Você está na página 1de 293

Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.

br - HP157016481692041

Obras
Análises completas e questões

comentadas

Tudo Sobre o PAS UnB

PAS 3

Edição 2021
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Apresentação
Carta ao estudante
Futuro (a) estudante da UnB,

Seja bem-vindo (a) ao nosso curso, desejamos que por meio do nosso material didático você consiga
obter êxito no seu objetivo que é ingressar na Universidade de Brasília. Dessa maneira, elaboramos cuidadosamente
Obras PAS I com base na Matriz do PAS, este material é resultado de muito trabalho em equipe, o qual foi sistemati-
zado com intuito de facilitar seu aprendizado. Foi coordenado por nós, Juliana Galvão (Música) e Tiago Henrique (Di-
reito), e desenvolvido por uma eficiente equipe de acadêmicos da Universidade de Brasília que conhecem, na prática,
o que é fazer o PAS.

O TSPASUnB foi fundado em 2014. Inicialmente ofertávamos apenas aulas presenciais sobre as obras da 1ª
Etapa. Com o crescimento da demanda, estendemos às 2ª e 3ª etapas, criamos um blog e um site (tspasunb.com), um
canal no Youtube, Fanpage, Instagram, grupos no Whatsapp e no Facebook, começamos a sugerir temas de redações
e consequentemente a corrigi-las, criamos simuladores de nota e aprovações. Com isso, o apoio que era apenas offli-
ne, posteriormente passou a ter suporte online. Hoje somamos quase dois milhões de acessos no Tudo Sobre o PAS
UnB; temos milhares de seguidores e já corrigimos milhares de redações. E agora somado a essas estatísticas, eis a
Apostila de Análise das Obras, que já faz sucesso entre estudantes, professores, escolas e cursinhos pré-PAS.

Esperamos que esta apostila seja um diferencial na sua aprovação ao final do subprograma.

Bons estudos!

Introdução à Apostila
Todas as obras analisadas nesta apostila estão contidas na Matriz de Referência publicada no site do CE-
BRASPE. A Matriz tem o objetivo de articular os conhecimentos escolares orientando-os para uma interdisciplinari-
dade e contextualização dos saberes, e, assim, apresenta os Objetos de Conhecimentos avaliados na prova, que são
trabalhados por meio de Artes cênicas, Artes visuais, Músicas, Leituras e Vídeos. Mediante a Matriz, o PAS visa a
avaliação do estudante capaz de compreender, raciocinar, analisar, criticar e propor questões relevantes para a própria
formação e de elaborar propostas de intervenção na realidade.

Para facilitar o seu estudo, nós dividimos todas as análises da forma a seguir. Mas, antes, cabe destacar que
o estudo das análises das obras contidas nesta apostila por si só não fará com que o aprendizado esteja completo.
Pelo contrário, esta apostila o auxiliará na sistematização das obras que, usualmente, não são compreendidas sem um
apoio especializado. Assim a proposta não é resumir o seu estudo, mas complementar. Portanto, o contato com as
obras se faz extremamente necessário para o melhor aproveitamento do conteúdo aqui preparado.
• Autor;
• Obra e Contexto;
• Gênero e Estrutura;
• Citações da obra na Matriz;
• Questões anteriores e inéditas - DISPONÍVEL NA PLATAFORMA;
• Dicas de estudo - DISPONÍVEL NA PLATAFORMA.

Para mais informações, curta a nossa fanpage e nos siga no Instagram, ambos @tudosobreopasunb. Conte
sempre conosco!

EDIÇÃO 2021 - APOSTILA DIGITAL

Tudo Sobre o PAS UnB


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Nossa Equipe
Produção:
Música
Juliana Galvão
Rafael Galvão

Artes Visuais
Camila Medeiros
Juliana Galvão
Weudson Ribeiro

Cênicas
Samla Alves

Audiovisuais
Isabele Nogueira
Isabela Gratom

Leituras
Geovanna Helen
Júlia Lacerda
Olisiany Vieira
Isabela Félix
Anne Katharine
Tiago Henrique

Supervisão de Produção:
Tiago Henrique de Freitas Galvão

Revisão:
Ana Cristina Rodrigues
Eduarda Alicy
Manuela de Castro
Milena Ribeiro

Direção Editorial:
Juliana de Freitas Galvão

Assistente Editorial:
Asafe Dainez

Produção Gráfica:
Juliana de Freitas Galvão

Direção Geral:
Tiago Henrique de Freitas Galvão

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação e etc. - nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a
expressa autorização do editor.

Tudo Sobre o PAS UnB

2
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Controle de Estudos
Música
Li Estudei Respondi Corrigi
Obra Ouvi Analisei as as Revisei
Assisti Resumi questões questões
Quarteto para o Fim dos Tempos
Cálice
Me Deixe Mudo
Camila, Camila
Grândola, Vila Morena
Quarteto de Cordas com Helicópteros
Malditos Cromossomos
Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro
Solange
O Encontro de Lampião com Eike Batista
Não Recomendados
Mulamba
Elevação Mental
Dona de Mim
O Real Resiste
Ilumina o Mundo
Trevas

Artes Visuais
Li Estudei Respondi Corrigi
Obra Ouvi Analisei as as Revisei
Assisti Resumi questões questões
Acordeonista
Autorretrato como um Soldado
Morro da Favela
Autorretrato na Fronteira
Mestiço
Hidalgo Incendiário
Navio de Emigrantes
Ritmo de Outono nº 30
Guevara Vivo ou Morto
Meteoro
Série Roupa-corpo-roupa: O Eu e o Tu

3
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Li Estudei Respondi Corrigi


Obra Ouvi Analisei as as Revisei
Assisti Resumi questões questões
Ponto de Encontro
Palácio do Itamaraty
Trouxas Ensanguentadas
Rhythm 0
Através
Ilustrações Críticas
Santa Ceia Moderna

Artes Cênicas
Li Estudei Respondi Corrigi
Obra Ouvi Analisei as as Revisei
Assisti Resumi questões questões
A Exceção e a Regra
Perdoa-me por me Traíres

Audiovisual
Li Estudei Respondi Corrigi
Obra Ouvi Analisei as as Revisei
Assisti Resumi questões questões
Um Cão Andaluz
À Margem do Corpo
Vamos ao Museu?
Poética da Diáspora
Das Raízes às Pontas
A Questão Indígena no Brasil em 4 minutos
Mocinho ou Bandido
Carta para Além dos Muros
Entenda o que é Racismo Estrutural

Leituras
Li Estudei Respondi Corrigi
Obra Ouvi Analisei as as Revisei
Assisti Resumi questões questões
A Caolha
Morcego
Por que a Guerra?
Cartas de Gandhi
A Noite Dissolve os Homens Tudo Sobre o PAS UnB

4
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Li Estudei Respondi Corrigi


Obra Ouvi Analisei as as Revisei
Assisti Resumi questões questões
Consoada
O Recado do Morro
Viagem à Petrópolis
Tecendo a Manhã
Sobre Violência
Sargento Getúlio
Poema aos Homens do Nosso Tempo
Oásis
Doutora Nise
Soneto
Universidade Para Quê
Constituição Federal
Esses Chopes Dourados
Quebranto
Maria
Necropolítica
Criadores de um Mundo Recarregável
Juliana Estradioto
Prevenção de HIV
Algoritmos Parciais

Tudo Sobre o PAS UnB

5
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

QR Code
Para você acessar as dicas, questões e justificativas sobre cada uma das obras,
preparamos, na plataforma Sofista Learning, um espaço específico para isso! Lá
você encontrará:

• 1 ou mais minissimulados sobre cada uma das obras;


• Os gabaritos e as justificativas de cada uma das questões dos
minissimulados;
• Link para acessar a obra na íntegra, entre outras coisas.

Para ter acesso a esses recursos adicionais, é necessário que você acesse
a plataforma com o mesmo e-mail cadastrado na compra, pois os recursos
adicionais citados acima são exclusivos de quem comprou a apostila digital ou
de quem é usuário premium da Sofista Learning.

Para ir diretamente à Trilha de Estudos de Análise de Obras do PAS 3, aponte a


câmera do seu smartphone para a imagem abaixo e vá direto.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação e etc. - nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a
expressa autorização do editor.

Tudo Sobre o PAS UnB

6
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Sumário
• Apresentação................................... 1 • Ponto de Encontro........................... 114
• Nossa Equipe..................................... 2 • Palácio do Itamaraty......................... 117
• Controle de Estudos........................... 3 • Trouxas Ensanguentadas................... 121
• Qr Code............................................. 6 • Rhythm 0........................................... 125
• Através......................................... 128
Música 9 • Ilustrações Críticas............................. 132
• Santa Ceia Moderna......................... 136
• Controle de Desempenho................. 11
• Quarteto para o Fim dos Tempos....... 13
• Cálice................................................ 17 Cênicas 141
• Me Deixe Mudo................................. 22
• Camila, Camila.................................... 25 • Controle de Desempenho............... 143
• Grândola, Vila Morena....................... 28 • A Exceção e a Regra........................ 145
• Quarteto de Cordas com Helicópteros 31 • Perdoa-me por me Traíres................. 150
• Malditos Cromossomos..................... 34
• Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro........... 37 Audiovisuais 155
• Solange............................................ 40 • Controle de Desempenho............... 157
• O Encontro de Lampião com Eike Ba- • Um Cão Andaluz.............................. 159
tista................................................... 43 • À Margem do Corpo....................... 164
• Não Recomendados.......................... 46 • Vamos ao Museu?............................ 168
• Mulamba....................................... 49 • Poética da Diáspora......................... 171
• Elevação Mental................................ 52 • Das Raízes às Pontas........................ 175
• Dona de mim.................................... 56 • A Questão Indígena no Brasil em 4
• O Real Resiste.................................... 59 Minutos........................................... 179
• Ilumina o Mundo............................... 62 • Mocinho ou Bandido...................... 182
• Trevas................................................ 65 • Carta para Além dos Muros............ 186
• Entenda o que é Racismo Estrutural 190
Artes Visuais 69

• Controle de Desempenho................. 71 Leituras 195


• Acordeonista................................ 73
• Autorretrato como um Soldado........ 76 • Controle de Desempenho............... 197
• Morro da Favela................................. 79 • A Caolha........................................... 199
• Autorretrato na Fronteira................... 83 • Morcego..................................... 202
• Mestiço.......................................... 87 • Por que a Guerra?........................ 205
• Hidalgo Incendiário........................... 91 • Cartas de Gandhi........................ 209
• Navio de Emigrantes.......................... 95 • A Noite Dissolve os Homens........... 213
• Ritmo de Outono nº30...................... 99 • Consoada...................................... 216
• Guevara Vivo ou Morto..................... 102 • O Recado do Morro...................... 219
• Meteoro........................................ 106 • Viagem à Petrópolis.......................... 223
• Série Roupa-Corpo-Roupa: O Eu e o Tu 110 • Tecendo a Manhã............................. 227

Tudo Sobre o PAS UnB

5
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

• Sobre Violência................................. 231


• Sargento Getúlio............................... 234
• Poema aos Homens do Nosso Tempo 238
• Oásis....................................... 241
• À Doutora Nise.................................... 244
• Soneto............................................. 248
• Universidade Para Quê?................... 251
• Constituição Federal......................... 253
• Esses Chopes Dourados................... 257
• Quebranto.................................... 260
• Maria....................................... 264
• Necropolítica............................. 268
• Criadores de um mundo recarregável 271
• Juliana Estradioto.............................. 275
• Prevenção de HIV.............................. 279
• Algoritmos Parciais............................ 285

• Agradecimentos e Dedicatória.......... 291

Tudo Sobre o PAS UnB

6
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Música
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

“Sucesso é a soma de
pequenos esforços
repetidos dia sim, e no
outro também ”.
(Robert Collier)
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Gráficos e Estatísticas

Tudo Sobre o PAS UnB

11
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Controle de Desempenho
Total Porcentagem
Itens Itens Escore
Obra de
certos errados
de itens
bruto
itens certos
Quarteto para o Fim dos Tempos
Cálice
Me Deixe Mudo
Camila, Camila
Grândola, Vila Morena
Quarteto de Cordas com Helicópteros
Malditos Cromossomos
Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro
Solange
O Encontro de Lampião com Eike Batista
Não Recomendados
Mulamba
Elevação Mental
Dona de Mim
O Real Resiste
Ilumina o Mundo
Trevas

Tudo Sobre o PAS UnB

12
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Quarteto para o Fim dos Tempos -
Oliver Messiaen

Autor
Olivier Messiaen nasceu em Avignon, França, correntes experimentais da Vanguarda musical no fi-
no dia 10 de dezembro de 1908. Além de compositor nal da década de 1940. Entretanto, na década de 60, o
e organista, foi também ornitologista, nome que se dá compositor começou a cultivar um estilo mais pessoal,
a quem se dedica ao estudo das aves. Filho de pai pro- se distanciando cada vez mais das correntes progressi-
fessor e mãe poetisa, Messiaen começou a compor aos vas da segunda metade do século.
sete anos de idade. Entre 1914 a 1918, mudou-se com
sua mãe e seu irmão para Grenoble, enquanto o pai e Com uma textura predominantemente rica e homofónica,
os demais homens da família lutavam na Primeira Guer- a música de Messiaen tem um carácter marcadamente
ra. No apartamento em Grenoble havia um piano, e foi pessoal, que resulta, em parte, de determinados processos
lá que Messiaen percebeu que era músico. Aos onze técnicos especiais, como as escalas octatónicas (escalas de
anos ingressou no Conservatório de Paris, onde estu- oitava com oito notas, onde alternam os tons e os meios-
-tons), as pedaleiras rítmicas próximas da issorritmia, a fuga
dou órgão e composição e foi aluno de Paul Dukas e
aos compassos regulares, as complexas acumulações verti-
Marcel Dupré.
cais de sons, incorporando os sons parciais de uma funda-
mental, e texturas densas e complexas. (GROUT & PALISCA,
A partir de 1928, Messiaen se dedicou mais às
2011, p. 719)
suas composições, e em 1930 venceu quatro prêmios
no Conservatório, o que lhe rendeu bolsas de estudos. O compositor foi fortemente influenciado pela
Aos 22 anos de idade, ao concluir os seus estudos, foi obra de Debussy, Bartók e Stravinsky, e revelou tam-
designado organista titular da Igreja da Trindade, em bém, em seus trabalhos, conhecimentos sobre música
Paris. Em 1936, se tornou professor da École Normale indiana e grega. Messiaen sempre transpareceu sua fé
de Musique de Paris e da Scholla Cantorum. Fundou o religiosa, o que pode ser visto de forma explícita no tí-
grupo La Jeune France junto com Jolivet, Baudrier e Da- tulo de algumas obras como Trois Petites Liturgies de la
niel-Lesur. Présence Divine, La Transfiguration de Notre Seigneur
No verão de 1939, o compositor foi forçado a Jesus-Christ, entre outras. Para Messiaen, toda a sua
servir o exército francês na Segunda Guerra Mundial. música era escrita para glorificar Deus.
Infelizmente foi feito prisioneiro pelos alemães no cam- Recebeu alguns prêmios importantes, como o
po de concentração de Gorlitz. Lá, compôs o Quatour Prêmio Calouste Gulbenkian e a Medalha de Ouro da
pour la fin du Temps (Quarteto para o fim dos tempos), Real Sociedade Filarmônica. Em sua homenagem, os Es-
que se tornou uma de suas obras mais famosas. tados Unidos da América substituíram o nome de uma
Após ser repatriado, em 1941, foi nomeado montanha no estado de Utah para Mount Messiaen.
professor de harmonia no Conservatório de Paris. Nes- Olivier Messiaen faleceu em 27 de abril de
se período Messiaen lecionou para Karlheinz Stockhau- 1992. Já muito antes de sua morte foi considerado por
sen, Pierre Boulez, Yannis Xenakis, entre outros que diversas vezes como o maior compositor vivo de seu
posteriormente se tornaram importantes composito- tempo.
res. Criou um grupo formado por alunos particulares
denominados Les Flèches, que tinha como objetivo “in-
dicar sua oposição à postura academicamente rígida do Contexto
conservatório” (Moreira, p.85). A Segunda Guerra Mundial foi um conflito béli-
co de proporção global que ocorreu entre 1939 e 1945.
Compôs numerosas obras para piano e para ór-
Ao longo dos seis anos de conflito, mais de 100 milhões
gão, mas também músicas de câmara, vocal, sinfônica,
concertos e uma ópera. Entre as suas principais compo- de militares foram mobilizados. Com isso, 60 milhões
sições estão Quatour pour la fin du temps, Trois petites de pessoas morreram, sendo a maioria dos mortos for-
liturgies pour la présence divine e a sinfonia Turangalíla. mada por civis.

A música erudita do século XX foi abandonando A guerra teve início com a invasão da Polônia
o uso de formas tradicionais e tornou cada vez mais fre- pela Alemanha em 1 de setembro de 1939, seguido pe-
quente o uso da dissonância. Segundo o Dicionário In- las declarações de guerra da França e Grã-Bretanha. O
formal, “dissonância é a qualidade dos sons parecerem grupo dos Aliados foi formado por Grã-Bretanha, Fran-
“instáveis” e de terem uma necessidade aural de serem ça, União Soviética e Estados Unidos, enquanto Alema-
resolvidos para uma consonância estável”. nha, Itália e Japão formaram o Eixo. A guerra teve fim
em 2 de setembro de 1945, com a rendição das nações
A obra de Messiaen é marcada por descoberta do Eixo e a criação da ONU (Organização das Nações
de novos sons, ritmos e harmonias. Se aventurou nas Unidas).

Tudo Sobre o PAS UnB 13


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Esse conflito é considerado como o maior e tava aberto em sua mão. Colocou o pé direito sobre o mar
mais sangrento de toda a história, já que foi marcado e o pé esquerdo sobre a terra, 3 e deu um alto brado, como
por uma série de acontecimentos desastrosos, como o o rugido de um leão. Quando ele bradou, os sete trovões
falaram. 4 Logo que os sete trovões falaram, eu estava pres-
lançamento das bombas atômicas sobre as cidades de
tes a escrever, mas ouvi uma voz dos céus, que disse: “Sele
Hiroshima e Nagasaki e o Holocausto, que ocasionou o o que disseram os sete trovões, e não o escreva”. 5 Então o
assassinato em massa de milhões e milhões de pessoas, anjo que eu tinha visto em pé sobre o mar e sobre a terra
entre judeus, ciganos, homossexuais e pessoas com de- levantou a mão direita para o céu 6 e jurou por aquele que
ficiência. vive para todo o sempre, que criou os céus e tudo o que
neles há, a terra e tudo o que nela há, e o mar e tudo o que
Os campos de concentração foram amplamen- nele há, dizendo: “Não haverá mais demora! 7 Mas, nos dias
te disseminados na Alemanha nesse período. Os prisio- em que o sétimo anjo estiver para tocar sua trombeta, vai
neiros, em grande parte judeus, eram torturados, força- cumprir-se o mistério de Deus, da forma como ele o anun-
ciou aos seus servos, os profetas”.
dos a trabalho escravo e, muitas vezes, exterminados.
No início da obra, Messiaen faz a seguinte dedi-
Obra cação: “Aquele que vive para todo o sempre”. A obra é
O Quatuor pour la fin du Temps (Quarteto para formada por oito movimentos. O compositor escolheu
o fim dos tempos) é uma das obras mais conhecidas de esse número por simbolizar a eternidade. Os movimen-
Messiaen. Em junho de 1940, Messiaen foi capturado tos são:
e feito prisioneiro após a invasão das tropas alemãs na 1. Liturgie de cristal (Liturgia de cristal)
França.
2. Vocalise pour l’ange qui announce la fin du temps
No cativeiro, o compositor conheceu Henri (Vocalize para o anjo que anuncia o fim dos tempos)
Akoka (clarinetista) e Étienne Pasquier (violoncelista).
Nesse período, compôs para o companheiro clarinetista 3. Abîme des oiseaux (Abismo dos pássaros)
uma peça solo que logo se tornaria o terceiro movimen-
to do Quarteto para o fim dos tempos. 4. Intermède (Interlúdio)

Em julho foi transferido para o campo de con- 5. Louange à l’éternité de Jésus (Louvor à eternidade
centração Stalag, em Gorlitz. Lá, encontrou um oficial de Jesus)
nazista que soube das habilidades do compositor e
permitiu a ele que organizasse um concerto. Nessa at- 6. Danse de la fureur, pour les sept trompettes (Dança
mosfera de desespero e sofrimento, Messiaen compôs do furor para sete trombetas)
o Quarteto para o fim dos Tempos, escrita para os três
instrumentos que estavam disponíveis: violino, clari- 7. Fouillis d’arcs-en-ciel, pour l’ange qui announce la
nete, violoncelo. Posteriormente, acrescentou a parte fin du temps (Desordem do arco-íris para o anjo que
para piano que ele mesmo executou. anuncia o fim dos tempos)

É uma composição camerística. Música de câ- 8. Louange a l’immortalité de Jésus (Louvor à imortali-
mara é a música composta para um grupo pequeno de dade de Jesus)
instrumentos (a voz é considerada um instrumento)
A obra foi escrita com base nos instrumentos
que, em apresentações, poderiam se acomodar nas câ-
que estavam disponíveis no campo de concentração,
maras de um palácio. Atualmente esse termo pode ser
resultando em uma mistura de timbres de difícil utili-
empregado para músicas executadas por um pequeno
zação, já que cada instrumento possui suas particulari-
grupo de músicos ou em pequenas salas, com atmosfe-
dades e limitações. Na partitura, o artista incluiu indica-
ra mais íntima.
ções de cores, além de citações de cantos de pássaros
A obra foi estreada no campo Stalag em 15 de que inspiraram alguns dos movimentos, principalmente
janeiro de 1941, com a ajuda de Étienne Pasquier no as linhas melódicas do clarinete e violino.
violoncelo, Henri Akoka no clarinete e Jean le Boulaire
Analisaremos aqui apenas os três movimentos
no violino. O público era formado por prisioneiros e ofi-
indicados pelo CEBRASPE: 1.º movimento (Liturgia de
ciais que estavam reunidos em um pátio.
Cristal), 6º movimento (Dança do furor para sete trom-
Quarteto para o fim dos Tempos foi inspirado betas) e o 8º movimento (Louvor à imortalidade de Je-
em uma passagem bíblica que está em Apocalipse 10, sus).
dos versículos 1 a 7:
Para o primeiro movimento, Messiaen se ins-
1
Então vi outro anjo poderoso, que descia dos céus. Ele es- pirou no canto de melro-preto e um rouxinol. Como
tava envolto numa nuvem, e havia um arco-íris acima de ornitólogo amador, o compositor tinha o hábito de ca-
sua cabeça. Sua face era como o sol, e suas pernas eram talogar o canto dos pássaros. Acredita-se que os pás-
como colunas de fogo. 2 Ele segurava um livrinho, que es- saros eram uma das poucas coisas da natureza que era

Tudo Sobre o PAS UnB 14


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

possível ouvir nos campos de concentração. Há quem Indivíduo, cultura, estado e participação política
diga que esse movimento também pode ser interpreta-
do como o silêncio da noite. Os 4 instrumentos são uti- No contexto musical, algumas obras alinham-se
lizados nesse movimento, que tem o andamento bem às possibilidades de transformação social e conceitual. A
moderado. relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem
como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada
Já no sexto movimento, novamente temos os em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com
quatro instrumentos, mas dessa vez em uníssono (a helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para
mesma melodia para todos os instrumentos), exce- o fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal;
tuando alguns poucos trechos. Essas texturas rítmicas 6º movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas;
e a mistura de timbres descrevem os gongos e as trom- 8º movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Mes-
betas. No sentido teológico/religioso, as seis trombetas siaen. As músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil,
anunciam as catástrofes que antecedem a volta de Cris- Me deixe mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da
to. Após tocada, a sétima trombeta anuncia o arreba- Banda Solange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila
tamento. Para indicar o andamento desse movimento, Morena, versão da Banda 365, refletem, em diferentes
Messiaen utilizou as palavras “decidido” e “vigoroso”. contextos, transformações políticas em momentos his-
tóricos conflituosos. Essas reflexões também podem ser
O oitavo e último movimento é referente à observadas na intervenção urbana Trouxas ensanguen-
imortalidade de Jesus. O solo de violino no registro tadas, de Artur Barrio, e no grafite Santa ceia moderna,
agudo e o piano representam sinos. Esse duo ilustra o de Acme. (Página 10, terceiro parágrafo)
que seria, do ponto de vista teológico/religioso, a Res-
surreição de Cristo e sua ascensão aos céus. Nesse mo- Tipos e gêneros
vimento não são utilizados a clarineta e o violoncelo. Assim como percebemos em obras audiovisuais,
Sobre o andamento, o compositor indicou como sendo os gêneros musicais também são diversos e eles estão
infinitamente lento. relacionados a diferentes contextos socioculturais. Algu-
mas obras, como o Quarteto de cordas com helicópteros,
No Quatuor pour la fin du Temps, Messiaen
de Stockhausen e o Quarteto para o fim dos tempos (1º
tentou transmitir, por meio da linguagem musical, o
Movimento – Liturgia de Cristal, 6º movimento – Dança
que estava acontecendo no meio em que estava inse-
do Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento – Louvor
rido. A obra tem uma grande simbologia, já que foi ins-
à imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, pertencem
pirada em um texto do livro de Apocalipse e escrita em
ao contexto da música de concerto e fazem parte de um
uma época e região propícias ao sentimento de “fim do
universo ligado à Academia. Em outro contexto sociocul-
mundo”.


tural, temos o Seu Estrelo e Fuá do Terreiro que se inspira
em diversas manifestações de caráter popular ou tradi-
cional para propor uma identidade cultural brasiliense,
misturando gêneros musicais a um gênero teatral, o qual
Citações da Obra na Matriz de Referências o grupo denomina como Teatro de Terreiro, evidenciando
diversidade e interação de diferentes linguagens. (Pági-
O ser humano como um ser que interage na 15, segundo parágrafo)

Estabelecer um foco estético, ético e político pos- Estruturas


sibilita a reflexão a respeito dos valores, tanto individuais
quanto coletivos, que orientam as ações das pessoas e de A análise de elementos musicais, como mate-
grupos de interesses. Por exemplo, questões relacionadas riais sonoros, caráter expressivo e sua organização (es-
a decisões sobre o uso das ciências e suas implicações são trutura e forma) por meio de atividades de execução
problematizadas na entrevista Juliana Estradioto: Futuro (tocar instrumentos e cantar), de apreciação e de cria-
no presente, Revista Fapesp – jun/2019, Criadores de um ção, enriquecem a vivência musical, dialogando com as
mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, Revista Fapesp produções e idiossincrasias do seu tempo ou com as do
– out/2019, assim como no discurso proferido por Darcy passado, como ilustram as obras Quarteto de cordas
Ribeiro em 1985: Universidade para quê?. Aspectos des- com helicópteros, de Karlheinz Stockhausen, Me deixe
sa complexidade podem também ser percebidos em cria- mudo, de Walter Franco, Mulamba, de Mulamba, Quar-
ções como as Ilustrações críticas (Sátiras – desigualdade teto para o fim dos tempos nos movimentos I, VI e VIII,
social), de Pawel Kuczynski, assim como nas obras musi- de Olivier Messiaen, e Grândola Vila Morena, na versão
cais Quarteto de cordas com helicópteros, de Karlheinz da Banda 365, assim como a estrutura de manifestações
Stockhausen e em Quarteto para o fim dos tempos (1º inspiradas na cultura popular como Seu Estrelo e o Fuá
Movimento – Liturgia de Cristal; 6º movimento – Dança de Terreiro, que envolve além da música, a dança e a en-
do Furor para as 7 trombetas; 8º movimento – Louvor cenação. (Página 19, primeiro parágrafo)
à imortalidade), de Oliver Messiaen. (Página 6, primeiro
parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 15


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cenários contemporâneos Análise de dados

Nesta etapa, levantam-se questões acerca da Integram também este objeto conceitos relati-
construção da cidadania e da democracia nos séculos XX vos aos princípios de contagem (aditivo e multiplicativo),
e XXI, problematizando aspectos da globalização e suas aos agrupamentos (arranjos, permutações e combina-
implicações na constituição de cenários contemporâ- ções) e ao conceito de probabilidade. No campo da mate-
neos. Um dos elementos problematizados é a violência, mática, evidenciam-se as relações desses conceitos com
debatida por Hannah Arendt no texto Sobre a violência os de geometria e de padrões numéricos, estimulando o
(capítulo 2 e 3, 1970) e por Achille Mbembe em Necropo- desenvolvimento de raciocínios dedutivo e indutivo. No
lítica (2018), em que o autor apresenta o processo de co- campo das artes visuais, o Acordeonista, de Pablo Picas-
lonização e descolonização a partir de uma perspectiva so, Ponto de encontro, de Mary Vieira, e a obra musical
da epistemologia africana e decolonial, a fim de pensar Quarteto para o fim dos tempos (1º Movimento - Litur-
as relações com o Estado, guerra e Direitos Humanos em gia de Cristal, 6º movimento- Dança do Furor para as 7
zonas de conflito como a Palestina ou o Regime do Apar- trombetas e o 8º movimento - Louvor à imortalidade de
theid na África. Esse debate, em parte, se mostra presen- Jesus), de Oliver Messiaen, são exemplos de obra para se
te em discursos de personalidades marcantes do século trabalhar arranjos, combinações e permutações. (Página
XX, como na carta Por que a Guerra? Indagações entre 42, terceiro parágrafo)
Einstein e Freud (1932), que retrata as causas do conflito,
e nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler (1939). No Questões, Justificativas e Dicas
texto A noite dissolve os homens, de Carlos Drummond
de Andrade, é possível perceber uma crítica contunden- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
te às ditaduras fascistas e populistas da primeira meta-
de do século XX, temática também relacionada à obra Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Quarteto para o fim dos tempos nos movimentos I, VI
e VIII (1941), de Oliver Messiaen. (Página 26, segundo Anotações e Rascunhos
parágrafo)

Número, grandeza e forma

Na música há diversas combinações de arran-


jo. Várias maneiras de produzir sons foram incorpora-
dos em formas musicais já existentes, surgindo novos
experimentalismos observados nas músicas populares
e nas músicas de concerto dos séculos XX e XXI. Alguns
exemplos podem ser percebidos na música de vanguar-
da do século XX, Quarteto para o fim dos tempos (1º
Movimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à
imortalidade de Jesus), de Olivier Messiaen, na música
marginal Me deixe mudo, de Walter Franco, na canção
de protesto Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, e no
rock Solange, na versão da Banda Solange. (Página 33,
primeiro semestre)

Espaços

Nesse sentido, as contradições estão bem mar-


cadas no século XX, que foi palco de revoluções e guerras
que reconfiguraram o cenário mundial, temáticas abor-
dadas na obra Sobre violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
Arendt, na tela Autorretrato como um soldado, de Ernst
Kirchner, o afresco Hidalgo incendiário, de José Clemente
Orozco, a música Quarteto para o fim dos tempos (1º
Movimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor
à imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, e as car-
tas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a
Guerra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página 35,
terceiro parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 16


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cálice - Gilberto Gil e Chico Buarque

Autoria
Gilberto Gil Nara Leão, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os
Mutantes, Torquato Neto e Capinam. Em 1969, Gil e
Gilberto Passos Gil Moreira nasceu no dia 2 de Caetano partiram para o exílio na Inglaterra, voltando
junho de 1942, em Salvador, Bahia. Desde criança co- ao país somente em 1972.
meçou a se interessar por música. Durante os primeiros
anos viveu em Ituaçu, onde morava com seu pai e sua De 1989 a 1992 foi vereador na câmara Muni-
mãe, mas se mudou para Salvador aos 9 anos, passando cipal de Salvador pelo Partido Verde. Em 2003 tomou
a morar com sua tia. Além disso, começou a aprender posse no cargo de Ministro da Cultura, deixando o cargo
acordeom, instrumento que estudou por 4 anos. No fim 5 anos depois para se dedicar exclusivamente à sua car-
dos anos 50, influenciado por João Gilberto, começou a reira. A sua discografia é muito extensa, contando com
tocar violão. mais de 50 produções.

“Quando o João Gilberto apareceu, eu disse: ‘Taí Chico Buarque


o que eu queria’. E entrei na bossa nova com ele.”
(Encarte do disco “Gilberto Gil”, da série “História da Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19
MPB - grandes compositores” - Abril Cultural). de junho de 1944 no Rio de Janeiro. Filho de um his-
toriador e uma pianista, Chico Buarque e sua família
Aos 18 anos formou o conjunto “Os desafina- mudaram para São Paulo e depois para a Itália, onde
dos”. Ingressou no curso de Administração de empre- Sérgio, seu pai, lecionou na Universidade de Roma. Seu
sas. Em 1962 gravou o seu primeiro disco solo, além de interesse pela música surgiu ainda enquanto criança, já
conhecer Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. que estava sempre presente no seu cotidiano. Recebeu
No ano seguinte conheceu também Tom Zé, que inte- as primeiras noções de violão de sua irmã Heloísa. So-
grou o grupo na apresentação “Nós, Por Exemplo”, no freu grande influência da bossa nova, principalmente
Teatro Vila Velha, em Salvador. Graduou -se em 1964 de João Gilberto. Suas primeiras composições, “Canção
pela Universidade Federal da Bahia. No mesmo ano ca- dos Olhos” e “Anjinho”, surgiram enquanto Chico Buar-
sou com Belina, mãe de suas filhas Nara Gil e Marília. que ainda estudava no Colégio Santa Cruz.
Logo após a formatura, Gilberto foi morar em São Pau-
lo. Passou a trabalhar para a multinacional Gessy-Lever. Em 1963 ingressa na Faculdade de Arquitetura
Nessa época conheceu Chico Buarque. e Urbanismo da USP, mas Chico Buarque cursou somen-
te até o terceiro ano. Em 1964 inscreveu-se no festival
O sucesso veio com a participação no programa promovido pela TV Excelsior com a canção “Sonho de
de TV “O Fino da Bossa”, comandado por Elis Regina, um Carnaval”, cantada por Geraldo Vandré. Passou a se
onde Gilberto Gil apresentou algumas de suas compo- apresentar no Teatro Paramount e ainda em 1964 par-
sições. Foi então que deixou o emprego e assinou con- ticipou do programa “O fino da Bossa”, que era coman-
trato com a Philips, lançando seu primeiro LP em 1967. dado pela cantora Elis Regina.
Chegou a ter seu próprio programa de TV veiculado
pela TV Excelsior. Ainda em 1967, participou do 3º Fes- Seu primeiro disco compacto é lançado em
tival de Música da Record, apresentando sua composi- 1965 e conta com as músicas “Pedro Pedreiro” e “So-
ção “Domingo no Parque”, acompanhado pelo grupo Os nho de um Carnaval”. No ano seguinte sua música “A
Mutantes. Conquistou o segundo lugar, enquanto “Ale- Banda”, interpretada por Nara Leão, vence o Festival de
gria, Alegria”, de Caetano Veloso, ficou com o quarto Música Popular Brasileira da TV Record. Depois disso a
lugar. Essas duas obras se tornaram em pouco tempo o carreira de Chico Buarque tomou impulso. Seu primeiro
“embrião” do movimento tropicalista. As letras em tom LP, intitulado Chico Buarque de Holanda, é lançado em
poético que traziam propostas críticas e a mistura de 1966.
elementos nacionais e tradicionais com inovações esté-
ticas são algumas das características desse movimento. Durante o Regime Militar a produção artística
O uso da guitarra, muito utilizada pelos tropicalistas, foi de Chico sofreu grande impacto. Seu espetáculo “Roda
muito criticado, pois alguns músicos pensavam ser uma Viva”, que estreou em 1967, foi censurado. Vence o Fes-
forte influência da cultura americana. tival Internacional da Canção em 1968 com a música Sa-
biá, composta em parceria com Tom Jobim. No mesmo
No ano seguinte foram lançados os LPs Gilberto ano Chico participa da passeata dos cem mil, optando
Gil e Tropicália ou Panis et Circensis, que traziam uma mais tarde pelo exílio na Itália. Retorna ao Brasil em
colagem de sons, gêneros e ritmos populares, nacionais 1970, lançando no ano seguinte o álbum “Construção”.
e internacionais. Contou com a participação de Tom Zé,

Tudo Sobre o PAS UnB 17


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Em 1972 atuou em “Quando o Carnaval Che- a radiodifusão. Com o regime militar, uma nova legisla-
gar”, um filme de Cacá Diegues para o qual havia com- ção censória foi criada.
posto várias músicas. No ano seguinte fez também a
trilha sonora do filme “Vai Trabalhar, Vagabundo” e es- À época, os artistas que usavam suas obras
creveu, em parceria com Ruy Guerra, o texto e as mú- como forma de protesto tiveram que se adaptar ao
sicas da peça “Calabar, o Elogio da Traição”. A peça foi novo período, buscando driblar a censura por meio de
proibida, entretanto algumas das canções foram grava- metáforas. Dessa maneira, diversos artistas tiveram
das em disco. suas músicas censuradas pelo regime militar e alguns
até se exilaram. Alguns artistas adotaram pseudôni-
No ano de 1974 lança o álbum “Sinal Fechado”, mos para que suas músicas fossem aprovadas, como é
interpretando músicas de outros compositores, e inicia o caso de Chico Buarque, que usou o nome Julinho de
uma nova carreira como escritor, publicando a novela Adelaide no início da década de 1970.
“Fazenda Modelo”. No ano seguinte escreve com Paulo
Pontes a peça “Gota d’Água”. O disco “Os saltimbancos” Para controlar a opinião pública e o que poderia
foi lançado no ano seguinte. As canções foram tão acla- ou não ser veiculado à população, foram criados vários
madas que surgiu então a montagem teatral da fábula órgãos, como o Serviço Nacional de Informações (SNI),
musical. o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), e o
Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), que
Chico Buarque foi se afastando progressiva- mais tarde foi substituído pela Divisão de Censura de
mente da música para se dedicar à literatura. Seus ro- Diversões Públicas (DCDP).
mances são sucessos de público, tendo conquistado o
Prêmio Jabuti de Livro do ano na categoria Ficção nos A DCDP foi criada a partir do decreto n. 70.665
anos de 1992 com o livro “Estorvo”, 2004 com “Buda- e se tornou o órgão de censura oficial do período. Cria-
peste” e 2010 com “Leite Derramado”. do em 1972, sua principal função era aprovar ou recu-
sar os materiais enviados para análise. Essa Divisão, que
Contexto era subordinada ao Departamento da Polícia Federal,
foi criada com o intuito de unificar as diretrizes e a atua-
Com a justificativa de que o Brasil se tornaria ção da atividade censória em todo o país. A estrutura
um país comunista, em 1964 os militares tomaram o anterior era regional, o que causava diversos atritos,
poder, resultando no afastamento de João Goulart, que já que permitia que o SCDP do Rio de Janeiro liberasse
era, até então, presidente do país. O primeiro general a uma peça, enquanto o de São Paulo proibisse.
assumir o poder no Brasil foi o Marechal Castelo Bran-
co, que imediatamente após a tomada de poder lan- Obra
çou o AI-1 (Ato Institucional 1), o qual dava poder aos
militares para realizarem mudanças na constituição, Cálice
interromper direitos políticos, anular mandatos e caçar
qualquer pessoa que “colocasse em risco a integridade Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
do governo e do país”. Esse não foi o único Ato Insti-
Pai, afasta de mim esse cálice
tucional, pois ao longo da vigência do governo militar, De vinho tinto de sangue
foram lançados outros 16, totalizando 17 atos institu-
cionais. Dessa forma, o Estado podia controlar pratica- Como beber dessa bebida amarga
mente tudo, desde coisas simples até a vida pessoal da Tragar a dor, engolir a labuta
população. Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
Dentro do período de 1964 a 1985, que foi o De que me vale ser filho da santa
período em que o regime militar se manteve vigente, Melhor seria ser filho da outra
estão os anos conhecidos como “Anos de Chumbo”, Outra realidade menos morta
pois foi o período em que houve a maior repressão e Tanta mentira, tanta força bruta
censura.
Como é difícil acordar calado
Segundo Carocha (2006), a censura não foi Se na calada da noite eu me dano
criada pelo regime militar, já que existia desde o Esta- Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
do Novo. Nesse período as rádios só tinham permissão
Esse silêncio todo me atordoa
para divulgar canções de cunho político quando estas Atordoado eu permaneço atento
elogiavam o Estado. Entretanto, aos poucos a censura Na arquibancada pra a qualquer momento
foi sendo adaptada para atender as especificidades do Ver emergir o monstro da lagoa
regime militar. Ainda segundo a autora, a “censura pré-
via era uma atividade legal do Estado desde a Consti- De muito gorda a porca já não anda
tuição de 1934 – que introduziu no sistema jurídico a De muito usada a faca já não corta
censura prévia aos espetáculos de diversões públicas” Como é difícil, pai, abrir a porta
(2006, p. 195). Com a Constituição de 1937, a área de Essa palavra presa na garganta
atuação da censura foi ampliada, começando a incluir Esse pileque homérico no mundo

Tudo Sobre o PAS UnB 18


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

De que adianta ter boa vontade “De que me vale ser filho da santa/Melhor se-
Mesmo calado o peito, resta a cuca ria ser filho da outra/Outra realidade menos morta/
Dos bêbados do centro da cidade Tanta mentira, tanta força bruta”. Também na primeira
estrofe, o autor dá a entender a “santa” como a pátria
Talvez o mundo não seja pequeno
devido ao patriotismo exagerado e a “outra” como refe-
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
rência a um xingamento. Mais uma vez o autor mostra
Quero morrer do meu próprio veneno insatisfação com a realidade na qual se encontra, an-
Quero perder de vez tua cabeça siando uma “outra realidade menos morta”, sem men-
Minha cabeça perder teu juízo tiras e força bruta. Quando o autor fala de mentira, re-
Quero cheirar fumaça de óleo diesel fere-se ao milagre econômico que os líderes do regime
Me embriagar até que alguém me esqueça diziam ter feito. Já quando se refere à força bruta trata
das torturas e atrocidades praticadas naquela época.
Já conhecido por trazer críticas sociopolíticas
em suas letras, Chico Buarque compôs juntamente com “Como é difícil acordar calado/Se na calada da
Gilberto Gil em 1973 a música ”Cálice”, que apresenta noite eu me dano/Quero lançar um grito desumano/
uma crítica ao Regime Militar e à censura que era im- Que é uma maneira de ser escutado”. Nessa estrofe,
posta por ele. Por consequência da censura a qual Chico o eu lírico fala novamente sobre a dificuldade de man-
Buarque e Gilberto Gil tanto criticaram, a música que ter-se calado, esse faz uma ligação também ao método
foi composta em 1973, só foi liberada para ser lançada supostamente adotado pelos militares para capturar
em 1978. suspeitos, invadindo casas, prendendo alguns e fazendo
com que outros desaparecessem. Vemos aqui também
Várias das canções compostas por Chico Buar- a vontade do eu lírico de gritar desesperadamente na
que foram proibidas, e algumas vezes, inclusive, o com- tentativa de ter sua indignação, horror e luta escutadas
positor teve que prestar esclarecimentos aos censores em busca de uma mudança.
sobre trechos de suas canções, pois tinham tom de crí-
ticas ao regime militar. “Esse silêncio todo me atordoa/Atordoado eu
permaneço atento/Na arquibancada pra a qualquer
Quando foi gravada, Chico Buarque fez parceria momento/Ver emergir o monstro da lagoa”. Nessa se-
com Milton Nascimento, já que Gilberto Gil havia mu- gunda parte da estrofe, a mensagem deixada é de que
dado de gravadora. A música em questão ficou muito mesmo sofrendo com a repressão da liberdade de ex-
conhecida por ser uma expressão de resistência e luta pressão, vulgo, censura, o eu lírico se encontra atento
contra o regime que estava vigente por sua letra abas- para o momento em que a revolução começasse, em
tada de metáforas, expressões com duplo sentido e re- que o coletivo agisse. Ao dizer que espera na arquiban-
ferências. Há, ainda, um episódio em que durante show cada o monstro da lagoa, quer dizer que teme assistir
com Gilberto Gil, na performance da música Cálice, o o monstro da lagoa (a ditadura militar) emergir ainda
microfone dos dois artistas foi desligado. mais. Outro significado para essa expressão é de que os
monstros da lagoa seriam os corpos que amanheciam
“Pai, afasta de mim esse cálice/Pai, afasta boiando em mares e rios.
de mim esse cálice/Pai, afasta de mim esse cálice/De
vinho tinto de sangue”. Ao iniciar a música, temos o “De muito gorda a porca já não anda/De mui-
refrão que carrega a seguinte referência bíblica: “Pai, to usada a faca já não corta/Como é difícil, pai, abrir a
se possível, afasta de mim esse cálice” (Marcos 14:36). porta/Essa palavra presa na garganta”. Dando início à
Quando Jesus se retrata a Deus pedindo para que afas- terceira estrofe, Chico Buarque busca criticar o governo
tasse dele o cálice, ele se refere à ira de seu pai pelos e sua organização. No caso o governo seria a porca que
pecados de seu povo. Dessa forma, quando o eu lírico já não anda mais como andava antes. Ainda seguindo
repete as palavras de Jesus é como se fosse um pedido essa mesma linha de raciocínio, a faca significa toda a
de misericórdia devido ao caos e o derramamento de violência que o governo usava como forma de controle
sangue (vinho tinto de sangue) existente na época do do povo, nesse sentido, a mesma aos poucos para de
regime militar. A palavra “cálice” possui a mesma pro- funcionar (não corta mais). Há também a dificuldade de
núncia da palavra “cale-se”. Dessa forma, Chico Buar- sair daquela situação (abrir a porta) e o reforço à vonta-
que crítica a censura que o regime impunha. de de se expressar seja gritando, lutando, ou qualquer
coisa que faça com que seja escutado.
“Como beber dessa bebida amarga/Tragar a
dor, engolir a labuta/Mesmo calada a boca, resta o “Esse pileque homérico no mundo/De que
peito/Silêncio na cidade não se escuta”. Nessa parte adianta ter boa vontade/Mesmo calado o peito, resta
da primeira estrofe, Chico demonstra a dificuldade em a cuca/Dos bêbados do centro da cidade”. Nesse tre-
aceitar a situação na qual a população se encontrava, cho da terceira estrofe, Chico Buarque passa a mensa-
que no caso é a bebida amarga, difícil de “engolir”. Esse gem de que as coisas estão tão fora do controle que
trecho mostra que mesmo com a repressão da expres- parece que todos estão bêbados. Não adianta nada
são, o peito da cidade inteira não pode ser reprimido, ter boa vontade, que seria a vontade de lutar por algo
ou seja, independente da censura, ainda existia o sen- melhor sendo que a capacidade de fazer melhorar era
timento de insatisfação da maioria, mesmo sem ser ex- mínima. Ainda assim, mesmo sofrendo com a censura,
pressado.

