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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Cícero Renato Feitosa Duarte

A rede heterogênea em casos de dupla remoções forçadas: um estudo de caso

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

São Paulo
2020
Cícero Renato Feitosa Duarte

A rede heterogênea em casos de dupla remoções forçadas: um estudo de caso

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Psicologia Social, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Mary Jane Paris
Spink.

São Paulo
2020
Cícero Renato Feitosa Duarte

A rede heterogênea em casos de dupla remoções forçadas: um estudo de caso

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Psicologia Social.

Aprovado em:____/____/_______

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________
DEDICATÓRIA

In memoriam:
Jéssica Rayane e Joana Soares Feitosa
AGRADECIMENTOS

Quero agradecer à minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Mary Jane Spink, pela
generosidade e sensibilidade ao acompanhar meu processo de escrita. Obrigada pelas
palavras e pelos ensinamentos. À querida Mariana Priole, pelas pontuações que
fortaleceram minha pesquisa e à professora Maria da Graça, pelas importantes
contribuições.
A Malu, minha amiga e companheira. Por me apoiar nos momentos mais difíceis;
que alegra te encontra nessa vida linda e cheia de amor. A Sueli, por acreditar mais em
mim do que eu mesmo, você foi um conforto para os dias mais difíceis. Ao grande amigo
Hercílio, pelo seu carinho e apoio desde os primeiros dias em São Paulo. A Maurício,
obrigado por me acolher em sua casa. A Taffarel, amigo querido, obrigado por todo apoio.
Aos colegas do Escritório, Sil, Priscila k., Priscila H., Alê, Flávia, Mari, Bea,
Sara, Karina e tantos outros, obrigado por deixar meus dias na PUC tão felizes. A todos
meus colegas do NUPRAD/PUC-SP, certamente eu não poderia estar em outro lugar, que
não ao lado de vocês!
A Marlene, por seu apoio constante e as nossas conversas na sala do programa.
A meus amigos Pedro e Cris, sem vocês certamente não teria chegado até aqui;
foi uma alegria ter encontrado com vocês pelo caminho. Encontrar com vocês me trouxe
afeto, força e potência, mais que amigos verdadeiros irmãos que a vida me deu. A outros
amigos que foi encontrando no caminho Alê, Lucas, Kell, Clau, Cris, obrigado por cada
encontro, por cada afeto.
A meu querido Professor Leconte, aquele que me ajudou a sonhar tudo isso,
obrigado!
Por fim, Obrigado Mãe e Pai, por me fazer chegar até aqui. Obrigado a minha
irmã Renata, meu orgulho de profissional, meu verdadeiro espelho de ética e
competência.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento
88887.204697/2018-00
Resumo

Duarte, C. R. F. A rede heterogênea em casos de dupla remoções forçadas: um estudo


de caso. 2021. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo.

Essa pesquisa tem como foco as remoções de pessoas em decorrência de intervenções


urbanísticas. O principal objetivo é descrever as redes heterogêneas presentes na questão
da remoção de pessoas em decorrência de intervenções urbanísticas na região da
Subprefeitura de M’boi Mirim, na cidade de São Paulo/SP. Para isso nos ancoramos nos
pressupostos da Teoria Ator-Rede, com destaque para as redes heterogêneas que
performam remoções como um objeto fractal composto por materialidades e
sociabilidades. Utilizamos como estudo de caso as remoções ocorridas no prédio
Guarapiranga, no Jardim São Luís, distrito que integra a referida Subprefeitura. As
informações foram produzidas a partir de quatro conversas no cotidiano e uma entrevista
com nossa principal interlocutora, Dona Maria.
ABSTRACT

Duarte, C. R. F. The heterogeneous network in cases of double forced removals: a case


study.2021. Dissertation (Master degree in Social Psychology) – Postgraduate Studies
Program in Social Psychology, Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo.

This research focuses on removals of people due to urban interventions. The main
objective is to describe the heterogeneous networks present in the issue of removal of
people due to urban interventions in the region of M'boi Mirim, in the city of São
Paulo/SP. For this, we anchor ourselves on the assumptions of the Actor-Network Theory,
with emphasis on the heterogeneous networks that perform removals as a fractal object
composed of materialities and sociabilities. We used as a case study the removals that
occurred in the Guarapiranga building, in Jardim São Luís, a district that integrates the
mentioned Subprefecture. The information was produced from four conversations in daily
life and an interview with our main interlocutor, Dona Maria.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa de remoções na região metropolitana de São Paulo


Figura 2: Corredor Jardim Ângela – Guarapiranga – Santo Amaro
Figura 3: Regiões, Subprefeitura e Distritos do município de São Paulo.
Figura 4: Projeção da População por faixas etárias quinquenais, em primeiro de julho –
Distrito de Jardim Ângela - 2020
Figura 5: Pracinha do Wi-fi.
Figura 6: Prédio Guarapiranga.
Figura 7: Organização da defesa civil da cidade de São Paulo.
LISTA DE SIGLAS

CEPAC: Certificados de Potencial Adicional de Construção


CONPDEC: Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil
CREA: Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
DDEC: Divisões de Defesa Civil
DEPREV: Divisão de Prevenção
DOP: Divisão de Operações
DRESP: Divisão de Resposta
FAU: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
OI: Ordem Interna
ONU: Organização das Nações Unidades
OUC: Operações Urbanas Consorciadas
PNPDEC: Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
SINPDEC: Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil
SMSP: Secretário Municipal de Coordenação das Subprefeituras
SPTrans: São Paulo Transporte S/A
TAR: Teoria Ator Rede
Sumário
Introdução 11

Capítulo 1: Procedimentos 14

1.1 Teoria Ator-Rede 14

1.1.1 Redes-heterogêneas 15

1.2 Objetivos 19

1.3. Procedimentos 20

Parte I – A primeira Remoção de Maria 22

Capítulo 2: Políticas Públicas de Remoção na perspectiva de redes heterogêneas 23

2.1 Princípios básicos da Política Pública de Remoção Urbana 23

2.2. Políticas de remoção no Município de São Paulo 27

2.3. A rede heterogênea das remoções forçadas 31

Capítulo 3: Morar no Jardim Ângela 34

3.1 O Jardim Ângela visto a partir do Mapa da Desigualdade 2020 37

3.2 O alojamento 41

Capítulo 4: 46

O prédio Guarapiranga: reflexões sobre moradias em áreas de risco 46

5.1 Sobre o prédio e suas rachaduras 46

5.2. Sobre remoções por questões de risco 49

5.3 Sobre a rede heterogênea ativada na questão de moradias em risco de

desabamento 54

5.4 A saída do prédio Guarapiranga 55


5.5. Ainda sobre o jogo de empurra-empurra 57

5.5.1 O aluguel social 58

5.5.2 A Espera pela indenização 59

Considerações finais: E agora Maria? O que o futuro nos reserva? 62

Referencias 64
11

Introdução

Peter Spink (2003) fala sobre o campo-tema e seu valor no processo de pesquisa.
O autor explica que estamos em campo desde o momento em que nos comprometemos a
pesquisar determinado tema. Estamos pesquisando durante as conversas, quando
procuramos mais detalhes, quando nos comprometemos moralmente e entendemos de
que maneira podemos colaborar e qual a relevância para a psicologia “fazemos parte do
campo; parte do processo e de seus eventos no tempo” (P. SPINK, 2003, p. 25).

Os primeiros contatos com o campo-tema ocorreram no primeiro semestre de


2019, no Fórum em Defesa da Vida, em uma reunião, que ocorre sempre na primeira
sexta-feira de cada mês, na Sociedade Santos Mártires, no Jardim Ângela

Como de costume, um pouco antes da reunião começar, o Padre Jaime falou um pouco,
sobre os temas do dia e sobre a presença de alguns representantes dos moradores, do
lado do hospital do M’boi mirim, que foram removidos no último fim de semana.
A reunião começou e depois de um pequeno intervalo duas mulheres e um homem que
eram os representantes dos moradores, falaram sobre o processo de remoção. Algumas
famílias, segundo eles, tinham sido avisadas de suas remoções, mas outra pequena parte
só ficou sabendo no dia em questão. O olhar de tristeza era evidente, a cabeça baixa, a
própria voz, que trazia consigo um misto de tristeza e raiva com o que tinha acontecido.
O processo, segundo eles, foi acompanhado por técnicos da prefeitura, assistentes
sociais, policiais assim como máquinas para derrubar algumas casas. As famílias
tiveram que tirar as coisas às pressas, correndo. Com a ajuda da polícia, os técnicos iam
anunciando as desapropriações. Mas, o que me chamava atenção era o sofrimento
daquelas pessoas, sem saber direito o que ia acontecer com suas casas, seus lares, seus
pertences. (Caderno de campo, dia 03 de maio de 2019).

Nesse primeiro encontro com a temática das remoções de famílias, fiquei tocado
pela forma como Estado tem agido frente às famílias que são atingidas por tal questão. E
com essa inquietação, comecei a me questionar sobre como era vivenciado o processo de
remoção: Como as famílias vivenciam essa realidade no cotidiano? Como o Estado tem
trabalhado tal questão? Quais os sofrimentos? Atores? Materialidades e sociabilidades
que performam a remoção de famílias em decorrência de obras públicas?

Por um determinado tempo tive a oportunidade de residir no território do M’boi


Mirim, localizado na Zona Sul do município de São Paulo/SP. Entrei no mestrado no
segundo semestre de 2018 e morei por três meses, no Jardim São Luís, próximo ao
terminal Guarapiranga. Nesse mesmo semestre comecei a frequentar o Fórum em Defesa
da Vida, no Jardim Ângela. Nesses itinerários, em várias conversas cotidianas, tive a
oportunidade de me deparar com a temática das remoções forçadas, tendo em vista que,
12

é assunto de suma importância no cotidiano de quem mora no M’boi Mirim. As remoções


forçadas são definidas pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da
Organização das Nações Unidades (ONU) como: “a retirada definitiva ou temporária de
indivíduos, famílias e/ou comunidades, contra a sua vontade, das casas e/ou da terra que
ocupam, sem que estejam disponíveis ou acessíveis formas adequadas de proteção de seus
direitos.” (ONU, 2007, s.p.).

Em relação ao município de São Paulo, o observatório de remoções da Faucldade


de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) publica dados
sobre a remoção de famílias que são atualizados frequentemente. Trata-se de um
mapeamento que tem caráter colaborativo contando com participação de diversos atores,
“especialmente lideranças de movimentos de moradia, ativistas, pesquisadores e
profissionais engajados na luta pelo direito à cidade e à moradia.” (Dicionário de dados,
observatório de remoção, 2019, p.1).

Os dados são oriundos de quatro fontes: dados oficiais; clipping de matérias


jornalísticas; dados colaborativos e pesquisas de campo. As fontes com maior expressão
quantitativa são os dados oficiais, obtidos a partir da análise de estatísticas e projetos
públicos ou de solicitações de informação às gestões municipais (Dicionário de dados,
observatório de remoção, 2019).

Figura 1: Mapa de remoções na região metropolitana de São Paulo

Fonte: observatório de remoções, LAB cidade, USP


13

Segundo o observatório de remoções, na região metropolitana de São Paulo,


29.882 famílias foram removidas de janeiro de 2017 a setembro de 2019; 176.565 estão
sob ameaça de remoção. Os motivos são: 63 % por reintegração de posse; 12% por serem
áreas de proteção ambiental; 12% por estarem em áreas de risco; 7 % em decorrência de
obras públicas; 1% por projetos de urbanização de favelas; 1% por estarem localizadas
em faixa de domínio da rodovia; 3% em decorrência de incêndios.

Enquanto morava na região de M’Boi Mirim, em uma conversa, um amigo contou


sobre um pequeno prédio ao lado do terminal Guarapiranga. No qual os moradores
estavam sendo removidos por conta de riscos estruturais do edifício. Esse amigo outrora
tinha trabalhado em um estabelecimento em frente a esse prédio e contava que ele tinha
sido construído em cima de um terreno de “brejo1” e que todos riam de sua construção,
porque sabiam que estava fadado a cair. Tais previsões estavam de certa maneira correta,
tendo em vista que o prédio alguns anos depois de inaugurado foi condenado por risco de
desabamento e seus moradores tiveram que ser removidos.

A proposta desse projeto de pesquisa é descrever como a rede-heterogênea está


presente na questão das remoções forçadas, apresentando como essas práticas são
performadas por diferentes actantes, em diferentes lugares, mesmo assim não se torna
várias remoções, pois existem elementos que coordenam2 essas realidades, para isso
utilizaremos um estudo de caso de uma mulher que passou por esse processo, inclusive
de dupla remoção.

Com este intuito, esta dissertação está estruturada da seguinte maneira: no


primeiro capítulo apresentamos o conceito de rede heterogênea da Teoria Ator-Rede ao
qual nos ancoramos para realizar esse trabalho, seguido dos objetivos da pesquisa e os
procedimentos adotados.

Em seguida dividimos nossa descrição em duas partes, tendo em vista que nossa
interlocutora passou por duas remoções, uma por questão de obras públicas e outra por
questão de risco. Cada parte tem uma descrição inicial situando seus capítulos e sobre o
que falamos.

1
Terreno alagadiço.
2
Cordeiro, Mariana Prioli, ; Spink, Mary Jane Paris. (2013). Por uma Psicologia Social não perspectivista:
contribuições de Annemarie MolPor una Psicología Social no perspectivista: contribuciones de Annemarie
Mol. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 65(3), 338-356. Recuperado em 26 de novembro de 2019, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext;pid=S1809-52672013000300003;lng=pt;tlng=pt.
14

Capítulo 1: Procedimentos

1.1 Teoria Ator-Rede

Para sintetizar o argumento [que realidade não é destino], podemos dizer que a ANT é
muito sensível à diferença entre o verdadeiro Napoleão, por um lado, e, por ouro lado,
aquelas pobres almas que proclamam ser Napoleão e acabam sendo tratadas [como
portadores de] desordem psiquiátrica. O primeiro era real porque era geralmente
"performado" como sendo Napoleão por milhões de outras pessoas. Os outros não o
foram, precisamente porque não foram assim performados. (LAW ; SINGLETON, 2014,
p. 21)

Nessa dissertação partimos da ideia de narrativas simétricas, onde humanos e não


humanos são levados em consideração com a mesma importância. Tendo como ponto de
partida a influência da Teoria Ator-Rede (TAR), que surge por volta da década de 1980
no âmbito dos estudos da ciência, tecnologia e sociedade, Bruno Latour (2012), afirma
que é necessário pensar de forma diferente a própria teoria social e assegura que nosso
cotidiano é feito de relações sociotécnicas, compreendendo que nas relações sociais a
separação entre técnico-científico e sociedade se configura como falsa, já que, nas
palavras do autor não há como separá-los. O movimento analítico crucial feito pelos
autores associados à TAR é a sugestão que o social nada mais é do que redes de certos
padrões de materiais heterogêneos (LAW, 1999).

