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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

HISTÓRIA ECONÔMICA E SOCIAL DO BRASIL

FICHAMENTOS

SARAIVA, Sara Luiza Pereira Saraiva

Fichamento 1

RAGO, Margareth. A colonização da mulher. In. Do cabaré ao lar. A utopia da cidade


disciplinar e a resistência anarquista. Brasil 1890-1930. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro,
1985. pp. 61-116.

“Instituir hábitos moralizados, costumes regrados, em contraposição às práticas populares


promíscuas e anti-higiênicas observadas no interior da habitação operária, na lógica do poder
significava revelar ao pobre o modelo de organização familiar a seguir. Nesta utopia
reformadora, a superação da luta de classes passava pela desodorização do espaço privado do
trabalhador de duplo modo: tanto pela designação da forma da moradia popular, quanto pela
higienização dos papéis sociais representados no interior do espaço doméstico que se pretendia
fundar.” (p. 61)

"A promoção de um novo modelo de feminilidade, a esposa-dona-de-casa-mãe -de-família, e


uma preocupação especial com a infância, percebida como riqueza em potencial da nação,
constituíram as peças mestras deste jogo de agenciamento das relações intrafamiliares." (p. 62)

"Complementarmente, a criança passou a ser considerada como ser especial, que requeria todos
os cuidados dos médicos, novos aliados da mãe, não obstante sua ampla utilização nas camadas
pobres da população, como força de trabalho industrial." (p.62)

“[...] os anarquistas se preocuparam com a constituição de novas relações afetivas, com a


fundação de um outro modo de organização familiar, com a emancipação da mulher e com a
formação do homem novo, a partir de um projeto educacional próprio." (p. 62)

"Frágil e soberana, abnegada e vigilante, um novo modelo normativo de mulher, elaborado


desde meados do século XIX, prega novas formas de comportamento e de etiqueta, inicialmente
às moças das famílias mais abastadas e paulatinamente às das classes trabalhadoras, exaltando
as virtudes burguesas da laboriosidade, da castidade e do esforço individual." (p. 62)

"[...] quanto mais ela escapa da esfera privada da vida doméstica, tanto mais a sociedade
burguesa lança sobre seus ombros o anátema do pecado, o sentimento de culpa diante do
abandono do lar, dos filhos carentes, do marido extenuado pelas longas horas de trabalho. Todo
um discurso moralista e filantrópico acena para ela, de vários pontos do social, com o perigo da
prostituição e da perdição diante do menor deslize." (p. 63)

"Também não se abrem amplas perspectivas profissionais para ela, como se poderia supor num
primeiro momento. Afinal, a preocupação com sua educação visa prepará-la não para a vida
profissional, mas sim para exercer sua função essencial: a carreira doméstica." (p. 63)

"O movimento operário, por sua vez, liderado por homens embora a classe operária do começo
do século fosse constituída em grande parte por mulheres e crianças, atuou no sentido de
fortalecer a intenção disciplinadora de deslocamento da mulher da esfera pública do trabalho e
da vida social para o espaço privado do lar." (p. 63)

"[...] Na França, Madeleine Rebérioux registra o mesmo problema. Ela explica a baixa taxa de
sindicalização das operárias em comparação à dos homens, desde o final do século XIX, em
parte pela falta de disponibilidade (afinal as trabalhadoras também são donas-de-casa e mães),
mas também pela 'dificuldade de penetrar no mundo masculino dos sindicatos, frequentemente
dirigidos por operários qualificados mais ou menos hostis'" (p. 64)

"[...] enquanto seu papel de agente reprodutora é valorizado, a ela cabendo a missão sagrada de
criar os futuros 'servos do potentado', de enfrentar com resignação e paciência as agruras da
miséria, apoiando moralmente o marido, aos homens cabe defendê-la e lutar pelos seus direitos,
já que também politicamente elas são menos combativas, 'máquinas inconscientes'" (p. 66)

"São constantes os artigos incitando as operárias a se sindicalizarem e a resistirem politicamente


na luta contra os patrões, que 'para elas só têm dois tratamentos: o vocabulário indecente e vil
da taberna ou as delambidices rufianescas'" (p. 67)

"É compreensível, portanto, que na luta pela reivindicação dos direitos da mulher trabalhadora
fossem colocadas em primeiro plano a proibição do trabalho noturno, considerado imoral para
o sexo feminino, e a garantia da maternidade." (p. 69)

"O Código Sanitário de 1919 proibia o trabalho de menores de catorze anos e o trabalho noturno
para as mulheres, reivindicações incluídas nas demandas da greve de 1917. Em 1923, o
Regulamento Nacional de Saúde Pública facilitava a licença-maternidade pelo prazo de trinta
dias, antes e após o parto, e propunha a criação de lugares apropriados para a amamentação nos
locais de trabalho." (p. 69-70)

"Num proletariado constituído em grande parte pela força de trabalho feminina e infantil, a
participação das mulheres nas mobilizações políticas do período foi imensa." (p. 71)

"Acredito que mulheres que paralisam fábricas não poucas vezes, que se manifestam
politicamente nas ruas da cidade, enfrentando a polícia armada, que ocupam bondes e
esbofeteiam outras companheiras, cobrando uma solidariedade de classe, resistindo contra a
exploração do capital pela ação direta, sejam dóceis, pacatas e submissas que o discurso
masculino, patronal ou operário, afirmou." (p. 73)

"[...] num período em que o casamento aparecia como uma das únicas opções de vida possíveis
para as mulheres, elas foram as principais responsáveis por pedidos de anulação do matrimônio
ou de divórcio. Várias substituíram os maridos ausentes ou falecidos na administração das
fazendas, dos pequenos negócios e da própria casa, enfrentando todo o tipo de pressões,
insurgindo-se contra o pagamento de impostos, denunciando publicamente a elevação
exagerada de preços de gêneros alimentícios [...]" (p. 74)

"É principalmente recorrendo ao problema do aleitamento materno natural e à condenação da


amamentação mercenária que o poder médico formulará todo um discurso, a partir de meados
do século XIX, de valorização do papel da mulher, representada pela figurada 'guardiã do lar'."
(p. 75)

"No discurso médico, dois caminhos conduzirão a mulher ao território da vida doméstica: o
instinto natural e o sentimento de sua responsabilidade na sociedade." (p. 75)

"O problema do abandono infantil era parcialmente explicado pelo desejo egoísta e narcisista
de manter o corpo belo, de conservar a forma estética e pelo medo de perder o marido [...]" (p.
75)

"Embora o cerne da questão sobre o aleitamento mercenário fosse a mortalidade infantil elevada
e a preocupação com a nova força de trabalho do país, problema econômico, portanto, é
interessante observar que a discussão se trava muito mais com argumentos de cunho moral. O
recurso à nutriz é apresentado, no discurso médico, como obstáculo é constituição da família
moderna sadia, por contrariar os desígnios da própria natureza." (p. 78)

"[...] serão contrapostas no discurso burguês duas figuras femininas polarizadas, mas
complementares: a santa assexuada, mas mãe, que deu origem ao homem salvador da
humanidade, que padece no paraíso do lar e esquece-se abnegadamente dos prazeres da vida
mundana, e a pecadora diabólica, que atrai para as seduções infernais do submundo os jovens
e maridos insatisfeitos." (p. 82)

"[...] o discurso médico [...] definirá as características essenciais da personalidade do menino e


da menina indicando, juntamente com a pedagogia, qual a educação que mais se ajusta a cada
um, de modo a não contrariar os preceitos da natureza já determinados." (p. 83)

"[...] os filhos deveriam ser educados pela mãe, no lar, com o auxílio indispensável do médico
da família, cuja presença assídua preveniria as doenças físicas e os desvios morais." (p. 83)