Tudo Sobre o PAS UnB 19


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

restam alguns sãos e pessoas rebeldes que tentam so- como seção “A” e as estrofes como seção “B”, temos a
breviver e lutar, que nesse caso seriam os bêbados do seguinte estrutura: A, A, B, A, B, A, Instrumental, B, A, B.


centro da cidade.

“Talvez o mundo não seja pequeno/Nem seja


a vida um fato consumado”. Aqui, existe uma luz de
esperança, indicando a possibilidade de a vida não ser Citações da Obra na Matriz de Referências
exclusivamente relacionada a situação na qual o povo
estava. Basicamente, existe a esperança de que as coi- O ser humano como um ser que interage
sas possam vir a melhorar.
As relações com formas e expressões ressignifi-
“Quero inventar o meu próprio pecado/Quero cadas da cultura brasileira podem ser encontradas em
morrer do meu próprio veneno”. Por fim, nesses ver- obras como a manifestação analisa os brasiliense Seu
sos, o autor mostra o anseio por ter de volta a liberdade Estrelo e o Fuá do terreiro e o romance Sargento Getúlio,
de expressão, inventando seus próprios pecados, peca- de João Ubaldo Ribeiro. Na cultura brasileira, entretanto,
dos que estavam sendo impostos pelo regime e morrer inscreve-se um histórico sombrio de censura em certos
com o próprio veneno, morrer com suas próprias ações, períodos, como testemunham o conto Oásis, de Caio Fer-
não com ações de terceiros. nando Abreu, e as canções Cálice, de Gilberto Gil e Chico
Buarque, e Solange, na versão da banda brasiliense So-
“Quero perder de vez tua cabeça/Minha cabe- lange. (Página 6, quinto parágrafo)
ça perder teu juízo”. Quanto à expressão “perder tua Indivíduo, cultura, estado e participação política
cabeça”, o autor fala sobre cortar o mal pela raíz, pela
cabeça. Já a expressão “perder teu juízo” indica uma No contexto musical, algumas obras alinham-se
vontade de restaurar a si mesmo e romper com padrões às possibilidades de transformação social e conceitual. A
impostos naquele regime que violentava a vida privada relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem
do cidadão por meio de suas imposições arbitrárias. como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada
em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com
“Quero cheirar fumaça de óleo diesel/Me helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para o
embriagar até que alguém me esqueça”. Já no último fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal; 6º
trecho, existe uma alusão direta a um método de tor- movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas; 8º
tura que supostamente era utilizado pelos militares a movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Messiaen.
fim de conseguir informações. Esse método consistia na As músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Me
inalação de óleo diesel. Além disso, uma tática adotada deixe mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da
pelos torturados era fingir a perda de sentidos para que Banda Solange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila
a tortura parasse. Morena, versão da Banda 365, refletem, em diferentes
contextos, transformações políticas em momentos histó-
ricos conflituosos. Essas reflexões também podem ser
Estrutura observadas na intervenção urbana Trouxas ensanguen-
A obra tem início com um coro de vozes, que tadas, de Artur Barrio, e no grafite Santa ceia moderna,
cantam em Bocca Chiusa. Essa técnica consiste em can- de Acme. (Página 10, terceiro parágrafo)
tar com os dentes abertos, a língua relaxada encostada
Estruturas
nos dentes da frente e lábios bem fechados, fazendo
som de “mmmmmm”. Esse coro do início remete ao Na produção de obras musicais, é possível anali-
canto gregoriano, reforçando o tom religioso. sar tipos de textos repletos de significados, bem como
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi-
Quando Chico Buarque e Milton Nascimento cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada
começam a cantar “Pai, afasta de mim esse cálice”, as pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes e
vozes continuam entoando em Bocca Chiusa, mas ago- Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonautas, e
ra apenas como acompanhamento. A partir de “Como Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/ou lin-
beber dessa bebida amarga” até “Tanta mentira, tan- guísticas que dialogam com estruturas ideológicas do
ta força bruta”, o acompanhamento é feito apenas por seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cálice,
violão. Após esse trecho, há repetição do refrão, mas de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de Ne-
agora além do violão, há vozes e o baixo. Com a entrada nhum de nós, e Solange, interpretada pela banda Solan-
de novos instrumentos, a música ganha mais dramatici- ge. (Página 18, quarto parágrafo)
dade e intensidade.
Cenários contemporâneos
A guitarra aparece a partir de “Como é difícil
acordar calado”. Nos compassos que antecedem o tre- As obras Guevara vivo ou morto (1967), de Clau-
dio Tozzi, Trouxas ensanguentadas (1970), de Artur Bar-
cho “De muito gorda a porca já não anda”, há a inclusão
rio, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365, são
da percussão, que só aparece nessa e na estrofe seguin- associadas ao contexto de disputas ideológicas e lutas
te, reforçando ainda mais a dramaticidade e tensão pre- sociais relacionadas às Ditaduras da segunda metade do
sentes na obra. No final da última estrofe os instrumen- século XX.. o Desse modo, é possível relacionar as obras
tos param e só ficam as vozes. Considerando o refrão

Tudo Sobre o PAS UnB 20


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

às ditaduras militares na América Latina, mas especial-


mente à Ditadura Militar Brasileira, período autoritário
que durou vinte e um anos, caracterizado pela promoção
de medidas de restrição às liberdades individuais e cole-
tivas, pela censura e a repressão aos opositores do regi-
me, como é reforçado na carta À Doutora Nise Siqueira,
de Carlos Drummond de Andrade (1975). A discussão do
direito de livre expressão no contexto histórico da ditadu-
ra militar brasileira é presente em obras musicais mar-
cantes e diversas entre si: Cálice, de Gilberto Gil e Chico
Buarque (1978), Me deixe mudo, de Walter Franco
(1973), e Solange, na versão da Banda Solange (1985).
(Página 30, primeiro parágrafo)

Número, grandeza e forma

Na música há diversas combinações de arranjo.


Várias maneiras de produzir sons foram incorporados em
formas musicais já existentes, surgindo novos experi-
mentalismos observados nas músicas populares e nas
músicas de concerto dos séculos XX e XXI. Alguns exem-
plos podem ser percebidos na música de vanguarda do
século XX, Quarteto para o fim dos tempos (1º Movimen-
to - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do Furor
para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à imorta-
lidade de Jesus), de Olivier Messiaen, na música marginal
Me deixe mudo, de Walter Franco, na canção de protesto
Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, e no rock Solan-
ge, na versão da Banda Solange. (Página 33, primeiro
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 21


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Me Deixe Mudo - Walter Franco

Autor
Walter Rosciano Franco, conhecido por desper- Obra
tar polêmicas e reações furiosas às suas músicas, nas-
ceu em São Paulo em 1945. Me Deixe Mudo

Aos 16 anos, Walter Franco começou a ter au- Não me pergunte


las de violão. Esse foi o seu ponto de entrada no mundo Não me responda
da música. Quando cursou artes dramáticas na Escola Não me procure
de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo, seus E não se esconda
colegas lhe pediam para compor músicas para as peças Não diga nada
de teatro que eles montavam. Saiba de tudo
Fique calada
A partir de 1968 começou a participar de festi- Me deixe mudo
vais, iniciando pelos universitários e crescendo até che- Seja num canto
Seja num centro
gar aos festivais internacionais como o Festival Interna-
Fique por fora
cional da Canção que era coordenado pela Rede Globo,
Fique por dentro
onde estaria encaminhado para a fase internacional Seja o avesso
do festival com sua composição “Cabeça” que, mesmo Seja a metade
vaiada pelo público, conquistou o júri. Porém, a escolha Se for começo
do júri incomodou o governo militar, que o destituiu e Fique à vontade
colocou um que escolheu “Fio Maravilha” de Jorge Ben
e “Diálogo” de Baden Powell e Paulo C. Pinheiro. Um exemplo de que as músicas que Walter
Franco escreviam fugiam de todos os padrões é a mú-
Em 1973, lançou seu primeiro LP intitulado por sica “Me deixe mudo”, faixa do disco “Ou não” lançado
“Ou não” e a partir disso começou a fazer shows sozi- em 1973. Posteriormente foi regravada no disco “Sinal
nho, lançar cada vez mais LP’s, participar de mais festi- Fechado” de Chico Buarque, lançado em 1974 com uma
vais e se destacar cada vez mais no ramo musical. Em versão menor da música, de 2 minutos e meio, enquan-
2000 foi lançado um documentário sobre Walter Franco to a original de Walter Franco tem aproximadamente 6
denominado “Muito Tudo”, que fala sobre a história e minutos e meio.
as inspirações que o levaram a escrever suas músicas.
Seguindo o estilo musical de Walter Franco, a
Quanto às suas composições, Walter trabalha- música acima possui um jogo entre a letra e melodia in-
va bastante com os jogos de palavras, dando importân- teressantíssimo. Há, no começo e no final, um efeito de
cia também aos momentos de silêncio. O artista busca fade-in e fade-out. Ao invés de cantar a música inteira,
fugir do padrão de ter um refrão, estrofes e melodias Walter pronuncia somente alguns fonemas e conforme
que ficam sempre se repetindo. De acordo com o do- a música vai passando, aumentam-se os fonemas até
cumentário “Muito Tudo”, Walter Franco vai atrás da ficarem semelhantes com palavras para então virarem
melodia que há em um poema e do poema que há em palavras completas. Já a volta é bem semelhante, pois
uma melodia. com um efeito de fade-out, de palavras completas, o
autor vai tirando fonemas e encurtando as palavras até
Incorporou, em muitas de suas obras, traços e que chegue no completo silêncio.
lógicas que se aproximam muito da poesia concreta. As
principais características do concretismo são a valoriza- Esses efeitos também acontecem com o arran-
ção do conteúdo visual e sonoro, o banimento da estru- jo da música, que começa com notas isoladas. À medida
tura formal como versos e estrofes, rejeição ao acaso, que a música vai se desenvolvendo, as notas são enri-
decomposição das palavras, defesa da racionalidade e a quecidas a ponto de virarem arranjos. Ao final também
utilização de efeitos gráficos. há uma diminuição, que colabora para que os arranjos
ricos se empobreçam até virarem novamente notas iso-
Entretanto, apesar de ser ovacionado pela im- ladas. A instrumentação da obra é composta apenas
prensa por sua nova forma de ver e compor músicas, o por voz e violão.
público vaiava Walter em todos os festivais, seus discos
batiam recordes de devolução e a negação popular ao No primeiro momento da música, o autor usa
estilo dele só aumentava. de imperativos negativos como forma de regressar ao
silêncio proibindo a comunicação (pergunta, resposta,
Em 2015, o artista comemorou 70 anos de vida etc...) com as seguintes expressões: “Não me pergunte/
e voltou aos palcos, relançando, após 40 anos, seu ál- Não me responda/ Não me procure/E não se esconda/
bum Revólver. Walter morreu em 2019 aos 74 anos por Não diga nada”.
consequência de um AVC.

Tudo Sobre o PAS UnB 22


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Após todas essas expressões imperativas nega- 8º movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Mes-
tivas, há também expressões afirmativas que seguem a siaen. As músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil,
intenção de Walter Franco de retornar ao silêncio, são Me deixe mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da
essas: “Saiba de tudo/Fique calada/Me deixe mudo”. Banda Solange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila
Morena, versão da Banda 365, refletem, em diferentes
À primeira vista, pode ser interpretada como contextos, transformações políticas em momentos his-
uma canção de amor, visto que apresenta um sujeito tóricos conflituosos. Essas reflexões também podem ser
feminino em “fique calada”. Entretanto, segundo Vargas observadas na intervenção urbana Trouxas ensanguen-
(2010, p.206), se considerarmos o contexto em que foi tadas, de Artur Barrio, e no grafite Santa ceia moderna,
lançada (regime militar), é possível interpretá-la como de Acme. (Página 10, terceiro parágrafo)
“reação à repressão e à censura”.
Tipos e gêneros
Walter parece querer tomar o momento inicial
de organização da criação como fragmentos de sons Algumas obras musicais apresentam classifica-
provenientes do silêncio, unindo-se até terem significa- ções específicas podendo ser rotuladas em um padrão
do, quando a palavra demonstra ocupar integralmente estético de gênero, exemplificam essa condição: Maldi-
o espaço acústico, do “canto” ao “centro”, do “fora” ao tos Cromossomos, de Pitty, Camila Camila, de Nenhum
“dentro”, em tudo e em seu “avesso”: “Seja no canto/ de nós, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365.
Seja no centro/Fique por fora/Fique por dentro/Seja o
Por outro lado, as canções Me deixe mudo, de Walter
avesso/Seja metade/Se for começo/Fique à vontade”.
Franco, Trevas, de Jards Macalé, e O encontro de lam-
“Me deixe mudo” é uma canção cíclica que vai pião com Eike Batista, de El Efecto, não podem ser classi-
do silêncio absoluto passado à palavra presente e da ficadas dentro de um gênero musical específico. (Página
palavra presente ao silêncio absoluto futuro, idêntico 14, segundo parágrafo)
ao silêncio passado, representando assim um espiral
sem fim de silêncio e melodia. A relação entre letra e Estruturas
música pode ser interpretada também como o ciclo da
A análise de elementos musicais, como materiais
vida:
sonoros, caráter expressivo e sua organização (estrutura
O procedimento performático escolhido faz com que letra e forma) por meio de atividades de execução (tocar ins-
e música se construam, tornem-se inteligíveis e sejam des- trumentos e cantar), de apreciação e de criação, enrique-
truídas no momento da execução, como se fosse incorpo- cem a vivência musical, dialogando com as produções e
rado o ciclo da vida (nascimento – maturação – morte) ou idiossincrasias do seu tempo ou com as do passado, como
como se os discursos em questão (ou outros passíveis de ilustram as obras Quarteto de cordas com helicópteros,
serem suscitados conforme a interpretação) fossem cria- de Karlheinz Stockhausen, Me deixe mudo, de Walter
dos, partilhados e destruídos. (VARGAS, 2010, p. 206 e 207)


Franco, Mulamba, de Mulamba, Quarteto para o fim dos
tempos nos movimentos I, VI e VIII, de Olivier Messiaen,
e Grândola Vila Morena, na versão da Banda 365, assim
como a estrutura de manifestações inspiradas na cultura
popular como Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro, que envol-
Citações da Obra na Matriz de Referências ve além da música, a dança e a encenação. (Página 19,
O ser humano como um ser que interage primeiro parágrafo)

A criação artística permite aproximações com Cenários contemporâneos


temas complexos para as interações humanas como o
As obras Guevara vivo ou morto (1967), de Clau-
silêncio presente na canção Me deixe mudo, de Walter
dio Tozzi, Trouxas ensanguentadas (1970), de Artur Bar-
Franco,o sombrio, presente em Trevas, de Jards Macalé,
rio, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365, são
o suicídio, presente em Ilumina o mundo, do grupo De-
associadas ao contexto de disputas ideológicas e lutas
tonautas, as heranças e reproduções comportamentais,
sociais relacionadas às Ditaduras da segunda metade do
presentes em Malditos cromossomos, da cantora Pitty.
século XX.. o Desse modo, é possível relacionar as obras
(Página 7, primeiro parágrafo)
às ditaduras militares na América Latina, mas especial-
Indivíduo, cultura, estado e participação política mente à Ditadura Militar Brasileira, período autoritário
que durou vinte e um anos, caracterizado pela promoção
No contexto musical, algumas obras alinham-se de medidas de restrição às liberdades individuais e cole-
às possibilidades de transformação social e conceitual. A tivas, pela censura e a repressão aos opositores do regi-
relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem me, como é reforçado na carta À Doutora Nise Siqueira,
como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada de Carlos Drummond de Andrade (1975). A discussão
em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com do direito de livre expressão no contexto histórico da di-
helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para tadura militar brasileira é presente em obras musicais
o fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal; marcantes e diversas entre si: Cálice, de Gilberto Gil e
6º movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas; Chico Buarque (1978), Me deixe mudo, de Walter Franco

Tudo Sobre o PAS UnB 23


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

(1973), e Solange, na versão da Banda Solange (1985).


(Página 30, primeiro parágrafo)

Número, grandeza e forma

Na música há diversas combinações de arran-


jo. Várias maneiras de produzir sons foram incorpora-
dos em formas musicais já existentes, surgindo novos
experimentalismos observados nas músicas populares
e nas músicas de concerto dos séculos XX e XXI. Alguns
exemplos podem ser percebidos na música de vanguarda
do século XX, Quarteto para o fim dos tempos (1º Mo-
vimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à
imortalidade de Jesus), de Olivier Messiaen, na música
marginal Me deixe mudo, de Walter Franco, na canção
de protesto Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, e no
rock Solange, na versão da Banda Solange. (Página 33,
primeiro semestre)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 24


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Camila, Camila - Nenhum de Nós

Autoria
Nenhum de Nós é uma banda de pop rock do vários subgêneros do rock, atraindo multidões durantes
Rio Grande do Sul fundada em 1986. O grupo é formado shows e festivais. No Brasil, o rock levantou reflexões e
por Thedy Corrêa (vocal, violão e baixo), Veco Marques críticas, mobilizando jovens e ditando tendências.
(guitarra), Carlos Stein (guitarra e violão), Sady Homrich
(bateria e percussão) e João Vicenti (teclados e backing Obra
vocal).
Camila, Camila
Sady, Carlos e Thedy se conheceram na escola.
Durante a faculdade, Carlos foi um dos fundadores do Depois da última noite de festa
grupo Engenheiros do Hawaii, mas depois de dois shows Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
decidiu formar o grupo Nenhum de Nós com seus ami- As coisas aconteciam com alguma explicação
gos de escola. Os ensaios aconteciam no bar Bangalô, Com alguma explicação
que também foi o cenário de lançamento do trio. Para
o nome, o grupo buscou algo que gerasse curiosidade Depois da última noite de chuva
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
e fosse comum aos três. De tanto repetir “nenhum de
Às vezes peço a ele que vá embora
nós”, acabou se tornando o nome da banda.
Que vá embora
Tempos depois foram chamados para abrir um Camila
espetáculo do DeFalla. Antônio Meira, produtor, gostou Camila, Camila
da música e os convidou para assinarem com a BMG
Ariola. Assim, gravaram o primeiro álbum, que foi lan- Eu que tenho medo até de suas mãos
çado em 1987. Em 1988, a música “Camila, Camila” tor- Mas o ódio cega e você não percebe
nou-se um hit nacional. Um ano depois o segundo disco Mas o ódio cega
emplacou outro hit: Astronauta de Mármore.
E eu que tenho medo até do seu olhar
Em 1990 o guitarrista Veco Marques ingressou Mas o ódio cega e você não percebe
na banda e, no mesmo ano, o terceiro álbum é lança- Mas o ódio cega
do. Em 1991, o grupo se apresentou no Rock in Rio II
e João Vicenti se torna o mais novo integrante. Após o A lembrança do silêncio
lançamento do quarto disco, o grupo lança um álbum Daquelas tardes, daquelas tardes
acústico que resume os quatro primeiros. Da vergonha do espelho
Naquelas marcas, naquelas marcas
Nos anos seguintes lançaram os álbuns Mundo
Havia algo de insano
Diablo (1996), Paz e Amor (1998), Histórias Reais Seres
Naqueles olhos, olhos insanos
Imaginários (2001), Pequeno Universo (2005), A Céu Os olhos que passavam o dia
Aberto (2007), Contos de Água e Fogo (2010). Ao todo A me vigiar, a me vigiar
foram gravados 17 álbuns e 3 Dvd’s. De 2007 a 2010 o
grupo percorreu o Brasil, Paraguai, Uruguai e China em Camila
uma turnê de mais de 350 shows. Camila, Camila

Em outubro de 2019 a banda completou 33 Camila


anos de carreira, tendo superado a marca de dois mil Camila, Camila
shows e 3,5 milhões de discos vendidos.
E eu que tinha apenas 17 anos
Rock Baixava a minha cabeça pra tudo
Era assim que as coisas aconteciam
O Rock surgiu na década de 1950 nos Estados Era assim que eu via tudo acontecer
Unidos. Esse gênero musical mescla características do
blues, soul e do country americano. A obra Camila, Camila foi lançada em 1987,
no primeiro álbum da banda Nenhum de Nós. Rapida-
Na instrumentação são utilizados instrumentos mente a música obteve um sucesso estrondoso, o qual
elétricos como teclados, guitarras e baixo, além da bate- marca a trajetória do grupo, inserindo-o no rock pro-
ria, que é um instrumento percussivo. Entretanto, o ins- fissional na segunda metade da década de 80. A letra
trumento que se tornou marca registrada desse gênero foi escrita em 1ª pessoa, em forma de depoimento de
é a Guitarra. Apesar de ter surgido nos anos 50, teve cenas cotidianas e é uma denúncia sobre uma situação
seu auge nos anos 70 e 80, quando surgiram bandas de de abuso contra uma mulher.

Tudo Sobre o PAS UnB 25


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Em entrevista ao programa televisivo Altas Ho- ajuda. É importante salientar que relacionamento abu-
ras, Thedy conta que a canção Camila, Camila foi inspi- sivo não é caracterizado somente pela violência física,
rada em maus momentos de uma garota que alguns dos mas também pela agressão verbal, psicológica, moral
integrantes conheceram na escola. Eles se questiona- e patrimonial.
vam do motivo de Camila se submeter aos maus tratos
e situações constrangedoras. Apesar do nome “Camila” O relacionamento abusivo ocorre quando o
ser fictício, a história é verídica. agressor usa seu poder, seja físico, emocional ou psico-
lógico para controlar a parte agredida, submetendo-a
Sobre o nome da obra, Thedy contou ao canal a diversas situações constrangedoras e humilhantes,
de Youtube “O Reverendo Rock Gaúcho” que em um dia desrespeitando-a e rebaixando com afirmações que de-
de ensaios a banda estava no estúdio e, como estava nigrem. Esse tipo de relação só costuma ser identificada
chovendo muito, o carpete estava coberto de jornais como abusiva pelas vítimas quando há violência física,
para que não molhasse. Foi nesse momento que em um já que no início do relacionamento esse abuso é sutil.
desses jornais Thedy viu um anúncio do filme argentino
Camila: O símbolo de uma mulher. No começo o agressor ataca o psicológico da
vítima, até que seja criado um envolvimento e depen-
Thedy conta ainda que, como o grupo é muito dência emocional. Após fragilizar e envolver a vítima,
cinematográfico, na criação da obra os integrantes ima- o agressor se mostra como realmente é. Nesses casos,
ginavam cenas de Camila chegando em casa depois de após despejar sua ira, o agressor costuma prometer
uma festa com o namorado. Com este fato, provavel- mudanças de comportamento, dificultando a identifica-
mente algo ruim teria acontecido durante a festa e feito ção do abuso.
Camila desejar com todas as forças que aquela noite
terminasse. Ciúmes excessivo, chantagem, destruição da
autoestima, controle, ameaças e destruição/furto de
O trecho “Depois da última noite de chuva/ objetos da vítima são algumas das características de um
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer/Às ve- relacionamento abusivo.
zes peço a ele que vá embora” demonstra que as noi-
tes de violência eram algo comum. Em “Eu que tenho Estrutura
medo até de suas mãos/ Mas o ódio cega e você não
percebe” pode-se perceber que a menina tem medo do Para execução da canção são utilizados baixo,
namorado, pois nunca sabe de onde pode vir a agres- teclados, guitarra, violão e bateria. A introdução tem
são. O namorado está tão cego pelo ódio que não per- início com um dedilhado na guitarra (dependendo da
cebe o medo que causa à garota. versão é substituída pelo violão), que logo é acompa-
nhado pelos demais instrumentos.
“A lembrança do silêncio/ Daquelas tardes/ Da
vergonha do espelho/ Naquelas marcas, naquelas mar- Se considerarmos o trecho “Depois da última
cas” fala sobre como “Camila” se sente incapaz de falar noite de festa” como seção A, “Camila” como seção B,
e pedir ajuda para alguém, mas também deixa claro que “Eu que tenho medo até de suas mãos” como seção C,
a violência não é só psicológica, já que ao se olhar no “A lembrança do silêncio” como seção D e “E eu que
espelho vê as marcas que tem no corpo. Esse silêncio é tinha apenas 17 anos” como seção E, a sequência da
muito comum em vítimas de violência doméstica, pois versão disponibilizada pelo CEBRASPE seria: A, A’, B, C,
raramente têm forças para denunciar o agressor, seja
C’, D, D, B, B, E, E, B, B. Nesse caso, (‘) indica variação
por vergonha, dependência financeira, medo, entre
sobre a seção. Para melhor entendimento, sugerimos
muitos outros motivos. Apesar disso, não é o agressor
que acompanhe a letra enquanto escuta a canção.


que sente vergonha, mas sim a vítima.

Em “Havia algo de insano/ Naqueles olhos in-


sanos/ Os olhos que passavam o dia/ A me vigiar, a me
vigiar” a garota deixa claro que o rapaz dava indícios de
desequilíbrio mental, pois a olhava como se ela perten- Citações da Obra na Matriz de Referências
cesse a ele, por isso a vigiava o dia todo.
O ser humano como um ser que interage
Nos versos finais percebemos que Camila é so-
Além disso, problematizar especialmente a con-
mente uma garota de 17 anos que não conseguia reagir
à situação. Tem medo de pedir ajuda, e por esse mo- dição das mulheres no mundo contemporâneo se apre-
tivo acaba entrando nesse ciclo vicioso, aceitando de senta como tarefa necessária, e, para isso, as músicas
cabeça baixa tudo o que acontecia. A canção traz uma Camila, Camila, interpretada pela banda Nenhum de
reflexão sobre a violência à mulher, mas principalmente nós, Mulamba, de Mulamba, o videoclipe de Dona de
à violência velada. mim, de Iza e o conto Maria, de Conceição Evaristo, são
exemplos que permitem subsidiar os debates sobre esse
Acerca da temática levantada na obra, muitas tema. (Página 6, terceiro parágrafo)
mulheres são vítimas de relacionamentos abusivos, e
algumas demoram muito tempo para perceber e pedir

Tudo Sobre o PAS UnB 26


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tipos e gêneros Questões, Justificativas e Dicas


Algumas obras musicais apresentam classifica- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
ções específicas podendo ser rotuladas em um padrão
estético de gênero, exemplificam essa condição: Maldi- Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
tos Cromossomos, de Pitty, Camila, Camila, de Nenhum
de nós, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365. Anotações e Rascunhos
Por outro lado, as canções Me deixe mudo, de Walter
Franco, Trevas, de Jards Macalé, e O encontro de lam-
pião com Eike Batista, de El Efecto, não podem ser classi-
ficadas dentro de um gênero musical específico. (Página
14, segundo parágrafo)

Estruturas

Na produção de obras musicais, é possível ana-


lisar tipos de textos repletos de significados, bem como
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi-
cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada
pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes
e Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonau-
tas, e Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/
ou linguísticas que dialogam com estruturas ideológicas
do seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cá-
lice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de
Nenhum de nós, e Solange, interpretada pela banda So-
lange. (Página 18, quarto parágrafo)

Cenários contemporâneos

O documentário À margem do corpo (2006), de


Débora Diniz, discute a questão do direito reprodutivo,
da violência de gênero, raça e classe na região do entor-
no do Distrito Federal. A obra também aborda aspectos
relativos aos impactos dessas diversas formas de violên-
cia na saúde mental das mulheres pobres e negras. Esse
debate acerca da violência contra a mulher também está
presente na canção Camila Camila (1987), da Banda Ne-
nhum de Nós, assim como no clipe Mulamba (2018), do
grupo Mulamba, que discute questões ligadas aos mo-
vimentos feministas, na sociedade brasileira, de longa
trajetória na história do Brasil. Noções sobre liberdade,
ética e respeito ao corpo do outro, podem ser percebidos
na performance Rhythm 0 (1974), de Marina Abramovic,
e nas técnicas terapêuticas Série Roupa-corpo-roupa: “O
Eu e o Tu” - Queer (1967), Lygia Clark. (Página 29, tercei-
ro parágrafo)

Materiais

Equilíbrio e desequilíbrio sonoro são atingidos


com a manipulação de timbres, dinâmica, ritmo, melo-
dia, harmonia e demais materiais musicais. Tais aspectos
são observados em obras como Camila Camila, de Ne-
nhum de nós, Malditos Cromossomos, de Pitty, Solange,
na versão da Banda Solange e O encontro de Lampião
com Eike Batista, da banda El Efecto — composição que
também consegue o equilíbrio sonoro por meio da mis-
tura de instrumentos de diferentes classificações e con-
textos regionais e temporais. (Página 40, primeiro pará-
grafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 27


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Grândola, Vila Morena - Banda 365

Intérpretes
A banda de rock “365” foi fundada em São Contexto
Paulo em 1983 unindo diversos ex-integrantes de ou-
tras bandas, como Miro de Melo (Lixomania e Guerri- Para entender o significado da canção, é ne-
lha Urbana), Tiquinho (Lixomania), Adauto (Lixomania) cessário que haja uma compreensão sobre o regime
e Oclinhos (Psykóze). Essa primeira formação iniciou a salazarista e a revolução do cravo. Em 1926 ocorreu um
carreira da banda apresentando músicas voltadas ao golpe militar no governo de Portugal, ocasionando a
punk-rock e new wave no Festival de Juiz de Fora, fes- instauração de uma ditadura militar no país.
tival que apresentou também o cantor Erasmo Carlos.
Porém, com poucas apresentações, o grupo desistiu de Em 1932, Antônio de Oliveira Salazar, assume
dar continuidade ao projeto. o cargo de primeiro ministro das finanças, mas se apro-
veitou do poder e instaurou um regime ditatorial. Um
Em 1985, dois anos depois do abandono do ano depois, decretou na Constituição de 1933 a supres-
projeto, Mingau, Finho e Ari Baltazar ingressaram na são de liberdades de expressão, reunião e organização,
banda para dar continuidade juntamente com Miro de dando início ao Estado Novo, também conhecido como
Melo, baterista da formação original. Nessa nova for- regime Salazarista. Salazar tinha como inspiração o regi-
mação, todas as composições anteriores foram descar- me fascista italiano, logo, o Estado Novo foi bem seme-
tadas pois o grupo estava entrando em um novo estilo, lhante ao fascismo.
conhecido como pós punk.
Devido ao fato de o regime português não dar
Com composições de Finho e Ari, em 1986 foi liberdade e independência às suas colônias, houve uma
lançado o primeiro disco-mix que continha “Canção série de conflitos denominados por Guerra Colonial
para Marchar” e “São Paulo”, que se tornou um gran- Portuguesa. Sendo iniciada em 1961, contou com a par-
de sucesso e até mesmo um clássico nacional. Um ano ticipação das Forças Armadas Portuguesas e forças or-
depois, lançaram o primeiro álbum denominado por ganizadas pelos movimentos de libertação das colônias
“365”. antigas Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, tendo seu
término em 1974. Além disso, o governo reconhecia os
Em 1989, houve uma substituição: Callegari, levantamentos coloniais como atos de terrorismo.
baixista dos Inocentes, substituiu Mingau e assim a ban-
da lançou seu segundo álbum denominado por “Cenas Em 1968, Salazar foi acometido por um derra-
de um Novo País“ que contou com as canções “Cegos me cerebral e faleceu. Foi substituído pelo seu ex mi-
Movimentos”, “Berço Esplêndido!”, “Anos 70””, entre nistro, Marcelo Caetano, que deu continuidade à sua
outras. política.