Para Francisco Tirado e Daniel Gómez (2012), a Teoria Ator-Rede tem uma
prática especulativa de criação conceitual. Os autores afirmam que uma investigação não
pode finalizar seu perambular sem a luz de um conceito. Portanto, a TAR se caracteriza
por um crescimento contínuo de conceitos. Porém, John Law e Vicky Singleton (2014),
afirmam que, apesar do seu nome, a TAR não é uma teoria: não é preditiva e não oferece
leis sociais. Ela seria mais bem entendida como um kit de ferramentas para pensar e
cartografar as práticas heterogêneas de associação que compõem o social. Pensando nesse
kit de ferramentas, apresentamos a seguir o conceito de redes-heterogêneas, do qual
partimos para pensar os actantes, associações e práticas que envolvem as remoções
forçadas.
15

1.1.1 Redes-heterogêneas

Para a TAR, nosso mundo é composto por redes-heterogêneas, considerando que


a sociedade, organizações, agentes e máquinas são todos efeitos gerados em rede de certos
padrões e diversas matérias, não apenas humanas (LAW, 1999). A TAR busca romper
com dicotomias científicas como, por exemplo, quantitativo e qualitativo, ciência e
cotidiano, realismo e construcionismo. Ou seja, resumidamente: “[...] para a Teoria Ator-
Rede, tanto pessoas como objetos criam acontecimentos estabelecendo redes de
conexões, constituindo-se como actantes mediadores das associações sociais,
abandonando a categórica divisão entre ação humana e causalidade material” (MÉLLO;
SPINK; MENEGON; 2016, p. 424).

Os ‘actantes’, para Latour (2012), são os agentes que fazem as coisas


acontecerem, podendo eles serem humanos e não humanos. A proposta, portanto, é seguir
esses actantes mundo afora a fim de descrever as materialidades e sociabilidades que
compõem o que podemos chamar de social. Entendo social como a rede de conexões e
associações que fazem parte dessas redes-heterogêneas de materialidades e socialidades.

Para Johw Law (2012, 2007), o social é composto de uma rede complexa de
materialidades e sociabilidades, e é aí que as correntes tradicionais da sociologia têm
errado. Para o autor em vez de tentarmos purificar essas confusões através de métodos e
conceitos, deveríamos construir ferramentas que dessem conta de acompanhar as
questões que nos instigam a pesquisar suas formas turbulentas e múltiplas. Materialidades
são também socialidades, um efeito relacional, uma consequência da interação. Isso
ocorre porque os materiais não são fornecidos previamente, mas são formados nas redes
que compõe os mundos, com maior ou menor durabilidade, com suas diferentes
tatilidades ou texturas: lisas, ásperas, doces, nocivas, ilusórias ou obsoletas (LAW; LIEN
2013, citado por LAW; SINGLETON, 2014 )

O uso de “pinboards” é um exemplo de trabalho com rede-heterogêneas (LAW,


2007) no qual o autor faz uma reflexão sobre as formas de construção de conhecimentos.
Tentamos muitas vezes entender o mundo, a partir da noção de que existe apenas uma
realidade. Contudo, o argumento desenvolvido neste texto é que existem diversas
realidades (universos), justapostos nos mundos, afirmando que, em vez de considerarmos
um universo único devemos pensar em um fracteversos, “um mundo que é mais do que
16

um e menos que muitos; isso é mais do que um, mas não é apenas um monte de pedaços
e desligados e peças” (LAW, 2007, p. 3, tradução nossa).

Law (2007), afirma que devemos sair de enquadres onde a realidade é dada a
priori, única e simplista; temos que partir de realidades singulares que passa pelo
entendimento de diversos universos que o autor vem chamar de fracteversos, que
envolvem diferentes práticas e actantes. Ou seja, as práticas são produtivas e fazem
coisas, tem ação, que ao mesmo tempo que performam o mundo e são re-performadas de
volta. A materialidade então é um efeito relacional, uma consequência da interação.
Ocorre porque as matérias não são dadas, mas são desenvolvidos nas redes que compõem
os mundos, com menor ou maior durabilidade (LAW ; SINGLETON, 2014).

Law e Singleton (2014), afirmam que o ponto crucial para entender o argumento
de um fracteverso é que como existem muitas práticas, existem também múltiplas
realidades. As práticas estão em diferentes lugares, e o que se torna realmente importante
(além das próprias práticas) é como as diferentes realidades se relacionam.

Annemarie Mol (1999), usa o exemplo da anemia para explicar como uma
ontologia pode ser múltipla. Para a autora, em seu texto, a noção de ontologia política é
um termo composto que fala sobre como o real é implicado na política assim como o
contrário. Dessa forma uma ontologia é política porque envolve escolhas, sendo essas
moldadas por diferentes atores e interesses, sendo assim a realidade é feita/performada
(Mol, 1999).

Mol (2002), em seu livro, The Body Multiple: ontology in medical practice,
utiliza o exemplo da aterosclerose para desenvolver o argumento que, mesmo a
aterosclerose sendo múltipla ela não é plural. Ou seja, não são várias ateroscleroses que
aparecem, mas sim verões diferentes que circulam no hospital por ela estudado. Partindo
desse argumento, Mariana Cordeiro e Mary Jane Spink (2013), explicam que:

No entanto, dizer que a aterosclerose não é um objeto coerente e singular não


significa dizer que suas diferentes versões não estejam relacionadas; mas que ela
é um objeto fractal, ou seja, que é mais do que uma, ao mesmo tempo em que é
menos do que muitas. Em outras palavras, significa dizer que ela não está
totalmente fragmentada e que suas várias versões mantêm alguma relação.
E, mais, significa dizer que essa singularidade não é dada a priori, mas é o
resultado de todo um trabalho de coordenação. (p. 343).
Portanto, trabalhar com redes heterogêneas implica aceitar a postura que as
realidades são múltiplas, mas que não são apenas um conjunto de fragmentos de matérias.
17

1.1.2 Como Descrever Redes heterogêneas

A questão das remoções será tratada nesta dissertação a partir do conceito de redes
heterogêneas com ênfase em suas materialidades e sociabilidades, seus actantes e as
práticas aí desenvolvidas. Nosso intuito é fugir de posturas perspectivistas sobre a
remoção de modo a entender os elementos de compõem essas redes heterogêneas. A
proposta é descrever a rede heterogênea e entender como ela é moldada ou
melhor performada (enact) no cotidiano. Nas palavras da Mol: “É isto. É possível abster-
se de compreender os objetos como os pontos centrais das perspectivas das diferentes
pessoas. É possível compreendê-los, em vez disso, como coisas manipuladas nas práticas"
(tradução nossa) (2002, p. 4).

Vale apontar que não existem regras determinadas a priori para o trabalho com
redes heterogêneas. Mas, existem quatros movimentos que, segundo Maria Trannin e
Rosa Pedro (2007), podem ser uteis, no processo de seguir actantes e cartografar seus
actantes e práticas.

O primeiro movimento é buscar uma porta de entrada. Conforme Trannin e Pedro


(2007) é preciso encontrar um modo de “entrar na rede” para poder começar a seguir os
actantes. Essa entrada pode se dar de diversas formas. Cilene Malvezzi e Juliana
Nascimento (2020) afirmam que essa entrada pode se dar ingressando nos encontros que
acontecem nas redes, como observador participante e seguir os movimentos dos actantes.

Por exemplo, Leticia Freire (2010) descreve sua pesquisa que tinha como objetivo
descrever o processo de implantação de uma política urbana numa região de favela no
Rio de Janeiro. Freire já conhecia a região por sua inserção em um projeto de pesquisa
anterior e isso facilitou começar a frequentar semanalmente a região. Por meio de um
caderno de campo, ela começou a mapear os actantes que, direta ou indiretamente,
passavam a fazer parte do processo.

Em suas idas semanais à Favela Acari, foco de sua pesquisa, Freire teve diversas
conversas com moradores e líderes locais que a conduziram a representantes da prefeitura
que costumavam se encontrar em uma sala na sede de uma associação de moradores.
Nesse local a pesquisadora entrou em contato com o presidente da associação e enquanto
falava sobre seu interesse sobre o projeto, duas Agentes Comunitárias de Habitação que
18

estavam por perto se aproximaram alegando que elas poderiam ajudar em relação às
informações que Freire buscava.

As agentes prontamente trouxeram diversas informações, explicaram etapas do


projeto e de seu trabalho na comunidade. Foi nesse momento que a pesquisadora percebeu
que tinha encontrado as “tradutoras por excelência do programa Favela Bairro”. A autora
retoma a proposta da TAR de que nenhum ponto da rede é privilegiado e diz que foi o
trabalho que campo que a levou a eleger as agentes como “fio através do qual comecei a
acompanhar a implantação do progra ma em Acari” (FREIRE, 2010, p.146).

Após encontrar uma entrada na rede, o segundo movimento necessário de


identificar os porta-vozes, ou seja, os representantes que falam pelas instituições. Ao
identificá-los podemos utilizar diferentes métodos, como entrevistas, por exemplo, para
conhecer detalhadamente o que os porta-vozes têm a falar sobre a rede, sem definir uma
ordem a priori, mas seguindo as conexões que vão aparecendo a cada momento
(MALVEZZI ; NASCIMENTO, 2020).

Continuando com o exemplo, participando das atividades na comunidade junto


com as Agentes Comunitárias de Habitação, Freire (2010) foi anotando em seu caderno
de campo os porta-vozes presentes no projeto, sendo um deles a associação de moradores
a qual as agentes utilizavam como sede do seu trabalho. Nesse trecho é possível ver como
Freire (2010) descreve um porta-voz:

[...] Um morador que se queixava de um vazamento de esgoto na calçada em frente à sua


casa. Atendido por um agente comunitário, este registrou o problema no livro em forma de
texto e desenho. Ao repassar a reclamação para o engenheiro responsável, o agente
explicava-lhe o problema a partir dessa inscrição, tornando-se assim seu porta-voz.
Transportando uma parte da localidade para o escritório da equipe técnica, o desenho
possibilitava que o engenheiro pudesse compreender o problema sem precisar deslocar-se
de imediato à casa do morador. (p. 152).

Essa descrição também nos leva ao terceiro movimento que é acessar os


dispositivos de inscrição - tudo aquilo que possibilite que o fenômeno seja reconhecido,
tudo que possibilite uma exposição visual: textos e documentos, como diário de campo,
gravação em áudio das redes, das entrevistas, fotografias, e que possibilitem “objetivar”
a rede (TRANNIN; PEDRO, 2007; MALVEZZI; NASCIMENTO, 2020).

O quarto movimento é mapear as associações entre os actantes (humanos e não


humanos); descrever as relações estabelecidas entres esses diferentes actantes e práticas
que fazem parte da rede e como eles se articulam entre si. É preciso aqui prestar atenção
19

aos efeitos de sinergia ou de cooperação, de encadeamento ou de repercussão, de


limitações e engessamento na rede (TRANNIN; PEDRO, 2007).

Além desses quatro, ainda é necessário apontar um quinto movimento: a


construção de uma “boa descrição” como defende Latour (2011). Freire (2010) faz isso
organizando suas anotações e as apresentando em seu trabalho como uma descrição da
forma pela qual entrou na rede-heterogênea pesquisada, identificando os actantes
presentes e seus porta-vozes. Descrever também como os dispositivos de inscrição fazem
com que as práticas e as associações entre os actantes se tornem visíveis.

Alexandra Tsallis e Gabriela Rizo (2010, p. 230) indicam outros elementos que
podem ser úteis na descrição de redes heterogêneas que as autoras chamam de pistas de
um percurso de formiga:

● Identificar os actantes;
● Mapear os vínculos existentes entre eles, definir coletivos;
● Acompanhar os vínculos em ação, cenarizar;
● Submeter os passos anteriores aos testes de torção disponíveis no
laboratório/texto;
● Construir uma “boa descrição” de todo esse processo;
● Finalmente, deixar essa descrição se articular ao mundo e produzir efeitos.

1.2 Objetivos

O objetivo geral desta pesquisa é descrever a rede heterogênea das remoções


forçadas de acordo com o relato de uma mulher que passou por um processo de dupla
remoção forçada. A fim de alcançar tal objetivo elencamos os seguintes objetivos
específicos:

● Caracterizar remoções forçadas com base nos tratados internacionais e


legislação municipal
● Identificar os actantes presentes nas remoções forçadas por obras urbanas
e por riscos;
● Mapear as associações entres os actantes e práticas da rede heterogênea
das remoções forçadas.
20

1.3. Procedimentos

Na pesquisa qualitativa para garantir o rigor metodológico é essencial a


explicitação dos passos da pesquisa, como as estratégias para obtenção das informações
e análises (SPINK; MENEGON, 1999/2013). E quando se trata do trabalho com Redes
heterogêneas esses passos devem ficar claros para que seja construída uma descrição
detalhada sobre a rede.

Como afirmam Alexandra Tsallis e Gabriela Rizo (2010), deixar com que os
traços produzidos pelos acontecimentos apareçam no texto. Os acontecimentos devem
ser descritos para que se forme um panorama do que está sendo acompanhado, uma
cenarização, tendo como característica a provisoriedade (Tsallis e Rizo, 2010). A seguir
será apresentado o caminho percorrido para construção de nossa descrição.

Para descrever a rede heterogênea das remoções forçadas foi preciso percorrer
diversos caminhos. Segundo a proposta de Trannin e Pedro (2007), o primeiro momento
concerne a entrada na rede e isso se deu pelas aproximações com o campo-tema por meio
de leituras e conversas cotidianas com amigos e moradores da região do M’Boi Mirim,
sempre apoiado por um caderno de campo. Segundo Peter Spink (2017), as conversas no
cotidiano são algo que acontece na casualidade do cotidiano, nos encontros diários, em
micro lugares. O uso do caderno de campo foi fundamental durante esse processo pois
possibilitou não só os registros das observações no campo, como as reflexões sobre as
leituras que vinham sendo realizadas. Desse modo, o caderno de campo foi também um
actante durante toda a pesquisa.

Depois das participações nos encontros do Fórum em defesa da vida e das


conversas com amigos da região, decidi estudar as remoções no caso do prédio
Guarapiranga tendo em vista sua história atravessada por duas remoções. Pensando em
como acessar a rede na qual a história do prédio está emaranhada, entrei em contato com
o Padre Hercílio, pároco da paróquia Maria Mãe da Igreja na qual o prédio está localizado.
Por meio dele soube de uma de suas paroquianas: Maria (nome fictício), que tinha morado
no prédio. Esse, portanto, foi o segundo movimento na proposta de Trannin e Pedro
(2007): encontrar porta-vozes. Maria foi a principal porta-voz da rede complexa de
actantes e práticas que envolvem remoções forçadas.
21

O primeiro encontro com Maria foi marcado via aplicativo de troca de mensagens
por celular, agendado para uma manhã de domingo logo após a missa da manhã na
Paróquia. Cheguei logo cedo à paróquia e esperei a missa acabar para conversar com
Maria. Fomos então para uma sala do salão paroquial, e nossa conversa foi acompanhada
por um café e alguns pães de queijo providenciados pela paróquia.