"O direito ao prazer no ato sexual é reservado homem, enquanto que a mulher deve manter sua
castidade mesmo depois de casada." (p. 83)

"Assim como a masturbação, a prostituição é classificada pelo saber médico e criminológico


como 'vício', 'fermento corrosivo lançado no grêmio social', que tende a alastrar-se e a
corromper todo o corpo social." (p. 85)

"[...] o médico F. Ferraz de Macedo [...] conclui que entre as várias causas que favorecem a
prostituição pública, destacam-se: a ociosidade, a preguiça, o desejo desmensurado de prazer,
o amor ao luxo, a miséria financeira, que leva a mulher a buscar recursos próprios fora do lar,
o desprezo pela religião, a falta de educação moral e principalmente o temperamento erótico da
mulher." (p. 86)

"[...] é em nome da luta contra o 'perigo venéreo', em defesa da saúde da população e da


preservação da espécie, que se estuda e medicaliza a sexualidade da mulher, que se aborda o
problema da prostituição e que se instituem os padrões de comportamento da mulher honesta e
casta e da vagabunda." (p. 87)

"[...] a mulher pobre que se prostitui é associada à imagem da criança ou do selvagem que
necessita dos cuidados do Estado e das classes dominantes na condução de sua vida." (p. 87)

"O retrato da mulher pública é construído em oposição ao da mulher honesta, casada e boa mãe,
laboriosa, fiel e dessexualizada. A prostituta construída pelo discurso médico simboliza a
negação dos valores dominantes, 'pária da sociedade' que ameaça subverter a boa ordem do
mundo masculino." (p. 90)

"[...] ela deve ser enclausurada nas casas de tolerância ou nos bordéis, espaços higiênicos de
confinamento da sexualidade extraconjugal, regulamentados e vigiados pela polícia e pelas
autoridades médicas[...]" (p. 90)
"[...] o primado do instinto natural se sobrepõe ao da miséria econômica na explicação das
causas do fenômeno da prostituição." (p. 90)

"[...] inúmeros os estudos que pretendem provar através da antropologia criminal que as
prostitutas assim como os criminosos e anarquistas, possuem uma configuração do cérebro
diferente e alguns sinais orgânicos que as distinguem da maioria das pessoas normais." (p. 90)

"A mesma tensão que percorre o discurso médico e criminológico sobre a prostituição reaparece
quando se enfrentam os temas da criminalidade ou do 'perigo' apresentado pela violência das
classes trabalhadoras. Nesse sentido, a ameaça do perigo biológico é identificada à ameaça
social representada por classes inferiores e incivilizadas, que os dominantes acreditam dever
conter." (p. 91)

"[...] visa definir uma nova economia do sexo, disciplinando a prostituição de modo a impedir
que se manifestem formas aberrantes de comportamento sexual." (p. 92)

"[...] estabelecer uma linha divisória nítida entre a prostituição institucionalizada e tolerada e a
clandestina, que deveria ser eliminada." (p. 92)

"O ideal de puta para os regulamentaristas é uma mulher recatada e dessexualizada, que cumpre
seus deveres profissionais, mas sem sentir prazer e sem gostar de sua atividade sexual." (p. 92)

"As casas de tolerância e os bordéis deveriam ser registrados na polícia, vigiados pela
administração e pelas autoridades sanitárias [...] o bordel deveria ser o anticortiço, o oposto do
que representava a casa de prostituição clandestina, refletindo à sua maneira a intimidade
conjugal burguesa." (p. 92)

"Obrigatoriamente registradas na polícia, deveriam ser portadoras de uma carteira sanitária de


identificação pela qual seriam constrangidas a passar por um exame periódico [...]" (p. 92)

"No caso de serem vítimas de alguma moléstia, receberiam tratamento adequado, e as que não
submetessem aos exames médicos obrigatórios seriam multadas. Os regulamentaristas
defendiam ainda a marginalização e o tratamento obrigatório de todas as prostitutas que fossem
encontradas doentes." (p. 92)

"[...] tenta-se impor-lhes um modo de vida rígido e conventual, onde todos os horários, gestos,
hábitos e maneiras de vestir controlados." (p. 93)

"[...] o modelo da intimidade burguesa deveria prevalecer no interior dos bordéis." (p. 93)

"[...] a repressão policial utilizou da violência física contra as prostitutas e homossexuais." (p.
94)
"[...] o antigo método de vigilância da prostituição comportava inúmeras falhas: [...] visava
apenas a mulher perseguindo-a por um tipo de relação em que o homem também estava
envolvido [...] sofrendo sozinha toda a repressão de práticas intoleráveis para a sociedade,
enquanto o homem ficava isento de qualquer responsabilidade." (p. 94)

"[...] o resultado do sistema regulamentarista então adotado fora o oposto do que propusera: a
prostituição clandestina aumentara [...] as prostitutas inscritas fugiam quando estavam doentes
ao invés de se apresentarem às visitas sanitárias, e tornavam-se clandestinas." (p. 94)

"[...] o ponto sobre o qual incidia mais vigorosamente a crítica abolicionista aos
regulamentaristas era que o registro legal das prostitutas prendia-as e impedia sua possível
recuperação. A polícia de costumes era vista como uma máquina que transformava 'putas
ocasionais' em 'putas eternas' [...]" (p. 94-95)

"O objetivo dos abolicionistas não era, no entanto, a eliminação da prostituição qie também
consideravam necessária, mas a libertação das prostitutas das garras da polícia, que exercia
sobre elas um poder arbitrário e violento, e a destruição de um sistema que marginalizava as
mulheres e violava o direito de liberdade individual." (p. 95)

"[...] apesar do discurso liberal dos abolicionistas, vale lembrar que é em nome da moralização
das condutas, da repressão, dos instintos e do controle das pulsões que eles batalham e nisso
distinguem-se radicalmente dos anarquistas." (p. 95)

"Partindo de vozes femininas no interior dos anarquistas, propõe-se a emancipação da mulher


de todas as classes sociais dos papéis que lhe são atribuídos socialmente [...]" (p. 96-97)

"Ao lado da tradicional representação da mulher-submissão, emerge uma outra figura feminina,
simbolizada pela combatividade, independência, força, figura que luta pela transformação de
sua realidade cotidiana [...]" (p. 97)

"A educação da mulher trabalhadora aparece como instrumento de luta contra as classes
dominantes, contra o poder da Igreja e do Estado, na medida em que ela se conscientize de seus
direitos pessoais e ainda, possibilitando a instrução dos próprios filhos, ajude a 'impedir que
sejam depois vítimas do injusto sistema social em que vivemos." (p. 97)

"[...] elas devem preparar-se intelectualmente para poder enfrentar a concorrência masculina."
(p. 98)
"Assim como a mulher trabalhadora, a burguesa é oprimida, teve sua vida decidida desde a
infância, aprendeu a reprimir seus sentimentos e a dizer o que não sente [...] deve participar da
luta pela sua auto-emancipação [...]" (p. 98)

"Os anarquistas defendem a libertação da mulher em todos os planos da vida social, desde as
relações de trabalho até as familiares." (p. 99)

"Não se trata de conquistar o direito de participação no campo da política instituído pelas classes
dominantes, mas de batalhar pelo crescimento pessoal completo [...]" (p. 99)

"[...] a transformação radical da condição da mulher só será possível numa outra organização
da sociedade, mais justa, onde o amor livre assegure a integridade das relações familiares, onde
os jovens possam escolher livremente seus companheiros e formar suas famílias, sem contar
com os obstáculos econômicos aviltantes do mundo capitalista." (p. 99)

