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Título Original

THE
Strait Gate
O R,
Great Difficulty of Going to Heaven:
Plainly proving, by the Scriptures, that not only the rude and profane, but
many great professors, will come short of that kingdom:
with directions how and why every one should strive to enter in.
Por John Bunyan

Copyright © 2021 Editora O Estandarte de Cristo


Francisco Morato, SP, Brasil

1ª edição em português: 2021


Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora O Estandarte de


Cristo. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com
indicação da fonte.

Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações bíblicas usadas


nesta tradução são da versão Almeida Corrigida Fiel | ACF • Copyright © 1994,
1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.

Tradução: Leonardo Gonzales


Revisão e Capa: William Teixeira

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Sumário
Prefácio do Editor
Ao Leitor

1
A Porta Estreita
A Explicação dessas Palavras
A Explicação das Frases em Particular
Uma Descrição do Reino dos Céus

2
Uma Descrição da Entrada nesse Reino
Três coisas que tornam essa porta tão estreita

3
Uma Exortação para se Esforçar
para Entrar Neste Reino
Significado da palavra “ESFORÇAI”
Como devemos nos esforçar?
Por que devemos nos esforçar?

4
Motivos para se Esforçar para
Entrar Neste Reino
Significado das palavras “PORQUE… MUITOS”
Várias aplicações da palavra “MUITOS”
Como a palavra “MUITOS” é aplicada neste texto
Significado das palavras “EU VOS DIGO”
Duas coisas que acometem aos hipócritas
Significado das palavras “PROCURARÃO ENTRAR”
Por que eles procurarão entrar?
Como eles procurarão entrar?
Significado das palavras “E NÃO PODERÃO”
Observações Acerca dessas Palavras
Primeira observação: os homens argumentarão tudo que puderem
para alcançarem o reino dos céus
Segunda observação: apenas alguns dos que reivindi-carão o
reino de fato o desfrutarão como herança

5
Razões pelas quais Poucos são Salvos
Por que os mundanos miseráveis, carnais e ignorantes não podem
alcançar o céu
Razões pelas quais os falsos cristãos não podem alcançar o céu

Aplicações
Primeira Aplicação
Segunda Aplicação
Terceira Aplicação
Quarta Aplicação
Quinta Aplicação
Sexta Aplicação
Sétima Aplicação
Prefácio do Editor
Se algum escritor não inspirado tem direito ao nome de Boanerges,
filho do trovão, então ele é o autor deste tratado. Temos aqui uma
exposição muito perspicaz e fiel da estreiteza ou das dimensões
exatas da porta mais importante, pela qual não passarão para o
reino dos céus muitos daqueles que professam ser cristãos, pois
estão sobrecarregados de erros fatais. Contudo, “ela não é uma
portinha, mas uma porta suficientemente larga a ponto de permitir a
passagem de todos aqueles que verdadeiramente receberam a
graça de Deus e que amam ao Senhor Jesus Cristo em sinceridade.
E, por outro lado, ela é tão estreita que não permitirá a entrada de
nenhum outro”. Esse tema foi projetado para despertar e encorajar
todos aqueles que verdadeiramente professam a fé no Senhor
Jesus Cristo a um autoexame solene. Também foi peculiarmente
destinado a atacar e corrigir convicções de multidões de hipócritas
que se autodenominavam cristãos no tempo de Bunyan,
especialmente sob os reinados posteriores dos Stuarts.
Durante o Protetorado, a maldade foi combatida e esgueirou-
se para as frestas e cantos da Cidade da Alma Humana;[1] mas
quando um monarca depravado,[2] que havia se refugiado na mais
licenciosa corte da Europa, foi chamado para ocupar o trono de
seus pais, os devassos mais dissolutos e profanos grassaram
livremente pela nação. O vício foi incentivado publicamente,
enquanto a virtude e a verdadeira piedade foram abertamente
tratadas com zombaria e desprezo. Bunyan diz com justiça: “O texto
requer gravidade, assim como os tempos”. “O reino está cheio
daqueles cuja religião se baseia em algumas circunstâncias
exteriores”. Quando estiverem de pé diante da porta, eles “tremerão
como se estivessem em um pântano: sua fé fingida e suas falsas
demonstrações de amor, seriedade e palavras piedosas não serão
capazes de mantê-los firmes. Alguns falsos cristãos fazem com o
evangelho exatamente como as pessoas fazem com suas melhores
roupas: deixam-nas em seus guarda-roupas durante toda a semana,
e as vestem aos domingos. Eles as deixam guardadas até que
precisem ir a uma reunião, ou quando vão se encontrar com algum
homem piedoso”. Tal estado da sociedade exigia uma correção
peculiar, e Bunyan pregou e publicou, em 1676, essa dura
advertência aos hipócritas.
Nenhum assunto poderia ser mais oportuno do que “a porta do
céu” e “as dificuldades de entrar por ela”. Esse é um assunto do
mais profundo interesse para toda a humanidade:
(1.) Para estimular os descuidados a buscarem e entrarem
pela porta dessa única cidade que pode nos servir de refúgio da
miséria eterna;
(2.) Para encher o coração dos filhos de Deus de amor e
alegria em suas esperanças de uma imortalidade bem-aventurada;
(3.) Para atormentar os hipócritas com a terrível ideia de que
encontrarão aquela porta fechada para eles para sempre. Naquele
dia, os gritos e lágrimas dos hipócritas serão em vão, eles ficarão do
lado de fora e clamarão veementemente: “Senhor, Senhor, abre-
nos”, seus clamores serão inúteis, “os demônios estão vindo;
Senhor, Senhor, o abismo abriu a sua boca contra nós; Senhor,
Senhor, se não tiveres misericórdia de nós, nosso destino será o
inferno e a condenação”. Eles eram hipócritas que fingiam ter
encontrado a porta e o caminho para o céu, que se passavam por
peregrinos em busca de uma pátria melhor, um país celestial —
essas vítimas iludidas serão, entre todos os homens, as mais
miseráveis.
A fidelidade leva os ministros de Cristo a lidarem com as
almas dos homens, e podemos dizer que, neste tratado, John
Bunyan é preeminentemente fiel. Leitor, ele estará livre do seu
sangue. Medite na seguinte indagação solene: Eu encontrei a porta?
Eu serei admitido ou excluído desse reino bendito? (Aquele que é
abertamente profano não pode ter nenhuma esperança.) Você
professa ser um cristão verdadeiro? — Cuidado, uma profissão
hipócrita é perigosa. Será inútil insistir em dizer: “Não profetizamos
nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios?”
(Mateus 7:22). Não importa o que professam com os lábios, não há
esperança de entrar pela porta para aqueles que são secretamente
profanos. Os únicos a serem admitidos a passarem pela porta são
aqueles que o Senhor sabe que lhe pertencem, as ovelhas de seus
pastos, as quais ouviram sua voz e a obedeceram. A porta será
fechada contra todos os outros, e eles serão conduzidos para as
trevas eternas após ouvir estas palavras terríveis: “Nunca vos
conheci; apartai-vos de mim” (Mateus 7:23).
Quando a seguinte pergunta for sugerida às nossas mentes:
“São poucos os que se salvam?” (Lucas 13:23), que possamos fixar
a sua resposta em nossas consciências: “Esforçai-vos por entrar
pela porta estreita” (Lucas 13:24). É muito provável que ao pregar
sobre esse texto, Bunyan tenha sido atacado sob a alegação de ter
sido muito duro. O Sr. Doe narra uma anedota da seguinte maneira
em The Struggler: “Enquanto o Sr. Bunyan estava pregando em um
celeiro e demonstrando quão poucos são os que serão salvos, lá
estava um dos eruditos buscando se beneficiar de suas palavras;
após a pregação o acadêmico lhe disse: ‘Você é um enganador, um
homem sem amor e, portanto, não está apto para pregar; pois
aquele que com efeito condena a maior parte de seus ouvintes, não
tem amor e, portanto, não está apto para pregar’”. Ao que o Sr.
Bunyan respondeu: “O Senhor Jesus Cristo pregou de dentro de um
navio para os seus ouvintes que estavam na praia (Mateus 13), e
demonstrou que eles eram como quatro tipos de solo, o solo duro
que serve de caminho, o pedregoso, o espinhoso e o bom, mas
somente aqueles que são representados pelo solo bom é que são
salvos. Mas você diz: ‘aquele que com efeito condena a maior parte
de seus ouvintes, não tem amor e, portanto, não está apto para
pregar’. Porém, essa passagem bíblica relata que o Senhor Jesus
Cristo fez isso, então sua conclusão é: ‘O Senhor Jesus Cristo não
tinha amor e, portanto, não estava apto para pregar o evangelho’.
Que blasfêmia horrível; cale sua lógica infernal e que falem as
Escrituras”. De uma coisa estamos certos: enquanto falsos crentes
de coração vazio se incomodam quando os interesses de suas
almas são fielmente tratados, o cristão humilde e sincero ficará
muitíssimo agradecido por tais indagações perscrutadoras, pois, se
ele estiver errado, poderá ser corrigido antes que seu destino final
seja irrevogavelmente fixado. Submetamos nossas almas a uma
meditação bíblica a respeito dessa porta e dos termos sob os quais
ela pode ser aberta para nós.
As dificuldades que impedem “muitos” de entrar são:
1. Esquecimento de que só podemos entrar no céu com a
permissão da lei, de que todo ponto e vírgula devem ser cumpridos.
Ora, mesmo se pudéssemos viver desde nossa conversão até
nossa morte prestando a mais santa obediência a todos os seus
preceitos, ainda assim, por já os havermos violado anteriormente,
não apenas nossos pecados devem ser purificados pelo sangue da
expiação, mas nós também, como parte do corpo de Cristo,
devemos, nele, prestar uma obediência perfeita.
2. Além da relutância de nossos corações em nos
submetermos a essa justiça perfeita, somos atribulados
externamente por tentações e perseguições. “O mundo fará o
possível para mantê-lo fora do céu através de suas zombarias,
escárnios, insultos, ameaças, prisões, forcas, queimaduras e mil
tipos mortes; portanto, esforce-se! E se o mundo não puder vencê-lo
com isso, ele vai lisonjear, fazer promessas, seduzir, suplicar e usar
mil enganos semelhantes para destruí-lo; muitos dos que foram
fortes o suficiente para resistir às ameaças do mundo, e ainda
assim, foram vencidos pelas bajulações dele. Ah, que pela graça de
Deus possamos escapar de todos esses inimigos e, assim, nos
esforcemos para entrar no gozo de nosso Senhor”.
George Offor
Ao Leitor
Querido leitor,
Creio que Deus tem colocado em meu coração o desejo de lhe
escrever sobre assuntos da maior importância, pois agora não
falamos sobre temas controversos entre os cristãos, mas sobre as
questões que tratam diretamente da salvação ou da condenação da
alma. Além disso, este livro discorre sobre o fato de que poucos
serão salvos e busca provar que muitos daqueles que se chamam
de “cristãos” não herdarão a vida eterna. Portanto, alguns
considerarão que o assunto será polêmico e o odiarão, mas peço
que você não o ignore. O texto exige ousadia, assim como os
tempos; e o fiel cumprimento de meu dever para você me obriga a
isso.
Eu não me alegro nisso, mas lamento. E seria bom que você
também pudesse, graciosamente, se lamentar (Mateus 11:17).
Costuma-se dizer que alguns tornam a porta do céu muito larga, e
outros a torna muito estreita; de minha parte, apresentarei a
verdadeira medida dela conforme eu a vejo na Palavra de Deus.
Portanto, leia o que escrevo e o compare com a Bíblia. E se você
descobrir que minha doutrina está de acordo com o Livro de Deus,
aceite-a, pois você prestará contas no dia do juízo se fizer o
contrário. O objetivo desta obra, se Deus assim quiser, é despertá-lo
e feri-lo para que você seja curado pelo sangue de Jesus; é
perturbá-lo, para que você obtenha a paz pelo sangue de Cristo. Se
tudo que você tiver for tirado, por se tratar de vaidades (pois este
livro não foi escrito para privar ninguém da verdadeira graça), então
compre de Cristo o “ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e
roupas brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da
tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas”
(Apocalipse 3:18).
Lisonjear e iludir a si mesmo é algo fácil, mas condenável.
Que o Senhor lhe conceda um coração para julgar corretamente a si
mesmo, e que este livro sirva para lhe preparar para a eternidade,
para que você não apenas espere entrar, mas seja realmente
recebido no reino de Cristo e de Deus. Amém.
Essa é a oração de seu amigo,
John Bunyan.
1
A Porta Estreita
“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita;
porque eu vos digo que muitos procurarão entrar,
e não poderão” (Lucas 13:24).

Estas são as palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto,


devem ser ouvidas com atenção especial. Além disso, elas falam
sobre o tema mais importante, a saber, como podemos alcançar a
salvação e, portanto, esse é mais um motivo para serem ouvidas
atentamente.
O contexto dessas palavras se deu devido a uma pergunta
feita a Jesus Cristo por alguém que estava na companhia dos
discípulos naquele momento: “Senhor, são poucos os que se
salvam?” (v. 23). Essa é uma pergunta muito séria — diferente de
muitas que são feitas hoje em dia cujo objetivo é a perversão dos
ouvintes — que em si mesma tendia a despertar o seu público para
o bem e exigia uma resposta que beneficiasse os outros ouvintes.
Essa pergunta agradou a Jesus Cristo, e ela recebeu uma resposta
tão completa que acabou por esclarecer todos aqueles que
possuíam a mesma dúvida: “E ele lhe respondeu: Esforçai-vos por
entrar pela porta estreita…”. Essas palavras serviram tanto de
resposta como de instrução. Em primeiro lugar, essa foi uma
resposta afirmativa, a porta é estreita, muitos procurarão entrar por
ela e não poderão, portanto, poucos serão salvos. Em segundo
lugar, essa resposta também servia como uma instrução: “Esforçai-
vos por entrar…”. Oro para que Deus ajude a mim, ao leitor e a
todos os que amam sua própria salvação a observarem essa
instrução.
Exporei tais palavras da seguinte maneira: Em primeiro lugar,
as explicarei; e então, em segundo lugar, faremos algumas
observações sobre elas.

A Explicação dessas Palavras


Em primeiro lugar, devemos considerá-las com respeito ao
seu escopo geral; e então, em segundo lugar, as consideraremos
com relação às suas frases em particular.
Em primeiro lugar, consideraremos o escopo geral do texto e o
seu grande tema, a salvação, pois essas palavras imediatamente
apontam e dão instruções sobre a salvação: “São poucos os que se
salvam? Esforçai-vos por entrar pela porta estreita…”.
Essas palavras servem para nos direcionar não apenas a
falarmos ou a desejarmos a salvação, mas a entendermos como
seremos salvos e a buscar tal salvação para que possamos ser
efetivamente salvos; e, portanto, o assunto sobre o qual elas tratam
possui a maior importância: Ser salvo! Ser salvo do quê? Ser salvo
do pecado, do inferno, da ira de Deus, da condenação eterna e, por
outro lado, ser herdeiro de Deus, de sua graça, de seu reino e da
glória eterna. Tudo isso está incluído nessa única palavra, “salvo”, e
na resposta à pergunta: “São poucos os que se salvam?”. Na
verdade, a palavra “salvo” possui pouca utilidade para o mundo,
exceto para aqueles que verdadeiramente temem a condenação.
Essa palavra está na Bíblia assim como os melhores remédios
estão nas casas de alguns homens, guardados em seus armários e
esquecidos ali por meses, pois as pessoas da casa não se feriram
ou machucaram. Mas quando a enfermidade chega, o que pode ser
mais desejável do que os remédios? Contudo, logo que a saúde é
restaurada, os remédios voltam para o seu lugar de esquecimento.
Quando os homens estão cansados do pecado e com medo
da condenação, quão maravilhosos são aqueles textos da Palavra
de Deus que contém a palavra “salvo”! Que palavra será mais
importante, graciosa ou bendita para aquele que é atormentado
continuamente por uma consciência culpada? “Os sãos não
necessitam de médico” (Marcos 2:17). Somente esse tipo de
homem sabe o que significa a palavra “salvo”, e sabe o que significa
inferno, morte e condenação. “O que devo fazer para ser salvo?”[3]
— essa é a linguagem do pecador trêmulo. “Senhor, salve-me”[4] —
essa é a linguagem do pecador que está afundando; e ninguém
pode admirar a glória contida na palavra “salvo”, senão aqueles que
chegam a ver que, sem a salvação, todas as coisas no céu e na
terra são vãs. Por outro lado, aqueles que creem serem
privilegiados pelas bênçãos que acompanham essa palavra,
bendizem e adoram ao Deus que os salvou. Portanto, visto que o
principal assunto tanto na pergunta quanto na resposta não é nada
menos do que a salvação da alma, suplico que prestem a maior
atenção possível (Hebreus 12).

A Explicação das Frases em Particular


Em segundo lugar, para que possamos analisar as frases
específicas contidas nessa passagem e, então, tratá-las
apropriadamente, consideremos quatro coisas: Primeira, uma
sugestão do reino dos céus. Segunda, uma descrição da entrada
nesse reino. Terceira, uma exortação para a entrada nesse reino. E,
quarta, um motivo para considerarmos essa exortação.