Nessa conversa, Maria trouxe seu depoimento sobre todo seu processo de dupla
remoção forçada e como tinha sido para ela passar por eles. Pedi para gravar a conversa
logo depois de explicar o objetivo da pesquisa. A conversa então foi transcrita e usamos
a estratégia de transcrição sequencial (NASCIMENTO; TAVANTII; PEREIRA, 2014)
para identificar os principais temas e actantes presentes nesse relato. Ao fazer esse
trabalho percebi como Maria me pegava pela mão e me levava a transitar por sua história,
por diferentes momentos, actantes e práticas. Foi por meio da história contada por ela que
pudemos adentrar em uma rede que tem quase 20 anos de história.

A escolha metodológica, portanto, foi de seguir a história narrada por Maria, como
um fio condutor da rede heterogênea das remoções forçadas. Foi possível, assim,
identificar vários dispositivos de inscrição (leis, fotografias, matérias de jornal, etc.) que
constituem o terceiro movimento na proposta de Trannin e Pedro (2007). Cada momento
descrito por ela nesse longo processo que envolveu duas remoções, nos levou a actantes,
práticas e lugares nessa rede. Como afirmam Tsallis e Rizo (2010), “tudo é histórico e
pleno de actantes”.

A organização de nossa descrição foi dívida em duas partes, cada uma sobre uma
das remoções pelas quais Maria passou, tendo como disparador uma anotação da conversa
com Maria que fala sobre essa remoção. Cada parte constitui, portanto, uma aproximação
às associações entre esses diversos actantes. Sendo a rede complexa e o período de tempo
envolvido longo, a estratégia utilizada na construção desses capítulos foi de focalizar
“acontecimentos” marcantes nessa longa experiência de remoções forçadas: (1) remoções
no contexto de obras urbanas; (2) deslocamento para regiões pouco familiares para Maria;
(3) políticas de remoção no caso de riscos estruturais.

Nesta pesquisa, como é usual na TAR, foram utilizadas diversas fontes de


informação que são apresentadas conforme vão aparecendo no texto.
22

Parte I – A primeira Remoção de Maria

A primeira remoção aconteceu durante a gestão da prefeita Martha Suplicy.


Maria nos fala sobre como foi esse processo para ela. Alguns técnicos da Prefeitura, a
própria Martha e uma funcionária da secretaria de habitação, foram os actantes que
informaram as pessoas durante o processo. Ao todo, segundo Maria, 40 famílias moravam
na região e foram removidas.
“Um pouco perdido. Era isso que a gente pensava e falava mesmo.” Nessa fala
Maria mostra que mesmo com as visitas da Prefeitura as pessoas ainda ficavam perdidas
no meio de tantas informações e várias reuniões foram realizadas. Então a primeira
remoção aconteceu. Assistentes sociais orientaram a mudança das 40 famílias para um
alojamento, com o suporte de caminhões e funcionários da Prefeitura que estavam
presentes para ajudar nesse processo. (anotações da entrevista com Maria)

Esta primeira parte diz respeito à primeira remoção pela qual passou nossa
interlocutora, Maria. Como pode ser visto nas anotações sobre a entrevista com ela, o
processo de remoções envolve diferentes actantes que se associam para criar a rede
heterogênea das políticas públicas de remoção: a prefeita, funcionários da Secretaria de
Habitação, assistentes sociais, documentos; caminhões. Esse actantes seguem normativas
e orientações tanto de nível internacional como nacional para a realização de processos
de remoções. Para entender como essa política acontece, a descrição da primeira remoção
compreende dois capítulos.

O capítulo 2 apresenta as políticas públicas de remoção, trazendo orientações


internacionais e nacionais para o trabalho com remoções forçadas, como no caso de
Maria. Tem por objetivo descrever a rede heterogênea de actantes a partir da perspectiva
das políticas públicas.

O capítulo 3 continua a história das remoções, tendo como disparador o processo


de mudança para um reassentamento provisório no distrito do Jardim Ângela na
Subprefeitura de M’boi Mirim. Partimos da perspectiva de Maria de modo a situar o
contexto de vida neste distrito com base em indicadores sociais de modo a ilustrar a
complexidade da rede de actantes humanos e não humanos que criar as características
singulares dos bairros do Município de São Paulo.
23

Capítulo 2: Políticas Públicas de Remoção na perspectiva de redes heterogêneas

2.1 Princípios básicos da Política Pública de Remoção Urbana

Nas palavras de Eduardo Marques, as políticas públicas do urbano são entendidas


como o “conjunto de ações do Estado que agem prioritariamente sobre o tecido urbano –
o espaço social das cidades e seus territórios -, mesmo que por vezes incidam
principalmente sobre os seus moradores” (2018, p. 13-14). Para este autor, as políticas do
urbano não são produzidas apenas em níveis de escala, mas podem ser moldadas ou
influenciadas “por diferentes níveis do governo”, assim como por diferentes atores, sejam
eles governamentais, da sociedade civil e/ou de empresas privadas. No caso das remoções
de famílias, Betina Sarue e Stefano Pagin (2018, 313), nomeiam a questão como
“Políticas de Remoção Urbanas”, que são “vinculadas a áreas delimitadas da cidade, que
sofrem transformações e revitalizações a partir da utilização de instrumentos urbanos
específicos.”

Para entender como a Política Pública de Remoção Urbana é construída é


necessário primeiro apresentar o conceito de moradia adequada, tendo em vista que, as
remoções forçadas são caracterizadas como uma violação desse direito. O direito à
moradia adequada foi reconhecido desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos
em 1948. Este conceito envolve uma série de fatores que devem ser contemplados para
que uma habitação possa se tornar uma moradia adequada (SPINK et al, 2020). Segundo
o comentário de nº 4 do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais considera
uma moradia adequada aquela que garante:

● Segurança de posse: a moradia não se torna adequada quando os seus moradores não
têm um grau de segurança de posse que garanta a proteção legal contra remoções
forçadas, perseguição e outras ameaças.
● Disponibilidade de serviços, materiais, instalações e infraestrutura: a moradia não é
adequada, se os moradores não têm acesso a serviços básicos de água potável,
saneamento básico, energia, aquecimento, armazenamento de alimento e coleta de
lixo.
● Economicidade: a moradia não é adequada, se o seu custo compromete o exercício
de outros direitos humanos como por exemplo, alimentação.
● Habitabilidade: a moradia não é adequada se não garante a segurança estrutural e
física proporcionando um espaço adequado, como também proteção contra umidade,
frio, calor, chuva, vento e outras ameaças à saúde.
● Acessibilidade: a moradia não é adequada se as necessidades específicas dos grupos
desfavorecidos e marginalizados não são levadas em conta.
24

● Localização: a moradia não é adequada se for isolada de oportunidades de emprego,


serviços de saúde, escolas, creches e outras instalações sociais ou, se localizados em
áreas poluídas ou perigosas.
● Adequação cultural: a moradia não é adequada se não respeitar e levar em conta a
expressão da identidade cultural (ONU, 1991).

O direito à moradia não deve ser visto de forma restritiva, mas como direito de
viver em um lugar com segurança, paz e dignidade. Segundo o documento sobre moradia
adequada da Secretaria de Direitos Humanos, a melhor forma de entender o direito à
moradia adequada é a partir de três elementos: liberdades, garantias e proteções (Brasil,
2013).

● No campo das liberdades inclui, mas não se limita: “a) proteção a remoções forçadas;
b) O direito a ser livre de interferências na sua casa, à privacidade e à família; C) O
direito a própria residência, de determinar onde viver e de ter liberdade de
movimento.”
● Assim como as seguintes garantias: “A) segurança de posse; B) Restituição da
moradia, da terra e da propriedade; C) acesso igualitário e não discriminação à
moradia adequada; D) Participação em nível internacional e comunitário, na tomada
de decisões referentes a moradia”.
● Também inclui proteções: A) proteção contra remoções forçadas é um elemento-
chave do direito à habitação adequada e está intimamente ligado a segurança de
posse”. (Brasil, 2013, p.14 ).

As remoções forçadas podem ter diferentes causas e uma variedade de


circunstâncias como, por exemplo, obras de infraestrutura e urbanização que, no geral,
trazem como efeito o desalojamento e a transferência de pessoas, famílias e comunidades.
As remoções forçadas tendem a ser violentas e tem efeitos profundos e duradouros,
inclusive psicológicos, afetando principalmente os mais vulneráveis (ONU, 2007; Brasil,
2013). Independentemente de sua causa, as remoções forçadas podem ser consideradas
uma grave violação do direito à moradia adequada. No caso de remoções em grandes
escalas, em sua maioria, podem ser justificadas por motivos excepcionais e só se sua
realização estiver em consonância com os princípios internacionais e com a legislação
brasileira (Brasil, 2013).

Os processos de despejos são considerados justificados quando o inquilino não


paga seu aluguel ou causa danos à propriedade sem motivos plausíveis e, nesses casos, o
Estado deve garantir que os processos de remoções sejam realizados de forma legal,
razoável e proporcional. As remoções não podem resultar em pessoas desabrigadas ou
vulneráveis a novas violações de direitos (Brasil, 2013). Nesse sentido o Estado tem um
papel fundamental nas remoções forçadas, como mediador e fiscalizador,
disponibilizando recursos legais para as pessoas removidas, assim como devem ser
25

acionadas organizações da sociedade civil como observadores dos processos, garantindo


assim que nenhuma violação de direitos além das remoções, aconteça.

Em 2007 a relatoria especial de direito à moradia adequada da Comissão de


Direitos Humanos da ONU elaborou os princípios básicos e orientações para
Remoções e despejos causados por projetos de desenvolvimento. Seu principal
objetivo era fornecer aos Estados orientações e assistência técnica sobre como atuar em
casos de remoções forçadas, seguindo os padrões internacionais e respeitando as
populações atingidas. As orientações foram organizadas de forma a dar conta de todo o
processo de remoção, por isso, foi dividia em três fases: antes, durante e depois.

Um dos passos fundamentais colocado entre os princípios básicos é o


envolvimento da população que será afetada pelo processo de remoção, dando voz a
todos, na língua das pessoas atingidas. As normativas recomendam que as remoções
sejam evitadas, por esse motivo é necessário perguntar se esse projeto é imperativo nessa
região? Quem será beneficiado? Qual será o impacto? E se existem alternativas que
trazem menos impactos negativos? Essas perguntas devem ser respondidas com um
profundo estudo que respeite os direitos humanos de todos envolvidos, assim como a
diversidade de opiniões (ONU, 2007).

As medidas preventivas, segundo as orientações desse documento, consistem em


dois momentos: o primeiro é o mapeamento que deve levar em consideração todos
aqueles que serão atingidos direta e indiretamente pelo projeto de remoção, assim como
os que moram no entorno da obra que será realizada. Ou seja, proprietário, locatários,
meeiros, comerciantes informais, por exemplo, poderão ser considerados atingidos
(ONU, 2007).

O segundo momento diz respeito à avaliação de impacto do projeto que necessita


levar em consideração não somente o lado econômico como também deve fazer uma
avaliação geral dos fatores culturais e sociais da região atingida, como o acesso a serviços
públicos de saúde, educação, entre outros. Os critérios desenvolvidos devem contar com
a participação genuína e direta da população da região. Os resultados devem ser
divulgados e usados para decidir se o projeto deve ser levado adiante ou não (ONU,
2007).

Ainda antes das remoções acontecerem, toda a comunidade deve ser avisada com
antecedência, por escrito, a data de sua remoção. Acesso à assessoria jurídica e técnica
26

deve ser disponibilizado para que todos os atingidos possam compreender e proteger os
seus direitos. O local de reassentamento deve estar pronto, atendendo todos os critérios
de moradia adequada, para que assim as pessoas sejam removidas sem que sofram uma
nova violação de direitos (ONU, 2007).

Todo o processo de remoção deve ser acompanhado por um funcionário público


devidamente identificado, que deve zelar pela segurança da população que será removida,
assim como observadores da sociedade civil devem acompanhar o processo. Durante a
saída da população deve ser oferecida assistência e transporte para toda a mudança, e caso
necessário deve ser disponibilizado um local para guardar seus pertences. Também deve
ser dada assistência especial para pessoas com deficiência (ONU, 2007).

O horário da remoção deve ser combinado previamente, levando em consideração


algumas questões: A) As remoções não devem ser realizadas durante a noite; B) Não
devem afetar crianças e adolescentes em suas atividades escolares; C) Deve se respeitar
feriados religiosos; D) deve se respeitar ciclos de plantio e colheitas no caso de remoções
em áreas rurais (ONU, 2007).

Durante a remoção não pode haver uso de violência ou força contra a população
removida, nem deve ser realizada de forma discriminatória ou replicar padrões de
discriminação. O uso de demolição de casas não pode ser feito na forma de ameaça contra
a população. Também não se pode ignorar a situação específica de mulheres e grupos em
condição de vulnerabilidade.

As recomendações em relação ao “depois” são que, sempre que possível, a


população removida possa voltar para o território de origem. Todas as pessoas têm direito
a reassentamento ou indenização igual ou superior a sua moradia de origem. Os
responsáveis pela remoção devem, por exigência legal, cobrir todos os custos, inclusive
do reassentamento. Assim como assistência médica e psicológica, como outros tipos de
assistência técnicas e de reinserção social deve ser oferecido.

Como em todas as outras etapas, no depois todos os removidos devem receber


indenização justa, acomodações alternativas adequadas, acesso seguro a alimentação,
água potável e outros direitos básicos. Desse modo, como nas outras etapas os direitos
humanos devem ser respeitados.
27

Portanto, é possível observar que as recomendações apresentadas pela ONU, em


seus documentos sobre orientações para o trabalho com remoções forçadas, estão
intrinsicamente ligadas a garantia dos Direitos Humanos, sendo um dos principais o
direito à moradia adequada. Desse modo, as Políticas de Remoção Urbana devem estar
ancoradas nas garantias de direitos.

2.2. Políticas de remoção no Município de São Paulo

No capítulo “Políticas de remoção urbana: conflitos, instrumentos e graduação”


do livro Políticas do Urbano em São Paulo (MARQUES, 2018), Betina Sarue e Stefano
Pagin (2018), analisam a evolução das Políticas de Remoção Urbana na cidade de São
Paulo nas últimas três décadas, tendo como principal foco de análise as Operações
Urbanas Consorciadas (OUC).