"A luta pela emancipação da mulher [...] trata-se da necessidade de libertar-se do modelo
burguês que lhe é imposto e de construir uma nova figura negadora daquela forjada pela
representação burguesa e masculina." (p. 100)

"[...] apenas em uma nova organização da sociedade, em que homens e mulheres tenham os
mesmos direitos e oportunidades, suas diferenças, poderão ser respeitadas." (p. 101)

"A discussão sobre a necessidade da emancipação da mulher remete evidentemente à recusa do


casamento monogâmico, da imposição dos cônjuges e leva à proposta de uma nova forma de
relacionamento afetivo." (p. 103)

"A crítica à virgindade, exigência 'ridícula para o homem', e 'profundamente humilhante para a
mulher' [...] remete[...] à negação do casamento como relação monogâmica eterna, legitimada
pelo clero e pelo Estado." (p. 104)

"Somente é válida uma união conjugal que se estabelece livremente, independente dos
interesses econômicos ou das obrigações sociais." (p. 104)

"[...] incitando as mulheres a se revoltarem contra papéis humilhantes que devem representar
[...] a emancipação da mulher há de ser obra dela própria." (p. 105-106)

"[...] no 'comunismo anárquico' a base única da família é o amor e não uma relação mercantil:
livres de preocupações econômicas, seus membros se respeitam e se aproximam por amizade.
Se acaso estas relações se alterarem e tornarem-se insuportáveis, dissolve-se a família e a
comunidade ampara seus filhos" (p. 106)
"[...] a prostituição é denunciada no discurso anarquista em relação à dominação de classe: o
burguês é um sedutor que explora operárias inocentes [...] a origem do problema é
essencialmente econômica." (p. 108-109)

"A prostituta [...] é usada e explorada tanto quanto a operária. Por isso ela não deve ser
desprezada nem marginalizada [...] é mais uma vítima da exploração do capital." (p. 109)

"A eliminação da prostituição, portanto, só poderá ocorrer a revolução social e a mudança


radical das estruturas econômicas, com o fim do Estado e sobretudo com a reversão da moral
burguesa." (p. 110)

"[...] todas as formas de lazer promovidas pelas classes dominantes [...] são censuradas como
práticas imorais que visam enfraquecer e entorpecer a classe operária, desviando-a do
cumprimento de sua função histórica revolucionária." (p. 111)

"Num e noutro, o bordel, o bar, a bebida, o fumo e o jogo são condenáveis por que destroem a
saúde e o caráter do trabalhador: para os libertários, o operário aliena-se, despolitiza-se e
degenera-se; para os dominantes, ele se perder como força produtiva e se corrompe porque
adquire odeias e hábitos subversivos." (p. 113)

"[...] entende-se o moralismo desta doutrina que visa atingir um número cada vez maior de
trabalhadores e trazê-los para a causa da revolução [...]" (p. 114)

Comentários

O texto retrata a visão que a sociedade possuía sobre a mulher durante o século XIX,
um papel que se dividia basicamente em mulheres castas e submissas ao marido, e em mulheres
chamadas públicas, que eram renegadas, totalmente entregues ao desejo carnal, e que tinham
como objetivo satisfazer os desejos dos homens.

A autora apresenta os anarquistas como uma espécie de revolucionários da época, que


buscavam se distanciar dos ideais pregados pela camada burguesa da sociedade. Assim, os
anarquistas defendiam a imagem de que a mulher era vítima das putrefações do capitalismo e
do patriarcado. Em uma nova sociedade, a mulher seria livre para escolher suas relações e ser
dona de si mesma, apenas em uma nova realidade a sociedade poderia prosperar de maneira
igualitária, na visão anarquista. A questão revolucionária tinha um caráter tão extremo, que em
determinado ponto, aproximou a visão anarquista da visão burguesa, na medida em que ambas
condenavam os lazeres dos operários, contudo, enquanto uma pregava que esses prazeres
distanciavam os operários da luta para a mudança social, a outra visão determinava que os
lazeres os fariam perder sua força de produção. Esse antagonismo próximo entre as duas forças
divergentes demonstrava o seu caráter autoritário, uma questão a ser levantada é, se uma
revolução realmente se efetivasse, será que não só as mulheres, mas a civilização como um todo
realmente estariam livres das pressões sociais, ou apenas haveria uma transferência de poder
para a dominação?

Os exemplos reais em que houve uma revolução socialista ou comunista (pelo menos
na nomeação), terminaram sendo governos autoritaristas, então, será que tentar instaurar uma
sociedade sem classes e sem propriedade privada para pessoas que possuem a memória de um
mundo totalmente diferente seria a proposta ideal de mudança?

Fichamento 2

PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo. Ed. Brasiliense, 2006. pp.
270-283.

"[...] a ação do capital estrangeiro ocupa na economia brasileira contemporânea uma posição
central [..]" (p. 269)

"A situação de dependência e subordinação orgânica e funcional da economia brasileira com


relação ao conjunto internacional que participa [...]" (p. 269)

"Economia de exportação, constituída para o fim de fornecer gêneros alimentícios e matérias-


primas tropicais aos países e populações [...] da Europa e mais tarde também da América, ela
se organizará e funcionará em ligação íntima e estreita dependência do comércio ultramarino
em função do qual se formou e desenvolveu." (p. 269)

"A penetração do capital financeiro no Brasil tem sua origem naqueles primeiros empréstimos
concedidos pela Inglaterra, logo depois da Independência […]” (p. 269)

"Destinavam-se aqueles empréstimos a realizar e consolidar a autonomia política do país, e


assegurar com isto a liberdade do seu comércio, o que significava então o predomínio mercantil
inglês." (p. 270)

"É precisamente neste setor do café que o princípio o capital financeiro mais se empenhará."
(p. 271)
"A economia cafeeira [...] será largamente explorada pelo capitalismo internacional [...] através
do financiamento da produção, do comércio, da exportação, ele retirará uma primeira parcela
de lucros [...]" (p. 271)

"Brasil, com as fortes oscilações cambiais da sua moeda, a instabilidade que caracteriza suas
finanças [...] era presa fácil e proveitosa para a especulação, e com ela jogará largamente o
capital financeiro [...]" (p. 272)

"É em 1863 que se organiza o primeiro banco estrangeiro destinado a operar no Brasil: o London
& Brazilian Bank." (p. 272)

"O principal negócio dos bancos estrangeiros no Brasil será operar com as disponibilidades do
país no exterior e provenientes das exportações [...] concentravam-se por consequência, com
aqueles, todas as operações de cobrança exterior [...] o setor mais importante das finanças
brasileiras, o ligado à exportação, será inteiramente por eles controlado." (p. 272)

"Outro campo de operações para o capital financeiro internacional no Brasil foram os


empreendimentos industriais." (p. 272)

"O banco Mauá, McGregor, organizado em 1854, fundiu-se em 1854, com o London &
Brazilian Bank, formando o London Brazilian & Mauá portuárias, fornecimento de energia.
Praticamente tudo que se fez neste terreno desde a segunda metade do século passado é de
iniciativa do capital estrangeiro, ou é financiado por ele." (p. 272-273)

"[...] a Brazilian Traction Light & Power Co. Ltd. Organizou-se em 1904 no Canadá, com
capitais internacionais [...] concentrou a maior parte dos serviços públicos [...] luz e energia
elétrica, transportes coletivos urbanos, telefone, gás esgotos e água. Com a Light & Power
vieram a concorrer, em 1927, as Empresas Elétricas Brasileiras [...] que assegurarão o
fornecimento de energia elétrica e serviços conexos [...]" (p. 273)

"Na indústria manufatureira as inversões de capital estrangeiro resultam geralmente da luta de


grandes empresas pela conquista de mercados [...] transferem para o país, na medida do possível
e das suas conveniências próprias, parte e às vezes mesmo todo o processo de produção,
estabelecendo nele indústrias subsidiárias." (p. 273)

