçado por um acento de insis-
tência com o fim de evitar ambiguidades:
A LUÍSA é que leu a história do capuchinho Vermelho ontem.
O VESTIDO VERMELHO é que eu escolhi para a festa.
O CÃO é que fez isto.
b) Estruturas equandicionais
18
Cf. o artigo «Estructuras ecuandicionales» in Gutiérrez, 1997 b: 549-576 e anteriormente
já havia aludido a estas construções em 1986, Variaciones sobre la atribución.
153
c) Adjacentes nominais atributivos
154
Nem sequer o Presidente da República pode interferir.
Os homens também choram.
Até o avó foi ao concerto.
Ao contrário das funções tema e rema, das quais só pode existir uma
em cada enunciado, a função foco pode ocorrer múltiplas vezes em qualquer
sequência, dado que todos os constituintes podem ser alvo de focalização.
A LUÍSA PEDIU-ME PARA LHE LER UMA HISTÓRIA.
A Luísa (não o «João»)
PEDIU-ME PARA (não me «exigiu»)
LHE (não «te»)
LER (não «contar»)
UMA (não «duas»)
HISTÓRIA (não «uma adivinha»).
Charles Hockett usa o termo tópico para designar aquilo de que fala
o comentário: «The speaker announces a topic and then says something
about it» (ap. Jiménez Juliá, 1993: 21). Segundo Hockett a coincidência que
se pode atestar destes termos com a oposição sujeito/predicado não se verifica
frequentemente na linguagem coloquial. Gutiérrez escapa deliberadamente a
fazer este tipo de paralelismo, como refere: «Eludimos explícitamente definir
el comento como aquello que se dice al tópico. Tal tipo de definición, aparte
de no ser cierta no ha causado más que problemas» (1997 c: 45).
Usamos aqui esta noção de tópico numa acepção diferente, ou seja, o
tópico abarca tudo o que sinaliza o universo discursivo em cujas fron-
Veja-se M. A. K. Halliday, 1994, Functional Grammar.
19
155
teiras deve ser interpretada e tem validade a mensagem (Gutiérrez,
1997 c: 40).
Esta função pode estar presente ou não, pois tal como a função foco
é potestativa. Nos enunciados em que ocorre, encontramos uma estrutura
binária que liga como funções interdependentes o tópico e o comentário:
tópico comentário
156
Características formais dos circunstantes
ou tópicos
157
A função tópico possui uma dimensão sintáctica, semântica e infor-
mativa:
Função Tópico
158
São obrigatoriamente Focalizáveis em equacionais Não são comutáveis por
substituídos por indefinido e equandicionais átonos pronominais.
nas equandicionais
Com o verbo comutam Respondem positivamente Não são substituíveis por
com fazer (não se aplica à interrogação disjuntiva. advérbios ou por pronomes
ao sujeito) Prova de Happ precedidos de preposição.
Deixam marca formal no Podem ser elididos nas Não permitem ser objecto
corpo do verbo (não se estruturas coordenadas de uma interrogação parcial
aplica aos «suplementos») e comparativas
Modificam infinitivos, Não são focalizáveis em
gerúndios e particípios equacionais e equandicionais.
Podem coexistir com Estão fora da organização
segmentos idênticos na informação nova/informação
mesma sequência. conhecida
Contrastam em estruturas Vêm geralmente destacados
correctivas. pelo inciso.
Não podem modificar
infinitivos, gerúndios nem
particípios.
Modificam enunciados sem
verbo.
São externos à modalidade
enunciativa
159
chamar a atenção do interlocutor, e se, porventura ocorre anteposta como
recurso expressivo, adopta estratégias específicas para não ser confundida
nem com o tema nem com o tópico.
A organização informativa da sequência é independente da organização
representativa, onde já distinguimos funções sintácticas e semânticas, como
podemos verificar nos exemplos seguintes:
160
– as funções informativas não modificam a estrutura sintáctica e
semântica
– não há correlação entre as funções informativas e as sintácticas
e semânticas.
161
Para a análise dos fenómenos que operam no plano informativo con-
sideramos particularmente importantes os linguistas da Escola de Praga,
Mathesius, Firbas e Daneš.
As funções informativas não usufruem ainda, no estado actual da inves-
tigação, de uma desejável solidez quer a nível conceptual, quer a nível de
metodologia. Estas funções também designadas pragmáticas, não deixaram
de ter influência no campo de abrangência da sintaxe e em muitas gramá-
ticas funcionais descreve-se a expressão dos valores informativos.
Considerámos as funções informação conhecida / informação nova
e o foco e o tópico: nas duas primeiras consideram-se zonas informativas
distintas, como se houvesse uma estrutura dialógica de pergunta-resposta.
As máximas de Grice são tomadas como leis para um acto linguístico aceitável.
A chamada pergunta inicial permite delimitar, circunscrever o que está
em causa. A ordem dos constituintes pode ser pertinente se adoptamos a pers-
pectiva informativa. Os sintagmas antepostos, muitas vezes, estão próximos
de serem considerados tópicos. As características que permitem identificar
as funções informativas são apresentadas, exemplificadas e problematizadas.
Abordam-se as estruturas sintácticas de focalização e os modos de foca-
lização. Naquela distinguem-se equacionais e equandicionais.
Por fim, analisa-se e interpreta-se o que a teoria funcionalista de Salvador
Gutiérrez nos propõe, actualmente, no campo dos tópicos.
162
El mundo que se vislumbra más allá de los aditamentos
Es sumamente complejo en niveles y comportamientos.
Gutiérrez, 1997 a: 576
4
A periferia oracional
1
Nas «determinações causais» em sentido lato, Vilela considera também, tal como faremos
aqui, além das causais em sentido estrito, as condicionais e as concessivas. Este autor engloba
ainda as finais no âmbito da causalidade (cf. 1995: 285).
165
4.1.1.1 Causais
causa efeito
Conhecimento
implícito
166
Em todos estes casos, o índice funcional por e o transpositor /que1/
funcionam autonomamente como evidenciam os exemplos:
167
Aditamentos causais (FV2) Circunstantes causais (FV3)
Não respondeu por falta de atenção. Por falta de atenção, não respondeu.
Adoeceu de tanto beber. De tanto beber, adoeceu.
Perdeu a saúde por se alimentar mal. Por se alimentar mal, perdeu a saúde.
Escorregou porque estava descalça. Porque estava descalça, escorregou.
Perdeu-se porque não conhecia a cidade. Porque não conhecia a cidade, perdeu-se.
O dinheiro não lhe chega porque come sempre fora. Porque come sempre fora, o dinheiro não lhe chega.
Sabe falar espanhol porque viveu em Badajoz. Porque viveu em Badajoz, sabe falar espanhol.
168
Aditamentos ou Tópicos ou
circunstanciais circunstantes
∅
Instrumento
∅
Matéria ∅
Meio ∅
Lugar Lugar
Tempo Tempo
Modo Modo
Causa Causa
Condição Condição
Concessão Concessão
Fim ∅
Companhia ∅
Privação ∅
169
De tanto ler, ficou quase cega.
De ler, ficou cega.
De pouco comer e de tanta ginástica, adoeceu.
De comer só iogurtes e de trabalhar muito, adoeceu.
A B
De tímido que era, não se ria. Não se ria do tímido que era.
(Não se ria disso)
De aborrecida que estava, não queria falar. Não queria falar do aborrecida que estava.
(Não queria falar disso)
De muito que sofrera, não se queixava. Não se queixava do muito que sofrera.
(Não se queixava disso)
2
Já Bello na Gramática de la Lengua Castellana, considera estas sequências no cap.
XXXVI intitulado «Frases notables en las cuales entran artículos y relativos», 1988, p. 609 e ss.
Aí sublinha a característica de enfâse de que são dotadas: «Encierran ellas no pocas veces un
sentido enfático». São seus os exemplos: »Lo ambicioso que fue de glorias y conquistas el empe-
rador Napoleón», «Lo melancólica que está la ciudad», «Lo divertida que pasaron la noche», «Lo
distraídos que andan», «lo enfermas que se sienten», «lo apresurada que corre la vida», p. 615.
170
Nos exemplos de A, estamos perante circunstantes de causa que «dispen-
sam» a presença do artigo. Tal facto permite distingui-los de sequências «idên-
ticas» de B que ocorrem preferencialmente pospostas. Esta é a explicação
avançada por Gutiérrez e que permite descrever adequadamente a ausência
do artigo nas sequências consideradas: «La anteposición de esquema y la
opcionalidad del lo neutro pueden hallar una nueva explicación: evitar la
confluencia formal con otros decursos donde nuestras estructuras contraen
una función que va generalmente pospuesta y que sí necesita obligatoria-
mente artículo (Gutiérrez, 1986: 251).
Se considerarmos as sequências:
A Luísa lê bem.
A Luísa, bem como lê, …
O João mora longe.
O João, longe como mora, …
171
Os «novos conteúdos» causais, concessivos, temporais, etc, devem-se à
topicalização a qual permite um afastamento de complementos do nível dos
aditamentos ou circunstanciais para o nível mais afastado e periférico dos
circunstantes.
As estruturas causais em que se nos apresenta um adjectivo sozinho
ocupando a função que se situa no nível dos aditamentos são estruturas em
que se verificou a elisão do verbo ser:
epreenderam-nos por malcriados. / Repreenderam-nos por (serem)
R
malcriados.
4.1.1.3 C
onstruções absolutas com valor causal ou circunstanciais
causais bimembres
172
medida que una oración subordinada «adverbial» es independiente(?) de su
oración principal» (Rubio, 1984: 162). Os valores semânticos enumerados
por Ernout e Thomas não são intrínsecos, pois, como bem assinala Rubio,
o contexto permite interpretar a circunstância concomitante expressa pelo
ablativo absoluto como temporal, causal, instrumental ou modal, sendo,
no entanto legítimas várias destas interpretações em simultâneo (id.: 161).
Na verdade, não são os valores semânticos que conformam a especificidade
destas construções. Como refere Salvador Gutiérrez «lo especifico de las cons-
trucciones absolutas está en lo sintáctico, no en lo semántico» (Gutiérrez,
1989: 154).
Se observarmos as sequências:
ivulgados os resultados da avaliação às escolas, o ministro mani-
D
festou-se satisfeito.
Terminadas as vindimas, o Duarte e a família regressam a Évora.
Dadas estas circunstâncias, vamos comprar mais mercadoria.
Arrumadas as estantes, faltava lavar o chão.