Para Sarue e Pagin, as políticas de remoção urbana envolvem investimentos


públicos em infraestrutura e alterações no uso e na ocupação do espaço, implicando assim
diretamente em uma valorização fundiária. “Os instrumentos de remoção urbana guardam
uma estreita relação com a produção de excedente fundiário, uma vez que são ativados
pela valorização da terra urbana” (SARUE E PAGIN, 2018, p. 315).

Por fim, tal como a decisão de investimento em infraestrutura, a definição de


utilização de um determinado instrumento de renovação urbana também é
desencadeadora de um processo de mudança de uso e ocupação do solo, por
apresentar uma sinalização para o mercado do perímetro urbano no qual ocorrerá
um processo de valorização fundiária, com a garantia de investimentos de
recursos públicos, os chamados flagship Project[...] (Sarue; Pagin, 2018, p. 316).
Desse modo, uma região na qual obras irão ser realizadas e remoções serão
efetivadas, sinalizam para o mercado imobiliário que existirão investimentos garantidos
por parte do Estado, com retornos afiançados para as empresas privadas.

As primeiras iniciativas de construção de instrumentos de remoção urbana datam


da década de 1980, segundo Sarue e Pagin (2018). Durante o governo de Mario Covas na
prefeitura de São Paulo, algumas intervenções foram planejadas e executadas na região
onde as primeiras estações de metrô estavam sendo construídas: as estações Bresser,
Santana, Conceição e Brás. Obras voltadas a um projeto de diversificação das atividades
econômicas da região. Entretanto, tais tentativas de remoção tiveram resultados
28

repetidamente fracassados, levando até hoje a conflitos judiciais (SARUE E PAGIN,


2018; BONDUKI, 2010).

Nabil Bonduki (1998), afirma que as primeiras remoções na cidade de São Paulo
são datadas de 1946, quando o então prefeito, Abrão Ribeiro, removeu favelas existentes
e implementou os primeiros alojamentos provisórios. Como afirma Bruna Sato (2013, p.
25), ‘’O Poder Público visava a remoção das favelas como único meio de eliminar o
quadro de precariedade, foco de contaminação e proliferação de doenças.”

Na década de 1960, a favela do Canindé foi colocada no projeto de


desfavelamento em decorrência de uma enchente que tinha afetado praticamente todos os
moradores da região (SATO, 2013). Na década de 1970, as remoções aconteciam em
áreas consideradas de risco. As remoções, como explica a autora, ainda aconteciam de
forma assistencialista e as famílias recebiam um valor, correspondente ao seu “barraco”
para comprar outro.

Em 1971 foi lançado o "Projeto de Remoção de Favelas - Vilas de Habitação


Provisória – VHP” que visava remover as famílias para alojamentos provisórios, onde
receberiam treinamento de promoção social, educação básica e profissionalizante de
modo a promover o crescimento da renda que, segundo Laura Bueno (2000), não
acontecia.

Na gestão Jânio Quadros (1986-1989), foi elaborado um instrumento cujo objetivo


era permitir que os proprietários de terrenos onde se firmaram favelas pudessem
providenciar moradias populares em outras localidades em troca de liberação de seus
terrenos. Sendo assim, ao viabilizar tais moradias o proprietário obtinha permissão para
alterar os parâmetros de uso e ocupação dos espaços, possibilitando a construção de novos
empreendimentos no lote (SARUE; PAGIN, 2018). Esse instrumento foi considerado
ilegal pela Comissão de Redação e Justiça da Câmara Municipal de São Paulo. Foi
julgado improcedente a possibilidade de o Executivo alterar parâmetros de uso e
ocupação do espaço, alienar imóveis e receber doações sem a devida participação do
Poder Legislativo (SARUE; PAGIN, 2018). O instrumento foi modificado e consolidado
na Lei nº 10.209/86, a chamada Lei do Desfavelamento. A lei tinha por objetivo substituir
favelas por moradias populares.

O poder público se tornava responsável pela alteração dos parâmetros de uso e


ocupação em lotes ocupados por favelas, desde que os proprietários entrassem
com um requerimento. Em contrapartida, esses proprietários poderiam contribuir
29

com a produção de outros terrenos e cedendo-os à prefeitura (Bueno, 2000, p.


16). Ou com a doação do valor correspondente às unidades para o recém-criado
Fundo Municipal da Habitação (FIX, 1997, p.2). Em ambos os cenários, o
benefício das novas moradias seria dirigido exclusivamente para a população
removida de favelas. (SARUE; PAGIN, 2018, p. 319).

O nome “Lei do desfavelamento” não foi bem aceito e o instrumento foi


rebatizado com o nome de “Operações Interligadas”. A venda dos direitos de execução
ocorria lote por lote e o interesse partia de empreendedores que queriam mudar o uso de
determinado terreno ou incorporar a ele maior potencial de construção. Um fato
importante é que as intervenções eram realizadas nas áreas mais ricas da cidade, onde os
proprietários viam possibilidade de valorização de terrenos ocupados por favelas
(SARUE; PAGIN, 2018).

Sarue e Pagin (2018), apontam que as Operações Interligadas quase não


contribuíram para uma reversão nos padrões de segregação visíveis em São Paulo, pois
as intervenções, em sua grande maioria, foram realizadas na região central, em áreas mais
ricas. Como aponta Mariana Fix (2001), não se trata de uma falha não programada no
instrumento, mas algo desejado e esperado. Ocorreu uma nova mudança no instrumento
durante a gestão da prefeita Luiza Erundina. Segundo o projeto de lei 200/89, a nova
proposta, dessa vez, iria priorizar as favelas que se encontravam em áreas mais
periféricas, além de impor maiores limites às propostas de flexibilização dos parâmetros
urbanísticos. Porém, esse novo modelo não interessou ao mercado imobiliário e as
mudanças propostas não foram aprovadas pelo legislativo (SARUE; PAGIN, 2018, p.
320).

Na gestão de Paulo Maluf (1993-1997) também optou-se por não acabar com as
Operações Interligadas, porém modificar o texto legal dando origem a um novo
programa: “Direito à Moradia”. Frente a essa iniciativa foi possível utilizar o instrumento
para financiar outros projetos da política habitacional, como no carro-chefe das políticas
sociais de Maluf, o programa Cingapura, “Que tinha como objetivo a urbanização de
favelas por meio da estratégia de verticalização.” (SARUE; PAGIN, 2018, p. 321).

As críticas às Operações Interligadas só aumentaram durante a gestão de Paulo


Maluf, sobretudo pela falta de participação do legislativo nas tomadas de decisão sobre a
mudança de parâmetros urbanísticos (SARUE; PAGIN, 2018). O instrumento foi
suspenso no ano de 1998, e julgado inconstitucional em 2001. A Comissão Parlamentar
30

de Inquérito (CPI) para apurar as operações interligadas identificou várias situações em


que o valor da metragem estabelecido estava abaixo significativamente do valor de
mercado3.

A seguir, segundo Sarue e Pagin (2018), outro instrumento de intervenção urbana


é introduzido, as Operações Urbanas Consorciadas (OUC). Trata-se de uma intervenção
prevista no artigo 32 do Estatuto das Cidades, segundo o qual cada OUC é determinada
por uma lei especial para um perímetro urbano chamado de área especial de interesse
urbanístico. A Lei especial, regulamenta o processo de cada OUC e as condições de
ocupação e uso do solo e um plano de investimento na infraestrutura Urbana da região.
No caso da cidade de São Paulo, os recursos são oriundos de Cepac (Certificados de
Potencial Adicional de Construção): “Valores imobiliários emitidos pela prefeitura em
contrapartida ao direito de construção acima do previsto na região Urbana da cidade,
dentro de novos parâmetros estabelecidos na Lei da Operação Urbana Consorciada.”
(SARUE; PAGIN, 2018, p. 322). “A venda é controlada por Comissão de Valores
Imobiliários e a oferta pública, feita pela bolsa de valores” (SAURE, 2015). No estatuto
das cidades estão previstos também conselhos gestores para cada OUC. Sarue e Pagin
(2018) trazem dois exemplos de OUC, a Faria lima (Lei n° 11.732/95) e a Água Espraiada
(Lei nº 13.260/01).

Em ambos os casos de OUC, a negociação deixa de ser por meio de lote a lote, e
passa a ser por meio de Cepac’s4 e os valores arrecadados seriam responsáveis por cobrir
os custos das remoções em decorrências das Operações Urbanas Consorciadas. O texto
de Sarue e Pagin (2018) não traz detalhes de como ocorreram as remoções de famílias
frente as OUC tanto da Faria Lima como da Água Espraiada.

3
Para mais informação sobre a CPI Consultar: RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO PARA APURAR AS OPERAÇÕES INTERLIGADAS (LEIS Nº
10.209/86 E Nº 11.426/93) REALIZADAS NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO DESDE A
PROMULGAÇÃO DA LEI Nº 10.209/86. Acesso em:
http://documentacao.saopaulo.sp.leg.br/iah/fulltext/relatoriocomis/RELFINRDP08-0111-2001.pdf.
4
Para mais informações ver Mariana Fix (2001), Parcerias da exclusão. São Paulo: Boitempo, 2001.
31

2.3. A rede heterogênea das remoções forçadas

Quando trabalhamos com redes heterogêneas, além da identificação de actantes e


de suas associações, procuramos descrever o processo de transformação e de construção
de fatos, pessoas, crenças e objetos. Para além da ideia de associação e de alianças que
remetem às materialidades relacionais, é de suma importância entender também os efeitos
que essas associações produzem (CORDEIRO, CURADO; PEDROSA, 2014). A seguir,
procuramos descrever esse processo de transformação por meio de alguns dos actantes
presentes em políticas urbanas que têm como efeito processos de remoção de moradias.

Quando perguntei a Maria onde ela morava logo ela me falou, com uma expressão triste
e de saudade: “Era ali na Ferreira Viana que é o largo do Ferreira Viana, aí foi quando
eles falaram que iam fazer um corredor de ônibus, né?!” (Anotação da entrevista com
Maria)

Nessa fala de Maria, podemos ver referência a dois actantes: o corredor de ônibus
e o “eles” aqueles que são responsáveis pela remoção. As orientações sobre remoções
deixam claro que elas devem ocorrer apenas em situações excepcionais, como nos casos
de obras e urbanização (ONU, 2017). No caso da primeira remoção que Maria vivenciou,
a obra em questão foi a construção de um corredor de ônibus5.

A construção do corredor de ônibus, é então o actante que move essa rede e faz
com que a remoção de 40 famílias seja necessária. O corredor em questão é a ligação
entre o Jardim Ângela/ Guarapiranga/ Santo Amaro com 7,5 km de extensão. O percurso
deste corredor pode ser visualizado na Figura 2. Foi inaugurado em 2004 ainda na gestão
de Martha Suplicy na prefeitura de São Paulo.

5
Pode ser definido como “vias de ônibus segregados ou faixas exclusivas” (Brasil, 2008, p. 13).
32

Figura 2: Corredor Jardim Ângela – Guarapiranga – Santo Amaro.

Fonte: Bus News.6

Esse actante, está associado às políticas de mobilidade urbana durante o governo


Martha Suplicy (2001-2004) que propunham um plano interligado (Lei 13.241/2001 –
SP) para a cidade de São Paulo.

[...] que implantou um rearranjo técnico e institucional para a operação das linhas de
ônibus, assim como a construção de corredores de ônibus em eixos viários com alta
demanda, com terminais e estações de transferência que possibilitam a ampliação das
viagens integradas (ROLNIK ; KLINTOW, 2011, p.101).

Nesse caso a construção do corredor de ônibus decorrente de uma política de


melhoria da mobilidade urbana se torna um actante por fazer com que as remoções
aconteçam, tendo em vista que para Latour (2012), um actante é todo aquele que produz
efeitos, transformações e/ou desvios. No caso desta obra, esses efeitos envolvem a
remoção de moradias.

Segundo as orientações do relatório especial sobre Moradia Adequada da ONU,


o processo de remoções deve ter um acompanhamento por técnicos, com linguagem de
fácil acesso para os moradores. Maria conta que a primeira visita aos moradores cujas
casas seriam removidas foi feita por assistentes sociais e ela até lembra do nome de uma
das assistentes. Fala também que logo começaram a ser realizadas reuniões, essas
reuniões aconteciam em suas casas, a assistente social marcava com cada morador datas
e ia de casa em casa passando as instruções sobre o processo de remoção, Maria conta
que a assistente social sempre falava como seria bom para eles, usando o argumento que
logo eles teriam um apartamento novo, com dois quartos. Mas mesmo com esse

6
Disponível em: https://busnews.webnode.com.br/corredores/jardim%20%C3%A2ngela-guarapiranga-
santo%20amaro/ Acesso em: 28 fev. 2021
33

acompanhamento os moradores se sentiam perdidos, sem saber muito bem o que ia


acontecer.

O sentimento de Maria e de seus vizinhos demostra como na aplicação desse


processo, a comunicação com os moradores foi insuficiente. Mesmo assim, o processo
continuou; foram informados que iriam morar em um prédio no início da Estrada do
M’Boi mirim, na região do Jardim São Luís, mas como o prédio não ficaria pronto a
tempo iriam ficar em um alojamento provisório no Jardim Ângela. Continuamos nossa
conversa sobre a rede heterogênea das remoções no próximo capítulo no qual esse novo
território será descrito.
34

Capítulo 3: Morar no Jardim Ângela

Maria chorou muito, ficou com muito medo. Ouvia falar muito sobre o Jardim Ângela e
sua fama de ser perigoso. Se agarrou com sua amiga e marido, usando de estratégias para
superar o medo, como a companhia dos mesmos a levando até o ponto de ônibus. “Mas
lá nunca aconteceu nada, um lugar muito bom as pessoas respeitavam, não tenho o que
dizer de lá não.”

O alojamento como explica Maria ficava ali, descendo na Marabraz (Loja de móveis
conhecida na região). Só tinha que descer a rua à direita, andava um pouquinho e
chegava lá. Maria tem uma boa recordação do alojamento, fala sempre que lá era bom,
que não tinha o que reclamar, chega a falar que antes se eu soubesse que ia dar o problema
assim que deu a gente tivesse ficado lá. Foram dois anos morando nesse alojamento no
Jardim Ângela.

