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O autor refere-se à obra de François-Marie Braun (in saeculum Antoine Braun), sacerdote dominicano,
exegeta, especialista no Evangelho de São João, falecido em 1980. A obra em questão: BRAUN, F.-M. Jean,
le Théologien et son évangile dans l’église ancienne. Paris: Gabalda, 1959.
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DV 18,19.
apóstolo. Mas, quando ele sublinha que este homem cresceu no judaísmo da Diáspora, pensa
evidentemente que a língua e o estilo possuem uma originalidade particular, que não pode ser
atribuída ao apóstolo João. A este discípulo helenístico do apóstolo, o qual escreveu o
evangelho, é necessário conceder uma maior autonomia; não se pode, de fato, separar a forma
do conteúdo e a língua dos conceitos. Não é necessário imaginar que ele tenha tido à disposição
somente informações estreitamente materiais do apóstolo, contidas e transmitidas em uma
ampla coleção e em parte já fixadas por escrito, mas se pode e se deve supor que ele tenha
elaborado de modo próprio as ideias conexas com a narração das ações e discursos de Jesus, e
portanto, a “interpretação apostólica” do evento salvífico; não se pode negar que o evangelista
(redator) tenha influenciado conceitualmente o conteúdo e o tenha impostado de forma
unitária, porque de outra forma ele não poderia ter cumprido o seu dever de explicar ao grupo
dos leitores, em uma forma adequadamente kerygmática, a narrativa e a mensagem do apóstolo
João. O evangelista seria, assim, de um lado, depositário da tradição e da mensagem do apóstolo
João e, de outro lado, seria ele mesmo teólogo e portador de anúncio para os leitores aos quais
se dirige.
Esta é somente uma hipótese, mas tem a vantagem de conciliar a tradição da igreja
antiga, que vê o autor no filho de Zebedeu, com os conhecimentos específicos sobre a obra que
nós hoje possuímos. Devemos verificá-la, ainda que brevemente, à luz das nossas conclusões
precedentes. No exame dos testemunhos externos da tradição, vimos que é necessário
distinguir a convicção de fundo, que remonta aos “anciãos” (presbíteros), segundo a qual João
de Zebedeu (que viveu até uma idade avançada em Éfeso na Ásia Menor) seria o autor do
evangelho de João, das lendas que se desenvolveram em torno a essa mesma convicção.
Também as opiniões, segundo as quais ele teria “ditado” o evangelho antes da sua morte,
publicando-o sob seu nome, fazem já certamente parte da configuração e objetivação da
tradição; de fato, se pode considerar que ele fosse já morto quando a redação conclusiva deixou
seu testemunho em Jo 21,24; além disso, uma solene proclamação do evangelho colide contra
uma dificuldade insuperável: no século II o evangelho de João não tinha ainda encontrado uma
acolhida favorável da parte de todos. As coisas devem ser consideradas de modo diverso, uma
vez que depois da sua morte surgiu uma obra que não revelava, à primeira vista, a origem que
descrevemos e sobre cuja publicação não existiam informações seguras.
Esta hipótese não é, evidentemente, aceita por aqueles que refutam toda a tradição da
Igreja antiga e a consideram como lenda, olhando com muito ceticismo o evangelho de João e
acreditando que seu autor seja um teólogo posterior e desconhecido, cuja “evangelho” não tem
nenhum significado para a história de Jesus, ou um recolhedor de tradições transmitidas em
determinada comunidade, talvez, também, na liturgia, e dignas de interesse ao lado da tradição
sinótica. A situação hodierna dos estudos, contudo, não dá razão a esta desvalorização da
tradição joanina; o “problema joanino” permanece, todavia, complexo e não se pode resolvê-lo
tão simplesmente como pensavam aqueles que conservaram a atribuição do evangelho ao filho
de Zebedeu. Consideramos, assim, esta solução, como uma “solução intermediária”.