173
mos adiante. Seria, pois, inadequado considerar que o elemento nominal das
construções absolutas desempenha uma função subordinada ao elemento
atributivo; efectivamente, só seria adequado denominá-lo de «sujeito» se
estivéssemos perante um particípio não adjectivado. A opção teórica mais
justa será a de falar de segmentos independentes e não de segmentos subor-
dinados, correspondendo a função nominal ao tema 3 e a função adjectiva ao
atributo. Esta questão não é pacífica, dado que outros funcionalistas defen-
dem a existência de uma relação de subordinação entre o segmento nominal
e o particípio. Vejamos a posição de Fernández Fernández, que é desen-
volvida na esteira das ideias de J. A. Martínez. Para Fernández Fernández
(1993: 111), o elemento nominal só pode ser entendido como um elemento
subordinado, pois nem sempre é obrigatório. Não negando a importância
do critério de obrigatoriedade, o seu uso inadequado pode gerar maus resul-
tados. É comummente aceite que o verbo é o núcleo da oração e como tal
será de presença obrigatória. Ora constatamos facilmente a existência de
contextos em que o mesmo é suprimido como:
O Pedro comeu o bolo e a Luísa comeu o chocolate.
O Pedro comeu o bolo e a Luísa o chocolate.
Ansiava pelo fim das vindimas; terminadas (0), voltariam para Évora.
Pediu licença na câmara e, deferida (0), deram início às obras.
3
Seguimos o proposto por Gutiérrez em 1978 no artigo «Construcciones atributivas
absolutas». Usamos o texto de 1997 b, 217-228, cf. ainda os artigos «Construcciones atributivas
absolutas y afines» e «Nuevas variaciones sobre la atribución», id., 229- 269 e 270 -302. �������
Relati-
vamente ao que este autor designa por tema, veja-se o artigo de Alarcos sobre «adjacentes temá-
ticos», Estudios de Gramática Funcional, 195.
4
Cf. González Escribano, 1980, 293 ss, «Reflexiones acerca del concepto de «núcleo» en la
gramática tagmémica», Archivum, XIX-XXX, 265-310, ap. Gutiérrez, 1997 b: 281.
174
Não só o tema mas também o atributo se pode elidir em certos con-
textos:
Consumado um atentado em Washington e (∅) dois em Nova Iorque.
onhecidos ontem os resultados das colocações nas Universidades e
C
(∅) hoje nos Politécnicos.
175
sequências dado que e posto que. Ao falarem das conjunções subordinativas
referem num breve parágrafo as locuções conjuntivas onde integram dado
que, posto que e visto que. Poderíamos interrogar-nos onde se iniciou esta
errada concepção, uma vez que estamos perante óbvios constituintes fun-
cionais distintos. Esse erro advém provavelmente do facto de comutarem
com porque, ele próprio, contudo, também não unitário. É certo que estamos
perante uma estrutura do nível dos circunstantes de valor causal, mas isso
não permite inferir a natureza unitária de dado que, posto que, visto que. Não
há cabimento em falar de locuções como se comprova pelo uso dos «particí-
pios» dado e posto seguidos de sintagma nominal:
– Dada a sua boa disposição, não parava de rir.
– Dadas as circunstâncias, foi decretado recolher obrigatório.
– Dado o desemprego que existe, não é fácil mudar de emprego.
– Dado que não tenho sono, vou ficar a ler.
– Dado que o desemprego não pára de aumentar, as lojas estão vazias.
– Dado que tomaste tal decisão, eu saio.
176
– Dado que tinha dormido mal, passou o dia a bocejar.
– Dado que estou cansada, vou à praia.
– Dado que fui a Lisboa, fui aos saldos.
– Dado que a exposição encerra amanhã, vou vê-la hoje à tarde.
– Dado que já tens um cão, não compres um gato.
177
Esta ocorrência de causais com Como é referida por Evanildo Bechara,
que sublinha o facto de as mesmas só ocorrerem em posição inicial, ou seja
topicalizadas. Aduz o exemplo: Como está chovendo, transferiremos o pas-
seio» e afirma «A língua moderna só usa como causal quando vier antes da
principal» (Bechara, 1999: 493) 5.
5
Cunha e Cintra limitam-se a apresentar o seguinte exemplo extraído de Graciliano Ramos
«Como as pernas trôpegas exigiam repouso, descia raro à cidade». Cunha e Cintra, 1984: 582.
6
Os exemplos aduzidos por Epifânio Dias são os seguintes: E já que de tão longe navegais,
/ Buscando o Indo Hydaspe e terra ardente, / Piloto aqui tereis, por quem sejais / guiados pelas
ondas sabiamente (Lusíadas, I, 55); Ora não sejamos terrestres, já que Deus nos deu uma alma
celestial (Vieira, I, 294); já que pretendem sem merecimento, paguem as custas da sua ambição
(id., II, 93), Dias, 1933: 278.
178
4.1.1.7 As causais de verbo enunciativo
179
Todas as causais que se estruturam como determinantes do conjunto
da oração, ditas periféricas, situam-se no nível dos circunstantes e não dos
aditamentos ou circunstanciais. Como já se disse, estas ocupam preferencial-
mente a posição inicial, delimitadas por pausa, podendo no entanto ocorrer
em posições intermédias ou finais, mas sempre abrigadas na estrutura formal
de incisos (o que graficamente se traduz na presença de vírgula, ponto e
vírgula e eventualmente ponto final).
Note-se que um autor como Alarcos (1994: 364) apesar de defender que
se está perante uma mesma estrutura sintáctica, sublinha a existência de
sentidos diferentes em:
1 – Está enfermo porque há llevado mala vida.
2 – Está enfermo porque tiene mal aspecto.
180
Estes dois tipos de causais têm valor remático, ou seja, correspondem
a informação nova. Respondem à pergunta Por que? a qual incide no verbo
do enunciado no primeiro caso e no verbo enunciativo implícito, o qual será
recuperado, no caso das causais de verbo enunciativo.
Topicalização
181
A língua não oferece um meio de distinguir se os circunstantes causais
dependem do verbo do enunciado ou do verbo enunciativo. Estamos perante
uma ambiguidade estrutural que confere uma mesma resposta a perguntas
diferentes, que implicam informação diferente do ponto de vista informativo.
Esta ambiguidade estrutural ocorre com todas as circunstantes causais
que vimos:
182
São alvo de perguntas diferentes
183
Numa perspectiva semântica, as causais de verbo enunciativo expres-
sam o motivo que permite inferir o dito na oração principal: «Constituyen
el fundamento en el que basamos la hipótesis que formulamos en la oración
principal (cf. Gutiérrez, 2000: 114).
As causais são nestes exemplos aditamentos de um verbo implícito, cuja
presença é requerida na focalização em estruturas equandicionais e quando
se indaga a causa:
– Se digo que chove é porque a rua está molhada.
– Se digo que é pobre é porque traz os sapatos rotos.
– Por que dizes que chove?
– Por que dizes que é pobre?
7
Pode haver exemplos cuja aceitabilidade seja discutível.
184
5 Respondem à pergunta «por que dizes A? Não aceitam estas provas.
E permitem a focalização em estruturas
equandicionais Se digo A é porque B.
6 Constróem-se apenas com porque- Além de porque, aceitam outros conectores.
7 Não admitem interrogação retórica no O segmento com porque pode ser formulado
segmento causal- como interrogação retórica.
8 B integra o mesmo acto de fala de A- O segmento B, como enunciado distinto que
é, pode apresentar os seus próprios comple-
mentos de verbo enunciativo.
9 (Discutivelmente) podem ser aditamentos Podem determinar enunciados sem verbo.
de enunciados sem verbo.
10 Não admitem supressão de Porque. O conector causal (explicativo) pode supri-
mir-se.
185
4.1.2 Condicionais8
8
Cf. Gutiérrez, 1997 b: 402.
9
Bechara considera como «principais conjunções condicionais (e hipotéticas): se, caso,
sem que, dado que, contanto que, uma vez que (com conjuntivo) e desde que (com conjuntivo)
(op. cit., 327).
186
Os circunstantes condicionais, como outros circunstantes, exibem as
características configuradoras desse nível:
– Posição inicial (preferencial)
– Incisos
– Posição exterior à curva de entoação interrogativa
– Posição exterior ao âmbito de substituição se Sim/Não.
187
O valor concessivo encontra-se em complementos que se situam, quer
na órbita dos aditamentos, quer na dos circunstantes. Pelo que, ao presen-
ciarmos uma deslocação de um para outro dos níveis as estruturas conces-
sivas não alteram o seu conteúdo. Dá-se, porém, como temos visto com
outras estruturas, uma mudança no valor informativo.
A determinação concessiva «conforma la expresión de una causa,
apoyada en un implícito que la supone eficiente, pero que se revela ineficaz
a través de la negación del resultado esperable» (Gutiérrez, 1997 b: 404). No
dizer de Bechara, as concessivas exprimem um obstáculo real ou suposto,
obstáculo esse que «não impedirá ou modificará a declaração da principal»
(1999: 327) 10.
10
Vejamos brevemente as definições de concessivas dadas por outros gramáticos: Rocha
Lima, 248, fala de orações concessivas ou de oposição, afirmando: «A oração concessiva expressa
um facto – real ou suposto – que poderia opor-se à realização de outro facto principal, porém
não frustrará o cumprimento deste». Epifânio, na Gramática Elementar (116) esclarece que as
orações circunstanciais concessivas» – «exprimem que um facto não impede a existência de
outro facto». Francisco Sequeira, 1938: 284, fala de proposições adverbiais ou circunstanciais
concessivas: « As proposições concessivas trazem circunstâncias contrárias, mas não impedi-
tivas do que se afirma na subordinante que, pelo contraste fica até reforçado. Para A. Vascon-
celos, 1899: 254, Proposições adverbiais ou circunstanciais são as que equivalem a comple-
mentos circunstanciais. «Concessivas «indicam circunstâncias que contrariam ou se opõem ao
expresso na outra proposição, sem que impeçam a sua realização» (id.: 79), Said Ali, 1927(?),
Gramática Secundária: 190, «A oração concessiva exprime um facto que, podendo determinar
ou contrariar a realização de outro facto principal, deixa entretanto de produzir o esperado ou
possível efeito». Nota o uso de que e de quanto com valor concessivo desde que «o verbo esteja
no conjuntivo»:, «vinte libras que me oferecesse, ainda assim não lhe cederia a minha obra»,
«cinco contos que fossem, era um arranjo menor, e antes menor que nada». Distinguindo para-
taxe e hipotaxe, Said Ali na Gramática Histórica escreve (273): Dá-se parataxe (coordenação)
«se a segunda oração é causal e se usa, sem conjunção ou com a partícula porque, tendo esta o
sentido do francês car, do inglês for, do alemão denn; quer isto dizer, a proposição causal consti-
tuirá um pensamento à parte, podendo haver uma pausa forte entre ela e a proposição inicial».
Adriano Kury (1961: 82), distingue, seguindo Said Ali, concessivas simples e concessivas inten-
sivas. Fala de concessivas reduzidas de infinitivo, de gerúndio e de particípio.
188
Não comas nada por mais fome que tenhas. Por mais fome que tenhas, não comas nada.