"Como fonte de matéria-prima para a grande indústria mundial, o papel do Brasil sempre foi no
passado dos mais modestos [...] as condições do país não eram favoráveis para sua exploração
comercial em larga escala." (p. 274)
"Das grandes matérias-primas industriais, o Brasil somente fornecerá um volume considerável,
até recentemente, a borracha; mas esta será excluída pela concorrência da produção oriental
depois de 1910." (p. 274)

"Durante a I Grande Guerra começará a figurar como fornecedor de manganês, de que se tornará
o terceiro produtor mundial." (p. 274)

"[...] os grandes trustes siderúrgicos internacionais procuram obter o domínio das jazidas
brasileiras de ferro [...] não as exploram por isso em escala apreciável, e é somente depois de
1930 que o Brasil começa efetivamente a exportar minério." (p. 274)

"Em anos recentes, o país voltou a figurar como grande fornecedor de uma outra matéria-prima
industrial de primeira importância, o algodão. Depois da decadência desta produção [...] quando
o Brasil se viu praticamente excluído dos mercados internacionais [...]" (p. 275)

"No presente século, contudo [...] aparece de novo entre os grandes fornecedores mundiais. Este
fato é condicionado pela conjuntura econômica e política internacional do momento; a cisão
dos grandes blocos [...]" (p. 275)

"Este surto da produção algodoeira no Brasil será em parte apreciável de iniciativa japonesa. O
império oriental contará para isto com a imigração de seus súditos para o Brasil [...] sendo então
ativamente estimulada e oficialmente amparada." (p. 275)

"Quanto à Alemanha [...] torna-se o maior comprador de algodão brasileiro [...] com uma
proporção que chegará, e 1935, a quase 60% da exportação total do Brasil." (p. 276)

"[...] este avanço teuto-nipônico não excluir a outros grupos imperialistas que procurarão turar
proveito do impulso que aqueles tinham dado à produção algodoeira do Brasil. É o caso dos
norte-americanos. Não se envolverão diretamente na produção mas estendem suas garras sobre
[...] acondicionamento da produção [...] atividades financeiras e comerciais paralelas." (p. 276)

"[...] as autoridades japonesas exerciam no Brasil, sobre seus compatriotas, a mais ampla
jurisdição [...] a coisa foi aliás denunciada repetidamente, mas o governo brasileiro achava-se
naquela época em franca evolução para as potências que formariam o Eixo [...]" (p. 276)

"Estimulados pelas concorrências, os grandes trustes industriais resolvem descentralizar sua


produção, disseminando suas unidades pelo mundo [...] o Brasil recebe uma quota desta
distribuição e se industrializa [...]" (p. 278)
"Em primeiro lugar, o imperialismo atua como um poderoso fator de exploração da riqueza
nacional [...] tal exploração não se faz em benefício de uma classe brasileira [...] mas de classes
e interesses completamente estranhos ao país." (p. 279)

"[...] a intervenção totalitária do imperialismo na economia brasileira desvirtua seu


funcionamento [...] o exemplo máximo disto se observa no papel que o imperialismo tem
representado no sentido de manter a economia brasileira na função primária, que vem do seu
passado colonial, de fornecedora de gêneros tropicais ao comércio internacional." (p. 280)

"[...] a ação do capital estrangeiro no Brasil atua como um elemento constante perturbação das
finanças nacionais." (p. 280)

"[...] o capital internacional invertido no Brasil representa um importante fator de desequilíbrio


das contas externas e deficits crônicos." (p. 281)

"[...] a par destes aspectos negativos do imperialismo, encontramos neles um lastro positivo [...]
representou [...] um grande estímulo para a vida econômica do país. " (p. 281)

"O aparelhamento moderno de base com que contaria a economia brasileira até as vésperas da
II Grande Guerra, foi quase todo ele fruto do capital financeiro internacional." (p. 281)

"E não foi apenas sua contribuição material que contou: com ela vieram o espírito de iniciativa,
os padrões [...] e a técnica de países altamente desenvolvidos que trouxeram assim para o Brasil
alguns dos fatores essenciais com que contamos para o nosso progresso econômico." (p. 281-
282)

Comentários

O texto aborda as questões que envolvem a entrada de capital estrangeiro no país. Por
mais que determinadas commodities brasileiras tenham tido uma exportação próspera, durante
os primeiros anos do século XX, a influência que as potências imperialistas proporcionaram em
território nacional, auxiliou na manutenção do caráter colonial do país, enquanto nos países
europeus a produção industrial já fortalecia grandemente a economia, o Brasil seguia mantendo
sua base econômica em produtos do setor primário.

Contudo, é válido ressaltar que a influência estrangeira também trouxe aspectos


positivos, como técnicas de produção e novos aparelhos, que auxiliaram a progredir o
desenvolvimento do país. É extremamente complexo avaliar todo o impacto proporcionado pela
entrada de capital estrangeiro no país, por um lado, a atividade estrangeira desequilibrou o
pagamento de contas externas, por outro lado, trouxe inovação e permitiu a chegada de mais
indústrias no país. Pode-se concluir que a interferência das potências na economia brasileira
impulsionou a inserção do Brasil República no mercado internacional, mesmo que trouxesse
consequências econômicas.

Fichamento 3

MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. O Estado nacional e a instabilidade da propriedade escrava:


a Lei de 1831 e a matrícula dos escravos de 1872. Almanack. Guarulhos, n.02, 2011, pp.20-
37.

“Em abril de 1863, a Assembleia da província de São Pedro do Rio Grande do Sul encaminhou
uma representação ao Imperador denunciando o que os representantes acreditavam ser uma
violação do tratado assinado pelo Império com o Uruguai em 1851 a respeito da devolução de
escravos de senhores brasileiros que fugissem para o território da nação vizinha.” (p. 21)

“Os representantes da província sulina relatavam que as autoridades uruguaias vinham exigindo
dos senhores de escravos uma prova de propriedade antes de proceder à extradição dos
indivíduos […] só aceitavam certidão de batismo que fosse certificada pela autoridade consular
do lugar onde o indivíduo tivesse nascido.” (p. 21)

“Levada a exame pela seção de negócios estrangeiros do Conselho de Estado, a representação


expôs um problema que transbordava o direito civil e ganhava exposição na arena das relações
internacionais: o da falta de registros legais dos escravos, particularmente dos africanos,
consequência do tráfico ilegal.” (p. 21)

“O relator […] e os outros dois conselheiros encarregados do parecer […] se eximiram de


resolver o impasse, demonstrando apenas que a exigência uruguaia era cabível e não
configurava uma quebra do acordo bilateral.” (p. 21)

“Os conselheiros reconheciam que os documentos aceitos no Brasil […] não cumpriam as
funções de identificar com precisão um indivíduo e de diferenciá-lo de outros com o mesmo
nome.” (p. 21)

“[…] o impasse decorria do fato de que a prática consolidada historicamente resultava em um


problema diplomático […]” (p. 22)
“[…] os conselheiros reconheceram que a ameaça à ilegalidade da propriedade adquirida por
contrabando vinha de fora pois, internamente, a conivência geral impedia que as “dificuldades”
aflorassem.” (p. 22)

“A pressão externa não vinha só do país vizinho. Os conselheiros omitiram, convenientemente,


a pressão que o ministro britânico William Christie vinha exercendo sobre o governo imperial
desde 1860, o que havia […] motivado a quebra de relações diplomáticas entre as duas coroas
no início daquele mesmo ano. Tratava-se, justamente, da lentidão na emancipação definitiva
dos africanos livres […] e da falta de um registro geral deles que permitisse identificar quem já
estava emancipado e quem ainda cumpria serviços.” (p. 22)