Uma Descrição do Reino dos Céus


Primeiro, uma referência ao reino dos céus; quando o Senhor
Jesus diz: “Esforçai-vos por entrar”, e frases semelhantes, supõe-se
que um lugar ou um estado, ou ambos, devem ser desfrutados.
“Entrar” em quê, ou onde, em um estado ou um lugar, ou ambos?
Portanto, sempre que ler a palavra “entrar” você deve admitir que
certamente está incluído no texto algo a ser aproveitado que ainda
não tenha sido dito expressamente. “Entrar” no céu — esse é o
significado — onde os salvos estão e estarão. O céu é aquele lugar
glorioso onde Deus, Cristo e os anjos estão, bem como as almas ou
espíritos dos justos aperfeiçoados. “Entrar” naquilo que deve ser
desfrutado, embora não expresso em palavras, e que é chamado
em outro lugar de o Monte Sião, a Jerusalém celestial, a assembleia
geral e a igreja dos primogênitos que estão escritos no céu
(Hebreus 12:23). E, portanto, essas palavras nos dão a entender
que há um estado muito glorioso e que, quando este mundo
terminar, esse lugar e estado devem ser desfrutados e herdados por
uma geração de homens para todo o sempre. Além disso, “entrar”
significa que a salvação plena só será desfrutada quando
chegarmos lá, e que é somente ali que existe segurança eterna.
Todos os outros lugares e condições são perigosos e estão repletos
de armadilhas, imperfeições, tentações e aflições, mas ali tudo
estará bem, não haverá demônio para tentar, nem um coração
desesperadamente perverso para nos fazer tropeçar, nenhuma
concupiscência enganosa para nos enredar, nem qualquer mundo
ilusório para nos seduzir. Ali tudo ficará bem por toda a eternidade.
Além disso, todas as partes e circunstâncias que acompanham a
salvação só serão desfrutadas ali; é somente lá que existe
imortalidade e vida eterna; é o estado da glória e a plenitude de
alegria e deleites eternos; gozaremos da visão de Deus e de Cristo
com nossos próprios olhos; lá estão os anjos e os santos; outrossim,
lá não há morte, nem doença, nem tristeza para todo o sempre; não
há dor, nem perseguidores e nem escuridão para eclipsar nossa
glória. Ah quão desejável é esse Monte Sião e essa Jerusalém
celestial! (2 Coríntios 5:1-4; Salmos 16:11; Lucas 20:35- 36;
Hebreus 12:22-24).
Vede, portanto, que coisa maravilhosa o Senhor Jesus se
refere através dessa pequena palavra “entrar”. Nessa palavra está
envolvido todo um céu e uma vida eterna; assim como também
acontece com outras pequenas palavras nas Sagradas Escrituras
da verdade, como quando ele diz: “Batei, e abrir-se-vos-á” (Mateus
7:7), e “os eleitos o alcançaram” (Romanos 11:7). Isso deve nos
ensinar não apenas a ler, mas a meditar sobre aquilo que lemos;
não apenas a ler, mas a elevar nossos corações a Deus na leitura;
pois se não prestarmos atenção, se o Espírito não nos conceder luz
e entendimento, podemos facilmente ignorar, sem qualquer
consideração, uma palavra que pode trazer consigo um reino
glorioso e a salvação eterna. Frequentemente, como é o caso com
nosso texto, todo um céu é intencionado, mesmo sem ser
mencionado explicitamente. Os apóstolos costumavam extrair
grandes verdades das Escrituras, mesmo que não estivessem
expressas na própria ordem ou contexto imediato do texto (Leia
Romanos 4:9-11; Gálatas 3:16-17; Hebreus 8:13).
2
Uma Descrição
da Entrada nesse Reino
Assim como temos aqui uma referência ao reino dos céus, assim
também temos uma descrição da entrada nesse reino, através de
uma analogia dupla:
1. Essa entrada é chamada de porta;
2. Uma porta estreita – “Esforçai-vos por entrar pela porta
estreita”.
1. Essa entrada é chamada de porta
1. É apresentada uma analogia com uma porta. Uma porta,
como se sabe, possui duas utilidades. Serve para abrir e para fechar
e, consequentemente, para deixar entrar ou de impedir a entrada; e
ambas as ações devem ser executadas em seu tempo apropriado,
como está escrito: “Não se abram as portas de Jerusalém até que o
sol aqueça”, e novamente lemos: “Ordenei que as portas fossem
fechadas; e mandei que não as abrissem até passado o sábado”
(Neemias 7:3, 13:19-20). Assim, acontece também com relação à
porta do céu, pois quando as cinco virgens prudentes chegaram, a
porta foi aberta, mas depois vieram as outras virgens, e a porta foi
fechada (Mateus 25). Portanto, a entrada no céu é chamada de
porta, para nos mostrar que haverá um tempo em que ela estará
aberta, mas chegará um tempo em que ela estará fechada; e, de
fato, esta é a principal verdade contida no texto: “Esforçai-vos por
entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos procurarão
entrar, e não poderão”. Vemos nas Escrituras uma porta pela qual
devem entrar aqueles que vão para o céu.
(1.) Existe a porta da fé, a porta que a graça de Deus abriu
aos gentios. Essa porta é Jesus Cristo, como ele mesmo assim
testifica, dizendo: “Eu sou a porta” (João 10:9; Atos 14:27). Por meio
dessa porta os homens entram no favor e na misericórdia de Deus e
encontram perdão, através da fé, no sangue de Cristo e vivem na
esperança da vida eterna. Portanto, ele mesmo também disse: “Eu
sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á”, isto é, receberá
misericórdia e herdará a vida eterna (João 10:9).
(2.) Existe outra porta, a saber, a passagem para o próprio
céu; a entrada da mansão celestial, e essa é a porta mencionada no
texto, e a porta mencionada duas vezes no versículo seguinte. Foi
assim que Jacó a chamou quando disse que Betel era a casa de
Deus e a porta do céu, isto é, a entrada, pois ele viu a entrada do
céu. Uma das extremidades da escada de Jacó ficava em Betel, a
casa de Deus, e a outra alcançava a porta do céu (Genesis 28:10-
17). A escada de Jacó era uma figura de Cristo, essa escada não
era a porta do céu, mas o caminho da igreja para aquela porta que
ele viu no topo da escada (Gênesis 28:12; João 1:51). Para
confirmar que a porta mencionada em nosso texto é a porta ou
entrada para o céu, considere o seguinte:
a. Essa porta permite que os homens entrem, ou proíbe que
eles passem para aquele lugar ou reino onde Abraão, Isaque e Jacó
estão, a saber, o paraíso no qual Cristo prometeu que o ladrão
estaria com ele naquele mesmo dia, e que o ladrão desejou estar
quando pediu para estar com Cristo quando este viesse em seu
reino. Esse é aquele lugar para o qual Paulo foi arrebatado e ouviu
palavras que eram proibidas ou impossíveis de serem pronunciadas
por um homem (Lucas 13:28, 23:42; 2 Coríntios 12:1-6).
Pergunta: Mas Cristo não é a porta ou a entrada para esse
lugar celestial?
Resposta: À parte de Cristo nenhum homem poderia chegar
ao céu, porque é pelos méritos dele que os homens alcançam o
mundo vindouro e também é por ele, que o Pai concede a entrada
no reino a quem ele quer. Além disso, esse lugar é chamado de sua
casa, e ele mesmo é chamado de o pai de família: “Quando o pai de
família se levantar e cerrar a porta” (Lucas 13:25). Mas costumamos
dizer que o dono da casa não é a porta. Então, os homens entram
no céu por meio dele não na qualidade de a porta ou a entrada da
mansão celestial, mas por meio dele enquanto o dono e doador
desse reino para aqueles que ele considera dignos, pelo fato de
haver adquirido o reino para eles.
b. Quanto ao fato de que essa porta ser a própria passagem
para o céu, considere que o texto tem uma referência especial ao
dia do juízo, quando Cristo terá posto de lado seu ofício de
Mediador, o qual ele exerceu anteriormente para trazer à fé seus
eleitos; e então agirá não como quem justifica os ímpios, mas como
quem julga os pecadores. Então ele se levantará do seu trono de
graça, fechará a porta contra todos os que não se arrependeram
dos seus pecados, se assentará em seu trono de julgamento e
então lidará com os ímpios.
Objeção: Cristo ordena que nos esforcemos: “Esforçai” agora
“por entrar pela porta estreita”, mas se essa porta for como você diz
que é, ou seja, uma porta ou entrada para o céu, então os nossos
esforços até o dia do julgamento serão vãos, pois não poderemos
entrar por aquela porta antes disso.
Resposta: Cristo, ao nos exortar a nos esforçarmos para
entrarmos pela porta, não nos dá qualquer desculpa para sermos
negligentes com nossa própria salvação, antes ele busca levar as
pobres criaturas a se prepararem para o julgamento, e as aconselha
a obterem agora aquelas coisas que então lhes concederão entrada
na glória. Essa exortação é muito parecida com esta outra: “Por
isso, estai vós apercebidos também; porque o Filho do homem há
de vir à hora em que não penseis… e as que estavam preparadas
entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta” (Mateus
24:44, 25:10).
De modo que, quando ele diz: “Esforçai-vos por entrar”, é
como se dissesse: Bem-aventurados aqueles que serão admitidos
naquele dia para entrar no reino dos céus; contudo, aqueles que
serão considerados dignos de um favor tão indescritível, devem
estar bem preparados e habilitados para isso de antemão. A hora de
se preparar não é o dia do julgamento, mas o dia da graça; não
depois, mas agora. Portanto, esforce-se agora para obter aquelas
coisas que lhe darão entrada no reino celestial.
2. Essa entrada é chamada de porta estreita
2. Assim como ela é chamado de porta, também é chamada
de porta estreita: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”.
A estreiteza desta porta não deve ser entendida de modo
carnal, mas místico. Você não deve entender isso como se a
entrada do céu fosse uma portinha minúscula; não, a estreiteza
dessa porta consiste em outra coisa. Essa porta é larga o suficiente
para todos aqueles que amam verdadeiramente, de forma graciosa
e sincera, a Jesus Cristo, mas tão estreita que nenhum outro é
capaz de passar por ela: “Abri-me as portas da justiça; entrarei por
elas, e louvarei ao Senhor. Esta é a porta do Senhor, pela qual os
justos entrarão” (Salmos 118:19-20). Portanto, através dessa
expressão, Cristo Jesus nos ensinou que sem as devidas
qualificações não há possibilidade de entrar no céu; a porta estreita
manterá todos os outros fora dali. Quando Cristo contou essa
parábola, sem dúvida ele tinha em mente alguma passagem, ou
passagens, do Antigo Testamento com a qual os judeus estavam
bem familiarizados. Mencionarei duas delas:
(1.) A passagem que relata que Deus expulsou Adão e sua
esposa do paraíso. Possivelmente, nosso Senhor poderia estar com
essa narrativa em mente; pois a passagem do Jardim foi larga o
suficiente para eles saírem, mas estreita demais para que
pudessem entrar novamente. Mas qual foi a razão disso? Ora, eles
pecaram; e, portanto, Deus “pôs querubins ao oriente do jardim do
Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o
caminho da árvore da vida” (Gênesis 3:24). Os querubins e a
espada flamejante fizeram com que a entrada do paraíso se
tornasse estreita demais para que pudessem entrar novamente. Ó
almas, há querubins e uma espada flamejante nas portas do céu,
guardando o caminho da árvore da vida; portanto, ninguém, a não
ser os que estão devidamente habilitados para o céu, podem entrar
por essa porta estreita; a espada flamejante manterá todos os
outros fora. “Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino
de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os
adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões,
nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os
roubadores herdarão o reino de Deus” (1 Coríntios 6:9-10).
(2.) Talvez nosso Senhor tivesse em mente as portas do
templo quando proclamou essas palavras ao povo; pois embora as
portas do templo tivessem seis côvados de largura, ainda assim,
eram tão estreitas que nenhum impuro poderia entrar por elas
(Ezequiel 40:48), porque foram estabelecidos porteiros, cujo ofício
era garantir que ninguém passasse por ali, senão os que tinham o
direito de entrar. Por isso está escrito que Joiada “pôs porteiros às
portas da casa do Senhor, para que nela não entrasse ninguém
imundo em coisa alguma” (2 Crônicas 23:19). Ó almas, Deus possui
seus porteiros às portas do templo, às portas do céu; porteiros que
foram colocados ali por Deus para garantir que não entrasse
nenhum daqueles que forem encontrados impuros devido a
qualquer coisa. Ninguém cujo comportamento seja profano ou
indecente para a religião pode passar pelas portas da igreja; embora
eles reivindiquem serem amados por Deus: “Que direito tem a
minha amada na minha casa”, diz o Senhor, “visto que com muitos
tem cometido grande lascívia” (Jeremias 11:15).
Estou inclinado a acreditar que nosso Senhor Jesus Cristo
tinha esses dois textos em mente, quando disse que a porta era
estreita, e o que me dá certa confiança nisto é que, um pouco
depois, ele diz: “Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes
Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e
vós lançados fora” (Lucas 13:28). A expressão “lançados fora”
sugere um ato violento pelo qual serão rejeitados com grande rigor
aqueles que queriam passar, embora não fossem qualificados. Os
porteiros do templo deveriam ser homens de força e coragem, bem
como tinham o dever de usar suas armas, se necessário, para
impedir que aqueles que não fossem santificados ou qualificados
entrassem no templo. Lemos, no livro de Apocalipse, sobre a cidade
santa, e que ela possui doze portas, e em suas portas estão doze
anjos; mas o que eles fazem ali? Ora, entre outras coisas, eles
devem garantir que “não entrará nela coisa alguma que contamine,
e cometa abominação e mentira” (Apocalipse 21:12, 27).

Três coisas que tornam essa porta tão estreita


De modo mais específico, observaremos o que torna essa
porta tão estreita. Há três coisas que a tornam estreita: 1. O pecado.
2. A palavra da lei. 3. Os anjos de Deus.
1. O pecado: há o pecado do ímpio e o pecado do falso
cristão.
(1.) O pecado do ímpio. Não há necessidade de nos determos
neste ponto, pois é reconhecido por todos, onde se encontra a
crença comum acerca da existência de Deus e do julgamento
vindouro, que “os ímpios serão lançados no inferno, e todas as
nações que se esquecem de Deus” (Salmos 9:17).
(2.) O pecado do falso cristão, ou melhor, daquele que se
chama de cristão, mas permanece com o coração e a vida não
santificados. O pecado deles afetará a salvação de suas almas, e o
pecado acaba sendo o lado mais pesado da balança. Quando digo
que o pecado é o que mais pesa na balança quero dizer que é ao
pecado que eles se inclinam e então, apesar de fazerem uma
gloriosa profissão de fé, acabam lançados na perdição e na
destruição; pois nenhum desses tem qualquer herança no reino de
Cristo e de Deus; portanto, “ninguém vos engane com palavras vãs;
porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da
desobediência”, nenhuma profissão de fé meramente exterior
poderá salvá-los (Efésios 5:3-6). A porta será estreita demais para
que pessoas como essas passem por ela. Tais homens podem até
participar de algumas coisas relativas à salvação, mas não da
salvação em sua totalidade. Deus livrou os filhos de Israel do Egito,
porém os condenou no deserto: “Mas quero lembrar-vos, como a
quem já uma vez soube isto, que, havendo o Senhor salvo um povo,
tirando-o da terra do Egito, destruiu depois os que não creram”
(Judas 5). Assim, entendemos que, apesar do início que tiveram,
“não puderam entrar por causa da sua incredulidade” (Hebreus
3:19).
2. Há a palavra da lei, e ela tornará a porta estreita também.
Ninguém entrará por ela, exceto aqueles que possuem a permissão
da lei; pois embora nenhum homem seja, ou possa ser justificado
pelas obras da lei, contudo, a menos que a justiça e a santidade,
pelas quais eles tentam entrar nesse reino, sejam aprovadas pela
lei, é em vão que eles desejarão passar por essa porta estreita. Ora,
a lei não justifica, senão somente por causa da justiça de Cristo; se,
portanto, alguém não for realmente achado nessa justiça, então
descobrirá que a lei serve apenas para bloquear sua passagem para
o céu. As obras de cada homem devem ser provadas pelo fogo,
para que se manifeste de que natureza elas são. Dois erros a
respeito da lei são comuns: o primeiro erro é cometido quando os
homens pensam que são capazes de passar pela porta estreita
devido à justiça da lei; o segundo, quando os homens pensam que
podem entrar no céu sem a permissão da lei. Ambos estão errados;
pois, assim como pelas obras da lei nenhuma carne será justificada,
assim também sem o consentimento da lei nenhuma carne será
salva: “Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til jamais
passará da lei, sem que tudo seja cumprido” (Mateus 5:18). Aquele
que não pode ser salvo pelo consentimento da lei deve, portanto,
ser condenado.
E, de fato, essa lei é aquela espada flamejante que se move
para todas as direções.[5] Até hoje essa espada se interpõe no
caminho para o céu, como uma barreira para todos os incrédulos e
hipócritas não santificados; e ela é removida do caminho apenas
para os verdadeiros piedosos. Mas, para todos os outros, ela é
como um leão feroz, pronto para devorá-los. Portanto, devido à lei, a
porta será considerada estreita demais para os ímpios entrarem.
Quando o apóstolo disse aos coríntios: “Não sabeis que os injustos
não hão de herdar o reino de Deus?”, e que haviam pessoas entre
eles que haviam sido assim, ele acrescenta, “mas haveis sido
lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados
em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus” (1
Coríntios 6:9-11). Concluímos, então, que se eles não tivessem sido
lavados, santificados e justificados, em nome do Senhor Jesus, a lei
os teria mantido fora devido às suas transgressões. A lei teria
tornado a porta estreita demais para que eles pudessem entrar.
3. Os anjos de Deus também tornam a porta estreita. O
Senhor Jesus chama o fim do mundo de sua colheita, e diz que os
anjos são seus ceifeiros. Esses anjos tem o dever de reunir o trigo
em seu celeiro, mas também de juntar os ímpios em feixes para
queimá-los (Mateus 13:39-41, 49). Portanto, a menos que o homem
não santificado possa subjugar a lei e vencer os anjos; a menos que
ele possa, por assim dizer, tirá-los da porta do céu, ele mesmo
jamais entrará ali. Ninguém vai para o céu, a não ser com a ajuda
dos anjos — refiro-me ao dia do julgamento. Pois o Filho do homem
“enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais
ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à
outra extremidade dos céus” (Mateus 24:31). Se os únicos a
entrarem pela porta estreita são aqueles que serão conduzidos
pelos santos anjos, então o que será daqueles homens que
desejarem passar por ali, mas a respeito dos quais os anjos foram
ordenados a os ajuntar e os “atar em molhos para os queimar”.
Essa, portanto, é uma terceira dificuldade. Os anjos tornarão essa
entrada estreita demais para que o não justificado e o não
santificado entrem por ela.
3
Uma Exortação para se Esforçar
para Entrar Neste Reino
Chegamos à exortação, que é, “Esforçai-vos por entrar pela porta
estreita” (Lucas 13:24). Essas palavras foram acrescentadas de
modo muito apropriado, pois, visto que a porta é estreita, segue-se
que aqueles que desejam entrar por ela, devem se esforçar.
A palavra “esforçai” dá entender que a ociosidade excessiva é
algo natural aos que se chamam falsamente de cristãos — eles
pensam que vão para o céu mentindo para si mesmos. Essa palavra
também sugere que haverá muitas dificuldades a serem enfrentadas
por aqueles que se chamam cristãos antes de chegarem ao céu. A
partir dela também se conclui que apenas o cristão esforçado, seja
homem ou mulher, chegará lá. “Esforçai-vos…”.
Vou propor três perguntas acerca dessa palavra, a resposta
para cada uma delas deve nos ajudar a entender seu significado:
I. O que a palavra esforçai significa?
II. Como devemos nos esforçar?
III. Por que devemos nos esforçar?

Significado da palavra “ESFORÇAI”


1. O que essa palavra significa?
Resposta:
(1.) Quando ele diz, “esforçai”, é o mesmo que dizer, “trabalhe
com todas as suas forças”: “Tudo quanto te vier à mão para fazer,
faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu
vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria
alguma.” (Eclesiastes 9:10). Foi assim que Sansão agiu quando
destruiu os filisteus; “E inclinou-se com força” (Juízes 16:30). Assim
também fez Davi, quando providenciou o necessário para a
edificação do templo de Deus (1 Crônicas 29:2). E você deve agir
assim também, se quiser um dia entrar nos céus.
(2.) Quando ele diz, “esforçai”, ele se refere à mente e à
vontade dos homens, para que se dediquem a buscar a ele e ao
reino dos céus; pois não há quem se esforce, de fato, a não ser
aqueles que deram o seu coração ao Filho de Deus, do qual a
mente e a vontade são uma parte principal; pois a conversão para a
salvação consiste muito mais em converter a mente e a vontade
para Cristo, e para amar as coisas celestiais, do que em todo
conhecimento e discernimento. O apóstolo afirma isso quando diz:
“Estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo
ânimo…” (Filipenses 1:27).
(3.) E, mais particularmente, essa palavra é expressa por
vários outros termos: (a.) “Correi de tal maneira que o alcanceis” (1
Coríntios 9:24-25); (b.) “Milita a boa milícia da fé, toma posse da
vida eterna” (1 Timóteo 6:12); (c.) “Trabalhai, não pela comida que
perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna” (João
6:27); (d.) “temos que lutar... contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas deste século” (Efésios
6:12). Portanto, quando ele diz: “Esforçai”, é o mesmo que dizer:
“Corra para o céu, lute pelo céu, trabalhe pelo céu, ou você acabará
fora dele”.

Como devemos nos esforçar?


2. A segunda pergunta é: Como devemos nos esforçar?
Resposta: De forma geral, a resposta é que você deve se
esforçar de forma legítima: “E, se alguém também milita, não é
coroado se não militar legitimamente” (2 Timóteo 2:5).
Mas você pergunta ainda, o que é se esforçar de forma
legítima?
Eu respondo:
1. É lutar contra todas as coisas que são abomináveis ao
Senhor Jesus; é resistir até derramar seu sangue, lutando contra o
pecado (Hebreus 12:4). É renunciar a todas as coisas que são
condenadas pela Palavra como coisas abomináveis — mesmo que
para isso você precise cortar sua própria mão, olho ou pé — e
buscar suprimi-las completamente empregando todos os meios
piedosos (Marcos 9:43, 45, 47).
2. Se esforçar legitimamente é se esforçar para cumprir tudo
aquilo que é ordenado pela Palavra: “Mas tu, ó homem de Deus,
foge destas coisas, e segue” — isto é, se esforce para segui-las —
“a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão. Milita a
boa milícia da fé, toma posse da vida eterna…” (1 Timóteo 6:11-12).
3. Aquele que busca se esforçar legitimamente deve, portanto,
ser virtuoso em todas as coisas boas e lícitas desta vida: “E todo
aquele que luta de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma
coroa corruptível; nós, porém, uma incorruptível” (1 Coríntios 9:25).
A maioria dos que se chamam de cristãos são convenientes com o
mundo e com a vaidade de seus corações. Eles se aproximam e se
envolvem com estas coisas; eles se esforçam mais em palavras
vazias do que por meio de uma luta vigorosa contra a
concupiscência, o amor a este mundo e as próprias corrupções;
mas esse tipo de esforço nada mais é do que dar golpes no ar, um
esforço que finalmente se mostra completamente inútil (1 Coríntios
9:26).
4. Aquele que se esforça legitimamente deve depositar sua
dependência em Deus e em Cristo para realizar sua obra, caso
contrário, certamente será frustrado: Paulo diz: “E para isto também
trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim
poderosamente” (Colossenses 1:29). E para que tenha sucesso
nessa obra, ele deve se atentar para o seguinte:
(1.) Ele deve tomar cuidado para não se esforçar por coisas
ou preceitos que não possuem nenhum proveito, pois, neste caso,
Deus não estará com ele. O apóstolo diz: “Traze estas coisas à
memória, ordenando-lhes diante do Senhor que não tenham
contendas de palavras, que para nada aproveitam e são para
perversão dos ouvintes” (2 Timóteo 2:14). Contudo, infelizmente,
quantos dos chamados cristãos em nossos dias são culpados dessa
transgressão, cuja religião consiste principalmente, senão apenas,
em algumas questões inúteis e disputas vãs sobre palavras e coisas
sem proveito, que só servem para a destruição dos ouvintes!
(2.) Ele deve tomar cuidado para que, enquanto luta contra um
pecado, não oculte e seja conveniente com algum outro; ou que,
enquanto aponta para o pecado de outros homens, ele mesmo não
seja indulgente com o seu próprio pecado.
(3.) Enquanto você luta, esforce-se para crer no evangelho;
pois quanto mais cremos no evangelho e na realidade das coisas do
mundo por vir, com mais força e coragem trabalharemos para
alcançar a bem-aventurança (Filipenses 1:27). “Procuremos, pois,
entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo
de desobediência” (Hebreus 4:11).
(4.) Assim como devemos nos esforçar para crer, também
devemos nos esforçar pela oração fervorosa e eficaz (Romanos
15:30). Ó multidões de hipócritas que não oram! O que vocês
pensam de si mesmos? Certamente a porta do céu sempre foi tão
estreita quanto ela é hoje, mas que grande diferença há entre o
esforço na oração que os cristãos de outrora empregavam para
buscar as coisas que concedem a entrada nesse reino, e o que
vemos em nossos dias!
(5.) Devemos nos esforçar enquanto mortificamos nossa carne
nesta terra. Paulo diz: “Pois eu assim corro não como a coisa
incerta; assim combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o
meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros,
eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado” (1
Coríntios 9:26-27). Quero que vocês entendam que tudo isso é dito
principalmente aos que falsamente se chamam pelo nome de
cristãos.

