Você está na página 1de 23

Curso

O mundo sensorial
do autismo
com Katrien Van Heurck
Sumário

Módulo 1 – Introdução ............................................................................................. 3

Módulo 2 – Introdução ao sistema sensorial ............................................................. 4

Aula 1. Apresentação................................................................................................ 4

Aula 2. Formação do cérebro e do sistema nervoso ................................................... 7

Aula 3. Autismo: uma disfunção neurológica .......................................................... 12

Aula 4. Percepção sensorial .................................................................................... 19

2
MÓDULO 1 – INTRODUÇÃO

Vídeo chamada

Ementa: O curso apresenta brevemente alguns aspectos básicos do autismo e introduz a noção
de percepção sensorial. O curso desenvolve uma explicação sobre o sistema sensorial: seu
desenvolvimento e funcionamento, os sete sentidos, possíveis falhas nesse sistema e
características do sistema sensorial de pessoas com autismo. Trata em detalhes de alguns estilos
sensoriais e características comportamentais decorrentes de falhas no sistema sensorial e
comuns em pessoas com autismo (hipossensibilidade e hipersensibilidade, sobrecarga sensorial
e baixa carga sensorial, entre outros). O curso apresenta diferentes terapias que podem ajudar
pessoas com autismo a superar ou aprender a conviver com essas dificuldades. O participante
aprenderá aspectos básicos do universo sensorial do autismo e formas de atuar levando em
consideração os diferentes estilos sensoriais.

3
MÓDULO 2 – INTRODUÇÃO AO SISTEMA SENSORIAL

Aula 1. Apresentação

Autismo, ou transtorno do espectro do autismo (TEA), não é uma doença e também não
é uma deficiência; essa condição é vista como um transtorno de desenvolvimento, mais
especificamente, como um transtorno global do desenvolvimento (TGD). Isso significa que várias
áreas do desenvolvimento são afetadas, causando um desenvolvimento diferente daquele
observado nas pessoas neurotípicas.

Segundo pesquisas, o autismo surge ainda na fase intrauterina, por volta da vigésima
semana de gestação. Foram descobertos erros de mau contato nas ligações nervosas nessa fase.
Ou seja, a pessoa já nasce com autismo, embora, em geral, as características se manifestem
somente nos primeiros meses e anos de vida.

Não se conseguiu descobrir até agora a causa do autismo. Porém, se sabe que existem
várias causas ou etiologias, e estas três parecem ser as mais importantes:

 a causa biológica: disfunção neurológica causada por um problema genético


hereditário (até hoje não se sabe quais são os genes causadores do autismo) em
combinação com fatores ambientais, como, por exemplo, poluição ambiental ou
consumo de álcool e drogas;
 a causa psicológica: as pessoas com autismo percebem o mundo (veem,
escutam, sentem, provam) de forma diferente daquela das pessoas neurotípicas
e, assim, atribuem outros significados àquilo que percebem; como consequência,
suas reações e comportamentos também são diferentes. Isso pode se manifestar
de forma bastante sutil;
 a causa comportamental: pessoas com autismo se comportam de maneira
diferente das pessoas neurotípicas; elas têm padrões de comportamento
estereotipados e focos de interesse muito intensos e peculiares. Para modificar
comportamentos problemáticos, é importante entender que todo
comportamento é causado por um motivo. Por isso, não é o comportamento que
deve ser trabalhado, mas a razão por trás desse comportamento.

4
O cérebro das pessoas com autismo é formado pelos mesmos componentes que o
cérebro de pessoas neurotípicas. A diferença está na forma como esses componentes estão
ligados uns aos outros, o que causa diferentes reações ou comportamentos.

De todas as dificuldades dentro do autismo, a maior delas é a comunicação. Pessoas


autistas não compreendem o comportamento de uma forma social e isso causa
comportamentos diferenciados.

