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Revista Interfaces, nº 6, 1999. CLA/UFRJ.

A DIMENSÃO POÉTICA No CONTEXTO HEGEMÔNICO DA TÉCNICA

Antonio Jordim
Mesíre em Música / Conserv. Brosileiro de
Música
Douíor em Poéiica /Foculdode de Letras UFRJ

Abstraciz

Thís poper presenls 1he concepts of meosure, identity ond reptesentofion os


principles, Thai is, os conditions of possibiMy for ihe frojectory of 1he Occídentol Culture
10 hove showed itself os a cullure thoT clgrees to be underslood os o cuhure where
ihere is o hegemony of ihe technical aspect Oiherwisa ís showed 1he poeiics os o
originol ond cons1ituen1 prínciple for all the humans beings,

Inlroduçãm

Ao se inicior Umo iemotizcçâo que se proponhc fozer cparecer a dímensóo


poétíco numc coníextuolizoçõo em que c técnico se ponha como de1entoro de
clgumc hegemon¡o. cumpre. de inícío, começor pelo ñmz díscutír precisamenle esse
confexfo dito hegemônico. Além do moís, é decisivo que se fenha o dimensõo do
modo como esso hegemoniohchegou o se constítuír e c se estabelecer proprícmente
como hegemôníca
Devemos, inicialmente, dízer que o contexto, em que se mostra e que
opresento o técnica como hegemónica 1em um nome, e esse nome. como sobemos,
é CuHurc OcídeniaL Nesto e, oo que se tenho nolícia opencs nesíq u técnico foi e
é capaz de se constítuír hegemônica É precisomeme nesto especiolidode, neste
modo de ser tõo síngulor. que reside o príncipol ccmcfeñslíco do que emendemos
por Culturo Ocidench A questõo subsiste o ponír desse primeíro ponlo, que bem
poderio ser resumido com o írosez a Culturo Ocidemol é Uma culturc hegemonizada
iltarfadêí

e hegemonizadorc peIG e atrcvés da técniccn É a padir desse pn'me¡ro ponio que


prelendemos começor c desenvolver algumo orgumenioçõo pora. a pcrür daí, nos

enconhcrmos com a dímensõo poéiicc e com o modo ou os modos como essc


dimensõo se reclízo no con1exto de predomínio ínconteste do técníca
O contexto hegemônico

O que vem a ser Culiuro Ocidenial pode vir a ser pensodo como um conjunto
de componomemos que caracierízam o modo ou os modos de víver. iníciol e
prl'meiromeme, do homem ocidentaL À pcne de como isso se oferece ímedioiomente
o quclquer reflexo'o, a questõo que, de um modo ou de outro, se ímpõe e' índogor
quoís os pressuposios dessa culfurcL qucís os seus princípios, ísio e', como tol culturo
chegou c ser o que é e qucis os seus príncipoís e decisivos deiermínantes. Discutindo
essos questões, tolvez tenhomos como compreender Um pouco melhor c Iegífímídode
de Yermos atribuído ó culiurc ocidentol o coracterístico de ser e de Consiítuir ela o
coniexto hegemôníco dc técníca em que estejo inserido o dímensõo poe"ríca.