A próxima gravação da banda só ocorreu em Devido à insatisfação da população e das forças


1995 devido ao convite para participar da coletânea armadas com o caminho que a economia estava seguin-
“Oi! It’s a World Invasion, vol. 2”. Nesse disco a banda do e o desgaste que a guerra colonial portuguesa esta-
365 contribuiu com duas canções: “Pâmela”, música au- va provocando, uma revolução explodiu no dia 25 de
toral de Finho e Ari, e “Violência e Sobrevivência”, uma abril de 1974. A Revolução dos Cravos teve como sinal
música da banda Lixomania, da qual Miro fazia parte. uma canção tocada meia noite daquele dia. A canção
sinalizou que o movimento para acabar com o regime
Paralelo ao projeto 365, Miro lançou um álbum salazarista começaria. Dessa forma, os militares depu-
com outra banda, enquanto Finho e Ari formaram uma seram Marcelo Caetano, colocando o general António
nova banda. Mesmo com esses projetos paralelos, o de Spínola no poder.
grupo lançou uma coletânea em 1998 que continha so-
mente os sucessos da banda 365, organizada por Miro A Revolução dos Cravos é conhecida por esse
de Melo. nome pois quando a revolução atingiu seu objetivo e
o regime ditatorial teve fim, a população saiu às ruas
O último álbum, “Do Outro Lado do Rio”, foi distribuindo cravos aos soldados rebeldes que foram
lançado em 2005 e contou com a canção “Manhã de responsáveis pelo sucesso da revolução.
Domingo”, que homenageava a banda Mamonas Assas-
sinas. Após o lançamento desse álbum, Finho iniciou Obra
uma carreira solo e Miro se dedicou a um novo projeto,
tornando inviável dar continuidade à banda 365, que foi Grândola, Vila Morena
encerrada em 2016. Terra da Fraternidade

Tudo Sobre o PAS UnB 28


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

O povo é quem mais ordena seja, entender como a espécie de seres capazes de agir e
Dentro de ti, ó cidade interagir pode criar formas de vida, questão presente nos
Em cada esquina, um amigo textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren-
Em cada rosto, a igualdade dt, e Necropolítica, de Achille Mbembe, assim como nas
O povo é quem mais ordena canções O real resiste, de Arnaldo Antunes, Malditos Cro-
Dentro de ti, ó cidade mossomos, de Pitty, e Grândola Vila Morena, na versão
da banda 365. (Página 4, primeiro parágrafo)
Dentro de ti, ó cidade Indivíduo, cultura, estado e participação política
Juro em ter a companheira
A sombra de uma azinheira No contexto musical, algumas obras alinham-se
Que já não sabia a idade às possibilidades de transformação social e conceitual. A
relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem
como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada
A música que foi utilizada como senha para o em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com
início da Revolução dos Cravos foi a música “Grândola, helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para
Vila Morena”, originalmente composta por José Afonso, o fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal;
mais conhecido por Zeca Afonso, cantor e compositor 6º movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas;
português. A canção é sempre lembrada em protestos 8º movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Mes-
políticos por diversas partes do mundo. Com isso, várias siaen. As músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil,
Me deixe mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da
versões foram gravadas por outros artistas. Entre essas Banda Solange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila
versões temos a da banda 365, que foi gravada em 1987 Morena, versão da Banda 365, refletem, em diferentes
e integrou o álbum “365”. contextos, transformações políticas em momentos his-
tóricos conflituosos. Essas reflexões também podem ser
Por ter sua versão lançada dois anos após o fim observadas na intervenção urbana Trouxas ensanguen-
da ditadura militar no Brasil, pode ter sido uma forma tadas, de Artur Barrio, e no grafite Santa ceia moderna,
de expressão do quão poderoso é o povo contra os regi- de Acme. (Página 10, terceiro parágrafo)
mes ditatoriais, visto que a canção também foi utilizada
com esse sentido em diversos países que passaram por Tipos e gêneros
regimes semelhantes.
Algumas obras musicais apresentam classifica-
ções específicas podendo ser rotuladas em um padrão
A canção transmite a mensagem de que é o estético de gênero, exemplificam essa condição: Maldi-
povo que deveria tomar as decisões visando o bem tos Cromossomos, de Pitty, Camila Camila, de Nenhum
comum. O governo está a serviço da população, logo, de nós, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365.
assim como diz na canção, “o povo é quem mais orde- Por outro lado, as canções Me deixe mudo, de Walter
na”. Porém, é de notório conhecimento que esse não é Franco, Trevas, de Jards Macalé, e O encontro de lam-
um fato evidente, visto que os governantes ignoram os pião com Eike Batista, de El Efecto, não podem ser classi-
pedidos da população e fazem somente o que é de suas ficadas dentro de um gênero musical específico. (Página
vontades. 14, segundo parágrafo)

Reforça ainda a necessidade de fraternidade da Estruturas


população, que ao governar a cidade de forma conjun- A análise de elementos musicais, como materiais
ta, deve manter-se unida. O trecho “Em cada esquina, sonoros, caráter expressivo e sua organização (estrutura
um amigo/ Em cada rosto, a igualdade” demonstra de e forma) por meio de atividades de execução (tocar ins-
forma clara a união pregada por Zeca Afonso em sua trumentos e cantar), de apreciação e de criação, enrique-
composição, demonstra de forma clara a união pregada cem a vivência musical, dialogando com as produções
por Zeca Afonso em sua composição, visto que o povo e idiossincrasias do seu tempo ou com as do passado,
unido poderia enfrentar qualquer adversidade. Na ver- como ilustram as obras Quarteto de cordas com helicóp-
são da banda 365 são utilizados baixo, bateria, guitarras teros, de Karlheinz Stockhausen, Me deixe mudo, de Wal-
e vozes. ter Franco, Mulamba, de Mulamba, Quarteto para o fim
dos tempos nos movimentos I, VI e VIII, de Olivier Mes-


siaen, e Grândola Vila Morena, na versão da Banda 365,
assim como a estrutura de manifestações inspiradas na
cultura popular como Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro, que
envolve além da música, a dança e a encenação. (Página
19, primeiro parágrafo)
Citações da Obra na Matriz de Referências
Cenários contemporâneos
O ser humano como um ser que interage
As obras Guevara vivo ou morto (1967), de Clau-
Nesta etapa, em decorrência das anteriores, a
dio Tozzi, Trouxas ensanguentadas (1970), de Artur Bar-
tarefa é projetar a existência de modo conjunto, coletivo,
rio, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365, são
e vincular conhecimentos e sabedoria a esses projetos, ou
associadas ao contexto de disputas ideológicas e lutas

Tudo Sobre o PAS UnB 29


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

sociais relacionadas às Ditaduras da segunda metade do


século XX.. o Desse modo, é possível relacionar as obras
às ditaduras militares na América Latina, mas especial-
mente à Ditadura Militar Brasileira, período autoritário
que durou vinte e um anos, caracterizado pela promoção
de medidas de restrição às liberdades individuais e cole-
tivas, pela censura e a repressão aos opositores do regi-
me, como é reforçado na carta À Doutora Nise Siqueira,
de Carlos Drummond de Andrade (1975). A discussão
do direito de livre expressão no contexto histórico da di-
tadura militar brasileira é presente em obras musicais
marcantes e diversas entre si: Cálice, de Gilberto Gil e
Chico Buarque (1978), Me deixe mudo, de Walter Franco
(1973), e Solange, na versão da Banda Solange (1985).
(Página 30, primeiro parágrafo)

Espaços

As obras O encontro de Lampião com Eike Ba-


tista, da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na ver-
são da Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e
o slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a
dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, podem sub-
sidiar discussões relevantes a respeito da constituição
do espaço e seus conflitos: territoriais, ambientais, filo-
sóficos, religiosos, políticos, étnicos, sociais e de gênero.
Nessa perspectiva, é possível pensar o espaço geográfi-
co como político, estratégico e produto social historica-
mente construído e, portanto, repleto de contradições,
como pode ser observado no romance Sargento Getúlio,
de João Ubaldo Ribeiro, na novela O recado do morro,
de João Guimarães Rosa, nos contos Oásis, de Caio Fer-
nando Abreu, Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem à
Petrópolis, de Clarice Lispector. (Página 35, segundo pa-
rágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 30


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Quarteto de Cordas com Helicóptero -
Karlheinz Stockhausen

Autor
Karlheinz Stockhausen nasceu em 22 de agosto alcançaram quase um milhão de pessoas na Exposição
de 1928 em um vilarejo próximo à cidade de Colônia, na Mundial de Osaka, já que eram executadas duas vezes
Alemanha. Durante sua infância, Stockhausen perdeu a ao dia pelos seis meses de duração da exposição.
sua mãe, e aos 17 anos seu pai foi vítima da segunda
guerra mundial, morrendo na frente de combate hún- Suas obras fugiam do tradicional, como o ciclo
gara. Após a grande guerra, teve que recomeçar a sua de ópera Licht, que consiste em sete partes intituladas
vida. Em 1947 começou a estudar música no Conserva- como os dias da semana. O ciclo completo tem a du-
tório de Música da Colônia, posteriormente estudando ração de 29 horas. Considerado como um dos grandes
Música, Letras Germânicas e Filosofia na Universidade compositores do final do século XX, Stockhausen sem-
de Colônia. pre teve o cuidado de executar ou conduzir pessoal-
mente as suas obras em quase todas as estreias mun-
Em 1951, mudou-se para Paris, onde foi aluno diais, performances e gravações.
de Olivier Messiaen (autor da obra Quarteto para o Fim
dos Tempos) e Darius Milhaud, importantes composito- Compôs, ao todo, 376 obras (são contabilizadas
res do século XX. Nesse mesmo período conheceu Bou- aqui somente as obras individuais, sem parcerias), das
lez e os criadores da música concreta. quais 35 são para orquestra e 13 para coro e orquestra.
Ao longo de sua vida, recebeu vários prêmios. O com-
Ao retornar para Colônia em 1953, o composi- positor faleceu em 2007 aos 79 anos devido a uma in-
tor trabalhou nos estúdios de música eletrônica da rá- suficiência cardíaca.
dio da cidade, posteriormente se tornando diretor (de
1963 até 1977) e consultor artístico (até 1990). Aplicou Obra
os princípios do serialismo e empregou aparelhos ele-
trônicos em seus experimentos, combinando-os com
instrumentos e até mesmo substituindo-os. As obras
Studie 1 e 2 são desse período. Com elas, o compositor
buscou explorar as potencialidades dos sons eletrôni-
cos e criar novos timbres sem o auxílio de instrumentos.
As suas gravações experimentais dessa época trouxe-
ram muito reconhecimento ao compositor.

Em poucas palavras, a música eletroacústica


é composta a partir de sons gravados, que em seguida Helikopter-Streichquartett Internet: <www.youtube.com>
são transformados e combinados para formar a obra.
Sons sintetizados também podem ser utilizados. Des-
sa forma, a música eletroacústica é composta em es-
túdio. Uma outra diferença é que o compositor pode
criar sons que dificilmente obteria com instrumentos
musicais tradicionais. Ao alterar suas características, o
compositor consegue moldar os sons.

Concomitante aos seus estudos e pesquisas,


Stockhausen estudou fonética, teoria da informação e
comunicação com Werner Meyer-Eppler e, ainda nes- Helikopter-Streichquartett Internet: <www.youtube.com>
sa década, estreou várias composições, foi coeditor
de “Die Reihe”, que versava sobre a música serial, se
tornou palestrante e fez várias turnês como maestro e O Quarteto de Cordas com Helicóptero (He-
intérprete de suas obras. likopterStreichquartett) de Stockhausen foi motivado
por uma encomenda de um quarteto de cordas feita
Nas décadas seguintes trabalhou em Nova York por Hans Landesmannn em 1991. Stockhausen relata
com artistas de vanguarda e foi convidado por várias que, em sonho, viu quatro helicópteros em pleno voo
universidades para lecionar. Até essa época, nos con- e cada um carregava um membro do quarteto. Somen-
certos de Stockhausen com sons eletrônicos era neces- te em 1993, após dois anos de vários desenhos e es-
sário o uso de megafones, mas a partir de 1964, com quemas, a obra ficou pronta. A primeira apresentação
o desenvolvimento do sintetizador, criou-se a possibi- aconteceu em 1955, em Amsterdã, na Holanda.
lidade de os estúdios de sons serem dispensados, dan-
do espaço aos concertos ao vivo. Em 1970 suas obras Esse quarteto deve ser executado por quatro
instrumentistas, cada um voando em um helicóptero

Tudo Sobre o PAS UnB 31


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

diferente. Segundo Bacildo (2018, p.28), no primeiro sons e televisores colocados em pontos estratégicos do
momento os participantes são apresentados ao público espaço de apresentação. Sendo assim, como ressalta
por um moderador, que logo após descreve os detalhes Eiras (2015), mesmo ao assistir presencialmente a obra,
técnicos e o que acontecerá na apresentação. Após o o espectador não tem acesso direto ao som “puro” de
embarque dos músicos, o moderador explica por alto- cada instrumento, já que os sons são trabalhados ele-
-falantes o que está acontecendo. Cada instrumentista tronicamente.
é acompanhado pelas câmeras desde o momento do
embarque ao desembarque, e os áudios e vídeos são Na decolagem, assim como no pouso, os instru-
transmitidos para seu próprio grupo de monitores para mentos de corda são executados com base na rotação
o público. das pás. Ou seja, o início e o final têm menor intensi-
dade e ritmo mais tranquilo do que quando os helicóp-
Na peça o helicóptero não é utilizado apenas
teros estão em pleno voo, posto que se leva em consi-
como um meio de transporte, mas sim um instrumen-
to musical. Segundo Eiras (2005, p.172), o “som do deração os sons e ritmos das pás do motor. Segundo
helicóptero é uma informação musical, “tocando” em Bonvicino (2011), a forma da peça pode ser considera-
concerto com o quarteto de cordas”. O som dos ins- da circular, dado que tem início com a decolagem e é
trumentos de cordas (com as técnicas de tremulação e finalizada com o pouso – do ponto de vista sonoro é a
inversão do primeiro momento.


vibração) se assemelha ao som dos rotores dos helicóp-
teros, impossibilitando que o ouvinte consiga distinguir
qual som pertence a qual instrumento (considerando
aqui o helicóptero como instrumento).

Durante toda a obra, que tem duração apro- Citações da Obra na Matriz de Referências
ximada de 30 minutos, os quatro helicópteros ficam
circulando por um raio de cerca de 6 km do local da O ser humano como um ser que interage
apresentação, variando a altitude. Apesar de toda a ino-
Estabelecer um foco estético, ético e político pos-
vação trazida pelas obras de Stockhausen e principal-
sibilita a reflexão a respeito dos valores, tanto individuais
mente pela peça que é objeto desta análise, a formação
quanto coletivos, que orientam as ações das pessoas e de
do quarteto de cordas é uma das mais tradicionais, vis-
grupos de interesses. Por exemplo, questões relaciona-
to que remonta ao classicismo. Nessa peça o quarteto
das a decisões sobre o uso das ciências e suas implica-
de cordas (um agrupamento de música de câmara) é
ções são problematizadas na entrevista Juliana Estradio-
deslocado do seu contexto e espaço habitual (pequenas
to: Futuro no presente, Revista Fapesp – jun/2019,
salas de apresentação) para dar lugar a um ambiente
Criadores de um mundo recarregável, de Ricardo Zorzet-
inovador e inusitado, como o interior de um helicópte-
to, Revista Fapesp – out/2019, assim como no discurso
ro (para os instrumentistas de cordas) e o céu (para o
proferido por Darcy Ribeiro em 1985: Universidade para
helicóptero).
quê?. Aspectos dessa complexidade podem também ser
percebidos em criações como as Ilustrações críticas (Sáti-
Estrutura ras – desigualdade social), de Pawel Kuczynski, assim
como nas obras musicais Quarteto de cordas com heli-
Para executar a obra, que também integra a cópteros, de Karlheinz Stockhausen e em Quarteto para
ópera Mittwoch do ciclo Licht, é necessário um quar- o fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal; 6º
teto de cordas (dois violinos, uma viola e um violonce- movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas; 8º
lo), quatro helicópteros com pilotos, quatro técnicos de movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Messiaen.
som, quatro emissores de televisão, headphones e doze (Página 6, primeiro parágrafo)
difusores de som. Cada instrumentista, a bordo do seu
helicóptero, executa sua parte e escuta os demais mú- Indivíduo, cultura, estado e participação política
sicos pelos fones de ouvido. Em determinados momen-
tos são exclamadas palavras ufanistas (para conferir No contexto musical, algumas obras alinham-se
acesse dicas de estudos no dashboard online da apos- às possibilidades de transformação social e conceitual. A
tila e adiante o vídeo para 5 minutos e 30 segundos). relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem
como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada
Bacildo (2005) acrescenta que a transmissão em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com
do áudio do helicóptero permite que os sons se mistu- helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para
rem, já que o primeiro microfone é colocado sobre o o fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal; 6º
instrumento, o segundo próximo à boca do músico e o movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas; 8º
movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Messiaen.
terceiro fora do helicóptero, captando os sons e ritmos
As músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Me
das pás do rotor. Entretanto, o instrumento de corda
deixe mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da
deve ser escutado ligeiramente mais alto. Banda Solange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila
Morena, versão da Banda 365, refletem, em diferentes
Todos os sons recebidos são balanceados e mi-
contextos, transformações políticas em momentos histó-
xados para depois serem distribuídos pelas colunas de
ricos conflituosos. Essas reflexões também podem ser

Tudo Sobre o PAS UnB 32


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

observadas na intervenção urbana Trouxas ensanguen- nicos como a música, a projeção de textos e a construção
tadas, de Artur Barrio, e no grafite Santa ceia moderna, cenográfica para proporcionar ao público uma nova ex-
de Acme. (Página 10, terceiro parágrafo) periência diante da arte teatral. A produção musical mo-
derna valoriza materiais eletrônicos na obtenção de tim-
Tipos e gêneros bres diferenciados do usual, que permitem novas
explorações sonoras, reconhecidas na música Quarteto
Assim como percebemos em obras audiovisuais, de cordas com helicóptero, de Stockhausen. (Página 39,
os gêneros musicais também são diversos e eles estão quinto parágrafo)
relacionados a diferentes contextos socioculturais. Algu-
mas obras, como o Quarteto de cordas com helicópte-
ros, de Stockhausen e o Quarteto para o fim dos tempos
Questões, Justificativas e Dicas
(1º Movimento – Liturgia de Cristal, 6º movimento – Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
Dança do Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento –
Louvor à imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, per- Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
tencem ao contexto da música de concerto e fazem parte
de um universo ligado à Academia. Em outro contexto Anotações e Rascunhos
sociocultural, temos o Seu Estrelo e Fuá do Terreiro que
se inspira em diversas manifestações de caráter popular
ou tradicional para propor uma identidade cultural bra-
siliense, misturando gêneros musicais a um gênero tea-
tral, o qual o grupo denomina como Teatro de Terreiro,
evidenciando diversidade e interação de diferentes lin-
guagens. (Página 15, segundo parágrafo)

Estruturas

A análise de elementos musicais, como materiais


sonoros, caráter expressivo e sua organização (estrutura
e forma) por meio de atividades de execução (tocar ins-
trumentos e cantar), de apreciação e de criação, enrique-
cem a vivência musical, dialogando com as produções e
idiossincrasias do seu tempo ou com as do passado,
como ilustram as obras Quarteto de cordas com helicóp-
teros, de Karlheinz Stockhausen, Me deixe mudo, de Wal-
ter Franco, Mulamba, de Mulamba, Quarteto para o fim
dos tempos nos movimentos I, VI e VIII, de Olivier Mes-
siaen, e Grândola Vila Morena, na versão da Banda 365,
assim como a estrutura de manifestações inspiradas na
cultura popular como Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro, que
envolve além da música, a dança e a encenação. (Página
19, primeiro parágrafo)

Número, grandeza e forma

Transformações como essas podem ser observa-


das nas telas Acordeonista, de Picasso, e Ritmo de Outo-
no - número 30, de Jackson Pollock, no grafite Santa ceia
moderna, de Acme, e nos audiovisuais Das raízes às pon-
tas, de Flora Egécia, e Um cão andaluz, de Luís Buñel e
Salvador Dalí. No plano sonoro, essas transformações
podem ser verificadas em Quarteto de cordas com heli-
cópteros, de Karlheinz Stockhausen, que trabalha com
amplificação dinâmica e permutação de alturas. (Página
32, primeiro parágrafo)

Materiais

A peça Perdoa-me por me traíres, de Nelson Ro-


drigues, possibilita o uso de materiais, como a ilumina-
ção, que auxiliam na composição de uma encenação mo-
derna. Por meio de outra perspectiva estética, a peça A
Exceção e a regra, de Bertolt Brecht, possibilita o uso de
tecnologias e materiais diversos ao explorar recursos cê-

Tudo Sobre o PAS UnB 33


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Malditos Cromossomos - Pitty

Autora
Pitty, ou Priscilla Novaes Leone, nasceu em Sal- Cage. Inclusive, Pitty chegou a gravar dois documen-
vador no dia 7 de outubro de 1977. Foi introduzida ao tários sobre sua carreira, são eles: “Dê um Rolê” que
mundo musical desde cedo, já que com 17 anos iniciou é sobre os shows realizados na Turnê Setevidas e “Do
sua carreira como cantora amadora por influência fa- Ventre à Volta”.
miliar.
Pitty é atualmente considerada uma das maio-
Seu pai tinha um bar onde se apresentava com res representantes do rock brasileiro contemporâneo.
músicas de Rock, cantando canções de Elvis Presley, A artista concorreu quatro vezes ao Grammy Latino e
Beatles, Lou Reed e até mesmo Raul Seixas. Assim, Pit- já ganhou diversos prêmios, como o Melhores do Ano,
ty cresceu escutando e se aproximando desse estilo de Troféu Imprensa, Prêmio Multishow de Música Brasilei-
música. Gostava de Faith No More, Nirvana, The Smi- ra e o MTV Vídeo Music Brasil.
ths, Metallica, entre outros que influenciaram seu estilo
musical próprio, bem próximo do Hardcore Punk. Obra
Aos 20 anos, em 1997, iniciou sua carreira pro- Malditos Cromossomos – Pitty
fissional no grupo “Shes” como baterista da banda. Aos
Todas as características
21 anos, tornou-se vocalista da banda Inkoma, cujo gê-
Explícitas ou escondidas
nero era de Hardcore Punk. Nessa mesma banda, Pitty Físicas, psíquicas
chegou a gravar um álbum de estúdio, e foi nesse mo- Genética ou adquirida
mento que começou a ganhar visibilidade a ponto de Raiva competitiva
receber um convite de Rafael Ramos, produtor e mú- Apatia desmedida
sico, para gravar um álbum solo. Após aceitar o convi- Ângulo fora do esquadro
te, lançou seu primeiro single, “Máscara”, lançado pela Objeto fálico
gravadora Deckdisc.
Ah! Malditos cromossomos!
Posteriormente, Pitty lançou seu primeiro ál-
bum “Admirável Chip Novo” também pela gravadora Teoria Darwinista
Deckdisc. Esse álbum trazia canções como “Admirável O fruto, o meio e a iniciativa
Chip Novo”, “Equalize”, “I Wanna Be”, “Teto de Vidro” e Livre-arbítrio ou prisão
“Semana que Vem”. Chegou a vender 370 mil cópias e Genealogia da exclusão
Tanta coisa já contida
por esse motivo o álbum foi consagrado como o disco
E o exemplo ao longo da vida
de Rock mais vendido no ano de 2003.
Espécie de bagagem
Um dia sempre pesa na viagem
O segundo álbum de Pitty, lançado em 2005,
teve uma queda considerável no número de vendas
se comparado ao primeiro, visto que atingiu 180 mil Ah! Malditos cromossomos!
cópias. Nesse álbum chamado “Anacrônico” encon-
travam-se algumas de suas músicas mais conhecidas, De onde veio a cor
como “Na Sua Estante” e ”Memórias”. Ou angústia que mora aqui
No filho eu vejo o pai também
Seu terceiro álbum, o primeiro de Pitty ao vivo, Ninguém pode evitar
foi lançado em 2007. O próximo álbum, nomeado por
Chiaroscuro, foi promovido com os seguintes singles: Todas as características
“Me adora”, “Sob o Sol”, “Fracasso”, “ Trapézio e por fim Explícitas ou escondidas
“Só Agora”. Em 2014, Pitty lançou o álbum “SETEVIDAS” Físicas, psíquicas
e em seguida, em 2019, lançou seu mais recente álbum, Genética ou adquirida
“MATRIZ”.
Ah! Malditos cromossomos!
Malditos como somos
Porém, sua carreira musical não se concentra
Malditos cromossomos
apenas em álbum lançados. A artista chegou a realizar Malditos como somos
7 turnês nacionais, participar de diversas gravações de Malditos cromossomos
documentários, curtas e longa metragens, talk shows e
até mesmo dublou video games como Mortal Kombat Malditos Cromossomos faz parte do Álbum
X, no qual Pitty dá vida (ou voz) à personagem Cassie (Des) concerto ao vivo, gravado em julho de 2007 no

Tudo Sobre o PAS UnB 34


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Citibank Hall em São Paulo. Segundo Vital e Queiroz
(2009), o prefixo (des) indica ação contrária à outra,
“como se a “desordem” dos sentimentos, expressa nas
letras presentes no álbum fosse a chave para a ordem, Citações da Obra na Matriz de Referências
ou seja, o “caos” é responsável por originar a ordem”
(p.11). O ser humano como um ser que interage

Escrita por Martin e Pitty, a canção “Malditos Nesta etapa, em decorrência das anteriores, a
Cromossomos” é uma crítica à humanidade, e diz res- tarefa é projetar a existência de modo conjunto, coletivo,
peito a como o homem está fadado a carregar certas e vincular conhecimentos e sabedoria a esses projetos, ou
características, sejam físicas ou emocionais, bem como seja, entender como a espécie de seres capazes de agir e
reproduzindo conceitos e comportamentos provenien- interagir pode criar formas de vida, questão presente nos
tes de gerações passadas. textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Arendt,
e Necropolítica, de Achille Mbembe, assim como nas can-
Na segunda estrofe, Pitty faz alusão à teoria ções O real resiste, de Arnaldo Antunes, Malditos Cro-
darwinista, que prega que organismos vivos se alte- mossomos, de Pitty, e Grândola Vila Morena, na versão
ram por meio do tempo com modificações biológicas da banda 365. (Página 4, primeiro parágrafo)
e que somente os organismos com variações favoráveis
O ser humano como um ser que interage
às condições do ambiente em que estão inseridos têm
mais chances de sobreviverem, se comparadas aos com A criação artística permite aproximações com
variações menos favoráveis. Essa é a chamada teoria da temas complexos para as interações humanas como o
seleção natural. Em “Espécie de bagagem/Um dia sem- silêncio presente na canção Me deixe mudo, de Walter
pre pesa na viagem” novamente a mensagem proposta Franco,o sombrio, presente em Trevas, de Jards Macalé,
é que o homem está destinado a carregar uma “baga- o suicídio, presente em Ilumina o mundo, do grupo De-
gem” resultante de gerações anteriores, dando ênfase tonautas, as heranças e reproduções comportamentais,
à dificuldade existente em se livrar dela. presentes em Malditos cromossomos, da cantora Pitty.
(Página 7, primeiro parágrafo)
Diante disso, o trecho “No filho eu vejo o pai
também/Ninguém pode evitar” da terceira estrofe Tipos e gêneros
pode ser interpretado como a conformidade do ser hu-
mano em ser apenas mais uma cópia, não conseguindo Algumas obras musicais apresentam classifica-
evitar a presença dos valores e conceitos herdados he- ções específicas podendo ser rotuladas em um padrão
reditariamente. estético de gênero, exemplificam essa condição: Maldi-
tos Cromossomos, de Pitty, Camila Camila, de Nenhum
Entre as estrofes temos a repetição de “ah, de nós, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365.
malditos cromossomos, somos, somos, somos” que Por outro lado, as canções Me deixe mudo, de Walter
pode-se colocar aqui como o refrão, que não foge da Franco, Trevas, de Jards Macalé, e O encontro de lam-
abordagem crítica da música sobre a reprodução de pião com Eike Batista, de El Efecto, não podem ser classi-
conceitos e comportamentos. ficadas dentro de um gênero musical específico. (Página
14, segundo parágrafo)
Por fim, temos a última estrofe, na qual Pitty
repete o mesmo verso do refrão acrescentando “mal- Ambiente e evolução
ditos como somos”. Ou seja, além da maldição dos cro-
mossomos que foram passados adiante, a cantora faz A ciência discute a origem da vida. Nesse contex-
também uma crítica ao próprio homem (ser humano), to, os experimentos de Miller e de Fox relacionam-se com
classificando-o como maldito por ser fruto das circuns- a teoria de Oparin e Haldane e oferecem subsídios para a
tâncias e não conseguir escapar da alienação causada compreensão do surgimento da vida. É importante o es-
pelo sistema, já que não consegue se impor como ser tudo das diferentes hipóteses a esse respeito como con-
singular. Segundo Vital e Queiroz (2009, p.12), o ho- tribuições à construção do conhecimento científico, pois
mem/ser humano “tenta fugir da massificação imposta essas perspectivas representaram a evolução do conhe-
pelo mercado, mas acaba percebendo que é engolido cimento humano. Há contribuições de Lamarck e Darwin
pelo sistema”. para o desenvolvimento da teoria evolucionista e para o
modo como ela é concebida após as descobertas da ge-
Na versão indicada pelo CEBRASPE, Pitty é nética atual. A obra musical Malditos Cromossomos, de
acompanhada por Duda na bateria, Joe no baixo e Mar- Pitty, sugere a análise das teorias evolucionistas. (Página
tin na guitarra. 23, segundo parágrafo)

Cenários contemporâneos

Os séculos XX e XXI são marcados por diversos


movimentos sociais relacionados às lutas e resistências

Tudo Sobre o PAS UnB 35


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

de grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras


audiovisuais Das raízes às ponta (2015), de Flora Egécia,
e Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também
observa-se essa temática da resistência dos movimen-
tos sociais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de
Acme, nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto
Maria (2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musi-
cais Malditos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação
Mental (2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de
Não Recomendados. (Página 27, segundo parágrafo)

Números, grandeza e forma

O conhecimento das possibilidades de ação e


das suas limitações é fator relevante no entendimento
futuro de manutenção da vida na Terra. Essa compreen-
são é facilitada pelo uso dos princípios de contagem. O
exercício de contar, ao qual se aplicam princípios e mé-
todos estatísticos ou probabilísticos, analisa os auxilia a
compreensão de ações relevantes e necessárias que de-
vem ser realizadas no presente, com o intuito de viabili-
zar contextos futuros. A reflexão sobre essas ações pode
ser subsidiada no texto Algoritmos Parciais, da Revista
Fapesp, na pintura Autorretrato na fronteira do México
e dos EUA, de Frida Kahlo, e na instalação Ponto de en-
contro, de Mary Vieira. Inserem-se, ainda, no contexto
da contagem, as possibilidades de replicação do código
genético de um indivíduo e o estudo de casos relativos à
herança genética, como pode ser observado no rock and
roll Malditos Cromossomos, de Pitty. (Página 32, quinto
parágrafo)

Materiais

Equilíbrio e desequilíbrio sonoro são atingidos com a


manipulação de timbres, dinâmica, ritmo, melodia, har-
monia e demais materiais musicais. Tais aspectos são
observados em obras como Camila Camila, de Nenhum
de nós, Malditos Cromossomos, de Pitty, Solange, na
versão da Banda Solange e O encontro de Lampião com
Eike Batista, da banda El Efecto — composição que tam-
bém consegue o equilíbrio sonoro por meio da mistura
de instrumentos de diferentes classificações e contextos
regionais e temporais. (Página 40, primeiro parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 36


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro

Autoria
Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro é um grupo cul- refere-se ao surgimento do filho do sol e da terra, co-
tural de Brasília que busca novas formas de manifesta- nhecido como calango voador; e a terceira parte conta
ção artística por meio da vida candanga e de elementos uma estória sobre a construção de Brasília.
do cerrado. Com personagens baseados na fauna e em
elementos característicos do cerrado, o grupo busca ex- O grupo é dividido entre os batuqueiros (Tron-
plorar o imaginário popular mediante as artes cênicas, co) e os personagens (Figuras). Os ensaios acontecem
circo, plásticas e música. Outro exemplo de manifesta- duas vezes na semana e duram cerca de 3 horas cada
ção cultural em Brasília é o Boi do Teodoro, que repre- ensaio. Nesses ensaios os artistas experimentam téc-
senta o folclore maranhense. nicas de teatro, preparação física e experimentação da
cultura popular brasileira. Em um primeiro momento os
Tudo começou com Tico Magalhães, criador grupos ensaiam separadamente e acontecem as expe-
do Mito do Calango Voador. Recém-chegado de Reci- rimentações. Em um segundo momento os batuqueiros
fe, onde participava de grupos de maracatu, Tico sentia e figuras se reúnem para fazer a história e brincadeira
falta de uma brincadeira que tivesse em suas raízes ele- acontecerem coletivamente. Cada figura tem sua músi-
mentos e fatos relativos à história candanga. Em uma ca, seu figurino e suas características.
de suas idas para Recife, Tico recebe um convite para
fazer uma oficina de maracatu em um espaço alugado O grupo criou um som próprio chamado de
por alguns amigos, mas ao invés de maracatu, Tico deci- Samba Pisado. Os instrumentos utilizados são gonguê,
de divulgar sua ideia da criação de uma brincadeira que a caixa do maracatu rural, o caracaxá, o abê do afoxé e
fosse original de Brasília. O grupo Seu Estrelo e o Fuá o tambor do maracatu nação. A caixa, representando o
do Terreiro foi criado em 2004. sol, é a primeira a ser tocada. O gonguê vem na sequên-
cia, simbolizando o ar. Os abês e o caracaxá represen-
“Na verdade, seu estrelo surge de um sonho de tam a água e as chuvas, que são executados logo em
Laiá - Laiá é filha da mata- e ela fica encantada pelo rio, seguida. Os tambores, vinculados à terra, entram por
e a mata na verdade tem medo que ela se afogue. Tem último. Segundo Tico Magalhães em entrevista à rádio
medo que o rio engula ela. E aí a mata vai e fala pra Câmara, o grupo sentia que não podiam chamar as figu-
ela, diz pra ela não chegar perto do rio, e diz que o rio ras novas tocando maracatu e cavalo marinho. “Não po-
é uma grande cobra que engole todo mundo e trans- dia ser com um pulsar que já existia. Aí a gente foi atrás
forma em peixe. Mas ela não para de sonhar com o rio de uma própria pulsada, que a gente chama ela (a bati-
e fica sempre sonhando com ele, sempre apaixonada, da) de Samba Pisado. Samba pisado porque a base dela
até o dia a noite que ela sonha com o rio, e ela acha tão é em cima da pisada dos brincantes do cavalo marinho.”
bonito o sonho dela, dela entrando no rio e o rio en-
trando nela, que ela pega o sonho dela e coloca dentro São três os tipos de apresentações: A roda é a
de uma árvore, dentro de uma barriguda. E aí depois formação tradicional do grupo e sua função é de trazer
de 9 meses ela vai e abre a árvore, a árvore se abre e para o público o sagrado Calango Voador; a sambada é
ela tira seu Estrelo lá de dentro. “ - Transcrição da fala um formato na qual o grupo brinca com seu batuque,
de Tico Magalhães do Minidocumentário Seu Estrelo, cantando para os seres de seu mito. As músicas são
disponível no link <https://www.youtube.com/watch?- compostas pelo próprio grupo ou buscadas dentro dos
v=526MPDUN6S4>. terreiros; no cortejo, o grupo leva para a rua as figuras
do seu mito em pernas de pau, bonecos gigantes e vá-
Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro é formado por rias outras criaturas penduradas em estandartes, além
importantes tradições, principalmente os Maracatus e do grande batuque.
o Cavalo-Marinho, e traz um novo teatro de rua, unin-
do o terreiro e o picadeiro, resultando em uma mani- Em 2005, o grupo organizou o primeiro Festival
festação original de grande importância para a cultura Brasília de Cultura Popular, que durou um dia, teve apre-
popular brasileira. Para Natália Solarzano, integrante do sentação de três grupos e contou com a participação de
grupo, a importância maior do projeto está na colabora- mil pessoas. Em 2007, foram premiados pelo Ministério
ção e enriquecimento para a cultura do Distrito Federal. da Cultura como grupo de cultura popular tradicional.
No ano seguinte, com o intuito de desvendar Brasília e
O mito do Calango Voador é dividido em três sua diversidade cultural, o projeto Caravana Seu Estrelo
partes: a primeira se refere ao surgimento do mundo, – rumo à cidade mestiça, rodou o DF e entorno. Duran-
no tempo em que só existia o dia e todas as coisas ti- te 16 meses o grupo visitou importantes manifestações
nham apenas um ruído. Assim, toda vez que aparecia culturais e mergulhou no universo de suas tradições re-
um som novo, novas criaturas tomavam vida; a segunda gistrando a riqueza da cultura local.

Tudo Sobre o PAS UnB 37


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

O primeiro CD é lançado em 2009, e além de diversidade e interação de diferentes linguagens. (Pági-


registrar o samba pisado, conta com a participação da na 15, segundo parágrafo)
Orquestra Marafreboi e Zé do Pife. Todo sábado, às 4
horas da tarde, o grupo promove uma brincadeira cha- Estruturas
mada Orquestra Alada e o Trovão da Mata. O local de
A análise de elementos musicais, como materiais
encontro é na 813 Sul. Há também, durante a semana,
sonoros, caráter expressivo e sua organização (estrutura
oficinas de canto, percussão e rabeca. e forma) por meio de atividades de execução (tocar ins-
trumentos e cantar), de apreciação e de criação, enrique-
Para conhecer mais sobre as manifestações
cem a vivência musical, dialogando com as produções e
culturais brasilienses basta conferir um vídeo produzido idiossincrasias do seu tempo ou com as do passado,
pelo grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, que está dis- como ilustram as obras Quarteto de cordas com helicóp-
ponível no Youtube: “Retratos de um povo inventado”.


teros, de Karlheinz Stockhausen, Me deixe mudo, de Wal-
ter Franco, Mulamba, de Mulamba, Quarteto para o fim
dos tempos nos movimentos I, VI e VIII, de Olivier Mes-
siaen, e Grândola Vila Morena, na versão da Banda 365,
Citações da Obra na Matriz de Referências assim como a estrutura de manifestações inspiradas na
cultura popular como Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro,
O ser humano como um ser que interage que envolve além da música, a dança e a encenação. (Pá-
gina 19, primeiro parágrafo)
As relações com formas e expressões ressignifi-
cadas da cultura brasileira podem ser encontradas em Cenários contemporâneos
obras como a manifestação analisa os brasiliense Seu
Estrelo e o Fuá do terreiro e o romance Sargento Getúlio, Este objeto de conhecimento refere-se, ainda, à
de João Ubaldo Ribeiro. Na cultura brasileira, entretanto, compreensão de possíveis mitos — confraternização ét-
inscreve-se um histórico sombrio de censura em certos nica, heróis, identidade nacional e nacionalismos — e
períodos, como testemunham o conto Oásis, de Caio Fer- mentalidades na construção da memória coletiva. Desta-
nando Abreu, e as canções Cálice, de Gilberto Gil e Chico case, também, o papel das culturas tradicionais no cená-
Buarque, e Solange, na versão da banda brasiliense So- rio contemporâneo em choque com o processo de desen-
lange. (Página 6, quinto parágrafo) volvimento tecnológico e econômico, a diversidade
étnica, a diversidade cultural e o processo de criação e
Indivíduo, cultura, estado e participação política divulgação cultural no cenário contemporâneo (rádio, te-
levisão, livros, jornais, revistas, cinema, publicidade, in-
As desigualdades sociais e o lugar do indivíduo ternet, plataformas virtuais, redes sociais). É importante
na sociedade podem ser discutidas a partir das Ilustra- reconhecer as contribuições resultantes de conhecimen-
ções críticas, de Pawel Kuczynski – Sátiras Desigualdade tos produzidos pelas populações, considerando perspec-
Social, e das músicas O encontro de Lampião com Eike tivas mais amplas, como Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro
Batista, de El Efecto, Dona de Mim, de Iza, Elevação Men- (2004), que representa a importância do resgate das ma-
tal, de Triz e Não recomendados, de Não recomendado. nifestações culturais populares brasilienses, e conheci-
Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro é uma manifestação cul- mentos produzidos por culturas tradicionais, a exemplo
tural brasiliense que evoca a importância política da cul- de quilombolas, ribeirinhos e indígenas, como pode ser
tura popular, na medida em que é a opção pela invenção observado no vídeo A questão indígena no Brasil em qua-
de uma tradição de grande valor cultural, histórico e so- tro minutos - Agência Pública: agência de reportagem e
cial. (Página 10, quarto parágrafo) jornalismo investigativo(2016), que reflete sobre a for-
mação do território brasileiro e a soberania, etnias, am-
Tipos e gêneros bientes e ecologia. (Página 28, terceiro parágrafo)
Assim como percebemos em obras audiovisuais, Espaços
os gêneros musicais também são diversos e eles estão
relacionados a diferentes contextos socioculturais. Algu- As dicotomias tradição e modernidade, urbano e
mas obras, como o Quarteto de cordas com helicópteros, rural, nacional e global, constituem construções de espa-
de Stockhausen e o Quarteto para o fim dos tempos (1º ço e tempo e demarcam diferentes posições sociais. Por
Movimento – Liturgia de Cristal, 6º movimento – Dança isso, é importante perceber as reinvenções dessas rela-
do Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento – Louvor ções, como na manifestação popular brasiliense Seu Es-
à imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, pertencem trelo e Fuá de Terreiro e na música O encontro de Lam-
ao contexto da música de concerto e fazem parte de um pião com Eike Batista, da banda El Efecto. (Página 36,
universo ligado à Academia. Em outro contexto sociocul- quinto parágrafo)
tural, temos o Seu Estrelo e Fuá do Terreiro que se inspi-
ra em diversas manifestações de caráter popular ou tra- Materiais
dicional para propor uma identidade cultural brasiliense,
misturando gêneros musicais a um gênero teatral, o qual Ainda sob a perspectiva musical, a manifestação
o grupo denomina como Teatro de Terreiro, evidenciando cultural brasiliense Seu Estrelo e Fuá de Terreiro procura
o equilíbrio utilizando a voz, instrumentos de percussão e

Tudo Sobre o PAS UnB 38


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

recursos cênicos enquanto Mulamba, de Mulamba, Dona


de mim, de Iza, O real resiste, de Arnaldo Antunes, Não
recomendado, de Não Recomendados, e Ilumina o mun-
do, de Detonautas, mesclam várias tendências e mate-
riais sonoros e visuais, explorando poética e, musical-
mente, equilíbrios e desequilíbrios, criando e recriando
cenas. Esses mesmos elementos podem ser observados
em Carta para além dos muros, de André Canto, apresen-
tando uma perspectiva documental. (Página 40, segundo
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 39


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Solange - Banda Solange

Intérpretes
A banda Solange é formada pelo magistrado censura prévia aos espetáculos de diversões públicas”
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territó- (2006, p. 195). Com a Constituição de 1937, a área de
rios (TJDFT) Carlos Martins no vocal, o servidor Helder atuação da censura foi ampliada, começando a incluir a
Cunha nos teclados, o advogado Marcus Valadão na radiodifusão. Com o regime militar, uma nova legislação
guitarra, e os músicos Everton Sousa na bateria e Mar- censória foi criada.
cos Perrone no baixo.
Á época, os artistas que usavam suas obras
Inicialmente o grupo foi criado para tocar ape- como forma de protesto tiveram que se adaptar ao
nas em festas de amigos e em eventos realizados pela novo período, buscando driblar a censura por meio de
Amagis-DF (Associação dos Magistrados do Distrito Fe- metáforas. Diversos artistas tiveram suas músicas cen-
deral), mas fez tanto sucesso que já fez diversos shows suradas pelo regime militar, e alguns até se exilaram.
Alguns artistas adotaram pseudônimos para que suas
em casas de festas e pubs importantes de Brasília, como
músicas fossem aprovadas, como é o caso de Chico
UK Music Hall, Santa Fé Bar, Stadt Bier, entre outros. Buarque, que usou o nome Julinho de Adelaide no iní-
cio da década de 1970.
O repertório da banda é composto por suces-
sos nacionais e internacionais do pop rock, inclusive a Para controlar a opinião pública e o que poderia
canção Solange, de Léo Jaime e Leoni, que dá nome ao ou não ser veiculado à população foram criados vários
grupo. A proposta é fazer uma leitura própria do pop órgãos, como Serviço Nacional de Informações (SNI), o
rock dos anos 80 e 90, trazendo de volta músicas que Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), como
marcaram as gerações dessas duas décadas. também o Serviço de Censura de Diversões Públicas
(SCDP), que mais tarde foi substituída pela Divisão de
Contexto Censura de Diversões Públicas (DCDP).

Com a justificativa de que o Brasil se tornaria A DCDP foi criada a partir do decreto n. 70.665
um país comunista, em 1964 os militares tomaram o e se tornou o órgão de censura oficial do período. Cria-
poder, resultando no afastamento de João Goulart, que do em 1972, sua principal função era aprovar ou recu-
era, até então, presidente do país. O primeiro general a sar os materiais enviados para análise. Essa Divisão, que
assumir foi o Marechal Castelo Branco, que imediata- era subordinada ao Departamento da Polícia Federal,
mente lançou o AI-1 (Ato Institucional 1), dando poder foi criada com o intuito de unificar as diretrizes e a atua-
aos militares para realizarem mudanças na constituição, ção da atividade censória em todo o país. A estrutura
interromper direitos políticos, anular mandatos e caçar anterior era regional, o que causava diversos atritos,
qualquer pessoa que “colocasse em risco a integridade já que permitia que o SCDP do Rio de Janeiro liberasse
do governo e do país”. uma peça, enquanto o de São Paulo proibisse.