Falando um pouco sobre estatísticas, a Organização das Nações Unidas (ONU), em


levantamento realizado em 2010, divulgou uma estimativa de mais ou menos setenta milhões
de pessoas autistas no mundo. Dados do IBGE do mesmo ano estimaram em dois milhões o
número de pessoas com autismo no Brasil. Hoje se sabe que esse número é maior: calcula-se
que um a dois por cento da população brasileira tem autismo.

As estatísticas oficiais informam que uma em cada oitenta e oito pessoas tem autismo,
mas uma pesquisa mais recente, de 2018, apresenta um novo dado: uma em cada sessenta
pessoas tem autismo. Isso significa que é muito provável que todo mundo, em algum momento
de sua vida, no seu ambiente social, já encontrou pessoas com autismo.

Pessoas com autismo apresentam uma tríade de características: elas têm


comprometimento a) na interação social, b) na comunicação e c) nos padrões de
comportamento.

Outro dado do qual dispomos é que apenas cerca de dois por cento da população autista
consegue levar uma vida completamente independente. Mesmo adultos com autismo de alto
funcionamento normalmente precisam da ajuda de alguém, seja um terapeuta ou um amigo,
quando se deparam com algum problema.

5
Outro dado que, hoje em dia, já não é mais totalmente aceito é que o autismo é mais
comum em homens do que em mulheres. Em geral as pesquisas mostram que o autismo é
diagnosticado quatro vezes mais em meninos do que em meninas. Porém, hoje se acredita que
isso é devido a uma maior dificuldade de diagnóstico em meninas, uma vez que elas conseguem
“disfarçar” melhor seu autismo, pelo menos até a puberdade ou adolescência.

Podemos comparar o autismo a um iceberg. O comportamento da pessoa com autismo


é apenas a parte visível do iceberg, que fica fora da água. A causa do comportamento é a parte
que está escondida embaixo da água, e que é muito maior. Se não diminuirmos ou eliminarmos
as causas do comportamento, não conseguiremos trabalhar com a pessoa com autismo.
Precisamos ir além do que é visível.

Para educar uma pessoa com autismo, é necessário conhecê-la, ter um vínculo positivo
com ela e entender o seu autismo. Se não for dessa forma, vamos usar uma linguagem que ela
não entende o que vai gerar frustração para ambos os lados.

6
Aula 2. Formação do cérebro e do sistema nervoso

O autismo é um transtorno neurológico. Para entendê-lo vamos, em primeiro lugar, nos


ater um pouco à formação o cérebro.

O cérebro é o primeiro órgão que se desenvolve no ser humano. Sua formação começa
a partir do décimo oitavo dia após a concepção e ele continua a se desenvolver após o
nascimento até depois do início da vida adulta.

Dentro desse pequeno cérebro embrionário, as primeiras células nervosas, ou


neurônios, começam a evoluir, se multiplicar e migrar, porém ainda sem ligação umas com as
outras. Depois de algumas semanas começam a se desenvolver as conexões sinápticas entre as
células, importantes para a transferência de todas as informações cerebrais.

Por volta da vigésima semana começam a se formar e multiplicar os axônios. O axônio é


um prolongamento único do neurônio que constitui a principal unidade condutora de impulsos
nervosos provenientes do corpo celular para fora da célula. Com os axônios, começa a formação
gradual da bainha de mielina (ou mielinização dos axônios), camada de lipoproteínas que
envolve o axônio, o isola e é responsável pela velocidade de transmissão das informações
neuronais e também pela quantidade de informações transmitidas. As informações transmitidas
podem ser externas, vindas do ambiente, ou internas, originadas dentro do próprio corpo. A
bainha de mielina também previne a sinalização cruzada com outras vias de neurônios.

O cérebro tem dois tipos de células: as células da glia e os neurônios. As células da glia
são células de suporte que desempenham várias funções (participam da produção de mielina e
do processo de migração de neurônios, entre outros). Os neurônios são fundamentais porque é
através deles que são transmitidas todas as informações para o resto do corpo. Qualquer falha
ou defeito na sua constituição ou durante seu processo de formação terá consequências para o
resto da vida. É nesse momento, por exemplo, que a esquizofrenia e o autismo começam a se
desenvolver.