O que entendemos por Cultura Ocidentol e' umo con-formoçõo, umc paídéio
inícíodo com c cultura greco~loiino, em especiol com o culturo grega. E e', o nosso
iuízo, no Grécio que tem início o processo que se conduziró oté olconçcr o que hoje
chomcmos Culturo OcidentoL É tombém nc Grécio que se inicio esse per-curso que
fez com que hoje possomos nos entenden aíndc que em porte, como ocidenTois
para além de umo compreensóo meramente geogrófica Oro, porc que isso assím
sejo, ¡sfo e', para que ocidentol queiro dízer mcis do que Umo Iocolizoçõo mercmeme
geogróñca é ímprescindível fozer emergír algo que sejo, por si. copoz de ironscender
o fo1o de Iermos ncscído e vívermos, ou apenos de 1ermos sído críodos desie ou
daquele Iodo, o" díreíTa ou à esquerdc deste ou doquele meridiano. Ser ocidentcL
portonta nõo diz e nõo pode dizer apenos de criférios espocíois e Temporo¡s, em
especíal porque foi 0 pcrtír do ser ocidentol que se consütuiu esse modo de
compreender essc espócio~temporalidode como provída de volor, como provídc de
Um determinodo comportohmemo corcncterízodor e carocfen'zante. O Ser ocidenfol e',
olém e ontes de umo de-cisõo geogrófích umo compreensào e consmuíçõo de mUndo.
O ser ocidentol é menos que Um ociden1e, é Um modo de mundonizcr mundo CI poriir
de certos pn'ncípios. Se ossim e', ccbe-nos entâo perguntor por esses princípios, e pelo
seu modo de constituiçõa permcnêncio e mutoçõa e como esses príncípios pudercm
se Constifuir hegemõnicos nõo openos no Ocídente, mos como esse Ocíden1e cricdo
confunde seu criador e qucse que imperceptívelmente o tomo mero oroufo dos volores
por eIe mesmo cn'0dos.

A ero da medida, da identidade e da represeniação

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A CUIturo Ocidemal e', como dissemos ccimo, um complexo composto de
costumes e volores corocterísticos. É evidenie que olguns pressupostos vierom a se
configuror preponderantes, e o conjunto desses pressupostos falvez seja. na suo
1otolídode, impossíve| de ser enumerodo. No entcnta sob umo certa perspectivo e
paro o que posso nos interessor conjunfurclmenta cremos ser possível fazer-se um
recorte de três determinantes primórios consh'tuín?es do formcçõo do que entendemos
por culfurc ocídeníaL determínantes, fríse-se, do que enfendemos por coniexfo
hegemônico do fécnica Esses frês determinuntes, por ossim dizer, ontogênicos, sõo c
mensurcbilidode, o identidode e a representcçõa Quer-nos parecer que, sem esses
três conceifos por nós eniendidos como on'gina'ríos, o que se entende por Culfuro
Ocidentcí se opresenfaria com um perfil muíto diverso daquele que nos é opresentoda
Esses Três conceifos surgem em trés momemos diferentes dc hísfório do Çulfurc
OcidenwL
A mensurcbílídade se põe dionte de nós oíndc no período dc culfura grego
dominodo pelo mito. no cssím chomodo período míTico, e suo apcríçõo se dó pelc
prímeiro vez no |emo dos Argoncufos, que, digo-se de pcssogem é muilo conhecido
nosso, sejo peIo próprío tema sejo alrcvés de Fernondo Pessoa, seja pelc músíco de
Coefcno Veloso. Este Iemo nos diz: Navegcr e' preciso; víver não é precíso. Tcnto em
Pessoc como em Coeiano temos ¡nterprefcções semelhontes oos do Iemc
orgonóulico, isto e', o Iemo é reduzido oo que é ou nõo necessórío, umc vez que
cmbos entendem o preciso como necessa'r¡o. Lido desto forma, o Iemc gonhc em
sentido existencioL mos. com cerieza perde com respeíto oo vigor de possíbílidade
de estobelecímento de senfidos, pois, oo se ínterprefor o preciso como necessa'n'o.
novegcr e víver ou entõo viver e cricr, como diz Pessoo. se põem cmbos no ômbíto
dos realizaçõe5, víst que nõo existe possíbílidode de ncvegcr, críor ou qualquer outrc
coisc no domínio do existênc¡'c, sem víver, jó que todos essas reolizoções dependem
do viver. O víver é condiçõo sine qua non de quolquer possíbílidade de reclizaçõo. e
é como condiçõo de possíbilídcde que ele nõo pode ser desnecessórío. embora posso
nõo ser suficienta Desse modo, o próprío víver ocaba se vendo reduzido pelo Iimite
dcs realizcções, possondo o ser ele próprío nõo mois que Umc reolízàçõo entre outros,
e assim o Iemo se coloco como configurcdor de umc escolha excludenta do fipo ou
isfo ou cquilo. A interpretaçõo ex1'slencío¡destelemo, portonto, mesmo sendo Iegítíma
nõo e', por certo. cquelo que pode concorrer paro umo compreensõo da
mensurcbilidode como Um crife'n'o, vísto que elo 1em o prerrogmÍVQ de igualcr tudo
no ómbito do que é reolizóveL
O lemo grego oponio pora uma outra possíbílidade que serio precísameme
oquela que poríc esse lemo no plano dc mensurobílídade. Poro que ísso aconteça é
interiac'¡a's'