Esse não foi o único Ato Institucional, pois ao Obra


longo da vigência do governo militar, foram lançados
outros 16, totalizando 17 atos institucionais. Dessa for- Solange (So Lonely)
ma, o Estado podia controlar praticamente tudo, desde
coisas simples, até a vida pessoal da população. Eu tinha tanto pra dizer
Metade eu tive que esquecer
Dentro do período de 1964 a 1985 o regime E quando eu tento escrever
militar se manteve vigente. O período que compreende Seu nome vem me interromper
o final da década de 60 e início da década de 70 ficou
Eu tento me esparramar
conhecido como “Anos de Chumbo”, pois foi o período
E você quer me esconder
em que houve maior repressão, violência e censura.
Eu já não posso nem cantar
Meus dentes rangem por você
Segundo Carocha (2006), a censura não foi
criada pelo regime militar, já que existia desde o Esta- Solange, Solange, Solange
do Novo. Nesse período as rádios só tinham permissão Solange, Solange, Solange
para divulgar canções de cunho político quando estas
elogiavam o Estado. Entretanto, aos poucos a censura Eu penso que vai tudo bem
foi sendo adaptada para atender as especificidades do E você vem me reprovar
regime militar. Ainda segundo a autora, a “censura pré- E eu já não posso nem pensar
via era uma atividade legal do Estado desde a Consti- Que um dia ainda eu vou me vingar
tuição de 1934 – que introduziu no sistema jurídico a

Tudo Sobre o PAS UnB 40


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Você é bem capaz de achar seções A e B, seguindo a sequência A, A, B, B, A, A, B, B,


Que o que eu mais gosto de fazer solo de guitarra, B, B. No início, a música está na tona-
Talvez só dê pra liberar lidade de Dó Maior (C), mas modula para Ré Maior (D)
Com cortes pra depois do altar
a partir do solo da guitarra, permanecendo nesse tom
até o fim.


Solange, Solange, Solange

O videoclipe da obra Solange na versão da Ban-


da Solange foi lançado em junho de 2009. A canção é a
Citações da Obra na Matriz de Referências
versão de “So Lonely”, do grupo The Police. Composta
em 1985 por Léo Jaime e Leoni, a obra é uma resposta à O ser humano como um ser que interage
atuação de Solange Hernandes, a censora mais temida
do período do regime militar. As relações com formas e expressões ressignifi-
cadas da cultura brasileira podem ser encontradas em
Como Chefe da Divisão de Censura de Diver- obras como a manifestação analisa os brasiliense Seu
sões Públicas (DCDP), Solange, que também foi Che- Estrelo e o Fuá do terreiro e o romance Sargento Getúlio,
fe da Polícia Federal, decidia o que podia e o que não de João Ubaldo Ribeiro. Na cultura brasileira, entretanto,
podia ser exibido na televisão, cinema e teatro. Assim, inscreve-se um histórico sombrio de censura em certos
toda obra que criticasse o regime ou atentasse a moral períodos, como testemunham o conto Oásis, de Caio Fer-
e os bons costumes, na opinião de Solange, eram cen- nando Abreu, e as canções Cálice, de Gilberto Gil e Chico
surados. Buarque, e Solange, na versão da banda brasiliense So-
lange. (Página 6, quinto parágrafo)
À época, o Conselho Superior de censura era
a chamada instância recursal. Se a obra fosse proibida, Indivíduo, cultura, estado e participação política
os prejudicados apelavam a ela. Em 1981, Solange Her-
No contexto musical, algumas obras alinham-se
nandes foi convocada para substituir José Vieira Madei- às possibilidades de transformação social e conceitual. A
ra, comandando o órgão por três anos, até 1984, sendo relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem
lembrada até hoje, principalmente no que tange à cen- como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada
sura no Brasil. em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com
helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para
Mesmo no final do período militar, Solange pe- o fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal;
diu aos subordinados que fossem ainda mais criteriosos 6º movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas;
nas análises de músicas e filmes. Segundo um relatório 8º movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Mes-
de atividades de 1981 guardado no Arquivo Nacional de siaen. As músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil,
Brasília, os 279 funcionários sob a liderança de Solan- Me deixe mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da
ge analisaram 56.877 letras de músicas, vetando 1.168. Banda Solange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila
Solange achava esse número pequeno, e reclamava da Morena, versão da Banda 365, refletem, em diferentes
falta de orçamento e carência de pessoal. contextos, transformações políticas em momentos his-
tóricos conflituosos. Essas reflexões também podem ser
À primeira vista pode parecer uma canção ro- observadas na intervenção urbana Trouxas ensanguen-
mântica, mas trechos como “Eu tinha tanto pra dizer/ tadas, de Artur Barrio, e no grafite Santa ceia moderna,
Metade eu tive que esquecer”, “Eu tento me esparra- de Acme. (Página 10, terceiro parágrafo)
mar/E você quer me esconder” e “Eu penso que vai
tudo bem/E você vem me reprovar” deixam claro o Estruturas
teor da música, que é uma crítica à censura feita pela
Na produção de obras musicais, é possível ana-
equipe de Solange. Em “E quando eu tento escrever/
lisar tipos de textos repletos de significados, bem como
Seu nome vem me interromper”, Leo Jaime e Leoni fa-
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi-
zem alusão à assinatura de Solange, que sempre apare- cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada
cia antes de programas de televisão e em documentos pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes
que censuravam as obras enviadas para análise. e Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonau-
tas, e Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/
Em entrevista ao programa Pânico, da Rádio ou linguísticas que dialogam com estruturas ideológicas
Jovem Pan, Léo Jaime, o compositor da versão brasilei- do seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cá-
ra de “So Lonely”, conta que, na época, Solange proibia lice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de
todas as músicas dele. Então, Léo e Leoni fizeram uma Nenhum de nós, e Solange, interpretada pela banda So-
música com o nome dela. Segundo ele, Solange se sen- lange. (Página 18, quarto parágrafo)
tiu tão homenageada que chegou a pedir cópia da fita.

Na instrumentação da obra temos guitarra,


baixo, teclados, bateria e vocal. A canção é dividida nas

Tudo Sobre o PAS UnB 41


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cenários contemporâneos Anotações e Rascunhos


As obras Guevara vivo ou morto (1967), de Clau-
dio Tozzi, Trouxas ensanguentadas (1970), de Artur Bar-
rio, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365, são
associadas ao contexto de disputas ideológicas e lutas
sociais relacionadas às Ditaduras da segunda metade do
século XX.. o Desse modo, é possível relacionar as obras
às ditaduras militares na América Latina, mas especial-
mente à Ditadura Militar Brasileira, período autoritário
que durou vinte e um anos, caracterizado pela promoção
de medidas de restrição às liberdades individuais e cole-
tivas, pela censura e a repressão aos opositores do regi-
me, como é reforçado na carta À Doutora Nise Siqueira,
de Carlos Drummond de Andrade (1975). A discussão
do direito de livre expressão no contexto histórico da di-
tadura militar brasileira é presente em obras musicais
marcantes e diversas entre si: Cálice, de Gilberto Gil e
Chico Buarque (1978), Me deixe mudo, de Walter Franco
(1973), e Solange, na versão da Banda Solange (1985).
(Página 30, primeiro parágrafo)

Número, grandeza e forma

Na música há diversas combinações de arran-


jo. Várias maneiras de produzir sons foram incorpora-
dos em formas musicais já existentes, surgindo novos
experimentalismos observados nas músicas populares
e nas músicas de concerto dos séculos XX e XXI. Alguns
exemplos podem ser percebidos na música de vanguarda
do século XX, Quarteto para o fim dos tempos (1º Mo-
vimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à
imortalidade de Jesus), de Olivier Messiaen, na música
marginal Me deixe mudo, de Walter Franco, na canção
de protesto Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, e no
rock Solange, na versão da Banda Solange. (Página 33,
primeiro semestre)

Materiais

Equilíbrio e desequilíbrio sonoro são atingidos


com a manipulação de timbres, dinâmica, ritmo, melo-
dia, harmonia e demais materiais musicais. Tais aspectos
são observados em obras como Camila Camila, de Ne-
nhum de nós, Malditos Cromossomos, de Pitty, Solange,
na versão da Banda Solange e O encontro de Lampião
com Eike Batista, da banda El Efecto — composição que
também consegue o equilíbrio sonoro por meio da mis-
tura de instrumentos de diferentes classificações e con-
textos regionais e temporais. (Página 40, primeiro pará-
grafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Tudo Sobre o PAS UnB 42


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


O Encontro de Lampião com Eike Batista -
El Efecto

Autoria
A banda de rock El Efecto surgiu em 2002 na Candeeiro, labareda
cidade do Rio de Janeiro e foi idealizada por Tomás Zabelê e mergulhão
Rosati, Bruno Danton e Eduardo Baker. Atualmente é Juriti, Maria bonita
formada por Aline Gonçalves (voz, flauta e clarinete), Volta-seca e lampião
Bruno Danton (voz, guitarra, viola e trompete), Cristine Enedina, quinta-feira
Beija-flor e zé sereno
Ariel (voz, guitarra e cavaquinho), Eduardo Baker (bai-
Lamparina, bananeira
xo), Gustavo Loureiro (bateria) e Tomás Rosati (voz, ca- Andorinha e o moreno
vaquinho e percussão). Moderno, trovão, dadá
Moita brava e mais corisco
O grupo já lançou cinco álbuns de estúdio e um Pra mó de se arrefrescar
gravado ao vivo, que são, respectivamente: Como Qual- Margeavam o são francisco
quer Outra Coisa (2004), Cidade das Almas Adormeci-
das (2008), Pedras e Sonhos (2012), A Cantiga é uma De repente um escarcéu
Arma (2014), Memórias de Fogo (2018) e Ao Vivo no Aperreia todo bando
Méier (2018). Vem um trem vem rasgando o céu
E na terra vai pousando
O diferencial da banda é a sua sonoridade, que Do grande urubu de lata
mistura o rock (seu gênero predominante) a uma série Cercado por muitos hômi
de ritmos dos mais variados, apresentando a riqueza Desce um gringo de gravata
de ritmos da música brasileira e até latino-americana. Falando no telefone
Tal como a variedade de ritmos, o grupo utiliza tam-
Uns hômi tudo de preto
bém diversos instrumentos que não são característicos Peste vinda do futuro
do rock, como cavaquinho, violão, viola caipira, flauta, Que pra não olhar no olho
trompete, clarinete e percussões, buscando caminhos Veste óculos escuro
que fujam do habitual. Em suas letras a banda sempre Um se aprochegou do bando
levanta reflexões e críticas de cunho social e político. Grande pinta de artista
Disse com ar de desprezo
A partir de 2012, com o lançamento do álbum Muito seco e elitista
Pedras e Sonhos, a banda alcançou maior visibilidade Calangada arreda o pé
no cenário nacional, principalmente após a canção “O Que agora isso é de Eike Batista!
Encontro de Lampião com Eike Batista”, que viralizou
nas redes sociais. O sucesso foi tão grande que no ano A peixeira já luzia
seguinte o grupo foi indicado ao Prêmio da Música Bra- Quando o gringo intercedeu
sileira, na categoria de Melhor Grupo de Pop/Rock/Re- Perdoem a grosseria
ggae/Hip hop e Funk. Desse empregado meu
Sou homem civilizado
Além de percorrer todo o país fazendo shows, Não gosto de violência
Trago papel assinado
a banda se apresentou no Equador, Argentina, Portugal
Prezo pela transparência
e Espanha. É válido ressaltar que as músicas do grupo A terra de fato é minha
estão disponibilizadas de forma gratuita na internet. O governo fez leilão
Eu que dei maior lance
Obra Ganhei a licitação
Não sou nenhum trapaceiro
O encontro de lampião com Eike Batista O que é meu é de direito
Mas como bom cavalheiro
Duas coisas bem distintas Lhes proponho um outro jeito
Uma é o preço, outra é o valor
Quem não entende a diferença Chamou lampião na chincha
Pouco saberá do amor Prum papo particular
Da vida, da dor, da glória Uma proposta de ouro
E tampouco dessa história Difícil de recusar
Memória de cantador Vou ganhar muito dinheiro
Com um novo agronegócio
Reza a história que num dia Emprego teu bando inteiro
Daqueles de sol arisco Ainda te chamo pra ser sócio
O bando de cangaceiros
Mais valente nunca visto Tu pode comprar São Paulo

Tudo Sobre o PAS UnB 43


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

E o Rio de Janeiro xaxado são utilizados a sanfona, o pífano, triângulo e a


Foto em capa de revista zabumba.
Por causa do teu dinheiro
Ter obra no mundo inteiro Na gravação são utilizados violão, guitarras,
Petróleo, mineração baixo, bateria, flautas, pífanos, percussão, baixo fretless
Mas aqui nesse pedaço
Quem manda é o rei do cangaço
e vozes. Não há retorno a nenhuma seção, visto que a
música conta uma estória.


Virgulino, Lampião!
Se tu gosta de x mais um x eu vou lhe dar no xaxado que diz
Se tu gosta de x mais um x eu vou lhe dar no xaxado que diz:
Chispa!

E os homi tudo de gravata desandaram a fugi Citações da Obra na Matriz de Referências


Subiru no urubu de lata e arredaram o pé dali
E até o velho xico cantou pra todo mundo ouvir O ser humano como um ser que interage
Hay que, hay que, Eike, hay que, hay que, hay que resistir!
As questões sobre possibilidades de mudança e
Duas coisas bem distintas de transformações individuais e coletivas estão presen-
Uma é o preço, outra é o valor tes nas obras musicais O encontro de Lampião com Eike
Quem não entende a diferença Batista, de El Efecto, Elevação mental, de Triz, e Não re-
Pouco saberá do amor comendado, de Não Recomendados, nodocumentário
Da vida, da dor, da glória
Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e ainda, no traba-
E tampouco dessa história
Memória de cantador
lho terapêutico Série Roupa-corpo-roupa: “O eu e o tu”
- Queer, de Lygia Clark. (Página 4, segundo parágrafo)
A música O Encontro de Lampião com Eike Ba-
Indivíduo, cultura, estado e participação política
tista, que faz parte do álbum gravado em 2012, narra
com literatura de cordel o encontro hipotético entre o As desigualdades sociais e o lugar do indivíduo
empresário brasileiro Eike Batista e o cangaceiro Virgu- na sociedade podem ser discutidas a partir das Ilustra-
lino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião. ções críticas, de Pawel Kuczynski – Sátiras Desigualdade
Social, e das músicas O encontro de Lampião com Eike
Segundo a estória, Eike Batista dá o maior lan- Batista, de El Efecto, Dona de Mim, de Iza, Elevação Men-
ce em uma licitação do governo para administrar um tal, de Triz e Não recomendados, de Não recomendado.
terreno às margens do Rio São Francisco. Ao chegar ao Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro é uma manifestação cultu-
local, o empresário e sua equipe descobrem que o can- ral brasiliense que evoca a importância política da cultu-
gaceiro e seu bando estão ocupando a região. Mesmo ra popular, na medida em que é a opção pela invenção de
após a proposta de emprego e firmar sociedade, Eike uma tradição de grande valor cultural, histórico e social.
não convence Virgulino, que resiste e expulsa o empre- (Página 10, quarto parágrafo)
sário e sua comitiva.
Tipos e gêneros
Segundo o vocalista e percussionista Tomás
Rosati, a canção foi criada em um momento em que a Algumas obras musicais apresentam classifica-
parceria público-privada era apresentada como solução ções específicas podendo ser rotuladas em um padrão
para os problemas. A escolha de Eike Batista se deu por estético de gênero, exemplificam essa condição: Maldi-
tos Cromossomos, de Pitty, Camila Camila, de Nenhum
suas parcerias com o governo federal.
de nós, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365.
A canção fala sobre a distinção entre “preço” e Por outro lado, as canções Me deixe mudo, de Walter
“valor”. Preço significa, de forma simplista, o custo em Franco, Trevas, de Jards Macalé, e O encontro de lam-
pião com Eike Batista, de El Efecto, não podem ser classi-
dinheiro de um determinado produto e/ou serviço. Já
ficadas dentro de um gênero musical específico. (Página
o valor, esse é intrínseco ao benefício, satisfação e sen-
14, segundo parágrafo)
sação que o produto e/ou serviço gera em relação à ex-
pectativa e necessidade, e varia de pessoa para pessoa. Estruturas
Essa diferença, no contexto da música, pode ser relacio-
nada ao preço que Eike pagou na licitação do governo Na produção de obras musicais, é possível ana-
versus o valor da preservação ambiental e cultural. lisar tipos de textos repletos de significados, bem como
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi-
Estrutura cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada
pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes
Com duração de oito minutos, a obra mistura e Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonau-
rock com xaxado, que é uma dança popular do nordes- tas, e Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/
te do Brasil conhecida por ter sido praticada pelos can- ou linguísticas que dialogam com estruturas ideológicas
gaços como forma de celebrar as suas conquistas. No do seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cá-

Tudo Sobre o PAS UnB 44


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

lice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de Análise de dados


Nenhum de nós, e Solange, interpretada pela banda So-
lange. (Página 18, quarto parágrafo) Vale lembrar novas modalidades de linguagem
surgidas em relação ao desenvolvimento industrial, ao
Cenários contemporâneos aumento da população mundial e, consequentemente,
do consumo. Nessa perspectiva, a mistura de lingua-
A música O encontro de Lampião com Eike Ba- gens e contextos pode ser estudada nas obras Trevas, de
tista, da Banda El Efecto (2012), apresenta, a partir de Jards Macalé, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade
um tema folclórico, ideias de permanências e rupturas Social, de Pawel Kuczynski, Guevara vivo ou morto, de
ao concatenar séries de sons e escolhas sobre sua orga- Claudio Tozzi, Autorretrato na fronteira do México e dos
nização, diversidade de ritmos e andamentos, o que evi- EUA, de Frida Kahlo, e O encontro de lampião com Eike
dencia o caráter contingente, processual e vivo da obra, Batista, de El Efecto. (Página 42, quarto parágrafo)
e pode ser observado, por sua vez, na constituição de
fatos históricos. Por outro lado, a música Trevas (2019),
de Jards Macalé, problematiza discursos e eventos que Questões, Justificativas e Dicas
marcaram a história brasileira e mundial, sob a perspec- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
tiva da ideia de liberdade e de resistência. Esse debate
estabelece um diálogo com Ilustrações críticas – Sátiras Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Desigualdade Social, de Pawel Kuczynski. (Página 27,
quarto parágrafo) Anotações e Rascunhos
Espaços

As obras O encontro de Lampião com Eike Ba-


tista, da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na ver-
são da Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e
o slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a
dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, podem sub-
sidiar discussões relevantes a respeito da constituição
do espaço e seus conflitos: territoriais, ambientais, filo-
sóficos, religiosos, políticos, étnicos, sociais e de gênero.
Nessa perspectiva, é possível pensar o espaço geográfi-
co como político, estratégico e produto social historica-
mente construído e, portanto, repleto de contradições,
como pode ser observado no romance Sargento Getúlio,
de João Ubaldo Ribeiro, na novela O recado do morro,
de João Guimarães Rosa, nos contos Oásis, de Caio Fer-
nando Abreu, Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem à
Petrópolis, de Clarice Lispector. (Página 35, segundo pa-
rágrafo)

As dicotomias tradição e modernidade, urbano e rural,


nacional e global, constituem construções de espaço e
tempo e demarcam diferentes posições sociais. Por isso,
é importante perceber as reinvenções dessas relações,
como na manifestação popular brasiliense Seu Estrelo
e Fuá de Terreiro e na música O encontro de Lampião
com Eike Batista, da banda El Efecto. (Página 36, quinto
parágrafo)

Materiais

Equilíbrio e desequilíbrio sonoro são atingidos


com a manipulação de timbres, dinâmica, ritmo, melo-
dia, harmonia e demais materiais musicais. Tais aspectos
são observados em obras como Camila Camila, de Ne-
nhum de nós, Malditos Cromossomos, de Pitty, Solange,
na versão da Banda Solange e O encontro de Lampião
com Eike Batista, da banda El Efecto — composição que
também consegue o equilíbrio sonoro por meio da mis-
tura de instrumentos de diferentes classificações e con-
textos regionais e temporais. (Página 40, primeiro pará-
grafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 45


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Não Recomendado - Não Recomendados

Autoria
O grupo “Não Recomendados” foi formado [...] sou negro, gay e pobre e é importante fazer da músi-
oficialmente em 2014 pelos autores-intérpretes Caio ca uma potência ativa buscando reflexões e superação de
Prado, Daniel Chaudon e Diego Moraes. A amizade sur- paradigmas da nossa sociedade machista, racista e homo-
giu em 2011, quando o trio começou a tocar em saraus fóbica. Diego e Daniel compartilham desse conceito pelo
no Rio de Janeiro e se apropriaram da música que mais não preconceito. Suas experiências de vida real fortalecem
esse grito contra as forças maniqueístas que nos permeiam.
tarde daria nome e forma ao projeto.
Nossas referências passam por Secos e Molhados, Tropicá-
lia, Dzi Croquetes, tudo que há de transgressor, amor e sem
Antes de se unirem, os integrantes do grupo
tabu na nossa cultura brasileira. (PRADO, Caio. Em: <http://
participaram de programas televisivos. Daniel Chaudon www.heloisatolipan.com.br/musica/nao-recomendados-
foi participante do programa Fama, da Rede Globo, en- -caioprado-daniel-chaudon-e-diego-moraes-fazem-da-mu-
quanto Caio Prado e Diego Moraes foram concorrentes sica-sua-armacontra-homofobia-nossa-missao-enquanto-
no Ídolos, do SBT. -artistas-e-promoverdiscussao/>)

Paralelo ao grupo, os artistas seguem carreiras


solos. Diego Moraes tem uma pegada no jazz e possui Obra
álbuns ao vivo com canções autorais e regravações. Não Recomendados
Caio Prado, que também possui discos gravados, des-
taca-se por sua voz e também por suas composições. Uma foto, uma foto
Daniel Chaudon é, além de cantor, violinista. Em 2009 Estampada numa grande avenida
interpretou a canção Dueto de Encontro ao lado da can- Uma foto, uma foto
tora suíça Taís Reganelli. Publicada no jornal pela manhã
Uma foto, uma foto
O grupo mescla a música com o teatro e a dan- Na denúncia de perigo na televisão
ça, criando uma apresentação bem performática. Para
isso, contam também com adereços extravagantes e A placa de censura no meu rosto diz:
Não recomendado à sociedade
provocativos, não ficando presos aos estereótipos de
A tarja de conforto no meu corpo diz:
gênero impostos pela sociedade. Não recomendado à sociedade
As referências musicais do grupo passam por Pervertido, mal amado, menino malvado, muito cuidado!
Secos e Molhados, Tropicália, Dzi Croquettes, Chico Má influência, péssima aparência, menino indecente, viado!
Buarque, Cazuza, entre outros. Desde 2014, o grupo já
dividiu palco com artistas conhecidos, como Ney Mato- A placa de censura no meu rosto diz:
grosso e Karina Buhr. O trio, que se refere ao espetáculo Não recomendado à sociedade
como um show manifesto, apresenta um gosto muito A tarja de conforto no meu corpo diz:
eclético que vai desde canções autorais e interpreta- Não recomendado à sociedade
ções dos clássicos da MPB até Axé Music e pagode dos
anos 90. Não olhe nos seus olhos
Não creia no seu coração
O espetáculo é dividido em dois atos. No pri- Não beba do seu copo
meiro são apresentadas reinterpretações de obras de Não tenha compaixão
Diga não à aberração
Chico Buarque, Cássia Eller e Gilberto Gil. No segundo
ato, os artistas surgem com roupas e maquiagens que A placa de censura no meu rosto diz:
são usualmente atribuídas como pertencendo ao gêne- Não recomendado à sociedade
ro feminino, incorporando a luta contra a intolerância. A tarja de conforto no meu corpo diz:
Assumem um papel andrógeno, inspirado no cantor e Não recomendado à sociedade
compositor Ney Matogrosso. Chaudon se transforma
em Carlota, Moraes em Morenita e Prado em Janina. A música Não Recomendados, escrita por Caio
É também nesse momento que o grupo apresenta can- Prado, tornou-se a principal música do trio. Segundo
ções de Alexandre Pires, Cheiro de Amor e obras auto- Chaudon, em entrevista ao jornal O Tempo, Caio com-
rais. pôs a música e apresentou para o grupo, que decidiu
cantá-la em um dos saraus. Algum tempo depois o
O grupo utiliza sua arte para trazer aos espec- nome pegou e passaram a ser conhecidos como “os
tadores reflexões sobre questões de gênero, os padrões
não recomendados”. A canção fez tanto sucesso que
estabelecidos pela sociedade e a integração dos opri-
posteriormente foi interpretada por Elza Soares, Liniker,
midos. O estilo musical fica por conta do jazz com mpb.
Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Caio Johnny Hooker e Almério.
Prado afirmou:

Tudo Sobre o PAS UnB 46


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Segundo Silva e Sousa (2017, p. 317), “o trio tal, de Triz e Não recomendados, de Não recomendado.
compõe o cenário underground da música brasileira en- Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro é uma manifestação cultu-
gajada na luta pela visibilidade, manutenção e garantias ral brasiliense que evoca a importância política da cultu-
de direitos para a população LGBTTI”, espaço também ra popular, na medida em que é a opção pela invenção de
representado por Jaloo, Pabllo Vittar, Liniker, As Bahias uma tradição de grande valor cultural, histórico e social.
e a Cozinha Mineira, entre outros artistas. (Página 10, quarto parágrafo)

O trecho “Uma foto, uma foto/Estampada Tipos e gêneros


numa grande avenida/Uma foto, uma foto/Publicada
no jornal pela manhã/Uma foto, uma foto/Na denún- As obras musicais Elevação mental, de Triz, Mu-
cia de perigo na televisão” denuncia a exposição das lamba, de Mulamba e Não recomendado, de Não re-
pessoas LGBTQ+ nos principais meios de comunicação, comendados, trazem importantes reflexões referentes
sendo acompanhada por manchetes sensacionalistas. às questões de gênero e os diversos tipos de violência
Segundo Silva e Sousa (2017, p. 320), o refrão “demons- praticados contra as mulheres, contra as mulheres tran-
tra a falta de lugar dessas pessoas na sociedade por ele sexuais e contra as travestis na sociedade brasileira. (Pá-
gina 14, terceiro parágrafo)
retratada”. Segundo as autoras, a contraindicação “é
proveniente do vocabulário médico sugerindo a pato- Estruturas
logização que, no nosso caso, refere-se a posturas de
homossexuais. ” A forma de organização dos elementos (pontos,
linhas, curvas) no espaço delineia uma imagem e, conse-
As palavras citadas na sequência reproduzem quentemente, as características de um movimento artís-
julgamentos, qualificações e aversões impostas pela tico, como é o caso das obras visuais Navio de emigran-
sociedade às pessoas LGBTQ+. O trecho “Não olhe nos tes, de Lasar Segall, Guevara vivo ou morto, de Claudio
seus olhos/ Não creia no seu coração/ Não beba do Tozzi, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e das mú-
seu copo/ Não tenha compaixão/ Diga não à aberra- sicas O Real Resiste, de Arnaldo Antunes, Dona de Mim,
ção” apresenta um discurso clínico como se os homos- interpretada por Iza, Não Recomendado, interpretada
sexuais possuíssem alguma anomalia transmissível. pelo trio Não Recomendados e Elevação Mental, de Triz,
que ilustram perspectivas críticas sobre a diversidade es-
Estrutura trutural. (Página 17, primeiro parágrafo)

A instrumentação da obra fica por conta de tecla- Cenários contemporâneos


dos, bateria eletrônica, guitarra e os vocais, que depois são
mixados. A música tem a seguinte sequência de seções: A, Os séculos XX e XXI são marcados por diversos
A, B, B, C, C, B, B, solo, D, B, B. A canção com forte tom de movimentos sociais relacionados às lutas e resistências
denúncia se tornou um hino contra o preconceito e, em de grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras
2021, o clipe oficial soma mais de 500 mil visualizações. audiovisuais Das raízes às ponta (2015), de Flora Egécia,


e Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também
observa-se essa temática da resistência dos movimen-
tos sociais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de
Citações da Obra na Matriz de Referências Acme, nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto
Maria (2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musi-
O ser humano como um ser que interage cais Malditos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação
Mental (2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de
As questões sobre possibilidades de mudança e
Não Recomendados. (Página 27, segundo parágrafo)
de transformações individuais e coletivas estão presen-
tes nas obras musicais O encontro de Lampião com Eike Número, grandeza e forma
Batista, de El Efecto, Elevação mental, de Triz, e Não re-
comendado, de Não Recomendados, nodocumentário As obras audiovisuais À margem do corpo, de
Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e ainda, no traba- Débora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
lho terapêutico Série Roupa-corpo-roupa: “O eu e o tu” merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
- Queer, de Lygia Clark. (Página 4, segundo parágrafo) Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problemati-
Indivíduo, cultura, estado e participação política zam questões de raça, gênero e identidade, possibilitan-
do a busca de dados, número e grandezas para analisar,
As desigualdades sociais e o lugar do indivíduo
comparar e compreender as estruturas sociais nos cená-
na sociedade podem ser discutidas a partir das Ilustra-
rios contemporâneos. Essa mesma abordagem é perce-
ções críticas, de Pawel Kuczynski – Sátiras Desigualdade
bida nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e
Social, e das músicas O encontro de Lampião com Eike
Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas
Batista, de El Efecto, Dona de Mim, de Iza, Elevação Men-

Tudo Sobre o PAS UnB 47


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona


de Mim, de Iza e Não recomendado, de Não recomenda-
dos. (Página 31, terceiro parágrafo)

Espaços

O espaço, além de ser visto como um local, é


também um ambiente destinado ao indivíduo e a sua cul-
tura. Nesta perspectiva, as músicas Dona de Mim, de Iza,
Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Não
recomendado, de Não recomendados, O real resiste, de
Arnaldo Antunes, e a pintura Mestiço, de Portinari, colo-
cam em destaque a diversidade de pessoas que integram
os diferentes espaços urbanos e sociais, além de abordar
sobre as desigualdades sociais e espaciais presentes em
contextos contemporâneos. (Página 36, quarto parágra-
fo)

Materiais

Ainda sob a perspectiva musical, a manifestação


cultural brasiliense Seu Estrelo e Fuá de Terreiro procura
o equilíbrio utilizando a voz, instrumentos de percussão
e recursos cênicos enquanto Mulamba, de Mulamba,
Dona de mim, de Iza, O real resiste, de Arnaldo Antunes,
Não recomendado, de Não Recomendados, e Ilumina o
mundo, de Detonautas, mesclam várias tendências e ma-
teriais sonoros e visuais, explorando poética e, musical-
mente, equilíbrios e desequilíbrios, criando e recriando
cenas. Esses mesmos elementos podem ser observados
em Carta para além dos muros, de André Canto, apresen-
tando uma perspectiva documental. (Página 40, segundo
parágrafo)

Análise de dados

A análise de dados deve estar intimamente re-


lacionada a contextos. Nesse sentido, os conceitos de
identidade e diversidade cultural e suas interpretações
são relevantes na análise de dados, como pode ser ob-
servado no conto Maria, de Conceição Evaristo, na carta
A Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de Andra-
de, no audiovisual Das raízes às pontas, de Flora Egecia,
bem como nas obras musicais Mulamba, de Mulamba,
Elevação Mental, de Triz, e Não Recomendado, de Não
Recomendados. (Página 42, quinto parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 48


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Mulamba - Banda Mulamba

Autoria
A banda Mulamba foi formada em 2015 na ci- Sou a bravura e os surtos de Anita Garibaldi
dade de Curitiba, no Paraná. A enorme projeção do gru- Bandeira baixa ou bandeira que agita
po em um curto período de tempo foi graças às temá-
ticas de suas músicas que falam sobre as dificuldades Sou como rua, beco podre da cidade
de ter nascido do sexo feminino. Amanda Pacífico (voz), Eu sou os filhos mal paridos da nação
Cacau de Sá (voz), Caro Pisco (bateria), Érica Silva (bai- Sou a coragem até no grito dum covarde
xo, guitarra e violão), Fer Koppe (violoncelo) e Naíra De- O que não basta, não se entende, eu sou um furacão
bértolis (guitarra, baixo e violão) formam o grupo, que
possui uma enorme influência do rock em suas músicas,
além de outros gêneros e estilos. Você vai lembrar quando eu te olhar lá de cima
Vai reconhecer e vai respeitar minhas cinzas
No início o grupo foi formado para fazer um tri-
buto à cantora Cassia Eller com o videoclipe da música Agora o meu papo vai ser só com a mulherada
“P.U.T.A.”, que logo viralizou e alcançou, na época, 700 “Nós não é” saco de bosta pra levar tanta porrada
mil visualizações e 15 mil compartilhamentos. Três anos Todo dia umas 10 morrem, umas 15 são estupradas
após a criação do grupo foi lançado o primeiro álbum, Fora as que ficaram em casa e por nada são espancadas
que alavancou a carreira da banda, visto que em suas
músicas abordam temas como amor, família, feminili-
Qual que é o teu problema? É fé pequena ou mente ruim?
dade, sexualidade, igualdade e violência de gênero.
Quem foi que te ensinou a tratar as muié assim?
Agora fica esperto porque a coisa vai mudar
Em entrevista ao HuffPost a vocalista Cacau
Se for tirar farinha com as mulher, pode apanhar!
de Sá afirmou que a escolha do nome objetivou res-
significar a palavra “mulamba”. Segundo o Dicionário
Informal, mulamba significa pessoa desleixada, feia, Você vai lembrar quando eu te olhar lá de cima
desarrumada e malcheirosa que sai de casa toda escu- Vai reconhecer e vai respeitar minhas cinzas
lhambada.

Após o lançamento do álbum, o grupo foi con- A canção “Mulamba”, que carrega o nome do
vidado a participar do Festival GRLS que busca abordar grupo que a compôs, é um manifesto de luta contra a
temas relacionados ao feminismo, promovendo a apre- repressão imposta pela sociedade ao gênero feminino.
sentação de artistas que dialoguem com a temática. Trata-se também de uma canção que visa quebrar to-
Logo, o festival se encaixa nos padrões da banda, dado dos os estereótipos criados referentes às mulheres. Foi
que também busca exaltar as conquistas das mulheres. inspirada na história de uma amiga da vocalista que, em
um dos shows da banda, sofreu assédios incessantes e,
ao invés de falar para a amiga, que estava no palco com
Obra microfone na mão e poderia inclusive denunciar o ocor-
Mulamba rido, preferiu ir embora. Logo, a canção busca trazer o
sentimento de união entre as mulheres.
Eu sou o mastro da bandeira da revolução
Os restos do cavalo de Napoleão Já na primeira estrofe há diversas alusões his-
Eu sou a brasa que matou Joana d’Arc tóricas que relacionam as mulheres a símbolos como
As 5 balas de John Lennon, reles cidadão “os restos do cavalo de Napoleão”, “a brasa que mar-
cou Joana D’arc” e “as 5 balas de John Lennon”, poden-
O lixo humano, escória da sociedade
do significar que estiveram presentes em todos esses
Sou o que como e quem eu deixo de comer momentos, além de carregar também uma expressão
Nasci do limbo e bailei pra essa cidade que engloba praticamente todas as revoluções, que é
Sou quem dá vida aos monstros que eu quero ter “o mastro da bandeira da revolução”. Entretanto, os
objetos atribuídos tais como “brasa”, “restos” e “balas”
podem significar que, apesar de estarem presentes,
Você vai lembrar quando eu te olhar lá de cima sempre foram invisibilizadas.
Vai reconhecer e vai respeitar minhas cinzas
Nas estrofes seguintes, a banda reforça como
Eu sou aquilo que ninguém mais acredita as mulheres são maltratadas pela sociedade que se di-
Eu sou a puta, eu sou a santa e a banida rige a elas como “o lixo humano, escória da sociedade”

Tudo Sobre o PAS UnB 49


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

entre muitas outras comparações que seguem tudo que Lei Maria da Penha
há de ruim.
Com o objetivo de coibir qualquer tipo de vio-
Vindo para desmistificar todas essas compara- lência doméstica contra a mulher, foi criada a Lei Maria
ções, o trecho “o que não basta, não se entende, eu da Penha. A lei nº 11.340, que entrou em vigor no dia
sou um furacão” demonstra a força da mulher em meio 22 de setembro de 2006, alterou o código penal bra-
a todas as injustiças a qual é acometida. As estrofes sileiro, permitindo que, caso tenham cometido qual-
seguintes seguem ressaltando a força das mulheres e quer ato de violência doméstica estabelecido em lei,
criticam fortemente o preconceito, além da violência os agressores sejam presos em flagrante ou tenham a
contra a mulher, pregando a união e a autovalorização. prisão preventiva decretada. Essa medida possibilitou
que os agressores não fossem mais punidos com penas
No trecho “Agora o meu papo vai ser só com a alternativas, como pagamento de cestas básicas, além
mulherada/“Nós não é” saco de bosta pra levar tanta de aumentar o tempo máximo de detenção de um para
porrada/todo dia umas 10 morrem, umas 15 são es- três anos, estabelecendo ainda que o agressor saia do
tupradas/fora as que ficaram em casa e por nada são domicílio da vítima e a proibição de sua proximidade
espancadas” a canção traz à tona a violência contra com a mulher agredida e os filhos.
as mulheres. Segundo o Ministério da Saúde, a cada
4 minutos, uma mulher é agredida no Brasil. Somen- O nome da lei é uma homenagem a Maria da
te no ano de 2018 foram 145 mil casos de violência, Penha Maia, que durante seis anos foi agredida pelo
seja ela física, sexual, verbal ou psicológica. As vítimas marido até que em 1983 foi atingida por ele com uma
que foram assassinadas não entram nessa mesma por- arma de fogo e se tornou paraplégica. Após o ocorri-
centagem, mas segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa do, o marido de Maria ainda tentou matá-la afogada e
Econômica Aplicada), somente no ano de 2017 foram eletrocutada, sendo punido somente após 19 anos de
registrados mais de 4 mil assassinatos de mulheres (fe- julgamento, quando ficou apenas dois anos em regime
minicídios) no país. fechado.
O clipe da canção é tão forte quanto a letra, vis- Muitas mulheres ainda sofrem violência do-
to que todas as emoções expressas pelas participantes méstica, e apesar de poderem denunciar, muitas prefe-
são reais, provocando maior identificação por parte do rem não fazer, seja por acreditar que o agressor um dia
espectador. O videoclipe mostra uma dinâmica realiza- poderá mudar, ou por medo de retaliações e repressões
da por uma psicóloga. Nessa dinâmica são abordadas sociais. Esses agressores são, na maioria dos casos, pa-
as dificuldades que as mulheres enfrentam por viverem rentes, ex-parceiros ou parceiros das vítimas.


em uma sociedade machista. Para preservar as partici-
pantes, os relatos não são apresentados, já que somen-
te as imagens são aproveitadas no vídeo.