7
A primeira coisa que vemos nas imagens que representam os estágios de formação do
feto humano é o cérebro. Mais tarde é que as outras partes do corpo começam a crescer.
Quando a criança nasce, o corpo é proporcionalmente menor do que a cabeça. O cérebro atinge
seu volume quase definitivo por volta dos quatro anos de idade. Depois disso o ser humano
cresce em altura, mas o cérebro praticamente não aumenta mais de tamanho.

No período embrionário (por volta da quarta semana de gestação) o cérebro se divide


em três áreas: o prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo.

Cérebro embrionário de quatro semanas.

Essas três partes se dividem gradativamente até formarem o cérebro com dois
hemisférios, esquerdo e direito, cada um com cinco lobos dentro de uma cavidade cerebral e a
medula dentro do canal vertebral.

8
Durante todo seu processo de desenvolvimento, o cérebro produz cerca de duzentos e
cinquenta mil novos neurônios por minuto, para chegar a uma quantidade de vinte bilhões de
neurônios no momento do nascimento.

Neurônio

Vídeo: os neurônios (youtube).https://www.youtube.com/watch?v=O0fxQNA35mA&t=2s

Uma vez formados, os neurônios são programados para migrar para locais específicos
do cérebro onde exercerão sua função e formarão novas conexões com outros neurônios.

Desde a fase pré-natal ocorrem, de forma programada, mortes celulares de neurônios


e eliminação de sinapses. A isso chamamos de podas neurais, que, no final da gestação e início
da vida, vão se acelerar.

O bebê nasce com vinte bilhões de neurônios, mas não tem necessidade desta
quantidade de células nervosas na primeira fase de desenvolvimento. O cérebro produz uma
quantidade maior de neurônios do que necessita para, de certa forma, garantir que haverá uma
quantidade suficiente. Com as podas neurais, são eliminados neurônios e sinapses que acabam

9
não estabelecendo conexões ou que já cumpriram seu papel. Elas também evitam um excesso
de células e neurônios que podem atrapalhar o adequado funcionamento do cérebro.

O cérebro tem dois tipos de substância: a substância branca e a substância cinzenta. A


substância cinzenta é uma área composta apenas de corpos celulares e a substância branca é
formada por axônios. A substância branca é a responsável pelo desenvolvimento típico. Nas
crianças com autismo, o cérebro tem mais substância cinzenta do que substância branca. Isso
significa que o processamento das informações acontece de forma diferente.

É por isso que algumas crianças não se comunicam na idade típica; às vezes a
comunicação verbal começa aos cinco ou seis anos. Isso também pode ocorrer bem mais tarde,
inclusive na fase adulta. Algumas crianças autistas nunca falam, outras, falam muito, mas não
usam a fala para se comunicar. Elas podem ter ecolalia, que é a repetição de falas que a criança
já ouviu. O que causa isso é o desenvolvimento diferenciado dos neurônios. Por isso a fase da
vigésima semana de gestação, quando se formam os axônios e as bainhas de mielina, é tão
importante. Se acontece algo de errado nesse momento, deficiências e transtornos podem
aparecer. Já se sabe, por exemplo, que a esquizofrenia infantil surge nessa fase do
desenvolvimento. O autismo provavelmente também surge nesse momento.

O cérebro é o órgão mais importante do corpo humano. Nos primeiros quatro a cinco
anos de vida, o crescimento do cérebro é bastante acelerado. Nesse período ocorre o
desenvolvimento cerebral total de todas as áreas e de todas as suas funções: é quando a criança
aprende todas as habilidades necessárias à vida e tudo o que é importante para começar a
desenvolver as áreas orais abstratas, teóricas e acadêmicas.