“[…] Christie insistia em cobrar providências do governo a respeito dos africanos trazidos por
contrabando, estimados em centenas de milhares, que eram mantidos ilegalmente em
escravidão.” (p. 22)

“A solução para o problema dos registros dos escravos foi dada pela chamada Lei do Ventre
Livre, de 28 de setembro de 1871, que, além de libertar o ventre, regular a alforria, estabelecer
o fundo de emancipação […] também impôs a primeira matrícula geral dos escravos residentes
no Brasil, executada em 1872. Era um levantamento nominal de todos os escravos existentes
no Império.” (p. 23)

“No Brasil, a tarefa dos construtores do Estado nacional se complicou pelas circunstâncias da
proibição do tráfico de escravos […] mesmo após convenções bilaterais terem criado a
categoria especial de “africanos livres” para enquadrar aqueles que fossem emancipados dos
navios condenados por tráfico ilegal, categoria que implicava tutela do Estado por 14 anos e
trabalho obrigatório, o tráfico ilegal ainda trouxe para o Brasil em duas décadas
aproximadamente 760 mil africanos […] foram mantidos como escravos.” (p. 23-24)

“[…] a escravidão no século XIX se justificava somente com base no direito positivo: escravos
eram um bem e como tal podiam ser comprados, vendidos, herdados ou penhorados. Eram
propriedade, e o direito à propriedade, um dos cernes do liberalismo, era garantido pela
Constituição de 1824.” (p. 24)

“A abolição da escravidão no Uruguai, em 1842, multiplicou os impasses legais a respeito das


pessoas que transpunham a fronteira […] escravos que o faziam a serviço de senhores
brasileiros teriam direito à liberdade; ex-escravos no Uruguai tinham de ser submetidos a
contratos de peonagem; negros livres uruguaios eram raptados e escravizados no Brasil. A
escravização de pessoas nascidas no Uruguai por senhores brasileiros no Rio Grande do Sul
vinha sendo objeto de intensa correspondência diplomática a entre os representantes uruguaios
e as autoridades brasileiras e de inúmeras ações judiciais desde a década de 1850.” (p.24)

“Do lado uruguaio […] as demandas e os conflitos legais gerados pelos residentes estrangeiros
[…] foram fundamentais para a construção da soberania do Estado uruguaio no século XIX,
incentivando a codificação e o fortalecimento das instituições e autoridades nacionais.” (p. 24)

“Embora o governo brasileiro nunca tenha admitido nos relatórios ou correspondência oficial
publicada que a “questão inglesa” […] tenha se agravado por causa da insistente defesa de
Christie pela liberação dos africanos livres sob tutela e pelo direito à liberdade dos africanos
importados por contrabando, isso dificilmente escapou aos contemporâneos e deixou de ganhar
publicidade durante toda a crise […] sendo apenas resolvida depois que o rei Leopoldo da
Bélgica arbitrou em favor do Brasil e depois que D. Pedro II recebeu de Edward Thornton,
enviado extraordinário e ministro plenipotenciário da coroa britânica, o pedido de reatamento
das relações diplomáticas em Uruguaiana, em setembro de 1865.” (p. 25)

“Até então eram considerados […] africanos livres, aqueles que haviam sido emancipados pela
comissão mista sediada no Rio de Janeiro e entregues ao governo brasileiro para administração
da tutela. Em 1850-51, o governo britânico estendeu o status de liberated Africans para
africanos ou mesmo crioulos que de várias maneiras vieram para seu domínio […]” (p. 25)

“Mas foi da liberdade dos africanos livres que Christie fez sua bandeira mais pública: reclamou
da política do governo imperial de utilizar a mão de obra de africanos livres nas instituições
públicas sem pagar-lhes salários, insistiu muito na reclamação de que a maioria deles já havia
completado […] o tempo de tutela e que deveriam ser emancipados […]” (p. 26)

“As Cartas do Solitário, relativas ao tráfico e aos africanos livres […] expuseram a questão ao
público brasileiro com riqueza de detalhes e referências, o que contribuiu para uma imagem dos
africanos livres como vítimas do governo […] lembrou também aos leitores do conteúdo da lei
de 1831, que determinava a reexportação dos africanos livres […]” (p. 26)

“Muitos relatos dão conta de como a abolição virou tema discutido nas Faculdades de Direito
de São Paulo e de Recife naqueles anos, e de como alguns estudantes abraçaram a causa e a
levaram para a política fora das arcadas.” (p. 27)

“Também se multiplicavam as ações movidas por escravos que chegavam aos tribunais em
defesa da liberdade […]” (p. 28)

“Em resposta ao avanço do debate e à ameaça da solução radical, ao longo da segunda metade
da década de 1860, a discussão a respeito da escravidão ganhou contornos mais claros: cresceu
o grupo daqueles que defendiam a intervenção do governo por meio de reformas como a
libertação do ventre e a regulamentação do pecúlio e da alforria.” (p. 28)

“O Imperador encomendou a Pimenta Bueno, então Visconde de S. Vicente, projetos que


servissem de base […] eram cinco projetos, sendo o primeiro relativo à emancipação dos filhos
das escravas; o segundo propunha a criação de juntas de emancipação, que seriam responsáveis
por fiscalizar o processo e por proteger os direitos dos escravos, como de alforria por pecúlio,
direito a folga semanal e não separação das famílias; o terceiro criava uma matrícula de todos
os escravos do país; o quarto emancipava os escravos da nação; e o quinto emancipava os
escravos das ordens religiosas.” (p. 29)

“Os conselheiros mais conservadores se recusavam a aceitar o princípio da liberdade do ventre


sem que houvesse indenização dos proprietários pelos escravos que deixariam de ter.” (p. 29)

“Em seu lirismo engajado, Castro Alves criticava a escravidão como desumana e era duro com
os que defendiam a abolição apenas gradual.” (p. 29)

“Rui Barbosa e Luiz Gama também pertenciam à Loja Maçônica América, entidade que de
1869 em diante adotou formas variadas de lutar contra a escravidão" (p. 30)

“[…] os senhores e os parlamentares mais conservadores formularam sua defesa incondicional


do direito de propriedade sobre os escravos. Já os reformistas propunham uma solução de
compromisso, defendendo a libertação do ventre sem indenização, mas a legalização da
propriedade sobre os africanos importados por contrabando. Entre eles, havia consenso em
torno da matrícula dos escravos, que finalmente lhes serviria de prova irrefutável da legalização
da propriedade adquirida por contrabando […]” (p. 31)

“A ‘taxa dos escravos’ […] seria uma taxa anual de 2$000 paga pelos habitantes das cidades e
vilas em razão de cada escravo nelas possuídos […] a taxa foi reduzida para mil réis por escravo
de qualquer sexo ou idade residente nas cidades e vilas, mas ainda não foi cobrada.” (p. 31)

“Ao fazer vistas grossas para a forma de aquisição da propriedade, o Ministério da Fazenda
procurava conseguir a colaboração dos senhores, nem que fosse pela ameaça de aplicação de
multas de 10 a 30 mil réis pelo não pagamento.” (p. 31)

“O regulamento […] registrava que a declaração de matrícula e o comprovante do pagamento


da taxa anual seriam documentos obrigatórios para proceder a transações de compra e venda,
entrar com causas na Justiça, soltar escravos da prisão, ou obter passaporte na polícia para o
caso de sair da cidade.” (p. 31)
“O mesmo regulamento de 1842 reformulava a cobrança da meia-siza, imposto criado em 1809
sobre as vendas ocorridas no Estado do Brasil dos escravos ladinos, incluindo aí crioulos e
africanos, que era fixado em 5% do preço das transações, excetuando-se somente as alforrias.
As penas para o não pagamento da siza eram duras: a venda seria anulada, e tanto o comprador
quanto o vendedor dividiriam o prejuízo pela perda do escravo. “(p. 32)