Por que devemos nos esforçar?


3. Por que devemos nos esforçar?
Respondo:
1. Porque vale a pena lutar por aquilo pelo qual você está
sendo exortado a se esforçar; não é nada menos do que pelo céu e
a felicidade ali por toda a eternidade. Como se esforçaram aqueles
homens que têm diante de si uma promessa de tanta honra,
proveito e deleite? Como se esforçarão por uma coisa como essa?
Muitos homens se esforçam por uma coroa corruptível, mas nós por
uma incorruptível. Parece-me que a palavra “céu” e a vida eterna
deveriam, na verdade, nos estimular ao trabalho, pois o que há de
semelhante a isso, quer no céu ou na terra, para encorajar um
homem a se esforçar?
2. Esforce-se, porque, de outra forma, o diabo e o inferno se
apossarão de você. Ele está ao derredor como um leão que ruge,
procurando a quem possa devorar (1 Pedro 5:8). Aqueles anjos
caídos estão sempre atentos, diligentes e dispostos; eles também
são poderosos, astuciosos e maliciosos, e não buscam nada mais
do que a condenação de sua alma. Ah, você que é simples como
uma pomba, esforce-se!
3. Esforce-se, porque toda concupiscência luta e combate
contra sua alma: “A carne cobiça contra o Espírito” (Gálatas 5:17).
Pedro diz: “Amados, peço-vos como a peregrinos e forasteiros, que
vos abstenhais das concupiscências carnais, que combatem contra
a alma” (1 Pedro 2:11). É raro ver ou saber de um cristão que de
fato consegue refrear suas concupiscências; mas não é estranho
hipócritas sendo não apenas “controlados, mas também dominados”
e conduzidos da luxúria ao pecado, de uma vaidade para outra, pelo
próprio diabo e pelas corrupções de seus corações.
4. Esforce-se, porque existe um mundo inteiro contra você. Se
você é um cristão, o mundo lhe odeia; os homens do mundo lhe
odeiam; as coisas do mundo são armadilhas para você, até mesmo
sua cama e sua mesa, sua esposa ou seu marido, e seus prazeres
mais legítimos podem certamente fazer com que sua alma se
afunde no inferno, caso você não lute contra as armadilhas que
estão neles (Romanos 11:9).
O mundo procurará mantê-lo fora do céu através de
zombarias, provocações, ameaças, prisões, forcas, queimaduras e
mil diferentes tipos de mortes — portanto, esforce-se! Novamente,
se ele não puder vencê-lo dessa forma, ele vai lisonjear, prometer,
seduzir, suplicar e usar mil artimanhas para destruí-lo. Observe
também que muitos dos que resistiram às ameaças do mundo
foram, no entanto, vencidos pelas lisonjas e bajulações dele.
Sempre houve inimizade entre o diabo e a igreja, e entre as
respectivas descendências de ambos também; Miguel e seus anjos,
e o dragão e seus anjos, guerreiam continuamente uns contra os
outros (Gênesis 3; Apocalipse 12). Houveram grandes anseios e
esforços entre os homens para reconciliar esses dois e uni-los, a
saber, a descendência da serpente e a descendência da mulher,
mas isso é algo que nunca poderia acontecer. O mundo diz: “Eles
nunca se unirão a nós”, e nós dizemos: “pela graça de Deus, nunca
nos uniremos a eles”. Mas isso não é algo que fica apenas em
palavras; mas ambos se esforçam para fazer com que o outro se
submeta a si, porém esses esforços se mostraram ineficazes
também. Eles, por sua vez, inventaram todos os tipos de tormentos
cruéis para nos submeterem a eles, tais como: nos matar ao fio da
espada, apedrejar, serrar, queimar, feras, banimentos, fome e mil
outras misérias. Nós, por outro lado, temos nos esforçado por meio
de orações e lágrimas, por paciência e longanimidade, por gentileza
e amor, por sã doutrina e fiel testemunho contra suas maldades,
para trazê-los até nós; entretanto, a inimizade permanece de tal
forma que, ou eles devem nos derrotar, ou nós devemos conquistá-
los. Um dos dois deve ser vencido; não obstante as armas de nossa
guerra não são carnais, mas poderosas em Deus.
5. Esforce-se, porque nada no cristianismo se obtém por meio
da ociosidade. A indolência veste o homem com trapos, e a vinha do
preguiçoso está repleta de urtigas (Provérbios 23:21; 24:30-32).
Uma profissão de fé que não envolve trabalho espiritual não pode
levar a alma para o céu. Nossos pais antes de nós não eram
“vagarosos no cuidado”, mas “fervorosos no espírito, servindo ao
Senhor”. Portanto, “vos não façais negligentes, mas sejais
imitadores dos que pela fé e paciência herdam as promessas”
(Romanos 12:11; Hebreus 6:12).
“Esforçai-vos por entrar”. Parece-me que tais palavras, em
uma primeira leitura, declaram para nós, que o cristão, em tudo o
que ele faz neste mundo, deve cuidadosamente se atentar e
considerar sua alma, repito, em tudo o que ele faz. Muitos não se
importam com suas almas; mas um cristão, de fato, em todas as
suas ações e desígnios que ele concebe e administra neste mundo,
deve ter uma atenção especial para seu próprio futuro e bem eterno;
em todos os seus trabalhos, ele deve se esforçar por entrar pela
porta: “A sabedoria [Cristo] é a coisa principal; adquire pois a
sabedoria, emprega tudo o que possuis na aquisição de
entendimento” (Provérbios 4:7) Não adquira nada, se com isso você
não pode obter Cristo e graça, e mais esperanças do céu nessa
aquisição; não adquira nada com uma consciência pesada, com o
risco de perder sua paz com Deus, e que, ao obtê-la, você
enfraqueça as graças que Deus lhe deu; pois isso não é se esforçar
por entrar pela porta. Acrescente graça a graça, tanto pelos deveres
religiosos como pelos seculares; “Porque assim vos será
amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 1:8-11) Os deveres religiosos não
são os únicos momentos de luta; aquele que pensa assim está
perdido. Você pode sustentar sua fé e sua esperança na
administração piedosa de sua vocação, e pode se aproximar da vida
eterna, contemplando a glória de Deus, em todos os seus empregos
seculares. Estou falando agora aos cristãos que são justificados
gratuitamente pela graça, e estou encorajando, ou melhor,
aconselhando-os a se esforçarem por entrar pela porta; pois há uma
entrada pela fé e boa consciência agora, assim como há nossa
entrada em corpo e alma no futuro; e devo acrescentar que quanto
mais comum for para sua alma entrar agora pela fé, maior será sua
esperança de entrar no futuro em corpo e alma.
“Esforçai-vos por entrar”. Por essas palavras o Senhor Jesus
também repreende severamente os hipócritas que não tem
interesse na glória eterna, mas em outras coisas temporais, por toda
a agitação que causam no mundo a respeito da religião. Que grande
agitação eles causam, quanto barulho e clamores, com suas ideias
e formas, e ainda assim, talvez tudo isso seja pelos pães; porque
comeram dos pães e se fartaram (João 6:26). Esses realmente se
esforçam para entrar, mas não no céu; eles consideram a religião
como um bom comércio, ou então eles acham que é uma forma de
conseguirem crédito, reputação, favores e coisas semelhantes e,
portanto, se esforçam por entrarem. Mas estes não têm interesse na
porta estreita, nem mesmo em suas pobres almas que perecem;
portanto esta exortação é dirigida a tais hipócritas, por predizer sua
condenação.
A expressão “Esforçai-vos por entrar” também repreende
severamente aqueles que se contentam, como o anjo da igreja de
Sardes, a ter “nome de que vive, e estar morto” (Apocalipse 3:1), ou
como os laodicenses, que confiavam em sua religião e se
contentavam com uma profissão de fé pobre, miserável e morna;
pois tais como estes, eles fazem o contrário da exortação do texto, a
qual diz, “esforce-se”, mas eles se deitam e dormem; o texto diz:
“Esforçai-vos por entrar”, mas eles se contentam com sua profissão
de fé vazia a qual nunca os fará entrar pela porta.
Além disso, as palavras “Esforçai-vos por entrar” nos levam a
testar a verdade da graça que recebemos. Repito, elas nos levam a
comprovar a verdade da graça que recebemos; pois se a porta
estreita é a porta do céu e, contudo, devemos nos esforçar para
entrar por ela agora mesmo enquanto vivemos e antes de
chegarmos lá, então, sem dúvidas, Cristo pretende nos exortar a
usar todos os meios lícitos para verificarmos a veracidade das
graças que recebemos neste mundo para ver se elas resistiram ao
julgamento ou não. Esforce-se por entrar; obtenha hoje aquelas
graças que se provarão verdadeiras graças depois e, por meio
disso, teste as graças que você possui; e se, ao testá-las, elas não
se mostrarem verdadeiras, lance-as fora e busque outras melhores,
para que você não venha a ser rejeitado por não possuir nada
melhor: “Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo”
— lembre-se disso (Apocalipse 3:18). Compre de mim a fé e a graça
que resistirão ao julgamento; esforce-se por essa fé; compre de mim
essa graça e também as vestes brancas para que você seja vestido
e a vergonha da sua impiedade não seja exposta; e unja seus olhos
com colírio para que você possa enxergar. Lembre-se desse
conselho, pois essa é a maneira correta de se esforçar para entrar
pela porta.
Mas você dirá: “Como devemos testar nossas graças? Você
quer que procuremos por provações para que então nossas graças
sejam testadas para ver se elas são verdadeiras ou falsas?”.
Resposta: Você não precisa procurar por provações, Deus já
ordenou que um número suficiente delas venham sobre você para
provar se suas graças são verdadeiras ou falsas, antes do dia de
sua morte. Basta a cada dia o seu mal, se você possuir pelo menos
graça o suficiente para se manter em pé. Repito, você enfrentará
provações o suficiente para provar se a graça que você possui é
verdadeira ou falsa. Assim, então, você poderá, se Deus lhe ajudar,
conhecer o estado de sua alma antes de partir deste mundo, a
saber, se suas graças o levarão a entrar pela porta do céu ou não.
Mas como devemos testar nossas graças agora?
Resposta:
(a.) Como você as encontra quando enfrenta provações
externas? (Veja Hebreus 11:15-16);
(b.) Como elas reagem diante das operações internas do
pecado? (Romanos 7:24);
(c.) Como você desfruta mais da graça neste mundo?
(Filipenses 3:14);
Mas o que eu quero dizer com essas três perguntas? Quero
dizer que as graças se evidenciam nessas situações e, assim, se
mostram verdadeiras ou falsas.
(a.) Como nossas graças se mostram verdadeiras sob
provações externas? Resposta: Por não confiarem em nossa própria
suficiência, por clamarem a Deus por ajuda, por desejarem antes
morrer do que trazer qualquer desonra ao nome de Deus e por
considerar que, se Deus for honrado devido às suas provações,
então você ganhou mais do que tudo que o mundo poderia lhe dar
(2 Crônicas 20:12, 14:11; Atos 4; 20:22; 2 Coríntios 4:17-18;
Hebreus 11:24-25).
(b.) Como nossas graças se revelam verdadeiras sob as
operações internas do pecado? Resposta: Ao lamentarem,
confessarem, lutarem e orarem contra o pecado; elas não lhe
deixam se contentar em obter o céu, caso essas operações internas
do pecado permaneçam vivas e lhe contaminando; elas o levam a
considerar a santidade a coisa mais bela do mundo; essas graças,
se verdadeiras, o levaram a correr para Cristo para obter a vida
(Zacarias 12:10; João 19; Hebreus 12:14; Salmos 19:12).
(c.) Como essas graças se mostram verdadeiras quando você
mais desfruta delas neste mundo? Resposta: Ao valorizar as
verdadeiras graças acima de todo o mundo, ao orar de coração para
que Deus lhe dê mais dessa graça; e por não estar satisfeito com
toda a graça que você é capaz de desfrutar deste lado do céu e da
glória (Salmos 84:10; Lucas 17:5; Filipenses 3).
“Esforçai-vos por entrar”, a razão pela qual Cristo acrescenta a
palavra “entrar” é óbvia, a saber, porque não há felicidade
verdadeira e duradoura deste lado do céu; aqui não há nada que
seja verdadeiro e duradouro quanto aos nossos sentidos e
sentimentos como haverá nos céus: “Porque não temos aqui cidade
permanente, mas buscamos a futura” (Hebreus 13:14). Os céus
estão lá, portanto, se esforce para entrar; a glória está lá, portanto,
se esforce para entrar; o Monte Sião está lá, portanto, se esforce
para entrar; a Jerusalém celestial está lá, portanto, se esforce para
entrar; anjos e os santos estão lá, portanto, se esforce para entrar;
e, para completar todas as coisas, o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, juntamente com nosso glorioso Redentor, estão lá,
portanto, se esforce para entrar.
“Esforçai-vos por entrar”, pois, “ficarão de fora os cães e os
feiticeiros, e os que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e
qualquer que ama e comete a mentira”. Ficarão de fora também os
demônios, o inferno, a morte e todas as almas condenadas; ficarão
de fora todo gemido, choro, pranto e ranger de dentes; estarão do
lado de fora todas as misérias, tristezas e pragas que um Deus
infinito irá, com justiça e poder, infligir a uma geração má e perversa.
“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que
muitos procurarão entrar, e não poderão” (Apocalipse 22:15; Mateus
25:41; Apocalipse 12:9; Isaías 65:13-14; Mateus 22:13;
Deuteronômio 29:18-20).
4
Motivos para se Esforçar para
Entrar Neste Reino
Chegamos agora ao motivo pelo qual nosso Senhor insiste em fazer
essa sua exortação.
Ele já nos disse que a porta é estreita, e também nos exortou
a nos esforçarmos para entrarmos por ela, ou para obtermos agora
aquelas coisas que favorecerão nossa entrada, bem como a nos
colocarmos contra aquelas coisas que podem nos impedir de passar
por ela.
Há cinco coisas a serem consideradas no motivo pelo qual
nosso Senhor insiste em fazer essa exortação:
1. Que alguns serão frustrados no dia do julgamento; eles
tentarão entrar e não poderão.
2. Que não poucos, mas muitos, experimentarão essa
frustração; “porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não
poderão”.
3. Essa doutrina de que muitos serão rejeitados, então, se
sustenta pela validade da palavra de Cristo: “porque eu vos digo que
muitos procurarão entrar, e não poderão”.
4. Os hipócritas representarão uma grande multidão dentre os
muitos que não entrarão no céu: “porque eu vos digo que muitos
procurarão entrar, e não poderão”.
5. Onde a graça e o esforço estiverem ausentes, a vontade e
a força não serão suficientes depois: “porque eu vos digo que
muitos procurarão entrar, e não poderão”.
Mas vou prosseguir utilizando o método que vinha seguindo e
expor as palavras de Cristo para você.

Significado das palavras “PORQUE… MUITOS”


“Porque… muitos”. Se ele tivesse dito: “Porque eu vos digo
que alguns ficarão de fora”, isso seria algo a ser considerado; se ele
tivesse dito: “Porque eu vos digo que alguns que buscam, ficarão de
fora”, isso deveria ter sido suficiente para despertar os negligentes;
mas quando ele diz: “Muitos”, muitos ficarão de fora, sim, muitos
entre aqueles que se dizem cristãos ficarão de fora, isso não é
apenas suficiente para despertar, mas para aterrorizar!

Várias aplicações da palavra “MUITOS”


A palavra “muitos” é usada de diversas maneiras nas
Escrituras.
1. Por vezes, a palavra “muitos” se refere àqueles que são
abertamente profanos, ao mundo maligno e ímpio, um exemplo é
quando Cristo diz: “Larga é a porta, e espaçoso o caminho que
conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela” (Mateus
7:13). Ao dizer “muitos” aqui, ele se refere principalmente aqueles
que percorrem o caminho amplo do pecado e da profanação e,
assim, levam os “sinais” de sua condenação em suas testas,
aqueles cujo estilo de vida proclama que “os seus pés descem para
a morte; os seus passos estão impregnados do inferno” (Jó 21:29-
30; Isaías 3:9; Provérbios 4).
2. Por vezes, a palavra “muitos” se refere àqueles que se
infiltram entre o povo de Deus de forma enganosa, ao usarem de
hipocrisia, como Daniel disse: “Muitos se ajuntarão a eles com
lisonjas” (Daniel 11:34). A palavra “muitos” neste texto inclui todos
aqueles que usam a religião como disfarce para fingir serem
melhores do que são; inclui aqueles que têm a religião apenas como
uma roupa de festa, para vestir em certas ocasiões e quando estão
em determinadas companhias.
3. Por vezes, a palavra “muitos” se refere àqueles que
apostataram de Cristo; aqueles que creram por um tempo, mas
quando veio o tempo de tentação, caíram; como João diz a respeito
de alguns dos discípulos de Cristo: “Desde então muitos dos seus
discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele” (João
6:66).
4. Por vezes, a palavra “muitos” se refere àqueles que se
destacam e realizam muitas coisas notáveis na igreja, mas, ainda
assim, estão destituídos da graça salvífica, Cristo disse: “Muitos me
dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu
nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome
não fizemos muitas maravilhas?” (Mateus 7:22). Lembre-se que
haverá muitos destes.
5. Por vezes, a palavra “muitos” se refere àquelas pobres
almas ignorantes e enganadas que são levadas por todo vento de
doutrina; aqueles que são feitos cativos pela astúcia do enganador,
o qual está à espreita para enredar almas instáveis: “E muitos
seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o
caminho da verdade” (2 Pedro 2:2).
6. Por vezes, a palavra “muitos” se refere a todos, bons e
maus: “E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns
para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno” (Daniel
12:2). Compare isso com João 5:28-29.
7. Por vezes, a palavra “muitos” se refere, finalmente, somente
aos piedosos, aqueles que serão salvos (Lucas 1:16, 2:34).

Como a palavra “MUITOS” é aplicada neste texto


Visto que essa palavra é usada de diversas formas, vamos
inquirir como ela deve ser interpretada neste texto.
1. Nesse contexto, a palavra “muitos” não deve ser aplicada
aos que verdadeiramente são piedosos, pois eles jamais perecerão
(João 10:27-28) 2. Ela também não pode ser aplicada a todo o
mundo, pois então nenhuma alma seria salva. 3. Nem deve ser
aplicada apenas aos que são abertamente profanos, pois então os
hipócritas seriam excluídos. 4. Mas, ao dizer “muitos”, nosso Senhor
se refere especialmente aos que se chamam falsamente de cristãos;
agora o hipócrita por estar em uma posição muito elevada, mas será
encontrado destituído da graça salvífica no dia do julgamento.
Agora que vimos que a palavra “muitos” mencionada no texto
se refere especialmente aos hipócritas, considere, então como logo
após o Senhor dizer, “muitos procurarão entrar, e não poderão”, ele
como que aponta com o dedo quem são esses hipócritas a quem
ele ser refere, a saber, muitos entre os quais ele havia ensinado, os
que comeram e beberam em sua presença, os que profetizaram e
expulsaram demônios em seu nome e que em seu nome operaram
muitas maravilhas (Lucas 13:26, Mateus 7:22). São esses os
“muitos” a quem o Senhor se refere nesse texto, embora outros
também estejam incluídos na sentença de condenação por suas
palavras em outros lugares. Mateus diz, a respeito dessa porta
estreita, que poucos são os que a encontram. Mas parece que
aqueles que nosso texto menciona que foram rejeitados a
encontraram; pois lemos que eles bateram nesta porta e clamaram:
“Senhor, abre-nos”. Portanto, o significado pode ser entendido da
seguinte forma: “Muitos dentre os poucos que a encontrarem
tentarão entrar, e não poderão”.
Acredito que, no dia do julgamento, alguns estarão clamando
às rochas para cair sobre eles e escondê-los e alguns outros
clamarão em frete à porta do céu suplicando para entrar. Suponha
que os que clamarão às rochas para cair sobre eles são aqueles
cuja consciência não os permitirá olhar para a face de Deus, porque
estarão esmagados sob a culpa presente e dos pavores terríveis da
ira do Cordeiro (Apocalipse 6:16). E os que estão clamando à porta
do céu são aqueles cuja falsa esperança os acompanhará até o fim,
aqueles cuja ousadia os incitará a contender até mesmo com o
próprio Senhor Jesus Cristo para que os deixe entrar; aqueles que
argumentarão que eram cristãos, que expulsaram demônios e
realizaram muitas obras maravilhosas. Esses são os “muitos” deste
texto: “Porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não
poderão”. Se pudéssemos comparar os hipócritas de todas as eras
com a eterna Palavra de Deus, essa doutrina seria mais facilmente
percebida por todas as pessoas. Quão poucos entre os muitos,
entre as multidões de hipócritas, colocam seus caminhos sob o
escrutínio de Deus neste mundo e contemplam sua glória entre os
filhos dos homens! Quão poucos se preocupam mais com o nome
de Deus do que com seus próprios interesses carnais! Mas não são
muitos aqueles que transformam a Palavra, o nome e os caminhos
de Deus em um atalho para seus próprios objetivos mundanos?
Deus requer fé, boa consciência, moderação, abnegação,
humildade, uma mentalidade espiritual, amor aos santos e aos
inimigos, e conformidade de coração, em palavra e vida, à sua
vontade. Mas onde está tudo isso? (Marcos 11:22; 1 Pedro 3:16;
Hebreus 13:5; Filipenses 4:5; Mateus 10:37-39; Colossenses 3:1-4;
Miquéias 6:8; Apocalipse 2:10; João 15:17; 1 João 4:21; Mateus
5:44; Provérbios 23:26; Colossenses 4:6).