necessórío que se Ieio o preciso presente no Iemo como preciso no sentido do


u

possibilídode de esiobelecimento da dimensõo-medidc. Dessa moneircL e só desso


moneíro, novegor e víver podem ser vis1osacomo possibílidodes complefcmente


díferen1e5, e se é copaz de fugir do Iugcpcomum do escolho entre excludéncias.
Enfendendose o preciso do Iemo como medído, podemos perceber aí umo diferença
pe|o qucl nõo n.os é dcdo possor indifelentes. Navegcr é precisa isto e', medído, se
colocc numc diferenço fundomenicl em reloçõo ao viver, e faz com que esfe nõo
possa, de modo nenhum, ser confundído com oquele. A interpretcçõo do preciso
como medído impõe o diíerenço emre navegor e viver, em que este se coloca para
além do domínio do mero reolizoçõo. Nóo se Íroíc aqui de uma escolhc enire
reclizoções. Nõo se 1rcnc cindo de se escolher entre novegar, viver ou criar, como
propõe Pessoa Troto-se de deixor-se ínstolcr o vigor proveníente do díterença Hó
uma diferença originório entre novegor e viver. Essc diferença voi clém do plcno
meromente Iexicolz e' umo diíerençc on'ginón'a. O novegor, no Iema, exíge precisõo,
cssim como 1Udo o mois nc ordem dcs realizoções. Jó o viver nõo. Víver nõo e' p'reciso.
É impreciso. Essa ímprecisõo é o que põe o viver, paro o grego ontigo, poro além do
domínio de quclquer mera reolizaçóo. Víver nõo e' umo reclízaçõo quclquer, como
cs outrcs. Víver se coloco no plono dc reolidcde, no plono da possibílídode. O
compromísso do novegor com a precísõo, com c medido, é Um ícone do
compreensõo, pelo medída de tudo no p|ono do que e' reclizado. O viver ficc o salvo
deste domínio. A reolídode é mois do que um somotório de reclizoço'es. A reolídcde
se compõe do realizodo, é verdcde, mcs se compõe tombém do írreolizodo, e, muiíos
vezes, mesmo do írrealizóveL A tromc das oções no pensomemo grego nõo esgotcl
os possíbilidades de viver; este se manfém numo dímensâo oufra onde o imogínaçõo
e o cricçõo nõo só 1êm Iugor, como constítuem outros possibilídode5, ou1ras
modolidades de consütuiçõo do reoL Esso dinômicu é, no verdade, o que permíte
que o reol se conserve reoL conlondo ou nõo com umo tromo de aço”es, comando
ou nóo com 0 realizodo, com es1o ou oquelo reolizoçõo. O viver nõo se opõe oo
crior. V¡ver, no seu melhor sentido, sÓ e', se é com o crion e nõo em Iugor deste.
Mesmo ncs modolidodes em que o viver se opresenfe como oparenfememe reduzido
ó dimensõo reclizcçõa oindo oí nõo se pode venTIcor a íotolizoçõo desso reduçõa A
diferenço enire viver e novegcr~críor é fundomentol pcro que possomos Ientar
compreender o dinômíco desempenhcdc pelo medído no con-formoção da CuHura
OcidentoL Indisíinguir viver de novegar, no Iemo, é opmr por um em vez do outro,
pelo excludêncio en1re reolidode e reolizoçõo. Em úliima onólise, é nõo perceber o
encomínhomento da próprio formaçõo do Culturo OcidentoL que, cirovés do
predomínio do plono dos reolizcções em reloçõo ó reclidode, ccabou por príorizor os
ncvegores em relaçõo ao viver, reduzindo este tcmbém oo que pode ser mensurodo,
medido, e este e' talvez o prímeíro vesh'gío, o primeim índice, enfim, o primeira
corccteñsfico que possamos oponiar do hegemonia da técnica no confexfo culturol
1 4 ocidentaL
A identídode se nos cpresench oindc, jó nc ossim chomodo aurora do
penscmento grego, no período propriomente filosófico. O seu pn'meiro formulodor e
avclísfc é o pensodor-poeto gvego Pormênides de Ele'io. que, em seu poema SObre c
Noiureza nos cpresentcl oo mesmo tempo, o primeiro enunciaçõo do identidode
que o Ocidente conheceu, e, concomitomementa o pn'me¡ro aplícoçõo dessa mesma
idenüdcde
Em suo pn'meiro enuncioçõo do ídentidcde diz~nos Forménídesz
os Únicos camínhos que exísfem paro pensan Um, o cominho que é e não pode
não ser, é c vía da Persuasão, pois ccompanhc o Verdade: o ourro o que não é e é
forçoso que não exístL esse, d¡'go-fe, é Um caminho forclmenre impensáveL Pois
nõo poderós conhecer o que nõo e' (í$so é ¡mpossível), nem declará-lo, poís o mesma
coisa exísfe pcro pensare poro ser. (Kírk,G.S. e Roven,J. E. Os filósofos pré-socrótícos.
p. 275 - Fundoçõo Colouste Gulbenkiun, 2° ediçõo. Lisbooz l982)