Ninguém acredita na sua inocência apesar de Apesar de que tudo isto seja verdade, ninguém
que tudo isto seja verdade. acredita na sua inocência.
∅ Com fazer todas as obrigações correctamente,
não conseguiu livrar-se da falência.11
Diz que estás ocupada mesmo que tenhas tempo Mesmo que tenhas tempo livre, diz que estás
livre. ocupada.
11
Sobre a coordenação inclusiva, veja-se Gutiérrez, 1997 b, «Las otras relaciones semán-
12
189
Nestes casos de coordenação inclusiva, estamos perante uma inclusão
gradual e decrescente que se efectua assindeticamente, em que uma dada
expressão vai sendo concretizada e especificada de modo sequencial.
Se os locativos se ordenarem por «ordem crescente», ou seja, da menor
à maior extensão, produz-se um fenómeno de natureza oposta: os locativos
(de lugar e de tempo) ocorrem como functivos distintos:
– O marido trabalha na Caixa Agrícola, em Estremoz.
– Comprou casa na Avenida Fernando Pessoa, no Bairro do Bacelo,
em Évora.
– Nasceu na maternidade, em Lisboa.
– Feriu-se na mão, no jardim.
Ambos os locativos permitem ser objectos das provas Não A mas sim B:
– Trabalha na Caixa Agrícola, não em Évora, mas em Estremoz.
– Trabalha em Estremoz, não na Caixa Geral de Depósitos, mas na
Caixa Agrícola.
190
Entende-se por incorporação sintáctica o facto de functivos perten-
centes a determinado nível passarem a ocupar uma função noutro estrato
funcional.
Os aditamentos que se incorporam no nível dos circunstantes exibem
os traços formais e comportamentos característicos deste nível (Gutiérrez,
1997 b: 409):
– Não entram no âmbito de comutação dos advérbios oracionais
sim/não.
– Não admitem comutação por pronomes tónicos ou advérbios.
– Não são focalizáveis em estruturas equacionais.
– Não são focalizáveis em estruturas equandicionais.
– Em posição inicial são externos à curva entoacional das interro-
gativas.
– Estão separados do resto da sequência pelo inciso.
191
Functivos de «instrumento», «matéria», «meio», «privação», «modo». do
nível dos aditamentos, quando se incorporam no nível dos circunstantes
adaptam-se a uma das funções semânticas de causa, condição ou concessão.
Conservam as preposições e outros traços (+– determinação; +– contável;
+– animado) que permitem associá-los à sua função inicial.
13
Sobre os contrastes de significado entre os complementos situados no nível dos adita-
mentos ou circunstanciais ver Fernández, Función incidental.
192
segmentos que não se coordenam no nível dos aditamentos, por aí possuí-
rem distintas funções sintácticas e semânticas. Não se defende, pois, que ao
nível dos circunstantes se coordenam funções distintas, defende-se sim que
estas distintas funções ao nível dos aditamentos, se podem coordenar no
nível dos circunstantes, porque nessa mudança adquiriram um mesmo valor
funcional. São possíveis coordenações como as seguintes:
– Com a Luísa e sem carro, não vou ao supermercado.
– Com pouco tempo e sem estar segura de que é importante para a
tese, não vou ler aquele livro.
– Com cinco anos e se não se cala, o tio ainda lhe bate.
– Nevando e sem pneus de neve, é perigoso subir a serra da Estrela.
193
No Inverno, é perigoso subir a serra da Estrela sem correntes de neve.
É perigoso, no Inverno, subir a serra da Estrela sem correntes de neve.
É perigoso subir a serra da Estrela, no Inverno, sem correntes de neve.
É perigoso subir a serra da Estrela sem correntes de neve, no Inverno.
194
Estes locativos externos, ou seja, locativos situados no nível dos circuns-
tantes, são passíveis de co-ocorrer com outros segmentos que se situam no
mesmo nível periférico. Podem co-ocorrer nomeadamente com aditamentos
de verbo enunciativo, atributos oracionais e tópicos de ponto de vista:
inceramente, por sorte, no Brasil, pessoalmente, não senti medo
S
nenhum.
Sinceramente será um aditamento de verbo enunciativo, por sorte é um
atributo de modalidade linguística, no Brasil é um locativo externo e pessoal-
mente é um tópico de ponto de vista ou de perspectiva. Todos estes comple-
mentos se situam no nível periférico dos circunstantes.
4.1.5 T
ópicos ou Complementos de Referência ou Marco e Com-
plementos de Perspectiva
No complexo funcional que temos vindo a designar como nível dos cir-
cunstantes podemos, de um ponto de vista semântico, distinguir os comple-
mentos de referência ou marco muito próximos de outros a que chamaremos
de perspectiva ou ponto de vista.
Serão complementos de referência do nível dos circunstantes, por exem-
plo, os seguintes:
No que respeita ao euro, Janeiro foi o mês de todas as confusões.
Falando de crianças, a tua filha gosta da escola?
Quanto ao cão, a vizinha trata dele.
195
mente todas as funções externas e não são os únicos functivos das funções
que contraem, encontrando-se frequentemente functivos de carácter prepo-
sicional e algumas da chamadas orações subordinadas nas funções de nível
periférico.
É precisamente num artigo intitulado «Advérbios de frase»14, que Malaca
Casteleiro propõe uma classificação distintiva destas unidades.
Considerando os exemplos:
– Felizmente, o sismo não provocou estragos.
– Provavelmente, o colóquio vai ser adiado.
Malaca Casteleiro, Biblos, vol. LVIII, 1982: 99-110.
14
196
Malaca Casteleiro estabelece ainda uma subclassificação semântica que
resumimos aqui em forma de quadro:
Advérbios de Frase
– Subclasses semânticas
Emotivos O falante exterioriza o seu estado de espírito relativamente
à proposição contida na oração adjacente ao advérbio
Modais Permitem pressupor como mais provável a verdade da
proposição contida na oração adjacente
Sectoriais Restringem o valor de verdade da proposição contida na
oração adjacente a um dado domínio ou sector
Pragmáticos Permitem ao falante caracterizar o conteúdo ou a forma
daquilo que está a dizer
197
e não se inserir mesmo no nó actancial, como acontece com as chamadas
partículas modais:
Demoraste, mas sempre chegaste.
ou inserir-se directamente num dado elemento do nó actancial:
Ele fala desabridamente connosco.
Neste último exemplo, desabridamente liga-se ao verbo.
Vilela, no ponto intitulado «Determinações adverbiais», usa como
sinónimos circunstanciais, circunstantes ou determinações adverbiais (1995:
278‑286). Faz uma subclassificação semântica dos mesmos: adverbiais locais,
adverbiais de tempo, adverbiais modais, especificações, determinações
causais (que em sentido amplo englobam determinações finais, condicionais
e concessivas) e o aposto.
No artigo «Circunstantes e predicados complexos» (Vilela, 1994)15, distin-
guem-se complementos periféricos e complementos nucleares, sublinhando
que a gramática tradicional os separa também de modo inequívoco, atri-
buindo a estes um nome genérico, ao passo que aos primeiros dá «uma desig-
nação marcada »tempo», «meio», «instrumento», «modo», etc. (nota 9, 197):
« os complementos periféricos ao transportarem o seu próprio con-
teúdo independentemente do verbo, têm uma ligação menos estrita
com o verbo» (id.: 197).
15
Reproduzido em 1995,Léxico e Gramática, 187-213.
198
A tendência para distinguir um centro e uma periferia no que respeita
ao advérbios, leva Vilela a considerar «advérbios centrais», os que especi-
ficam semanticamente ao nível da palavra e que o autor designa advérbios
de nó actancial. Perifericamente ou, nas suas palavras, «já fora do centro»,
teremos os advérbios que exprimem uma circunstância (de lugar e de
tempo). Na verdadeira periferia, estão os «advérbios de frase» e os «advér-
bios modalizadores ou moduladores»
O artigo de Mário Vilela concentra-se nos «circunstantes de nó actan-
cial» e sobretudo nos modificadores do verbo.
Mais adiante (id.: 202), porém, encontramos, não uma divisão tripar-
tida, mas bipartida dos «complementos não controlados valencialmente pelo
verbo»:
– Complementos que «transportam o posicionamento do falante
perante o conteúdo proposicional»
– Complementos integrados «no estado de coisas configurado no
enunciado da frase ou que representam por si sós um estado de
coisas suplementar».
Seguindo a divisão proposta por Ludo Melis (1983) distingue nos últi-
mos dois sub-tipos:
– os que se reportam a proposições completas (que denomina
circunstantes de frase)
– os que se relacionam com uma parte da estrutura frásica (que
denomina circunstantes do nó actancial).
199
O mesmo Mário Vilela, num outro artigo, «A «cena» da «acção linguís-
tica» e a sua perspectivação por Dizer e Falar», 1994, Revista da Faculdade
de Letras do Porto (1995: 148), refere adverbiais de modo que «especificam
como o acto locucionário é realizado, caracterizando apenas o acto locucio-
nário em si ou caracterizando simultaneamente o locutor: Falou depressa /
Falou calmamente.
Refere a ocorrência de advérbios de «ponto de vista»: Estritamente
falando, estamos todos de acordo; Falando filosoficamente, não estamos de
acordo:
«É particularmente importante o contributo dos advérbios (ou adver-
biais) para a cena da acção linguística. Os adverbiais adjuntos, os atitudinais,
etc., têm uma função dirigida para o sujeito e para o próprio processo verbal,
ou apenas para um deles, mas situando-se sempre no nó actancial do enun-
ciado» (1995: 156-157).
Vilela especifica que usa as designações adverbiais, adverbiais atitu-
dinais e adverbiais conjuntos no sentido que lhes é dado nas gramáticas
inglesas actuais, nomeadamente, em Quirk, et al., 1985.
Nesta gramática é feita uma distinção de princípio: só se denomina
adverbial os «advérbios, «Sprep» ou outra unidade que funcione gramati-
calmente independente do chamado «clause element». Os outros não são
considerados adverbiais: «When adverbs, prepositional phrases, and other
structures are functioning as part of an element in the sentence structure,
they cannot of course be regarded as «adverbials» in terms of the sentence in
question» (Quirk, 1985: 501).
E conclui-se que: «adjuncts closely resemble other sentence elements
such as S, C. and O» (id.: 504).
200
Disjuntos: «they are syntactically more detached and in some
– «style»: o comentário do falante respect «superordinate». Parece moverem-se num
– «content»: uma observação âmbito que abarca a oração como um todo. São
adverbiais que ocorrem em orações que têm
o falante como sujeito [presença de um verbo
enunciativo dizer]. Implicam autoridade do
falante.
Conjuntos: enumerativos, Explicitam a forma como o falante liga as
sumativos, apositivos, resultativos, unidades, liga as orações. Coincidem com o que se
inferenciais, contrastivos denomina conectores textuais.