Significado das palavras “EU VOS DIGO”


As palavras, “porque eu vos digo”, carregam em si um duplo
argumento para provar a verdade afirmada anteriormente: Em
primeiro lugar, Jesus aponta para seus seguidores e se dirige a eles
da seguinte maneira: “Eu vos digo” que muitos de vocês que são
meus discípulos, que comeram e beberam na minha presença etc.
Sei que, às vezes, Cristo dirigiu seu discurso aos seus discípulos
não tanto por causa deles, mas para que outros o ouvissem,
contudo, esse não é o caso aqui. A expressão “eu vos digo”, neste
contexto, era destinada imediatamente a alguns daqueles que
professavam ser discípulos. “Eu vos digo” que vocês ficarão do lado
de fora e baterão à porta, “dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos; e,
respondendo ele, vos dirá: Não sei de onde vós sois; então
começareis a dizer: Temos comido e bebido na tua presença, e tu
tens ensinado nas nossas ruas. E ele vos responderá: Digo-vos que
não vos conheço nem sei de onde vós sois; apartai-vos de mim, vós
todos os que praticais a iniquidade”. É a vocês, vocês, VOCÊS a
quem me refiro!
É comum entre aqueles que se dizem cristãos, quando ouvem
um sermão inteligente e impactante, dizerem: “Finalmente o
pregador condenou aquele bêbado, aquele maledicente, aquele
mentiroso, aquele avarento, aquele adúltero etc.”, enquanto
esquecem que esses pecados podem ser cometidos de forma
espiritual e secreta. Existe a embriaguez espiritual, o adultério
espiritual, e um homem pode estar mentindo quando chama a Deus
de Pai, mas, na verdade, não é filho dele, ou quando se diz cristão e
não é.
Portanto, talvez todas as palavras duras de repreensão desse
sermão solene podem servir para você mais do que você supõe: “Eu
vos digo” que a vocês, hipócritas, podem ser aplicadas todas essas
repreensões (Apocalipse 2:9, 3:9).
Não tivesse o Senhor Jesus designado demonstrar por meio
dessas palavras que haverá um dia em que os hipócritas serão
lançados fora, ele não precisaria se dirigir diretamente a seus
discípulos, como ele o fez neste texto e mais à frente; pois a
sentença seria suficientemente compreensível mesmo se ele não
tivesse dito “eu vos digo”. Mas estas palavras foram ditas com o
objetivo de demonstrar o perigo em que estão aqueles que
falsamente professam ser cristãos; tanto os pregadores e os
ouvintes quanto os operadores de milagres e maravilhas podem
estar em perigo de condenação, apesar de tudo o que fazem. E foi a
fim de chamar nossa atenção para essa verdade que o texto nos
diz: “porque EU VOS DIGO que muitos procurarão entrar, e não
poderão”.
Você ainda não vê que os hipócritas estão em perigo e as
palavras, “eu vos digo”, se tratam de uma profecia acerca da
perdição eterna de alguns dos que são estimados na congregação
dos santos? Se você não vê isso, ore a Deus para que seus olhos
sejam abertos e tomem cuidado para que sua parte não seja com a
daqueles que são mencionados no versículo 28 do mesmo capítulo:
“Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e
Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e vós
lançados fora”.
“Porque eu vos digo que muitos”, eu havia dito que essas
palavras trazem em si um argumento duplo, a fim de confirmar a
verdade que foi afirmada anteriormente: em primeiro lugar, que é
aos hipócritas que nosso texto especialmente se refere; e, o
segundo argumento, é que essas são as palavras pronunciadas
pela própria Verdade, portanto, estas palavras, “eu vos digo”, são
cheias de autoridade. Cristo diz, “eu vos digo”, assim como ele diz
em outro lugar: “Sou eu mesmo o que falo: Eis-me aqui” (Isaías
52:6). A pessoa cujas palavras consideramos agora não era um
pregador enganoso ou insensato, mas sim a própria sabedoria e
Filho de Deus, aquele que estava no seio do Pai desde a eternidade
e, consequentemente, possuía o mais perfeito conhecimento da
vontade de seu Pai. E é segundo essa sabedoria que ele lidará com
os hipócritas no fim deste mundo. Ouça o que ele mesmo diz a
respeito de suas palavras: “O céu e a terra passarão, mas as
minhas palavras não hão de passar” (Mateus 24:35).
“Eu vos digo”, os profetas não costumavam falar dessa
maneira, nem mesmo os santos apóstolos; pois falar assim é exigir
que as coisas sejam aceitas com base em sua própria autoridade.
Os profetas costumavam dizer: “Assim diz o Senhor”, e o mesmo
pode ser dito de Paulo, Pedro ou outro dos apóstolos e servos de
Deus. Porém, estamos lidando agora com as palavras do Filho de
Deus, foi ele quem disse; portanto, a verdade sobre a condenação
dos hipócritas é afirmada e confirmada pela própria boca de Cristo.
Essa consideração traz consigo uma grande revelação; alguns em
nossos dias estão tomados de um sono tão profundo que nada é
capaz de despertá-los, exceto aquele grito estridente e terrível: “Aí
vem o esposo, saí-lhe ao encontro” (Mateus 25:6).
Duas coisas que acometem aos hipócritas
Há duas coisas na expressão, “eu vos digo”, nas quais essa
afirmação pode ser fundamentada:
1. Existe no mundo algo semelhante à graça, mas que não é
graça.
2. Existe um pecado chamado pecado contra o Espírito Santo,
do qual não há redenção.
E essas duas coisas acontecem aos hipócritas.
1. Existe no mundo algo semelhante a graça, mas que não é
graça.
(1.) Isso fica evidente ao lermos que há alguns que querem
“mostrar boa aparência na carne”, que “se gloriam na aparência”,
que “por fora parecem realmente formosos” e que aparentam
pertencerem ao povo de Deus, mas não possuem a graça do povo
de Deus (Gálatas 6:12; 2 Coríntios 5:12; Mateus 23:27; Isaías 57:3-
4).
(2.) Isso fica evidente também a partir das advertências
frequentes que encontramos em várias passagens das Escrituras:
“Não erreis”, “Examine-se, pois, o homem a si mesmo”, “Examinai-
vos a vós mesmos, se permaneceis na fé” (Gálatas 6:7; 1 Coríntios
11:28; 2 Coríntios 13:5). Todas essas expressões sugerem para nós
que pode haver uma aparência de graça, ou algo semelhante a
graça, onde não há graça de fato.
(3.) Isso fica evidente a partir da conclusão feita pelo Espírito
Santo sobre este assunto: “Porque, se alguém cuida ser alguma
coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo” (Gálatas 6:3). O
Espírito Santo nos diz aqui que um homem pode pensar que é algo,
pode pensar que possui a graça, quando na verdade não a possui.
Alguém pode pensar que pertence ao céu e ao outro mundo,
quando, na verdade, ele simplesmente não tem nada a ver com
isso. O Espírito Santo também afirma outra coisa sobre esse ponto,
a saber, que aqueles que fazem isso estão enganados: “Porque, se
alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si
mesmo”. Quem faz isso engana a sua própria alma e também a si
mesmo a respeito do céu e da salvação. Ninguém se engane quanto
a quem realmente ele é (Colossenses 2:18-19).
(4.) Isso fica evidente pelo texto: “Porque eu vos digo que
muitos procurarão entrar, e não poderão”. Infelizmente, alguém pode
possuir muito esclarecimento, muitas obras e muita confiança a
respeito de sua entrada no céu mesmo sem possuir a fé dos eleitos
de Deus, nem o amor do Espírito, nem o arrependimento para a
salvação, nem a santificação do Espírito e, consequentemente,
estando completamente destituído da graça salvífica.
2. Assim como existe algo semelhante à graça, mas que não é
graça, também existe um pecado contra o Espírito Santo, do qual
não há redenção; e esse pecado é mais do que comumente
cometido por aqueles que falsamente professam ser cristãos.
Há um pecado contra o Espírito Santo, do qual não há
redenção. Isso é evidente a partir de ambos os textos de Mateus e
de Marcos: “Mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe
será perdoado, nem neste século nem no futuro”. “Qualquer, porém,
que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca obterá perdão, mas
será réu do eterno juízo” (Mateus 12:32; Marcos 3:29). Portanto,
quando sabemos que um homem cometeu esse pecado não
devemos orar por ele e nem ter compaixão dele (1 João 5:16; Judas
22).
Esse pecado é geralmente cometido por aqueles hipócritas
que professam ser cristãos; pois são poucos, além dos falsos
cristãos, que podem cometer esse pecado. Os únicos que são
capazes de cometer esse pecado são aqueles que “já uma vez
foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram
participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus,
e as virtudes do século futuro” (Hebreus 6:4-5). Pedro também nos
dá uma descrição daqueles que cometeram esse pecado:
“Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do
mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo,
forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se lhes o último
estado pior do que o primeiro” (2 Pedro 2:20). Outra passagem de
Hebreus nos apresenta a mesma coisa: “Porque, se pecarmos
voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da
verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa
expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os
adversários” (Hebreus 10:26-27). Portanto, estas são as pessoas
que são consumidas por esse pecado contra o Espírito Santo; esse
pecado se alimenta dos HIPÓCRITAS que frequentemente caem na
boca desse devorador. Alguns caem nesse pecado por enganos e
doutrinas de demônios, e outros por retornarem, como cães, ao seu
próprio vômito ou por voltarem a chafurdar na lama, como a porca
que uma vez foi lavada (2 Pedro 2:22). Não farei uma descrição
específica desse pecado como o fiz em outro lugar; mas tal pecado
existe, e aqueles que o cometem jamais obterão perdão. E digo
novamente, entre nós há aqueles que cometem esse pecado
imperdoável mais do que a maioria está ciente. Que todos, portanto,
examinem a si mesmos. Que o Senhor os desperte para que façam
isso, pois, devido a uma profissão de fé destituída da graça e ao
veneno do pecado contra o Espírito Santo, muitos buscarão entrar
pela porta, e não poderão.

Significado das palavras “PROCURARÃO


ENTRAR”
Os réprobos “procurarão entrar” neste reino quando chegarem
à porta dele, no juízo final, mas serão impedidos de entrar. E são
especialmente ELES a quem o texto se refere como aqueles que
procurarão entrar; pois então eles verão o quão benditos são
aqueles que entrarem nesse reino, como está escrito: “Bem-
aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que
tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas
portas” (Apocalipse 22:14). Para provar que eles desejarão entrar
nesse reino, embora eu já tenha feito isso, leia estes textos: Mateus
25:11, 7:22 e Lucas 13:28. E brevemente lhe darei os motivos pelos
quais eles desejarão entrar.

Por que eles procurarão entrar?


1. Porque então eles verão o reino, a glória que há nele e
também as bênçãos que desfrutarão os que forem considerados
dignos de entrar nele. A razão pela qual esse reino é tão pouco
desejado, é porque ele não é visto; a sua glória está oculta aos
olhos do mundo. “O olho não viu, e o ouvido não ouviu” etc. Mas
então eles ouvirão e também o verão; e quando isso acontecer, até
mesmo aquele que agora dificilmente pensa sobre isso, então
desejará entrar pela porta.
2. Então eles verão com maior clareza do que nunca o que é o
inferno e do que se trata a condenação. Eles também verão como o
sopro do Senhor, como uma torrente de enxofre, o incendeia. Ah
quão terrível é a visão da fornalha de fogo ardente que está
preparada para o diabo e seus anjos! Tal visão aterrorizará as almas
dos réprobos naquele dia do Deus todo-poderoso, e então eles
desejarão entrar pela porta.
3. Então eles verão qual é o significado de palavras como
estas: fogo do inferno, fogo eterno, fogo devorador, fogo que nunca
se apagará. Eles verão o que significa “para sempre”, o que significa
eternidade; então eles verão o que significa “abismo sem fundo”;
eles ouvirão o clamor dos pecadores naquele lugar, alguns
gemendo e outros clamando para que as montanhas caíam sobre
eles e as rochas os cubram; eles verão que não existe bem-
aventurança em nenhum lugar, senão dentro do reino!
4. Então eles verão a glória que os piedosos receberão; como
eles descansam no seio de Abraão, como desfrutam da glória
eterna, como andam em suas vestes brancas e como são
semelhantes aos anjos. Ah quão maravilhosos são o favor, a bem-
aventurança e a felicidade indescritível que o povo de Deus
desfrutará! E isso tudo será visto por aqueles que serão excluídos,
os quais Deus rejeitou para sempre; e isso os fará desejar entrar
pela porta (Lucas 16:22-23, 13:28).

Como eles procurarão entrar?


O texto diz que eles “procurarão entrar”. Mas alguém
pergunta: Como eles buscarão entrar?
Eu respondo:
1. Eles se enganarão o máximo que puderem, eles irão
falsificar e enfeitar sua profissão de fé, irão adorná-la com todo o
cinismo que puderem. Foi dessa forma que as virgens loucas
procuraram entrar; elas prepararam suas lâmpadas e se
embelezaram tanto quanto podiam. Elas conseguiram fazer com
que suas lâmpadas brilhassem por um tempo; mas quando o Filho
de Deus se revelou, a confiança delas falhou, suas lâmpadas se
apagaram, a porta foi fechada e elas ficaram do lado de fora
(Mateus 25:1-12).
2. Eles procurarão entrar intrometendo-se entre os piedosos.
Foi assim que o homem que estava sem as vestes nupciais
procurou entrar. Ele foi ao casamento, entrou na câmara nupcial,
sentou-se perto dos convidados e, então, sem dúvida, supôs que
escaparia da condenação. Mas, como você sabe, uma ovelha negra
logo é percebida, mesmo que esteja entre cem ovelhas brancas.
Ora, o mesmo aconteceu com aquele pobre homem: “E o rei,
entrando para ver os convidados, viu ali um homem que não estava
trajado com veste de núpcias”. O rei o avistou, e antes que qualquer
palavra fosse dita a qualquer um outro, ele lhe dirigiu esta saudação
terrível: “Amigo, como entraste aqui, não tendo veste nupcial? E ele
emudeceu”. Embora aquele homem pudesse se gabar entre os
convidados, assim que o dono da festa entrou, ele o deixou mudo; e
embora ele não tivesse nada a dizer por si mesmo, o rei tinha algo a
dizer contra ele: “Disse, então, o rei aos servos:”, os anjos, “amarrai-
o de pés e mãos, levai-o, e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá
pranto e ranger de dentes” (Mateus 22:11-13).
3. Eles procurarão entrar recorrendo às suas profissões de fé
e ao fato de quem foram admitidos às ordenanças do Senhor
enquanto estavam no mundo: “Temos comido e bebido na tua
presença, e tu tens ensinado nas nossas ruas”, sentávamos à sua
mesa e costumávamos frequentar as assembleias cristãs; nós
éramos bem vistos pelos seus santos, fomos admitidos em suas
igrejas e professamos a mesma fé que eles, “Senhor, Senhor, abre-
nos”.
4. Eles procurarão entrar alegando possuírem virtudes tais
como se sujeitarem a um ministério, trabalharem pelo reino, fazerem
o bem e coisas semelhantes, mas isso não os ajudará; eles
receberão esta resposta: “apartai-vos de mim, vós que praticais a
iniquidade” (Mateus 7:23).
5. Eles procurarão entrar apresentando desculpas, quando
não puderem escapar da convicção de sua condenação. O servo
insensato agiu assim quando foi chamado para prestar contas por
não ter administrado corretamente o dinheiro de seu Senhor.
“Senhor”, disse ele, “eu conhecia-te, que és um homem duro, que
ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste; e,
atemorizado”, tanto de não o agradar ao gastar teu dinheiro quanto
de colocá-lo em mãos das quais não o obteria novamente quando
precisasse, “escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu”. É
como se ele dissesse: É verdade, Senhor, não tive lucros, mas
considere também que não roubei, não gastei e nem perdi teu
dinheiro, aí está o que lhe pertence (Mateus 25:24-28). Poucos
serão capazes de dizer essas últimas palavras no dia do
julgamento. A maioria dos hipócritas estão roubando, gastando mal
e preguiçosamente seu tempo, seus talentos e suas oportunidades
de fazer o bem. Mas se mesmo aquele que pode dar uma desculpa
tão boa a ponto de dizer: Veja, aí está o que lhe pertence. Se tal
pessoa será chamada de servo mal e indolente, se será
envergonhada no dia do julgamento e se, apesar de seu cuidado em
economizar o dinheiro de seu Senhor, tal pessoa será considerada
um servo inútil e lançada nas trevas exteriores, onde haverá choro e
ranger de dentes, o que farão aqueles que não tiveram o cuidado
nem de multiplicar e nem de guardar o que foi confiado a eles?
6. Eles procurarão entrar alegando que pecaram porque eram
ignorantes. Portanto, quando Cristo os acusa de falta de amor para
com ele e de estarem destituídos daqueles frutos que deveriam
provar que seu amor era verdadeiro — como por exemplo, Cristo os
acusa de não darem comida ou bebida, de não hospedarem ou
visitarem, de não darem roupas a quem necessitava — então eles
respondem prontamente: “Senhor, quando te vimos com fome, ou
com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te
servimos?” (Mateus 25:44). É como se eles dissessem:
Senhor, não estávamos cientes de que esses deveres foram
colocados dignamente sobre nós! Deus nos livre de sermos
pecadores. Mas o Senhor pode nos dar um exemplo de quando ou
onde isso aconteceu? É verdade que havia no mundo certas
pessoas pobres, desprezíveis e desamparadas; porém, com relação
ao Senhor, nós o professamos, nós o amamos e, se o Senhor
tivesse estado conosco no mundo, nós teríamos lhe dado toda a
riqueza, toda a melhor comida e as melhores coisas, nós teríamos
providenciado de tudo para o Senhor. Portanto, Senhor, Senhor,
abre para nós!
Mas será que essas desculpas serão suficientes? Não. Então
ele os responderá: “Quando a um destes pequeninos o não fizestes,
não o fizestes a mim”. Essas desculpas, embora baseadas na
ignorância, que é uma das desculpas mais estranhas com que os
homens buscam se escusar de seu dever, não lhes dará a entrada
no reino. “E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a
vida eterna”.
Eu poderia acrescentar outros exemplos de como eles
buscarão entrar pela porta, tais como:
1. Eles ficarão paralisados diante daquelas belas portas do
céu. Eles ficarão de pé do lado de fora das portas, por não
quererem se afastar delas. Nunca um malfeitor sobe tão
involuntariamente uma escada como quando a corda está presa ao
redor de seu pescoço e o mesmo sucederá com essas pessoas
naquele dia, quando tiverem que se desviar das portas do céu e
irem para o inferno.
2. Eles não só ficarão parados naquelas portas, mas estarão
batendo e clamando para que a porta seja aberta para eles. Isso
também nos mostra que eles desejam entrar. Eles permanecerão do
lado de fora e baterão nas portas, dizendo: “Senhor, Senhor, abre-
nos”. A repetição da palavra “Senhor” mostra a veemência de seu
anseio: “Senhor, Senhor, abre-nos”, os demônios estão chegando;
Senhor, Senhor, a cova está sendo aberta para nós; Senhor,
Senhor, nada além do inferno e da condenação nos resta, se você
não tiver misericórdia de nós: “Senhor, Senhor, abre-nos!”.
3. A última coisa a qual recorrerão, na tentativa de entrar por
aquelas portas serão suas lágrimas, quando a confiança infundada,
a presunção de virtudes e as desculpas de ignorância não forem o
suficiente; quando estiverem de frente àquela porta, quando
baterem e clamarem: “Senhor, Senhor, abre-nos”, e não forem
atendidos, então eles recorrerão às lágrimas. As lágrimas, às vezes,
são argumentos poderosos, mas não valerão de nada ali. Esaú
também buscou com lágrimas, mas isso não o ajudou em nada
(Hebreus 12:17). Ali haverá choro e ranger de dentes; pois a porta
estará fechada para sempre, a misericórdia se foi para sempre,
Cristo os rejeitou para sempre. Todos os seus apelos, desculpas e
lágrimas não serão suficientes para conceder-lhes a entrada neste
reino: “Porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não
poderão”.