A primeira dessas habilidades é a visão. Com seis semanas o bebê já tem a visão como a
de um adulto. Logo depois o bebê começa a se comunicar. Ele não tem comunicação verbal, mas

10
já reage quando outras pessoas estão se comunicando, com sorrisos, choro e gestos. Mais tarde,
de um “ser deitado”, a criança se torna um “ser sentado” e alguns meses depois ela começa a
engatinhar e depois caminhar. Juntamente com os primeiros passos, surgem as primeiras
palavras, lembrando que a primeira comunicação já existe desde as primeiras semanas. Tudo
isso são habilidades que o ser humano precisa aprender. Por isso, esses primeiros anos de
desenvolvimento são a base para o nosso futuro como seres humanos, e, se há problemas nessa
fase, consequentemente haverá problemas para o resto da vida. Com a idade de cinco anos, a
criança passa a desenvolver as áreas abstratas.

Como vimos, o cérebro continua se desenvolvendo até o início da vida adulta quando
atinge a maturação. A maturação cerebral é diferente para homens e mulheres. Na mulher essa
maturação se completa por volta dos vinte anos e nos homens, aos vinte e cinco. Uma pessoa
que tem um cérebro com falhas pode nunca atingir uma maturação cerebral completa, e aqui
se encaixam pessoas com autismo.

11
Aula 3. Autismo: uma disfunção neurológica

Já vimos que o autismo é um transtorno de origem genética. As pesquisas mostram que


setenta e cinco por cento dos casos de autismo são de origem genética hereditária. Isso quer
dizer que no DNA da mãe ou do pai já estão presentes os genes do autismo, mas ainda não
ativos. Esses genes apresentam erros e são transmitidos para o genoma da criança.

É importante entender que fatores ambientais também são responsáveis pelo autismo,
já que podem influenciar a constituição do genoma da criança. Exemplos de fatores ambientais
são o consumo de álcool e drogas pelos pais ̶ se eles já têm genes com erros no seu DNA, o
consumo de álcool ou drogas pode ativar esse erro e transmiti-lo ao novo genoma ̶ ou poluição
ambiental.

Por que hoje existe tanta atenção para os aspectos neurobiológicos do autismo?

No passado, a ideia que prevalecia era de que o autismo era um problema psiquiátrico,
um distúrbio da mente, e não um distúrbio orgânico, como se sabe que é hoje. Naquela época
não existiam estudos na área da neurobiologia simplesmente porque não existiam os recursos
para estudar o cérebro.

Atualmente existem várias técnicas que permitem visualizar e mapear o cérebro. Com
isso é possível ver o que acontece no cérebro quando uma pessoa ouve, olha, pensa, sente e
tem lembranças. Essas técnicas são chamadas de neuroimagens. Entre elas estão o raio-X, o
eletroencefalograma, a tomografia, a ressonância magnética. Além disso, os exames de autópsia
permitem ver, literalmente, como o cérebro é por dentro. Além desses recursos, temos também
o mapeamento genético.

12
A TEORIA GENÉTICA

Os cromossomos são portadores do material genético (genes). O ser humano herda


vinte e três cromossomos da mãe e vinte e três cromossomos do pai, totalizando quarenta e
seis cromossomos. Se esses cromossomos tiverem genes alterados, a criança pode apresentar
problemas como, por exemplo, o autismo. Essas alterações genéticas provavelmente acontecem
na vigésima semana de gestação, um momento crucial para o desenvolvimento do feto
(surgimento do autismo, mas também da esquizofrenia infantil). No processo de
desenvolvimento do sistema nervoso, qualquer acidente genético ou ambiental pode causar
alterações que afetam esse desenvolvimento.

Estudos recentes (Universidade de Washington) mostram que a questão genética


hereditária não é sempre a resposta para o autismo. Como se explica, por exemplo, que em
certas famílias com vários filhos apenas um deles tem autismo? Ou o caso de gêmeos, em que
um tem autismo, e o outro não? Esses casos de autismo também são causados por genes, mas
por um tipo particular, chamados de genes saltadores. Esses genes não seguem o processo de
transmissão normal, mas se instalam em partes não previstas do genoma, causando mutações.
Ou seja, temos uma causa genética, porém, não hereditária.

Esses genes saltadores causam alterações principalmente no desenvolvimento das


células-tronco e do cérebro fetal.

Em 2018 foram identificados 1019 genes relacionados ao autismo. E esse número deve
continuar a evoluir com o avanço dos conhecimentos.