201
5. A possibilidade de introduzir uma perífrase explicativa onde o
segmento adverbial adopta a forma atributiva e o conteúdo proposi-
cional é substituído por um demonstrativo neutro:
João defendia, erradamente, que a Primeira Grande Guerra tinha
O
sido entre 1915 e 1918.
O João defendia que a Primeira Grande Guerra tinha sido entre 1915
e 1918, e isto era errado.
6. Alguns adverbiais permitem ser usados como enunciados completos
em resposta a sequências das quais fazem parte, podem ser acompa-
nhados ou não de Sim. Se a resposta é negativa, não ficam excluídos,
mas por si só são insuficientes16. Se não aparecem na pergunta, não
poderão aparecer autonomamente na resposta, só o poderão fazer
acompanhados de Sim ou de Não.
– Infelizmente, morreu-lhe o pai quando era criança.
Morreu-lhe o pai quando era criança?
– Infelizmente.
Estou muito envelhecida?
Sinceramente, sim.
7. Compatibilidade externa com perguntas
De verdade, quantos bolos comeste?
Honestamente, quantos namorados tiveste?
* Felizmente, quantos namorados tiveste?
* Possivelmente, quem vai ao baptizado?
8. Compatibilidade convivencial ou seja, incidência sobre um verbo
enunciativo:
Sinceramente, precisas de dinheiro?
Diz-me sinceramente, precisas de dinheiro?
Francamente, tu partiste o candeeiro?
Diz-me francamente, tu partiste o candeeiro?
9. Dois ou mais adverbiais podem co-aparecer dentro de um mesmo
nível funcional, ocupando papéis funcionais distintos:
Sinceramente, na tua opinião, do ponto de vista legal, posso reclamar?
16
Cf A. Fernández, 1993, 194.
202
Ponderando os resultados obtidos face à aplicação destes testes ao
comportamento dos adverbiais, Gutiérrez (1997 b: 353) separa três grandes
grupos de adverbiais: aditamentos de verbo enunciativo (nível 6), atributos
oracionais (ou marcadores de modalidade linguística) (nível 4) e os circuns-
tantes que exercem a função marco ou perspectiva (nível 3).
203
Os atributos oracionais ou marcadores de modalidade linguística são
externos ao enunciado, segundo prova o critério de autonomia. Todos estes
marcadores se caracterizam por produzirem uma valorização do eu enun-
ciativo sobre o dictum, ou seja, aplicam sobre o enunciado uma apreciação,
uma valoração modal externa. Do ponto de vista semântico, estes marca-
dores efectuam uma predicação sobre a globalidade do discurso, reflectindo
a perspectiva do eu enunciativo sobre a sua mensagem. De um ponto de vista
sintáctico estes marcadores são atributos cuja base é o próprio enunciado.
Neste tipo de sequências, como refere Gutiérrez, «el mensaje se configura
como formado por dos polos relacionales entre un atributo y una base, entre
un predicado semântico y un tema de predicación» (Gutiérrez, 1997 b: 413).
Os marcadores de modalidade linguística partilham com os comple-
mentos do nível dos circunstantes a modificação externa que efectuam sobre
a oração, mas são-lhes exteriores, uma vez que os abrangem no seu âmbito
de predicação. Poderíamos designá-los como atributos enunciativos, uma vez
que constituem predicações que o falante efectua sobre enunciados, o que
leva a que também se considerem a concretização sintagmática da modali-
dade enunciativa.
4.2.1 M
arcadores ou atributos de modalidade axiológica, episté-
mica e emotiva.
17
Sobre este conceito e a distinção entre dictum e modus, bem como sobre as aportações
de Ch. Bally, cf. infra, 7.3.
204
O falante produz sobre o enunciado um juízo relativo aos graus de
certeza, possibilidade ou evidência cognoscitiva: estamos perante advérbios
como certamente, claramente, indubitavelmente, possivelmente, provavelmente,
seguramente, verdadeiramente.
Os mesmos são comutáveis com a perífrase atributiva em que o advér-
bio aparece como adjectivo:
– Indubitavelmente, o Euro provocará confusão nos primeiros meses.
– É indubitável que o Euro provocará confusão nos primeiros meses.
Ver María Victoria Escandell Vidal, 1999, GDLE, 3939-3992.
18
205
Se aparece posposta a interrogação ou não? Obtém-se um valor de
«pergunta» visível no seguinte diálogo:
– Tens horas ou não?
– Tenho. Não precisas de levar o teu relógio para a praia.
206
Mediada por um curto lapso de tempo, nasce do desenvolvimento do con-
ceito de Modalidade a formulação do conceito de hiperoração da hipótese
performativa ou realizativa, nomeadamente através de J. M. Sadock e de
J. R. Ross19.
Muito sucintamente, pode-se afirmar que qualquer oração era conce-
bida como constituinte de uma oração implícita a qual por seu turno tinha
como actantes o falante e o ouvinte. Esta oração implícita condicionava o
valor de afirmação, pergunta ou ordem da oração explícita. A hipótese perfor-
mativa, por razões de metodologia interna, não conheceu aceitação 20.
Ofélia Kovacci em 1972 21, ao estudar orações de causalidade e certos
advérbios socorre-se dos conceitos, até então incipientemente definidos, de
modalidade ou enunciação. Distingue modificadores oracionais e modifica-
dores de modalidade.
Na verdade, as teorias sobre a modalidade remontam à lógica aristo-
télica e ganham extrema importância nas discussões medievais em torno do
binómio dictum/modus 22. Este binómio à semelhança de muitos outros
da lógica, infiltra-se no seio da linguística. É o linguista Charles Bally quem
no século XX apresenta, provavelmente pela primeira vez, uma teorização da
noção de modalidade 23. Para Bally a modalidade é a forma linguística de
um juízo intelectual, afectivo ou volitivo que um sujeito pensante enuncia
a propósito de uma representação ou percepção do seu espírito: se um cam-
ponês, perante a eminência de chuva, produz as sequências Creio que vai
chover; Temo que vá chover, Espero que chova, Oxalá chova, o linguista distin-
guirá o modus e o dictum. «Eu creio, Eu temo, Eu espero, Oxalá» expressam
um juízo ou vontade e correspondem ao modus. O objecto do modus, aqui
19
Cf. J. M. Sadock, 1969, Hipersentences, Ann Arbor, University Microfilms; J. R. Ross, 1970,
«On declarative sentences», in Jacob-Rosenbaum (eds): Readings in English Transformational
Grammars, Ginn, pp. 222-272, ap. Gutiérrez, 2000: 74.
20
Sobre a rejeição desta teoria veja-se C. Fuentes Rodríguez, 1987, Enlaces extraoracio-
nales, Sevilha, Alfar, p. 152 e ss.
21
O artigo «Modificadores de Modalidade» de 1972 é republicado na compilação Kovacci,
1986, Estudios de Gramática Española, Buenos Aires, Hachette, por onde citamos.
22
O dictum será a união dos componentes do juízo, sujeito e predicado: Sócrates é mortal.
O modus será a determinação que se refere a todo o juízo: É certo que Sócrates é mortal.
Cf. Gutiérrez, 1997 b: 343. Faz-se aqui apenas um apontamento histórico, já que este assunto
segue a senda da tradição greco-latina, continua no decurso da Idade Média e é utilizado pelos
estudiosos de Port- Royal (Arnault e Lancelot, 1993 (1660)).
23
Cf. Charles Bally, 1942, «Syntaxe de la modalité explicite », in Cahiers Ferdinand De Saus-
sure, 2, pp. 3-13.
207
a ideia da chuva, corresponde ao dictum. Bally distingue essas duas partes
que considera essenciais à frase: dictum e modus ou modalidade. «La phrase
explicite comprend donc deux parties: l’une est le correlatif du procès qui
constitue la représentation (p. ex. la pluie, une guérison); nous l’appellerons,
à l’exemple des logiciens, le dictum. L’autre contient la pièce maîtresse de
la phrase, celle sans laquelle il n’y a pas de phrase, à savoir l’expression de la
modalité, corrélative à l’opération du sujet pensant» (Bally, 1944: 36).
As noções de modalidade ou de enunciação precisam, para ocuparem o
lugar que de direito lhes pertence no campo dos estudos sintácticos, de serem
devidamente delimitadas no discurso, na cadeia sintagmática. Oriundas da
pragmática, as noções de modalidade e de enunciação têm sido por vezes,
erradamente, excluídas do estudo sintáctico. Na verdade, grande parte dos
fenómenos de enunciação é de natureza sintagmática. Assim, o nosso pro-
pósito neste campo, fazendo nossas as palavras de Salvador Gutiérrez, con-
sistirá em «descubrir y presentar de un modo objectivo y adecuado cuál es
el papel que ocupan en la Sintaxis estos elementos denominados “externos”»
(1997 b: 346)… É nossa convicção que «há llegado el momento de acudir
com criterios funcionales a estudiar las posibilidades teóricas de la hipótesis
performativa» (id.: 417).
208
teórico, a catálise de um verbo enunciativo poderia ser tipificada por qual-
quer outro ou simplesmente por uma matriz de traços léxicos. A visualização
sintáctica da oração exemplificativa poderá então ser a seguinte:
S: Eu
CI: te
CC: aqui
CC: agora
DIGO
CC: Francamente
estão presentes
T: se me permitem
209
A teoria do verbo enunciativo é também confirmada pelas estruturas
de estilo directo, em que se reconstrói o acto de fala no segmento A e se
reproduz no segmento B a mensagem linguística: Depois de almoço, a Luísa
disse à mãe: – Quero um gelado.
S: A Luísa
CI: à mãe
C: Depois de almoço
S: Eu
210
dizer
CVen
Tópicos
CCs
SUP
C
CI
D
núcleo
211
Cuando aparecen las primeras disciplinas del denominado
Paradigma de la comunicación, uno de los primeros
Fenómenos a que asistimos es a la comprensión de que
El código no explica toda la comunicación, sino solo una
Parte y, posiblemente, una parte muy limitada.
Contexto canal
1
Reproduzimos o esquema descritivo apresentado por Gutiérrez, 2002 b: 146.
215
Se a gramática se ocupa da informação codificada, a pragmática ocupa-
‑se de outro tipo de informação, como o conteúdo
Se a gramática se ocupa da informação codificada, a pragmática ocupa-
se de outro tipo de informação como o conteúdo implícito, a informação
referencial, intencional, etc., ou seja, a pragmática distingue-se também da
gramática pelo facto de abordar factos ligados ao próprio acto enunciativo
de que a primeira não se ocupa. Neste âmbito, situam-se aspectos como a
enunciação e suas categorias, como a modalidade e a deixis, a referência, as
funções informativas, os actos de fala como interacções, a conversação, a
polifonia, o implícito e a argumentação.