“[…] os juízes de paz tinham autoridade de libertar os escravos cujos senhores não
apresentassem título de propriedade.” (p. 33)

“[…] o projeto de matrícula foi acolhido no Conselho de Estado e nos debates na Câmara e no
Senado […] a “questão do elemento servil” tratava apenas da libertação dos filhos das escravas
e da imposição de alforria forçada por pecúlio. Os historiadores pouco discutiram o fundo de
emancipação ou a matrícula especial.” (p. 33-34)

“[…] Nabuco de Araújo levou novo projeto à apreciação do Conselho de Estado […] por sua
proposta, a matrícula ainda seria um complemento àquela feita nas cidades e vilas, incluindo
todos os que antes estavam isentos da taxa dos escravos; por ela se cobrariam 300 réis por
escravo e se presumiriam livres todos os escravos que não fossem matriculados […]” (p. 34)

“[…] os senhores, como um grupo, não atrasaram nem deixaram de registrar seus escravos […]
tiveram a tendência a diminuir as idades destes, provavelmente se antecipando a uma lei de
emancipação dos sexagenários, como havia sido implementada em Cuba […] ao registrarem
idades inferiores às reais e, ao mesmo tempo, a origem dos africanos, os senhores demonstraram
confiança de que a escravização dos africanos não seria questionada, ainda que outra legislação
viesse a emancipá-los por outros motivos.” (p. 36-37)

“A leitura do debate político acerca do ‘encaminhamento da questão servil’ na década de 1860


demonstrou que a importação maciça de africanos por contrabando até o início da década de
1850, apesar da conivência do governo com os proprietários, gerou uma instabilidade legal
cômoda para os senhores, mas em última instância inconveniente para o Estado nacional. A
importação ilegal dos africanos dificultou a implantação de um regime fiscal que incluísse
cobrança uniforme de taxas de escravos, atrapalhou a modernização dos levantamentos
censitários e, possivelmente, também complicou a redação do código civil.” (p. 37)

“O problema da ilegalidade da propriedade sobre os africanos importados por contrabando […]


se constituiu em tema político com potencial explosivo para a ordem social. Governo e
proprietários evitavam, a todo custo, dar publicidade ao direito dos africanos à liberdade […]
eles abraçaram a proposta gradualista como solução para evitar a emancipação imediata e dar,
mais uma vez, sobrevida à escravidão.” (p. 37)
“Sob esse prisma, a matrícula dos escravos criada pela lei de 1871 foi, para além do
reconhecimento oficial e legalização da propriedade para os senhores, um passo no
fortalecimento da soberania do Estado e na imposição da lei sobre os proprietários de escravos.”
(p. 37)

Comentários

A autora faz uma breve contextualização sobre as leis antiescravistas elaboradas no


século XIX. Diante do exposto, a dificuldade que os reformistas encontraram para efetivarem
a criação das leis se deu principalmente pela influência política exercida pelos senhores de
escravos dentro do parlamento imperial.

O auxílio dado por William Christie foi essencial para que o assunto repercutisse entre
a população civil, aumentando a pressão para que as intransigências envolvendo a questão
escravista fossem solucionadas da maneira correta. Assim, mesmo que lentamente, o Brasil
caminhou para o fim do escravismo, contudo, é importante ressaltar que além de tardia, a
libertação das pessoas escravizadas ocorreu de maneira desordenada e desumana, fazendo que
gerações de pretos fossem submetidos ao preconceito e baixas condições de vida.

Fichamento 4

WOLFE, Joel. “Pai dos pobres” ou “mãe dos ricos”? Getúlio Vargas, industriários e construções
de classe, sexo e populismo em São Paulo, 1930-1954. In. Revista Brasileira de História, n. 27,
v. 14, p.27-59.

"[...] Assumpta Bianchi [...] muito jovem, chegou à cidade de São Paulo, em 1922, e logo se
empregou na indústria têxtil. Embora tenha se filiado à União dos Trabalhadores Têxteis […]
ela não acreditava que sindicalistas e políticos trabalhassem para: 'Getúlio (Vargas), Adhemar
(de Barros), Jango (João Goulart), pois não pediam votos, mas no final era o que buscavam'."
(p. 27)

"Odete Pasquini começou a trabalhar nas fábricas nos anos 30 e não se ligou aos sindicatos.
Odete compartilhava o ponto de vista de Assumpta sobre Getúlio Vargas [...] 'Vargas, oh, ele
era o pai do pobre, como se costumava dizer pelo rádio, mas sem dúvida era verdadeiramente
a mãe do rico!'" (p. 27)
"Ninguém teve maior impacto na história brasileira no século atual que Getúlio Vargas.
Alcançou o poder em 1930, através de um golpe que pôs fim à Primeira República Brasileira
[...] governou a princípio como presidente provisório de um governo constitucional [...] depois
como ditador num regime autoritário [...] e depois retornou como presidente eleito em 1951."
(p. 27-28)

"Vargas governou centralizando a política brasileira e o fortalecimento da administração


nacional. Embora tenha criado um largo espectro de instituições [...] ele consistentemente se
apresentava como símbolo simultâneo do povo brasileiro e de seu governo." (p. 28)

"Do mesmo modo que os políticos olhavam as classes populares como pessoas que poderiam
constituir a massa fundamental para movimentos populistas, os literatos continuavam a
conceptualizar os trabalhadores urbanos e os proletários rurais como objetos num jogo político
mais do que tê-los como sujeitos de seus estudos." (p. 29)

"Os poucos trabalhos em que analisam como grupos da classe popular consumiam discursos e
práticas populistas revelam que tanto os primeiros como os segundos não tinham
necessariamente sido cooptados pelo populismo: ao invés disto, eles manipulavam estes
discursos em poderosas ideologias da classe a que pertenciam." (p. 29)

"[...] Carlos de la Torre nota que os estilos políticos, partidos e movimentos taxados de
'populistas' compartilham certas características. Eles confiam em líderes carismáticos, utilizam
discursos maniqueístas [...] e criam sistemas de clientismo e paternalismo." (p. 30)

"[...] regimes populistas tendiam a valorizar a participação política de grupos tradicionalmente


excluídos [...] mas ao mesmo tempo a incorporação destes atores no projeto político populista,
mais frequentemente, é direcionada a maiores graus de autoritarismo que a um aumento
democrático." (p. 30)

"[...] regimes e movimentos populistas experimentaram se colocar em alianças entre um novo


grupo ou líder político [...] classes populares e elementos da burguesia nacional, especialmente,
mas não exclusivamente, industriais." (p. 31)

"Vargas articulava, assim, uma aspiração dos militares e de outros segmentos da elite nacional
[...] os militares e segmentos da elite civil lutavam para refundir sua sociedade agrária e rural
em uma nação industrializada e unificada [...] quando também seria disciplinada, contida, a
população civil." (p. 32-33)
"No que diz respeito aos trabalhadores, Vargas foi o primeiro presidente brasileiro a [...] dar-
lhes valor participativo na política nacional. Ele atuou assim convocando-os a participar de
sindicatos sancionados pelo Estado [...]" (p. 33)

"[...] Vargas apelava para que todos os brasileiros evitassem conflitos de classe e atuassem no
espírito de conciliação para o bem geral. Ele comunicava a seus ouvintes de rádio que somente
uma centralização em mãos estatais poderia lutar contra a 'subversão estrangeira', ajudar na
industrialização do Brasil e prover a todos de uma real justiça social." (p. 33)