Significado das palavras “E NÃO PODERÃO”


Consideremos agora à última parte do texto, a qual nos
mostra claramente o motivo da rejeição dos muitos que serão
condenados: “Muitos procurarão entrar, e não poderão”.
Um hipócrita, um falso cristão, pode se sair muito bem; eles
podem passar pelos primeiros testes, podem ser aprovados por
outros cristãos e por suas igrejas; mas o que farão quando
chegarem a essa porta de ferro que leva à cidade? “Ali caem os que
praticam a iniquidade; cairão, e não se poderão levantar” (Salmos
36:12).
“E não poderão”, o dia, como já disse, ao qual o texto se
refere, é o dia do julgamento, um dia em que todas as máscaras
serão retiradas de todos os rostos. É um dia em que Deus “trará à
luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos
corações” (1 Coríntios 4:5). É também o dia da sua ira, o dia em que
ele executará sua vingança e recompensará a cada um de seus
adversários.
Naquele dia, as coisas em que estes “muitos” agora confiam
como boas e legítimas, se mostrarão como sendo um verdadeiro
lamaçal. Todo o seu conhecimento inútil, sua fé fingida, seu amor
egoísta, suas gloriosas aparências de piedade, suas palavras
calorosas e seus enfeites enganosos, não lhes serão de nenhum
proveito. Eu os chamo de festeiros, pois percebo que alguns
hipócritas fazem com a religião o mesmo que as pessoas fazem
com suas melhores roupas, as penduram nos armários a semana
toda e as vestem aos domingos. Pois assim como alguns raramente
vestem um terno, senão quando vão a uma festa ou a uma reunião,
da mesma forma são poucos que se lembram da sua religião
durante a semana; eles deixam a religião na gaveta até que tenham
que ir a uma reunião ou até que tenham que se encontrar com um
homem piedoso. Ó pobre religião! Pobre hipócrita! O que fará no dia
do seu julgamento? Você não poderá se esconder, não poderá se
passar por um cristão, não poderá contrariar o Juiz! O que você
fará? “Os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na
congregação dos justos” (Salmos 1:5).
“E não poderão”, a capacidade de entrar no reino referida aqui
não é o tipo de capacidade que é fundada em poder ou sutileza
carnal, mas na verdade e na simplicidade daquelas coisas pelas
quais Deus concede o reino dos céus a seu povo.
Existem cinco coisas cuja a ausência impedirá a entrada no
reino.
1. Esse reino pertence aos eleitos, àqueles aos quais o reino
foi preparado desde a fundação do mundo (Mateus 25:34). Por isso
Cristo diz que, quando vier, enviará seus anjos com grande som de
trombeta, e eles reunirão seus eleitos dos quatro ventos, de uma
extremidade do céu a outra (Mateus 24:31). E, portanto, ele diz
novamente: “E produzirei descendência a Jacó, e a Judá um
herdeiro que possua os meus montes; e os meus eleitos herdarão a
terra e os meus servos habitarão ali” (Isaías 65:9). “Se possível fora,
enganariam até os escolhidos” (Mateus 24:24, Marcos 13:22). “Mas
os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos” (Romanos
11:7).
2. Eles não poderão entrar, porque faltará a eles o direito de
primogenitura. O reino dos céus é para os herdeiros, e se são filhos,
logo, são herdeiros; se são nascidos de novo, também são
herdeiros. Portanto, é dito expressamente: “Aquele que não nascer
de novo, não pode ver o reino de Deus” (João 3:3). Por essa única
palavra, Cristo destrói todo o privilégio carnal de ser nascido da
carne e sangue, e da vontade do homem. Você pode produzir o
direito de primogenitura? Você tem certeza de que pode? Pois
pouco lhe aproveitará pensar no bendito reino dos céus, se lhe faltar
o direito de primogenitura que o fará herdá-lo. Esaú desprezou a
sua primogenitura, dizendo: “Para que me servirá a primogenitura?”.
E há muitos no mundo que pensam assim até hoje. Eles dizem:
“Eles falam sobre nascer de novo; o que alguém pode ganhar com
isso? Eles dizem que não há como ir para o céu sem nascer de
novo. Mas Deus é misericordioso; Cristo morreu pelos pecadores; e
nós vamos nos importar com isso quando tivermos tempo, e não há
razão para se preocupar, tudo ficará bem no final”. Mas eu lhe direi,
filho de Esaú, que a primogenitura e a bênção andam juntas; perca
uma, e você nunca terá o outra! Esaú descobriu essa verdade, e
então após desprezar primeiramente o direito de primogenitura,
quando ele posteriormente desejou “herdar a bênção, foi rejeitado,
porque não achou lugar de arrependimento, ainda que com lágrimas
o buscou” (Gênesis 25; Hebreus 12:16-17).
3. Não poderão entrar aqueles que não creram com a fé que é
operada por Deus, a fé que é santíssima, a fé dos eleitos de Deus:
“Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê
no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”
(João 3:36). Ora, essa fé é o efeito da eleição amorosa de Deus e
de um novo nascimento (João 1:11-13). Portanto, todos os
hipócritas que não têm a fé que provém de sermos nascidos de
Deus, procurarão entrar e não poderão.
4. Eles não serão capazes de entrar sem a santidade do
evangelho. A santidade que é o efeito da fé é aquela que nos admite
na presença de Deus e também nos dá a entrada em seu reino:
“Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira
ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte”, isto é, o
inferno e a condenação eterna (Apocalipse 20:6,14). Bem-
aventurado e santo, com a santidade que flui da fé que há em Cristo
Jesus. Pois o próprio Senhor disse que a herança pertence a esses:
“A fim de que recebam a remissão de pecados, e herança entre os
que são santificados pela fé em mim” (Atos 26:18). No dia do juízo
final, essa santidade, que é o efeito natural da fé no Filho de Deus,
Cristo Jesus o Senhor, se distinguirá de todas as outras
manifestações de qualquer tipo de santidade falsa e então
capacitará a alma que a possui a entrar nesse reino, enquanto as
demais procurarão entrar e não poderão.
5. Eles não serão capazes de entrar no reino, se não
perseverarem na fé e na santidade; não estou dizendo que aqueles
que possuem a fé possam cair da graça totalmente e, assim,
perecerem para sempre; mas aprouve a Jesus Cristo ordenar que
os que têm o direito ao reino retenham aquilo que os garante entrar
nele e, desse modo, perseverem até o fim e então é dito que eles
serão salvos — embora seja verdade que ninguém tem poder em si
mesmo para guardar a si mesmo. Mas Deus trabalha junto com
seus filhos, aqueles que “mediante a fé estão guardados na virtude
de Deus para a salvação”, os quais também estão guardados para o
céu (1 Pedro 1:3-5).
“Os loucos não pararão à tua vista; odeias a todos os que
praticam a maldade” (Salmos 5:5). Os tolos são os ímpios, que não
têm fé, nem santidade, nem perseverança na piedade e, ainda
assim, reivindicam o reino dos céus, mas “melhor é o pouco com
justiça, do que a abundância de bens com injustiça” (Provérbios
16:8). O que diríamos do homem que reivindica uma casa ou uma
fazenda sem ter o direito sobre tal propriedade? Ou se alguém
disse, “tudo isso é meu” e, contudo, não tiver nada que o comprove?
Não é nada do que os bens dos tolos, suas propriedades residem
em suas ilusões. Os hipócritas não possuem nada por direito de
primogenitura, e nem pela reivindicação da lei e, portanto, não
poderá herdar a posse do reino. “Porque eu vos digo que muitos
procurarão entrar, e não poderão”.
Assim, compreendemos que o não eleito, aquele que não
nasceu de novo, aquele que não tem a fé salvífica, em santidade e
perseverança que dela procede, não será capaz de entrar neste
reino; portanto, considere o que eu disse.

Observações Acerca dessas Palavras


Farei três observações a partir dessas palavras.
Primeira observação, os homens podem argumentar o quanto
quiserem na tentativa de alcançarem o céu, mas poucos o terão
como herança: “Porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e
não poderão”.
Segunda observação, grande, portanto, será a decepção que
muitos encontrarão no dia do julgamento: “Porque eu vos digo que
muitos procurarão entrar, e não poderão”.
Terceira observação, ir para o céu, portanto, não é algo banal;
a salvação não é alcançada enquanto dormimos; aqueles que
desejam entrar nesse reino devem agora se esforçar legitimamente
para isso: “Porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não
poderão”.
Primeira observação, falarei principalmente, mas brevemente,
sobre a primeira dessas observações; a saber, os homens podem
argumentar o quanto quiserem na tentativa de alcançarem o céu,
mas poucos o terão como herança. Essa observação pode ser
dividida em duas partes. Em primeiro lugar, que está chegando o
tempo em que cada homem argumentará o que puder para
reivindicar o reino dos céus. E, em segundo lugar, apenas alguns
dos que reivindicarão o reino de fato o desfrutarão como herança.

Primeira observação: as homens argumentarão


tudo que puderem para alcançarem o reino dos
céus.
Eu direi apenas algumas palavras sobre a primeira parte da
observação, pois quero evitar estender minha explicação sobre
essas palavras. Você encontra no capítulo 25 de Mateus que todos
os que estão à esquerda do Juiz argumentaram tanto quanto
podiam para obterem esse bendito reino dos céus. Se você assume
que aqueles que o texto menciona estão à esquerda, como a
maioria o faz, pois todos os pecadores serão condenados, então
esse texto serve como uma prova o suficiente para a primeira parte
da observação; pois é expressamente dito: “Então eles”, todos eles
juntamente e cada um por si só, “também lhe responderão, dizendo:
Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro,
ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?” (Mateus
25:44). Eu poderia apresentar aqui a súplica do servo negligente ou
o clamor das virgens imprudentes, e também poderia expor esta
passagem: “Senhor, Senhor, abre-nos; e, respondendo ele, vos
disser: Não sei de onde vós sois; então começareis a dizer: Temos
comido e bebido na tua presença, e tu tens ensinado nas nossas
ruas” (Lucas 13:25-26). Mas todas essas coisas já foram tratadas de
maneira que esta primeira parte da observação já está provada.
Portanto, com o auxílio da graça de Deus, passarei para a segunda
parte.