A pragmática é definida por Deirdre Wilson como «o estudo dos aspectos
dependentes do contexto na interpretação das elocuções», sendo o seu objec-
tivo «demonstrar como o significado linguístico se junta com as suposições
contextuais durante a compreensão das elocuções» (Sperber e Wilson, 2001: 7).
Como se sabe, o texto publicado postumamente em 1962, da autoria
do Professor de Filosofia Moral em Oxford, John Langshaw Austin, How to
do Things with Words e as conferências proferidas em Harvard na Cátedra
William James, pelo filósofo Paul Grice, em 1967, onde se reúnem ideias já
esboçadas ao longo da década anterior, são tomados como diferentes pontos
de partida da pragmática moderna. No entanto, o termo «pragmática» surge
em 1938, com Charles W. Morris, para designar «o estudo entre os sinais e
os seus utilizadores ou intérpretes» 2. Morris distingue três tipos de relações
passíveis de serem contraídas pelos signos: será relação sintáctica a relação
formal dos signos entre si; será relação semântica a relação dos signos com os
Relação Relação
pragmática sintáctica
Relação
semântica
objecto
2
C. Morris, 1938, «Foundations of the theory of signs», em Neurath, Carnap e Morris
(eds ), International encyclopaedia of unified science, University of Chicago Press, ap. Gutiérrez,
2002 b: 26.
216
objectos; e será relação pragmática a relação dos signos com os intérpretes ou
interlocutores. Estes três diferentes tipos de relações podem ser visualizados
no esquema da página anterior.
John Austin, depois de introduzir a noção de performativo para se referir
aos enunciados que se apresentam como a realização de uma acção e a noção
de constativo para designar os enunciados que descrevem uma acção, um
acontecimento, um estado de coisas, propõe uma reaproximação de ambos
os conceitos, na medida em que os constativos são performativos que apenas
se diferenciam destes por não usarem um verbo que explicitamente mostre
qual a acção que está a ser realizada. Realizam a mesma acção, embora com
formas linguísticas distintas os seguintes enunciados:
a) Prometo que te pago o almoço no dia 10.
b) Pago-te o almoço no dia 10.
217
5.1.3 Tipologia dos actos ilocutórios
3
Usamos a tradução francesa: Searle, 1982, «Taxinomie des actes illocutoires», Sens et
expression, pp. 39-70. O�����������������������������������������������������������������������
original data de 1975 e havia sido previamente apresentado como comu-
nicação no forum de Verão do Instituto de Linguística de Buffalo, Nova Iorque, em 1971.
4
Veja-se a propósito desta tipologia o exposto em Isabel Casanova, 1996, Linguística
Inglesa, p. 240 e ss. e Carlos Gouveia, «Pragmática» in Faria et al., Introdução à Linguística Geral
e Portuguesa, p. 383 e ss. e também Maria Helena Mateus et al., Gramática da Língua Portu-
guesa.
218
tem de ser, nem sempre é, idêntico ao que esse mesmo sujeito implicou, suge-
riu ou quis significar com determinada elocução. Considera a este propósito
um exemplo em que dois amigos A e B conversam sobre C, que se encontra
a trabalhar num banco. O sujeito A pergunta a B como está C a dar-se com o
novo empregue e B responde «Muito bem, parece-me; gosta dos colegas e ainda
não está na prisão». Aqui A pode perguntar a B o que é que ele está a sugerir
ou até o que é que quis dizer, quando disse que C ainda não está na prisão.
A resposta de B pode ser dizer que C é um tipo de pessoa que a trabalhar num
banco pode ceder à tentação de roubar, que os seus colegas são pessoas de má
formação e desagradáveis, etc. Pode, por outro lado, até não ser necessário a
A perguntar nada mais, uma vez que a resposta à sua possível questão pode
estar clara, à partida, no próprio contexto. Deste exemplo conclui Grice que
há uma diferença entre o que B sugere e o que B diz: «I think it is clear that
whatever B implied, suggested, meant, etc, in this example, is distinct from
what B said» 5 (Grice, 1975: 43).
Grice elege o verbo implicate e os nomes relacionados implicature e
implicatum para evitar escolhas pontuais do verbo e dos seus equivalentes na
linguagem geral. O verbo to say é usado, ainda que de modo intuitivo, para
designar «what someone has said to be closely related to the conventional
meaning of the words (the sentence) he has uttered (ib.). Grice fala de impli-
caturas convencionais e de implicaturas não convencionais, sendo a diferença
entre elas que as primeiras são determinadas pelo significado convencional
das palavras usadas. Das implicaturas não convencionais, ou seja, as que
não estão implicadas no significado codificado, mas sim no próprio discurso,
Grice propõe destacar uma subclasse, a das implicaturas conversacionais:
«I shal call conversational implicatures as being essentially connected with
certain general features of discourse» (op. cit.: 45). As nossas trocas linguís-
ticas pressupõem, para Grice, um esforço de cooperação. Assim Grice enuncia
o Princípio da Cooperação, segundo o qual devemos tornar a nossa contri-
buição discursiva adequada ao momento em que ocorre, ao propósito e
direcção da troca linguística em que se insere: Make your conversational
contribution such as is required, at stage at which it occurs, by the accepted
purpose or direction of the talk exchange in which you are engaged» (ib.)
Tomando como base das trocas linguísticas a partilha do máximo de infor-
mação e fazendo eco das ideias de Kant, Grice propõe articular o princípio
5
Herbert Paul Grice, «Logic and Conversation», 1975, Syntax and Semantics, vol. 3, New
York, Academic Press, pp. 41-58, p. 43.
219
da Cooperação com quatro máximas, a saber: a máxima da quantidade rela-
cionada com a quantidade de informação a ser fornecida, a máxima da quali-
dade, relacionada com a verdade da informação, a máxima da relação, que se
prende à relevância e aos diferentes tipos de focos de relevância existentes e
ao modo como variam ao longo do discurso, e ainda a máxima do modo que
ao contrário das anteriores, que se relacionam com o que é dito, se relaciona
com o modo como é dito o que é para ser dito. Para melhor visualizar a pro-
posta de Grice, optámos por apresentar esquematicamente as suas máximas,
mantendo o texto original 6:
Categorias Máximas
Quantity Make your contribution as informative as is required.
Do not make your contribution more informative than is required.
Quality Do not say what you believe to be false.
Do not say that for which you lack adequate evidence
Relation Be relevant
Manner Avoid obscurity of expression
Avoid ambiguity
Be brief
Be orderly
6
Cf. Grice, op. cit. Ao lado destas, Grice concebe a existência de outras máximas, nomea-
damente de ordem estética, de ordem social ou de carácter moral.
220
com a máxima de relação: por exemplo um padre não pode revelar o ouvido
em confissão. Para se falar de violação consabida de máximas, o locutor
e o alocutário devem partilhar o conhecimento sobre o incumprimento.
Pressupostos Subentendidos
São afirmados na negação e na interro- «desaparecem» na negação e na interro-
gação. gação
Pertencem ao código São não codificados (pragmáticos)
São da responsabilidade do emissor São da responsabilidade do receptor.
Acede-se à sua interpretação pelo código São obtidos por inferência.
linguístico.
7
O termo implicatura é um neologismo proposto por Grice, por não querer usar o termo
«implicação», já usado em filosofia da linguagem com outro significado.
8
Oswald Ducrot, 1969, «Présupposés et sous-entendus», Langue française, 4, pp. 30-43.
221
seis anos é negativo. Porém, a justificação pode ser valorizada positivamente.
Imagine-se que se está a falar de um curso de medicina, o qual dura no
mínimo seis anos. Aí o mesmo enunciado pode servir de justificação a frase
oposta: Fez o curso em seis anos. Não lhe correram mal as coisas. Na com-
preensão de uma elocução necessita-se não apenas da razão mas também da
imaginação.
A comunicação implica que o ouvinte infira o significado a partir da
evidência dada. Essa evidência está codificada linguisticamente, mas não
apenas linguisticamente. Apresenta-se também não codificada, estando pre-
sente em todos os aspectos contextuais que contribuem para a interpretação
das elocuções. Os aspectos implícitos da comunicação verbal comportam em
si uma parte substancial de inferência. As intenções do falante, regra geral,
não são descodificadas, mas inferidas. Grice considera que o objectivo prin-
cipal da pragmática deve ser demonstrar e explicar como as implicaturas
(ou subentendidos) são inferidas pelo ouvinte. Estamos perante um modelo
inferencial, em que a comunicação é feita através da produção e da interpre-
tação das evidências.
9
John Searle, 1975, «Indirect Speech Acts», Syntax and Semantics, vol. 3, New York,
Academic Press, p. 59.
222
A competência pragmática e a competência linguística têm sido vistas
como duas formas complementares de conhecimento linguístico. Por motivos
expositivos e de claridade didáctica é usual confrontarem-se, como sendo
opostas, a pragmática e a gramática. Na verdade, a pragmática inclui e usa
a codificação linguística, o objecto da gramática, como um dos dados indis-
pensáveis, mas não o único, para se explicar o que se comunica numa troca
linguística.
A verdadeira diferença entre gramática e pragmática reside na metodo-
logia processual. A linguística estuda as mensagens atendendo exclusivamente
ao código, enquanto a pragmática interpreta os enunciados não descurando
nenhum dos elementos que intervêm no circuito da comunicação. Para além
do código, interessam factores ligados ao emissor, ao receptor, ao canal e às
circunstâncias da comunicação. Estamos no campo dos valores contextuais e
intencionais, factores a ter em conta numa linguística da comunicação, como
já se disse anteriormente.
Usamos a tradução portuguesa de 2001.
10
223
Como refere Wilson no prefácio à tradução portuguesa de Relevance:
Communication and Cognition, «a teoria da relevância é uma nova abor-
dagem da pragmática que tenta dar resposta não só às questões filosóficas
que se relacionam com a natureza da comunicação, mas também às questões
psicológicas que dizem respeito ao modo como o processo da interpretação
se desenrola na mente do ouvinte» (2001: 7).
Seguindo o princípio comunicativo e o princípio cognitivo11 da teoria da
relevância, o ouvinte toma o significado linguisticamente codificado e usando
um esforço mínimo deve completá-lo ao nível explícito e implícito até obter
uma interpretação que se adeque à sua expectativa de relevância. O ajusta-
mento entre conteúdo explícito e implicaturas, balizado pelas expectativas de
relevância, é o traço caracterizador principal da teoria pragmática baseada
na relevância (cf. op. cit.: 13). O significado linguisticamente codificado pode
ser enriquecido no contexto, contribuindo para a compreensão do significado
pelo falante.
11
«Princípio Cognitivo da Relevância: A cognição humana tende a dirigir-se para a maxi-
mização da relevância. Princípio Comunicativo da Relevância: Toda a elocução (ou outro acto
de comunicação inferencial) comunica uma presunção da sua própria relevância óptima», Rele-
vância: comunicação e cognição, 2001, p. 11.