Ora, Porménides opero com a identidade em dois plonosz num primeíro,


opresento o cominho do que e' como o cominho do verdcde, do desvelamento, do
persuasõo: num segundo, apresenfc o outro caminho como ímpensóveL Desse modo,
oo ossocior ser e pensan ou melhor. oo ideniíficor ser e penscL Pormênides foz
simulfcneamente o prímeíra aplícaçõo do identídade enunciodo. Essa e' Uma
identídode posta por Parmênídes como uma identidcde ontológica or|'gino'rio, e, assim
sendo, otuo como umo condiçôo de possibílidade poro o penscr. Só o que e' e', desso
maneira, pensóveL Ao pensormos o enuncioçõo de Pormenides segUndo o quol o
mesma coisa exisfe parc pensar e ser, perceberemos que tamo ser quanto penscr se
Torncm de cerio modo, dependentes do coísa que exisre e de seu modo de existéncia
Uma concepçõo inteiromente posifívc do mundo se opresento no enuncicçôo co
menos como possíbílídcde. É óbvio que em Pormênides há umo questõo em reloçõo
ao serz a questõo do penscdor grego e' ontológica sem quclquer espécíe de
confestcçâa Mos suu ontologia olém de panir do identídode, tem um compromisso
com o posítívidadez só o que é e' pensóveL O ómbíto negotivo, bem como c díferença
só aporece como controponta e o seu popel e', quondo muifo, con-formar o
positívidade Idenüdode e pos¡'1ividode se conformam como critério do que e', ou
deve ser, pensodo. Só o positivo foz jus ao penscr. Desse modo, o identidode. e,
conseqüentemente, o posiTívidoda se consütui como condíçõo, c Um só 1empo, do
ser e do pensar. Nc ovolioçõo do que é posíiivo ou negoíiva o determíncnte e' o
identidode. No entonfo, o idemidode entre pensor e ser, formulcdc por Porménídes,
acobo por ínibin nõo moís em Pmmênides, mcs oo Iongo do desdobromento do Culfuro
OcídentcL a possibilidcde do próprío ser, ser pensado. Compreender ser e penscr
inturínüms