Segunda observação: apenas alguns dos que


reivindicarão o reino de fato o desfrutarão como
herança.
Falarei especificamente sobre esta parte da observação, e
primeiramente buscarei confirmá-la através de alguns textos das
Escrituras: “Estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida,
e poucos há que a encontrem” (Mateus 7:14). “Não temais, ó
pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino”
(Lucas 12:32). Por meio desses dois textos, e de muitos outros que
serão mencionados em breve, você pode ver a verdade do que eu
disse.
Nos deteremos, portanto, sobre essa verdade. Primeiro, de
maneira mais geral e, então, de modo mais particular. De maneira
mais geral, provarei que em todas as épocas poucos foram salvos.
Mais particularmente, provarei que poucos dos que se diziam
cristãos foram salvos.
De modo geral: em todas as épocas somente
poucos foram salvos
1. No mundo antigo, nos dias de Noé, enquanto o mundo era
habitado por muitas populações, lemos que apenas oito pessoas
dele foram salvas. Pedro chama essas almas de “poucas”, mas
quão poucas eram? Ora, somente oito almas: “na qual poucas (isto
é, oito) almas se salvaram pela água” (1 Pedro 3:20). Ele menciona
esse fato uma segunda vez, dizendo que Deus: “Não perdoou ao
mundo antigo, mas guardou a Noé, a oitava pessoa, o pregoeiro da
justiça, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios” (2 Pedro 2:5).
Observe, todos os outros são chamados de ímpios, havia um mundo
inteiro deles. Isso também pode ser observado em Jó, e ali eles
também são chamados pelo nome de ímpios: “Porventura queres
guardar a vereda antiga, que pisaram os homens ímpios? Eles
foram arrebatados antes do seu tempo; sobre o seu fundamento um
dilúvio se derramou. Diziam a Deus: Retira-te de nós. e: Que foi que
o Todo-Poderoso nos fez?” (Jó 22:15-17).
Houve, portanto, apenas oito pessoas que escaparam da ira
de Deus, no dia em que o dilúvio caiu sobre a terra; o restante era
constituído de homens ímpios; havia um mundo inteiro deles, e até
hoje eles estão na prisão do inferno (Hebreus 11:7; 1 Pedro 3:19-
20). Não, devo me corrigir, daqueles oito apenas sete eram
piedosos; pois Cão, embora tenha escapado do julgamento da
água, foi alvo da maldição de Deus para sua condenação.
2. Quando o mundo começou a ser povoado novamente e
conforme as pessoas começaram a se multiplicar, quão poucos, de
todos os tempos, lemos que foram salvos da condenação do
mundo!
(1.) Abraão e sua esposa, foram chamados por Deus da terra
dos Caldeus. Deus disse: “Sendo ele só, o chamei” (Isaías 51:2).
(2.) Chamou Ló para fora de Sodoma e Gomorra, de Admá e
Zeboim; de todas as pessoas em quatro cidades, somente Ló foi
salvo! De fato, sua esposa e suas filhas saíram de Sodoma com ele;
mas todas as três se mostraram reprovadas, como você pode ver no
capítulo 19 de Gênesis. Portanto, Pedro observa que somente Ló foi
salvo: “E condenou à destruição as cidades de Sodoma e Gomorra,
reduzindo-as a cinza, e pondo-as para exemplo aos que vivessem
impiamente; E livrou o justo Ló” (Leia 2 Pedro 2:6-8). Judas diz que,
nesta condenação, Deus destruiu não apenas Sodoma e Gomorra,
mas também as cidades ao redor delas; e, no entanto, você não
encontrará ninguém, exceto Ló, que fosse justo, seja em Sodoma ou
Gomorra, ou nas cidades ao redor delas; portanto os ímpios, todos
eles, sofrem a vingança do fogo eterno (v. 7).
(3.) Vejamos agora o tempo dos Juízes, quão poucos eram
piedosos que habitavam nas aldeias, quando eles cessaram em
Israel, “cessaram os caminhos” de Deus (Cf. Juízes 5:6-7).
(4.) Haviam poucos piedosos nos dias de Davi: “Salva-nos,
SENHOR”, diz ele, “porque faltam os homens bons; porque são
poucos os fiéis entre os filhos dos homens” (Salmos 12:1).
(5) No tempo de Isaías, tão poucos foram os salvos, ao ponto
dele afirmar que havia um número muito pequeno deles: “Se o
Senhor dos Exércitos não nos tivesse deixado algum remanescente,
já como Sodoma seríamos, e semelhantes a Gomorra” (Isaías 1:8-
9).
(6) Foi dito a eles no tempo de Jeremias: “Dai voltas às ruas
de Jerusalém, e vede agora; e informai-vos, e buscai pelas suas
praças, a ver se achais alguém, ou se há homem que pratique a
justiça ou busque a verdade; e eu lhe perdoarei” (Jeremias 5:1).
(7) Deus mostrou a seu servo Ezequiel quão poucos seriam
salvos em seus dias, pela visão de alguns fios de cabelo separados
entre tantos outras fios cabelos; pois somente alguns foram salvos
(Ezequiel 5:5).
(8.) Você encontra no tempo do profeta Miquéias como os
piedosos queixam-se que o número deles era tão pouco a ponto de
os comparar a rabiscos que foram deixados para trás enquanto os
frutos do verão eram colhidos (Miquéias 7:1).
(9.) Quando Cristo veio, como ele confirmou essa verdade de
que somente alguns dos que reivindicam o céu o terão por herança!
Mas as pessoas comuns não podiam ouvir isso e, portanto, em um
momento em que ele deu apenas fez uma pequena menção dessa
verdade, todos aqueles na sinagoga onde ele pregava, “se
encheram de ira. E, levantando-se, o expulsaram da cidade, e o
levaram até ao cume do monte em que a cidade deles estava
edificada, para dali o precipitarem” (Lucas 4:24-29).
(10.) João, o discípulo de Jesus Cristo, disse: “Todo o mundo
está no maligno; e toda a terra se maravilhou após a besta; e deu-
se-lhe poder sobre toda a tribo, e língua, e nação”. Poder para se
fazer o que? Ora, para forçar a todos, grandes e pequenos, ricos e
pobres, escravos e livres, a receberem a sua marca, e por ela serem
identificados (1 João 5:10; Apocalipse 13:3, 7, 16).
(11.) Se apelarmos para a observação e a experiência,
veremos que o semblante da maioria dos homens testemunha
contra eles: “O aspecto do seu rosto testifica contra eles; e publicam
os seus pecados, como Sodoma; não os dissimulam” (Isaías 3:9).
Onde está o homem que faz do Deus todo-poderoso o seu deleite e
que reflete a sua glória no mundo? Não é verdade que quase todos
buscam os prazeres e concupiscências deste mundo? E agindo
desse modo, portanto, dizem a Deus: “Retira-te de nós; porque não
desejamos ter conhecimento dos teus caminhos. Quem é o Todo-
Poderoso, para que nós o sirvamos?”.
Assim, sem dúvida, naquele dia de Deus seremos
confrontados com uma verdade de que somente alguns dos que
reivindicarem o céu de fato o terão por herança.
Antes de prosseguir para o próximo ponto, mostrarei a você
ao que os salvos são comparados nas Escrituras.
Ao que os salvos são comparados nas Escrituras
1. Eles são comparados a um punhado: “Haverá um punhado
de trigo na terra sobre as cabeças dos montes” (Salmos 72:16).
Esse trigo nada mais é do que aqueles que serão salvos (Mateus
3:12; 13:30). Observe, “haverá um punhado”, o que é um punhado
quando comparado com toda a seara? Ou então, o que é um
punhado comparado com o resto do mundo?
2. Assim como eles são comparados a um punhado, assim
também são comparados a um lírio entre os espinhos, o qual é raro
e não é visto tão facilmente: “Qual o lírio entre os espinhos”, disse
Cristo, “tal é meu amor entre as filhas” (Cânticos 2:2). Por espinhos,
entendemos que se refira tanto as piores quando aos melhores
entre os homens, a todos os que são destituídos da graça de Deus,
pois “o melhor deles é como um espinho; o mais reto” entre eles é
“como os espinhos” (Miquéias 7:4; 2 Samuel 23:6). Ela também
pode ser chamada de lírio entre os espinhos porque ela se encontra
entre os aguilhões da perseguição (Ezequiel 2:6; 28:24). Ela
também pode ser chamada assim para demonstrar a disparidade
que existe entre os hipócritas e a igreja (Lucas 8:14; Hebreus 8).
Além disso, os salvos também são comparados a um lírio entre
espinhos para demonstrar que eles são poucos no mundo, para
mostrar a você que eles são poucos e raros; pois assim como Cristo
a compara a um lírio entre espinhos, ela o compara a uma macieira
entre as árvores da floresta, que é rara, incomum.
3. Aqueles que serão salvos são chamados de apenas um
entre muitos; pois embora “sessenta sejam as rainhas, e oitenta as
concubinas, e as virgens sem número”, ainda assim, minha amada,
diz Cristo, é apenas uma, minha imaculada é única (Cânticos 6:8-9).
De acordo com Jeremias: “Vos tomarei, a um de uma cidade”
(Jeremias 3:14). Paulo diz algo muito semelhante a isso: “Não
sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade,
correm, mas um só leva o prêmio?” (1 Coríntios 9:24). Apenas um,
isto é, poucos entre muitos, poucos dos que correm; aqui ele não
está comparando os que correm com os que ficam parados, mas
com outros que correm também, alguns correm e perdem, alguns
correm e vencem; e aqueles que correm e vencem são poucos em
comparação com aqueles que correm e perdem: “Os que correm no
estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio”.
Ainda que “sessenta sejam as rainhas, e oitenta as concubinas, e as
virgens sem número”, apenas poucas serão as salvas.
4. Os que serão salvos são comparados aos rabiscos
deixados após a vindima: “Ai de mim”, diz a igreja, “porque estou
feito como as colheitas de frutas do verão, como os rabiscos da
vindima” (Miquéias 7:1). Aos rabiscos! O que são os rabiscos
comparadas a toda colheita? E, no entanto, aqui os salvos são
comparados aos rabiscos. O diabo e o pecado fazem a colheita em
cestos, enquanto que Cristo e seus ministros buscam os rabiscos.
Mas a respiga das uvas de Efraim é muito melhor do que a colheita
de Abiezer (Juízes 8:2). Aqueles a quem Cristo e seus ministros
reúnem e amarram nos feixes da vida são melhores do que os
grandes cestos que vão para o outro lado. Você sabe que, muitas
vezes, este é o clamor dos pobres na colheita: “Sobraram somente
rabiscos, só rabiscos”. E os ministros do evangelho também
clamam: “Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se
manifestou o braço do SENHOR?” (Isaías 53:1). Quando o profeta
fala sobre os salvos através da metáfora dos rabiscos, de que
maneira ele expõe a questão? “Ainda ficarão nele alguns rabiscos”,
diz ele, “duas ou três azeitonas na mais alta ponta dos ramos, e
quatro ou cinco nos seus ramos mais frutíferos, diz o Senhor Deus
de Israel” (Isaías 17:6). Vemos, assim, o que resta na vinha após a
vindima: dois ou três aqui, quatro ou cinco ali. Infelizmente, aqueles
que serão salvos no momento em que o diabo e o inferno tiverem
recebido o que lhes é devido serão como rabiscos, apenas alguns
poucos; os que vão para o inferno vão em grandes grupos, mas não
será assim com os salvos que vão para o céu (Mateus 13:30;
Miquéias 7). Portanto, quando o profeta fala dos salvos, ele se
refere a eles como uvas isoladas; mas quando fala dos condenados,
ele diz que eles formam cachos (Apocalipse 14:18-19). Ó
pecadores, apenas poucos serão salvos! Ó hipócrita, apenas
poucos serão salvos!
5. Os que serão salvos são comparados às joias: “E eles
serão meus, diz o Senhor dos Exércitos; naquele dia serão para
mim joias” (Malaquias 3:17). As joias, como você deve saber, são
raras, algo que não se encontra em todas as casas. As joias
ocupam pequenas caixas, pois são poucas e pequenas, em
comparação com tudo o que não tem valor e que existe em grandes
quantidades. Em quase todas as casas, você pode encontrar latão,
ferro e chumbo; e em todo lugar você pode encontrar hipócritas,
mas os salvos não são assim tão comuns; eles são o tesouro
peculiar de Deus (Salmos 135:4). Por isso, Paulo distingue aquilo
que é comum daquilo que é valioso em uma casa. Há, diz ele, em
uma grande casa, não apenas vasos de ouro e prata, mas também
de madeira e de barro, e alguns para honra e outros para desonra (2
Timóteo 2:20). Aqui se encontra uma advertência aos hipócritas
feitos de barro; as joias e os tesouros são vasos de honra, os vasos
de madeira e de barro são vasos de desonra, isto é, vasos
preparados para a destruição (Romanos 9:21).
6. Aqueles que serão salvos são comparados à um
remanescente: “Se o Senhor dos Exércitos não nos tivesse deixado
algum remanescente, já como Sodoma seríamos e semelhantes a
Gomorra” (Isaías 1:9). Um pequeno remanescente! Quão
impactante é a maneira como o Espírito Santo nos diz isso! E tudo
para lhe mostrar quão poucos serão salvos. Todos sabem o que é
um remanescente, mas este se trata de um remanescente muito
pequeno. Então novamente: “Cantai sobre Jacó com alegria, e
exultai por causa do chefe das nações; proclamai, cantai louvores, e
dizei: Salva, Senhor, ao teu povo, o restante de Israel” (Jeremias
31:7). O que mais eu devo dizer? Os salvos são frequentemente
chamados de remanescentes nas Escrituras (Ezequiel 9:4, 8; Isaías
10:20-22; 11:11, 16; Jeremias 23:3; Joel 2:32). Mas o que é um
remanescente comparado ao todo? O que é um remanescente do
povo comparado a todo o reino? O que é um remanescente de trigo
comparado a toda a colheita?
7. Os salvos são comparados ao dízimo ou à décima parte;
portanto, quando Deus mandou o profeta para endurecer o coração
do povo, para fechar-lhes os ouvidos e os olhos, o profeta
perguntou: “Até quando Senhor?”, ao que o Senhor respondeu: “Até
que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, e as
casas sem moradores, e a terra seja de todo assolada. E o Senhor
afaste dela os homens, e no meio da terra seja grande o
desamparo. Porém”, como Deus diz em outro lugar, “não farei de
vós uma destruição final… ainda a décima parte ficará nela… assim
a santa semente será a firmeza dela” (Isaías 6:10-13). Mas o que é
um décimo? O que é um em dez? Contudo, essa é a proporção
descrita pelo Espírito Santo, quando ele se refere a santa semente
santa, àqueles que serão poupados do juízo. E observe, o
endurecimento e a cegueira que atingiu o restante serviu para sua
destruição eterna; é dessa forma que tanto Cristo como Paulo falam
frequentemente no Novo Testamento (Mateus 13:14-15; Marcos
4:12; Lucas 8:10; João 12:40; Atos 28:26; Romanos 11:8). Para nos
mostrar que aqueles que são separados dos que perecem são
pouquíssimos, como uma décima parte: “A décima parte ficará
nela… assim a santa semente será a firmeza dela”.
Não continuarei a falar como em todas as épocas somente
poucos foram salvos. Eu oro a Deus para que o mundo não se
ofenda com isso. Mas, sem dúvida, poucos dos que reivindicarem o
céu o terão como herança. Essa verdade transparecerá ainda mais
a partir da leitura do que vem a seguir.
De modo particular: apenas poucos dos que se
denominam cristãos têm sido salvos
Portanto, agora mais particularmente irei mostrar a vocês que
poucos serão salvos. Poucos dos que se denominam cristãos serão
salvos; pois essa é a verdade que o texto mais expressamente nos
expõe e defende. Portanto, dê-me sua mão, bom leitor, e vamos
examinar com sobriedade o restante do que será dito; e então
vamos comparar, à medida que prosseguimos, cada coisa em
particular com a Sagrada Escritura.
1. Está escrito: “E a filha de Sião é deixada como a cabana na
vinha, como a choupana no pepinal, como uma cidade sitiada”
(Isaías 1:8). A vinha era a igreja de Israel, a cabana naquela vinha
era a filha de Sião, ou seja, aqueles que foram verdadeiramente
agraciados dentre todos daquela igreja (Isaías 5:1). Deus tinha
apenas uma cabana ali, nada além de uma pequena habitação na
igreja, somente alguns eram verdadeiramente agraciados entre
aquela grande multidão que reivindicava pertencer ao povo de
Deus; e se não fosse por estes, por essa cabana, o resto teria sido
arruinado como Sodoma: “Se o Senhor dos Exércitos não nos
tivesse deixado algum remanescente”, na igreja, alguns poucos,
eles teriam acabado como Sodoma (Isaías 1:9). Portanto, entre
aquela grande multidão dos que serão condenados, os hipócritas
somarão uma parte considerável.
2. “Porque ainda que o teu povo, ó Israel, seja como a areia
do mar, só um remanescente dele se converterá”, “o remanescente
é que será salvo” (Isaías 10:22; Romanos 9:27). Pois embora seu
povo, ó Israel, a quem Deus trouxe do Egito e a quem constituiu
como igreja e concedeu as santas leis, as sagradas ordenanças, os
santos profetas e as santas alianças; o povo que foi separado dos
outros povos para lhe pertencer e professar o seu nome; embora
esse povo seja como a areia do mar, “o remanescente é que será
salvo”, portanto, entre a multidão daqueles que serão condenados,
os hipócritas constituirão uma parte considerável.
3. “Prata rejeitada lhes chamarão, porque o Senhor os
rejeitou” (Jeremias 6:30). As pessoas a quem essa passagem se
refere são chamadas, no versículo 27, de povo de Deus, o povo que
professava o nome dele: “Por torre de guarda te pus entre o meu
povo, por fortaleza, para que soubesses e examinasses o seu
caminho”. O que é dito em seguida? É dito que eles são todos
rebeldes, obstinados e caluniadores — eles são prata rejeitada, pois
o Senhor os rejeitou. No capítulo 7, versículo 29, eles são chamados
também de geração do seu furor: “Porque já o Senhor rejeitou e
desamparou a geração do seu furor”. Portanto, isso é o que deduzo
das Sagradas Escrituras, que, com referência à sua profissão de fé
e à sua constituição da igreja, um determinado povo pode ser
chamado de povo de Deus; porém, com relação ao destino final que
eles receberão da parte de Deus, eles podem, na verdade, ser a
geração do seu furor.
4. No capítulo cinco de Isaías, lemos sobre a vinha de Deus,
que ela foi plantada em um outeiro fértil, plantada com excelentes
vides. O Senhor edificou um muro, uma torre e um lagar somente
para ela, e fez tudo que poderia ser feito para colocá-la em ordem e
bom estado, como uma igreja; mas essa vinha do Senhor dos
Exércitos produziu uvas bravas, frutos impróprios para sua
constituição e estado, pelo que o Senhor retirou dela seu muro e a
deixou para ser pisada. Leia o discurso que Cristo faz sobre isso em
Mateus 21:33. Olhem para isso, falsos cristãos, estas são as
palavras do texto: “Porque eu vos digo que muitos procurarão entrar,
e não poderão”.
5. Deus disse ao profeta: “Filho do homem, a casa de Israel se
tornou para mim em escórias; todos eles são bronze, e estanho, e
ferro, e chumbo no meio do forno; em escórias de prata se
tornaram” (Ezequiel 22:18). Deus possuía alguma prata ali, mas era
pouca; a maior parte daquelas pessoas eram apenas a escória da
igreja, embora fossem membros dela. Mas o que ele quer dizer por
escória? Significa que, apesar de serem membros da igreja, Deus
não considerava que essas pessoas eram melhores do que os
piores tipos de pessoas do mundo, isto é, com relação ao destino
que teriam; pois ser chamado de escória significa que eles são
considerados como estando entre os piores pecados do mundo,
segundo o julgamento de Deus, embora no momento eles habitem
na casa do Senhor: “Tu tiraste da terra todos os ímpios, como a
escória, por isso amo os teus testemunhos” (Salmos 119:119).
Deus disse a respeito de seus salvos: “Escolhi-te na fornalha
da aflição” (Isaías 48:10). Quando o fundidor deseja purificar a prata
na fornalha, ele a coloca junto com o chumbo. Quando age como
lhe é próprio, o chumbo elimina a escória da prata, a qual se
destaca e pode ser retirada com um instrumento. Deus também
trata assim com a sua igreja; há prata em sua igreja, mas também
há escória. Essa escória são os hipócritas e aqueles falsos cristãos
que se intrometem na igreja mesmo estando destituídos da graça de
Deus — mas Deus os exporá e então os lançará fora como escória.
Portanto, resta indubitavelmente comprovada esta verdade de Deus:
muitos falsos cristãos reivindicarão o céu, mas não o receberão por
herança.
6. É dito a respeito de Cristo que “em sua mão ele tem a pá, e
limpará a sua eira, e recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a
palha com fogo que nunca se apagará” (Mateus 3:12). A eira é a
igreja de Deus: “Ah, malhada minha, e trigo da minha eira!” — disse
Deus pelo profeta ao seu povo (Isaías 21:10). O trigo são esses
bons que existem em sua igreja, os quais sem dúvida serão salvos;
portanto, ele diz: “E recolherá no celeiro o seu trigo”. Com relação
ao trigo, a palha cresce na mesma espiga que o grão, e o mesmo
acontece com a igreja visível. Porém, não há substância no que é
falso, logo, com o passar do tempo, eles serão separados um do
outro. O trigo deve ser recolhido no celeiro, que é o céu; e a palha,
ou os hipócritas que não possuem a verdadeira graça, devem ser
lançados no inferno, para que sejam queimados com fogo
inextinguível. Portanto, se atentem para isso, vocês que professam
serem cristãos!
7. Cristo Jesus rejeita dois dos três tipos de solos que dizem
receber a palavra (Lucas 8). O solo pedregoso o recebeu com
alegria, e o solo espinhoso produziu frutos quase perfeitos. Na
verdade, o solo à beira do caminho era para nos mostrar que os
carnais, enquanto tais, não recebem a palavra de forma alguma;
mas aqui está o que é impressionante, dois dos três que receberam
a palavra, não herdaram o reino dos céus; pois apenas um dos três
a recebeu para dar fruto com perfeição. Se atentem para isso, vocês
que professam serem cristãos!
8. A parábola do servo inútil, a parábola do homem sem
vestes nupciais e a parábola do sal insípido comprovam o que estou
dizendo (Mateus 25:24, 29; 22:11-13; 5:13). A parábola do servo
inútil nos mostra a negligência e a ociosidade de alguns dos que se
dizem cristãos; a parábola do homem sem vestes nupciais serve
para nos mostrar como alguns hipócritas têm vergonha de sua
maldade ser vista por Deus, mesmo quando estão entre os
convidados do noivo; e a parábola do sal insípido nos mostra que,
assim como o sal que perdeu seu sabor não serve para nada, nem
mesmo para o monturo, mas somente para ser pisado pelos
homens. Assim também acontece com alguns que professam ser
cristãos — até mesmo os que aparentam ser os mais proeminentes,
pois devemos lembrar que essa parábola se aplicou a um dos
apóstolos —, os quais serão considerados, naquele dia do Senhor,
como não possuindo qualquer utilidade, exceto para serem pisados
como a lama nas ruas. Ah, como aqueles que professam ser
cristãos, mas são negligentes, nus e insípidos serão rejeitados por
Deus e por seu Cristo no julgamento! Se atentem para isso, vocês
que professam serem cristãos!
9. A parábola do joio também confirma essa verdade: pois,
embora se diga que o campo é o mundo, contudo, também é dito
que o joio foi semeado até mesmo dentro da igreja: “Mas, dormindo
os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e
retirou-se” (Mateus 13:24-25). Porém, alguns podem objetar: O joio
pode ser semeado entre o trigo, no mundo, mas não dentro das
igrejas. Eu respondo:
Mas Cristo, ao expor essa parábola, nos diz que o joio foi
semeado em seu reino; o joio, isto é, os filhos do diabo: “Assim
como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na
consumação deste mundo. Mandará o Filho do homem os seus
anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e
os que cometem iniquidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali
haverá pranto e ranger de dentes” (vv. 30, 39-43).
Se atentem para isso, vocês que professam serem cristãos!
10. A parábola das dez virgens também serve para o nosso
propósito de provar essa verdade. Aquelas dez virgens faziam parte
do reino dos céus, isto é, a igreja de Cristo, a igreja visível de Cristo
constituída legitimamente; porque todas saíram do mundo, todas
tinham suas lâmpadas e todas saíram ao encontro do noivo. No
entanto, a metade dela foi frustrada na porta do céu; elas foram
deixadas de fora e mandadas embora, e Cristo lhes disse que não
as conhecia (Mateus 25:1-13). Tremam e orem, vocês que
professam serem cristãos!
11. A parábola da rede lançada ao mar também nos confirma
essa verdade. O propósito dessa parábola é mostrar que as almas
podem ser reunidas pelo evangelho, assim como uma rede reúne
vários peixes, e as almas podem ser mantidas nessa rede e
puxadas para a praia até o fim do mundo e, contudo, elas podem
ser como peixes ruins, que para nada prestam senão para serem
lançados fora. A parábola diz o seguinte:
“O reino dos céus”, o evangelho, “é semelhante a uma rede
lançada ao mar”, o mundo, “e que apanha toda a qualidade de
peixes”, bons ou maus, “e, estando cheia, a puxam para a praia”, no
fim do mundo, “e, assentando-se”, no julgamento, “apanham para os
cestos os bons; os ruins, porém, lançam fora”.
Alguns peixes ruins, senão muitos, serão encontrados na rede
do evangelho, no dia do julgamento (Mateus 13:47, 49). Vocês que
professam serem cristãos, observem isso e sejam sóbrios!
12. “Mas eu vos digo que muitos virão do oriente e do
ocidente, e assentar-se-ão à mesa com Abraão, e Isaque, e Jacó,
no reino dos céus; e os filhos do reino serão lançados nas trevas
exteriores” (Mateus 8:11-12). Os filhos do reino são aqueles que
possuíam privilégios como estes: “a adoção de filhos, e a glória, e
as alianças, e a lei, e o culto, e as promessas” (Romanos 9:4). Tomo
a liberdade de insistir ainda mais na igreja dos judeus, porque
aquelas coisas aconteceram a eles como tipos e exemplos para
nós, portanto, há base para pensar que coisas de natureza tão
terrível devem acontecer entre a igreja dos gentios (1 Coríntios
10:11-12). As igrejas gentias não receberam garantia alguma de
Deus de que coisas tão terríveis não lhes aconteceriam. Pelo
contrário, muitas advertências foram feitas a nós com relação a isso
(1 Coríntio 6:9-10; Gálatas 5:19-21; Efésios 5:3-6, Filipenses 3:17,
19; 2 Tessalonicenses 2:11-12; 2 Timóteo 2:20-21; Hebreus 6:4-8,
10:26-28; 2 Pedro 2 e 3; 1 João 5:10; Apocalipse 2:20-22).
13. A parábola da videira verdadeira e seus ramos também
confirmam o que eu disse. Entendo que a videira é Cristo, como
cabeça, e o ramos são a igreja. Alguns desses ramos se mostraram
infrutíferos e, com o tempo, foram expulsos da igreja, recolhidos
pelos homens e queimados (João 15:1-6).
14. Por último, comentarei acerca de casos particulares.
(1.) Havia um diabo entre os doze (João 6:70).
(2.) Ananias e Safira faziam parte da igreja de Jerusalém (Atos
5).
(3.) Simão, o Mago, estava entre aqueles de Samaria (Atos 8).
(4.) Entre a igreja de Corinto havia aqueles que não tinham o
conhecimento de Deus (1 Coríntios 15:34).
(5.) Paulo disse aos Gálatas que falsos irmãos entraram
sorrateiramente sem serem percebidos; e o mesmo é dito pelo
apóstolo Judas e, ainda assim, eles eram tão vigilantes como
qualquer um de nós hoje (Gálatas 2:4, Judas 4).
(6.) A igreja em Sardes tinha apenas algumas pessoas que
pertenciam ao reino dos céus. “Mas também tens em Sardes
algumas poucas pessoas que não contaminaram suas vestes, e
comigo andarão de branco; porquanto são dignas disso” (Apocalipse
3:4).
(7.) A igreja de Laodiceia é chamada de “desgraçada,
miserável, pobre, cega e nua” (Apocalipse 3:17).
Posso dizer ousadamente que tudo isso junto nos mostra que
entre a multidão daqueles que serão condenados, os cristãos
meramente professos serão uma parte considerável; ou, para usar
as palavras que usei anteriormente, “os homens podem argumentar
o quanto quiserem na tentativa de alcançarem o céu, mas poucos o
terão como herança”.
5
Razões pelas quais
Poucos são Salvos
Vou lhe mostrar algumas outras razões pelas quais apenas poucos
serão salvos, além das que já mencionei anteriormente. E, em
primeiro lugar, mostrarei por que os mundanos miseráveis, carnais e
ignorantes não podem alcançar o céu; e então, em segundo lugar,
por que os falsos cristãos também não o podem.

Por que os mundanos miseráveis, carnais e


ignorantes não podem alcançar o céu
1. Os mundanos miseráveis, carnais e ignorantes não podem
alcançar o céu porque amam seus pecados e não podem deixá-los:
“Os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas
obras eram más” (João 3:19). Os mundanos miseráveis e ignorantes
não podem alcançar o céu porque, em suas mentes, eles são
inimigos de Deus, da Palavra dele e da santidade; e porque todos
os que têm prazer na injustiça devem ser condenados (2
Tessalonicenses 2:10-12). Os mundanos miseráveis e ignorante não
podem alcançar o céu porque tapam os ouvidos contra a verdade e
se recusa a vir quando Deus o chama:
Porque eu clamei e recusastes; e estendi a minha mão e não
houve quem desse atenção, antes rejeitastes todo o meu conselho,
e não quisestes a minha repreensão, também de minha parte eu me
rirei na vossa perdição e zombarei, em vindo o vosso temor. Vindo o
vosso temor como a assolação e vindo a vossa perdição como uma
tormenta… então clamarão a mim, mas eu não responderei; de
madrugada me buscarão, porém não me acharão (Provérbios 1:24-
29).
2. Os mundanos pobres e ignorantes não podem alcançar o
céu porque o deus deste mundo cegou os olhos deles, para que não
possam ver o estado péssimo e condenável em que se encontram e
nem a maneira como sair dele. Eles também não veem a beleza de
Jesus Cristo, nem como ele está disposto a salvar pecadores
miseráveis (2 Coríntios 4:2-3).
3. Os mundanos pobres e ignorantes não podem alcançar o
céu porque adiam sua vinda a Cristo, até que passa o tempo da
paciência e da graça de Deus. Com efeito, alguns estão decididos a
nunca vir; mas alguns outros dizem: “Nós vamos depois”, e então
caem em condenação, porque Deus os chamou, e eles não
ouviram; “por isso clamarão, e eu não ouvirei”, diz o Senhor
(Zacarias 7:11-13).
4. Os mundanos pobres e ignorantes não podem alcançar o
céu porque possuem uma compreensão falsa acerca da
misericórdia de Deus. Eles dizem em seus corações: “Terei paz,
ainda que ande conforme o parecer do meu coração; para
acrescentar à sede a bebedeira”. Mas o que diz a Palavra? “O
Senhor não lhe quererá perdoar; mas fumegará a ira do Senhor e o
seu zelo contra esse homem, e toda a maldição escrita neste livro
pousará sobre ele; e o Senhor apagará o seu nome de debaixo do
céu” (Deuteronômio 29:19-21).
5. Os mundanos pobres e ignorantes não podem alcançar o
céu porque menosprezam o evangelho, o qual lhes oferece a
misericórdia livremente, porque se apoiam em seus próprios
raciocínios, pensamentos e ações (Mateus 22:1-5; Romanos 9:30-
31).
6. Os mundanos pobres e carnais não podem alcançar o céu
porque a incredulidade, a qual reina sobre eles, os impede para
sempre de serem vestidos com a justiça de Cristo, e de serem
lavados em seu sangue, sem o qual não há remissão de pecados,
nem justificação.