Nessa fala, Maria se refere à época em que a violência nesse distrito da zona sul
do Município de São Paulo era afamada. Padre Jaime Crowe, importante porta-voz da
região sobre a luta contra a violência, deixa isso claro ao afirmar que, em maio de 1996,
o Jardim Ângela ganhou as manchetes sendo considerado pela ONU o núcleo urbano
mais violento do mundo, com estatísticas de 120 assassinatos/ano para cada 100 mil
habitantes (CROWE et al. 2013).
A violência no distrito era constante. Padre Jaime relata que era comum encontrar
jovens mortos nas calçadas. Mas, além de ser destaque pela violência na região o Jardim
Ângela também ficou conhecido por ser palco do protagonismo da comunidade local na
luta pela vida e pela paz. A industrialização da região fez com o que bairro crescesse
desordenadamente no início dos anos 1970, com ocupações, favelas, loteamentos
regulares e irregulares (CROWE; FERREIRA, 2006).
Como afirmam Jaime Crowe e Sergio Ferreira (2006), até meados da década de
1980, a região era responsável pela mão-de-obra barata das grandes indústrias e das
fábricas nas imediações da marginal do rio Pinheiros, na cidade de São Paulo. Foi nessa
época que se iniciou a informatização e a automatização nas indústrias que geraram
índices elevados de desemprego na zona sul.
A falta de emprego na região, considerada uma região periférica, levou “cada um
a se virar como podia, empenhando-se numa luta pela sobrevivência, se protegendo da
violência que ocorria por conta do tráfico, da competição e da sociedade de consumo.”
Foi nessa época que a opção pelo tráfico como trabalho tinha se instalado (CROWE;
FERREIRA, 2006, p. 86). Segundo eles, a interrogação que era feita na época era que
35

“não basta a gente ficar enterrando os corpos, nós temos que fazer alguma coisa, pois não
podemos aceitar a morte de toda essa juventude” (2013, p.6).
A organização popular no Jardim. Ângela já era conhecida há muito tempo. Na
década de 1970 as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) da Igreja Católica e os Clubes
de Mães, já se articulavam na luta por direitos na região. Segundo Hercílio Oliveira
(2015), a história dos clubes de mães na Zona Sul da cidade de São Paulo evidencia que
fizeram e fazem diferença na luta por direitos em lugares abandonados pelo Estado. Em
1978 os movimentos da região conseguiram eleger dois candidatos populares como o
deputado federal Aurélio Peres e a deputada estadual Irma Passoni (CROWE;
FERREIRA, 2006).
Nesse período a região era conhecida como um celeiro de diversos movimentos
sociais, como a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, contando com nomes como
Santos Dias, que também era membro da pastoral operaria e foi morto pela polícia militar
com um tiro a queima roupa, durante uma greve, em 1979 (CROWE et al, 2013; SPINK,
2018). O Movimento de Moradia, liderado por Maria Felipe e Ivo, já lutava pela
urbanização das favelas do Jardim Ângela. Uma de suas conquistas foi a criação do
Parque Europa I e II, com mais de 1200 apartamentos construídos, uma parte por uma
empreiteira contratada pela prefeitura e outra por mutirão.
Na década de 1990 acirrou-se o questionamento feito pelos movimentos sociais
da região sobre a morte de jovens e sobre a violência chegando à conclusão de que algo
precisava ser feito. Foi nesses debates sobre o que precisava ser feito que surgiu a ideia
de uma caminhada pela vida e pela paz. A primeira caminhada foi realizada em 02 de
novembro de 1996, dia de finados. Partiu de três pontos diferentes, em direção ao
cemitério São Luís, onde a maioria das vítimas de assassinato eram enterradas, e contou
com 5 mil participantes (CROWE, et al., 2013).

Ainda como movimento de resistência foi criado o Fórum em Defesa da Vida pela
Superação da Violência, para o qual, além da comunidade local, foram chamados a
participar também atores políticos envolvidos com os temas em questão, como segurança
pública, saúde, justiça, educação, direitos humanos.

Destacamos algumas conquistas do Fórum: a implementação dos projetos de bases de


policiamento comunitário na região; a instalação de 2 CICs (Centro de Integração e
Cidadania); a construção do Hospital M’ Boi Mirim; e a construção e ampliação dos
equipamentos públicos nas áreas da educação e cultura (ex: CEU Feitiço da Vila) e
assistência social. (CROWE, et al. 2013, p. 8)
36

Em 2006, após 10 anos da criação do Fórum em Defesa da Vida, o Jardim Ângela


continuava nas notícias, porém como lugar que viveu uma revolução social por meio da
organização popular. A reportagem de Mauricio Monteiro Filho no A Repórter Brasil
(MONTEIRO Fo, 2006) intitulada “Das manchetes policiais para a revolução social”, fala
como o distrito superou a violência através de forte participação popular, mas deixa claro
que não se pode deixar de olhar para as causas que levaram a violência, como a falta de
emprego, cultura e lazer. Alguns sons que vinham das periferias da Zona Sul, já cantavam
a realidade da região.

"Aqui é Racionais MC's, Ice Blue, Mano Brown, KLJay e eu EdyRock."


- E ai Mano Brown, certo?
- Certo não está né mano, e os inocentes quem os trará de volta?
- É... a nossa vida continua, e ai quem se importa?
- A sociedade sempre fecha as portas mesmo...
- E ai Ice Blue...
- PÂNICO...
(Racionais MC’s, Pânico na Zona Sul, 1989)

A discografia do grupo Racionais MC’s. pode ser considerada como um


dispositivo de inscrição da violência e da luta na zona sul de São Paulo. Tiaraju D’Andrea
(2020), em seu artigo "Contribuições para a definição dos conceitos periferia e sujeitos e
sujeitos periféricos”, considera que não se pode discorrer sobre o conceito de periferia
sem falar da narrativa produzida em forma de verso e música pelo grupo Racionais MC’s.
Os raps desse grupo são dispositivos de inscrição sobre as vivências das periferias, que,
no caso do distrito do Jardim Ângela convive e conviveu com a violência, pobreza e
esquecimento por parte do Estado. São modos de transmitir essas realidades e permitir o
acesso a elas sem a necessidade de ir até a zona sul.
O rap “pânico na zona sul”, veiculado em 1989, em seu primeiro verso afirma que
“só quem é de lá sabe o que acontece”. D’Andrea (2020) considera que os raps tentavam
estabelecer uma narrativa própria sobre a periferia na visão dos moradores sobre como
era sobreviver nela. Segundo o autor, esse movimento cultural lançava as bases de uma
epistemologia da periferia7. O conceito de periferia nesta ocasião, segundo D’Andrea
(2020), tinha uma função de denúncia através de uma crítica ao pensamento hegemônico
da época; usar o conceito periferia possibilitava nomear as contradições expressas no
binômio pobreza e violência.

7
A epistemologia periférica se constitui por meio de uma vivência que produz identificação com os
sujeitos e as sujeitas da pesquisa, oriundos da mesma classe social e com códigos compartilháveis. O
cientista, quando lastreado por essa vivência compartilhada com sujeitos e sujeitas da pesquisa, há de
compreender escolhas (D’Andreia, 2020, p.34).
37

Em 1993, os Racionais MC’s lançaram o LP Raio-X Brasil. Para D’Andrea


(2020), o Rap “Fim de Semana no Parque”, ao nomear diversas localidades desconhecidas
para quem mora do “outro lado da ponte8”, e seu cotidiano de violência e solidariedade,
davam visibilidade às realidades vividas diariamente na periferia de São Paulo, como
neste verso do rap Fim de Semana no Parque:

A molecada do Parque Regina


Tô cansado dessa porra de toda essa bobagem
Alcoolismo, vingança, treta, malandragem
Mãe angustiada, filho problemático
Famílias destruídas, fins de semana trágicos
O sistema quer isso, a molecada tem que aprender
Fim de semana no Parque Ipê.

Em 1997 o CD intitulado “Sobrevivência no Inferno” foi lançado e tornou o grupo


conhecido nacionalmente. D’Andrea (2020, p. 22) chama atenção para dois raps desse
CD: “Mágico de Oz” e “Fórmula Mágica da Paz”. Segundo o autor ambos são bons
exponentes da violência e da frustação daquela geração, já que “em um tempo sem saída,
a solução só ocorreria por mágica.” Para Tiajaru DÁndrea, em meio às circunstâncias
desagregadoras dos anos 1990, os Racionais MC’s denunciavam a violência vivida na
Zona Sul de São Paulo, como também tiveram a função de auxiliar no aumento da
autoestima da população periférica.
Segundo D’Andreia (2020), o álbum "Nada como um dia após o outro dia",
lançado em 2002, traz uma postura reflexiva sobre a própria obra do grupo. Em 2014 foi
lançado outro CD, Cores e Valores, com uma mudança estéticas em relação aos álbuns
anteriores. Para o autor, os Racionais MC’s foram um importante fenômeno musical e
social na divulgação de questões como a repressão policial, a miséria econômica e o
racismo dando visibilidade às realidades vividas nos distritos dos Jardim Ângela e Jardim
São Luís, e na periferia da Zona Sul da cidade de São Paulo no geral.

3.1 O Jardim Ângela visto a partir do Mapa da Desigualdade 2020

Na gestão da prefeita Luiza Erundina (1986-1993) os vários distritos já existentes


no município, acrescidos de mais alguns, foram reorganizados e constituem hoje os atuais
96 distritos da cidade de São Paulo. A reorganização efetuada na gestão Martha Suplicy

8
Essa expressão é utilizada para marcar a vida do outro lado das pontes tanto do socorro, como a João
Dias.
38

(2000-2004) gerou novos limites administrativos por meio da criação de subprefeituras,


em um total de 32. O distrito do Jardim Ângela, o local para onde Maria foi reassentada
pela primeira vez, juntamente com o distrito do Jardim São Luís, integram a subprefeitura
do M’Boi Mirim.

Figura 3: Regiões, Subprefeitura e Distritos do município de São Paulo.

Fonte: PMS, 20209

9
Disponível em:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/mapa/index.php?p=148
94 Acesso em: 28 fev. 2021
39

A população do Jardim Ângela de acordo com o último censo do Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) era de 295.434 habitantes. A projeção
populacional do Jardim Ângela por faixa etária e sexo calculado pelo sistema Seade de
projeções populacionais para o ano de 2020 era 338.265 pessoas descrito na tabela abaixo:

Figura 4: Projeção da População por faixas etárias quinquenais, em primeiro de julho – Distrito
de Jardim Ângela - 2020

Fonte: Fundação Seade, 2020. 10

O Jardim Ângela está localizado na zona sul da cidade de São Paulo, tem 37,40
km de extensão. Parte do distrito está nas margens da represa Guarapiranga, que integra
o sistema hidrográfico responsável pelo abastecimento de água da Região Metropolitana
de São Paulo.

10
Disponível em: https://produtos.seade.gov.br/produtos/projpop/ Acesso em: 28 fev. 2021
40

Passo a apresentar alguns dados sobre o distrito do Jardim Ângela que constam
do Mapa da Desigualdade na versão 2020. Trata-se de levantamento de uma série de
indicadores de cada distrito da cidade de São Paulo, podendo assim comparar dados e
verificar os locais mais desprovidos de serviços e equipamentos públicos. Sendo assim,
o mapa preenche uma lacuna na difusão das informações públicas (Mapa da desigualdade,
2020).

Segundo o Mapa da Desigualdade na Cidade de São Paulo de 2020 o Jardim


Ângela é o distrito com maior número de moradores pretos ou pardos: 60.1% comparado
a Moema com apenas 5,8%. E 49% de sua população é jovem, de 0 até 29 anos. A região
tem 53,7% de domicílios em favelas. Quanto à mobilidade, não há um sistema de
transporte público de alta capacidade, como trens e metrôs, embora 73,9% das viagens
motorizadas feitas diariamente na região são feitas por transporte público. O tempo médio
para chegar até o trabalho no transporte público é de 83,7 minutos, com um número médio
de transferências (entre veículos) até o trabalho de 2,4. Cerca de 61,5% das famílias do
distrito não tem automóvel.
Sobre dados de direitos humanos no Jardim Ângela, o coeficiente de mulheres
vítimas de violência para cada dez mil mulheres residentes de 20 a 59 anos é de 190,5, já
a média municipal é de 228,1 mulher. E o coeficiente de mulheres vítimas de feminicídio,
para cada dez mil mulheres residentes de 20 a 59 anos, é de 0,29%, e para o município
0,4%. O índice de pessoas vítimas de violência homofóbica e transfobia é 0% no Jardim
Ângela, enquanto para a cidade de São Paulo é 2,4%. Quando se trata de pessoas vítimas
de violência de racismo e injúria racial o distrito conta com o índice de apenar de 0,6%
para cada dez mil habitantes, enquanto do distrito da Sé tem a maior porcentagem da
cidade, 24,2%. E o coeficiente de mortalidade de jovens por homicídio e intervenção legal
para cada cem mil pessoas residentes de 15 a 29 anos, é de 26,6%, no distrito, já em
distritos como o Morumbi carregam a maior porcentagem do município, 58,9%.
O território do Jardim Ângela conhecido historicamente por ser uma região com
profundas marcas da desigualdade social, no mapa da desigualdade (2020) o Jardim
Ângela aparece com os piores resultados 21 vezes. Aqui voltamos um pouco para a
conversa com Maria quando ela fala do seu medo de mudar para o Jardim Ângela.
41

3.2 O alojamento

Figura 5. Pracinha do Wi-fi.

Fonte: Google Maps, 2019.

Maria conta que o alojamento ficava próximo à loja Marabraz e, portanto, na


vizinhança da Pracinha do Wi-Fi. Essa loja fica no que poderíamos chamar de “coração”
do Jardim Ângela. Isabel Lemos, em sua tese de doutorado ainda em processo de
elaboração, nos premia com a seguinte descrição:

A área onde se encontra a Pracinha do WiFi é considerada como centro do


Ângela por muitos moradores em virtude de sua configuração de largo, que
abrange a própria praça, grandes lojas das redes Marabraz e Casas Bahia, um
extenso ponto de ônibus por onde passam mais de trinta linhas, além do
cruzamento da M’Boi com a Avenida Comendador Santana – eixo leste - oeste
que faz a ligação com distrito do Capão Redondo e depois com o município de
Itapecerica da Serra.
A praça em si é um espaço livre relativamente pequeno e não muito sofisticado
mas com desenho interessante por estar elevada em relação à calçada e com
uma escada contorna toda sua borda, criando uma arquibancada direcionada
para as ruas que a margeiam. Além dos bancos, os degraus estão
constantemente apropriados como espaços para sentar, conversar e contemplar a
avenida em ebulição. É certo que o fato da praça oferecer WiFi livre é seu
grande atrativo e faz com que, mesmo ela estando cheia de gente, não exista
qualquer tipo de interação entre seus frequentadores. Não é incomum encontrar
dezenas de pessoas que não estão em grupo, paradas, com as cabeças
direcionadas para baixo, com seus aparelhos celulares nas mãos, em absoluto
silêncio. Cena bastante contraditória quando se amplia o quadro, constatando
todo o barulho e movimento da avenida adjacente. Por outro lado, é uma oferta
42

gratuita de um serviço muito útil, com o qual grande parte daquela população
não pode arcar11.
O caminho até esta praça é de certamente conhecido de muitos que se dirigem ao
Jardim Ângela. Quando comecei a ir as reuniões do Fórum em Defesa da Vida, em 2018,
o ponto de ônibus mais próximo ficava exatamente nessa praça. Ao descer nela parecia
que estava chegando ao centro de uma pequena cidade do interior até porque as lojas
grandes, como as Casas Bahias e a Marabraz, estão ao lado de pequenos estabelecimentos
que vendem produtos nordestinos.