O videoclipe intercala momentos da dinâmica Citações da Obra na Matriz de Referências


e a performance de dança de Nayara Santos, que inter-
preta “mulamba”, personagem fictícia que traja uma O ser humano como um ser que interage
máscara e destrói diversos objetos simbólicos em uma
tentativa de libertação. Segundo Virgínia de Ferrante, Além disso, problematizar especialmente a con-
dição das mulheres no mundo contemporâneo se apre-
diretora do vídeo,
senta como tarefa necessária, e, para isso, as músicas
a personagem é a encenação de uma força interior que Camila, Camila, interpretada pela banda Nenhum de
todas nós temos para suportar momentos difíceis. Nesse nós, Mulamba, de Mulamba, o videoclipe de Dona de
contexto, a máscara é uma proteção para aguentar esses mim, de Iza e o conto Maria, de Conceição Evaristo, são
momentos e, ao final, ela deixa o escudo para mostrar que exemplos que permitem subsidiar os debates sobre esse
não precisa mais usar uma defesa. Ao mesmo tempo em tema. (Página 6, terceiro parágrafo)
que ela se liberta, as mulheres que contaram suas histórias
também estão dançando e libertadas, culminando em uma Tipos e gêneros
simbiose (Disponível em: <https://catarinas.info/novo-cli-
pe-de-mulamba-um-manifesto-pela-sororidade-e-empode- As obras musicais Elevação mental, de Triz, Mu-
ramento/> ). lamba, de Mulamba e Não recomendado, de Não re-
comendados, trazem importantes reflexões referentes
Com letra de Amanda Pacífico e Cacau de Sá, a às questões de gênero e os diversos tipos de violência
execução da canção conta com guitarra, baixo, bateria, praticados contra as mulheres, contra as mulheres tran-
violoncelo e percussão, além das vozes. sexuais e contra as travestis na sociedade brasileira. (Pá-
gina 14, terceiro parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 50


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Estruturas cam em destaque a diversidade de pessoas que integram


os diferentes espaços urbanos e sociais, além de abordar
A análise de elementos musicais, como materiais sobre as desigualdades sociais e espaciais presentes em
sonoros, caráter expressivo e sua organização (estrutura contextos contemporâneos. (Página 36, quarto parágra-
e forma) por meio de atividades de execução (tocar ins- fo)
trumentos e cantar), de apreciação e de criação, enrique-
cem a vivência musical, dialogando com as produções Materiais
e idiossincrasias do seu tempo ou com as do passado,
como ilustram as obras Quarteto de cordas com helicóp- Ainda sob a perspectiva musical, a manifestação
teros, de Karlheinz Stockhausen, Me deixe mudo, de Wal- cultural brasiliense Seu Estrelo e Fuá de Terreiro procura
ter Franco, Mulamba, de Mulamba, Quarteto para o fim o equilíbrio utilizando a voz, instrumentos de percussão
dos tempos nos movimentos I, VI e VIII, de Olivier Mes- e recursos cênicos enquanto Mulamba, de Mulamba,
siaen, e Grândola Vila Morena, na versão da Banda 365, Dona de mim, de Iza, O real resiste, de Arnaldo Antunes,
assim como a estrutura de manifestações inspiradas na Não recomendado, de Não Recomendados, e Ilumina o
cultura popular como Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro, que mundo, de Detonautas, mesclam várias tendências e ma-
envolve além da música, a dança e a encenação. (Página teriais sonoros e visuais, explorando poética e, musical-
19, primeiro parágrafo) mente, equilíbrios e desequilíbrios, criando e recriando
cenas. Esses mesmos elementos podem ser observados
Cenários contemporâneos em Carta para além dos muros, de André Canto, apresen-
tando uma perspectiva documental. (Página 40, segundo
O documentário À margem do corpo (2006), de parágrafo)
Débora Diniz, discute a questão do direito reprodutivo,
da violência de gênero, raça e classe na região do entor- Análise de dados
no do Distrito Federal. A obra também aborda aspectos
relativos aos impactos dessas diversas formas de violên- A análise de dados deve estar intimamente re-
cia na saúde mental das mulheres pobres e negras. Esse lacionada a contextos. Nesse sentido, os conceitos de
debate acerca da violência contra a mulher também está identidade e diversidade cultural e suas interpretações
presente na canção Camila Camila (1987), da Banda Ne- são relevantes na análise de dados, como pode ser ob-
nhum de Nós, assim como no clipe Mulamba (2018), do servado no conto Maria, de Conceição Evaristo, na carta
grupo Mulamba, que discute questões ligadas aos mo- A Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de Andra-
vimentos feministas, na sociedade brasileira, de longa de, no audiovisual Das raízes às pontas, de Flora Egecia,
trajetória na história do Brasil. Noções sobre liberdade, bem como nas obras musicais Mulamba, de Mulamba,
ética e respeito ao corpo do outro, podem ser percebidos Elevação Mental, de Triz, e Não Recomendado, de Não
na performance Rhythm 0 (1974), de Marina Abramovic, Recomendados. (Página 42, quinto parágrafo)
e nas técnicas terapêuticas Série Roupa-corpo-roupa: “O
Eu e o Tu” - Queer (1967), Lygia Clark. (Página 29, tercei- Questões, Justificativas e Dicas
ro parágrafo)
Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
Número, grandeza e forma
Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
As obras audiovisuais À margem do corpo, de
Débora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe Anotações e Rascunhos
merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problemati-
zam questões de raça, gênero e identidade, possibilitan-
do a busca de dados, número e grandezas para analisar,
comparar e compreender as estruturas sociais nos cená-
rios contemporâneos. Essa mesma abordagem é perce-
bida nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e
Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas
Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona
de Mim, de Iza e Não recomendado, de Não recomenda-
dos. (Página 31, terceiro parágrafo)

Espaços

O espaço, além de ser visto como um local, é


também um ambiente destinado ao indivíduo e a sua cul-
tura. Nesta perspectiva, as músicas Dona de Mim, de Iza,
Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Não
recomendado, de Não recomendados, O real resiste, de
Arnaldo Antunes, e a pintura Mestiço, de Portinari, colo-

Tudo Sobre o PAS UnB 51


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Elevação Mental - Triz

Autoria
Triz é artista rapper transgênero não-binário, Obra
ou seja, o gênero com o qual se identifica transcende
a binaridade (masculino e feminino), pois está fora do Elevação Mental
padrão da cisnormatividade.
Família, primeiramente eu queria deixar bem claro
Que eu não to aqui pra representar o rap feminino não, certo?
Estuda violão e canto há anos e possui como E muito menos o masculino
maior referência artistas como Cartola, Sabotage, Bob Eu to aqui pra representar o Rap Nacional
Marley, Pabllo Vittar, entre outros. E eu peço que respeitem a minha identidade de gênero, de-
morou?
Sua estreia na carreira musical se deu pela mú- Ficou mais ou menos assim
sica “Elevação Mental”. Triz fez um clipe caseiro que
Caneta e papel na mão
chegou até César Gananian, cineasta e co-fundador da Pra mim é melhor que remédio
empresa FILMDESIGN, este foi tocado pela mensagem Enquanto eu vou escrevendo
que ela passava e propôs a produção de um videoclipe Não sobra espaço pro tédio
profissional.

O videoclipe oficial de “Elevação Mental” foi Aonde eu vou parar, não sei
Eu tô pensando a mais de um mês
lançado em julho de 2017 e gerou muita repercussão E o que eu tenho visto
nas redes sociais, inclusive atingindo quase um milhão Eu vou falar procêis
de views no Youtube em menos de uma semana.

Rap É tanta arrogância, tanta prepotência


A sanidade tá escassa no mundo das aparências
O Hip Hop surgiu na década de 1970, entre as Não se cale jamais diante do opressor
Não deixe que o sistema acabe com seu amor
comunidades afro-americanas do subúrbio de Nova
York. Esse movimento cultural que usa a arte como um
protesto social é manifesto por meio da música (rap), Ae, Triz o seu som é muito bad
dança (break dance) e artes visuais (grafite). É que, irmão, isso é rap
Quer dançar, escuta Ivete
O Rap (Rythm and Poetry – Ritmo e Poesia) é
um discurso ritmado que frequentemente trata de pro- Poesia visionária que atinge o coração
blemas sociais como pobreza e violência. É a junção do Eu falo sim da tristeza pra que haja compreensão
MC - mestre de cerimônia -, que canta de forma falada, E como de costume eu vou tocando na ferida
e do DJ. Esses dois elementos surgiram separados, mas Falando dos preconceitos sofridos no dia a dia
se complementam.
O rap existe pra mostrar
Surgido na década de 1960 na Jamaica, foi le- A verdade e a dor
vado aos Estados Unidos para os bairros mais pobres É um grito de dentro pra fora
de Nova York no início da década de 70. Aos poucos, o Clamando pelo amor
rap ganhou novos locais, onde havia DJ, Mc’s (mestres
de cerimônias) e Toaster, nome dado aos puxadores de Ae, motô
rimas, geralmente com tons políticos, ganhando mais Boa noite pro sinhô
adeptos na década de 80. Preciso chegar no centro
Posso entra por favor?
No Brasil o rap surgiu em 1986. Inicialmente
considerado como violento e de periferia, foi somente
Vai lá menor
na década de 90 que esse gênero musical conquistou Mas vê se não se acostuma
as rádios e a indústria fonográfica. Aos poucos o rap foi Te aviso quando chegar
incorporado em outros gêneros musicais. Nas letras, os E cuidado por essas ruas
rappers abordam estilos de vida, o sistema, injustiças e
desigualdades, além de outros temas pertinentes. No
Tamo junto, irmão, boa sorte na caminhada
rap o texto (a mensagem apresentada) é mais impor- A multa já foi constada, então vamos nessa bala
tante que a linha melódica ou a harmonia da obra. Sempre na humildade cê consegue o que quiser
E eu tô nessa jogada até quando dá pé

Tudo Sobre o PAS UnB 52


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

E já que o flow é meu Primeiramente: você não tá na minha mente


Eu vou mandando é logo a boa Segundamente: seu raciocínio é deprimente
Essa é a minha realidade O que cê acha de mim, num importa irmão
Não gostou, procura outra Que diferente de você, eu tenho educação

Já tenho muito perreco Não tenho obrigação de dar satisfação


Pra me preocupar Mas aqui, cê tá ligado que é pura informação
Faltou a companhia E pra quem quer saber, o meu gênero é neutro
Na minha sala de estar Cê não precisa entender, só precisar ter respeito

Eu gosto daquela dama Você não ganha nada sendo um atrasa-lado


O cheiro dela na minha cama Seu conservadorismo já tá ultrapassado
Nossos corpos são iguais Cê quis me derrubar ainda dando risada
E juntos vão ardendo em chama Mas a luz da minha luta sua bala não apaga

Mas não tô aqui Você me insultou julgando minha aparência


Pra desmerecer ninguém Só se esqueceu de ver o brilho da minha essência
O que mais tem no mundo é gente Falou do meu cabelo, meu dente separado
Não vai faltar pra você, irmão Mas garanto que elas não reclamam do que tem provado

Vou te falar situação Elevação mental


Vários preconceituoso sem respeito e sem visão Nesse flow que eu vou levando sempre na moral
É vários fiscal de cu, muita alienação Hipocrisia me rodeia e os bico paga um pau
Foda-se se o mano é gay, o que importa é o coração Mas sigo firme, nada abala o meu ideal, irmão

E eu já me liguei como funciona o preconceito E não tire suas conclusões sem saber do meu proceder
Mas sinto em te informar que não tamo pra escanteio Antes de falar mal de mim, te convido a me conhecer
Se te falta o respeito, cê não sabe de nada Um salve pra quem fecha, que os moleque são da hora
Segue no seu caminho que eu vou na minha estrada Em meio a tanta maldade ainda tem quem se salva

Onde isso vai parar? Onde isso vai parar?


Se eu nasci com dom, eu sei que vou continuar Se eu nasci com dom, eu sei que vou continuar
Eu cheguei na cena, fiz um poema Eu cheguei na cena, fiz um poema
Pro seu coração escutar Pro seu coração escutar

O preconceito não te leva a nada O preconceito não te leva a nada


Não seja mais um babaca de mente fechada Não seja mais um babaca de mente fechada
Por que o ódio mata, mas o amor sara Por que o ódio mata, só o amor sara
De qual lado cê vai ficar? De qual lado cê vai ficar?

Brasil, país que mais mata pessoas trans Ao sofrer diversas discriminações por sua iden-
Espero que a estatística não suba amanhã tidade de gênero não binária, Triz compôs a canção “Ele-
Me diz, por que o jeito de alguém te incomoda?
vação Mental” com o intuito de relatar e criticar todo
Foda-se se te incomoda
É meu corpo, e a minha história o preconceito existente relacionado às pessoas que se
encaixam nos grupos LGBT+. A canção em questão é um
grito de apelo por respeito a todos aqueles que não se
E sobre a minha carne, cê não tem autoridade encaixam nos padrões de gênero e sexualidade impos-
Não seja mais um covarde, de zero mentalidade tos pela sociedade, ou seja, cisheteronormatividade.
Seja inteligente, abra a sua mente
O mundo é de todos, não seja prepotente
Triz inicia sua música dizendo “Família, primei-
Seja gay, seja trans, negro ou oriental
ramente eu queria deixar bem claro que eu não to aqui
Coração que pulsa no peito é de igual pra igual pra representar o rap feminino não, certo? E muito me-
O individual de cada um não se discute nos o masculino. Eu to aqui pra representar o Rap Na-
Seja elevado, busque altitude cional e eu peço que respeitem a minha identidade de
gênero, demorou? Ficou mais ou menos assim.”. Dessa
forma, Triz busca iniciar deixando sua intenção bem cla-
Zé povinho falou: Vai fazer a sobrancelha ra, clamar por respeito e deixar explícita sua identidade
Dar um trato no cabelo e mudar sua aparência
Eu acho que é mulher, eu acho que é um homem
de gênero quando diz não representar o rap feminino,
Eu acho que cê tem que vestir esse uniforme

Tudo Sobre o PAS UnB 53


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

muito menos o masculino, mostrando que não se iden- Como Triz chega a dizer em sua letra “Brasil,
tifica com nenhum dos dois gêneros. país que mais mata pessoas trans. Espero que a esta-
tística não suba amanhã.”. Segundo o Dossiê dos AS-
SASSINATOS e da violência contra pessoas Trans em
Entre as diversas críticas presentes na canção, 2020, divulgado pela ANTRA Brasil, “Em 2020, o Brasil
uma das primeiras é a crítica ao sistema e toda a arro- assegurou para si o 1º lugar no ranking dos assassina-
gância que o mesmo carrega, como explícito na seguin- tos de pessoas trans no mundo, com números que se
te estrofe: “É tanta arrogância, tanta prepotência/A mantiveram acima da média. Neste ano, encontramos
sanidade tá escassa no mundo das aparências/Não se notícias de 184 registros que foram lançados no Mapa
cale jamais diante do opressor/ Não deixe que o siste- dos assassinatos de 2020. Após análise minuciosa, che-
ma acabe com seu amor”. Com essa estrofe, Triz busca gamos ao número de 175 assassinatos, todos contra
apontar o sistema como responsável por toda arrogân- pessoas que expressavam o gênero feminino em con-
cia, prepotência, falta de sanidade e a falta de amor. traposição ao gênero designado no nascimento, e que
serão considerados nesta pesquisa. É de se lembrar
Carrega também a importância do Rap, aponta- exaustivamente a subnotificação e ausência de dados
do em sua letra como “poesia visionária”, para alcançar governamentais.”
e mudar a mente das pessoas expondo preconceitos,
ou “tocando na ferida” como diz em sua canção. Soma- Outras minorias também foram abordadas em
-se a isso que um dos pilares da música é demonstrar a sua canção. “Seja gay, seja trans, negro ou oriental”.
importância do rap como forma de expressão, “um gri- Triz diz que “coração que pulsa no peito é de igual pra
to de dentro pra fora clamando pelo amor”. Apresenta igual” reafirmando que independente de orientação se-
também a problemática do preconceito existente inclu- xual, identidade de gênero, raça, cor, entre outras coi-
sive dentro do próprio estilo musical, já que, segundo sas que diferem os seres humanos, todos deveriam ser
Triz em entrevista à Época, “o rap de fato é um estilo tratados igualmente.
que é extremamente machista e intolerante”. Acrescen-
tou ainda que não há muitos representantes LGBTQIA+
no rap, e para esses poucos não há muita visibilidade Por fim, há um pedido para que as pessoas se
nas mídias. elevem mentalmente, que parem de opinar nas esco-
lhas alheias, que respeitem o próximo e principalmente
as diversidades, independentemente de qualquer di-
Triz busca abordar até mesmo a humildade do vergência entre elas. Na instrumentação há violão, pia-
ser humano, que a cada dia diminui um pouco mais. Na no, baixo e sintetizadores.
canção a artista diz que “sempre na humildade cê con-
segue o que quiser”, visto que não há necessidade de
passar por cima de outros para alcançar o que é alme- Triz contou, em entrevista à Época, que no re-
jado. Em sua própria trajetória, alcançou seu sucesso frão, que tem início com “Onde isso vai parar?/ Se eu
sem passar por cima de ninguém, pregando o respeito nasci com dom, eu sei que vou continuar“, a intenção
à minoria a qual ela faz parte. foi deixar mais harmonioso, melódico e sensitivo, com
a finalidade de tocar o coração das pessoas e provocar
empatia. A canção é uma crítica fortíssima ao precon-
O trecho “O preconceito não te leva a nada/ ceito e todas as atrocidades causadas por ele, reafir-
Não seja mais um babaca de mente fechada/Por que o mando que as pessoas podem desempenhar os papéis
ódio mata, mas o amor sara/De qual lado cê vai ficar?” que quiserem, pois a orientação sexual não determina
revela que o ponto alvo da canção é o preconceito que a capacidades dos indivíduos.
cega a humanidade, gerando discursos de ódio que, se-


guidos por pessoas de má índole, podem resultar em
violência e até mesmo em morte.

Triz fala também sobre a opinião alheia apre- Citações da Obra na Matriz de Referências
sentada contra ela com os seguintes trechos: “Zé po-
vinho falou: Vai fazer a sobrancelha/Dar um trato no O ser humano como um ser que interage
cabelo e mudar sua aparência/Eu acho que é mulher,
eu acho que é um homem/Eu acho que cê tem que As questões sobre possibilidades de mudança e
vestir esse uniforme.”. Esse é somente um dos trechos de transformações individuais e coletivas estão presen-
em que Triz critica a opinião alheia na vida dela e de tes nas obras musicais O encontro de Lampião com Eike
todas as outras pessoas que optaram por uma identi- Batista, de El Efecto, Elevação mental, de Triz, e Não
dade de gênero diferente, uma opção sexual diferente, recomendado, de Não Recomendados, nodocumentário
entre outras coisas, e que sofrem diariamente com essa Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e ainda, no traba-
imposição do padrão. lho terapêutico Série Roupa-corpo-roupa: “O eu e o tu”
- Queer, de Lygia Clark. (Página 4, segundo parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 54


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Indivíduo, cultura, estado e participação política comparar e compreender as estruturas sociais nos cená-
rios contemporâneos. Essa mesma abordagem é perce-
As desigualdades sociais e o lugar do indivíduo bida nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e
na sociedade podem ser discutidas a partir das Ilustra- Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas
ções críticas, de Pawel Kuczynski – Sátiras Desigualdade Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona
Social, e das músicas O encontro de Lampião com Eike de Mim, de Iza e Não recomendado, de Não recomenda-
Batista, de El Efecto, Dona de Mim, de Iza, Elevação dos. (Página 31, terceiro parágrafo)
Mental, de Triz e Não recomendados, de Não recomen-
dado. Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro é uma manifestação Espaços
cultural brasiliense que evoca a importância política da
cultura popular, na medida em que é a opção pela inven- O espaço, além de ser visto como um local, é
ção de uma tradição de grande valor cultural, histórico e também um ambiente destinado ao indivíduo e a sua cul-
social. (Página 10, quarto parágrafo) tura. Nesta perspectiva, as músicas Dona de Mim, de Iza,
Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Não
Tipos e gêneros recomendado, de Não recomendados, O real resiste, de
Arnaldo Antunes, e a pintura Mestiço, de Portinari, colo-
As obras musicais Elevação mental, de Triz, cam em destaque a diversidade de pessoas que integram
Mulamba, de Mulamba e Não recomendado, de Não os diferentes espaços urbanos e sociais, além de abordar
recomendados, trazem importantes reflexões referentes sobre as desigualdades sociais e espaciais presentes em
às questões de gênero e os diversos tipos de violência contextos contemporâneos. (Página 36, quarto parágra-
praticados contra as mulheres, contra as mulheres tran- fo)
sexuais e contra as travestis na sociedade brasileira. (Pá-
gina 14, terceiro parágrafo) Análise de dados

Estruturas A análise de dados deve estar intimamente re-


lacionada a contextos. Nesse sentido, os conceitos de
A forma de organização dos elementos (pontos, identidade e diversidade cultural e suas interpretações
linhas, curvas) no espaço delineia uma imagem e, conse- são relevantes na análise de dados, como pode ser ob-
quentemente, as características de um movimento artís- servado no conto Maria, de Conceição Evaristo, na carta
tico, como é o caso das obras visuais Navio de emigran- A Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de Andra-
tes, de Lasar Segall, Guevara vivo ou morto, de Claudio de, no audiovisual Das raízes às pontas, de Flora Egecia,
Tozzi, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e das mú- bem como nas obras musicais Mulamba, de Mulamba,
sicas O Real Resiste, de Arnaldo Antunes, Dona de Mim, Elevação Mental, de Triz, e Não Recomendado, de Não
interpretada por Iza, Não Recomendado, interpretada Recomendados. (Página 42, quinto parágrafo)
pelo trio Não Recomendados e Elevação Mental, de Triz,
que ilustram perspectivas críticas sobre a diversidade es-
trutural. (Página 17, primeiro parágrafo)
Questões, Justificativas e Dicas
Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
Cenários contemporâneos
Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Os séculos XX e XXI são marcados por diversos
movimentos sociais relacionados às lutas e resistências Anotações e Rascunhos
de grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras
audiovisuais Das raízes às ponta (2015), de Flora Egécia,
e Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também
observa-se essa temática da resistência dos movimen-
tos sociais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de
Acme, nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto
Maria (2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musi-
cais Malditos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação
Mental (2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de
Não Recomendados. (Página 27, segundo parágrafo)

Número, grandeza e forma

As obras audiovisuais À margem do corpo, de


Débora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problemati-
zam questões de raça, gênero e identidade, possibilitan-
do a busca de dados, número e grandezas para analisar,

Tudo Sobre o PAS UnB 55


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Dona de Mim - Iza

Intérprete
Isabela Lima, mais conhecida como “Iza”, nas- tando a importância de a mulher negra aceitar sua pele,
ceu em 3 de setembro de 1991, no bairro de Olaria, Rio cabelo e corpo como são.
de Janeiro. Aos 6 anos de idade mudou-se para Natal,
no Rio Grande do Norte. Filha de um militar e uma pro- Obra
fessora de música, Iza começou a cantar na igreja quan-
do ainda era criança. Suas primeiras apresentações fo- Dona de Mim
ram em paróquias e retiros organizados pela igreja.
Já me perdi tentando me encontrar
Aos dezoito anos, Iza ingressou no curso de Pu- Já fui embora querendo nem voltar
Penso duas vezes antes de falar
blicidade e Propaganda na Pontifícia Universidade Ca- Porque a vida é louca, mano, a vida é louca
tólica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), formando-se 3 anos
depois. Começou a trabalhar como editora de vídeo, Sempre fiquei quieta, agora vou falar
mas percebeu que seu talento era cantar. Incentivada Se você tem boca, aprende a usar
pelos amigos e familiares, Iza criou, em 2015, o seu pró- Sei do meu valor, e a cotação é dólar
prio canal no Youtube, no qual passou a produzir co- Porque a vida é louca, mano, a vida é louca
vers de artistas conhecidos. Inspirava-se em Negra Li, Me perdi pelo caminho
Janet Jackson, Diana Ross, Whitney Houston, Rihanna, Mas não paro, não
Beyoncé, Luciana Melo, entre outros. Já chorei mares e rios
Mas não afogo, não
Seus vídeos chamaram tanta atenção que, em
2016, Iza foi contratada pela Warner Music, lançando o Sempre dou o meu jeitinho
É bruto, mas é com carinho
single autoral “Quem sabe sou eu”, que depois se tor- Porque Deus me fez assim
nou trilha sonora da novela Rock Story, da Rede Globo. Dona de mim
No ano seguinte, foi consagrada como “Revelação do
Ano” pelo “Women’s Music Event Awards” e lançou os Deixo a minha fé guiar
singles “Esse brilho é meu” e “Pesadão”, sendo este úl- Sei que um dia chego lá
Porque Deus me fez assim
timo o responsável por deslanchar a carreira da cantora Dona de mim
e torná-la conhecida em todo o Brasil.
Já não me importa a sua opinião
Em 2017 a cantora abriu o show da banda in- O seu conceito não altera minha visão
glesa “Coldplay”. Seu primeiro CD, “Dona de Mim”, Foi tanto sim, que agora digo não
foi lançado em 2018 e contou com a participação de Porque a vida é louca, mano, a vida é louca
artistas conhecidos, como Ivete Sangalo, Thiaguinho,
Quero saber só do que me faz bem
Carlinhos Brown, Glória Groove, entre outros. Esse Papo furado não me entretém
mesmo álbum, composto por músicas Pop e R&B mes- Não me limite que eu quero ir além
clados com reggae, soul, blues e outros, foi indicado ao Porque a vida é louca, mano, a vida é louca
“Grammy Latino” na categoria de “Melhor álbum pop”.
Apesar de não ter ganhado, Iza conquistou o prêmio na Me perdi pelo caminho
Mas não paro, não
mesma categoria no “Women’s Music Event Awards”. Já chorei mares e rios
Mas não afogo, não
Iza estreou como apresentadora no programa
“Música Boa ao Vivo”, no canal Multishow. No encerra- Sempre dou o meu jeitinho
mento da 29ª edição do “Prêmio da Música Brasileira”, É bruto, mas é com carinho
apresentou-se com Liniker e Lazzo Matumbi. Integrou Porque Deus me fez assim
Dona de mim
o quadro de jurados do reality show “The Voice Brasil”,
programa exibido pela Rede Globo. A projeção da car- Deixo a minha fé guiar
reira internacional veio com a gravação do clipe “Evapo- Sei que um dia chego lá
ra”, em parceria com a cantora norte-americana Ciara e Porque Deus me fez assim
o trio Major Lazer no Vasquez Rocks Natural Park, em Dona de mim
Los Angeles, Estados Unidos.
A canção Dona de Mim foi escrita por Arthur
Tornou-se uma referência de mulher negra no Marques e lançada em 2018, no álbum que leva o mes-
Brasil. Dessa maneira, suas músicas buscam propagar mo nome. Em entrevista para o jornal O Tempo, Iza
o discurso de empoderamento feminino e negro, exal- explicou que o título do álbum remete ao autoconhe-

Tudo Sobre o PAS UnB 56


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

cimento, amor e união. Embora o videoclipe só tenha as espectadoras, a fim de que haja identificação e elas
sido lançado em 28 de setembro, a canção já fazia su- se sintam representadas pelo videoclipe e pela música.
cesso nas rádios desde o dia 17 do mesmo mês. Com uma batida contagiante, a canção Dona de Mim
convoca as mulheres a se unirem e se colocarem como
A letra fala sobre as voltas que a vida dá e res- donas das suas próprias escolhas e vidas.
salta a necessidade de reinvenção para não se deixar
abater pelas dificuldades do dia a dia. Faz referência
também ao processo de autoconhecimento e tomada Estrutura
de consciência de identidade. Nesse sentido, “ser dona Tendo como base o videoclipe, a letra da can-
de si” é principalmente enxergar o seu valor, mas tam- ção segue a sequência A, A, B, C, C, A, A, B, C, C. Além
bém saber os seus limites, aprender com os próprios dos vocais (Iza e o coral), é utilizada a mixagem e edição
erros e seguir em frente sem se deixar abater pelas ad- de sons e instrumentos previamente gravados. A can-
versidades ao longo do percurso. Quem é dono de si ção pertence aos gêneros Pop e R&B.
não se submete às imposições de outros, pois é livre
para decidir o que é melhor e o que lhe convém. O Pop teve origem nos Estados Unidos e na In-
glaterra na década de 1950. Esse gênero incorpora ele-
No videoclipe, Iza dá visibilidade a três perso- mentos do dance, rock, soul, country, urban e da música
nagens: A mãe jovem e solteira, a professora negra em latina. Por ter como características principais a duração
um local de risco e a advogada que, em audiência, está média-curta, batidas repetidas, letras com temas uni-
em um ambiente predominado por homens. Para re- versais e quase sempre um refrão cativante, a música
presentar essas histórias no videoclipe, Iza conta, em pop se tornou o gênero mais comercial e um dos mais
um minidocumentário cujo link está disponível em Di- populares.
cas de Estudos, que buscou mulheres inspiradoras e
reais. Conheça a seguir um pouco da história destas Já o R&B, inicialmente foi um termo comercial
mulheres importantes: que apareceu no fim dos anos 40 pela revista Billboard.
Descrevia, originalmente, a música gravada e comercia-
Bia Sabia, que interpreta a mãe solteira, conta lizada por afro-americanos em um estilo baseado no
que ficou grávida aos 18 anos de idade, e ao descobrir jazz, mas com uma batida pesada. Como gênero mu-
tinha acabado de ingressar na faculdade. Conta ainda sical, também conhecido como R&B contemporâneo,
que tinha certeza de que não teria o filho, mas ao che- surgiu no início dos anos 80, combinando elementos do
gar na clínica para abortar, desistiu da ideia. No discurso rhythm and blues, dance, pop, soul, entre outros. Den-
de Bia é possível perceber as dificuldades enfrentadas tre suas principais características estão a batida, o uso
pelas mães, principalmente pela romantização da gra- de melismas por parte do cantor e utilização de saxo-
videz. Bia fala da importância das redes de apoio para fone para dar uma sensação de jazz. Com o passar do
facilitar a vida das mães. tempo ocorreram diversas mudanças que resultaram
no aparecimento de vários subgêneros, além da “po-
Marcella Maia é uma atriz que representa uma
pularização” do termo, que permitiu que vários outros
advogada em um ambiente predominado por homens.
estilos e gêneros utilizassem essa denominação.


A atriz conta um pouco da sua história e as dificulda-
des que enfrentou ao assumir como mulher trans. Con-
ta que após sofrer muito, decidiu que não queria mais
saber o que o mundo pensa ou o que acham que ela
deveria ser. Citações da Obra na Matriz de Referências
Josi Lima interpreta uma professora da rede O ser humano como um ser que interage
pública em uma área de risco que tem sua aula inter-
rompida por um tiroteio. Iza conta que escolheu Josi Além disso, problematizar especialmente a con-
para homenagear a sua mãe Isabel, que é professora dição das mulheres no mundo contemporâneo se apre-
e por muitas vezes ficou até mais tarde presa na esco- senta como tarefa necessária, e, para isso, as músicas
la por conta de tiroteios. Nesse momento da conversa Camila, Camila, interpretada pela banda Nenhum de
são abordadas as limitações que muitas crianças e ado- nós, Mulamba, de Mulamba, o videoclipe de Dona de
lescentes enfrentam ao saírem de casa para estudar e mim, de Iza e o conto Maria, de Conceição Evaristo, são
como alguns desses alunos não se assustam mais com a exemplos que permitem subsidiar os debates sobre esse
violência, de tão comum que essas cenas são. tema. (Página 6, terceiro parágrafo)

No fim do videoclipe, a relação de empatia é Indivíduo, cultura, estado e participação política


expressa quando todas as personagens se encontram
As desigualdades sociais e o lugar do indivíduo
em uma igreja e assistem ao coral comandado pela Iza.
na sociedade podem ser discutidas a partir das Ilustra-
A locação dos espaços e a escolha dessas mulheres teve ções críticas, de Pawel Kuczynski – Sátiras Desigualdade
como objetivo transmitir a sensação de realidade para

Tudo Sobre o PAS UnB 57


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Social, e das músicas O encontro de Lampião com Eike Número, grandeza e forma
Batista, de El Efecto, Dona de Mim, de Iza, Elevação
Mental, de Triz e Não recomendados, de Não recomen- As obras audiovisuais À margem do corpo, de
dado. Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro é uma manifestação Débora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
cultural brasiliense que evoca a importância política da merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
cultura popular, na medida em que é a opção pela inven- Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
ção de uma tradição de grande valor cultural, histórico e que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problemati-
social. (Página 10, quarto parágrafo) zam questões de raça, gênero e identidade, possibilitan-
do a busca de dados, número e grandezas para analisar,
Tipos e gêneros comparar e compreender as estruturas sociais nos cená-
rios contemporâneos. Essa mesma abordagem é perce-
Na terceira etapa, a seleção de obras de auto- bida nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e
res negros, assim como obras de um grande número de Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas
escritoras com produções com estruturas e objetivos di- Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona
ferentes, além de significativas na literatura brasileira, de Mim, de Iza e Não recomendado, de Não recomenda-
asseguram a importância da leitura inserida no contexto dos. (Página 31, terceiro parágrafo)
social como elemento capaz de ampliar a compreensão
de mundo dos leitores e a valorização da diversidade so- Espaços
cial de tipos e gêneros, em seus mais variados aspectos.
As obras audiovisuais Entenda o que é Racismo Estrutu- O espaço, além de ser visto como um local, é
ral – Canal do Preto (2018) e Poética da Diáspora (2015), também um ambiente destinado ao indivíduo e a sua cul-
de Elena Pajero Peres, abordam a importância da valori- tura. Nesta perspectiva, as músicas Dona de Mim, de Iza,
zação do protagonismo social negro e ao mesmo tempo Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Não
apontam para a marginalização da população negra na recomendado, de Não recomendados, O real resiste, de
sociedade brasileira. Nos contos A caolha, de Júlia Lo- Arnaldo Antunes, e a pintura Mestiço, de Portinari, colo-
pes de Almeida, Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem cam em destaque a diversidade de pessoas que integram
a Petrópolis, de Clarice Lispector, e também na música os diferentes espaços urbanos e sociais, além de abordar
Dona de mim, de Iza encontram-se representações do sobre as desigualdades sociais e espaciais presentes em
universo feminino, seus dilemas e vivências, com ques- contextos contemporâneos. (Página 36, quarto parágra-
tionamentos sobre classe, raça e gênero. (Página 13, pri- fo)
meiro parágrafo)
Materiais
Estruturas
Ainda sob a perspectiva musical, a manifestação
A forma de organização dos elementos (pontos, cultural brasiliense Seu Estrelo e Fuá de Terreiro procura
linhas, curvas) no espaço delineia uma imagem e, conse- o equilíbrio utilizando a voz, instrumentos de percussão
quentemente, as características de um movimento artís- e recursos cênicos enquanto Mulamba, de Mulamba,
tico, como é o caso das obras visuais Navio de emigran- Dona de mim, de Iza, O real resiste, de Arnaldo Antunes,
tes, de Lasar Segall, Guevara vivo ou morto, de Claudio Não recomendado, de Não Recomendados, e Ilumina o
Tozzi, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e das mú- mundo, de Detonautas, mesclam várias tendências e ma-
sicas O Real Resiste, de Arnaldo Antunes, Dona de Mim, teriais sonoros e visuais, explorando poética e, musical-
interpretada por Iza, Não Recomendado, interpretada mente, equilíbrios e desequilíbrios, criando e recriando
pelo trio Não Recomendados e Elevação Mental, de Triz, cenas. Esses mesmos elementos podem ser observados
que ilustram perspectivas críticas sobre a diversidade es- em Carta para além dos muros, de André Canto, apresen-
trutural. (Página 17, primeiro parágrafo) tando uma perspectiva documental. (Página 40, segundo
parágrafo)
Estruturas

Na produção de obras musicais, é possível ana- Questões, Justificativas e Dicas


lisar tipos de textos repletos de significados, bem como Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi-
cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes
e Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonau-
tas, e Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/
ou linguísticas que dialogam com estruturas ideológicas
do seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cá-
lice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de
Nenhum de nós, e Solange, interpretada pela banda So-
lange. (Página 18, quarto parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 58


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

O Real Resiste - Arnaldo Antunes

Autor
Arnaldo Antunes, cujo nome completo é Arnal- Durante esse período que seguiu carreira solo,
do Augusto Nora Antunes Filho, nasceu em 1960 em Arnaldo lançou mais dois CD’s (“Ninguém” e “Paradei-
São Paulo. Músico, poeta, compositor e artista visual, ro”), teve seu vídeo “NOME” exibido em diversos even-
foi o quarto de sete filhos. Aos 15 anos, ingressou em tos importantes, apresentou shows por todo o Brasil,
um colégio que trabalhava a arte e educação com seus lançou livros, participou de diversas exposições, criou
alunos, sendo muito incentivado lá. O colégio se cha- parcerias com artistas como Marisa Monte, Cássia Eller,
mava Equipe e apresentava shows como o de Cartola, Adriana Calcanhotto e chegou até a compor uma músi-
Nelson Cavaquinho e Gilberto Gil, oferecendo também ca para o desenho infantil “Castelo Rá Tim Bum”.
aulas de cinema.
Em 2002, Arnaldo ingressou no grupo Tribalis-
Começou a cursar linguística na Faculdade de tas para gravar o disco “Tribalistas”, que chegou a ga-
Filosofia, Letras, Ciências e História da USP, porém sua nhar disco de platina triplo no Brasil e platina na Itália e
família se mudou para o Rio de Janeiro em 1979, e Antu- Portugal, entre muitas outras honras. O grupo se apre-
nes teve que transferir-se para a PUC-RJ. Lá lançou um sentou em Miami na festa de encerramento do Grammy
Super-8, que é um cartucho com funções semelhantes Latino em 2003 e recebeu o prêmio de “Melhor Álbum
às de um DVD atualmente, denominado por Jimi Gogh Pop Contemporâneo Brasileiro”. Apresentaram-se tam-
pois carregava músicas de Jimmy Hendrix e quadros de bém na Itália, ganhando o troféu de música do ano com
Van Gogh. a música “Já sei namorar”, entre muitas outras apresen-
tações e prêmios.
Em 1980, Arnaldo decide voltar a São Paulo e
casar com Go, que se tornou sua primeira esposa. O ca- Continuou gravando discos solos como “Sai-
sal, juntamente com José Roberto, criou a “Banda Per- ba”  (2004), “Qualquer”  (2006), “Ao Vivo no Estú-
formática”. Se apresentaram em diversos locais de São dio” (2007), “IêIêIê” (2009), “Pequeno Cidadão” (2009),
Paulo e Rio de Janeiro, lançando seu primeiro disco em “Ao Vivo Lá em Casa” e “ A Curva da Cintura (2011),
1982. Concomitante a isso, criou também, juntamente “Acústico MTV” (2012), “Disco” (2013), “Já É” (2015),
com seus amigos da escola que estudou, a banda Titãs “Ao Vivo Em Lisboa” (2017), “rstuvxz” (2018) e por fim,
do Iêiê, que lançou seu primeiro disco em 1984, dois o disco que leva o nome da canção analisada aqui “O
anos depois do primeiro disco da Banda Performática. Real Resiste” (2020).