como o mesmo. índístinguíJoa conduz e, moís do que isso, occbou por conduzir à
indíferenço em reloçõo às quesiões do ser e do pensor. A ontologia perde sentido em
de1r¡'mento do que é cloro, evídente, pràtica objeh'vo, úti|, enfim, do que é copoz de
Ievar a algum Iugor, aindc que esse Iugcr possa nõo ser exciomente o lugor mois
desejóveL Nõo ¡mporto. 0 ímpononte é que sejo olgum Iugar. A quesfõo onfológicc
possa oo Iongo do desenvolvimenlo do Cunuro OcidenfoL o ser considerodo perdo
de tempo. É preciso fer Um Iugor e gonhar tempo. O Iugar é extensõo e o tempo
cronologicL Toda e quolquer possíbilídode de compreensõo de espoço e fempo que
nõo sejam esias, posso o nõo fazer senh'do. A perdc de sentído da quesiõo ontológica
defermínodo pelo predomínio do identidode, troz concomíicntemente consígo c
medido como critério, e mesmo fempo e Iugor, considerados mois íarde por Kont
como conceífos o priori, ccobcm por elo determinodos, e essa deTerminaçÕo e'
empobrecimento quer de fempo quer de espoço. Esso deferminoçõo é, em úlfíma
instóncia empobrecimento da próprio noçôo de mundo. Esse empobrecimento dc
noçõo de mundo 1emvse feíto presenfe, às vezes de forma contundente, oo Iongo da
hístóríc da Culiurc OcidenfoL
Numo 1erceirc1 ínstônciq coIocc-se um ierceiro formonte no constuiÇõo
do Culturo Ocidentcl - o represenioçõa Orígincdc do polovro Iaüno reproesenfafía
o uso do termo foi sugerído oos escolósticos pelo conceílo de conhecimento como
semelhonço do objeto. Represenfcr olgo, poro S. Tomós. significovc conter o
semelhcnço dc coísa. Jó Guilherme de Ockhom estobelecíc três signíficações
fundomemois poro reprcesenfafia Em primeiro Iugor, represenioçõo compreendía
oquílo por meío de que se conhece olgo, e, nesse sentído, o conhecimenío serio
representcfiva e represemor sígnifíccrio ser oquilo por meio de que se conhece olgumc
coisa Em segundo Iugar, Ockhom enfende que represenfor nodo mcis serio que o
imagem volendo por oquilo de que é imogem, no ofo do IembranÇa, por exempla
Em terceiro lugar, represenioçõo serio o que ccusa o conhecímento, do mesmo modo
como o objeto cousu o conhecímenta No primeiro senh'do, c representoçõo sería o
íde'íc. no sentido moís gerol; no segundo senüdo, sen'c o imogem: no 1erceíro sentida
o próprio objeta
Os gregos oinda nõo 1omovom a represenioçõo nesso compertínêncio c co-
nhecímema Paro eles napáommç dízío do que se expõe ou do que nos é trozído dion~
te. Nesío polovro ficc ímplícítc a imobílídode presente como suo consmuinte ncI
polovro máolç , que traz até esiótíco no porfuguês, o estófícc em que occbc por se
converter o conhecímenfo entendido como representaçõa De quolquer modo, os
gregos aindo nõo compreendíom oquilo que se expõe como aquilo que é conhecido
em iodas cs suas possibilídodes, tol como fez o desdobrcmento do Culfuro OcídentoL
oo menos do Idode Médio oté hoje.
De qualquer modo, o importonte pora o que se coloca nesíe momento é a
compreensõo do representoçõo como conhecimenta É exotamenfe por esic