O alojamento a que Maria se refere era provisório e, segundo Bruna Sato (2013),
esses geralmente têm infraestruturas inadequadas, como tendas ou galpões para receber
os moradores, onde as famílias deveriam ficar por um período curto, mas a situação acaba
se estendendo um tempo indeterminado. Como as orientações da ONU (2007) deixam
claro, o local de reassentamento deveria estar pronto quando as remoções ocorram, mas
em alguns casos isso não é possível, sendo necessários alojamentos provisórios como no
caso de Maria.

Maria descreve o alojamento como um prédio de dois andares, com um longo


corredor onde tinham pequenos quartos, cada um com seu pequeno banheiro e um tanque
individual para lavar roupa e, no fim desse corredor, um local para secar suas roupas.
Algumas famílias tinham dois quartos, por terem mais pertences e mais integrantes como
no caso de Maria, que morava com seu marido e sua filha. As contas de água e luz no
alojamento eram pagas pela prefeitura. Além disso era proibido aos moradores fazem
qualquer tipo de reforma nos quartos.

Em teoria, as famílias removidas devem ser reassentadas em lugares próximos ao


seu território de origem, mas na prática não é isso que acontece. Maria, que morava no
distrito da Capela do Socorro, foi removida para o distrito do Jardim Ângela, cerca de 8
km de distância da sua casa, ao passo que, o distrito de Santo Amaro ficava apenas a
2,5km da residência de Maria. Betina Ahlert (2017, p. 81) afirma que “em realidade, essas
famílias acabam por serem reassentadas em locais distantes dos de origem, apresentando
dificuldades em relação ao deslocamento na cidade, de acesso aos benefícios urbanos e
ainda maiores complicações de alcançar os locais de trabalho”. No caso de Maria que

11
Isabel Sollero Lemos. Apropriações Públicas de Sistemas de Espaços Livres em Latinoamérica.
Memorial de Qualificação de Doutorado, FAUUSP, agosto de 2020.
43

trabalhava na região do Brooklin, teve que percorrer agora 14km diários de transporte
público para chegar ao seu trabalho.

Os dados sobre o alojamento são de difícil acesso, inexistentes nos sites da


prefeitura, portanto conto apenas com a descrição fornecida por Maria. Mas, foram dois
anos morando nesses quartos até que o prédio Guarapiranga ficou pronto e os moradores
foram levados para ele, como vamos conhecer a seguir.
44

Parte II – A segunda remoção

Depois dos anos morando no alojamento, o prédio Guarapiranga ficou

pronto, localizado na Estrada do M´Boi Mirim nº152, ao lado do terminal

Guarapiranga. Ao chegar no prédio Maria, o encontrou “todo no grosso, teve

que rebocar, colocar piso, era tudo grosso”. Ela gastou quase R$ 15 mil na

reforma do seu apartamento, com pintura, colocação de pisos e arrumando coisas

para transformar, talvez, seu apartamento em um lar.

Foram 10 anos morando no prédio Guarapiranga. No início, seus moradores

tiveram que se acostumar com novas rotinas, como a de um condomínio.

Pagavam R$ 50 para as despesas com limpeza, energia, água e outros gastos

relacionados ao condomínio. Maria conta que o pagamento era bastante criticado

pelos moradores do prédio. Foi contratada uma empresa especializada em

administração de condomínio para auxiliar os moradores na gestão do prédio,

mesmo tendo a prefeitura feito orientações iniciais sobre a gestão do condomínio.

Maria não sabe explicar muito bem, mas eles pagavam uma prestação de R$ 60

mensais à prefeitura, diz que “era como se fosse do terreno e a gente tivesse

pagando”.

A vida de Maria passou por diversas mudanças; já no final dos seus 10

anos no prédio ela se separou do marido. Depois de 10 anos morando no prédio,

que, com um sorriso no rosto, Maria repete que foi bom, alguns problemas

começaram a aparecer, sobretudo as rachaduras em alguns apartamentos isolados.

Por exemplo, uma irmã da Maria que residia no prédio, teve que passar três meses

de aluguel enquanto eles consertavam as rachaduras no seu apartamento. Com o

tempo as rachaduras começaram a aumentar e o piso começou também a soltar.

Alguns consertos foram realizados, mas elas sempre voltaram a aparecer. Maria
45

conta que depois continuou, continuou a aparecer, e ficavam mais feias, dando

para ver tudo de um lado para o outro.

No apartamento da Maria nunca apareceu rachadura enquanto ela residia

nele. Durante esse tempo os moradores nunca tiveram uma explicação sobre o

porquê das rachaduras. Maria ouvia histórias sobre o porquê, falavam que existia

um poço no local que tinha água. Diziam que era cheio de água aquilo ali. Ela

acredita que o prédio deve ter sido mal feito, e repete que deve ter sido muito mal

feito aquilo ali. Quando tiveram que tomar uma decisão sobre o que iria acontecer

com eles, os moradores escolheram por ser indenizados. Maria acha que porque

eles não acreditavam mais que um bom apartamento poderia vir.

Outros aspectos dos processos de remoção serão agora abordados. No capítulo 5,


descreveremos o prédio e as rachaduras que levaram à remoção de seus moradores.
Situamos essa remoção não mais no contexto de obras urbanas, mas da gestão dos riscos
a partir da Política Nacional de Defesa e Proteção Civil. Outras práticas e outros actantes
entram em cena, ampliando, portanto, a rede heterogênea ativada no caso de remoções.
Encerramos o Capítulo com a saída de Maria do Prédio Guarapiranga.
46

Capítulo 4:

O prédio Guarapiranga: reflexões sobre moradias em áreas de risco

5.1 Sobre o prédio e suas rachaduras

Na época que morei perto do terminal Guarapiranga, participei de uma festa na


casa de um amigo e foi lá que o assunto do pequeno prédio ao lado do terminal apareceu.
Um amigo que, na época da construção do prédio, trabalhava em um estabelecimento em
frente ao terminal relatou que todos os funcionários riam daquela construção por saberem
que aquele local era um “brejo” e brincavam que aquilo não poderia ficar em pé.
Esse amigo contou que as pessoas que conheciam o local estranhavam alguém
tentar construir um prédio ali. Desde a conversa com esse amigo, ao passar pelo terminal
Guarapiranga comecei a observar para aquele pequeno prédio entre o terminal e o
supermercado Atacadão. Era fácil identificá-lo quando passava pelo terminal. Dava para
ver que o prédio que estava com problemas, conseguia ver como estava torto e algumas
rachaduras eram visíveis mesmo de longe.

Figura 6: Prédio Guarapiranga.

Fonte: Google Maps, 2019

Quando escolhi que trabalharia com o tema das remoções forçadas na região,
minha orientadora sugeriu que eu fizesse um estudo de caso sobre esse prédio, tendo em
vista a história de dupla remoção de seus moradores.
47

Ao tomar o prédio como foco do estudo um importante actante logo entra em cena,
tanto na fala de Maria, como em algumas reportagens sobre a situação do prédio: as
rachaduras. O prédio ficou conhecido, por seus problemas estruturais e o dilema da
remoção de seus moradores, pela segunda vez, desta vez por questões de risco. A história
dos problemas do prédio foi bastante noticiada em 2015, ano em que o prédio foi
interditado pela Defesa Civil por problemas estruturais.
Na reportagem exibida no dia 21 de maio de 2015, no SP1 da Rede Globo de
Televisão, a situação do prédio foi apresentada a partir de um pedido de socorro dos
moradores, que haviam colocado uma placa com os seguintes dizeres: em uma atitude de
desespero os 150 moradores deste prédio pedem ajuda!! Este prédio está caindo e a
prefeitura não faz nada. Não queremos morrer soterrados. SOCORRO!!!.
Nesta reportagem, os moradores relataram que as rachaduras começaram a
aparecer há oito anos, um ano depois que se mudaram para o prédio. Nessa época, há oito
anos, a Defesa Civil fez uma vistoria e um engenheiro da subprefeitura do M’Boi Mirim
chegou a interditar o prédio, mas os moradores não saíram e aguardaram o novo processo
de interdição realizado em 2015. Outras reportagens, como a da Jovem Pan, do dia 22 e
maio de 2015, denunciaram a situação dos moradores e a demora do Estado em dar uma
resposta. Mesmo com todos os problemas visíveis, o relatório da situação do prédio só
iria ficar pronto em julho de 2015.
A reportagem do Portal de Notícias do G1, em 17 do junho e 2015, três meses
depois das primeiras reportagens sobre o problema, a justiça considerou que o prédio não
era seguro e os moradores teriam que sair do prédio em apenas cinco dias. A opção para
os moradores, conforme relatado na reportagem, foi a de aluguel de R$ 1.200 pago pela
prefeitura, mas que só começaria a ser pago no mês de julho e um abrigo temporário foi
improvisado em um ginásio da região. No final da reportagem o repórter comenta que o
prédio havia sido construído para aliviar a situação os moradores que haviam sido
removidos por ocasião da construção do corredor de ônibus no bairro do Socorro.
Relatou, também, que o prédio havia sido construído pela construtora OAS, por meio de
licitação, e que a prefeitura havia contratado uma outra empresa para fazer um laudo sobre
a situação atual do prédio, para então avaliar que providencias deveriam ser tomadas.

Diversas mídias noticiaram a situação do prédio, sempre falando dos problemas e


do desespero dos moradores pela falta de informação e de ações do Estado. Navegando
pela internet me deparei com um post sobre o prédio, feito por uma moradora, publicado
48

em uma página do Facebook que serve como portal de notícias da região o M’Boi Mirim,
o Piraporinha News. Esse post, datado de 19 de fevereiro de 2016, descreve “um jogo de
Empurra-Empurra” em relação ao prédio e que, mesmo depois de quase um ano da
remoção dos moradores, eles ainda não tinham respostas sobre o que ia ser feito com ele.
A moradora Joseane faz uma descrição de todo o processo:

SUB-PREFEITURA M'BOI MIRIM, SPTRANS, OAS E SEHAB


Prédio ao lado do Term. Guarapiranga, continua sem solução...
Hoje fazem 8 meses que tivemos que sair do prédio e ainda não temos nenhuma
resposta, já tentei falar várias vezes com o Sandro (SPTrans), mas lá todos são
uns macaquinhos, mudos, surdos e cegos!!!
Sou moradora do Condomínio Guarapiranga, que fica situado na Estrada do
M’ Boi Mirim, 152, do qual tivemos que sair no dia 20 de junho devido a
problemas de rachaduras e ameaça ao desabamento do prédio, e até hoje
continua de pé, na época saíram várias matérias na mídia, Folha de São Paulo,
Jornal Agora, Rede TV, Globo, Record, Band.
Fomos morar nesse prédio devido a obras que tiveram no bairro Socorro para
corredor de ônibus, ele foi construído pela empresa OAS e a responsável pelo
mesmo é a SPTrans. Depois de 2 anos o prédio começou a ter rachaduras, logo
os responsáveis vieram e fizeram retoques, depois de 5 anos, alguns moradores
tiveram que sair por causa que as rachaduras aumentaram, ficaram 6 meses
fora, e voltaram. Agora depois de 10 anos, começaram a ficar cada vez mais
perigoso e todos moradores tiveram que sair, o juiz determinou que os
moradores saíssem e que a SEHAB pagasse o aluguel de R$ 1100,00 e R$
1200,00, devido não morarmos em área invadida e o valor do aluguel na região
ser em torno disso, começaram o 1º mês atrasando, em Setembro/2015 alguns
moradores receberam 2 meses de alugueis, logo em seguida, o juiz do caso
mudou, o novo juiz determinou que os alugueis fossem cessados, tivemos uma
reunião de Novembro/2015 na Sub Prefeitura do M’Boi Mirim, no qual
participaram o Engº Nilson (SPTrans) e a Carolina (SEHAB), o assunto da
reunião foi o valor do aluguel, que abaixaram para R$ 400,00 segundo eles é
o valor que a prefeitura paga, porém, que já tinha recebido os dois meses
totalizando R$ 2200,00 e R$ 2400,00 só iriam receber em Fevereiro/2016 e
Março/2016 respectivamente, fazendo as contas, além de terem enganado os
moradores prometendo alugueis que não cumpririam, ainda pularam o mês de
Julho e Agosto/15. Já chegou Fevereiro e ainda nada. Ligamos para Habitação,
SPTrans, ninguém sabe de nada, ameaçamos a voltar para o prédio, porque não
temos como pagar um aluguel de R$ 1000,00 sendo que pagávamos uma
prestação de R$ 59,50. Amigos do face, compartilhem por favor, precisamos
de uma resposta, nossa moradia está lá abandonada.

A descrição do problema como um jogo de Empurra-Empurra nos permite


entender a rede heterogênea aí presente. O que fica claro nas reportagens e no post da
moradora é um jogo de responsabilização entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e a
SPtrans: enquanto a primeira afirma que a responsabilidades da obra é da SPTrans, e esta
afirma que a Prefeitura é quem é responsável. Nesse jogo os moradores ficam no meio,
esperando soluções para os seus problemas.
49

5.2. Sobre remoções por questões de risco

Quando se fala em remoções por questão de risco, um primeiro actante a ser


considerado é a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), que tem como
marco a lei Nº 12.608/12 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa
Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC e
autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres. A Lei
12.608/12 é conhecida com um marco legal da gestão de risco e desastres, e de acordo
com Roberth Tavanti (2013, p. 53), trata de forma ampla e organizada a temática do risco
de desastres, abrangendo:
● a identificação e análise de riscos;
● Medias estruturais e não estruturais para mitigação e/ou solução de
problemas;
● Os sistemas de contingência; a capacitação e o treinamento dos agentes
de proteção e defesa civil;
● E a obrigação da informação pública.

A lei institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil(PNPDEC); o sistema


e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil; autoriza a criação de sistema de
informação e monitoramento de desastres; determina a atuação articulada entre União,
Estado e Munícipios, em um modelo de funcionamento sistêmico; dá prioridade às ações
preventivas; toma a bacia hidrográfica como unidade de análise; exige o planejamento
com base em pesquisa e estudos e enfatiza a participação da sociedade civil (Brasil, 2012).