Após o lançamento do primeiro disco, que car- Obra


regava o nome da banda, Arnaldo (vocal), Paulo Miklos
(vocal e sax), Sérgio Britto (vocal e teclado), Branco O Real Resiste
Mello (vocal), Nando Reis (baixo e vocal), Ciro Pessoa
Autoritarismo não existe
(vocal), Marcelo Fromer (guitarra), Tony Bellotto (gui-
Sectarismo não existe
tarra) e André Jung (bateria) fizeram muito sucesso. As Xenofobia não existe
letras que Arnaldo compunha eram cantadas não só Fanatismo não existe
pela banda, mas também por alguns outros parceiros. Bruxa fantasma bicho papão

Arnaldo esteve presente na formação da banda O real resiste


durante o lançamento de “Televisão” (1985), “Cabeça É só pesadelo, depois passa
Dinossauro” (1986), “Jesus não tem dentes no país dos Na fumaça de um rojão
banguelas” (1987), “Go Back” (1988), “Õ Blesq Blom” É só ilusão, não, não
(1989) e “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” (1991) até Deve ser ilusão, não não
que, em 1992, retirou-se dos Titãs amistosamente, pois É só ilusão, não, não
continuou escrevendo músicas para a banda que cola- Só pode ser ilusão
borou igualmente com ele.
Miliciano não existe
Torturador não existe
Em 1993, lançou seu primeiro CD solo acompa-
Fundamentalista não existe
nhado de um vídeo, denominados por “Nome” e con-
Terraplanista não existe
templados pela gravadora BMG. Esse CD contou com Monstro vampiro assombração
participação de Marisa Monte, João Donato, Arto Lind-
say, Edgard Scandurra e Péricles Cavalcanti. Já o vídeo, O real resiste
consistia na união de música, poesia e produção gráfica É só pesadelo, depois passa
em um único projeto. Múmia zumbi medo depressão

Tudo Sobre o PAS UnB 59


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Não, não, não, não bicho papão”, “Monstro, vampiro, assombração”, “Mú-
Não, não, não, não mia, zumbi, medo, depressão” e “Mula sem cabeça, de-
Não, não, não, não mônio, dragão” está se referindo ao governo, utilizando
uma linguagem fantasiosa para indicar quem é o vilão
Trabalho escravo não existe
Desmatamento não existe da história.
Homofobia não existe
Extermínio não existe Em entrevista ao Portal O Tempo, Arnaldo An-
Mula sem cabeça demônio dragão tunes declarou:
O real resiste
É só pesadelo, depois passa “Na minha cabeça, é inadmissível que as pessoas não ape-
Como o estrondo de um trovão nas se declarem favoráveis a brutalidades, como apoiem
É só ilusão, não, não… um projeto intolerante com a diversidade, as minorias ra-
ciais, étnicas e religiosas e que defende a tortura e a cen-
Esquadrão da morte não existe sura. Os valores que sempre preguei, de preservação do
Ku Klux Klan não existe meio ambiente, respeito aos direitos humanos e redução
Neonazismo não existe das desigualdades, estão sendo hostilizados. Só pode ser
O inferno não existe um pesadelo”. (Disponível em: <https://www.otempo.com.
br/diversao/arnaldo-antunes-lanca-o-real-resiste-que-ver-
Tirania eleita pela multidão
sa-sobre-politica-amor-e-o-tempo-1.2295709>)
O real resiste
É só pesadelo, depois passa Arnaldo realizou uma parceria com a Mídia
Lobisomem horror opressão Ninja para que produzissem um clipe para a canção em
não, não, não, não questão. Mídia Ninja entrou com diversas imagens de
não, não, não, não seu acervo para acrescentar ao clipe de Arnaldo, ima-
não, não, não, não gens essas que mostram manifestações (indígenas, fe-
não, não, não, não ministas, de repúdio ao assassinato de Marielle Franco,
entre outras), e nessas imagens há cenas fortíssimas de
Gravada na metade de 2019, a música “O Real censura e repressão por meio dos militares controlados
Resiste” foi lançada como um single para o novo álbum pelo governo para supostamente impedir que aquelas
de Arnaldo Antunes, que carrega o mesmo nome da manifestações se realizassem. Um detalhe importan-
música. A letra da música é carregada de ironias. tíssimo do clipe é que as palavras se encaixam com as
imagens, tornado a interpretação mais acessível.
Existem algumas interpretações para a letra
que esta música carrega. A primeira leitura nos traz a Violões (de 6 cordas e de 12 cordas), piano, bai-
ideia de que aborda a situação política atual, tratando- xo, e voz compõem a obra, que é executada na seguinte
-a como se não fosse real e sim um pesadelo no qual sequência: A, B, A, B, instrumental, A, B, A, B.


a população está presa. A segunda leitura aponta a le-
tra como se fosse um discurso mentiroso de governan-
tes sobre a situação em que o povo vive. Por último e
não menos importante, pode ser também interpretada
como uma realidade utópica de Arnaldo Antunes como Citações da Obra na Matriz de Referências
forma de resgatar a fé na humanidade. Nenhuma des-
sas interpretações anula a outra, mas todas podem se O ser humano como um ser que interage
unir e dar sentido à música. Nesta etapa, em decorrência das anteriores, a
tarefa é projetar a existência de modo conjunto, coletivo,
Em uma live de divulgação produzida junta-
e vincular conhecimentos e sabedoria a esses projetos, ou
mente com o grupo “Mídia Ninja”, Arnaldo relata que seja, entender como a espécie de seres capazes de agir e
o “real” colocado em sua música abrange o povo que interagir pode criar formas de vida, questão presente nos
paga impostos e luta para que os serviços que o gover- textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Arendt,
no deveria fazer, sejam de fato prestados: e Necropolítica, de Achille Mbembe, assim como nas can-
ções O real resiste, de Arnaldo Antunes, Malditos Cro-
“O que é real realmente? O real que resiste são as pessoas,
mossomos, de Pitty, e Grândola Vila Morena, na versão
as pessoas que pagam o salário dos policiais, dos políticos,
dos juízes, para que através dos seus impostos...para que da banda 365. (Página 4, primeiro parágrafo)
elas estejam nos defendendo, não nos ameaçando” (Trecho
da transcrição da entrevista/live de Arnaldo no canal Mídia Estruturas
NINJA)
A forma de organização dos elementos (pontos,
No refrão da música, Arnaldo ressalta ainda o linhas, curvas) no espaço delineia uma imagem e, conse-
desejo de que tudo fosse somente uma ilusão e que quentemente, as características de um movimento artís-
tico, como é o caso das obras visuais Navio de emigran-
nada fosse realidade, assim como o governo prega que
tes, de Lasar Segall, Guevara vivo ou morto, de Claudio
não é. Quando ele usa as expressões “Bruxa, fantasma,

Tudo Sobre o PAS UnB 60


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tozzi, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e das mú- Espaços


sicas O Real Resiste, de Arnaldo Antunes, Dona de Mim,
interpretada por Iza, Não Recomendado, interpretada O espaço, além de ser visto como um local, é
pelo trio Não Recomendados e Elevação Mental, de Triz, também um ambiente destinado ao indivíduo e a sua cul-
que ilustram perspectivas críticas sobre a diversidade es- tura. Nesta perspectiva, as músicas Dona de Mim, de Iza,
trutural. (Página 17, primeiro parágrafo) Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Não
recomendado, de Não recomendados, O real resiste, de
Estruturas Arnaldo Antunes, e a pintura Mestiço, de Portinari, colo-
cam em destaque a diversidade de pessoas que integram
Na produção de obras musicais, é possível ana- os diferentes espaços urbanos e sociais, além de abordar
lisar tipos de textos repletos de significados, bem como sobre as desigualdades sociais e espaciais presentes em
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi- contextos contemporâneos. (Página 36, quarto parágra-
cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada fo)
pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes
e Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonau- Materiais
tas, e Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/
ou linguísticas que dialogam com estruturas ideológicas Ainda sob a perspectiva musical, a manifestação
do seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cá- cultural brasiliense Seu Estrelo e Fuá de Terreiro procura
lice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de o equilíbrio utilizando a voz, instrumentos de percussão
Nenhum de nós, e Solange, interpretada pela banda So- e recursos cênicos enquanto Mulamba, de Mulamba,
lange. (Página 18, quarto parágrafo) Dona de mim, de Iza, O real resiste, de Arnaldo Antunes,
Não recomendado, de Não Recomendados, e Ilumina o
Ambiente e evolução mundo, de Detonautas, mesclam várias tendências e ma-
teriais sonoros e visuais, explorando poética e, musical-
No campo das ciências biológicas, o tema do cor- mente, equilíbrios e desequilíbrios, criando e recriando
po humano, da vida, das relações dos corpos humanos cenas. Esses mesmos elementos podem ser observados
em conjunto e do ambiente são reflexões permanentes em Carta para além dos muros, de André Canto, apresen-
e podem ser problematizados na obra Sobre a violência tando uma perspectiva documental. (Página 40, segundo
(capítulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção parágrafo)
e a regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres,
de Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis Questões, Justificativas e Dicas
Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes,
na pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Manuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
na obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no Anotações e Rascunhos
poema O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza
no mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano
diante de sua própria consciência. (Página 24, quarto pa-
rágrafo)

Cenários contemporâneos

A análise das tensões entre as narrativas do pas-


sado que distorcem fatos históricos e utilizam versões
revisionistas podem fundamentar discursos autoritários
de caráter militarista. Portanto, é fundamental nesse
contexto, discutir, à luz da ciência histórica, as possíveis
falsificações do passado que indicam negacionismo cien-
tífico, anti-intelectualismo, manipulação da realidade e
notícias falsas em diversos espaços virtuais e editoriais.
Essas questões dialogam com a obras Algoritmos par-
ciais, Revista Fapesp edição - jan/2020 e o clipe O real
resiste (2019), de Arnaldo Antunes, o qual remete ao ce-
nário atual onde as informações, conceitos de represen-
tação e verdade estão em choque por meio da tecnologia
informacional, resultando em informações falsas (cha-
madas fake news), ou mesmo em disputas na chamada
guerra híbrida. (Página 30, segundo parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 61


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Ilumina o Mundo - Detonautas

Autoria
A banda de rock Detonautas Roque Clube foi Obra
fundada a partir da internet, quando em um bate papo,
dois músicos se encontraram (Tico Santa Cruz e Eduardo Ilumina o Mundo
Simão). Após se encontrarem, foram recrutando mais
O tempo não pode voltar atrás
pessoas pela internet até formarem a banda Detonau- Mas nunca desejei mudar
tas, cujo nome possui um significado, visto que é a jun- O que não deu certo, porque hoje eu faço mais
ção de detonadores com internautas, logo, detonautas.
Renato Rocha (guitarrista), Rodrigo Netto (guitarrista), E a física já comprovou
Fábio Brasil (baterista) e DJ Cléston foram recrutados Não existem limites pro amor
E o que deu certo faz eu alcançar a paz
pela internet finalizando a escalação clássica da banda.
E o que eu posso ser até o amanhecer
Com a ajuda de Gabriel Pensador, os Detonau- É a soma de tudo, eu quero mudar o mundo
tas foram ganhando espaço na mídia (rádio) e poste- Então eu posso ser até o amanhecer
riormente em eventos. Vale ressaltar que um desses Quem em alguns segundos ilumina o mundo
eventos foi o show de Red Hot Chilli Peppers que foi
aberto pelos Detonautas. Outras bandas internacionais Me diz que eu posso ser pra você, bebê
Deixa eu mudar teu mundo, clichê, dama e vagabundo
também tiveram a banda como abertura de shows. São Quero só você pra mim
elas: Evanescence, System of a Down, Guns N’ Roses, Tô louco pra te encontrar
The Offspring, entre outras. E quando amanhecer
Com você quero acordar
Em 2002 lançaram o primeiro álbum, denomi- Tô cansado de viver sozinho
nado por Detonautas Roque Clube e lançado pela gra- Cola aqui e aumenta o meu libido
Tudo é tão chato, nada é mais claro
vadora Warner Music. Também pela Warner Music lan- Sem você meu mundo fica esquisito
çaram mais dois álbuns: “Roque Marciano” (2004) pelo Ei, tudo que acontece com a nossa relação
qual ganharam o primeiro disco de ouro e “Psicodelia- Me espera no Facetime
morsexo e Distorção” (2006). Após isso, entraram em Que eu faço uma ligação
conflito com a gravadora e migraram para a rival que Temos uma ligação
na época era a Sony Music, responsável por lançar “O Volta pra mim, te dou meu coração
Eu tô chegando, vai, abre o portão
retorno de Saturno” (2008) e “A Saga Continua” (2014). Vem logo correndo na minha direção
Por fim, o último álbum até então lançado foi o “VI”, Na minha direção
gravado no estúdio do baterista Fábio Brasil em 2017. Vem correndo e não para, não
Vou mudar teu mundo em menos de um segundo
Um triste ocorrido marcou a história dos De-
tonautas em 2006. Rodrigo Netto passava pela Zona E o que eu posso ser até o amanhecer
É a soma de tudo, eu quero mudar o mundo
Norte do Rio de Janeiro com sua avó e irmão de carro, Então eu posso ser até o amanhecer
quando foram abordados por assaltantes que queriam Quem em alguns segundos ilumina o mundo
levar o carro de Rodrigo, e para isso, atiraram em todos
que estavam no carro. Entretanto, só Rodrigo morreu, Abra suas portas, deixe a paz entrar
já que foi atingido por um tiro que acertou a axila e al- Solte o seu medo dessa solidão
Não demora muito tudo se acertar
cançou o coração.
Sinto as batidas do seu coração
Desse novo dia que já vai nascer
Devido a esse ocorrido, todos da banda qui- Deixe que o amor te traga de volta
seram prestar suas homenagens a Rodrigo, tatuando E quando o espírito amanhecer
coisas que lembrassem ele. Todos sofreram muito com É chegada a hora da nossa vitória
a morte de Rodrigo e por esse motivo a banda se afas-
tou do palco e da mídia por um tempo. Ao voltarem às E o que eu posso ser até o amanhecer
É a soma de tudo, eu quero mudar o mundo
atividades, o guitarrista Philippe começou a substituir Então eu posso ser até o amanhecer
Rodrigo na guitarra. Quem em alguns segundos ilumina o mundo

A abordagem que os Detonautas têm em suas Com a participação de Pelé MilFlows, os Deto-
músicas são sempre relacionadas a amor, violência e nautas lançaram em 2015 a música “Ilumina o Mundo”,
corrupção, uma preocupação com a cidadania que mar- que ganhou total apoio da mídia e meios de propagação
ca o perfil de luta social e política da banda. por tratar de um tema importantíssimo como a valori-
zação da vida.

Tudo Sobre o PAS UnB 62


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Em 2019, o grupo realizou a gravação de um No trecho que começa com “Hei, tudo que
videoclipe dessa mesma música que deu uma ênfase acontece com a nossa relação/Me espera no FaceTi-
ainda maior a essa causa com o objetivo de divulgar o me” há um término, visto que “volta pra mim” significa-
Centro de Valorização da Vida para o público, visto que ria que a amada do eu lírico saiu do relacionamento por
o Brasil é o 8° país com o maior índice de suicídios. sua própria vontade. No clipe, juntamente com a letra,
pode-se entender melhor essa ruptura. O protagonista
O clipe tem início com a leitura de uma carta do clipe, aquele que declarou na estrofe anterior to-
que é deixada pela mãe do protagonista, que nessa tal entrega e devoção, encontra sua amada com outro
cena é uma criança. Ao chegar em casa, o menino pro- cara, supostamente, traindo-o. Temos no clipe também
cura por sua mãe, até que ao chegar no quarto dela en- uma briga do casal após a descoberta, um flashback
contra uma carta (que estava sendo lida pela narração). dos dois juntos e uma cena da moça saindo da casa que
era deles. E aí começa a corrida atrás do esquecimento,
A carta dizia o seguinte: “Me desculpe por te pois o protagonista tenta fazer o possível para esquecer
deixar assim tão cedo. Desculpe por todos os momen- aquela que um dia tanto amou.
tos que eu não estarei presente. Não foi culpa sua nem
de ninguém, isso foi uma escolha exclusivamente mi- Em “E o que eu posso ser até o amanhecer/É
nha. Você é um menino iluminado, ilumine o mundo a soma de tudo/Eu quero mudar o mundo/Então eu
como as estrelas. Quando tudo estiver escuro, ilumine posso ser até o amanhecer/Quem em alguns segun-
o mundo com sua luz interior. Eu quero que fique bem. dos/Ilumina o mundo” foram colocadas cenas de épo-
Sei que quando estiver lendo essa carta eu já terei parti- cas ruins do protagonista como, por exemplo, o suicídio
do, eu estarei te olhando sempre lá de cima. Eu te amo de sua mãe, a briga por causa da traição e brigas dos
muito, meu filho. Adeus.” seus pais quando era uma criança. Nesse momento, é
possível perceber com nitidez no videoclipe que o pro-
Sendo assim, infere-se que no início do video- tagonista cogita tirar sua própria vida também, visto
clipe a mãe do protagonista tira sua própria vida quan- que chega a se pendurar em uma varanda muito alta e
do este ainda era uma criança. fica muito pensativo.
No trecho “O tempo não pode voltar atrás/ No trecho que se inicia com “Abra suas portas
Mas nunca desejei mudar o que não deu certo/Por- deixa a paz entrar/Solte o seu medo dessa solidão” há
que hoje eu faço mais”, a mensagem passada é de que uma mensagem motivacional que remete à esperança
mesmo com a nossa incapacidade de reverter os nossos de que tudo vai melhorar caso seja permitido por quem
erros, voltar atrás, os nossos erros nos ensinam a ser quer que seja.
melhores. O que não dá certo nos mostra o caminho
para que dê certo, logo “porque hoje eu faço mais” sig- No final do videoclipe há um comunicado de
nifica que após errar tanto e fazer com que tantas coisas Tico Santa Cruz relacionado ao Centro de Valorização
deem errado, hoje nosso conhecimento e preparação da Vida (CVV) que diz: “Estamos aqui para falar de paz
são maiores. Em paralelo a essa parte da letra, no clipe amor e positividade, mas por muitas vezes caminha-
há um flashback das lembranças do protagonista com mos por lugares mais frios e escuros da nossa alma.
a mãe, sorrindo, brincando, entre outras recordações. Ninguém, ninguém está livre de se sentir solitário, triste
e com dor. A vida realmente não é fácil. Por muitas ve-
“E a física já comprovou/Não existem limites zes precisamos de ajuda, mas não sabemos como pedir.
por amor/E o que deu certo/Faz eu alcançar a paz.” Acredite: existem muitas pessoas dispostas a nos aju-
Nesse trecho, vemos o protagonista adulto após en- dar. Todas as dores podem ser superadas com ajuda e
contrar um amor, iniciar a construção de uma família. É tratamento e, assim, a gente consegue virar este jogo.
quando ele se apaixona perdidamente por uma mulher, Ligue 188, a gente tá aqui pra te ouvir. Centro de Valo-
muda-se para morar com ela e começa uma história de rização da Vida”.
amor. A letra também fala sobre isso, que o amor pode
mudar o que está ruim e trazer paz para nossas vidas. Com um ritmo contagiante, o videoclipe conse-
gue transmitir a mensagem de forma eficiente e direta
O refrão transmite a busca constante de evolu- sem perder a sutileza. Na execução da obra são utiliza-
ção, mesmo com todos os erros do passado. A vontade dos teclados, violão, guitarra, baixo, bateria e vozes. Há
de tornar o mundo um lugar melhor torna-se evidente também a participação do integrante Cleston como DJ.
aqui. Os artistas ainda utilizam a expressão “iluminar o
mundo”, que significa fazer a diferença no mundo.
Suicídio
Há também na letra uma declaração de amor
do eu lírico direcionada a sua amada, demonstrando O suicídio figura entre uma das principais cau-
uma total devoção e entrega. Concomitante a isso, há sas de mortes entre jovens de 15 a 29 anos em todo
cenas em que o protagonista e sua amante vivem um o mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde
romance em que até os sorrisos são motivos que levam (OMS), todos os anos cerca de 800 mil pessoas morrem
eles a se apaixonarem cada vez mais. por suicídio no mundo. Sua prevenção tem sido uma
preocupação recorrente não somente entre médicos. A

Tudo Sobre o PAS UnB 63


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

exemplo disso, o Ministério da Saúde considera como Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo,
um problema de saúde pública muito complexo. do grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antu-
nes, na pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada,
Em 2003, a OMS instituiu o dia 10 de setembro de Manuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Se-
como Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, utilizando gall, na obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio,
a cor amarela para representar essa ação. No Brasil, o e no poema O morcego, de Augusto dos Anjos, que ale-
Centro de Valorização da Vida (CVV) instituiu em 2015 goriza no mamífero de pequeno porte o reflexo do ser
a campanha de conscientização do Setembro Amarelo, humano diante de sua própria consciência. (Página 24,
que tem como objeto incentivar o diálogo sobre o suicí- quarto parágrafo)
dio a fim de preveni-lo.
Número, grandeza e forma
É possível obter ajuda de várias formas. O Cen-
Por fim, vale ressaltar a relevância, para o exer-
tro de Valorização da Vida (citado algumas vezes na
cício da cidadania, da competência de analisar proble-
análise da obra), por exemplo, oferece apoio emocional mas cotidianos e resolvê-los, gerando cultura e transfor-
e prevenção do suicídio de forma voluntária e gratui- mando a realidade e a história, como no poema Tecendo
ta a todos que quiserem e precisarem conversar. Esse a manhã, de João Cabral de Melo Neto, e no videoclipe
atendimento pode ser feito por telefone (188 – ligação Ilumina o mundo, de Detonautas. Para resolver situa-
sem custo), e-mail ou chat 24 horas todos os dias, e é ções-problema, muitas vezes são necessários conheci-
importante ressaltar que há total sigilo do que for con- mentos de várias áreas, unindo ciência, valores éticos e
versado. criatividade para descobrir novas perspectivas, até mes-


mo para velhos e polêmicos problemas, como podemos
observar nas obras A questão indígena no Brasil em qua-
tro minutos, Agência Pública: agência de reportagem e
jornalismo investigativo, Sobre a violência (capítulo 2 e
Citações da Obra na Matriz de Referências 3), de Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbem-
be. (Página 33, terceiro parágrafo)
O ser humano como um ser que interage
Materiais
A criação artística permite aproximações com
temas complexos para as interações humanas como o Ainda sob a perspectiva musical, a manifestação
silêncio presente na canção Me deixe mudo, de Walter cultural brasiliense Seu Estrelo e Fuá de Terreiro procura
Franco,o sombrio, presente em Trevas, de Jards Macalé, o equilíbrio utilizando a voz, instrumentos de percussão
o suicídio, presente em Ilumina o mundo, do grupo De- e recursos cênicos enquanto Mulamba, de Mulamba,
tonautas, as heranças e reproduções comportamentais, Dona de mim, de Iza, O real resiste, de Arnaldo Antunes,
presentes em Malditos cromossomos, da cantora Pitty. Não recomendado, de Não Recomendados, e Ilumina
(Página 7, primeiro parágrafo) o mundo, de Detonautas, mesclam várias tendências e
materiais sonoros e visuais, explorando poética e, musi-
Estruturas calmente, equilíbrios e desequilíbrios, criando e recrian-
do cenas. Esses mesmos elementos podem ser obser-
Na produção de obras musicais, é possível ana-
vados em Carta para além dos muros, de André Canto,
lisar tipos de textos repletos de significados, bem como
apresentando uma perspectiva documental. (Página 40,
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi-
segundo parágrafo)
cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada
pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes
e Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonau- Questões, Justificativas e Dicas
tas, e Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/
Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
ou linguísticas que dialogam com estruturas ideológicas
do seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cá-
Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
lice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de
Nenhum de nós, e Solange, interpretada pela banda So-
lange. (Página 18, quarto parágrafo)

Ambiente e evolução

No campo das ciências biológicas, o tema do cor-


po humano, da vida, das relações dos corpos humanos
em conjunto e do ambiente são reflexões permanentes
e podem ser problematizados na obra Sobre a violência
(capítulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção
e a regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres,
de Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do

Tudo Sobre o PAS UnB 64


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Trevas - Jards Macalé

Autor
Carioca, Jards Anet da Silva, conhecido como Trevas, trevas
Macalé, nasceu no dia 3 de março de 1943 no bairro da Treva a mais negra sobre homens tristes
Tijuca, no Rio de Janeiro. O artista é compositor, cantor, Trevas, trevas
violonista, arranjador, produtor musical e ator. Cresceu Treva a mais negra sobre homens tristes
em uma família de músicos, já que sua mãe era pianis-
Me calo
ta e seu pai, acordeonista. Ambos influenciaram Jards
durante a infância o levando para concertos e outros Chegamos ao limite da água mais funda
eventos de música erudita. Levanto o olhar pro céu
Chegamos ao limite da água mais funda
Quando jovem, tinha um gosto musical bem Levanto o olhar pro céu
variado, passando por foxtrot, swing, jazz, samba, mar-
chinha carnavalesca, valsa, rock’n’roll e os batuques do Trevas, trevas
morro. Chegou a estudar música na Escola Pró-Arte na Treva a mais negra sobre homens tristes
qual tinha aulas de orquestração, composição, violão, Trevas, trevas
violoncelo e análise musical. Durante sua adolescência Treva a mais negra sobre homens tristes
passou por diversas rádios cariocas e montou um con- Me calo
junto musical com Chiquinho Araújo, intitulado por Dois
no Balanço. Chegamos ao limite da água mais funda
Levanto o olhar pro céu
Sua primeira composição recebeu o nome de Chegamos ao limite da água mais funda
“Meu Mundo é Seu” e foi realizada com parceria de Ro- Levanto o olhar pro céu
berto Nascimento e gravada por Elizabeth Cardoso em
1964. Trevas, trevas
Treva a mais negra sobre homens tristes
A partir de 1966, integrou o movimento tropi- Trevas, trevas
calista depois de trabalhar na direção musical no recital Treva a mais negra sobre homens tristes
de Maria Bethânia e em uma música de Nara Leão. Che-
Me calo
gou a participar do disco ‘Transa” de Caetano Veloso,
gravado em Londres em 1971. Compôs também diver- A canção “Trevas” de Jards Macalé foi gravada
sas músicas com o cantor Waly Salomão. em São Paulo em agosto de 2018, pouco tempo antes
das eleições presidenciais de 2018, e integra o álbum
Em 2010 foi lançado um documentário sobre Besta Fera, lançado em 8 de fevereiro de 2019. Porém,
o cantor, intitulado por “Jards Macalé, Um Morcego na o videoarte em questão só foi lançado depois das elei-
Porta Principal.”. O filme documentário teve uma reper- ções, no dia 10 de janeiro de 2019, em parceria com
cussão absurda que levou o artista a participar da 29° o Ministério da Cidadania e Natura Musical. A letra da
Bienal Internacional de São Paulo e levou à produção canção importou diversos versos do poema “Canto I” de
também de um show denominado por “Cine Macalé”. Ezra Pound apresentados abaixo, presente no livro “Os
Cantos”, que foi publicado pela primeira vez em 1925.
Obra
Canto I
Trevas
Sol indo ao sono, sombras sobre o oceano
Sol rumo ao sono Chegamos aos confins das águas mais profundas.
Sombras sobre o oceano Até o território cimeriano,
E cidades povoadas envolvidas
Cidades cobertas de névoa espessa Por um denso nevoeiro, inacessível
Jamais devassada Ao cintilar dos raios de sol, nem a
Por brilho do sol O luzir das estrelas estendido,
Nem quando torna o olhar do firmamento
Chegamos ao limite da água mais funda
Noite, a mais negra, sobre os homens fúnebres.
Levanto o olhar pro céu
Já o poema, por sua vez, conta a história de
Chegamos ao limite da água mais funda
Odisseu e sua chegada ao inferno, história presente
Levanto o olhar pro céu
na “Odisséia”. Sendo assim, tanto a canção quanto o
poema utilizado apontam para a realidade que naquele

Tudo Sobre o PAS UnB 65


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

instante o Brasil estava prestes a entrar, regada de auto- siaen. As músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil,
ritarismo e censura apontados na canção como trevas. Me deixe mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da
Banda Solange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila
No videoclipe, diversas frases dão ainda mais Morena, versão da Banda 365, refletem, em diferentes
sentido à abordagem de Jards na canção. Foram obser- contextos, transformações políticas em momentos his-
vadas as seguintes frases: “Ninguém é coisa nenhuma”, tóricos conflituosos. Essas reflexões também podem ser
“A Paisagem dessa capital apodrece”, “Imagina beber observadas na intervenção urbana Trouxas ensanguen-
eletricidade”, “Quando a carne despenca”, “Pai nosso tadas, de Artur Barrio, e no grafite Santa ceia moderna,
que estás no purgatório”, entre outras que aparecem de Acme. (Página 10, terceiro parágrafo)
incompletas durante o vídeo.
Tipos e gêneros
Dessa forma, Jards deixa claro que na canção
ele busca relacionar todas as atrocidades cometidas Algumas obras musicais apresentam classifica-
durante o regime militar ao presente futuro do país, ções específicas podendo ser rotuladas em um padrão
principalmente com o trecho “Chegamos ao limite da estético de gênero, exemplificam essa condição: Maldi-
água mais funda”. Além das frases, as próprias imagens tos Cromossomos, de Pitty, Camila Camila, de Nenhum
utilizadas no videoclipe dirigido por Gregório Gananian de nós, e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365.
remetem ao regime militar. São expostas imagens de Por outro lado, as canções Me deixe mudo, de Walter
armas, militares, objetos de tortura, queimadas e mui- Franco, Trevas, de Jards Macalé, e O encontro de lam-
tos hologramas que representam o autoritarismo e pião com Eike Batista, de El Efecto, não podem ser classi-
seus resultados. ficadas dentro de um gênero musical específico. (Página
14, segundo parágrafo)
Além disso, no meio da canção Jards utiliza de
meios sonoros para remeter sua música à tortura. Um Estruturas
exemplo disso é o momento que sua voz simula um
afogamento, método supostamente utilizado para tor- Na produção de obras musicais, é possível ana-
tura durante o regime militar no Brasil. lisar tipos de textos repletos de significados, bem como
suas diferentes estruturas, como é percebido nas músi-
O trecho “Chegamos ao limite da água mais cas Encontro de Lampião com Eike Batista, interpretada
funda/levanto o olhar pro céu” é claramente uma bos- pela banda El Efecto, O real resiste, de Arnaldo Antunes
sa-nova, assim como no trecho solo da guitarra, mas e Dona de Mim, de Iza, Ilumina o Mundo, de Detonau-
nos demais momentos a canção assume uma sonorida- tas, e Trevas, de Jards Macalé, composições musicais e/
de mais sombria ao som de uma marcha, que parece ou linguísticas que dialogam com estruturas ideológicas
anunciar “Trevas”. A execução da obra é feita por voz, do seu analisa os tempo ou de outros tempos, como Cá-
guitarra, baixo, violão e bateria. lice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Camila Camila, de


Nenhum de nós, e Solange, interpretada pela banda So-
lange. (Página 18, quarto parágrafo)

Cenários contemporâneos
Citações da Obra na Matriz de Referências
A música O encontro de Lampião com Eike Ba-
O ser humano como um ser que interage tista, da Banda El Efecto (2012), apresenta, a partir de
um tema folclórico, ideias de permanências e rupturas
A criação artística permite aproximações com ao concatenar séries de sons e escolhas sobre sua orga-
temas complexos para as interações humanas como o nização, diversidade de ritmos e andamentos, o que evi-
silêncio presente na canção Me deixe mudo, de Walter dencia o caráter contingente, processual e vivo da obra,
Franco,o sombrio, presente em Trevas, de Jards Macalé, e pode ser observado, por sua vez, na constituição de
o suicídio, presente em Ilumina o mundo, do grupo De- fatos históricos. Por outro lado, a música Trevas (2019),
tonautas, as heranças e reproduções comportamentais, de Jards Macalé, problematiza discursos e eventos que
presentes em Malditos cromossomos, da cantora Pitty. marcaram a história brasileira e mundial, sob a perspec-
(Página 7, primeiro parágrafo) tiva da ideia de liberdade e de resistência. Esse debate
estabelece um diálogo com Ilustrações críticas – Sátiras
Indivíduo, cultura, estado e participação política
Desigualdade Social, de Pawel Kuczynski. (Página 27,
No contexto musical, algumas obras alinham-se quarto parágrafo)
às possibilidades de transformação social e conceitual. A
Análise de dados
relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem
como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada Vale lembrar novas modalidades de linguagem
em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com surgidas em relação ao desenvolvimento industrial, ao
helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para aumento da população mundial e, consequentemente,
o fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal; do consumo. Nessa perspectiva, a mistura de lingua-
6º movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas; gens e contextos pode ser estudada nas obras Trevas, de
8º movimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Mes- Jards Macalé, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade

Tudo Sobre o PAS UnB 66


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Social, de Pawel Kuczynski, Guevara vivo ou morto, de


Claudio Tozzi, Autorretrato na fronteira do México e dos
EUA, de Frida Kahlo, e O encontro de lampião com Eike
Batista, de El Efecto. (Página 42, quarto parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 67


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Músicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tudo Sobre o PAS UnB 68


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes
Visuais
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

“A sorte favorece a mente


preparada ”.
(Louis Pasteur)
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Gráficos e Estatísticas
OBRAS COBRADAS NA PROVA DE 2020

Palácio do
Itamaraty

Ponto de
Morro da Favela
Encontro

Autorretrato na
Fronteira

OBRAS COBRADAS NA PROVA DE


2020

2 2
1

Tudo Sobre o PAS UnB

71
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Controle de Desempenho
Total Porcentagem
Itens Itens Escore
Obra de
certos errados
de itens
bruto
itens certos
Acordeonista
Autorretrato como um Soldado
Morro da Favela
Autorretrato na Fronteira
Mestiço
Hidalgo Incendiário
Navio de Emigrantes
Ritmo de Outono nº 30
Guevara Vivo ou Morto
Meteoro
Série Roupa-Corpo-Roupa: O Eu e o Tu
Ponto de Encontro
Palácio do Itamaraty
Trouxas Ensanguentadas
Rhythm 0
Através
Ilustrações Críticas
Santa Ceia Moderna

Tudo Sobre o PAS UnB

72
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Acordeonista - Pablo Picasso

Autor
Pablo Ruiz Picasso nasceu em 1881 em Mála- No período da I Guerra Mundial, coincidindo
ga, Espanha, e faleceu em 1973 na cidade de Mougins, com a perda de sua esposa, Eva Gouel, Picasso começa
França. Filho do pintor e professor de desenho José Ruiz pinturas mais sombrias, que oscilavam entre o Classicis-
Blasco e de Maria Picasso y Lopez, de onde herdou o so- mo e o Cubismo. Em 1925, de acordo com André Breton,
brenome pelo qual é conhecido, Picasso mostrou talento o artista começa a se aproximar do Surrealismo, com “fi-
para as artes desde jovem. Seu tema favorito na infância guras polimórficas infladas e abordagem erótica”.
eram as touradas. Sua primeira obra, aos oito anos de
idade, é chamada O Toureiro, quadro que preservou e Em 1930, Picasso começa a retratar figuras femi-
guardou consigo durante toda sua vida. Em 1896 recebe ninas em uma grande variação de estilos, ainda utilizan-
do pai um estúdio alugado, que se torna seu primeiro do do erotismo e de paisagens fantásticas.
ateliê. Nessa época mantém contato com grupos de ar-
tistas e literatos de Barcelona, onde morava. Durante a Guerra Civil Espanhola, em 1937, ele
pinta Guernica, uma de suas obras mais reconhecidas.
Na mesma época é admitido com louvor na es- Guernica foi uma cidade bombardeada durante a guerra.
cola de arte La Lonja, mas em 1897 muda-se para Ma- Na tela, o artista denuncia anos de guerra, utilizando de
drid e ingressa na Real Academia de Belas-Artes de San elementos surrealistas, cubistas e de referências mistas.
Fernando, academia de arte renomada da Espanha. No Pablo Picasso morreu em 1973, na França, de insuficiên-
mesmo ano adoece com escarlatina e é forçado a voltar cia cardíaca.
para Barcelona.

Em 1900, Picasso começou a transitar também


por Paris. Na cidade, deu início às suas pinturas da fase
conhecida como Fase Azul, em que predominavam as co-
res azuis e os temas sociais. Em 1904, sua pintura se tor-
na mais luminosa, com tons de rosa e figuras circenses,
dando início a então chamada Fase Rosa.

Em 1907, o artista pinta uma obra importantíssi-


ma, Les Demoiselles D’Avignon, uma pintura influenciada
por esculturas africanas. Nela, Picasso rompe com hie-
rarquia figura-fundo e elimina a profundidade espacial,
colocando inúmeros pontos de vista simultaneamente.
Picasso também retrata a nudez feminina – que ante-
riormente era representada através de curvas – por meio
de linhas retas e geometrização. Neste quadro, temos o
marco zero do Cubismo. No mesmo ano, Picasso junta-se
a Georges Braque e começa ali a construir um novo mo-
vimento, o Cubismo:
“Picasso e Braque iniciam, em parceria, a elaboração de uma
linguagem baseada na fragmentação do espaço pictórico em
planos determinados pela simultaneidade de pontos de vis-
ta. Esta experimentação realizada em naturezas-mortas e re-
tratos, marca o surgimento do Cubismo, que apresenta, em
termos cromáticos, cinzas, ocres e pretos.” (ACERVO ROTEI-
ROS DE VISITAS 37, MAC USP, 200)
Acordeonista. Internet: <www.product.hstatic.net/>

Ao longo de sua carreira, Picasso trabalhou tan-


to com pintura quanto com escultura e cerâmica. No en- Ficha Técnica
tanto, para ele não importava o gênero de sua produção.
Título original: L’accordéoniste
Nos fins de 1912, Picasso realiza uma série de desenhos e pe- Data: 1911
quenos objetos. ‘Nem pinturas, nem esculturas; são guitar- Estilo: Cubismo
ras’, respondeu a um crítico que visitava seu ateliê (Catálogo Mídia: Óleo em tela
Exposição Mão Erudita, Olho Selvagem, 2016).

Tudo Sobre o PAS UnB 73


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Localização: Museu Solomon R. Guggenheim, em Nova Obra


York
Dimensões: 130.2 x 89.5 cm Na pintura “O acordeonista”, de 1911, é possí-
vel constatar que a imagem foi totalmente desconstruí-
Cubismo da, tornando-se quase abstrata, característica típica do
cubismo.
O cubismo é um movimento artístico marcante
do século XX que representa a natureza através de for- A tela faz parte do cubismo analítico, utilizan-
mas geométricas no mesmo plano, de forma a não re- do pouquíssimas cores e totalmente decomposto. Esta
presentar o mundo figurativamente. obra é formada por inúmeras formas geométricas, em
diferentes tamanhos. As formas têm mais densidade no
Picasso apresenta um projeto estilístico com meio da imagem e também no topo. Há a forma de um
ênfase em aspectos plásticos e abandona a separação triângulo de cima a abaixo, o que pode remeter a um
entre figura e fundo, negando a arte como simples re- acordeão.
presentação da natureza, o que levou o crítico Louis Vau-
xcelles a pronunciar a respeito de Braque que a arte foi “[...] há uma alta superposição de planos, todos os planos
construída em cubos, originando o nome do movimento misturaram-se em apenas um. As formas geométricas estão
presentes e as limitações dos fragmentos e dos tons utiliza-
artístico. O cubismo se divide em duas grandes fases.
dos são feitos pelas linhas retas. Os tons utilizados são cores
frias e pálidas, pois o foco da imagem cubista não está nas
O chamado cubismo analítico foi desenvolvido
cores, mas no espaço pictórico, nas formas geométricas e nas
por Picasso e Braque, aproximadamente entre 1908 e múltiplas faces dos objetos. Não podemos deixar de obser-
1911. Tem como principais características o fragmento var os efeitos que são produzidos pela luz nas múltiplas faces
dos planos, monocromatismo, decomposição de formas, da imagem”. (REIS, 2019)
e explorações estruturais. Para eles, o mais importante
era definir um tema e apresentá-lo de todos os lados si- Para decifrar o conteúdo, porém, é necessário
multaneamente. Essa tendência chegou a uma fragmen- que o observador “una”, mentalmente, as partes do
tação tão grande que se tornou impossível reconhecer todo, à procura de uma compreensão mais concisa da
as figuras das pinturas. obra. No entanto, o título da obra já dá uma noção do
que está sendo retratado: no caso, um homem tocando
Já o cubismo sintético, também conhecido como um acordeão. Contudo, por não ser explicitamente visí-
Colagem, nasce de uma reação às fragmentações exces- vel, resta ao observador imaginar a imagem ali presente.


sivas dos objetos. De forma simples, o cubismo sintético
buscou tornar as figuras reconhecíveis novamente, em-
bora não tenha significado um retorno à representação
da realidade. Entre as principais características do cubis-
mo sintético está a agregação de novos materiais, como Citações da Obra na Matriz de Referências
cartas, jornais, madeira e tipografia, que deram origem
às notáveis colagens praticadas desde então. Dentre O ser humano como um ser que interage
suas obras mais conhecidas no cubismo estão: Mulher As vanguardas europeias do século XX e suas
sentada (1937); Le Rêve (1932); Les Demoiselles d’Avig- expressões latinoamericanas ampliam esse debate ao
non (1907); e Los tres músicos (1921). incorporar aspectos históricos e geográficos em suas pro-
duções como, por exemplo, nas obras Acordeonista, de
Houve uma quebra das ideias tradicionais de Picasso, 1911, Autorretrato como um soldado, de Ernst
realismo e uma inovação em relação à matéria. As pers- Kirchner, 1915, Autorretrato na fronteira do México e dos
pectivas eram constantemente desconstruídas. Houve EUA, de Frida Kahlo, 1932, Mestiço, de Portinari, 1934, e
um rompimento com a ideia de profundidade. O movi- Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco, 1937. (Pá-
mento recusava a ideia de arte como imitação da nature- gina 6, segundo parágrafo)
za. “Não se imita aquilo que se quer criar”, disse Georges
Braque. Indivíduo, cultura, estado e participação política
Nas obras visuais Acordeonista, de Picasso, Me-
O movimento cubista também influenciou a
teoro, de Bruno Giorgi, Ritmo de Outono – número 30,
poesia e outras áreas das artes plásticas como, por
de Jackson Pollock, Através, de Cildo Meireles, e Ponto de
exemplo, as esculturas. Encontro, de Mary Vieira, há diversas possibilidades para
Na Semana de Arte Moderna de 1922, no Bra- perceber e refletir sobre transformações estéticas e a im-
portância da produção artística como representação da
sil, o cubismo teve um importante papel. O movimento
cultura. (Página 11, primeiro parágrafo)
influenciou artistas como Tarsila do Amaral, Anita Malfa-
tti, Ismael Nery e Vicente do Rego Monteiro e Cândido
Portinari.