224
No entanto a mensagem transmite outro tipo de informação. Por exem-
plo, não se sabe a que chefe se refere…o pai, que assim costuma ser tratado?
O chefe do emprego? O chefe da equipa a que pertence? Ou seja, falta identi-
ficar o denotatum da expressão o chefe. A expressão dentro de duas horas está
também dependente do conhecimento do momento exacto em que a mensa-
gem foi escrita. Por fim necessita de identificar, entre as várias pessoas que
conhece com o nome de José, de qual Zé se trata. Este tipo de informação
constitui o significado B ou significado referencial.
A pessoa em causa pode ainda interrogar-se sobre as intenções do Zé
ao escrever «virá felicitar-te». Será verdade ou será irónico? O chefe virá feli-
citá‑lo ou repreendê-lo? Neste último caso será melhor sair de casa ou perma-
necer em casa? As respostas a questões desta natureza ligam-se à intencio-
nalidade do emissor e constituem o significado C ou significado ilocutivo.
A intencionalidade expressada pelo significado ilocutivo pode alterar o
veiculado pelo significado linguístico.
A competência linguística e a competência pragmática são duas formas
complementares de conhecimento linguístico.
A linguística apresenta a informação codificada, ocupa-se do significado.
A pragmática ocupa-se do sentido. O sentido será mais abrangente que o
significado. Definiremos o significado como o conjunto de informações cons-
tantes, convencionais e intersubjectivas, codificadas consoante as regras que
regem a língua. O sentido designará a totalidade de conteúdos que se trans-
mitem numa mensagem concreta, sendo determinado por um maior número
de factores que o significado (cf. Gutiérrez 2002: 191).
Pragmática
Linguística
225
Dito de outro modo, para além da informação codificada, no acto
comunicativo intervêm a informação referencial e a informação intencional
(cf. Gutiérrez, 2002: 95, 32):
Informação intencional
Informação referencial
Informação codificada
226
Herman Paul Grice defende que o respeito pelo «Princípio da Coope-
ração» permite prever as inferências que o nosso interlocutor seleccionará.
Este princípio de Cooperação, como se explicitou anteriormente, subdivide-
se em quatro categorias que podem sintetizar-se em Quantidade, qualidade,
relação e modo.
Grice distinguiu ainda dois tipos de conclusões inferenciais: as impli-
caturas «conversacionais» e as implicaturas «convencionais». A observação
do «Princípio de cooperação» permite obter as inferências ou «implicaturas
conversacionais». As implicaturas convencionais são fixadas por signos.
Veja‑se o exemplo de mas.
12
Cf. Relevância, pp. 46-53, onde os autores comentam as diferenças da sua teoria em
relação a Grice.
227
verdade, o que acontece, como frisa Portolés (2001: 23), é que as palavras
que veiculam significado conceptual podem condicionar o processamento, e
muitos marcadores podem veicular um significado conceptual. Tomemos o
enunciado:
O João tinha muitas recordações do tempo vivido em Angola.
228
casa na praia», deduz-se que antes tinha casa na praia. Há outros conteúdos
implícitos que não se extraem da literalidade da mensagem. Ducrot fala de
subentendidos e Grice de implicaturas conversacionais. Numa frase como
«A Ana não diz não a um doce», entendemos que ela gosta muito de doces,
embora esse conteúdo não esteja ligado à significação codificada – são os
subentendidos. Existe ainda, como também já se disse, um conjunto de
saberes partilhados pelos falantes, o saber enciclopédico, ou os supostos, a
que Ducrot chama tópoi que condicionam a interpretação dos enunciados.
O processo inferencial está sempre presente.
A tese principal do livro de Sperber e Wilson é, segundo os próprios
«a de que um acto de ostensão transmite em si próprio uma garantia de rele-
vância e de que este facto – … o princípio da relevância- torna manifesta a
intenção que se encontra por trás da ostensão» (op. cit.: 95). «A comunicação
inferencial e a ostensão são exactamente o mesmo processo, mas visto de
dois pontos de vista diferentes: o da pessoa que comunica, que está envolvida
na ostensão e o do receptor que está envolvido na inferência» (Sperber e
Wilson, 100).
Sperber e Wilson distinguem dois modelos de comunicação, o modelo
semiótico em que «a comunicação é feita através da codificação e da desco-
dificação das mensagens» e o modelo inferencial ou de ostensão e inferência,
em que «a comunicação é feita pela pessoa que comunica ao fornecer uma
evidência das suas intenções» (op. cit.: 58). Estes dois modelos podem
coexistir num mesmo acto de comunicação. Todo o acto ostensivo implica
uma garantia de pertinência, ou seja, uma garantia de que o emissor consi-
dera a informação de interesse para o receptor. Se o receptor, por um processo
de inferência capta a intenção ostensiva num comportamento do emissor
efectua uma presunção de pertinência. Quer isto dizer que parte do princípio
de que o acto ostensivo possui um valor relevante e preocupa-se em dar-lhe
um sentido. A presunção de pertinência, a qual é um pressuposto indispen-
sável de coerência dos textos, é um requisito fundamental da comunicação.
Para Sperber e Wilson uma mensagem é pertinente quando gera efeitos
contextuais, ou seja, efeitos que estão além do codificado e do situacional.
Não serão relevantes os conteúdos alheios ao tema de conversa, os supostos
já previamente conhecidos e que fazem parte do contexto, nem as informa-
ções que contradigam conhecimentos contextuais relevantes.
Considera-se mensagem relevante o enunciado que transmite mais
informação do que a que está codificada, ou seja, aquele que aduz uma infor-
mação implícita. Como por exemplo quando nos perguntam «tem horas?»
229
Está implícito o pedido de saber que horas são. A presunção de relevância
permite-nos pressupor que um dado enunciado é relevante, ou seja, que a
mensagem transporta informação que transcende a do conteúdo literal. Uma
mensagem é tanto mais relevante quanto maior for a quantidade de infor-
mação implícita que transmite. A relevância é uma propriedade gradual,
não discreta. É por um processo dedutivo que o receptor há-de descobrir as
premissas que lhe permitem estabelecer o processo inferencial. O receptor
deve buscar no seu saber enciclopédico uma premissa que lhe permita uma
conclusão nova.
Vejamos dois enunciados relevantes:
Levanta-te
As 7h é a hora de
acordar para ir trabalhar.
Saber enciclopédico
Hoje não me
levanto às 7h.
Nos dias feriados não se trabalha.
Saber enciclopédico
230
tipo: explicação, concessão, oposição, consequência, etc. E a natureza das
funções é também distinta da que encontramos noutros âmbitos de análise
sintagmática. Estamos perante nós funcionais como causa/efeito; razão/con-
clusão; condicionante/condicionado; causa/consequência, concessão/conclu-
são; base/justificação, etc. Os functivos que assumem tais funções são enun-
ciados ou blocos de enunciados.
Relação
argumentativa
argumentos conclusão
supostos
5.3 Causais
231
Relação causal
efeito causa
supostos
porque
Imagine-se a sequência:
Passou de ano porque não estudou.
porque
232
porque
S: eu
S: (ele) CD: te
AD: honestamente
S:ele
MP: afirm
ML: as
EP EL FV: É AT: bom aluno
ML: sem
dúvida
233
As interrogações retóricas são enunciados que apresentam modalidades
linguísticas e pragmáticas não coincidentes, ou seja, à modalidade linguís-
tica interrogação corresponde uma modalidade pragmática de afirmação de
sentido contrário ao indiciado na pergunta.
Vejam-se alguns exemplos:
MP: afirm.
Quem: ninguém
quem
S: (senão)
EP EL NFV: ajudou eu
CI: te
CC: então
ML: Interr.
234
tico da oração causal é demonstrado pela possibilidade de nela inserir com-
plementos de verbo enunciativo:
S: eu
CD: te
(Por) que Digo CI: e.d.
Ad: sinceramente
Quem
MP: afirm S: (senão)
Quem: ninguém Eu
235
Como nas construções explicativas, estamos perante dois enunciados
distintos, o segundo, dado que depende de uma outra enunciação, admite os
seus próprios complementos de verbo enunciativo:
ceita o convite; porque, sinceramente, quem mais te vai convidar
A
para o baile?
Estuda; o que, francamente, te interessa.
Tens de ir às finanças; porque, se te lembras, hoje termina o prazo.
Não fui eu; porque, uma vez mais, sinceramente, não mexi no teu
computador.
Quanto aos actos de fala, as causais podem aparecer depois de uma afir-
mação ou resposta a uma pergunta:
– Que barulho foi este?
– Fui eu. É que deixei cair as chaves.
– Queres que vá contigo ao médico?
– Sim. Porque tenho medo que as notícias não sejam boas.
236
Outros exemplos do mesmo tipo serão:
Cala-te, que me estás a aborrecer.
Compra pão. Que eu esqueci-me.
Venham para a mesa, que as sopas de pão crescem muito.
Não vale a pena mentir, que mais depressa se apanha um mentiroso
do que um coxo.
Leva gorro e luvas, que deram frio para o fim de semana.
Acorda! Que já são horas.
Pague o que deve, que eu também preciso do dinheiro.
Baixa o som! Porque está tão alto que se ouve ao fundo da rua.
237
Podem justificar saudações:
Parabéns! Pois já sei que passaste no exame!
Felicidades! Porque mais um casamento é motivo de regozijo.
Que tudo corra bem! Porque uma operação é uma operação.
Condicionais:
Posso ouvir música? Se não incomodo, claro.
Podias vir comigo. Se isso não te causa transtorno.
Prometo que vou, se não houver nada em contrário.
Concessivas:
Naquela altura sofri muito, embora isso agora já não interesse.
Na adolescência usou drogas, embora digam que agora anda limpo.
238
implicaturas13, polifonias, tópicos, etc. A dimensão implícita pode ter até
mais importância que a explícita.
Há problemas que transcendem o oracional ou então constituem proble-
mas fronteiriços. No âmbito de uma sintaxe de enunciados, compreendem-
se melhor várias das questões relacionadas com o estilo directo e indirecto.
13
«Una implicatura es un supuesto que el emisor pretende hacer manifiesto al receptor sin
expresarlo de manera explícita», Gutiérrez, 2002: 109.
239
Através da estrutura de estilo directo, o falante pretende reproduzir de
forma literal um acto de fala que pode ser presente, passado ou futuro. Ima-
ginemos uma situação em que o pai diz à Luísa: Come a sopa! Poderá ter a
representação seguinte:
240
Tal como se mantêm os marcadores de modalidade linguística, também
os complementos de verbo enunciativo são reproduzidos no estilo directo.
Reproduzimos as mensagens originais e depois as mesmas transpostas pelo
estilo directo:
Por favor, come a sopa. (Eu digo-te:) Por favor come a sopa.