Razões pelas quais os falsos cristãos não podem


alcançar o céu
Em primeiro lugar, em geral, eles confiam em coisas que ficam
aquém da graça salvífica; como, por exemplo, em um entendimento
que não é salvífico, em uma fé que não é salvífica etc. Compararei
coisas salvíficas com não salvíficas, para que, se Deus permitir,
você possa discerni-las.
1. Os que serão salvos têm conhecimento sobre o seu estado
por natureza? Aqueles que serão condenados também têm. Aqueles
que nunca irão para o céu podem entender muito acerca do pecado
e da ira de Deus sobre ele. Esse foi o caso com Caim e Judas,
contudo, eles ficaram de fora do reino (Gênesis 4, Mateus 27:4). Os
salvos têm convicções que os levam a herdar a vida eterna; mas as
convicções dos não salvos não são assim. As convicções dos
primeiros os conduzem sinceramente a Cristo; as convicções dos
últimos os conduzem à lei e, finalmente, a lei os conduz ao
desespero.
2. Existe um tipo de arrependimento que não salva, um
arrependimento do qual devemos nos arrepender; e existe um
arrependimento para a salvação, do qual não há arrependimento (2
Coríntios 7:10). No entanto, há tantas semelhanças entre um e outro
que, na maioria das vezes, o tipo errado de arrependimento é
tomado como certo, e por causa desse erro os hipócritas perecem.
Por exemplo:
(1.) No arrependimento salvífico há um reconhecimento do
pecado; mas aquele outro tipo de arrependimento falso reconhece
seus pecados também (Mateus 27:4).
(2.) No arrependimento salvífico, há um pesar por causa do
pecado; mas aquele que tem o outro tipo de arrependimento
também pode sentir pesar devido aos seus pecados (Gênesis 4:13).
(3.) No arrependimento salvífico, há humilhação por causa do
pecado; mas aquele outro tipo de arrependimento também pode
levar alguém a se humilhar (1 Reis 21:29).
(4.) O arrependimento salvífico é acompanhado pelo
sentimento de aversão de si mesmo; mas aquele que tem o outro
tipo de arrependimento também pode ter aversão ao pecado. Esse
outro tipo de arrependimento não sente aversão pelo pecado por
causa do pecado em si, mas ele sente aversão pelo pecado quando
o pecado se torna ou cria problemas para ele. O cachorro não odeia
a própria coisa que causa incômodo ao seu estômago, mas porque
o incomoda; então quando essa coisa o incomodar, ele pode vomitá-
la e voltar a comer o que vomitou como o fez antes daquilo o
incomodar (2 Pedro 2:22).
(5.) O arrependimento salvífico é acompanhado de orações e
lágrimas; mas aquele que tem apenas o outro tipo de
arrependimento pode recorrer às orações e às lágrimas também
(Gênesis 27:34-35; Hebreus 12:16-17).
(6.) No arrependimento salvífico, há temor e reverência à
Palavra e aos ministros que a pregam; mas isso pode se dar
também entre aqueles que não possuem outro tipo de
arrependimento senão aquele que não os salva; pois Herodes
“temia a João, sabendo que era homem justo e santo; e guardava-o
com segurança, e fazia muitas coisas, atendendo-o, e de boa mente
o ouvia” (Marcos 6:20).
(7.) O arrependimento salvífico torna o coração do homem
sensível a ponto de que ele não é mais capaz de fazer qualquer
coisa contra a Palavra de Deus. Mas Balaão poderia dizer: “Ainda
que Balaque me desse a sua casa cheia de prata e ouro, não
poderia ir além da ordem do Senhor” (Números 24:13).
Vejam, então, o quão longe um homem pode ir em seu
arrependimento e, ainda assim, carecer daquilo que é chamado de
“arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende”:[6]
(a.) Ele pode ter consciência do pecado;
(b.) Ele pode reconhecer seu pecado;
(c.) Ele pode sentir pesar pelo pecado;
(d.) Ele pode se humilhar por causa do pecado;
(e.) Ele pode detestar o pecado;
(f.) Ele pode orar e chorar devido ao pecado;
(g.) Ele pode ter prazer em muitas coisas de Deus;
(h.) Ele pode temer pecar contra Deus — e, mesmo depois de
tudo isso, ele poder vir a perecer por carecer de um arrependimento
salvífico.
Em segundo lugar, os que serão salvos têm fé? Ora, aqueles
que não serão salvos também podem ter fé, uma fé tão semelhante
à que salva, que dificilmente podem ser distinguidas, embora sejam
diferentes tanto na raiz como nos frutos. Vejamos:
1. A fé salvífica tem Cristo como seu objeto, e da mesma
forma pode ter a fé que não é salvífica. Cristo diz a respeito
daqueles judeus dos quais é dito que acreditavam nele: “Vós tendes
por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (João
8:30-44).
2. A fé salvífica é operada pela Palavra de Deus, e assim
também pode acontecer com a fé que não é salvífica (Lucas 8:13).
3. A fé salvífica busca a justificação sem as obras, e uma fé
que não é salvífica pode buscar a mesma coisa (Tiago 2:18).
4. A fé salvífica santifica e purifica o coração, e a fé que não
salva pode livrar o homem das contaminações do mundo, assim
como foi o caso com Judas, Demas e outros (2 Pedro 2).
5. A fé salvífica fará com que o homem prove as excelências
do mundo por vir e também antecipe o desfrute delas, e uma fé que
não é salvífica também pode fazer isso (Hebreus 6:4-5; Lucas 8:13).
6. A fé salvífica dá coragem ao homem, se necessário, para
enfrentar o martírio por causa da sua religião, e uma fé que não é
salvífica também pode fazer isso (1 Coríntios 13:1-5).
7. A fé salvífica fortalecerá o homem a buscar uma herança no
mundo vindouro, e uma fé que não é salvífica também pode fazer
isso. Todas aquelas virgens “tomando as suas lâmpadas, saíram ao
encontro do esposo” (Mateus 25:1).
8. A fé salvífica não apenas fará o homem procurar, mas
também se preparar para encontrar com o noivo, e uma fé que não
é salvífica também pode fazer isso: “Então todas aquelas virgens se
levantaram, e prepararam as suas lâmpadas” (Mateus 25:7).
9. A fé salvífica fará com que o homem busque sua parte no
reino dos céus com confiança, e a fé que não é salvífica exigirá a
sua entrada até mesmo do Senhor: “Senhor, Senhor, abre-nos”
(Mateus 25:11).
10. A fé salvífica fará com que as boas obras a sigam até o
céu, e a fé que não é capaz de salvar pode estar acompanhada de
grandes obras e ir com elas até as portas do céu: “Senhor, Senhor,
não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não
expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas
maravilhas?” (Mateus 7:22).
Ora, se a fé que não salva pode ter Cristo como seu objeto,
ser operada pela Palavra, buscar a justificação sem obras, livrar os
homens das corrupções do mundo, fazê-los provar e antecipar
alegria das coisas do mundo vindouro, encorajar um homem a
morrer por causa da sua consciência, buscar uma herança no
mundo vindouro, ajudar um homem a se preparar e reivindicar sua
parte neste reino, fazer obras grandes e gloriosas e levá-las consigo
até as portas do céu — então não é de se admirar que muitas
pessoas confundam essa fé com a fé salvífica e, desse modo,
acabem do lado de fora do céu. Infelizmente, amigos, poucos são os
que podem produzir as obras de arrependimento; e, ainda assim,
como já foi provado, esse tipo de fé foi demonstrada até mesmo por
réprobos em várias eras da igreja.
Em terceiro lugar, aqueles que vão para o céu são um povo
que ora; mas um homem pode orar e, ainda assim, não ser salvo.
Orar! Ele pode orar diariamente, ele pode suplicar a Deus pelas
ordenanças da justiça e pode se deleitar em se aproximar de Deus,
além disso, essas almas podem até mesmo, por assim dizer, cobrir
o altar do Senhor com lágrimas e clamores (Isaías 28:2; Malaquias
2:13).
Em quarto lugar, o povo de Deus pratica jejuns santos?
Aqueles que não são seu povo podem jejuar também, podem fazê-
lo frequentemente, até mesmo duas vezes por semana: “O fariseu,
estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te
dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos
e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na
semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo” (Lucas 18:11-12).
Eu poderia desenvolver ainda mais este ponto, mas isso
ultrapassaria o propósito deste pequeno livro. Eu não duvido que
muitos seguidores de Balaão comparecerão perante o tribunal para
serem condenados, homens que tiveram visões de Deus e que
receberam o conhecimento do Altíssimo, que tiveram o Espírito de
Deus sobre eles e que, por isso, foram transformados em outros
homens; entretanto, todos esses acabarão como as gerações de
seus pais, eles nunca verão a luz (Números 24:2, 4, 16; 1 Samuel
10:6, 10; Salmos 49:19).
Eu li sobre alguns homens cuja excelência na religião sobe até
os céus e suas glórias alcançam as nuvens e que, ainda assim,
perecerão para sempre como seu próprio esterco. E aqueles que
neste mundo os tiverem visto, dirão no julgamento: “Onde estão?”
(Jó 20:5-7). Haverá muitos que foram grandemente estimados entre
os cristãos neste mundo, mas que não estarão entre os salvos no
dia da vinda de Cristo, muitos que jamais imaginaram que seriam
condenados. Qual dos doze pensaria que Judas se revelaria um
diabo? Quando Cristo disse que um entre eles era ímpio, cada um
dos apóstolos temeu mais por isso mesmo do que por ele (Mateus
26:21-23). Quem questionaria a salvação das virgens imprudentes?
As virgens prudentes não questionaram, pelo contrário, elas lhe
concederam o privilégio da comunhão entre elas (Mateus 25). O
discernimento do coração e a prova infalível da verdade da graça
salvífica estão reservados para o julgamento de Jesus Cristo em
sua vinda. A igreja e os melhores dos santos às vezes acertam,
porém, outras vezes, erram seus julgamentos sobre esse assunto. E
a causa de nossas falhas em nosso julgamento é:
1. Em parte, porque não podemos, em todos os momentos,
distinguir de modo infalível a graça que salva daquela que somente
aparenta fazer isso.
2. Em parte também porque alguns homens têm a arte de dar
nomes certos a coisas erradas.
3. E em parte porque nós, por sermos ordenados a receber
aquele que é fraco, temos medo de excluir qualquer um que seja
cristão.
Os hipócritas se infiltram nas igrejas por meio de
dissimulação. Mas o que diz a Escritura? “Eu, o Senhor,
esquadrinho o coração e provo os rins”. E novamente: “Todas as
igrejas saberão que eu sou aquele que sonda os rins e os corações.
E darei a cada um de vós segundo as vossas obras” (Jeremias
11:20, 17:10; Apocalipse 2:23). O discernimento infalível está
reservado para esse que esquadrinha os corações, e então vereis
quão longe da verdade estava a graça que não salva; e também
quão poucos, de fato, serão salvos. Ó, Senhor, desperta os
pecadores miseráveis através deste livreto.
Aplicações
Passarei agora à breves aplicações de tudo o que vemos.

Primeira Aplicação
Primeiramente, me dirigirei àquele que é abertamente profano.
Pecador miserável, você viu nestas páginas que apenas alguns
serão salvos e que até mesmo muitos daqueles que esperam entrar
no céu ficarão de fora dele. O que você tem a dizer sobre isso,
pobre pecador? Deixe-me lhe dizer isso novamente: Existem poucos
a serem salvos, mas muito poucos. Deixe-me acrescentar: Somente
alguns poucos dentro os que se dizem cristãos serão salvos,
somente alguns poucos serão salvos mesmo dentre aqueles que
são considerados cristãos eminentes. O que você tem a dizer sobre
isso agora, pecador? Se o julgamento começa pela casa de Deus,
qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de
Deus? Esta é a pergunta que Pedro faz. Você pode responder,
pecador? Repito: se o julgamento deve começar com eles, isso não
o leva a pensar: “O que será de mim?”. E eu acrescento que quando
vir as estrelas do céu caindo para o inferno, você será capaz de
pensar que um amontoado de pecados como você será elevado ao
céu?
Pedro lhe faz outra pergunta: “E, se o justo apenas se salva,
onde aparecerá o ímpio e o pecador?” (1 Pedro 4:18). Você pode
responder a essa pergunta, pecador? Você não poderá permanecer
entre os justos: “Por isso os ímpios não subsistirão no juízo, nem os
pecadores na congregação dos justos” (Salmos 1:5). Você não
gostaria de permanecer entre os ímpios. Mas onde você estará,
pecador? Permanecer entre os hipócritas não lhe servirá de nada. O
hipócrita “não virá perante ele”, isto é, não será aceito na presença
de Deus, mas perecerá (Jó 13:16). Deixe continuar, pois isso é do
seu grande interesse! Quando você ver pecadores melhores do que
você amarrados pelos anjos em feixes, para serem queimados,
onde você estará, pecador? Você poderá desejar ser outra pessoa,
mas isso não lhe ajudará. Você poderá querer ter se convertido
antes, mas isso também não lhe ajudará. E se, como a esposa de
Jeroboão, você fingir ser outra mulher, o Profeta, o Senhor Jesus,
logo o descobrirá! O que você vai fazer, pobre pecador? Notícias
terríveis virão sobre você, a menos que você se arrependa, pecador
miserável (1 Reis 14:2, 5, 6; Lucas 13:3, 5)! Ah, quão terrível é o
estado em que se encontra um pecador miserável, e que é
abertamente profano! Todos os que são dotados de bom senso
sabem que esse homem está a caminho da morte, mas ele ri de sua
própria condenação.
Será que eu deveria ser ainda mais específico sobre essa
questão?
1. Pecador miserável e impuro: “A sua casa é caminho do
inferno que desce para as câmaras da morte” (Provérbios 2:18, 5:5,
7:27).
2. Miserável pecador blasfemo e roubador, Deus tem
preparado suas maldições e, portanto, “qualquer que furtar será
desarraigado, conforme está estabelecido de um lado do rolo; como
também qualquer que jurar falsamente, será desarraigado, conforme
está estabelecido do outro lado do rolo” (Zacarias 5:3).
3. Miserável pecador bêbado, o que devo dizer a você? “Ai da
coroa de soberba dos bêbados de Efraim”, “ai dos que são
poderosos para beber vinho, e homens de poder para misturar
bebida forte”, “não hão de herdar o reino de Deus” (Isaías 28:1;
5:22; 1 Coríntios 6:9-10).
4. Miserável pecador cobiçoso, a Palavra de Deus diz, que o
“avarento renuncia ao Senhor”; que “avarento é idólatra”; e que os
avarentos “não hão de herdar o reino de Deus” (Salmos 10:3;
Efésios 5:5; João 2:15; 1 Coríntios 6:9-10).
5. E você, mentiroso, o que vai fazer? “A todos os mentirosos,
a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre” (Apocalipse
21:8, 27).
Não pretendo me prolongar ainda mais, pecador miserável,
não permita que alguém lhes engane, “porque por estas coisas vem
a ira de Deus sobre os filhos da desobediência” (Efésios 5:6).
Portanto, apenas lhe farei mais algumas breves advertências e
então lhe deixarei.
Pecador, desperte! Desperte! O pecado jaz à sua porta, o
machado de Deus está posta à sua raiz e o fogo do inferno arde
debaixo de você (Gênesis 4:7). Desperte! “Toda a árvore, pois, que
não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo” (Mateus 3:10).
Pecador miserável, desperte; a eternidade está próxima,
juntamente com O FILHO, os dois estão vindo para julgar o mundo.
Desperte! Ainda está dormindo, pobre pecador? Deixe-me tocar a
trombeta aos seus ouvidos mais uma vez! Em breve os céus serão
abrasados e a terra e as obras nela serão queimadas, e então os
homens iníquos irão para a perdição. Você está ouvindo, pecador?
(2 Pedro 3). Ouçam novamente, os doces prazeres do pecado então
desaparecerão e somente os seus frutos amargos e dolorosos
permanecerão. O que você me diz agora, pecador? Você aguentaria
beber do fogo do inferno? A ira de Deus seria agradável ao seu
paladar? Esta será sua comida e bebida por todos os dias no
inferno, pecador!
Colocarei diante de você a pergunta mais aterrorizante que
Deus nos faz, e então, por agora, lhe deixarei: “Porventura estará
firme o teu coração? Porventura estarão fortes as tuas mãos, nos
dias em que eu tratarei contigo?”, Diz o Senhor (Ezequiel 22:14). O
que você diz? Gostaria de responder a essa pergunta agora ou
gostaria de ter mais um tempo? Ou irá se desesperar e arriscar
tudo? Deixe-me colocar esse texto diante de seus olhos para mantê-
los abertos e, assim, possa o Senhor ter misericórdia de você:
“Sobre os ímpios fará chover laços, fogo, enxofre e vento
tempestuoso; isto será a porção do seu copo” (Salmos 11:6).
Arrependam-se, pecadores!