Tudo Sobre o PAS UnB 74


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tipos e gêneros época. Com as transformações e as inovações estéticas


surgidas com as vanguardas européias e o modernismo
Da mesma forma que há músicas com gêneros brasileiro, alguns artistas ainda dão preferência ao uso
bem definidos e outras para as quais não é possível de- das técnicas tradicionais, como a escultura em mármore
finir, a produção das artes visuais transita por diferentes Meteoro, de Bruno Giorgi e na pintura à óleo presentes
gêneros, tipos e suportes, a começar pela vanguarda eu- em Acordeonista, de Picasso, Mestiço, de Cândido Porti-
ropeia representada pelas obras Acordeonista, de Pablo nari, e Morro da Favela, de Tarsila do Amaral. (Página 38,
Picasso, representante do Cubismo analítico, e Autorre- segundo parágrafo)
trato como um soldado, de Ernst Kirchner, representante
do Expressionismo e integrante do grupo “A ponte”. Em Análise de dados
seguida,o modernismo brasileiro é marcado pelas obras
Meteoro, de Bruno Giorgi, Palácio do Itamaraty, de Oscar Integram também este objeto conceitos relativos
Niemeyer, Mestiço, de Cândido Portinari, e Morro da Fa- aos princípios de contagem (aditivo e multiplicativo), aos
vela, de Tarsila do Amaral. (Página 14, quarto parágrafo) agrupamentos (arranjos, permutações e combinações) e
ao conceito de probabilidade. No campo da matemáti-
Estruturas ca, evidenciam-se as relações desses conceitos com os de
geometria e de padrões numéricos, estimulando o desen-
Em artes visuais, o conceito de estrutura pode ser volvimento de raciocínios dedutivo e indutivo. No campo
verificado na compreensão da composição da imagem no das artes visuais, o Acordeonista, de Pablo Picasso, Ponto
espaço pictórico, assim como na percepção da composi- de encontro, de Mary Vieira, e a obra musical Quarteto
ção e na organização dos elementos da linguagem visual para o fim dos tempos (1º Movimento - Liturgia de Cris-
na produção de obras de arte. Essa perspectiva pode ser tal, 6º movimento- Dança do Furor para as 7 trombetas
observada nas pinturas Acordeonista, de Pablo Picasso, e o 8º movimento - Louvor à imortalidade de Jesus), de
Autorretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, Mesti- Oliver Messiaen, são exemplos de obra para se trabalhar
ço, de Cândido Portinari, Autorretrato na fronteira do Mé- arranjos, combinações e permutações. (Página 42, tercei-
xico e dos EUA, de Frida Kahlo, e Ritmo de Outono -núme- ro parágrafo)
ro 30, de Jackson Pollock. (Página 16, terceiro parágrafo)
Cenários contemporâneos Questões, Justificativas e Dicas
É preciso pensar a complexidade relacionada à Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
configuração dos cenários contemporâneos a fim de com-
preender as possibilidades de inserção do Brasil nesse Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
contexto. A presença do Brasil no cenário internacional
pode ser avaliada desde o movimento do Modernismo, Anotações e Rascunhos
sob uma perspectiva das identidades nacionais na pri-
meira metade do século XX, e está relacionado às obras
Morro da Favela (1924), de Tarsila do Amaral e o Mes-
tiço (1934), de Portinari. Nesse período se consolidou a
ruptura dos valores das estéticas anteriores, representa-
da por variadas linguagens artísticas, com inspiração nos
movimentos de vanguardas europeias, como observado
na obra de Pablo Picasso, Acordeonista (1911) e de Ernst
Ludwig Kirchner, Autorretrato como um soldado (1915),
relacionado ao período da Primeira Guerra Mundial. (Pá-
gina 28, quarto parágrafo)
Número, grandeza e forma
Transformações como essas podem ser observa-
das nas telas Acordeonista, de Picasso, e Ritmo de Outono
- número 30, de Jackson Pollock, no grafite Santa ceia mo-
derna, de Acme, e nos audiovisuais Das raízes às pontas,
de Flora Egécia, e Um cão andaluz, de Luís Buñel e Salva-
dor Dalí. No plano sonoro, essas transformações podem
ser verificadas em Quarteto de cordas com helicópteros,
de Karlheinz Stockhausen, que trabalha com amplificação
dinâmica e permutação de alturas. (Página 32, primeiro
parágrafo)
Materiais
A produção das artes visuais se manifesta de
acordo com os materiais e a cultura da sociedade da

Tudo Sobre o PAS UnB 75


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Autorretrato como um soldado - Ernst
Kirchner

Autor
Ernst Ludwig Kirchner nasceu em 1880, na cida- Ficha Técnica
de de Aschaffenburg, Alemanha. O pintor, escultor e gra-
vurista expressionista alemão foi um dos fundadores do Título original: Selbstbildnis als Soldat
grupo Die Brücke (A Ponte), grupo de artistas também Data: 1915
expressionistas, como Erich Heckel, Otto Müller, Max Pe- Estilo: Expressionista
chstein e Karl Schmidt-Rottluff. Gênero: Autorretrato
A Ponte foi um movimento que teve papel ma- Mídia: Óleo sobre tela
joritário na história do expressionismo. O grupo tinha Localização: Allen Memorial Art Museum, Oberlin Colle-
como objetivo libertar a arte dos valores formais e tra- ge, Ohio, EUA
dicionais. A parceria durou aproximadamente 8 anos, Dimensões: 61cm x 61cm
sendo desfeita em 1913. Um ano antes, em 1912, Ernst
decidiu se alistar ao exército. Entretanto, acabou sendo Expressionismo
dispensado em 1915 após um surto nervoso. Em 1918,
após sua recuperação, Kirchner decidiu se mudar para O movimento artístico conhecido como expres-
um lugar mais rural e partiu em direção à Suíça, onde sionismo sempre foi muito ligado à capacidade de trans-
começou a pintar paisagens de montanhas. Sua obra mitir emoções intensas como forma de expressão. As
continuou, no entanto, a crescer pelo país, em inúmeras obras do grupo eram carregadas de emoção, com seus
exposições. traços crus e paleta de cores vibrantes e não-naturalis-
tas. O que é compreensível, ao se perceber o contexto de
Em 1933, suas obras foram consideradas “dege-
neradas” pelos nazistas, obrigando-o a deixar seu posto fortes emoções pelo qual passava a Alemanha e grande
na Academia de Artes de Berlim. Tal ocorrência levou Er- parte do mundo àquela época. Alguns dos grandes no-
nst a ter mais de 600 de suas obras confiscadas e destruí- mes da época foram Edward Münch, Wassily Kandinsky
das pelo regime. Após ter suas obras confiscadas, e ver e Egon Schiele. O movimento se manifestou na pintura,
a ocupação nazista próxima à residência onde morava, literatura, teatro, cinema e na música.
Kirchner acabou cometendo suicídio, em 1938. Apesar
de muitas das suas obras terem sido destruídas, parte O coletivo expressionista A Ponte ganhou esse
delas foram preservadas por terem sido coletadas pelos nome porque, para os artistas, eles faziam “uma ponte
Estados Unidos desde 1921, o que contribuiu para a pre- entre o passado e o presente”. A ideia era juntar ele-
servação do seu legado. mentos da arte do passado com novos elementos de
vanguarda. Além disso, o grupo acreditava que as cores
deveriam expressar emoções e/ou personalidades.
A primeira exposição do grupo A Ponte se deu
em 1906, e a temática era nudez feminina. Após a sepa-
ração do grupo, em 1913, Kirchner focou em sua produ-
ção individual. Ele desenvolveu um interesse na indus-
trialização, nas grandes cidades e na alienação a qual as
pessoas viviam nos centros urbanos. Em 1915, ele criou
a série Strassenbilde, que retratava a vida moderna e
agitada de Berlim em meio a mudança do cenário po-
lítico da Primeira Guerra. Retratou os impactos desse
momento da cultura alemã em suas telas. Ernst utilizava
pinceladas fortes, expressivas e em cores vibrantes como
azul, laranja, verde e rosa. A perspectiva era distorcida,
como uma forma de rejeição aos moldes tradicionais
academicistas da época. Além disso, em suas obras o
artista apresentava fortes contrastes, utilizando-se das
cores para isso e do jogo entre claro e escuro.
Ernst Kirchner também foi influenciado pelo
Fauvismo –nota-se pelas cores – e pelo Cubismo, que
estava em ebulição à época – e isso constata-se pela
Autorretrato como um soldado. Internet: <pt.wahooart.com>
perspectiva e formas. Diante de tais características, a
bidimensionalidade se tornou marca do artista, que se

Tudo Sobre o PAS UnB 76


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

utilizava, assim como o Cubismo, da falta de perspectiva grantes, de Lasar Segall, Autorretrato como um soldado,
e motivos sobrepostos. A emoção é bastante presente de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz-
em sua obra, sendo visíveis por suas pinceladas curtas zi, e Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco. (Pági-
e agressivas. Há bastante tensão psicológica e as formas na 11, terceiro parágrafo)
são simplificadas.
Tipos e gêneros
Da mesma forma que há músicas com gêneros
Obra bem definidos e outras para as quais não é possível de-
Na obra, o artista se retrata após ter voltado finir, a produção das artes visuais transita por diferentes
da guerra, em 1915. Na tela, ele aparece sem uma das gêneros, tipos e suportes, a começar pela vanguarda eu-
mãos, embora nunca tenha a amputado. ropeia representada pelas obras Acordeonista, de Pablo
Picasso, representante do Cubismo analítico, e Autorre-
Para compreendê-la melhor, podemos compa- trato como um soldado, de Ernst Kirchner, representante
rar a um dos trabalhos anteriores de Kirchner, Autorre- do Expressionismo e integrante do grupo “A ponte”. Em
trato com uma modelo, de 1907. Neste, vemos um Kir- seguida,o modernismo brasileiro é marcado pelas obras
chner jovem em seu ateliê de pintura, vestindo apenas Meteoro, de Bruno Giorgi, Palácio do Itamaraty, de Oscar
um robe e com seus materiais de pintura à mão e um ca- Niemeyer, Mestiço, de Cândido Portinari, e Morro da Fa-
chimbo na boca. Atrás dele, uma moça de vestido curtos vela, de Tarsila do Amaral. (Página 14, quarto parágrafo)
está sentada. As cores são vibrantes, quentes e alegres,
Estruturas
assim remetem a um período de juventude de Ernst.
Em artes visuais, o conceito de estrutura pode ser
Já em Autorretrato como Soldado, nota-se um
verificado na compreensão da composição da imagem no
Kirchner em um momento mais sombrio da vida, após
espaço pictórico, assim como na percepção da composi-
voltar da guerra. As cores frias, como o azul escuro, o
ção e na organização dos elementos da linguagem visual
verde e o preto, dão um tom mais denso à tela. Nela, na produção de obras de arte. Essa perspectiva pode ser
como em Autorretrato com modelo, ele também é retra- observada nas pinturas Acordeonista, de Pablo Picasso,
tado em seu estúdio com materiais de arte ao redor. Mas Autorretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, Mesti-
agora com o olhar vazio e o braço decepado, impossibili- ço, de Cândido Portinari, Autorretrato na fronteira do Mé-
tado de usar seus materiais. xico e dos EUA, de Frida Kahlo, e Ritmo de Outono -núme-
Kirchner não foi literalmente decepado, mas ro 30, de Jackson Pollock. (Página 16, terceiro parágrafo)
podemos interpretar a amputação de forma metafórica, Energia e campos
como alguém que teve sua identidade decepada, o que,
de fato, ocorreu ao artista, que foi desligado do exército Ao viabilizar o uso de novas formas de energia,
após um surto e precisou ser internado para se recupe- torna-se possível a percepção de alterações no ambiente
e a identificação de novos cenários energéticos a partir do


rar do trauma.
século XX. As obras Autorretrato na fronteira do México e
dos EUA, de Frida Kahlo, Autorretrato como um soldado,
de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio To-
zzi, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social, de
Citações da Obra na Matriz de Referências Pawel Kuczynski, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral,
e Navio de emigrantes, de Lasar Segall, incitam reflexões
O ser humano como um ser que interage sobre as situações-problemas e mudanças nos sistemas
As vanguardas europeias do século XX e suas de produção e conflitos. Na sociedade contemporânea, a
expressões latinoamericanas ampliam esse debate ao gestão das matrizes energéticas constitui um importante
incorporar aspectos históricos e geográficos em suas pro- objeto de estudo, exigindo especial atenção aos aspectos
duções como, por exemplo, nas obras Acordeonista, de éticos, ecológicos, políticos e socioeconômicos associados
Picasso, 1911, Autorretrato como um soldado, de Ernst ao seu uso racional. (Página 20, segundo parágrafo)
Kirchner, 1915, Autorretrato na fronteira do México e dos Cenários contemporâneos
EUA, de Frida Kahlo, 1932, Mestiço, de Portinari, 1934, e
Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco, 1937. (Pá- É preciso pensar a complexidade relacionada à
gina 6, segundo parágrafo) configuração dos cenários contemporâneos a fim de com-
preender as possibilidades de inserção do Brasil nesse
Indivíduo, cultura, estado e participação política contexto. A presença do Brasil no cenário internacional
Portanto, o objeto de conhecimento articula sa- pode ser avaliada desde o movimento do Modernismo,
beres, como cultura e mudanças sociais, proporcionando sob uma perspectiva das identidades nacionais na pri-
uma reflexão sobre os fundamentos políticos da participa- meira metade do século XX, e está relacionado às obras
ção social, assim como o desafio da corresponsabilidade Morro da Favela (1924), de Tarsila do Amaral e o Mes-
na manutenção dos valores democráticos. Essas reflexões tiço (1934), de Portinari. Nesse período se consolidou a
podem ser estabelecidas em obras como Navio de emi- ruptura dos valores das estéticas anteriores, representa-

Tudo Sobre o PAS UnB 77


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

da por variadas linguagens artísticas, com inspiração nos


movimentos de vanguardas europeias, como observado
na obra de Pablo Picasso, Acordeonista (1911) e de Ernst
Ludwig Kirchner, Autorretrato como um soldado (1915),
relacionado ao período da Primeira Guerra Mundial. (Pá-
gina 28, quarto parágrafo)
Número, grandeza e forma
Nesta etapa, chama-se a atenção para o estu-
do das relações intrínsecas das representações do plano
cartesiano e polar. Localizar pontos no plano por meio de
coordenadas cartesianas e também associá-los às suas
coordenadas polares é fundamental na compreensão das
duas formas de representação do espaço. Esses conceitos
podem ser exemplificados na construção do espaço pictó-
rico representado em Mestiço, de Cândido Portinari, Au-
torretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, e Navio
de emigrantes, de Lasar Segall. (Página 32, quarto pará-
grafo)
Espaços
Nesse sentido, as contradições estão bem marca-
das no século XX, que foi palco de revoluções e guerras
que reconfiguraram o cenário mundial, temáticas abor-
dadas na obra Sobre violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
Arendt, na tela Autorretrato como um soldado, de Ernst
Kirchner, o afresco Hidalgo incendiário, de José Clemen-
te Orozco, a música Quarteto para o fim dos tempos (1º
Movimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à
imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, e as cartas
Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Guer-
ra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página 35, terceiro
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 78


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Morro da Favela - Tarsila do Amaral

Autora
Tarsila de Aguiar do Amaral nasceu em 1 de se- tória, ela pintou flores da Amazônia, favelas e pessoas
tembro de 1886 em Capivari, São Paulo. Filha de José comuns com uma estética cravada em tons pastéis. A
Estanislau do Amaral e Lydia Dias de Aguiar do Amaral, artista misturou as influências europeia e brasileira sem
cresceu em uma fazenda que fora herdada por seu pai. privilegiar nenhuma delas, colocando tanta ênfase em
Antes de se mudar para Paris, em 1920, a artista estudou seu estilo arrojado quanto em experiências cotidianas.
piano, escultura e desenho.

Na Europa, frequentou a Académie Julian, uma


renomada escola de arte sediada na França. Durante as
estadias subsequentes na capital francesa, a artista con-
viveu com artistas da estatura de André Lhote, Albert
Gleizes e Fernand Léger, cumprindo o que chamava de
“serviço militar no cubismo”, num processo que estabe-
leceu o estilo característico de paisagens vibrantes, cores
exuberantes e cenas cotidianas — marcas registradas de
um cenário “tarsiliano”.

Em 1928, ela pintou o Abaporu para o marido,


o poeta Oswald de Andrade. A obra inspirou o Manifes-
to da Antropofagia e tornou-se a bandeira de um movi-
mento artístico em que Oswald imaginava uma cultura
brasileira oriunda da digestão simbólica de influências Morro da Favela. Internet: <virusdaarte.net>
europeias, das quais os modernistas começavam a se
libertar. O primeiro passo seria desmantelar a mentali- Ficha Técnica
dade acadêmica que ainda reinava em escolas de arte. O
maior desafio, no entanto, era assumir um espírito mo- Autor: Tarsila do Amaral
dernista europeu enquanto resistia à dependência cul- Data: 1924
tural da Europa. Tarsila sentiu esse impulso no início de Técnica: óleo sobre tela
sua estadia em Paris. Depois de apenas dois meses lá, ela Dimensões: 64 cm × 76 cm
escreveu que se sentia “cada vez mais brasileira”. “Quero Movimento: Modernismo
ser a pintora do meu país”, confessou a artista em uma
carta enviada para a família em 1923. Modernismo
Naquele mesmo ano, ao fim de sua estadia em O Modernismo brasileiro foi um movimento es-
Paris, Tarsila pintou “A Negra”. O trabalho mostra uma tético pós-Primeira Guerra Mundial que tentou trazer
mulher cujo corpo nu apresenta proporções exageradas. o pensamento nacional a par dos tempos modernos,
A figura preenche a maior parte da tela, o fundo é com- criando métodos autenticamente brasileiros de expres-
posto por blocos abstratos de cores; ela olha friamente são nas artes. Contra o academismo e a influência euro-
para o espectador. Tarsila substituiu a onipresente repre- peia que sentiam dominar as artes no Brasil, os moder-
sentação europeia da banhista nua por uma negra bra- nistas rejeitaram a dependência tradicional dos valores
sileira. Foi a primeira de muitas obras de arte em que literários portugueses, tentando em seus trabalhos re-
Tarsila subverteria uma tradição europeia para afirmar fletir o discurso coloquial do Brasil e tratando frequente-
a presença brasileira. Ainda assim, a pintura não é con- mente de temas tipicamente locais, como o folclore. Eles
siderada um retrato de empoderamento. Tarsila disse experimentaram formas e a linguagens literárias, usando
mais tarde que “A Negra” foi inspirada pela escrava que verso livre e sintaxe pouco convencional: a preocupação
morava em sua fazenda familiar na zona rural de São com a reforma literária era principalmente um meio de
Paulo. A escravidão foi abolida no Brasil em 1888, ape- reforma social e não um fim em si mesmo.
nas dois anos após do nascimento da artista.
O movimento modernista ganhou amplo re-
Nascida numa família escravagista, onde tudo, conhecimento por meio da Semana de Arte Moderna,
segundo suas escrituras, “cheirava a França” durante a evento realizado em São Paulo em 1922, provocando po-
infância, Tarsila abordou temas que, para muitos artistas lêmica com palestras sobre os objetivos do modernismo
daquela época, não seriam considerados sofisticados ou e leituras de obras de poetas modernistas como Mário
sérios o bastante para estampar uma tela. Em sua traje- de Andrade. O movimento, no entanto, logo se dividiu

Tudo Sobre o PAS UnB 79


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

em vários grupos com objetivos diferentes - alguns mo- nização. Trajados em vestimentas que remetem ao estilo
dernistas, entre eles Oswald de Andrade, concentraram- da população quilombola, os personagens afro-brasilei-
-se especificamente nos objetivos políticos do movimen- ros presentes na pintura povoam um setor habitacional
to; outros, como Manuel Bandeira, considerado o maior constituído por casas coloridas de arquitetura popular
dos poetas modernistas, simpatizavam com os princípios erguidas sobre terreno de terra batida.
estéticos, sem interesse em ativismo.
Na obra, que é carregada de cores vibrantes, é
Em 1930, o Modernismo havia perdido coerên- possível observar uma mulher negra com saia azul, blusa
cia como movimento, embora seus organizadores conti- branca e um lenço na cabeça. Próximo a ela há um ho-
nuassem a escrever no idioma modernista. Sua influência mem negro com calça azul e blusa branco. Os braços do
no desenvolvimento da literatura brasileira contemporâ- homem chamam a atenção por serem longos e parece-
nea tem sido profunda tanto pelas inovações estilísticas rem fortes. Ao lado há duas crianças, que parecem ob-
quanto pela ênfase no folclore e em temas nativos. servar os dois adultos. Abaixo há uma menina que está
subindo o morro junto a um cachorro que fareja o chão.
Obra
Segundo Arvelos (2017, p. 50), “o casal de ne-
“Eu invento tudo na minha pintura. E o que eu vi ou sen- gros e as três crianças com o cachorro parecem manter
ti, eu estilizo.” relações de proximidade familiar e afetiva, demonstran-
do esse caráter de humanização dos sujeitos da favela
A frase de Tarsila do Amaral é um elemento fun- propostos por Tarsila”. Enquanto isso, no fundo da tela e
damental àqueles que desejam encarar as críticas sociais na casa azul há uma mulher com vestido rosa que parece
presentes nas obras idílicas da renomada pintora como observar o varal de roupas à sua frente, que reforça a
um retrato do Brasil da década de 1920. Na contramão ideia de ambiente doméstico.
da lógica cubista, que prega a redução da figura humana
a modelos anônimos da civilização urbana, Tarsila ofe- Morro da Favela (1924), por Guilherme Giufrida:
rece destaque aos personagens cariocas de suas obras.
“A atual denominação “favela” vem do chamado morro da
Nas telas da artista, o morro é tido como o lu- Favela, que se situava onde hoje é o morro da Providência,
gar em que a vida e as manifestações populares ocorrem no Rio de Janeiro, uma das primeiras ocupações de moradia
informal da população marginalizada em um morro carioca.
desprendidas de convenções urbanas. Apesar de apre-
Localizado na zona portuária do Rio de Janeiro, próximo ao
sentar uma população marginalizada, nos morros das cais do Valongo, o maior porto de entrada de escravizados
telas de Tarsila não há drama social e as cores são vivas e do mundo, a origem do morro da Favela está no processo de
felizes (ARVELOS, 2017). remoção da população pobre do centro da cidade para que
fosse efetuada a abertura de novas avenidas na gestão do
De 1924 a 1928, Tarsila já havia se tornado uma prefeito Pereira Passos (1836–1913), de 1902 a 1906. Seus
aclamada figura do movimento modernista brasileiro, na primeiros moradores eram soldados egressos da guerra de
fase de suas obras denominada como Pau-Brasil. Foi por Canudos (Bahia, 1896–1897), de onde vem o termo “favela”,
meio da plataforma célebre a ela conferida que a artista uma planta da região. Tarsila do Amaral visitou o Rio de Ja-
neiro no Carnaval de 1924, ano em que pintou três paisagens
retratou a realidade do Brasil dos anos 1920. À época,
cariocas: Morro da Favela, Carnaval em Madureira e E.F.C.B.,
devido à reestruturação do centro histórico da cidade do em referência à Estrada de Ferro Central do Brasil. O cenário
Rio de Janeiro, efetuada a fim de atrair investimentos, no Morro da Favela surge como uma zona rural habitada pela
as populações mais pobres, em maioria ex-escravos e população negra, povoada por casas coloridas e vegetação
seus descendentes, foram expulsas da cidade grande e tarsiliana. Em meio às casas de alvenaria geometrizadas e
isoladas em morros, onde abrigaram-se, formando co- pintadas de rosa, branco e azul, encontram-se barracos de
munidades que serviram de espaço ao modelo contem- madeira escura que parecem mal se sustentar verticalmen-
porâneo de favela. te, assumindo posturas semelhantes às das plantas, espre-
midos entre as outras casas. Seis personagens negros e dois
Foi em fevereiro de 1924 que, acompanhada animais povoam a paisagem. Discípula de Fernand Léger
(1881–1955) e da estilização geometrizada cubista, Tarsila
de Oswald, Blaise Cendrars e Olívia Guedes Penteado, ordena os elementos de um relevo acidentado através de
Tarsila chegou de Paris para passar o Carnaval no Rio de faixas horizontais, distribuídos harmonicamente pela tela.
Janeiro. A experiência lhe rendeu inspiração para pintar Obra central da primeira exposição de Tarsila do Amaral em
três paisagens que têm o Rio de Janeiro como referência: Paris, pode-se dizer que esta pintura contribuiu com uma
“Morro da Favela”, “Carnaval em Madureira” e “E.F.C.B”, certa invenção moderna da favela como imagem carioca, no
em referência à Estrada de Ferro Central do Brasil. contexto da pintura de cenas nacionais estereotipadas para
exportação. A favela aparece romantizada, higienizada, sem
Oscilante entre o vaivém cosmopolita e a har- privações, conflitos, repressão policial ou contrastes sociais,
monia rural, no cenário de “Morro da Favela”, a autora mas como um modo de vida interiorano em meio à cidade.”
se coloca em posição de observadora de um cenário que
carrega uma aura de pacifismo, respeitabilidade e orga-

Tudo Sobre o PAS UnB 80


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Estruturas

A forma de organização dos elementos (pontos,


Citações da Obra na Matriz de Referências linhas, curvas) no espaço delineia uma imagem e, conse-
quentemente, as características de um movimento artísti-
O ser humano como um ser que interage co, como é o caso das obras visuais Navio de emigrantes,
de Lasar Segall, Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi,
Nesse sentido, é possível pensar nas interações Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e das músicas O
humanas em suas dimensões estética, ética, política e psi- Real Resiste, de Arnaldo Antunes, Dona de Mim, interpre-
cológica, considerando que a capacidade para interagir tada por Iza, Não Recomendado, interpretada pelo trio
permite criar valores, deslocar perspectivas e fundar me- Não Recomendados e Elevação Mental, de Triz, que ilus-
todologias e instituições. É possível discutir a respeito de tram perspectivas críticas sobre a diversidade estrutural.
condições dignas e sustentáveis para a existência humana (Página 17, primeiro parágrafo)
no planeta a partir da obra Trouxas ensanguentadas, de
Artur Barrio, da performance Rhythm 0, de Marina Abra- Energia e campos
movic, dos documentários À margem do corpo, de Débora
Diniz, das pinturas Morro da favela, de Tarsila do Amaral, Ao viabilizar o uso de novas formas de energia,
Navio de emigrantes, de Lasar Segal, e da novela O recado torna-se possível a percepção de alterações no ambiente
do morro, de João Guimarães Rosa. (Página 4, quarto pa- e a identificação de novos cenários energéticos a partir do
rágrafo) século XX. As obras Autorretrato na fronteira do México e
dos EUA, de Frida Kahlo, Autorretrato como um soldado,
Indivíduo, cultura, estado e participação política de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz-
zi, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social, de
O ser humano, pensado como indivíduo (inte- Pawel Kuczynski, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral,
grante de grupos sociais, econômicos e culturais) com e Navio de emigrantes, de Lasar Segall, incitam reflexões
uma identidade em formação no tempo histórico e bio- sobre as situações-problemas e mudanças nos sistemas
gráfico, estabelece relações com gerações passadas e pre- de produção e conflitos. Na sociedade contemporânea, a
sentes, o que favorece a análise crítica de situações diver- gestão das matrizes energéticas constitui um importante
sas. Diferentes olhares sobre esses aspectos são expressos objeto de estudo, exigindo especial atenção aos aspectos
nas pinturas Mestiço, de Portinari, e Morro da Favela, de éticos, ecológicos, políticos e socioeconômicos associados
Tarsila do Amaral e também na obra audiovisual Das raí- ao seu uso racional. (Página 20, segundo parágrafo)
zes às pontas, de Flora Egécia, documentário que elenca o
papel da estética na construção da identidade coletiva e a Ambiente e evolução
ação política da população afrobrasileira. Temática tam-
bém desenvolvida na produção Entenda o que é Racismo Este objeto volta-se para a célula e seus diversos
Estrutural - Canal do Preto, possibilitando o debate acerca processos, tais como: a respiração celular, a fotossíntese e
do legado da escravidão e seus efeitos no campo econô- a quimiossíntese, que auxiliam na compreensão das teo-
mico e cultural nas relações raciais constituídas no país. A rias evolutivas, e se deve considerar as condições do am-
literatura, que reflete a nossa sociedade e nela atua, de- biente na Terra, no momento do surgimento da vida, e
nuncia e questiona o racismo estrutural como um dos ele- observar que há relações entre os elementos então dispo-
mentos construtores da sociedade brasileira. Por isso, a níveis e as reações acima citadas. Esses processos podem
importância de se valorizar a produção literária de escri- ser percebidos na tela Morro da favela, de Tarsila do
toras e escritores negros com a leitura do poema Que- Amaral, que representa o ambiente da favela com sua ve-
branto, de Cuti, e o conto Maria, de Conceição Evaristo. getação como a planta favela, e na novela O Recado do
(Página 9, segundo parágrafo) Morro, de João Guimarães Rosa, em que a narrativa está
intimamente ligadas à paisagem do interior mineiro a
Tipos e gêneros partir de descrições que atestam um conhecimento minu-
cioso de gentes, plantas e bichos em contato com o am-
Da mesma forma que há músicas com gêneros biente sertanejo. Desse modo é necessário que se discuta
bem definidos e outras para as quais não é possível defi- a manutenção do meio, visto que as ações humanas inter-
nir, a produção das artes visuais transita por diferentes ferem no ecossistema Terra de modo contundente. Tor-
gêneros, tipos e suportes, a começar pela vanguarda eu- nou-se imprescindível avaliar ações para a manutenção
ropeia representada pelas obras Acordeonista, de Pablo da existência do Planeta. (Página 24, primeiro parágrafo)
Picasso, representante do Cubismo analítico, e Autorre-
trato como um soldado, de Ernst Kirchner, representante Cenários contemporâneos
do Expressionismo e integrante do grupo “A ponte”. Em
seguida,o modernismo brasileiro é marcado pelas obras É preciso pensar a complexidade relacionada à
Meteoro, de Bruno Giorgi, Palácio do Itamaraty, de Oscar configuração dos cenários contemporâneos a fim de com-
Niemeyer, Mestiço, de Cândido Portinari, e Morro da Fa- preender as possibilidades de inserção do Brasil nesse
vela, de Tarsila do Amaral. (Página 14, quarto parágrafo) contexto. A presença do Brasil no cenário internacional
pode ser avaliada desde o movimento do Modernismo,

Tudo Sobre o PAS UnB 81


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

sob uma perspectiva das identidades nacionais na pri-


meira metade do século XX, e está relacionado às obras
Morro da Favela (1924), de Tarsila do Amaral e o Mes-
tiço (1934), de Portinari. Nesse período se consolidou a
ruptura dos valores das estéticas anteriores, representa-
da por variadas linguagens artísticas, com inspiração nos
movimentos de vanguardas europeias, como observado
na obra de Pablo Picasso, Acordeonista (1911) e de Ernst
Ludwig Kirchner, Autorretrato como um soldado (1915),
relacionado ao período da Primeira Guerra Mundial. (Pá-
gina 28, quarto parágrafo)

Materiais

A produção das artes visuais se manifesta de


acordo com os materiais e a cultura da sociedade da
época. Com as transformações e as inovações estéticas
surgidas com as vanguardas européias e o modernismo
brasileiro, alguns artistas ainda dão preferência ao uso
das técnicas tradicionais, como a escultura em mármore
Meteoro, de Bruno Giorgi e na pintura à óleo presentes
em Acordeonista, de Picasso, Mestiço, de Cândido Porti-
nari, e Morro da Favela, de Tarsila do Amaral. (Página
38, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 82


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Autorretrato na Fronteira do México e dos
EUA - Frida Kahlo

Autora
Magdalena Carmen Frida Kahlo Calderón, mais de Frida e colocou um espelho no teto para que a filha
conhecida como Frida Kahlo, foi uma artista plástica nas- pudesse pintar. Com o espelho, Kahlo se olhava e pintava
cida em 6 de julho de 1907, em Coyoacán, no México. seus autorretratos, foi aí que começou a sua produção.
Frida foi reconhecida mundialmente por suas pinturas
coloridas e vibrantes, suas vestes extravagantes e tam- Frida casou-se, aos 21 anos, com Diego Rivera,
bém por sua militância política. também pintor e bastante conhecido na época. O casa-
mento foi bastante conturbado, cheio de idas e vindas
Situações da vida da própria artista passaram e traições. Os dois se juntaram para encontros não só
a ser cenários para as pinturas de Frida, como aborto, românticos, mas também artísticos e políticos. Eles eram
problemas de saúde, autorretratos, relacionamentos e conhecidos também pela participação no Partido Comu-
afirmação da própria identidade. Frida abordou temas, nista Mexicano. Durante esse tempo, Frida teve diver-
ainda pouco recorrentes às artes até aquele momento, sos problemas de saúde, diversos amantes, assim como
como aborto, feminicídio, questões identitárias, sexua- Diego, e chegou a ter 3 abortos espontâneos, devido às
lidade e questões étnicas. (“Unos Cuantos  Piquetitos”, sequelas do acidente. (“Hospital Henry Ford”, de 1932).
de 1937). A interpretação de sua obra, portanto, exige Foi necessário, ainda, que a artista utilizasse um colete
minimamente um conhecimento sobre sua vida pessoal, ortopédico – item que é bastante visto em suas pinturas.
além do contexto social e político em que Frida vivia. (“A coluna partida”, de 1944).

Com Frida, a  identidade era uma extensão de Frida começou sua carreira no México, mas pas-
sua arte. Suas sobrancelhas grossas e marcadas, suas sou a ser conhecida mundialmente após sua mudança,
roupas longas coloridas e de estampas étnicas, seus com Diego, para os Estados Unidos, em 1930. Lá, fez sua
inúmeros acessórios coloridos eram não só chamativos, primeira exposição individual, em Nova Iorque. Kahlo foi
mas também identitários, representando diversas cultu- a primeira artista mexicana a expor no Museu do Louvre,
ras do México, especialmente indígenas. em Paris.

Alguns críticos de arte sugeriram que Frida fazia Apesar das idas e vindas com Diego, os dois fi-
pinturas surrealistas. Sua obra é composta por elemen- caram juntos até o fim da vida. (“Diego e eu”, de 1949).
tos que se assemelham à estética surrealista, como a Em 1953, a saúde de Frida piorou, e infelizmente a ar-
abstração e criação de cenas irreais. No entanto, a ar- tista teve uma perna amputada. Kahlo morreu no ano
tista alegava que nunca pintou sonhos, mas sua própria seguinte, em 13 de julho de 1954, de embolia pulmonar,
realidade. no México.

Frida teve uma trajetória de vida bastante trá-


gica, passando por doenças, perdas e acidentes. Aos 6
anos, ela teve poliomielite. Esta doença deixou uma de
suas pernas mais fina do que a outra e um pé atrofiado.

Filha do fotógrafo Guillermo Kahlo, Frida come-


çou a sofrer influência do pai e se interessar pelo campo
das artes. Porém, ainda jovem, Frida entrou na Escola
Nacional Preparatória de San Ildefonso, na Cidade do
México, onde estudou medicina, porém não continuou
os estudos. Aos 18 anos, Frida sofreu um grave acidente:
o bondinho em que andava foi atingido por um ônibus.
O para-choque de um dos veículos atravessou-lhe das
costas até a vagina, o que causou uma fratura pélvica,
dentre outras lesões no corpo. A jovem ficou seriamente
ferida. Passou por mais de 30 cirurgias e ficou um longo Autorretrato na fronteira do México e EUA. Internet: <www.Ebiografia.com>
tempo de cama.

Mas foi após essa ocorrência que a pintura to- Ficha Técnica
mou grande parte da vida da artista. Como não podia Título Original: Autorretrato en la Frontera Entre Mexi-
nem se mover, Frida decidiu optar pela pintura como sua co y los Estados Unidos
atividade principal. A mãe adaptou um cavalete na cama Data: 1932

Tudo Sobre o PAS UnB 83


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Estilo: Arte Naïve (Privitivismo), Surrealismo Obra


Gênero: Autorretrato, pintura simbólica
Mídia: Óleo sobre tela No que diz respeito às questões psicanalíticas,
Localização: Maria Rodriquez de Reyero Collection, New o ponto mais interessante a ser levantado quanto à pro-
York City, NY, US dução pitoresca de Frida Kahlo certamente é a presença
de inúmeros autorretratos. Acredita-se que essa forma
Dimensões: 31 x 35 cm
de expressão tenha influência direta de seu pai, Guiller-
mo Kahlo, também artista, embora voltado para o ramo
Contexto fotográfico. É possível também uma conexão entre a es-
Frida considerava-se “filha da Revolução Mexi- tética da artista mexicana e a de artes bálticas, devido
cana”, que ocorreu de 1910 a 1920. Ela cresceu em meio a um imaginário católico, mas também aos muralismos
a conflitos armados, lutas camponesas e zapatistas. Ape- mexicanos, muito fortes na época.  
sar de estar inserida em um forte contexto político e de
militância, a obra de Frida passou pela política com te- Através da imagem da própria artista na tela,
mas que transcendiam a revolução, como sexualidade, o receptor da mensagem que ela passava era capaz de
androginia, identidade, corpo e contextos pessoais. À perceber a profundidade e o drama presentes. Segundo
época, no entanto, não era considerada uma arte decla- a própria Frida, seus autorretratos tinham o objetivo de
radamente política. funcionarem como espelhos vivos de sua alma.    

No México, aproximadamente entre 1910 e Logo, por meio da auto representação, a artista
1950, destacava-se o muralismo. Era uma arte aberta- fazia da sua pintura um espelho único e seu, com o cará-
mente política, feita em muro, com o intuito de se apro- ter objetivo de sustentação e reconhecimento de si pró-
ximar de uma arte popular. Foi de grande importância pria. Segundo Doin (1985), a função especular humana
para disseminar os ideais políticos da época. As obras de torna possível o autoconhecimento, além da aquisição
Frida, por sua vez, tinham dimensões menores e temas e consolidação da integridade e identidade mental por
mais relacionados à vida privada, e não ao contexto po- intermédio de um segundo indivíduo. 
lítico e histórico do México, inicialmente. Porém, após
seu contato com a vida política da época, podemos en- Buscando a restauração de si mesma, numa
contrar traços do muralismo nas obras da artista, como imagem que se assemelha a de um espelho quebrado,
o indigenismo, nativismo e mestiçagem. criando também ilusões quanto a certa ideia de espe-
lho materno, o qual nunca teve no decorrer de sua vida,
Apesar de ser difícil encaixar Kahlo em um mo- Frida se apresenta como não só uma observadora de
vimento, as obras da artista têm traços do surrealismo, nós, os receptores de suas obras, mas também como
da arte naïf, do realismo e nativismo social. Era exímia na alguém que se observa, que enxerga e analisa suas pró-
técnica que utilizava, dominando, por exemplo, a repre- prias dores e questões internas. Ela própria uma vez fa-
sentação da anatomia humana. lou que pintava a si mesma por ser o assunto sobre o
qual melhor conhecia.  
Em 1930, Diego e Frida mudaram-se para os
EUA. Diego Rivera era também artista e grande muralis- Pode-se dizer então que os autorretratos de Fri-
ta. Lá, ele e Frida desenvolveram inúmeros de seus pro- da Kahlo refletem, quase que unicamente, sua vivência
cessos e se aproximaram de outros artistas. Os EUA pas- individual, mas que não cai na representação de uma
savam por um período bastante conturbado: acabavam presença onírica, ou seja, dos sonhos.  Isso se dá pelo
de passar pela Grande Depressão, o que ameaçava toda que se pode observar em todas as esferas da sua pro-
a configuração do sistema capitalista vigente na época. dução artística os porquês de Frida ter essa visão de si
Nesse momento, Frida começou a pintar temas mais re- mesma e do que era externo a ela, como por exemplo
lacionados ao surrealismo, como sonhos e fantasia. sua saúde debilitada, seu acidente ou seu relacionamen-
to amoroso com o pintor Diego.  
E, ainda, o mundo ao redor passava por momen- Na tela “Autorretrato na Fronteira entre México
tos, também, de importantes mudanças: e Estados Unidos”, de 1932, vemos mais um autorretrato
Na Europa dos anos 1930, vivia-se o conturbado período en- de Frida Kahlo acompanhado de elementos simbólicos.
tre guerras onde se armava o cenário para o segundo grande A artista mexicana havia mudado dois anos antes para os
confronto mundial. Em grande parte da América Latina, go- EUA, onde permaneceu até 1933.
vernos antidemocráticos ganhavam força e estabeleciam-se.
O México da primeira metade do século XX, após os levan- Ao observarmos o quadro, vemos que a imagem
tes de 1910, tornou-se, no cenário mundial, uma espécie de da artista se encontra no meio da tela, dividindo-a em
reduto de artistas, intelectuais e políticos de várias partes duas metades. À direita, vemos uma representação dos
do mundo. O país estava sob o governo de Lázaro Cárdenas Estados Unidos, e, à esquerda, uma representação do
(1934 – 1940), conhecido como conciliador de interesses di-
México.
vergentes dentro do país e por conceder asilo político a Tro-
tsky (ASSUNÇÃO, Fernanda Rodrigues, p.110, 2013).

Tudo Sobre o PAS UnB 84


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Podemos fazer um paralelo na imagem em que: mero 30, de Jackson Pollock. (Página 16, terceiro parágra-
no México há nuvens, sol e lua; nos EUA há fumaça e fo)
uma bandeira dos Estados Unidos. No México há cons-
truções ancestrais astecas; nos EUA há prédios e fábri- Energia e campos
cas. No México há vegetação, flores, raízes; nos EUA há
aparelhos eletrônicos, cabos e fios-terra. Ao viabilizar o uso de novas formas de energia,
torna-se possível a percepção de alterações no ambiente
É possível, a partir disso, fazer uma comparação e a identificação de novos cenários energéticos a partir do
entre os dois mundos. Kahlo coloca-se no meio dos dois, século XX. As obras Autorretrato na fronteira do México
considerando-se, então, como a própria fronteira. O e dos EUA, de Frida Kahlo, Autorretrato como um soldado,
quadro possui imagens realistas, mas também diversos de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz-
simbolismos, tanto relacionados à vida pessoal da artista zi, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social, de
quanto aos elementos culturais dos dois países. Pawel Kuczynski, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e
Navio de emigrantes, de Lasar Segall, incitam reflexões
No centro, Frida está em um dos seus trajes sobre as situações-problemas e mudanças nos sistemas
tehuana (de povos originários mexicanos), segurando de produção e conflitos. Na sociedade contemporânea, a
uma bandeira do México na mão direita e um cigarro na gestão das matrizes energéticas constitui um importante
mão esquerda. Porém, os braços estão cruzados, o que objeto de estudo, exigindo especial atenção aos aspectos
inverte os elementos: o cigarro inverte-se para o lado éticos, ecológicos, políticos e socioeconômicos associados
direito, dos EUA, e a bandeira para lado esquerdo, do ao seu uso racional. (Página 20, segundo parágrafo)
México.
Ambiente e evolução
Pode-se imaginar, pela trajetória de Frida e suas
No que se refere à Ambiente e Evolução, cabe ain-
obras relacionadas a sua vida pessoal, que a artista plás- da a análise da relação entre a desigualdade socioeconô-
tica passava por uma reflexão interna em relação a sua mica dos países e as condições de saúde de suas popula-
mudança de país e sobre as condições dos dois mundos ções. Males crônicos afetam países da África, Ásia e
distintos. (Quem era Frida no meio disso? Quem era a América Latina. Alastram-se doenças infecciosas, típicas
Frida mexicana nos Estados Unidos? O que o México re- da miséria e de condições sociais, políticas e econômicas
presentava? O que os EUA representavam?). Frida de- estruturadas em complexas relações internacionais tais
clarou que pintou esse retrato para aliviar a solidão e questões estão presentes na obra Necropolítica, de Achile
saudade que sentia de seu país.