"Vargas garantiu publicamente à classe trabalhadora que elas seriam beneficiadas com a
jornada de 8 horas diárias e serviços sociais mantidos pelo Estado se rejeitassem 'dogmas
exóticos e subverivos' e os substituíssem por apoio a seu governo. Prometeu, também, criar um
salário mínimo, ao qual denominou 'imposição da justiça social." (p. 34)

"A política trabalhista de Vargas durante os anos 30 e início dos 40, entretanto, não seria
caracterizada como 'populista'. A intenção primordial de seu regime neste campo era precaver-
se contra a luta de classes aberta [...] institucionalizando o mito brasileiro de conciliação através
de um sistema de relações industriais corporativista." (p. 34-35)

"Industriais e outras elites uniram-se sob teorias pseudocientíficas para sustentar suas visões
sobre os papéis da mulher na sociedade. Basearam seus pontos de vista em escritos de
trabalhadoras sociais como Maria Kiehl [...] esses teóricos acreditavam que o desenvolvimento
capitalista havia destruído os tradicionais papéis dos diferentes sexos, e assim, ameaçado a
coesão das famílias brasileiras." (p. 36)

"O Estado Novo prometeu reconduzir os homens ao seu papel de provedor e as mulheres para
os seus lares, onde elas poderiam criar os seus filhos e tomar conta de seus companheiros." (p.
36)

"A imagem de Vargas como um pai nacional teve largas implicações [...] os assalariados eram
descritos como crianças, que não somente requeriam proteção do Estado, mas também da
intervenção pessoal do pai nacional." (p. 38)

"A grande dispersão dos locais de trabalho mais a inclinação dos paulistanos [...] para mudar
de empregos, forçou-os a ter de contar com o sistema público de transporte, ineficiente e caro.
Eles dependiam de tal forma dele, que um preço relativamente modesto nas passagens, nos anos
40, ocasionou motins [...] nos quais centenas de ônibus e bondes foram destruídos pelos
trabalhadores." (p. 41)
"[...] outro traço essencial na vida dos trabalhadores [...] era o agravamento da deteriorização
do padrão de vida, piorando as condições nas fábricas, e o controle governamental sobre os
movimentos trabalhistas." (p. 42)

"As condições eram tão más em São Paulo durante os anos de guerra 90% dos membros da
Federação dos Industriais do Estado de São Paulo [...] acreditavam que seus empregados
mereciam e necessitavam ganhar mais, embora estivessem pouco dispostos a lhes conferir
aumento." (p. 43)

"A situação se deteriorou de tal modo que no final da guerra, negociantes de alimentos e outros
tipos de mercadorias se precaveram com seguros contra motins, temendo possíveis ataques."
(p. 43)

"Um importante ponto de partida para o entendimento das atitudes sobre Vargas é recorrer às
músicas populares escritas sobre ele [...] promoveu muitos sambas que lisonjeavam Vargas, o
Estado Novo e a participação do Brasil na guerra." (p. 44)

"À primeira vista, estas cartas parecem confirmar a reputação de Vargas como 'pai dos pobres'.
Trabalhadores da maior cidade do Brasil escreviam diretamente ao ditador [...] entretanto, um
exame mais profundo destas cartas revela uma sutil manipulação de Vargas. Dada a natureza
autoritária ao regime e a ausência de qualquer forma de representação política, esta
correspondência pode ser vista como uma forma de participação política popular." (p. 46)

"Implícita e explicitamente, os trabalhadores propunham a Vargas, sem rodeios, uma barganha


pela qual eles o apoiariam politicamente se ajudados em suas transações com os patrões e outras
elites em São Paulo." (p. 49)

"Pelo fato de Vargas lhes dar atenção, e, às vezes, providenciar benefícios ou intervir na
melhora de condições de trabalho, ele começou a contar com boa vontade por parte dos
trabalhadores do Brasil." (p. 50)

“[…] o governo federal e os empregados congelaram alguns preços de alimento,


providenciaram bônus para os trabalhadores sustentarem famílias grandes […] e duplicaram o
valor do salário mínimo.” (p. 50)

“[…] os trabalhadores urbanos sempre perceberam os problemas de Vargas com as elites de


São Paulo e lhe ofereciam suporte político contra elas se usasse o seu poder para melhorar a
situação deles." (p. 54)
"Durante a maior parte do governo de Dutra [...] Vargas trabalhou ativamente junto aos
trabalhadores para obter seu apoio na eleição de 1950. Convocou-os para o estabelecimento da
democracia socialista, a democracia dos trabalhadores." (p. 55)

"Uma vez no cargo [...] diminuiu o controle do governo federal sobre os sindicatos e garantiu
uma série de aumentos no salário mínimo." (p. 55)

"No início dos anos 50, Vargas recolocou o controle corporativista do Estado Novo contando
com políticos populistas. Em termos práticos, isso queria dizer que o aumento dos salários e
outros benefícios não provinham constantemente da atitude dos industriais." (p. 56)

"Em meados do ano de 1954, Vargas se tornou prisioneiro de seu próprio discurso populista
[...] em seu quarto no Palácio do Catete, ele se matou. Em carta deixada explicando o suicídio,
lida em rede nacional de rádio na manhã seguinte, mais que seu desespero, Vargas coloca-se
permanentemente ao lado dos necessitados do Brasil e contra as elites doméstica e estrangeira."
(p. 56-57)

"Vargas, a princípio, tentara mobilizar os trabalhadores em termos que lhe eram próprios, mas
percebeu que os trabalhadores do coração industrial do país não se encontravam receptivos às
suas proposições, por não se reconhecerem nos discursos trabalhistas do Estado Novo." (p. 57)

"[...] sua morte não capitalizou um movimento social populista." (p. 58)

"[...] a Constituição de 1947 reafirmou o sistema corporativista de trabalho de Vargas. Tal


alienação [...] levaram os trabalhadores brasileiros a se unir em organizações independentes e
assumir atividades de protesto que culminaram com o 'Novo Sindicalismo' e a formação PT
[...]" (p. 59)

"O populismo no Brasil, então estabelece realmente dois discursos diferentes. Os políticos usam
abertamente uma retórica trabalhista para atrair os votos da classe operária [...] para os
trabalhadores brasileiros, esse tipo de discurso da elite política é apenas uma abertura retórica
para favorecer os interesses dela [...] o populismo dos trabalhadores [...] é, em alguns casos, o
oposto da versão da elite, pois ele espera que as mudanças venham de baixo pra cima." (p. 59)

Comentários

Durante o Estado Novo, Vargas atuou para impedir o embate das forças entre proletários
e burgueses, com a adoção de um discurso de união e esperança para as camadas trabalhadoras.
Ao decorrer do artigo, fica cada vez mais clara a intenção que Getúlio tinha de atrair o apoio
dos cidadãos, caracterizando o seu caráter como líder carismático e populista. Contudo, mesmo
com todas as reformas trabalhistas proporcionadas pelo governo Vargas, não se pode esquecer
a composição autoritarista na qual se encontrava o país.

Após a dissolução da Constituição de 1934, e o aumento dos poderes do chefe do


Executivo, a perseguição à oposição política se fez presente, e logicamente, para evitar o alarme
da população, Vargas tratou de direcionar a atenção da população para as questões trabalhistas,
em uma espécie de política de pão e circo, como aquela aplicada durante o Império Romano.
Getúlio aumentou os direitos trabalhistas da população, e garantiu, por meio do Departamento
de Imprensa e Propaganda, que a classe trabalhadora não fosse noticiada das barbáries que
ocorriam com os prisioneiros políticos. Dessa forma, mesmo após a sua morte, Vargas ainda é
conhecido como o “pai dos pobres”, devido ao avanço dos direitos concedidos em seu governo.
Ademais, é importante salientar que Vargas foi o estreante populista do Brasil, e por mais que
o fim do seu governo tenha sido seguido por outra ditadura, dessa vez, com feições militares, o
populismo tomou força novamente, com o movimento dos sindicalistas liderado pelo atual
presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que fortemente utilizou o caráter populista para
estabelecer seus três mandatos presidenciais e a militância sindical da década de 1980. Não
obstante, também é necessário explicitar o caráter populista do ex-presidente Jair Messias
Bolsonaro, que incitou as massas contra dois dos três principais poderes da República, além de
fomentar a população com a possibilidade de atentar contra a democracia e o Estado
Democrático de Direito.