No texto da Associação Brasileira de Geologia e Engenharia Ambiental, intitulado


“O que é a lei 12.608/12”, citado por Tavanti (2013), os autores destacam que a União
deve instituir e manter o cadastro nacional de municípios com áreas de risco, suscetíveis
à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações ou processos geológicos
ou hidrológicos correlatos. Ficam então os estados e municípios responsáveis por
identificar e mapear áreas de risco e realizar estudos e identificação de ameaças,
suscetibilidades e vulnerabilidades. Essa lei também torna obrigatório aos municípios
fazer cadastros e elaborar cartas geotécnicas de aptidão à urbanização, que terão o papel
de estabelecer diretrizes urbanísticas voltadas para segurança de novos loteamentos.
Tanto as cartas geológicas como os mapeamentos das áreas de risco devem estar
integrados ao Plano Diretor dos Municípios e os moradores removidos de áreas de risco
50

passam a ser prioridade nos programas habitacionais da União, estados e municípios


(TAVANTI, 2013).

No campo da habitação a PNPDEC prevê que as pessoas removidas passam a ter


prioridade nos programas habitacionais. O artigo 3º- B, vai tratar diretamente de
ocupações em áreas consideradas de risco:

“Art. 3º-B. Verificada a existência de ocupações em áreas suscetíveis à


ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou
processos geológicos ou hidrológicos correlatos, o município adotará as
providências para redução do risco, dentre as quais, a execução de plano de
contingência e de obras de segurança e, quando necessário, a remoção de
edificações e o reassentamento dos ocupantes em local seguro.
§ 1o A efetivação da remoção somente se dará mediante a prévia observância
dos seguintes procedimentos:
I - Realização de vistoria no local e elaboração de laudo técnico que demonstre
os riscos da ocupação para a integridade física dos ocupantes ou de terceiros;
e
II - Notificação da remoção aos ocupantes acompanhada de cópia do laudo
técnico e, quando for o caso, de informações sobre as alternativas oferecidas
pelo poder público para assegurar seu direito à moradia.
§ 2o Na hipótese de remoção de edificações, deverão ser adotadas medidas que
impeçam a reocupação da área.
§ 3o Aqueles que tiverem suas moradias removidas deverão ser abrigados,
quando necessário, e cadastrados pelo Município para garantia de atendimento
habitacional em caráter definitivo, de acordo com os critérios dos programas
públicos de habitação de interesse social.”

Como aponta Julia Moretti (2013), o texto da lei deixa claro que as remoções
devem acontecer apenas como última opção. A autora explica que apenas em casos nos
quais não sejam possíveis a aplicação de outras medidas para redução do risco é que as
famílias das ditas “áreas de risco” devem ser removidas. Cleso Carvalho et al. (2013),
também apontam que as ações de remoção em áreas de risco devem ser tratadas como
ações de “manejo de risco”, sendo as remoções a última medida a ser tomada, e apenas
quando seja impossível medidas alternativas. Os autores ainda ressalvam a importância
de perícias mais detalhadas nos processos de remoção por questão de risco.
Segundo a PNPDEC, cabe aos municípios “promover, quando for o caso, a
intervenção preventiva e a evacuação da população das áreas de alto risco ou das
edificações vulneráveis” (Brasil, 2012), assim como promover o processo de vistoria de
edificações em áreas de risco (Brasil, 2017).
Nas apostilhas do curso sobre Noções Básicas em Proteção e Defesa Civil e em
Gestão de Riscos de 2017, da Secretária Nacional de Proteção e Defesa Civil há
informações sobre o processo de vistoria de edificações e áreas de risco. Segundo os
autores, esse processo deve ser realizado obedecendo a estrutura dos órgãos de defesa
51

civil, e estas variam de município para município. Mas as vistorias não são
necessariamente conduzidas por agentes de proteção e defesa civil, tendo em vista que
exigem uma formação técnica bastante especifica. Porém, existem casos que os órgãos
de proteção e defesa civil possuem corpo técnico capaz de conduzir essa atividade, de
modo que é necessário conhecer a estrutura de cada município (Brasil, 2017). Por
exemplo, a Defesa Civil do Espírito Santo tem uma pequena apostila chamada Noções de
Avaliação de Risco Estrutural onde os aspectos técnicos são descritos.
Segundo os autores do curso sobre noções básicas em proteção e Defesa Civil e
em gestão de riscos de 2017, na vistoria de edificações e áreas de risco é indicada uma
articulação das áreas de engenharia da prefeitura, de corpos de bombeiro, ou mesmo o
estabelecimento de parcerias com universidades e órgãos de classe, como o CREA
(Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura). Alguns desses órgãos podem auxiliar
também em intervenções preventivas. Mas se a opção for de remoção, o processo deve
ser feito por meio da participação popular, com o apoio de áreas da assistência social e
habitação, e de representantes do poder público (BRASIL, 2017).

No caso da Prefeitura Municipal de São Paulo, a defesa civil foi organizada a


partir do Decreto nº 58.199, de 18 de abril de 2018, com a Coordenação Municipal de
Defesa Civil locado na Secretaria Municipal de Segurança Urbana. Esse órgão é integrado
por um coordenador geral, um coordenador executivo, e quatros divisões: Divisão de
Operações – DOP, com Centro de Controle Integrado 24 Horas da Cidade de São Paulo;
Divisão de Prevenção – DPREV; Divisão de Resposta – DRESP; Divisões de Defesa
Civil – DDEC, um por Subprefeitura, como pode ser observado na Figura 1.

Figura 7: Organização da defesa civil da cidade de São Paulo.

Fonte: Prefeituria municipal de Sâo paulo, 2021.


52

Segundo o Decreto nº 58.199, de 18 de abril de 2018, cabe à Coordenação


Municipal de Defesa Civil “articular e planejar, em integração com as Prefeituras
Regionais, a realização de vistorias preventivas em edificações e áreas de riscos
ambientais, bem como promover a intervenção preventiva e a remoção das populações
residentes nas áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis”. Essa atividade é
orientada pela Ordem Interna nº 1/2013, que estabelece orientações sobre procedimentos
para a remoção preventiva de moradores em áreas de risco geológico no município de
São Paulo.

Segundo a Ordem Interna (OI), a análise da situação de risco deve ser feita por
um geólogo ou engenheiro da subprefeitura, com devida capacitação. O resultado dessa
análise deve ser apresentado por meio de um parecer fundamentado, relatando a
probabilidade de ocorrência de desastre, seguindo a classificação definida pelo
mapeamento de riscos no município, avaliando a possibilidade de restabelecimento das
condições de segurança no local e sugerindo providências necessárias (São Paulo, 2013).
O subprefeito deve encaminhar cópia do parecer para o Coordenador Geral de Defesa
Civil e ao Secretário Municipal de Coordenação das Subprefeituras - SMSP, para os
encaminhamentos necessários, devendo ser elaborado plano detalhado de intervenção
para a eliminação do risco, seja com obras de recuperação das condições de segurança do
local, seja mediante o isolamento da área, segundo a ordem de prioridades que for
estabelecida em planejamento (SÃO PAULO, 2013).

Segundo a OI, em caso de classificação de risco alto ou muito alto e se as


condições de segurança no local não poderem ser restabelecidas, o parecer deverá indicar
necessariamente o número de moradias a serem interditadas. Os moradores devem ser
notificados da interdição e retirados imediatamente do local. O autor da interdição deve
identificar o morador e, no caso de recusa por parte dele de tomar ciência da interdição,
o agente deve certificar essa circunstância e colher a assinatura de duas testemunhas
identificadas com nome completo, endereço, documento de identidade. A interdição deve
ser documentada com fotos e/ou imagens que permitam a identificação das moradias
interditadas, sendo afixados faixas e cartazes indicando ser um local sujeito a risco de
acidente.

A Ordem Interna nº 01/2013, orienta que se tratando de áreas públicas as seguintes


medidas devem ser tomadas:
53

2.5.1 A Supervisão de Habitação das Subprefeituras cadastrará os moradores


cujas moradias tiverem sido interditadas, prestando-lhes, eventualmente, a
devida assistência quanto às suas necessidades básicas.

2.5.2 O Subprefeito determinará a autuação de processo administrativo,


devidamente instruído com o parecer elaborado pelo geólogo ou engenheiro, o
plano de intervenção para a eliminação do risco, os Autos de Interdição, as
fotos e/ou imagens das moradias interditadas, os "croquis" ou as plantas de
localização, o cadastro dos moradores e, eventualmente, o boletim de
ocorrência policial, encaminhando-o para a Secretaria Municipal de
Coordenação das Subprefeituras - SMSP.

2.5.3 A Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras - SMSP


analisará os processos para verificar se foram devidamente instruídos e,
sobretudo, analisar o plano de intervenções proposto mediante ao risco
constatado, encaminhando-os para a Superintendência de Habitação Popular -
HABI, da Secretaria Municipal de Habitação - SEHAB, caso seja aprovado o
plano de intervenção na área para a eliminação do risco.

2.5.4 Caberá à Superintendência de Habitação Popular - HABI cadastrar e


atender os moradores das áreas públicas sujeitas a risco geológico cujas
moradias tiverem sido interditadas, podendo acessar em situações de
emergências verba destinada para este fim e conceder auxílios financeiros
diretos, de acordo com a solução mais adequada em cada caso, tendo em vista
o plano de intervenção para a eliminação do risco (incluindo a possibilidade
de retorno ao local), o perfil sócio-econômico dos moradores desalojados e a
disponibilidade de vagas em unidades habitacionais, atendidas as exigências
legais.

2.5.5 Para o atendimento a que se refere o item anterior, a Superintendência de


Habitação Popular - HABI poderá solicitar junto à Secretaria Municipal de
Coordenação das Subprefeituras - SMSP a disponibilização dos recursos que
entender necessário.

2.5.6 Se não houver concordância dos moradores para retirarem-se do local


interditado, o processo deverá retornar à Secretaria Municipal de Coordenação
das Subprefeituras - SMSP que o encaminhará ao Departamento de Defesa do
Meio Ambiente e Patrimônio (DEMAP), da Procuradoria Geral do Município
- PGM, para a adoção das providências cabíveis, incluindo a reintegração de
posse.

Moretti (2013) aponta que a Ordem interna difere da lei federal, pois restringe o
atendimento a casos de áreas públicas de risco e por risco determinado judicialmente.
Segundo ela, a OI faz restrições que a lei não faz, violando o princípio constitucional da
igualdade, e procura eximir da sua responsabilidade o dever de assegurar direito à
moradia.

A OI, no item 3, deixa claro que o processo de eliminação/minimização o risco


geológico não acaba apenas com a efetivação da remoção das moradias, tendo em vista
que o plano de intervenção proposto prevê outras ações para o local considerado área de
risco. Deixa claro, também, que a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social
deve prestar o devido apoio e disponibilizar o atendimento social. Por fim, uma vez que
54

a remoção seja efetivada, cabe aos órgãos da administração municipal e aos agentes
fiscalizadores adotar procedimentos necessários para o controle de ocupações irregulares.

5.3 Sobre a rede heterogênea ativada na questão de moradias em risco de desabamento

A partir da história contada por Maria e as reportagens sobre o caso podemos


conhecer a rede heterogênea ativa no caso de remoções por questão de moradias em área
de risco. O primeiro actante ativado são as rachaduras, que são considerados problemas
estruturais e se fazem presente pouco depois da mudança para o prédio Guarapiranga.
Elas fizeram parte do cotidiano dos moradores por muitos anos, segundo Maria, mais de
oito anos.

Maria conta que no apartamento dela, que ficava na parte de trás do prédio, as
rachaduras nunca apareceram, mas no apartamento das irmãs dela que ficava na parte da
frente, as rachaduras e outros problemas apareceram. A prefeitura foi avisada e os
moradores, dos apartamentos com problemas, foram encaminhados para aluguel por três
meses, para serem realizadas reformas. Porém mesmo com as reformas as rachaduras
continuaram a aparecer e a Defesa Civil foi notificada e realizou o processo de avaliação
do prédio e as medidas de mitigação do risco foram tomadas - as reformas sobre as quais
Maria nos contou.

Os problemas estruturais do prédio continuaram até 2015, quando chegarem a um


nível crítico e a defesa civil foi novamente acionada e interditou o prédio em maio de
2015. Nessa ocasião, a Prefeitura Municipal de São Paulo entrou com processo
nº 1019813-12.2015.8.26.0053 na Justiça do Estado e do Distrito Federal e Territórios,
para interdição da edificação e remoção dos moradores por vias legais. Os autos desse
processo constituem um dispositivo de inscrição sobre a remoção. No processo, o juiz
decidiu que, tendo em vista o risco geológico confirmado por meio de relatório e fotos
apresentados pela subprefeitura do M’Boi Mirim, os moradores deveriam ser
imediatamente removidos, dando um prazo de cinco dias.

Os relatórios apresentados pela Subprefeitura do M’Boi constituem-se como


porta-vozes por transportar os problemas do prédio para que possam ser analisados pelo
juiz e outros responsáveis, sem precisar se deslocar até o prédio. Esse foi também o caso
descrito por Leticia Freire (2010), quando a agente comunitário descreve no livro do
55

programa a queixa de um morador sobre um vazamento de esgoto e com isso o engenheiro


responsável pôde tomar conhecimento do problema sem precisar ir imediatamente até o
local.

As fotos anexadas no processo por sua vez podem ser consideras dispositivos de
inscrição por permitirem a visualização das rachaduras e outros problemas estruturais que
confirmam o risco de os moradores permanecerem no prédio. Bruno Latour (2011), define
dispositivos de inscrição como qualquer estrutura, seja qual for sua natureza, tamanho e
custo, que possibilite uma exposição visual de qualquer tipo. Neste caso, as fotos
permitiram a constatação do risco eminente de desabamento do prédio, auxiliando o juiz
do caso na decisão de remoção imediata.

No processo o juiz responsável deixou claro que caberá à municipalidade


providenciar um local adequado, com condições de habitabilidade, para que as pessoas
que desejarem possam lá ficar, até encontrarem novo local para residirem. Decide
também sobre o valor do aluguel uma vez tendo em vista que os moradores são
proprietários, ou, ao menos, legítimos possuidores das casas construídas pelo poder
público. O valor do aluguel foi definido em R$ 1.200, para moradores com apartamento
de dois quartos e R$ 1.100 para apartamentos com um quarto, valor este definido por
meio de consulta a três imobiliárias da região.