13
Cromossomos com linhas de cor azul são aqueles que têm alterações genéticas do
autismo, como, por exemplo, o cromossomo 13.

Já foram identificadas várias síndromes provocadas por alterações genéticas e que


podem acompanhar o autismo:

 Síndrome do X-frágil;
 Esclerose tuberosa;
 Síndrome de Angelman;
 Síndrome de Prader Willi;
 Síndrome de Down;
 Síndrome de Cornélia de Lange;
 Distrofia muscular de Duchenne;
 Síndrome de Williams, etc.

A TEORIA NEUROQUÍMICA

Outra teoria que explica a causa neurobiológica do autismo é a teoria neuroquímica. O


funcionamento cerebral ̶ resposta às informações que chegam o tempo todo, tanto do
ambiente externo quanto do próprio corpo ̶ acontece através dos nervos que são
agrupamentos de feixes de axônios de células nervosas. Os axônios são as extensões dos
neurônios que fazem a transmissão de informações. Essa transmissão de informações se faz por
meio de duas vias: elétricas e químicas.

14
As vias elétricas são impulsos elétricos enviados pelo sistema nervoso. As vias químicas
são impulsos enviados com liberação de substâncias químicas. Essas substâncias químicas são
chamadas de neurotransmissores.

NEUROTRANSMISSORES1

Os neurotransmissores podem estimular algumas funções e suprimir outras; eles, ou


seus receptores, determinam como o cérebro funciona. Qualquer irregularidade relativa aos
neurotransmissores causa alterações no funcionamento, no comportamento das pessoas.

Há diferentes tipos de neurotransmissores. Segue uma lista dos mais conhecidos:

 acetilcolina;
 noradrenalina: regula o funcionamento da atenção, do alerta e da
velocidade das respostas;
 serotonina: regula o humor, sono, apetite, sensibilidade;
 dopamina: regula o funcionamento do pensamento complexo, da
resolução dos problemas, das emoções e dos sentimentos;
 GABA: regula a sensação de relaxamento;
 glutamato.

As pessoas com autismo apresentam um desequilíbrio dos neurotransmissores, que


não conseguem executar bem a sua função. A maioria dos medicamentos prescritos tem como
objetivo equilibrar e regular o funcionamento dos neurotransmissores. Um exemplo é o uso de
melatonina, que é uma substância que inibe a produção de adrenalina e estimula a produção de
serotonina, utilizada por pessoas que têm problemas para dormir.

1 Pós-graduação em Neuropsicopedagogia: NEUROPSICOFARMACOLOGIA E CID, Prof. Dr. Luiz


Antônio Correa, Censupeg, 2015.

15
A TEORIA ESTRUTURAL: O VOLUME DO CÉREBRO

Várias pesquisas mostram que uma das características do autismo é o volume do


cérebro. Neuroimagens e exames de autópsia comprovam que quando a criança com autismo
nasce, o seu volume cerebral, muitas vezes, é maior do que o das crianças neurotípicas. Isso
significa que elas têm um cérebro com maior número de células. Como já vimos, nos primeiros
anos de vida, o cérebro de qualquer criança continua crescendo. No caso da criança autista, que
já nasce com um cérebro maior, ele cresce mais rápido, o que aumenta ainda mais a diferença
de volume. Porém, um cérebro maior nem sempre beneficia o desenvolvimento.

As imagens da estrutura cerebral mostram que as crianças com autismo têm mais
substância cinzenta, a parte que não contém axônios, que não transmite informações. Isso pode
explicar o desequilíbrio no desenvolvimento.

Estudos também mostraram que pessoas com autismo têm um desequilíbrio de


neurônios em algumas partes, como no hipocampo, nas amígdalas, bem como um crescimento
maior de conexões nos lobos frontais.