Sinceramente, está constipado, porque tosse. Porque tosse, (digo-te) sinceramente, ele
está constipado.
Sinceramente, está constipado?, porque tosse. Porque tosse (digo-te): (diz-me) sincera-
mente: Ele está constipado?
241
S: eu MMP: por favor
ML:imperativo
a sopa
CD: te MP: petição
S: eu
MP:afir ML: asserção
CD: te
CC: sinceramente
CC: (por) que tosse
Ad: sinceramente
242
A hipótese do paralelismo entre estruturas indirectas e sequências de
estilo directo implica que ambas as estruturas apresentem os mesmos ele-
mentos funcionais e as mesmas transposições.
A transposição realizada no estilo directo pela imobilização realizada
na reprodução de dicto é conseguida na oblíqua indirecta pelo transpositor
que. O enunciado em estilo directo apresenta uma organização interna que
se verifica também no estilo indirecto:
Eu digo-vos
Porque tosse
Eu digo- Eu
vos digo- O Zé
A Maria
vos fuma
disse a Laura
243
Eu Maria disse a Laura que lhe dissesse
Vós
digo sinceramente, se o Zé fuma, porque tosse.
244
Vejamos alguns exemplos de transposições por meio de oblíquas não
indirectas:
245
Perante um discurso como:
o Domingo choveu todo o dia e a Luísa tinha os trabalhos escolares
N
para fazer.
246
de haver já unidades subordinantes que marcam a coesão entre ambas.
O marcador pode estar no interior da subordinada:
apenas uma lembrança que representa, contudo, a minha estima
É
por si.
O marcador pode estar no interior da principal:
inda que já tenha 40 anos, o João, contudo, comporta-se como se
A
tivesse 15.
Um marcador pode dar coesão a dois membros do discurso e o seu resul-
tado ser pragmaticamente inesperado.
É um belíssimo professor e além disso é bondoso.
#É um belíssimo professor e além disso muito erudito.
14
Cf., entre outros, Portolés, 2001: 43.
247
5.5.4 Os marcadores e os enunciados
15
Num corpus de 3508 enunciados, 24,25% não correspondem a enunciados oracionais
típicos. Cf, Luis Cortés, 1986, Sintaxis del coloquio. Aproximación Sociolingüística, Salamanca,
Universidad de Salamanca, apud Portolés, 2001, 45.
248
Vejam-se os exemplos:
É magro, mas come muito.
É magro e contudo come muito.
Por um lado é magro, por outro come muito.
É magro e apesar disso come muito.
É magro e claro, come muito.
O termo conjunctio dos latinos foi decalcado sobre o termo grego, assim
usado pela primeira vez neste sentido gramatical por Aristóteles, como refere
Herculano de Carvalho (cf. Verbo Enciclopédia). Designava inicialmente todas
as palavras de relação, de ligação. As conjunções coordenativas são, talvez,
os marcadores prototípicos. O grau de integração das chamadas conjunções
subordinativas é menos consensual. Vários autores preferem falar de usos
pragmáticos de conjunções subordinativas.
O marcador «mas» é uma conjunção enquanto outros marcadores de
significado próximo são advérbios, pelo que começaremos por os distinguir.
Os advérbios marcadores apresentam maior mobilidade que as conjun-
ções e normalmente, são alvos de uma entoação particular. Alguns, porém,
aparecem sempre na posição inicial do seu membro discursivo; ainda que
outros sejam atestados em posições mediais e finais.
Conjunção e advérbio marcador podem coincidir num mesmo membro
discursivo.
Os marcadores que se gramaticalizaram como advérbios são palavras
invariáveis. Estes não têm autonomia para constituir por si uma resposta.
A maior parte das formas usadas como advérbios marcadores, pode ser
usada noutras funções.
249
O critério da invariabilidade tem problemas de aplicação que decorrem
do diferente grau de gramaticalização dos advérbios marcadores.
«Los adverbios marcadores proceden de la evolución de una serie de
sintagmas que, de una parte, van perdiendo sus posibilidades de flexión y
combinación y, de otra, van abandonando su significado conceptual y se
especializan en otro de procesamiento» (Portolés, 2001: 59).
Dentro dos advérbios marcadores pode existir distinto nível de grama-
ticalização. Há advérbios que podem ter apenas função de marcadores e são
totalmente fixos, noutros casos o significado do marcador está próximo do
sintagma em combinação livre, o que acontece também em graus variáveis.
Há ainda sintagmas que não sendo marcadores actuam de um modo muito
semelhante. Estes têm uma função oracional, ao passo que os marcadores
têm função extraoracional.
Os marcadores, como elementos extraoracionais, não podem ser
destacados por meio de uma perífrase de relativo (construção equacional)
(Portolés, 2001: 64)
Os advérbios marcadores não podem ser alvo de negação ao contrário
de outros sintagmas da oração.
As interjeições que funcionam como marcadores discursivos caracte-
rizam-se pela invariabilidade e independência
O conceito de marcador do discurso é um conceito semântico-pragma-
tico, baseando-se no significado de processamento de certas unidades. As
unidades que exibem este tipo de significado pertencem às classes grama-
ticais das conjunções coordenativas, dos advérbios e das interjeições.
O significado dos marcadores é essencialmente um significado de
processamento e guia as inferências a efectuar a partir dos vários membros
do discurso.
Para descrever de forma mais precisa os diferentes marcadores deve
especificar-se este significado de processamento. Tal operação parte da teoria
da Argumentação da Língua, de Ducrot e Anscombre (1994).
Ducrot busca os sinais da pragmática na forma linguística. A teoria da
Pertinência, com o princípio da cooperação de Grice, extrai do pragmático o
que se acreditava ser linguístico.
O conceito de «discurso pragmaticamente difícil de compreender»
também ajuda na descrição semântica dos marcadores.
O bom uso de um marcador pressupõe um esforço para encontrar um
contexto em que se possa compreender. Certos enunciados gramaticalmente
250
perfeitos podem ser pragmaticamente difíceis de entender pela relação entre
o dito e o contexto.
Para além do método da comutação, no estudo do significado dos
marcadores será útil também identificar os contextos em que um marcador
que se pressupõe sinónimo de outro não o pode substituir, por produzir uma
sequência quer agramatical quer pragmaticamente estranha.
Todos os marcadores têm um significado na língua que preexiste ao
seu uso discursivo. Em cada discurso, porém, cada marcador evidencia um
determinado «sentido». Há, por exemplo, unidades que não possuindo signi-
ficado de oposição podem adquirir sentido de oposição.
Os marcadores veiculam três tipos principais de instruções semânticas.
Segundo Portolés (86) distinguir-se-ão instruções argumentativas, instruções
de formulação e instruções de estrutura informativa. Saliente-se que um
mesmo marcador pode partilhar no seu significado instruções de tipos dife-
rentes.
251
trariam o esperável. Por exemplo, A menina está com tosse, mas à noite não
costuma piorar. Há ainda enunciados que não orientam obrigatoriamente
para nenhuma conclusão. Como por exemplo: A Luísa é muito infantil. Gosta
de andar de patins.
+ força
Ela ganha muito.
Ela ganha bastante.
Ela ganha algum dinheiro.
252
Sob a literalidade há um valor oculto, um valor latente, cuja interpre-
tação é essencial para compreender a mensagem. São os actos de fala que
assinalamos a sombreado:
– Queres um café?
– Não. Obrigada. Tomei mesmo agora um.
Recusa - Não.
Agradecimento Obrigada
253
5.6 Pragmática e gramática: síntese conclusiva
Falar é também realizar actos, e esta é uma dimensão que não pode
nem deve ser ignorada se quisermos dar uma fidedigna análise do português.
Podemos dizer que as reflexões sobre os actos de fala constituem uma verda-
deira revolução dentro da teoria da linguagem.
Quando em 1938 Charles Morris concebe o estudo da Teoria dos Signos
a partir da sintaxe, da semântica e da pragmática, abre-se o caminho para
um estudo do signo nas suas relações com os seus intérpretes, no âmbito da
última, para além do estudo da relação formal entre signos e dos vínculos
entre signos e objectos, âmbito de estudo das duas primeiras.
É certo que o desenvolvimento da pragmática nos anos 70 partiu de
princípios menos ambiciosos que os de Morris, segundo os quais a pragmá-
tica abrangeria todos os fenómenos psicológicos, biológicos e sociológicos
que ocorrem no funcionamento dos signos. A pragmática que teve grande
desenvolvimento nas últimas três décadas tem tido por objectivo principal
descrever e explicar a diferença entre o dito e o interpretado, como já se expli-
citou no capítulo anterior. O estudo dos marcadores do discurso insere‑se
nesta demanda.
Como sublinhou Herbert Paul Grice em 1967, o dito não é tudo o que se
comunica (Grice: 1975) e por isso a pragmática ocupa-se de uma dimensão
que está para além da relação formal entre os signos. Vejamos a seguinte
conversa:
Maria: Gostaste do filme?
João: Detesto comédias estúpidas.
Depois de ouvir João, Maria conclui que João não gostou do filme
porque este era uma comédia e ele considerou que era uma comédia estú-
pida. Nenhuma destas implicaturas foi verbalizada, mas formam parte da
comunicação tal como o enunciado expresso que as desencadeou.
O próprio código linguístico pode ter os seus pontos de ancoragem
fora dos signos linearmente expressos. Isto é o que se verifica nos casos em
que necessitamos de catalisar um verbo enunciativo para entender quais as
órbitas em que tais complementos giram. Algo semelhante sucede com as
estruturas argumentativas onde o raciocínio inferencial permite compreen-
der e explicar as relações entre os constituintes. A pragmática é, pois, uma
área que não deve ser ignorada numa descrição das mensagens linguísticas,
254
de modo a permitir um entendimento global e realista do funcionamento
das línguas. Poderemos pois, retomar aqui as palavras que já escrevemos
em 1992 e que continuamos a professar: «dado que a linguagem existe em
prioridade para assegurar a função de comunicação entre os seres humanos,
facilmente se compreenderá que a estrutura linguística não seja estática e
homogénea, estando num processo contínuo de adaptação, e assim conclui-
remos concordando com Martinet – «uma língua muda porque funciona»
(Marçalo, 1992 a: 117).
255
Una solida hipótesis dirige esta trayectoria:
si, como sostenía Martinet, el lenguaje es ante todo un instrumento
(relacional y funcional) de comunicación, no existirá descripción
más explicativa que la que desvele de forma nítida el entramado
de sus funciones y la telaraña de sus relaciones.
Gutiérrez, 1997 a: 14
«Hermoso es el riesgo»
Píndaro
259
No campo da sintaxe, partindo de uma concepção clássica em que todos
os complementos verbais se inserem no mesmo nível, Salvador Gutiérrez
evoluiu para uma visão que considera os complementos verbais como
estando alojados em diferentes órbitas que se posicionam mais ou menos
distantes do seu centro que é o verbo.