5.4 A saída do prédio Guarapiranga

A segunda remoção aconteceu depois que as rachaduras no prédio apareceram e


o processo, segundo Maria, foi de fazer uma consulta aos moradores, para identificar
quais preferiam uma indenização, em vez de, esperar por um novo apartamento. Para isso
foi preciso esperar um tempo recebendo o aluguel social.
Maria fala sobre o desrespeito que foi a saída do prédio Guarapiranga. Ao ver os
caminhões que foram mandados para mudança, ela se deparou com eles todos sujos que,
segundo ela, pareciam ser caminhões de lixo. Maria teve que brigar com os funcionários
da prefeitura em certo momento pois eles começaram a jogar as coisas de todo jeito, e até
quebrando pertences de alguns moradores. Frente a isso, ela decidiu não usar os
caminhões e os funcionários da prefeitura e pagou do seu próprio bolso o serviço para
sua mudança. Ninguém era lixo para ser tratada desse jeito.
56

Foi prometido aos moradores um auxílio aluguel de R$ 1200, mas o valor real foi
de R$ 400, com esse valor não dá nem para alugar um barraco na favela, segundo Maria.
Primeiro ela foi morar em uma casa para a qual o aluguel era R$ 800 e quando eu vinha
pagar aluguel, água e luz dava R$ 1300. Eu morava perto da minha filha. Aí minha filha
mudou, pra outra casa grande, porque eles alugavam a garagem pra pôr o carro, aí
aluguei a outra casa, aí eu fui pra casa que ela morava. Essa casa que a filha morava
tinha um valor menor, R$ 600, que tinha um impacto menor no orçamento de Maria, que
é empregada doméstica.
Maria demostra um pouco de preocupação, ao falar do valor da indenização; diz
que, como não foi corrigido, ela não conseguiria comprar um apartamento se não tivesse
guardado um dinheiro, se não tivesse uma reserva. Falamos sobre um rapaz que tinha
uma deficiência e que ele conseguiu um apartamento logo em decorrência disso. Maria
não sabe explicar se foi um apartamento que saiu para ele ou se foi a indenização; mas
sabe que ele conseguiu algo logo e, que mora ali por perto.
A remoção dos moradores aconteceu no gradativamente entre os dias 18 a 21 de
junho de 2015, por decisão judicial (Processo nº 1019813-12.2015.8.26.0053). O juiz do
caso deixa claro a preocupação pela segurança dos moradores e por isso que eles devem
ser removidos em cinco dias. Decide que a municipalidade é responsável por providência,
visando a garantia do direito dos moradores, local adequado com condições de
habitabilidade mínimas para que os moradores pudessem residir até achar nova moradia.
Assim como o necessário para a mudança acontecer.

Nas normativas que orientam as remoções por questão de risco como Política
Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/12), Ordem Interna nº 01/2013 da
prefeitura municipal de São Paulo não deixam claro os procedimentos adotados durante
o ato da remoção dos moradores, mas outro documento citado no capítulo 3, os princípios
básicos e orientações em para Remoções e despejos causados por projetos de
desenvolvimento (2007), elaborado pela relatoria especial de direito à moradia adequada
da Comissão de Direitos Humanos da ONU, mesmo que seja direcionado para questões
de infraestrutura e urbanização traz importantes orientações de como as remoções devem
ser conduzidas, como já descrito.

No caso de Maria os moradores já haviam sido avisados antes da data da remoção,


mesmo que o prazo tenha sido de apenas cinco dias. Assim como tiveram acesso tanto
de assessorias jurídicas como de técnicos da prefeitura, como é orientado pela ONU
57

(2007). Caminhões e funcionários da prefeitura estavam presentes, para ajudar com as


mudanças, mas a fala de Maria chama atenção para o desrespeito. Como ela fala os
caminhões pareciam “caminhões de lixo” estavam todos sujos, e os funcionários jogavam
os pertences dos moradores “de todo jeito”, chegando a quebrá-los. Chegando ao ponto
de Maria não aceitar nem a ajuda dos funcionários nem utilizar os caminhões da
prefeitura, como ela fala pagando tudo isso com dinheiro do seu próprio bolso.

As orientações da ONU (2007), deixam claro que não pode haver uso de violência
ou força contra a população que será removida, mas é interessante notar nos autos do
processo que o Juiz deixa autorizado o uso da força policial caso necessário. Isso deixa
claro a preocupação do documento da ONU com a necessidade de as organizações da
sociedade civil acompanharem a remoção para que nenhuma violação de direitos
aconteça.

Como Maria e os moradores afirmam nas reportagens era impossível conseguir


alugar um novo lugar para morar em apenas cinco dias, cada um foi se virando como
pode, o que foi disponibilizado era apenas um local em um ginásio, até que os moradores
pudessem achar novas residências para alugar. O documento da ONU (2007), deixa claro
que o local deve garantir as condições necessárias para uma moradia adequada, mas a
decisão do Juiz afirma que a municipalidade deve providenciar local com o mínimo para
garantir as condições de moradia.

5.5. Ainda sobre o jogo de empurra-empurra

A situação é clara: trata-se de prédio “condenado” por vistoria feita por equipe
técnica e avalizado por processo judicial. Já haviam sido tomadas medidas para minimizar
o risco, com reformas estruturais que não sanaram os problemas. Usei a palavra
“condenado” para propor que, quando alguém, ou no caso, algo (o prédio) é condenado
impõe ou medidas extremas, como a condenação à morte; ou o confinamento por tempo
determinado. No caso desse nosso condenado, não há definição e é justamente essa
indefinição que torna a situação tão difícil para Maria e para os demais moradores.

Condenação à morte, seria implodir o prédio e reconstruí-lo. Conforme relatamos


no início deste capítulo, geologicamente o terreno é um brejo. Mas certamente as
tecnologias de engenharia contemporâneas tem estratégias para contornar essas
58

dificuldades. Fica, então a pergunta: por que a empreiteira OAS, responsável pela
construção do prédio, não tomou tais providências necessárias, quando da construção do
prédio?

Porém, o prédio continua lá, com os mesmos riscos, e... agora reocupado.
Inclusive falar sobre essa ocupação gera tensão. Tanto Maria, quanto uma agente de
educação ambiental e assistente social (que trabalham nas proximidades) que conversei
sentem receio em falar sobre essa ocupação. O que elas falam é que não se trata de um
movimento organizado que ocupa o prédio, mas um grupo de moradores independentes.
Hoje o prédio tem inclusive empreendimentos comerciais dentro como, por exemplo, um
lava-rápido.

Tanto a agente de educação ambiental, quanto a assistente social me falam que já


houve diversas tentativas de desocupação do prédio, tendo em vista o risco existente, mas
elas não sabem dizer o porquê de não terem sido efetivadas. Especulam que tem relação
com alguns movimentos políticos da região, porém preferem não falar sobre o assunto
temendo possíveis represálias. O que se sabe é que tanto no caso da nova ocupação como
das famílias removidas, até hoje o jogo de empurra-empurra não parou, como por
exemplo, na decisão entre o aluguel social e a indenização que não saiu até hoje.

5.5.1 O aluguel social

No caso de Maria a decisão judicial em primeiro momento foi por um aluguel que
como visto, foi definido no valor de R$ 1.200,00, para apartamentos de dois quartos e R$
1.100,00 para apartamentos de um quarto. O juiz da causa entendeu que os moradores do
prédio Guarapiranga eram proprietários de seus apartamentos e por isso não se
encaixavam no perfil para o aluguel social, mas na mudança do Juiz da causa o
entendimento mudou e os moradores passaram a receber o aluguel social.

A Portaria 131/SEHAB/2015, publicada no Diário Oficial da cidade de São Paulo


em nove de julho de 2015, discorre sobre o atendimento habitacional provisório que prevê
a concessão de benefício financeiro complementar à renda familiar com a finalidade de
auxiliar com despesas de moradia, conhecido como aluguel social. Esse decreto
contempla cinco casos que são passiveis de receber esse benefício: 1) Remoção em
59

decorrência de obras públicas; 2) Remoção em áreas que são objeto de intervenções dos
programas de urbanização de favelas; 3) Atendimento emergencial em decorrência de
desastres; 4) Remoção de moradores de áreas de risco; 5) Casos de extrema
vulnerabilidade.

Como é possível notar existem três casos que tem relação direta com remoções
que são passiveis de planejamento e uma tem a ver com situações de desastres.

O atendimento habitacional provisório, tem como principal ferramenta o aluguel


social que, na portaria tem um valor de R$ 400, seguido de verba de apoio aluguel que é
concedida em uma única parcela de R$ 2.100 e verba de auxílio mudança no valor de R$
900. Foi esse valor que as famílias passaram a contar para pagarem seus aluguéis, como
Maria fala, com esse valor não dava para alugar um barraco na região, isso pode ser visto
pelos valores levantados no processo, onde a média de aluguel para apartamentos é de R$
1.100,00, isso no ano de 2015.

Como Maria descreve, ela morou em uma casa que o aluguel custava R$ 800,00
com todas as despesas ficava um total de R$ 1.300,00, depois foi para uma casa de R$
600,00, mesmo assim, pensando que o valor do aluguel social é de R$ 400,00, ela ainda
teria como tirar do seu orçamento mensal R$ 200,00, enquanto espera pela sua
indenização.

Na notícia do dia 07 de dezembro de 2012, no site da câmara municipal de São


Paulo, a moradora do prédio Graziele Alves fala: “É impossível alugar qualquer coisa
com o que estamos recebendo”. E o outro morador Alexandre Bezerra da Silva afirma
que pela promessa do valor de R$ 1.200,00 para os aluguéis vários moradores fizeram
contratos contado com esse valor e, por isso tiveram um grande prejuízo, por não
conseguir arcar com essa quantia para pagar seus aluguéis.

5.5.2 A Espera pela indenização

Faz mais de cinco anos que Maria saiu do prédio Guarapiranga, e até agora a
indenização não saiu. O documento da ONU (2007), deixa claro que todos os removidos
precisam receber indenização justa, acomodações alternativas adequadas, acesso seguro
a alimentação, água potável e outros direitos básicos. Desse modo como nas outras etapas
60

os direitos humanos devem ser respeitados. Porém, no caso de Maria o processo pela
indenização está correndo até hoje.

Voltando a reportagem do dia 07 de dezembro de 2017, no site da câmara


municipal de São Paulo, essa fala sobre uma audiência pública com o Procurador Geral
do Município de São Paulo, Ricardo Ferrari Nogueira, representantes dos moradores e da
SPTrans (São Paulo Transporte S/A).

Os moradores exigiam uma indenização de mínimo R$ 150 mil, tendo em vista as


reformas que eles fizeram nos apartamentos e que ainda pagavam as prestações dos
apartamentos. Mas, os representantes da SPTrans não concordaram com esse valor. A
proposta do Procurador Geral do Município propôs aos moradores participar do grupo de
mediação de conflitos para chegar a uma solução sobre a indenização. O Procurador
argumentou que se trata de uma “situação difícil” por muitos pontos precisarem ser
analisados, assim o “grupo de mediação de conflitos seria o centralizador e as famílias
que forem resolvendo sua situação vão saindo da ação contra a Prefeitura.” O procurador
fala também o objetivo dessa proposta é “fazer com que o processo ganhe velocidade e
chegue a um bom termo.”

Nessa reportagem o vereador Ricardo Nunes, que foi o autor do requerimento


nessa audiência pública, afirma que houve omissão do poder público e que é necessário
entender por que a SPTrans não acionou as construtoras responsáveis pelo “serviço mal
feito”. A reportagem em questão data do ano de 2017, e como já dito as indenizações
ainda não saíram, os valores não foram definidos, e a angústia é clara quando Maria fala
sobre, são cinco anos morando de aluguel, com um auxílio apenas de R$ 400,00.
61
62

Considerações finais: E agora Maria? O que o futuro nos reserva?

Hoje o prédio se encontra ocupado e não sabem quem ocupa o prédio, muito se
fala sobre. Maria me fala que tem raiva de ver seu apartamentozinho ocupado, eu deixei
ele tão bonitinho. O prédio tem alguns comércios dentro, um lava-rápido, manicure dentre
outros. Um tempo atrás, um amigo de Maria, que também morou no prédio, usou a
desculpa de ir lavar seu carro para poder entrar lá. Me conta que ele conseguiu tirar
algumas fotos e nessas fotos dava para ver que estava piorando as rachaduras. O chão
estava mais solto, rachaduras maiores estavam bem visíveis, segundo ela. Essa história
continua, a indenização de Maria ainda não saiu, as rachaduras ainda estão lá, e pessoas
estão vivendo nesse prédio...
Ao longo dessa dissertação procuramos descrever a rede heterogênea das
remoções forçadas tendo como fio condutor o relato de Maria que passou por um processo
de dupla remoção. Partimos dos acontecimentos que foram aparecendo na fala de Maria
e em cada capítulo fomos conhecendo uma parte dessa rede heterogênea.

Identificamos actantes e suas associações, assim como processos de


transformação e construção de fatos sobre remoções. Foi um trabalho difícil. Andar por
essa rede por meio de um relato, logicamente, várias fontes de informações foram
necessárias para construir nossa descrição, mas nunca perdendo de vista a história de
Maria, já que “tudo é histórico e pleno de actantes” (Tsallis; Rizo, 2010).

No capítulo 2, conhecemos as remoções forçadas por decorrência de obras


públicas e seus: a prefeita, SPTrans, funcionários da Secretaria de Habitação, assistentes
sociais, documentos; etc. Assim, como a construção do corredor de ônibus responsável
pela remoção de Maria e mais 40 famílias de suas casas. No capítulo três conhecemos a
mudança de Maria, e seu medo de ir para o Jardim Ângela, para isso foi preciso conhecer
um pouco da história de violência do distrito e de luta pela vida e pela paz.

Na segunda parte, o capítulo 4, falamos sobre o prédio Guarapiranga local que


deveria ser o reassentamento definitivo de Maria, mas isso não aconteceu. Como descrito,
o prédio foi construído em um local de “brejo” e, consequentemente teve problemas
estruturais, aparecendo as rachaduras. Entramos então nas remoções por questão de risco
e outros actantes entraram em cena como a Defesa Civil e sua política.
63

Para finalizar (provisoriamente) nossa descrição, entramos no campo do futuro,


passamos aqui por mais de 15 anos de história, por diferentes lugares, momentos e
acontecimentos que Maria passou. E perguntamos: E agora Maria? O que o futuro nos
reserva?

Na última conversa que tive com Maria no início de 2021, ela ainda estava
esperando pela indenização. Continuava preocupada como será para comprar uma nova
casa com o valor da indenização. O prédio está lá ocupado, pessoas ainda estão vivendo
lá, e o Estado ainda não os removeu. Maria não sabe ao certo o que virá, nem se as pessoas
irão sair e nem quando sua indenização sairá. Então, terminando com incertezas, sem
saber ao certo o que o futuro nos reserva.
64

Referencias

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Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto alegre,
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perspectivas de investimento sociais no Brasil. Estudo 28, Belo Horizonte:
cedeplar/UFMG, 2010.
BONDUKI, N. Origens da habitação social no Brasil. 1ª edição, 1998.
BRASIL Lei Nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção
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CORDEIRO, M. P., CURADO, J., & PEDROSA, C. (2014). Pesquisando redes
heterogêneas: contribuições da teoria ator-rede. A produção de informação na pesquisa
social: compartilhando ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Investigações
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Spink, M, J, P.; Brigagão, J. I. M.; Nascimento, V. L. V.; Cordeiro, M. P. (orgs) – 1.ed.
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