Como já foi explicado, no fim da gestação e na primeira infância as podas neurais


programadas se aceleram, porque, se há um excesso de neurônios, o cérebro não funciona bem
e não atinge todas as fases de desenvolvimento de habilidades na primeira infância. Esse
mecanismo também funciona no cérebro autista, mas infelizmente em áreas cerebrais erradas.
As consequências se mostram no desenvolvimento da criança. Algumas crianças com autismo
começam a demonstrar atraso nas habilidades funcionais do desenvolvimento, como atraso no
desenvolvimento da fala, da socialização e do comportamento. Outras crianças demonstram

16
uma aceleração no desenvolvimento das habilidades de aprender a falar e de aprender a ler.
Nos dois casos, o desenvolvimento da criança com autismo não segue a sequência cronológica
neurotípica.

Nosso cérebro, porém, tem o que chamamos de neuroplasticidade. Neurônios podados


podem ser reativados com estimulação, o que significa que o cérebro é moldável até certo
ponto. É por isso que o estímulo é muito importante: o que não acontece hoje, pode vir a
acontecer no futuro.

O cérebro autista, portanto, é diferente do cérebro neurotípico. Precisamos entender


um pouco sobre as falhas que podem ocorrer no cérebro.

Falhas em diferentes partes do cérebro

Tronco cerebral ou tronco encefálico: funciona como um "painel de controle" de todos


os estímulos e informações que entram no organismo. Falhas nessa área podem causar:

 desequilíbrio ligado à estimulação sensorial ̶ hipossensibilidade e


hipersensibilidade;
 problemas de atenção.

Cerebelo: responsável pela coordenação dos movimentos e pela regulação dos


estímulos sensoriais. Falhas nessa área podem causar:

 problemas sensório-motores;

17
 baixo tônus muscular;
 dificuldades na coordenação motora;
 impedimentos nos movimentos de comunicação não verbal, como gestos ou
expressões faciais;
 problemas na velocidade dos processos cognitivos e nas interações sociais.

Lobo frontal: área responsável pela associação, conectada com o córtex frontal, o lobo
parietal, as amígdalas, o sistema límbico, o córtex auditivo, o córtex visual. Falhas nessa área
podem causar:

 problemas na comunicação;
 problemas no processamento auditivo e visual;
 epilepsia, convulsões (cérebro hiperconectado);
 esclerose tuberosa;
 problemas no processamento de informações, planejamento e flexibilidade
cognitiva.

Lobo temporal: responsável pela audição. Pode não haver falhas nesse lobo, mas, por
causa de defeitos em ligações, é possível que o processo auditivo seja afetado. Falhas nessa área
podem causar:

 problemas na audição e na comunicação verbal (a criança pode parecer surda,


embora não tenha problemas de audição).

Lobo parietal: responsável por estímulos sensoriais e sentidos. Falhas nessa área podem
causar:

 problemas sensoriais diversos.

Lobo occipital: responsável pela visão (distinguir primeiro e segundo plano,


luminosidade, etc). Essa é a área cerebral com menos erros em pessoas com autismo. Por isso é
necessário traduzir tudo para o concreto, para o visual.

Lobo da ínsula: responsável pelas emoções, sentimentos. Também chamado de lobo


social ou emocional. Neste lobo estão presentes as amígdalas, o sistema límbico e o hipocampo.
A função do lobo da ínsula é principalmente o autocontrole. Falhas nessa área podem causar:

 descontrole emocional

18
Aula 4. Percepção sensorial

Todo o conhecimento que temos sobre o mundo e sobre nós mesmos entra no nosso
organismo através dos sentidos.

Os sentidos são ativados por estímulos ou informações. Esses estímulos vão enviar as
informações para o cérebro e o cérebro vai transformar essas informações em conhecimento.
Esse conhecimento é o produto de tudo o que vemos, ouvimos, provamos, sentimos e
cheiramos, e a partir desse conhecimento nós vamos reagir.

A percepção é o processo de colher, interpretar e entender as informações que vêm


tanto do mundo exterior quanto do nosso próprio corpo.

O processo de percepção

O processo de percepção sempre acontece em dois momentos: a fase de sensação ou


observação e a fase de interpretação ou conhecimento.