Fichamento 5

FERNANDES, Florestan. Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento. São Paulo: Global,


2008. pp. 145-157.

"Tende-se a pensar o desenvolvimento como problema isolado, como se ele dissesse respeito a
uma sociedade dada [...] em termos sociológicos, ele deve ser encarado através de um grupo de
sociedades, que compartilhe um mesmo padrão de civilização, e as diferentes possibilidades
que este oferece às sociedades que o compartilham para realizar um destino social
historicamente comum." (p. 146)
"A moderna civilização industrial [...] desde as suas origens alcançou maior ritmo de
crescimento em certos países, embora a longo prazo certas transformações substanciais se
manifestem [...]" (p. 146)

"Quanto maior for o grau de integração da ordem social, tanto maior será a instabilidade dos
fatores socioculturais dinamizados pelo funcionamento normal do sistema social. E, portanto,
tanto maiores serão [...] a intensidade e os efeitos da mudança social." (p. 147)

"[...] a posição das classes sociais na estrutura de poder da sociedade é que determina e gradua
a maneira pela qual as mudanças sociais se concretizam historicamente [...]" (p. 147)
"[...] ela tende a privilegiar a sociedade nacional [...] que possua ou possuam condições mais
vantajosas para o aproveitamento-limite das potencialidades de desenvolvimento do próprio
padrão de civilização considerado." (p. 147)

"[...] as sociedades nacionais que se polarizam marginalmente nesse processo de caráter


supranacional acabam ficando numa posição extremamente desvantajosa, já que o destino da
civilização de que compartilham não é determinado por seus interesses nacionais, mas pelos
interesses [...] das nações que 'comandam' o próprio processo civilizatório apontado." (p. 148)

"A riqueza, o prestígio e o poder ficam concentrados em alguns círculos sociais, que usam suas
posições estratégicas nas estruturas políticas para solaptar [...] as demais forças sociais,
principalmente no que se refere ao uso do conflito e do planejamento como recursos da
mudança sociocultural." (p. 149)

"[...] a sociedade brasileira desembocou num impasse crônico, porque o monopólio do controle
político da mudança social, por minorias privilegiadas, impede a sua participação normal e
autônoma dos fluxos da civilização ocidental." (p. 149)

"[...] as elites das sociedades subdesenvolvidas cumprem suas funções históricas invertendo os
seus papéis. Em vez de pugnar pela autonomia crescente de suas sociedades nacionais [...]
operam como agentes e principais responsáveis de uma especialização que converte aquelas
sociedades em consumidoras retardatárias e frustradas do progresso sociocultural alheio." (p.
150)

"Ainda hoje não completamos a absorção, a neutralização e a superação da complexa herança


negativa, recebida de nosso passado colonial." (p. 150)

"O Brasil passou, durante sua evolução econômica, social e política, por dois ciclos
revolucionários. O primeiro deles ocorreu no contexto histórico da emancipação política e do
desenvolvimento de um Estado nacional independente. O segundo deu-se no contexto da
desagregação da ordem social escravista e senhorial [...] os dois ciclos [...] foram mais produto
da transformação estrutural profunda da organização da economia e da sociedade que de
movimentos sociais conscientes e estruturados das elites tradicionais ou emergentes." (p. 151)

"[...] o capitalismo [...] não podia engendrar e fomentar um desenvolvimento econômico de


caráter autônomo [...] a dependência econômica não constituía um simples efeito de relações
comerciais e financeiras. Ela se impunha como produto da existência de uma ordem econômica
mundial, na qual as nações dependentes se especializavam [...] em funções econômicas
vinculadas à dinâmica das economias nacionais dominantes [...]" (p. 153)

"Como a integração do capitalismo comercial e financeiro se desenrolava num plano de


interesses econômicos, sociais e políticos altamente abstratos, ignorou-se que ele podia resultar
de uma conjunção de ações econômicas externas e internas, nas quais o poder de determinação
efetiva continuava preso aos dinamismos desencadeados na e pela economia mundial, através
do patrão de dominação imperialista." (p. 153)

"Ao mesmo tempo que o capitalismo alcança sua maior complexidade e maturidade, como
capitalismo industrial, exprimindo uma economia de mercado especificamente moderna e
afirmando-se como algo irreversível nas atividades humanas ou nas aspirações sociais, também
revela [...] que o crescimento econômico de uma economia nacional dependente completa-se
dentro de um círculo vicioso." (p. 154)

"A 'revolução burguesa' e o capitalismo só conduzem a uma verdadeira independência


econômica, social e cultural quando, atrás da industrialização e do crescimento econômico,
exista uma vontade nacional que se afirme coletivamente por meios políticos, e tome por seu
objetivo supremo a construção de uma sociedade nacional autônoma." (p. 155)

"[...] a organização e a orientação das forças que operam no nível externo escapam ao controle
de uma sociedade nacional determinada, especialmente se eça preenche a condição de uma
sociedade satélite e dependente, especializada no consumo das invenções culturais e no
atendimento das necessidades econômicas ou de outra natureza das sociedades nacionais a que
se subordina." (p. 156)

"[...] o desenvolvimento [...] possui o caráter de um problema macrossociológico, que afeta toda
a organização da economia, da sociedade e da cultura e que diz respeito, essencialmente, a todo
o 'destino nacional', a curto ou a longo prazo." (p. 156)

"Um povo pode contar com elites capazes de fazer diagnósticos precisos e completos de sua
situação histórica, em seus diversos desdobramentos. Mas, se essas elites não tiverem coragem
e decisão de levar o diagnóstico à prática ou se não receberem suficiente apoio coletivo, nada
se alterará fundamentalmente." (p. 157)

"A destruição de estamentos e de grupos sociais privilegiados constitui o primeiro requisito


estrutural e dinâmico da constituição de uma sociedade nacional." (p. 157)

"[...] a democratização da renda, do prestígio social e do poder aparece como uma necessidade
nacional. É que ela [...] pode dar origem e lastro a um 'querer coletivo' fundado em um consenso
democrático [...] capaz de alimentar imagens do 'destino nacional' que possam ser aceitas e
defendidas por todos [...]" (p. 157)

Comentários

O autor disserta sobre a impossibilidade de o desenvolvimento ocorrer em nações


vítimas do imperialismo de Estados mais fortes, capazes de impor suas vontades e culturas
acima daqueles. A mudança social, para que haja desenvolvimento da sociedade, só pode
ocorrer caso haja uma diminuição de diferenças entre as classes, principalmente, em questão
financeira.

Não obstante, o autor classifica o Brasil como uma sociedade que depende de outros
Estados capitalistas mais fortes, caráter que possui desde a independência da Coroa Portuguesa.
Assim, o jovem império brasileiro precisou de apoiar na entrada de capital estrangeiro no país
para conseguir se estabilizar no mundo capitalista, contudo, o Brasil luta contra as amarras de
influência das superpotências até os dias atuais, mesmo tendo um papel de destaque no plano
internacional, ainda é muito cedo para afirmar que o Brasil possui influência o suficiente para
influenciar o sistema.

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