ló compreensõo que o represemoçõo é Um dos conceifos decisivos do Culturo OcídentoL
O sober determínodo pelo representoçõo impõe o verossimilhonço como príorifóñc
em reloçõo à verdode. Orc1, o cceifaçõo do verossímíl como copcz de sotisfczer a
dinômica da verdode se relociono com o descomprometimenio com os questões
que esto pudesse suscich Do mesmo modo que o iden1I'dode, no CuHuro OcidentoL
sufocou o quesfôo do ser, o representoçõo sufocou o verdodez poro estcL mois
ímportcmfe do que ser-verdodeíro é pcrecer~ser-verdodeiro. Com a ofírmcçõo do
represenfoçõo como crífério determinonte poro o que é ou nõo verdodeíro, 1emos o
idéíc e o ímogem tomodos como se fossem o próprio obje1o. Essc sübsütuiçõo se dó
sem que nos opercebomos, e suo primordíal conseqüência é subsíituir c dinómico
impos1o por quolquer objeto de conhecimenio pelo esfótica de suo represemoçõo
Um exemplo em que incontesiemenfe isso ocorre é 0 mu'síco. Estc é um ccso
parodigmófíco de substíluiçõo do dinômíco do objeio pelo estóüco da representaçõa
Vejomosz no plono do CuHuro Ocidental quondo, mesmo no nível do senso comum,
se pergunlo o alguém se esfe sabe mu'sicc, esie olguém responderá cfírmaiivomente
só e 1õo-somenfe se for copoz de |er, de Iidor com os meconismos representofivos
musícois. Se souber Ier. Se nõo for ossim, esTe olguém díró que nõo sabe músíco.
Aindo que esfe olguém canfe, toque olgum ínsirumenfo ou componho. Isio se dó
porque exisfe Umo imposiçõo do sober índelevelmenie co-Iigado à represenfoçõa
Saber se consmuiu se converteu em sober represenion ou Ier c1$ represenfaço'es.
Mesmo numc culfura como o brosílel'rc, onde 0 moior pcrie dos criodores musícois
nõo escreve e nõo lê mu'síca, a Hranía dc represenioçõo nõo deixo de se impor como
crítério defermínonfa
Qucndo apomomos esses três concei1os como deTermínonfes porc o
esfobelecimento do confexfo hegemónico do iécnico e, por conseguinfe paro o
desenvolvímento do Culturo Ocideníoh esso afirmaçõo poderia ser contestada
Alguém poderío pergunfon mensurcbílidoda ideniídade e representoçõo sericm, por
ocoso. prerrogotivas do Culturo OcidenTaB Serío |egí1imo se entender que cpenos o
Culturo Ocidentol dispõe de meconismos pora medir, identífícor e represen10r? Ora,
é óbvío que nõol Todo e quolquer conformaçõo culturcl dispõe de mecanismos poro
reolizor mensuroções, I'den1¡ñcoções e represenfaçõex o diferenço em reSaçõo a esses
conceífosl quondo entendidos ocidentolmema é que, no Culturc OcidentaL eles se
converteram em criférios a priori pcro a consmuíçõo do sober. Somente no Cultura
Ocídentol temos mensurobílídode, identídade e representoçào como criféríos
determínontes pora o saben O sober es1ó, nesse contexm cmplctmente deiermincdo
pelc medida, pelc ídentídade e pelo represenfcçõa o ponto de se pensor que só é
cognoscível o que pode responder, no mínímo, a esses írês princípíos.
Além dísso, o determinoçõo do confexto Culturo OcidentaL como um
interínues