Fase de observação ou sensação

Essa primeira fase é um processo básico: é só sensação ou experiência. Nesse momento,


nada é analisado, nada é calculado ou decifrado.

Continuamente captamos muitas sensações que diferem em intensidade e duração.

As sensações podem ser divididas em dois grupos:

 as sensações afetivas: prazer, dor;


 as sensações representativas: paladar, tato, calor, cheiro.

19
Sem percebermos, passamos para a segunda fase da percepção.

Fase da percepção sensorial

Nesta fase da percepção sensorial nós vamos fazer associações cognitivas e vamos
compará-las com modelos de tipos de sensações que já apareceram e já estão armazenados na
nossa memória. Neste momento damos significado a essa sensação ou observação. Para dar um
significado, é necessário usar o conhecimento já adquirido.

Eis alguns exemplos:

a) Reconhecer uma caneta:

 Fase de sensação: vejo um objeto fino, transparente, que tem outro objeto no
seu interior, tem uma "coisa" para encaixar em uma das extremidades, etc.
 Fase de percepção sensorial: reconheço que esse objeto é uma caneta e que ele
serve para escrever.

b) Comer pimenta:

 Fase de sensação: como a pimenta e sinto o gosto;


 Fase de percepção sensorial: sei que é ardido, quente; cuspo, choro.

20
Porém, nós não pensamos nessas duas fases: sensação e explicação (ou interpretação)
seguem-se uma à outra naturalmente.

O Sistema sensorial

Já vimos que os estímulos ou as informações entram no organismo pelos sentidos.

Existem dois tipos de estímulos:

 estímulos externos, ou os estímulos que vêm de fora do nosso corpo;


 estímulos internos, ou os estímulos produzidos pelo próprio organismo.

Nós temos cinco sentidos que processam os estímulos externos: tato, olfato, visão,
audição, paladar. E temos também dois sentidos que processam os estímulos internos:
proprioceptivo e vestibular. Portanto, não temos apenas cinco sentidos, mas, sete, e a esse
conjunto chamamos de sistema sensorial.

O papel do sistema sensorial

21
A função do sistema sensorial é alertar para o perigo, chamar a atenção para os
estímulos, registrar a informação e, finalmente, lhe atribuir um significado. Na primeira vez que
recebemos um estímulo, não sabemos ao certo como reagir, porque esse estímulo ainda não foi
analisado. Mas, uma vez que esse estímulo fica gravado, as reações começam a se tornar mais
naturais.

O ser humano tem várias reações às informações sensoriais, que vão desde o prazer até
medo que o faz evitar certos eventos.

Os estímulos emitem um sinal para chamar a atenção: a pessoa percebe o estímulo e


reage adequadamente a ele. O processo que ocorre é prestar atenção, absorver e aprender.
Dependendo da reação causada, a pessoa vai procurar novamente o estímulo ou vai evitá-lo.
Em outras palavras, a reação se torna conhecimento.

Existem estímulos que emitem um "sinal forte". Esses estímulos alertam para um perigo.
Quanto mais forte for o sinal, maior o perigo. A reação que um estímulo de perigo provoca é o
de se proteger.

Outros estímulos mandam um "sinal fraco": não chamam a atenção e podem até mesmo
passar despercebidos. Esses estímulos estão, geralmente, relacionados ao prazer.

Nós estamos continuamente expostos a estímulos, porém, nós suportamos toda essa
carga de estímulos porque nosso cérebro tem a capacidade de filtrá-los. Nós somos capazes de
nos concentrar em certos estímulos, deixando outros em segundo plano.

22
O excesso de estímulos pode causar problemas no sistema sensorial, dos quais
decorrem complicações como:

 comportamento passivo;
 isolamento social;
 hipersensibilidade;
 receio de certas situações;
 problemas de concentração;
 comportamento inadequado.

Esse tipo de dificuldades são muito comuns em pessoas com autismo porque elas não
têm os filtros que regulam o processamento de estímulos. A ausência de filtros significa que
todos os estímulos chegam com uma intensidade muito alta e isso causa confusão e caos.

23

Você também pode gostar