Segunda Aplicação
Minha segunda aplicação é dirigida aos que estão na roda do oleiro;
dos quais ainda não sabemos se suas convicções e entendimento
terminarão em conversão ou não. Direi várias coisas a você, tanto
para aumentar suas convicções quanto para adverti-lo a não
permanecer em qualquer estado que esteja aquém ou destituído da
graça salvífica.
1. Lembre-se de que poucos serão salvos; e se Deus lhe
considerasse digno de ser um desses poucos, que misericórdia
seria!
2. Agradeça, portanto, pelas convicções de pecado que você
sente; a conversão começa com a convicção, embora nem toda
convicção termine em conversão. É uma grande misericórdia
estarmos convencidos de que somos pecadores e de que
precisamos de um Salvador; portanto, considere isso como uma
misericórdia, e para que suas convicções possam terminar em
conversão, tome cuidado para não as extinguir. É da natureza dos
pecadores considerarem tais convicções como algo que os
prejudicam; e, portanto, costumam eles evitar o ministério do
Espírito e buscam calar a voz de uma consciência que buscam
convencê-los. Esses pecadores miseráveis são muito parecidos
com o menino travesso que fica ao lado da empregada para soprar
e apagar a candeia tão rápido quanto ela a acender no fogo. Ó,
pecador, Deus acende sua candeia e você a apaga; Deus a acende
novamente e você a apaga. Sim, “quantas vezes sucede que se
apaga a lâmpada dos ímpios” (Jó 21:17)? Por fim, Deus resolve que
não acenderá mais sua candeia; e então, como os egípcios, você
habitará todos os seus dias em trevas, e nunca mais verá a luz,
senão a luz do fogo do inferno. Portanto, dê glória a Deus e, se ele
despertar a sua consciência, não extinga as suas convicções. Como
diz o profeta, faça isso “antes que venha a escuridão e antes que
tropecem vossos pés nos montes tenebrosos; antes que, esperando
vós luz ele a mude em sombra de morte, e a reduza à escuridão”
(Jeremias 13:16).
(1.) Esteja disposto a ver o pior de sua condição. É melhor ver
isso aqui do que no inferno; pois é certo que você verá sua miséria,
seja aqui ou lá.
(2.) Cuidado com os pequenos pecados; eles abrirão caminho
para os grandes, e estes por sua vez abrirão caminho para pecados
maiores ainda, que atrairão a ira de Deus sobre você; e então o seu
fim pode ser pior do que o seu começo (2 Pedro 2:20).
(3.) Preste atenção às más companhias e aos maus
relacionamentos, pois isso corromperá os bons costumes. Deus diz
que as más companhias o desviarão de segui-lo e o tentarão a
servir a outros deuses, isto é, demônios. “E a ira do Senhor se
acenderia contra vós, e depressa vos consumiria” (Deuteronômio
7:4).
(4.) Cuidado com pensamentos que o levem a retardar seu
arrependimento, pois isso é condenável (Provérbios 1:24, Zacarias
7:12-13).
(5.) Cuidado para não seguir o exemplo de alguns hipócritas
infelizes e carnais, cuja religião só existe na ponta da língua.
Cuidado, eu digo, com o homem cuja boca está repleta de palavras
bonitas, mas “sua vida perece entre os impuros” (Jó 36:14). “O que
anda com os sábios ficará sábio, mas o companheiro dos tolos será
destruído” (Provérbios 13:20).
(6.) Dedica-se muito à Palavra, oração e conversas piedosas.
(7.) Trabalhe para mortificar até mesmo o que existe em suas
melhores ações, e saiba que tudo que você faz será inútil se você
não for achado em Jesus Cristo.
(8.) Lembre-se de que os olhos de Deus estão sobre o seu
coração e sobre todos os seus caminhos: “Esconder-se-ia alguém
em esconderijos, de modo que eu não o veja? diz o Senhor.
Porventura não encho eu os céus e a terra? diz o Senhor” (Jeremias
23:24).
(9.) Medite frequentemente sobre a morte e o julgamento
(Eclesiastes 11:9; 12:14).
(10.) Esteja sempre pensando no terrível fim que os
pecadores que negligenciaram a Cristo terão naquele dia de morte e
julgamento (Hebreus 10:31).
(11.) Imagine, muitas vezes, que você deva comparecer diante
do tribunal de Cristo em seus pecados e considere consigo mesmo:
Como eu estaria se tivesse que me apresentar agora diante de meu
Juiz, como me apresentaria, estaria tremendo e aterrorizado?
(12.) Pense frequentemente naqueles que estão agora no
inferno, distantes de toda misericórdia; pense continuamente neles
da seguinte maneira: Eles já estiveram no mundo, como eu estou
agora; uma vez eles se deleitaram com o pecado, como eu tenho
me deleitado; eles negligenciaram o arrependimento, como Satanás
quer que eu faça. Mas agora eles se foram, agora eles estão no
inferno, agora a cova se fechou sobre eles!
Você também pode questionar o que seria dos condenados
caso a situação deles fosse outra: Se essas criaturas miseráveis
estivessem no mundo novamente, elas pecariam como antes? Elas
negligenciariam a salvação como fizeram antes? Se elas ouvissem
sermões, como eu ouço; se elas lessem a Bíblia, como eu leio; se
tivessem boas companhias, como eu tenho; se elas tivessem um dia
de graça, como eu tenho, elas negligenciariam a salvação?
Pecador, você deveria meditar seriamente nessas coisas,
pois, se Deus quiser, elas podem ser úteis para lhe manter vigilante
para o arrependimento que é para a salvação, do qual nunca se
arrependerá.
Objeção: Mas você disse que poucos serão salvos; e que até
mesmo muitos dos que parecem grandes cristãos não serão salvos.
Isso me faz ficar desanimado e abatido; acho que não tenho motivos
pra continuar. De fato, estou convicto do meu pecado, mas ainda
posso perecer; e se eu continuar em meus pecados, perecerei de
fato. Mesmo que eu seja muito zeloso pelo céu, a possibilidade de
eu ser salvo são de dez, vinte ou cem para um.
Resposta: É verdade que poucos serão salvos, pois foi Cristo
quem o disse; que muitos estarão distantes e não entrarão no céu, é
igualmente verdade, pois isso é testemunhado pela mesma Palavra.
Ora, como devemos reagir diante dessas verdades? “Ora, diante
disso eu não tenho motivos para procurar entrar no céu”. Quem lhe
disse isso? Ninguém deve buscar entrar no céu pelo fato de que
poucos serão salvos? Isso é exatamente contrário ao texto, que nos
convida, por isso mesmo, a nos esforçar. Esforce-se para entrar,
porque a porta é estreita e porque muitos procurarão entrar e não
poderão. Mas por que voltar atrás, visto que esse é o caminho mais
rápido para o inferno? Nunca busque atalhos para o inferno. Se eu
tiver que ir para lá, então irei pelo caminho mais longo. Mas alguém
pode dizer: “Se são apenas poucos que serão salvos, como você
pode dizer que eu sou um desses?”. Aqueles que perdem a vida
perecem porque não abandonam os seus pecados ou porque
assumem uma religião destituída da fé salvífica do evangelho. Eles
perecem porque se contentam com coisas que demonstram não ser
graças de natureza salvífica quando são provadas pelo fogo. Caso
contrário, a promessa é gratuita, completa e eterna, Cristo diz: “O
que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora… Porque Deus
amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”
(João 6:37; 3:16). Portanto, não permita que o fato de que poucos
serão salvos enfraqueça o seu coração, mas que antes isso lhe faça
acelerar seu ritmo, intensificar seus clamores, fixar seus olhos na
vida eterna; que isso o faça fugir mais rapidamente do pecado para
Cristo; que isso o mantenha sóbrio, e longe de qualquer segurança
carnal, e então você poderá ser salvo.

Terceira Aplicação
Minha terceira aplicação é dirigida aos hipócritas. Senhores, deem-
me a permissão de ressoar a trombeta em seus ouvidos novamente.
Quando todos os homens já tiverem feito tudo o que podiam para
adentrarem o céu, somente alguns o terão como herança; poucos
daqueles que se diziam cristãos, pois essa é a intenção do texto,
como já foi provado. “Porque eu vos digo que muitos procurarão
entrar, e não poderão”. Deixe-me, portanto, expor um pouco do
assunto com vocês, ó milhares de hipócritas!
1. Eu começo por você cuja religião reside apenas em suas
palavras; você que é pouco ou nada conhecido do resto da escória
do mundo, só você pode falar melhor do que eles. Ouça-me
brevemente. Se “eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e
não tivesse amor”, isto é, amor a Deus, a Cristo, aos santos, a
santidade, “nada seria”; nem sequer filho de Deus e, portanto, não
tem nada para lhe abrir as portas do céu (1 Coríntios 13:1-2). Uma
língua tagarela não destrancará os portões do céu, nem cegará os
olhos do Juiz. Veja isso: “O sábio de coração aceita os
mandamentos, mas o insensato de lábios ficará transtornado”
(Provérbios 10:8).
2. Hipócrita cobiçoso, você que lucra com a religião, que usa a
fé que diz professar para trazer grãos para o teu moinho, se atente a
isso também. Ganho não é sinal de piedade. A religião de Judas
tinha muito do que se gloriar, mas sua alma está agora queimando
no inferno. Toda cobiça é idolatria; mas o que é isso, ou qual nome
dar, quando os homens são religiosos pelo dinheiro? (Ezequiel
33:31).
3. Hipócritas imorais, tenho uma palavra para vocês; você que
torce o que diz as Escrituras, para manter seu orgulho, sua vaidade
e sua idolatria abominável. Leia o que Pedro tem a dizer. Você é
uma armadilha que serve de condenação para outros. Vocês que
“engodam com as concupiscências da carne, e com dissoluções,
aqueles que se estavam afastando dos que andam em erro” (2
Pedro 2:18). Além disso, o Espírito Santo tem muito contra vocês,
contra os seus banquetes e sua comilança sem temor, não para a
saúde do corpo, mas para alimentar a gula (Judas 12). Além disso,
Pedro diz, que vocês que têm prazer em tumultuar durante o dia são
como manchas e máculas, se divertindo com seus próprios enganos
(2 Pedro 2:13). E deixe-me perguntar: Deus concedeu sua Palavra
para justificar sua impiedade? Ou a graça te ensinou a alimentar sua
carne, ou a atender os desejos de sua concupiscência? Destes
também são os que alimentam seus corpos para saciar suas
concupiscências, sob o pretexto de fortalecer sua frágil natureza.
Mas ore, e lembre-se do texto, “muitos procurarão entrar, e não
poderão”.
4. Irei me referir agora aos prepotentes; aqueles cuja religião
reside em suas opiniões. Com este tipo este reino está repleto nos
dias de hoje. Estes consideram todas as coisas como erradas
quando não se encontram do modo em que eles acreditam que
deveriam estar, quando na verdade eles próprios podem estar
errados em meio a seu zelo por suas próprias opiniões. Ore, e
também observe o texto; “muitos procurarão entrar, e não poderão”.
5. O sujeito amaneirado também não está isento de
exortações. Ele é um homem que perdeu tudo, exceto a casca da
religião. Ele é religioso, de fato, em seu exterior; e não é de admirar,
já que isso é tudo o que lhe importa. Mas sendo seu exterior carente
do poder e do espírito da piedade, não lhe será suficiente para livrá-
lo de seus pecados; ele então estará à vista de Deus e fará parte
dos muitos que “procurarão entrar, e não poderão” (2 Timóteo 3:5).
6. O legalista vem a seguir, aquele que não possui vida
alguma, somente a pretensão de seus deveres. Este homem
escolheu permanecer em Moisés, que é o condenador do mundo. “Há
um que vos acusa, Moisés, em quem vós esperais” (João 5:45).
7. Há, em seguida, o libertino, aquele que finge ser contra as
meras formalidades e o legalismo, como coisas que nos levam à
escravidão, negligenciando a ordem de Deus. Este homem finge
orar sempre, mas, sob esse pretexto, não ora de forma alguma; ele
finge guardar todos os dias um sábado, mas essa pretensão serve
apenas para rejeitar todos os horários estabelecidos para a
adoração a Deus. Este é também um dos muitos que “procurarão
entrar, e não poderão” (Tito 1:16).
8. Existe o latitudinário. Ele é um homem que não tem Deus
algum, senão seus desejos, nem religião alguma, senão aquela pela
qual seu ego é adorado. Sua religião está sempre indo de um lado
para outro, como o vento; sua consciência está entorpecida e
cauterizada, e está a um passo de se tornar um ateu declarado; e
também é um dos muitos que “procurarão entrar, e não poderão”.
9. Há também o hipócrita intencionalmente ignorante, ou
aquele que tem medo de saber mais, por medo da cruz. Ele é a
favor da livre escolha do que é verdade, e não pretende arriscar
qualquer coisa pelo nome digno pelo qual seria chamado. Quando
é, a qualquer momento, perturbado por argumentos ou acusações
de sua consciência, ele costuma dizer: “eu não fui ensinado a crer
dessa forma”; como se fosse ilícito para os cristãos virem a entender
mais do que aquilo que lhes foi ensinado na sua conversão. Existem
muitos textos das Escrituras que confrontam tais homens, todos
apontados contra ele como armas, e ele é um dos muitos que
“procurarão entrar, e não poderão”.
10. A todos estes acrescentaremos o hipócrita que se provaria
cristão, ao se comparar com os outros, em vez de se comparar com
a Palavra de Deus. Este homem se consola, porque ele é tão santo
quanto aquele, ele também sabe tanto quanto este outro, e então
ele conclui que irá para o céu: como se ele certamente soubesse,
que aqueles com quem ele se compara seriam indubitavelmente
salvos; mas e se ele estiver enganado? Não poderia ser que tanto
ele quanto os outros estejam aquém da salvação? Mas podemos ter
certeza de que aquele que se comprara com outros está sobre um
fundamento enganoso; e um fundamento enganoso não subsistirá
no dia do julgamento (2 Coríntios 10:12). Este homem, portanto, é
um dos muitos que “procurarão entrar, e não poderão”.
11. Há ainda outro hipócrita; e este não vê problema em servir
a Deus e a Baal também; ele pode ser qualquer coisa por qualquer
companhia; ele pode atirar pedras com as duas mãos; sua religião
muda tão rápido quanto suas companhias; ele é uma rã do Egito e
pode viver na água e fora dela; ele pode viver em companhia
religiosa e também fora dela. Não há nada de errado para ele; ele
se agarrará à lebre e correrá com o cão; ele carrega fogo em uma
mão e água na outra; ele é tudo, menos o que deveria ser. Este é
também um dos muitos que “procurarão entrar, e não poderão”.
12. Há também aquele que adora o seu livre-arbítrio, que nega
ao Espírito Santo sua soberania na obra de conversão; e aquele
Sociniano, que nega que Cristo concedeu satisfação a Deus pelo
pecado; e aquele Quaker, que nega a Cristo suas duas naturezas
em sua pessoa: e eu poderia acrescentar tantos mais, sobre cuja
condenação, eles morrendo como estão, a Escritura é clara: estes
“procurarão entrar, e não poderão”. Mas,

Quarta Aplicação
Se assim for, que estranho desapontamento muitos hipócritas
encontrarão no dia do julgamento! Não me refiro agora ao ímpio
declarado; todos, como eu disse, que não possuem senão um
entendimento comum entre o bem e o mal, sabem que estão a
caminho do inferno e da condenação, e que merecem este destino;
nada pode livrá-los, exceto o arrependimento para a salvação, a
menos que Deus se mostre um mentiroso a fim de salvá-los, e é
difícil apostar nisso.
Também não seria fora do nosso propósito se tomarmos
conhecimento dos exemplos que são brevemente mencionados nas
Escrituras, a respeito dos hipócritas que foram abortados.
1. Judas pereceu entre os apóstolos (Atos 1).
2. Demas, creio eu, pereceu entre os evangelistas (2 Timóteo
4:10).
3. Diótrefes entre os ministros, ou aqueles em ofício na igreja
(3 João 9).
4. E vários daqueles que se diziam cristãos, eles caíram aos
montes e em quase todas as igrejas (2 Timóteo 1:15; Apocalipse
3:4, 15-17).
5. Acrescentemos a isso que as coisas mencionadas nas
Escrituras sobre essa questão são apenas breves sugestões do que
se seguirá posteriormente; como o apóstolo disse: “Os pecados de
alguns homens são manifestos, precedendo o juízo; e em alguns
manifestam-se depois” (1 Timóteo 5:24).
De modo que, meus companheiros, temamos, para que não
sejamos privados da promessa de entrar neste descanso, e nenhum
de nós venha a falhar. Ó, a falha! Nada mata como ela; nada vai
queimar tanto quanto ela. Não pretendo desencorajá-lo, mas sim
despertá-lo; as igrejas precisam despertar, assim como todos os que
se dizem cristãos. Não me despreze, portanto, mas ouça-me
novamente. Que estranha decepção muitos hipócritas encontrarão
no dia do Deus Todo-Poderoso! — uma grande decepção quanto a
várias coisas:
(1.) Eles procurarão escapar do inferno e, ainda assim, serão
engolidos por ele: que decepção haverá aqui!
(2.) Eles procurarão o céu, mas a porta se fechará contra eles:
que decepção há aqui!
(3.) Eles esperarão que Cristo tenha compaixão por eles, mas
descobrirão que ele cessou todas as suas entranhas de compaixão:
que decepção há aqui! Novamente,

Quinta Aplicação
Assim como essa decepção será terrível, ela certamente também
será muito espantosa.
1. Não ficarão surpresos por serem inesperadamente
excluídos da vida eterna e da salvação?
2. Não será surpreendente para eles ver sua própria loucura e
tolice, enquanto eles consideram como iludiram suas próprias
almas, e assumiram levianamente que eles possuíam aquela graça
que os salvaria, mas que na verdade foram deixados em seu estado
condenável?
3. Eles também não ficarão surpresos uns com os outros, ao
se lembrarem de como, durante a vida, se consideraram coerdeiros
da vida eterna? Para aludir ao profeta, “cada um se espantará do
seu próximo; os seus rostos serão rostos flamejantes” (Isaías 13:8).
4. Não será surpreendente para alguns dos próprios
condenados, ver algumas pessoas irem para o inferno, as quais eles
não esperavam que iriam para lá? Ver pregadores da Palavra,
professos da Palavra, praticantes da Palavra, indo para o inferno.
Que espanto havia entre aqueles que presenciaram a queda do rei
da Babilônia, visto que ele pensava estar acima de todos, mas foi
pisado pelos medos e persas! “Como caíste desde o céu, ó Lúcifer,
filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as
nações!” Se uma coisa como esta surpreenderá com tanto espanto
os condenados, que tamanho será seu espanto ao ver alguém como
aquele cuja cabeça alcançou as nuvens, descer ao abismo e
perecer para sempre como esterco. “O inferno desde o profundo se
turbou por ti, para te sair ao encontro na tua vinda; despertou por ti
os mortos, e todos os chefes da terra, e fez levantar dos seus tronos
a todos os reis das nações” (Isaías 14). Aqueles que poderão te ver,
estreitamente olharão para ti e te contemplarão, dizendo: É este o
homem? É este aquele que um dia professou a fé, nos contestou e
nos abandonou; mas agora ele voltou a estar entre nós? É aquele
que um dia se separou de nós, mas agora perece conosco na
mesma condenação eterna?

Sexta Aplicação
Mais uma vez, mais uma palavra, se ASSIM puder despertar
aqueles que se dizem cristãos. Considere, embora o pobre mundo
carnal certamente pereça, ainda assim eles carecerão dessas
coisas para agravar a própria tristeza, coisas tais que você
encontrará em cada pensamento seu sobre a condição em que
estava quando se encontrava no mundo.
1. Eles não terão uma profissão de fé, para abocanhá-los
quando chegarem lá.
2. Eles não terão o sabor amargo do céu que perderam, para
abocanhá-los quando chegarem lá.
3. Eles não terão os pensamentos de remorso, “Eu estava tão
próximo do céu”, para abocanhá-los quando chegarem lá.
4. Eles não terão as lembranças de como eles enganaram os
santos, os ministros, as igrejas, para abocanhá-los quando
chegarem lá.
5. Eles não terão as lembranças moribundas de sua falsa fé,
sua falsa esperança, seu falso arrependimento e sua falsa
santidade, para abocanhá-los quando chegarem lá. “Eu estava às
portas do céu, olhei para o céu, pensei que passaria por elas”; Ó,
como essas coisas doerão! Elas serão, se assim posso chamá-las,
o aguilhão do aguilhão da morte no fogo do inferno.

Sétima Aplicação
Deixe-me agora lhe dar um pequeno conselho.
1. Você ama a sua própria alma? Então ore a Jesus Cristo por
um coração desperto, por um coração desperto para todas as coisas
do outro mundo, para que você possa ser atraído a Jesus Cristo.
2. Quando fizer isso, implore novamente por mais consciência
sobre o pecado, o inferno, a graça e sobre a justiça de Cristo.
3. Clame também por um espírito de discernimento, para que
possa saber o que realmente é a graça salvífica.
4. Acima de todos os estudos, aplique-se ao estudo daquelas
coisas que mostram a maldade do pecado, a brevidade da vida do
homem e qual é o caminho para ser salvo.
5. Mantenha-se na companhia dos mais piedosos entre os
cristãos.
6. Quando ouvir sobre a natureza da verdadeira graça, não
deixes de perguntar ao seu próprio coração se esta graça existe ali.
E aqui, preste atenção:
(1.) Que o próprio pregador seja são e de boa vida.
(2.) Que você não tome graças aparentes por verdadeiras,
nem frutos aparentes por frutos reais.
(3.) Cuide para que um pecado em sua vida não fique sem
arrependimento; pois isso causará uma falha nas evidências de sua
vida cristã, uma ferida em sua consciência e uma ruptura em sua
paz; suas chances serão de cem para um, se por fim não conduzir
toda a graça que possui para os cantos mais escuros de teu
coração, pois se não for assim você não será capaz, por um tempo,
mesmo com todas as tochas que iluminam o evangelho, de
encontrar seu próprio conforto e consolo .
A editora O Estandarte de Cristo é fruto de um trabalho
que começou a ser idealizado por volta do início de
2013, por William e Camila Rebeca, com o propósito
principal de publicar traduções de autores bíblicos fiéis.
Fizemos as primeiras publicações no dia 2 de dezembro
de 2013 (publicação de 4 eBooks). De lá para cá já são
quase 5 anos e centenas de traduções de autores
bíblicos fiéis, sobre diversos temas da Fé Cristã.

Somos uma editora de fé cristã batista reformada e


confessional. Estamos firmemente comprometidos com
as verdades bíblicas fielmente expostas na Confissão de
Fé Batista de 1689.

OEstandarteDeCristo.com
Conheça outro livro publicado pela editora
O Estandarte de Cristo

Um Guia para a Oração Fervorosa - A.W. Pink


❝ A oração particular é o teste de nossa sinceridade, o indicador de nossa
espiritualidade, o principal meio de crescimento na graça. A oração particular
é a única coisa, acima de todas as demais, que Satanás busca impedir, pois
ele bem sabe que, se ele puder ser bem sucedido neste ponto, o cristão
falhará em todos os outros… Por mais desesperado que seja o nosso caso,
maior é nossa necessidade de orar, se a graça em nós está fraca, a contínua
negligência em orar a fará ainda mais fraca, se nossas corrupções são fortes,
a omissão em orar as fará ainda mais fortes. ❞ A.W. Pink
[1]
Nota de tradução: Referência à Holy War [Guerra santa], obra alegórica
também da autoria de John Bunyan.
[2]
Nota de tradução: A referência é a Carlos II, que se refugiou na França para
fugir da guerra civil que levou à execução de seu pai, Carlos I, mas que retornou à
Inglaterra e ao trono após a queda do Protetorado.
[3]
Cf. Atos 16:30.
[4]
Cf. Mateus 14:30.
[5]
Cf. Gênesis 3:24.
[6]
Cf. 2 Coríntios 7:10.

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