comexto onde se pode consTator umo prerrogotiva hegemônico da técníca se dó


\I

a1rovés do posifivídode Impresso por esses Írês conceífos. A medich o identídade e a


_a

representaçõo impõem Uma príoridade incomesie do posiTivo, do claro, do evidenTe


Desse modo, qualquer coisa que nõo se opresente com posífividada clareza e
evidéncia, fícc como que expurgcdo do constituiçõo dc realidode E esio perde o
suo príncipol e mois determíncnte corccterístíca a possibilidode. Num contexfo
hegemonízodo pelo posifividoda clcrezo e evidêncíqh reolidcde se vê reduzido c
Um mero somotórío de reclizcções. A possibilidode é como que esquecida enquonto
toL O possível se resfn'nge oo que. de ontemõa jú quer se saber demonstróvel e útil.
A demonstroçõo e o Utilídode configurom c reclidcde como consiiiuído de meios.
Produzir é produzir meios-para . e o mundo se vê reduzido o umc teleologia O que é
e' umo pergumo que passc o só fozer senh'do se estiver querendo dizer, em úmmo
instôncíq paro quê2
A compreensào Usuol de técnicc - e qucndo falomos do Cuhuro OcidenkJI
como Umo culfurc hegemonizodo e hegemonizodora pelo e otrovés dc técnl'co,
estcmos nos referíndo o esto compreensào maís Usuol -, impõe o finolídode anies do
produçõo. Produzir e' produzir serveniicu e produtivo é quem produz serviço. Produzir é
necessoriomente produzir poro umo finolídcde pre'-estipuloda, parc umo uülidode
No entonto, se penscmos o que quer efeñvomente dizer produzir, talvez possomos
compreender o queslõo do produçóo um pouco mcis omplcmente Produzir nào é
um conceiio opencs pronunciodo desde umc o'p1ica econômica A polovro produzir
e1imoíogicamente se compõe do verbo ducere que diz 'levar', 'conduzir', 'trozer', e
do prevérbio pro 'diante', 'em frente de', 'pora c ernte de'. Produzir, entõo, d¡z, no
verdode, de todo o processo que passo e se move, doquílo que nõo é ou estó presente
ó presenço. PrOdUÇÕO e', pois, 1razer à presenço o que oíndc nõo é presente. Ass¡m,
produzir nõo é someme fobn'cor. Mesmo o dgúatç , a notureza nesse sentida produz.
Aquilo que se cpresema no noutrezc é pro-duçõo. A flor quondo se obre e' pro-dução.
A produçõo, por1onto, nõo se consmui necessório e essenciolmente c pcmir dc
utilidode, da demonsfroçõo o prioñ ou da finolidode. Que Utüídode pode hover no
fcto de umc flor se obrir, senõo nos 1rozer ó presença o desvinculoçõo entre o oberturo
poro o que de essencial existe no produzir e a idéio mois comum de produçõo, como
finolidode insfrumeníaw Produzir e' desvelor, é fozer com que olgo chegue do oculfo
oo nõo-oculto, do velcmento oo desvelcmenta Produzir e' ontologiccmenfe produzir
o que os gregos eniendicm por áÀríSmL desocultcçõa enfim, verdade.
À técnica eniendido como monejo instrumentoL nõo pode dar conta desse
desvelor, e assím nõo pode dar conta do produzir e, muito menos, da verdade. A
técníco entendido como fabricoçõo subtroi à produçõo suo pn'nc¡pol coracterísticq
0 possíbilidode de operor desvelcmenia a possibilídode de desvelar.

18
A dimensõo poéNco

A este processo de trozer à presençc, de desvelar. os gregos Tombém


chomcvcm noíqalç . A polovro noínmç 1em suc orígem no verbo no¡Éu›, e diz '0Çõo de
foze(', ^produzír', e esíó ligcda à palcvrc sónscrito sinori que diz 'excíf0r', 'e51¡mulor',
'mover', 'cn'or'. Assim, a polovro noínolç , que dó origem à polavrc portugueso poética
diz do essêncio mesma do que é produzír. Isto pode chegor c nos esponton o nos
surpreender, pois estomos hobituodos o entender c atííude poéüca de formo
obsolutomente oposioA A atifude poéTicc é Um índice de nodo íozen ou melhor, de
fozer coísos sem compromeümenw com o reo|, iomodo oquí como domínio clas
reo!izoço'es. No entcnto, dizer de umo poética é dizer de um fozer, é dizer de Um
produz¡'r.
A ctifude produtíva de frozer à presença, nõo pode estor descompromefãdo
com o movímenta nõo pode, por isso, ser monooxícL nõo pode girar em torno de um
mesmo eixo. A produçõo dito noínmç é, no verdade. mais do que mero produçc'o, ou
melhor. e', cntes que produçõo, o próprio condíçóo que possibilífa todo e quolquer
produço'o. Todc produçõo só é possível nõo porque o esto subjaz Umo técnica mas
porque o todu e quolquer produçõo subjoz umo noínmç , A dimensõo poéfica aindo
que posso porecer à primeíro vístcl ocesso'rio, eÇ no verdcde, o condiçõo de possíbílidode
do próprío te'cnico, e emborCI esTo possa cporecer e se monler como hegemônica c
suo necessídade é gerodc por aquelo. Umo fécnicc sem dímensõo poéüco é esiéríL
sen'o uma técnico que nõo sobe como se empregor, serio umo técnica sem fozer, ou
melhor, sem o pro'pn'a essêncio do QUe é fozer. A dimensõo poe'h'ca e', muito on1es
que a fécníca consfífuiçõo defermíncnfe parc o homem. e este é sempre um ser do
noínmç , aíndc que, no perc_urso dc constífuiçõo do Culiuro OcidenlaL esto tenho
ocobodo por ser relegcdo à indige'ncia, pelo predomínio de Umo Iógico fundoda nc
Ufilidode e demonsfrobilidode
A modernidade ocidemaI cresceu e se consmuiu no crenço de que o seU
poder, cada vez moior e maís domínanta emcnovc do ocúmulo de Técnicoa ou do
pioneírismo em domincr iois técnicos. Equivocou-se. Crescer nôo é necessoríomente
acumular, crescer e', como díz Mortin Heidegger, se abrir à ímensidade do ce'u, mos
fombém oprofundor as roízes na obscurídade do ferra A modernídode ocidemd
""s'