Quando em 1969 Alarcos separa do aditamento o conceito de atributo
oracional, abre portas a um novo caminho para o estudo de uma quantidade
significativa de fenómenos situados nos extra-muros da frase. Na obra de
investigação de Gutiérrez há a preocupação em estudar e honrar os seus ante-
cessores, nomeadamente o seu Mestre Alarcos Llorach, mas não se abdica do
propósito de conduzir mais além a investigação quer abrindo novos âmbitos
de análise, quer retomando temas menos trabalhados, quer lapidando
ou criando instrumentos e ampliando critérios com que se opera, subme-
tendo‑os a rigorosa selecção e hierarquização. Cremos que é essa vontade de
avançar na investigação que transparece quando afirma: «Siempre he defen-
dido la audacia frente a la inercia».
Não foi objecto deste trabalho o estudo das variações teóricas nos textos
de Gutiérrez Ordóñez, ao longo dos anos. O desenvolvimento da obra de
Gutiérrez é bastante constante. Não falamos de uma postura estática, mas
sim de uma constância metodológica que sempre tem acompanhado a evolu-
ção dos seus trabalhos desde os primeiros aos mais recentes. Considerando,
que a língua é um instrumento de comunicação, Gutiérrez toma este postu-
lado como guia incontestável da sua trajectória de investigador.
A sua preocupação com os conceitos básicos de uma gramática de
funções foi também para nós um ponto fundamental, ponto que forma e con-
forma a matéria analisada e explorada em relação ao português. Conceitos
como função, categoria, classe, transposição, catálise e elipse são aqui
reapreciados e exemplificados. O português é tomado como a língua que
permite contradizer ou corroborar a teoria: as teses são confrontadas com a
demonstração, é nesta medida que falamos de uma aplicação ao português.
260
imanente da língua, faz uso de tais gramáticas sempre que se encontre para
tal uma justificação formal no comportamento da língua em análise.
261
Significado Linguística
Sentido Pragmática
Pode existir uma grande diferença entre o que se diz e o que se quer
dizer, entre o significado e o sentido. Esta é uma questão que deve continuar
a ser investigada com o objectivo de, cada vez melhor, percebermos de modo
mais global o funcionamento das estruturas linguísticas.
O problema da interrogação tem sido um dos núcleos mais inexpugná-
veis da explicação linguística. A ponte existente actualmente entre linguística
e pragmática começa a possibilitar resolver, se não totalmente, pelo menos
uma parte considerável das dificuldades que se apresentavam neste âmbito
ao investigador. A equivalência entre interrogação e pergunta impedia que se
vislumbrassem, respectivamente, um valor linguístico e um acto pragmático.
De um ponto de vista pragmático, as interrogações além de serem usadas
para fazer perguntas, realizam ainda pedidos, queixas, convites, repreensões
e até afirmações, no caso das interrogações retóricas.
Refere Martinet que «qualquer elemento linguístico só tem realmente
valor quando integrado em contexto ou em situação; em si mesmo, um
monema ou um signo mais complexo comporta unicamente virtualidades
semânticas, das quais só algumas se realizam efectivamente em determinado
discurso» (Martinet, 1985 b: 40). Não há, portanto, ruptura de paradigma,
mas sim continuidade e inovação quando Salvador Gutiérrez inclui nos seus
estudos funcionalistas aspectos atinentes à dita linguística da comunicação.
Sobre linguística e pragmática, defende Gutiérrez nos seus trabalhos, que as
mesmas se inter-relacionam e que, tal como convivem e cooperam na comu-
nicação, assim devem conviver na explicação dos fenómenos linguísticos.
262
A descoberta da multiplicidade de níveis de pontos de inserção funcional
permite oferecer uma solução explicativa para os diferentes comportamen-
tos que se verificam nos advérbios em -mente e em expressões equivalentes.
Como se demonstrou no capítulo sobre a periferia oracional, não obstante
a identidade formal e o valor arquilexemático de «modo» destes advérbios
ou expressões similares, estamos perante funções diferentes, que hão-de ser
devidamente exploradas em trabalhos posteriores, mas das quais as prin-
cipais são, indubitavelmente os complemento circunstanciais de modo, os
tópicos de ponto de vista, os atributos de modalidade e os circunstanciais.
Do edifício teórico de Salvador Gutiérrez, diremos, em alguns casos, que
apenas espreitámos e tempo não houve, com muita pena nossa, de recons-
truir as problemáticas, aplicando-as à língua portuguesa. Sobretudo vazio
ficou o espaço dedicado às relações semânticas e às suas repercussões na
configuração sintagmática. Esperamos que trabalhos futuros sobre a língua
portuguesa se possam ocupar das relações sintagmáticas referenciais, onde
se inclui a correferência e a inclusão designativa, das relações de determi-
nação sémica e relações de restrição designativa e ainda determinações
epitéticas, fazendo posteriormente a apreciação da repercussão sintáctica de
tais relações semânticas.
Dos princípios que conduzem o modus operandi da obra de Gutiérrez
Ordóñez, destacamos a uniformidade e constância na arquitectura sintáctica
e o princípio de cientificidade que sempre determina o seu percurso.
Procuraram-se neste trabalho, mais os pontos comuns dos conteúdos
epistemológicos do que as dissonâncias, integrando esta teoria, que aqui se
aplica ao português, no âmbito do funcionalismo europeu.
Diremos, sobre a teoria funcionalista de Salvador Gutiérrez, destacando
e valorizando os seus aspectos agregadores da tradição e da inovação linguís-
tica, o que, mutatis mutandis, escreveu Maria do Céu Fonseca a propósito
da teoria saussureana1: a teoria de Salvador Gutiérrez, sobre ser mutação
epistemológica, reassumiu com métodos e em contexto científico diferentes,
o conjunto de saberes atinentes a uma concepção funcionalista dos factos
linguísticos, herdeira, sobretudo, de Emilio Alarcos e de André Martinet 2.
1
«A teoria saussureana, sobre ser mutação epistemológica, reassumiu com métodos e em
contexto científico diferentes, saberes antigos sobre a linguagem» (Fonseca, 2002: 19).
2
Em Espanha, primeiro país onde foram dedicados Estudos de Homenagem a André
Martinet, por ocasião do seu quinquagésimo aniversário, Alarcos teve a iniciativa de realizar
um colóquio da SILF na Universidade de Oviedo, em 1977. Dos discípulos que Alarcos formou,
263
Resumindo, propõe-se aqui uma apresentação que se quis clara, siste-
mática e argumentada dos fundamentos para uma gramática de funções.
O presente estudo mostra um modelo teórico de descrição sintáctica, que
permite, enquadrando-se numa perspectiva funcional, fazer uma interpre-
tação explicativa global das várias estruturas da língua portuguesa.
As teorias não são verdades absolutas, mas sim relativas, são verdades
relativas ao estado do conhecimento, são hipóteses verificadas por um
número considerável de factos, susceptíveis de serem discutidas e renovadas.
A teoria funcionalista aqui discutida é confrontada com um dos objectos
concretos que permite interpretar explicativamente, a língua portuguesa.
Sendo um estudo predominantemente teórico, que se situa no âmbito dos
estudos de teoria da linguagem actuais, fez-se uma aplicação à língua portu-
guesa, a qual beneficiou do contraste e semelhança com o castelhano, língua
usada na obra de Gutiérrez Ordóñez.
Martinet escreve em Mémoires d’un linguiste (1993: 128) «il a tout de même formé deux élèves,
Gutiérrez et Rodríguez que je sens dans ma ligne». O segundo colóquio da SILF realizado em
Espanha, o XVII, teve lugar em 1990, na Universidade de León, onde Gutiérrez continua a
ensinar. Malogradamente, Bonifácio Rodríguez faleceu em 2003 (aqui deixamos uma singela
palavra de homenagem em sua memória).
264
Apêndice
1
Ela fugiu porque sabia demais.
S: ela
N: fugiu
CC: (por) [que] sabia CC: demais
2
O Duarte e a Carlota regressaram terminada a vindima.
o Duarte
S:
a Carlota
N: regressaram
Tema: a vindima
CC:
ATR: terminada
3
Os estudantes da Universidade fecharam os portões todos.
267
4
Os espertos usaram cadeados fortes.
S: [os] espertos
N: usaram
5
Os de Évora usaram cadeados fortes.
6
Os estudantes explicaram a sua posição aos jornalistas.
S: os estudantes
268
7
Os avós e os pais transmitem às crianças e aos jovens os valores morais.
os avós
S: e
pais
(a) as crianças
CI: e
(a) os jovens
8
Os meus colegas descobriram um óptimo restaurante nessa zona.
S: os colegas meus
CN: um
N: descobriram CD: restaurante
CN: óptimo
269
9
Em Portugal sabe-se que a presidente foi condenada.
ATR: condenada
10
Aqui é proibido fumar.
S: fumar
N: é proibido
CCL: aqui
11
O polícia disse-lhe que o passageiro da frente não tinha o cinto bem posto.
S: o polícia
Neg: não
270
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316
Índice Geral
PREFÁCIO . ............................................................................................................................. 7
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 17
INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 21
317
1.7 Núcleo .............................................................................................................................. 65
1.9 A transposição................................................................................................................. 69
318
Capítulo 3 – FUNÇÕES .......................................................................................................... 109
3.1 Funções sintácticas ........................................................................................................ 109
3.1.1 A função sujeito....................................................................................................... 110
3.1.2 Complemento directo.............................................................................................. 112
3.1.3 A função complemento indirecto........................................................................... 114
3.1.4 A função «suplemento» . ........................................................................................ 114
3.1.5 Os complementos circunstanciais.......................................................................... 115
3.1.6 Tópicos e outras funções periféricas...................................................................... 117
3.1.7 Atributos.................................................................................................................. 119
3.2 Funções semânticas ....................................................................................................... 128
3.2.1 Necessidade de atender ao plano semântico......................................................... 128
3.2.2 Definição e descrição das funções semânticas...................................................... 128
3.2.3 Modificações valenciais........................................................................................... 131
3.3 Funções informativas .................................................................................................... 139
3.3.1 Introdução .............................................................................................................. 139
3.3.2 «Tema» ou informação conhecida e «rema» ou informação nova . .................... 139
3.3.3 Foco e focalizações. Estruturas sintácticas de focalização.................................. 149
3.3.4 Tópicos e comentários............................................................................................ 155
3.3.5 Síntese conclusiva .................................................................................................. 161
319
4.3 Complementos de verbo enunciativo: comportamento funcional e pontos de
incidência......................................................................................................................... 206
4.4 A periferia oracional: síntese conclusiva..................................................................... 210
CONCLUSÃO............................................................................................................................ 259
320