ocreditou, e aindo acreditc - hojo visto o opelo oo ccduco discurso do modernidode


que hegemoniza o reolidode brasíleíra otucl - poder cbrir mõo do dímensõo poétíca
inbería

ocredífou, e oindo CCreditq poder consfituír c dimensõo técnico como ccpoz de dcr
conto do que é reoL Ledo engono. A dimensõo hegemônicc pode dor conto de
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muito coiso, mcs deixo esccpar o que oporece intermíteníemente nos íniersh'cios.
Nõo é mois copoz de ver, como vío com clorezo Mcnsuó Boshâ os Iógrímos no olho do
peíxe. Orc, é óbvio que, sob ceno ponto de vísta, é períeitamente possível obñr mõo
destc vísõo. Mas é fõo óbvío qucnto, que a reclídcde e o percepçõo ficam
compromeíidos e muíio empobrecidas por dispensor experíéncios como o de Boshoí
Alguém podeño perguntcr pcrc que serve dizer Primovera não nos deixe; Iógrimas no
olho do peixe. Essc pergunta nunco poderó ter uma respostc sotisfofóría porque essa
pergunto jà vem de umo óptico e de umo dicçõo que impossibílifo a possibilidade de
resposta Hó pergunfos que nõo podem e fundomentolmenfe nõo devem ser feitcs,
porque, oo serem feítos, desmontam nõo só o possibilídode de resposto, mos, o que é
pior, desmontam o própna dimensõo poe'1ícc, _o próprio essêncía do fozen A dímensõo
poe'h'cc nõo se coloca no domínio de perguntcs ou respostm Ela es1ó olém ou cquém
destos. Elc é o Um iempo pergunto e resposfa Ela estó numc outro modolidcde de
espócío-temporo|idode. Angelus Sílesíus ílustro bem essc modclídode com o seu poema
sem porque, em que nos dI'z: A rosc é sem porque / Floresce por rorescer / Não olha
poro sí / Nem peigunfo se olguém a vê (trcd. Corneiro Leõo). Umo espócio-
temporclídade de tc1 forma própric que nõo seró nuncc copaz de sotisfozer umo
outra formuloçõo víndo de umo outro espócio-Temporo|ídade. Elo é umc espócio~
temporalidode de tol forma substcntivo que nõo pode se con-formcr com os
iulgcmentos cdjetivontes. A dimensõo adietivodorc e' mero conjugaçõo de ctributos
que de foro para deníro pretendem dor conto de algo. Esses podem ser monejodos
ao sobor desto ou daquela técníca A dímensõo poélíco nõo. Elo nõo é ortifícío E|a
é crioçõo de Uma espo'c¡'o-temporolídode pro'pr¡c. Poblo Picosso dizicL iolvez nõo
Iiterclmente, que a verdcdeíro obrc de crte é oquela que é ccpaz de geror os seus
próprios meíos de descodíficoçõo, ísto e', o sua próprio espócio-femporolidode. Esto
é c espócío~temporclidode do possíveL enuncioda num poemo de Gíuseppe Ungorettíz
De umo esfrela a oufro / a noíie se encarcera / em furbinosa vazio desmesura / daquela
solídôo de esfrefa / àquela soíidõo de esfrefa A desmesura é próprío da possibilidode.
A possibilidode e', por suo vez, próprio do ser humono. Esie e', onfes de quolquer coisc,
possib1'lidode. E o que o consmui como tol e' o inútil dímensõo poética

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