Mbembe, também podem ser debatidas na pintura Au-
torretrato na fronteira do México e dos EUA, de Frida
Kahlo. (Página 25, segundo parágrafo)

Cenários contemporâneos
Citações da Obra na Matriz de Referências
Quanto à formação, à expansão, à dominação e
O ser humano como um ser que interage às crises dos modelos econômicos contemporâneos, ob-
As vanguardas europeias do século XX e suas ex- servam-se o crescimento e a consolidação das diferentes e
pressões latinoamericanas ampliam esse debate ao incor- complexas redes de produção de riquezas: os mecanismos
porar aspectos históricos e geográficos em suas produ- de concentração e distribuição, as alianças sociais suscita-
ções como, por exemplo, nas obras Acordeonista, de das, as políticas econômicas adotadas, a divisão interna-
Picasso, 1911, Autorretrato como um soldado, de Ernst cional do trabalho, os projetos socialistas, o imperialismo,
Kirchner, 1915, Autorretrato na fronteira do México e a formação e a atuação dos grandes monopólios, a for-
dos EUA, de Frida Kahlo, 1932, Mestiço, de Portinari, mação dos blocos geoeconômicos e dos mercados co-
1934, e Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco, muns, confrontos entre modelos antagônicos e as crises
1937. (Página 6, segundo parágrafo) dos modelos econômicos contemporâneos — capitalismo
e socialismo — questões presentes, por exemplo, nas
Estruturas obras Autorretrato na fronteira do México e dos EUA
(1932), de Frida Kahlo e Hidalgo incendiário (1937), de
Em artes visuais, o conceito de estrutura pode ser José Clemente Orozco, que remetem às lutas sociais da
verificado na compreensão da composição da imagem no América Latina no século XX. (Página 29, quarto parágra-
espaço pictórico, assim como na percepção da composi- fo)
ção e na organização dos elementos da linguagem visual
na produção de obras de arte. Essa perspectiva pode ser Número, grandeza e forma
observada nas pinturas Acordeonista, de Pablo Picasso,
Autorretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, Mesti- O conhecimento das possibilidades de ação e das
ço, de Cândido Portinari, Autorretrato na fronteira do suas limitações é fator relevante no entendimento futuro
México e dos EUA, de Frida Kahlo, e Ritmo de Outono -nú- de manutenção da vida na Terra. Essa compreensão é fa-
cilitada pelo uso dos princípios de contagem. O exercício

Tudo Sobre o PAS UnB 85


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

de contar, ao qual se aplicam princípios e métodos estatís-


ticos ou probabilísticos, auxilia a compreensão de ações
relevantes e necessárias que devem ser realizadas no pre-
sente, com o intuito de viabilizar contextos futuros. A re-
flexão sobre essas ações pode ser subsidiada no texto Al-
goritmos Parciais, da Revista Fapesp, na pintura
Autorretrato na fronteira do México e dos EUA, de Frida
Kahlo, e na instalação Ponto de encontro, de Mary Vieira.
Inserem-se, ainda, no contexto da contagem, as possibili-
dades de replicação do código genético de um indivíduo e
o estudo de casos relativos à herança genética, como
pode ser observado no rock and roll Malditos Cromosso-
mos, de Pitty. (Página 32, quinto parágrafo)

Espaços

Considerando essas conjunturas de cenários in-


ternacionais e locais, evidencia-se a relevância de com-
preender a configuração da economia mundial capitalista
do pós-Segunda Guerra Mundial e as consequências so-
cioeconômicas e espaciais dos processos de constituição
do capitalismo mundialmente integrado, como pode ser
pensado a partir de Guevara vivo ou morto, de Claudio
Tozzi, e Autorretrato na fronteira do México e dos E.U.A,
de Frida Kahlo. (Página 36, primeiro parágrafo)

Análise de dados

Vale lembrar novas modalidades de linguagem


surgidas em relação ao desenvolvimento industrial, ao
aumento da população mundial e, consequentemente, do
consumo. Nessa perspectiva, a mistura de linguagens e
contextos pode ser estudada nas obras Trevas, de Jards
Macalé, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social,
de Pawel Kuczynski, Guevara vivo ou morto, de Claudio
Tozzi, Autorretrato na fronteira do México e dos EUA, de
Frida Kahlo, e O encontro de lampião com Eike Batista, de
El Efecto. (Página 42, quarto parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 86


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Mestiço - Candido Portinari

Autor
Candido Torquato Portinari nasceu em 1903 -las em suas produções. Alguns de seus trabalhos focam
no interior de São Paulo em uma fazenda na cidade de principalmente nos operários de café. Como nas obras:
Brodowski. Tinha 11 irmãos, era filho de italianos e de O lavrador de café (1934), Mestiço (1934) e Os retirantes
origem pobre. O pintor, professor, escritor e ilustrador, (1944). Aos 35 anos, Portinari já era reconhecido como
teve contato com a arte profissional a partir de um tra- um dos maiores pintores de sua época.
balho como ajudante, na reparação da igreja Matriz de
Brodowski. No ano de 1970 foi construído o museu casa de
Portinari compondo várias de suas obras. O museu fica
Embora o primeiro registro que tenhamos dos em Brodowski, São Paulo. Cândido faleceu com 59 anos
seus trabalhos seja datado de 1914, sendo este O Re- de idade (1962) por conta de uma grave intoxicação de
trato de Carlos Gomes, um desenho feito do compositor chumbo, presente em suas tintas. O artista brasileiro
em uma carteira de cigarro, sua verdadeira introdução deixou um acervo de quase cinco mil obras, entre eles
no meio artístico se dá alguns anos depois, quando ainda retratos de sua neta que virou uma boa companhia para
adolescente encontra um grupo itinerante de escultores o avô em seus últimos anos de vida.
e pintores italianos que trabalhavam na decoração de
igrejas de cidades interioranas e é convidado a se tornar Quanto à produção artística de Cândido Portina-
um ajudante. ri, vale ressaltar não somente a capacidade de dialogar
e expressar avidamente a arte brasileira e os contextos
Mudou-se para o Rio De Janeiro para estudar nos quais essa se insere, mas também como ela conversa
desenho e pintura no Liceu de Artes e Ofícios, poste- de forma quase que universal, sendo capaz de impactar
riormente começou sua trajetória na Escola Nacional de espectadores independentemente dos seus países de
Belas Artes. Em 1929 Cândido recebe o prêmio do Salão origem. Pode-se dizer que o artista não focava seu tra-
Anual da ENBA, o que o leva a morar em Paris e ter con- balho somente nas situações de miséria, mas sim na vida
tato com artistas de outros países. Nesse período conhe- dessas populações como um todo, buscando abordar e
ceu sua esposa Maria Martinelli e viveram pela Europa representar tanto os aspectos negativos quanto os posi-
por cerca de dois anos. tivos. Sendo assim, hoje é considerado como o “pintor
do Novo Mundo”, o que diz respeito a quem emerge em
Já em 1934, Cândido recebe o prêmio Carne- meio as lutas e aspirações de uma humanidade progres-
gie de Pittsburgh, tornando-se então o primeiro artista sista, sem tratar somente de visionários periféricos e de
modernista brasileiro a ser reconhecido em esfera inter- países emergentes.
nacional. Veio a receber também, uma década depois,
a mais alta comenda francesa: a Ordem Nacional de Le-
gião de Honra.
Aos 32 anos de idade, quando Cândido retornou
ao Brasil, se tornou militante pelo partido comunista.
Chegou a se candidatar a deputado e senador, porém,
perdeu em ambas as candidaturas. Foi professor univer-
sitário de artes plásticas e direcionou alunos que mais
tarde se destacariam. Essa fase do artista é marcada por
voltar do exterior com idealizações nostálgicas para ex-
por no Brasil. O pintor fez questão de expressar a respei-
to de sua infância e cidade onde cresceu, demonstrou
de maneira mais viva, leve e com cores quentes. Dentre
a série que remete a essa fase, estão: Futebol (1935) e
Meninos soltando pipa (1943).
Influenciado pelo expressionismo, surrealismo
e tendo contato com artistas fauvistas, algumas de suas
pinturas possuem detalhes de tais movimentos. Portinari
também retratou a frieza da miséria, a seca do Nordeste
e a fome no país. Criou imagens inquietantes e perturba-
doras que relatam muito sobre sua preocupação pessoal
com as problemáticas da desigualdade social. Por ser um Mestiço. Internet: <www.historiadasartes.com>
artista de origem pobre, ter passado fome e outras difi-
culdades, consegue perceber essas injustiças e ampliá-

Tudo Sobre o PAS UnB 87


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Ficha Técnica Expressionismo


Título: Mestiço O expressionismo surgiu na Alemanha por volta
Autor: Candido Portinari de 1905 e tem nomes como: Ernst Kirchner, Erich Heckel
Ano: 1934 e Karl Schmidt-Rottluff. Também entra em destaque os
Técnica: Óleo sobre tela grandes fundadores do movimento, Edvard Munch com
Dimensões: 81 cm x 65 cm sua obra mais famosa O grito (1893) e Vincent Van Gogh
que foi inspiração para a mobilização artística.  A partir
Contexto das mazelas sofridas pela sociedade daquele período de
diversos conflitos, os artistas apresentavam o que viam.
Um dos grandes marcos da década de 30 foi a Independente do peso emocional e psicológico que a
Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Seus desdobra- produção iria instigar. No Brasil podemos evidenciar no-
mentos mais violentos começaram quando os alemães mes como: Anita Malfatti com diversas criações expres-
invadiram a Polônia, espalhando-se primeiro pela Euro- sionistas dentre elas A boba (1915/16) e O homem ama-
pa e depois pelo resto do mundo. A Alemanha, Itália e relo (1917). Cândido Portinari com Retirantes (1944) e
Japão formaram o grupo do eixo e o Reino Unido, Fran- Criança morta (1944).
ça, URSS e EUA denominaram-se os aliados.
A fim de romper com algumas das tradições
Esse enfrentamento histórico foi dividido em do movimento impressionista, o expressionismo busca
três grandes momentos. O primeiro quando há predo- expressar as emoções humanas. Além de compor uma
minância da Alemanha, o segundo quando há o “equilí- obra em que o olhar subjetivo do autor entra em apre-
brio” entre as influências e o terceiro quando acontece ciação. O expressionismo expressou-se na música, arqui-
o fracasso e rendição dos países do eixo. Os maiores ex- tetura, pintura, escultura, entre outros, como a incrível
termínios em massa ficaram conhecidos como o Holo- Torre Einstein Potsdam (1921), de Erich Mendelsohn. Na
causto e o bombardeamento atômico em Hiroshima e literatura brasileira cita-se Oswald Andrade e Mário de
Nagasaki. Milhões de pessoas foram brutalmente assas- Andrade.
sinadas e cassadas, especialmente quem era judeu, os
contrários ao nazismo, homossexuais, negros, ciganos e O expressionismo possui características como o
pessoas com deficiência. reforço de temas relacionados a agonia, aflição, preocu-
pação, assuntos carregados de tensão e a desaprovação
No Brasil, a denominada Primeira República, das problemáticas sociais. A não representação verossí-
também conhecida como República Velha ou República mil da realidade, o instigar da intuição e sentimentalis-
das Oligarquias, teve seu fim em 1930. Era caracterizada mo, ou seja, os sentimentos se sobressaem em relação a
como oligárquica, pois após acordos políticos e econô- razão. Também eram levadas em questão a personalida-
micos, os governantes paulistas e mineiros concordaram de dos personagens representados e as imagens angus-
em um revezamento para comandar a presidência. O tiantes trazem à tona a dramaticidade da criação.
principal produto de exportação era o café e por ser um
acordo feito entre esses dois estados, denominou-se a Também não é um movimento que se preocu-
política do café com leite, associando a bebida a cada pou em focar nas belezas impostas por padrões. Segun-
estado, respectivamente. do Tilio (2014), “os corpos transformados pelo consumo
de objetivos em busca de satisfação geram, na maioria
A crise de 1929 afetou drasticamente a econo- das vezes, angústia devido às pressões para adaptação
mia do país, atingiu a comercialização brasileira e con- dos indivíduos aos padrões estéticos” (p. 3). Então, al-
sequentemente o desemprego aumentou. Esse cenário guns artistas fazem o uso desproporcional de membros
acentuou a insatisfação quanto ao sistema político vi- em relação ao corpo, o que realça a função, profissão ou
gente, o que deu espaço para o triunfo do movimento terror sofridos. A idealização era desconfigurar a forma
de 30. Finda-se então a república do café com leite e ini- do corpo e fazer emergir o sentimentalismo, os traumas
cia-se o governo de Getúlio Vargas que, principalmente e as angústias que aquela pessoa ou animal, coisa, su-
a partir de 1937 com o Estado Novo, entrou numa via de portou.
monopolização do poder.
No Brasil as artes passaram pela fase de consoli- Obra
dação da semana de arte moderna (1922). Inseriu aper- Cândido passou sua infância em uma fazenda
feiçoamentos, mas sem perder os preceitos do patriotis- de café e isso repercutiu em suas produções. Mestiço foi
mo e nacionalismo e quebra com a visão eurocêntrica. feita em 1934 e faz parte do material da pinacoteca, em
Foi um período de grandes lutas e isso reverberou nos São Paulo. Sua principal função social era a de represen-
simbolismos a respeito do contexto da época, todavia tar o que o Brasil é. Não um país com a maior parte da
com artistas inquietos mais em reafirmar as emoções do população de brancos europeus, mas um país com uma
que os traços esteticamente harmoniosos, seguindo o diversidade racial incomensurável. Portinari trata da
padrão de beleza realista. questão dos menos privilegiados.

Tudo Sobre o PAS UnB 88


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Diante das características descritas, a obra Kirchner, 1915, Autorretrato na fronteira do México e dos
apresenta um trabalhador na lavoura de café em pri- EUA, de Frida Kahlo, 1932, Mestiço, de Portinari, 1934, e
meiro plano, retratando um homem preto, forte e sério. Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco, 1937. (Pá-
Os olhos do homem são mais finos e a sujeira em suas gina 6, segundo parágrafo)
unhas associam-se ao trabalho braçal. As mãos do ho-
mem são maiores que o resto do corpo, acentuando a Indivíduo, cultura, estado e participação política
carga dos trabalhos e a exploração. No segundo plano, O ser humano, pensado como indivíduo (inte-
existe um campo pintado de roxo, uma casa, morros, pe- grante de grupos sociais, econômicos e culturais) com
dras e um espaço com bananeiras, detalhando o fundo uma identidade em formação no tempo histórico e bio-
da imagem e compondo graciosamente toda a obra. O gráfico, estabelece relações com gerações passadas e pre-
uso das cores marrom e roxo dos campos remetem à vi- sentes, o que favorece a análise crítica de situações diver-
talidade da terra. sas. Diferentes olhares sobre esses aspectos são expressos
nas pinturas Mestiço, de Portinari, e Morro da Favela, de
As linhas horizontais presentes em Mestiço clas- Tarsila do Amaral e também na obra audiovisual Das raí-
sificam-no como bidimensional. Para Fabris (1996), “Em zes às pontas, de Flora Egécia, documentário que elenca o
Mestiço, Portinari cria propositalmente um contraste en- papel da estética na construção da identidade coletiva e a
tre a figura que dá título ao quadro e a paisagem, dando ação política da população afrobrasileira. Temática tam-
à primeira uma densidade escultórica de cunho monu- bém desenvolvida na produção Entenda o que é Racismo
mental e apresentando a segunda sinteticamente e com Estrutural - Canal do Preto, possibilitando o debate acerca
uma suave orquestração cromática” (p. 48). do legado da escravidão e seus efeitos no campo econô-
Segundo o dicionário online de língua portugue- mico e cultural nas relações raciais constituídas no país. A
sa1, o significado da palavra mestiço é a mistura entre literatura, que reflete a nossa sociedade e nela atua, de-
raças. Conforme Alves (2018) a mestiçagem brasileira nuncia e questiona o racismo estrutural como um dos ele-
mentos construtores da sociedade brasileira. Por isso, a
advém da mistura entre brancos, pretos e índios e ainda,
importância de se valorizar a produção literária de escri-
“ou seja, a Nação brasileira foi gerada pela e na mestiça-
toras e escritores negros com a leitura do poema Que-
gem. Disto se conclui que toda ideologia hostil à mestiça-
branto, de Cuti, e o conto Maria, de Conceição Evaristo.
gem e aos mestiços brasileiros é, além de racista, hostil
(Página 9, segundo parágrafo)
à Nação brasileira” (p.5). As palavras são carregadas de
simbologias e num país racista, a mestiçagem abstrai Tipos e gêneros
caráter pejorativo, já que não faz parte da branquitude
acrítica. Vale ressaltar ainda que no mundo inteiro as Da mesma forma que há músicas com gêneros
pessoas pretas são tidas como inferiores, resultado de bem definidos e outras para as quais não é possível defi-
uma longa história de escravidão humana, exploração nir, a produção das artes visuais transita por diferentes
física, psicológica, emocional, sexual, entre outras. O gêneros, tipos e suportes, a começar pela vanguarda eu-
privilégio de uns, vulgo brancos, descende de uma tra- ropeia representada pelas obras Acordeonista, de Pablo
jetória extensa de eurocentrismo, colonização, abusos, Picasso, representante do Cubismo analítico, e Autorre-
escravidão, preconceitos e que perpetua o racismo cons- trato como um soldado, de Ernst Kirchner, representante
tantemente até hoje. do Expressionismo e integrante do grupo “A ponte”. Em
seguida,o modernismo brasileiro é marcado pelas obras
A escravidão negra no Brasil trouxe profundas marcas para Meteoro, de Bruno Giorgi, Palácio do Itamaraty, de Oscar
a sociedade contemporânea. A ambiguidade presente no Niemeyer, Mestiço, de Cândido Portinari, e Morro da Fa-
pós-abolição – ao negro não é negado o direito de ser livre, vela, de Tarsila do Amaral. (Página 14, quarto parágrafo)
mas lhe são negadas condições dignas de vida, repetindo-se,
muitas vezes, lógicas semelhantes a da escravidão –, de al- Estruturas
guma forma, persiste nos dias de hoje por meio de práticas
racistas, sejam elas explícitas ou não (NUNES, 2006, p.1). Em artes visuais, o conceito de estrutura pode ser


verificado na compreensão da composição da imagem no
espaço pictórico, assim como na percepção da composi-
ção e na organização dos elementos da linguagem visual
na produção de obras de arte. Essa perspectiva pode ser
Citações da Obra na Matriz de Referências observada nas pinturas Acordeonista, de Pablo Picasso,
Autorretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, Mesti-
O ser humano como um ser que interage ço, de Cândido Portinari, Autorretrato na fronteira do Mé-
As vanguardas europeias do século XX e suas ex- xico e dos EUA, de Frida Kahlo, e Ritmo de Outono -núme-
pressões latinoamericanas ampliam esse debate ao incor- ro 30, de Jackson Pollock. (Página 16, terceiro parágrafo)
porar aspectos históricos e geográficos em suas produ- Ambiente e evolução
ções como, por exemplo, nas obras Acordeonista, de
Picasso, 1911, Autorretrato como um soldado, de Ernst No campo das ciências biológicas, o tema do cor-
po humano, da vida, das relações dos corpos humanos em
1 Disponível em: https://www.dicio.com.br/ conjunto e do ambiente são reflexões permanentes e po-

Tudo Sobre o PAS UnB 89


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

dem ser problematizados na obra Sobre a violência (capí- Materiais


tulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção e a
regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres, de A produção das artes visuais se manifesta de
Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis acordo com os materiais e a cultura da sociedade da épo-
Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do ca. Com as transformações e as inovações estéticas surgi-
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do das com as vanguardas européias e o modernismo brasi-
grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes, na leiro, alguns artistas ainda dão preferência ao uso das
pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de Ma- técnicas tradicionais, como a escultura em mármore Me-
nuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall, na teoro, de Bruno Giorgi e na pintura à óleo presentes em
obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no poe- Acordeonista, de Picasso, Mestiço, de Cândido Portinari, e
ma O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza no Morro da Favela, de Tarsila do Amaral. (Página 38, segun-
mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano dian- do parágrafo)
te de sua própria consciência. (Página 24, quarto parágra-
fo) Questões, Justificativas e Dicas
Cenários contemporâneos Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
É preciso pensar a complexidade relacionada à Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
configuração dos cenários contemporâneos a fim de com-
preender as possibilidades de inserção do Brasil nesse Anotações e Rascunhos
contexto. A presença do Brasil no cenário internacional
pode ser avaliada desde o movimento do Modernismo,
sob uma perspectiva das identidades nacionais na primei-
ra metade do século XX, e está relacionado às obras Mor-
ro da Favela (1924), de Tarsila do Amaral e o Mestiço
(1934), de Portinari. Nesse período se consolidou a ruptu-
ra dos valores das estéticas anteriores, representada por
variadas linguagens artísticas, com inspiração nos movi-
mentos de vanguardas europeias, como observado na
obra de Pablo Picasso, Acordeonista (1911) e de Ernst Lu-
dwig Kirchner, Autorretrato como um soldado (1915), re-
lacionado ao período da Primeira Guerra Mundial. (Pági-
na 28, quarto parágrafo)
Número, grandeza e forma
Nesta etapa, chama-se a atenção para o estudo
das relações intrínsecas das representações do plano car-
tesiano e polar. Localizar pontos no plano por meio de
coordenadas cartesianas e também associá-los às suas
coordenadas polares é fundamental na compreensão das
duas formas de representação do espaço. Esses conceitos
podem ser exemplificados na construção do espaço pictó-
rico representado em Mestiço, de Cândido Portinari, Au-
torretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, e Navio de
emigrantes, de Lasar Segall. (Página 32, quarto parágra-
fo)
Espaços
O espaço, além de ser visto como um local, é tam-
bém um ambiente destinado ao indivíduo e a sua cultura.
Nesta perspectiva, as músicas Dona de Mim, de Iza, Eleva-
ção Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Não reco-
mendado, de Não recomendados, O real resiste, de Arnal-
do Antunes, e a pintura Mestiço, de Portinari, colocam em
destaque a diversidade de pessoas que integram os dife-
rentes espaços urbanos e sociais, além de abordar sobre
as desigualdades sociais e espaciais presentes em contex-
tos contemporâneos. (Página 36, quarto parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 90


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Hidalgo Incendiário - José Clemente
Orozco

Autor
José Clemente Orozco, nascido em 23 de no- No ano de 1922, Orozco se une a Diego Rive-
vembro de 1883, foi um artista mexicano do muralismo. ra, David Alfaro Siqueiros e outros artistas que, juntos,
Ele foi um dos três mais importantes artistas no segmen- deram início ao movimento muralista. Este movimento
to. Destacaram-se Orozco, Diego Rivera e David Alfaro pretendia pôr em prática a concepção de arte de rua,
Siqueiros. Ficaram conhecidos como “Los Três Grandes”, juntamente com as ideologias que eles defendiam. Os
conforme Nobre (2011). artistas envolvidos no movimento queriam desligar-se
das artes acadêmicas e tendências europeias de pintura
O contato com a arte iniciou quando menino. para dar uma nova voz à arte nacional e inovadora. A
Cresceu em Zapotlán el Grande, pequena cidade mexi- arte de Orozco era extremamente política e vinculada à
cana. Enquanto criança, seus pais se mudaram para a Ci- Revolução; ele retratou esta realidade com muita sensi-
dade do México com a esperança de dias melhores para bilidade, vigor e maestria.
eles e seus três filhos.
“Iniciou aí o movimento muralista mexicano, expressando a
Com o pré-início da Revolução Mexicana, Oroz- difícil situação do país. As obras monumentais encheram as
co notava as dificuldades que as pessoas passavam e um cidades de tendências nacionalistas, didáticas e populares. O
dia observou o cartunista José Guadalupe Posada traba- movimento visava colocar em prática a concepção de street
art que os muralistas defendiam. Ao contrário de Rivera e Si-
lhando numa pintura de mural. Isso fez com que o jovem
queiros, Orozco retrata a condição humana de maneira apo-
Orozco passasse a se interessar pela arte e como ela era lítica onde se interessava por valores universais e não insistia
capaz de ser uma forte ferramenta de expressão no mo- tanto nacionalismo. Daí suas imagens mais características
mento em que o país se encontrava. comunicam a capacidade do homem de controlar seu des-
tino e sua liberdade ante os efeitos determinantes da histó-
Aos 15 anos, os pais de Orozco o enviaram para ria, religião e tecnologia (BERTOTI, Tailise Wink1 ; ALMEIDA,
outra cidade a fim de o filho estudasse engenharia agrí- Carine2 ; BRUNHAUSER, Magali Letícia3 ; CAMARGO, Maria
cola, embora ele não tivesse interesse. Nesse período, Aparecida Santana4 ; CAVALHEIRO, Requiele Tramontini5 ;
Orozco teve febre reumática e, à mesma época, o pai MAIDANA, Alisson Costa6, 2018, p.4)
morreu em detrimento de febre tifoide.
Morou nos Estados Unidos entre 1927 e 1934.
Após a perda do pai, Orozco volta para casa e Lá, Orozco pintou diversos murais e cartazes. Prometeo
passa a ter aulas de arte na Academia San Carlos. Para (1930), uma de suas obras mais conhecidas, foi uma das
ajudar a mãe em casa, pegava pequenos trabalhos por pinturas realizadas durante sua estadia no país. Seus mu-
fora. rais tinham temas como a revolução, luta popular, a es-
cravidão, a arte, o trabalho, ciência e política.
Logo no início de sua carreira artística, em 1904,
teve um acidente com substâncias químicas e acabou le- Orozco viajou à Europa, conhecendo a Espanha
sionando seu braço esquerdo. Devido às festividades na- e a Itália. Lá, teve um primeiro contato e estudou as
cionais que ocorriam na data, não houve auxílio médico obras de grandes artistas europeus, além de se interes-
por alguns dias, acarretando numa gangrena severa, fato sar pela arte barroca, que posteriormente inspirou suas
que depois levou à amputação de sua mão esquerda. produções.

Nos anos seguintes, enquanto o cenário político Nos anos seguintes de sua vida o artista conti-
mexicano se complicava cada vez mais, Orozco traba- nuou a pintar importantes murais para edifícios públicos
lhou por um tempo como caricaturista em um jornal da (A Educação Livresca Gera Monstros - 1932 a 1934), (A
oposição, além de realizar uma série de aquarelas que Justiça e as Lutas proletárias – 1940 a 1941). Fundou o
retratavam bairros pobres da capital mexicana, conten- Colégio Nacional, ganhou prêmios e deixou uma extensa
do, muitas vezes, imagens sórdidas, influenciadas pela quantidade de obras, nas quais é possível perceber sua
pintura expressionista. Nesta mesma época, fez seu pri- técnica solta, pinceladas vivas e cores vibrantes. Seus
meiro quadro de grandes dimensões “As últimas forças quadros mais significativos são “A hora do alcoviteiro “
espanholas evacuando com honra o castelo de San Juan (1913), “Combate” (1920), “Deuses de um novo mundo”
de Ulua” (1915) e sua primeira exposição individual, em (1932) e “Ressurreição de Lázaro” (1947), que foi pinta-
1916. Pode-se dizer que, neste período, Orozco teve do ao fim de sua vida.
uma grande influência de Toulouse-Lautrec, visto que as
pinturas do mexicano eram para e sobre as pessoas da Em 1949, Orozco pinta seu último afresco. No
rua, retratando prostíbulos e cafés. dia 7 de setembro morre durante o sono por falência car-
díaca, aos 65 anos.

Tudo Sobre o PAS UnB 91


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A Revolução Mexicana tem alcance continental, de modo


especial na América Hispânica, por conta da facilidade do
idioma e da similitude dos problemas. Ela era acompanhada
pelas oligarquias dos mais diversos países latino-americanos,
preocupadas com o destino imposto a seus pares mexicanos.
Os movimentos operários também a seguiam de perto, co-
memorando os avanços e as conquistas dos exércitos cam-
poneses. Rio de Janeiro, Buenos Aires, Montevidéu e San-
tiago do Chile, cidades com grupos mais organizados, foram
os lugares onde muito se apoiou o processo revolucionário.
O zapatismo foi o movimento que mais atraiu a atenção e
a solidariedade dos operários, dos grupos revolucionários,
dos sindicalistas, dos anarco-sindicalistas e dos socialistas
Hidalgo incendiário. Internet: <periodicos.ufms.br> fora das fronteiras mexicanas. Já os intelectuais e reformistas
adotavam uma posição de reserva. Inclusive, as três facções
Ficha Técnica armadas da Revolução Mexicana – o carrancismo, o villismo
e o zapatismo – tiveram seus representantes no exterior.
Título original: Hidalgo incendiário (RAMPINELI, 2011, p. 93).
Data: 1937
Estilo: Muralismo Obra
Gênero: Retrato
Mídia: Afresco Orozco foi um pintor muralista que fazia pintu-
Localização: Guadalajara, México ras realistas de essência naturalista. Suas obras tinham
tom discursivo e focava nos núcleos populares que par-
Muralismo ticiparam da revolução mexicana. Trazia, em seus traba-
lhos, uma visão positiva dessas camadas sociais, mos-
A arte de pintar murais remonta aos greco-ro- trando sua interpretação da realidade por meio de suas
manos. Já no México, existe desde as civilizações pré-co- pinturas. O movimento muralista, além de conter críticas
lombianas. Foi resgatada no Renascimento por alguns sociais, não devia ter um uma técnica específica a ser
pintores, como Michelangelo e Leonardo da Vinci. Após utilizada. A técnica ficava a critério de cada artista.
esse período, entrou em decadência no Ocidente, res-
surgindo novamente no século XX no México e em algu- O mural O Pai Hidalgo (1937) retrata Hidalgo,
mas regiões da Europa. um padre mexicano conhecido como “pai da pátria me-
xicana”. Hidalgo foi acusado pela inquisição de heresia
O muralismo foi influenciado pela Grande De- e de defender os ideais da revolução francesa e ideias
pressão, pela I Guerra Mundial e pela revolução mexica- iluministas. Ele formou um exército de populares, convo-
na de 1910. Surgiu em meados dos anos 20, em meio a cados para lutar contra o domínio espanhol. Esse episó-
um clima de otimismo pós-revolução. dio ficou conhecido como “Grito de Dolores”, e marcou o
início da luta pela independência mexicana.
O movimento muralista iniciou-se durante o período da ‘re-
construção nacional’ do México, após a guerra civil, durante Hidalgo ordenou a restituição de terras indíge-
o governo de Álvaro Obregón (1920-1924), um período de nas, o corte de impostos e decretou o fim da escravidão.
otimismo, esperança e empenho para a consolidação da
identidade nacional do novo México surgido da Revolução
Segundo Lígia Prado, ele também padeceu de enormes
(AGUILAR CAMÍN; MEYER, 2000:132-4). dramas de consciência por ter que usar da violência para
lutar pelo que deveria ser direito nato de todo ser huma-
O muralismo tinha como ideal ser acessível aos no. Hidalgo morreu em 1811.
populares. Uma arte feita na rua, fora das galerias, em
edifícios. Los Três Grandes costumavam pintar imagens José Orozco escolheu Hidalgo por tudo que ele
gigantes em locais públicos. representava e pela sua história, que combinavam bas-
tante com os ideais defendidos por ele e pela revolução
O México passava por um momento de recons- mexicana. Então, esse foi o tema e a figura escolhidos
trução social, em meio a um governo progressista e anti- pelo artista para pintar em seu mural. O mural foi um
-ditatorial. Os ideais revolucionários predominavam. As afresco pintado no Palácio do Governo do Estado de Ja-
classes operárias ganhavam mais visibilidade e impor- lisco, em Guadalajara, no México, em 1937.
tância. O governo buscava dar uma melhor qualidade
O mural se divide em duas partes muito nítidas: uma imensa
de vida a todos e incentivava financeiramente as artes
parte superior dominada pela gigantesca figura de Hidalgo e
plásticas. a massa compacta acinzentada e esverderada da parte infe-
rior. Quando o espectador sobe as escadas do Palácio do Go-
Nesse cenário, os três grandes faziam da arte verno, começa vendo o terrível espetáculo da parte de baixo,
uma forma de defender ideais políticos e revolucioná- mas de repente, surge, como se louvado sobre nós, a figura
rios. De cunho socialista, o coletivo se tornou o primeiro impetuosa de Miguel Hidalgo (RAMOUCHE, 2012, tradução
grupo de muralistas conhecidos. livre).

Tudo Sobre o PAS UnB 92


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A obra tem uma aura sombria, expressiva e Estruturas


estética realista. Na parte de baixo da imagem, vemos
cadáveres armados, representando o povo operário. Do A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic,
lado direito, grupos de uniforme, carregando suásticas, propõe uma outra noção de estrutura da obra de arte,
cruzes, foices e martelos. No lado esquerdo, pessoas de uma vez que ela acontece no corpo e nas ações estabe-
vermelho utilizando crucifixos e com os rostos cobertos. lecidas entre a artista e o público. Ainda na contempora-
No centro, em tamanho maior, vemos a figura de Hidal- neidade, Lygia Clark cria sua técnica terapêutica na Série
go. O padre, com o corpo em posição de luta, segura Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, que estabelece
uma tocha que ilumina os corpos abaixo dele, como se um novo patamar para a obra de arte, que transcende
clareasse as coisas para eles e também os protegessem. a performance, tornando o público como o total agente
para a criação da obra de arte. De outra maneira, rom-
A tela possui tema heroico e relações metafó- pendo com a estrutura clássica da arte, Arthur Barrio,
ricas: o padre, adepto ao iluminismo, iluminava o povo, José Clemente Orozco e Acme criam obras não mais para
não literalmente, mas sim com seus ideais. Os grupos, serem expostas em museus e galerias, mas, sim, obras
representados do lado esquerdo e direito, represen- que invadem os espaços da cidade, como é possível per-
tavam as ideologias presentes e conflitantes durante a ceber na intervenção urbana Trouxas ensanguentadas, de
revolução mexicana. Segundo Rebeca Capozzi (2018), o Artur Barrio, Santa ceia moderna, de Acme, e Hidalgo in-
mural foi uma forma de reconstruir e reafirmar uma me- cendiário, de José Clemente Orozco. (Página 18, primeiro
mória mexicana. parágrafo)


Cenários contemporâneos

Os aspectos dos conflitos pelo poder, vistos em


Citações da Obra na Matriz de Referências diferentes experiências políticas, tanto na formação dos
Estados-nação quanto na formação das classes burguesa
O ser humano como um ser que interage e proletária, mediante a consolidação do modo de produ-
ção capitalista, podem ser observados nas obras Hidalgo
As vanguardas europeias do século XX e suas incendiário (1937), de José Clemente Orozco, e Guevara
expressões latinoamericanas ampliam esse debate ao vivo ou morto (1967), de Claudio Tozzi. (Página 28, primei-
incorporar aspectos históricos e geográficos em suas pro- ro parágrafo)
duções como, por exemplo, nas obras Acordeonista, de
Picasso, 1911, Autorretrato como um soldado, de Ernst Cenários contemporâneos
Kirchner, 1915, Autorretrato na fronteira do México e dos
EUA, de Frida Kahlo, 1932, Mestiço, de Portinari, 1934, e Quanto à formação, à expansão, à dominação e
Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco, 1937. (Pá- às crises dos modelos econômicos contemporâneos, ob-
gina 6, segundo parágrafo) servam-se o crescimento e a consolidação das diferentes e
complexas redes de produção de riquezas: os mecanismos
Indivíduo, cultura, estado e participação política de concentração e distribuição, as alianças sociais suscita-
das, as políticas econômicas adotadas, a divisão interna-
Portanto, o objeto de conhecimento articula sa- cional do trabalho, os projetos socialistas, o imperialismo,
beres, como cultura e mudanças sociais, proporcionando a formação e a atuação dos grandes monopólios, a forma-
uma reflexão sobre os fundamentos políticos da participa- ção dos blocos geoeconômicos e dos mercados comuns,
ção social, assim como o desafio da corresponsabilidade confrontos entre modelos antagônicos e as crises dos
na manutenção dos valores democráticos. Essas reflexões modelos econômicos contemporâneos — capitalismo e
podem ser estabelecidas em obras como Navio de emi- socialismo — questões presentes, por exemplo, nas obras
grantes, de Lasar Segall, Autorretrato como um soldado, Autorretrato na fronteira do México e dos EUA (1932), de
de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz- Frida Kahlo e Hidalgo incendiário (1937), de José Clemen-
zi, e Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco. (Pági- te Orozco, que remetem às lutas sociais da América Latina
na 11, terceiro parágrafo) no século XX. (Página 29, quarto parágrafo)

Tipos e gêneros Espaços

A fusão entre as próprias vanguardas europeias Nesse sentido, as contradições estão bem marca-
como Expressionismoabstrato é representada pela pin- das no século XX, que foi palco de revoluções e guerras
tura-performática Ritmo de Outono – número 30, de que reconfiguraram o cenário mundial, temáticas abor-
Jackson Pollock. Da fusão entre o Modernismo e as van- dadas na obra Sobre violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
guardas europeias surgem novas modalidades artísticas Arendt, na tela Autorretrato como um soldado, de Ernst
e suportes, como no óleo com areia sobre tela Navio de Kirchner, o afresco Hidalgo incendiário, de José Clemen-
emigrantes, de Lasar Segall, no afresco Hidalgo incendiá- te Orozco, a música Quarteto para o fim dos tempos (1º
rio, de José Clemente Orozco e no grafite Santa ceia mo- Movimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
derna, de Acme. (Página 14, quinto parágrafo) Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à

Tudo Sobre o PAS UnB 93


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, e as cartas


Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Guer-
ra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página 35, terceiro
parágrafo)

Materiais

As pinturas murais com o uso da tinta spray, do grafite


Santa ceia moderna, de Acme, e no afresco Hidalgo incen-
diário, de José Clemente Orozco, ampliam debates não so-
mente sobre a inovação técnica, mas, também, do local
onde estão inseridas. (Página 39, primeiro parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 94


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Navio de Emigrantes - Lasar Segall

Autor
O pintor, gravador, escultor e desenhista Lasar
Segall nasceu em Vilna, na Lituânia, no ano de 1889, em
uma família judia de 8 irmãos. À época, a cidade era do-
minada pela Rússia.

Em 1906, partiu para a Alemanha, onde come-


çou a ter contato com a pintura impressionista e a ser
influenciado por artistas da época, como Paul Cézanne.
Suas obras desse momento carregam influência impres-
sionista, com tons escuros e uso do monocromático -
esta última característica permaneceu bastante presente
ao longo de sua carreira. Navio de emigrantes. Internet: <www.emaklabin.org.br>

Em 1910, Lasar começa a fazer pinturas inspi- Ficha Técnica


radas em sua vida em Vilna, como “Vilna e eu”. Nesse
momento, suas obras assumiram um cenário histórico e Título: Navio de Emigrantes
familiar e de relatos sobre suas experiências como judeu Data: 1939-1941
sob domínio do Império Russo.
Estilo: Expressionismo
Em 1912, faz uma breve visita ao Brasil, onde Mídia: óleo com areia sobre tela
moravam seus irmãos. Aqui, ele faz alguns registros ar-
Localização: Museu Lasar Segall, São Paulo
tísticos sobre seu trajeto em navios.
Dimensões: 230cm x 275cm
Em 1914, ele se engaja com o expressionismo e
busca uma nova linguagem pictórica, trazendo às obras Contexto
uma caracterização psicológica mais forte, característica
bastante presente no expressionismo. Os temas passam Muitas obras de Lasar Segall retratam sua vivên-
a ser as injustiças sociais, a miséria, a prostituição, a emi- cia enquanto judeu. Nascido sob o domínio da Rússia
gração. Todos temas recorrentes no cenário da época, Czarista, Segall presenciou surtos de violência e perse-
que tinha como contexto a I Guerra Mundial. A emoção guições. Em seus trabalhos, ele mostra tanto as perse-
era retratada por meio da cor e da expressão pelas li- guições vividas quanto as tradições e religiosidade de
nhas. seu povo. Um dos temas frequentes, inclusive, são as
migrações. Os judeus, por serem constantemente perse-
[...] O artista expressionista transfigura assim todo o espaço. guidos - do começo ao meio do século XX - eram povos
Ele não olha: vê; não narra: vive; não reproduz: recria; não
encontra: busca. A concatenação dos fatos – fábricas, casas,
que migravam bastante. Além do mais, Lasar foi um dos
doenças, prostitutas, gritos e fome – é substituída por sua que esteve sempre em contato com esse processo, tra-
transfiguração (MICHELI, 1991. p. 75.). zendo para sua obra as percepções dessas experiências.

Em suas obras, era bastante visível o uso de Em 1906, Lasar se muda para Dresden, na Ale-
geometrização e influência do cubismo - que também manha. Em 1916, no entanto, em meio à guerra, ele
eclodiu durante esse período. volta à cidade natal, Vilna, que se encontrava destruí-
da pelo conflito. A partir disso, ele produz uma série de
Em 1923, Lasar se muda para o Brasil. Aqui, foi desenhos e gravuras, que chegam a ser expostos mais
bem recebido pelos modernistas como um dos represen- tarde em Dresden, na Alemanha, e levam Segall a ter
tantes das vanguardas europeias. Acabou, assim, sendo um amplo reconhecimento por seus trabalhos. Lá, expe-
um dos precursores do modernismo brasileiro. O artista rienciou grande parte da I Guerra Mundial. Suas pintu-
morreu de um ataque fulminante em sua casa, em 1957, ras passam a ser impactadas pela guerra: preocupações
em São Paulo. 10 anos depois, sua casa e suas obras fo- com injustiças sociais e com o sofrimento humano. Em
ram transformadas no ainda atual Museu Lasar Segall. seus quadros, predominam a geometrização e as formas
triangulares, deixando clara a influência cubista e a nova
linguagem expressiva que aos poucos assumia.
Décadas mais tarde, diria que a necessidade de dar forma
visual à violência contra os judeus o forçou a abandonar a fi-
delidade à natureza, permitindo que a emoção ditasse as for-
mas e as distorcesse (Dados biográficos Museu Lasar Segall).

Tudo Sobre o PAS UnB 95


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Em 1918, uma revolução derruba Wilhelm II e Na tela, podemos observar já de imediato a geo-
instaura a república de Weimar. Essa foi a oportunidade metrização presente. Os triângulos e as linhas retas que
para o expressionismo, que, antes marginalizado, agora formam o navio e o horizonte; os formatos circulares e
adentrava coleções públicas e privadas na Alemanha. La- ovais que representam as pessoas. Há uma forte influên-
sar se alinha, então, com afinco, à nova estética. cia cubista. Nela, vemos um horizonte desalinhado, o
que passa a sensação de um mar revolto. Em meio a ele,
Em 1922, no Brasil, ocorria a Semana de Arte há parte de um navio lotado de pessoas, muitas amon-
Moderna. Em meio ao Centenário da Independência, os toadas, o que remete à realidade de navios emigratórios
artistas questionavam que nada de fato havia mudado. da época.
O país era dominado pela República Velha e pelos gran-
des barões do café. O modernismo aqui buscava quebrar Segall, no entanto, sob muitos aspectos, nos trouxe mais do
com os idealismos, a fim de incluir o Brasil marginalizado que uma pintura dita brasileira. Deu-nos um testemunho
na pauta, com uma identidade própria. Os artistas co- profundo de toda uma época do drama contemporâneo.
meçam a trazer à tona o cenário do país: expansão ca- Mais do que isto ainda: sua obra foi um solo original e tocan-
pitalista de um lado, e de outro pessoas marginalizadas, te, com a rouca e quente sonoridade de uma frauta rústica,
fome e miséria. dentro da cacofonia universal. Ele tinha predileção pelos tons
em menor, e por isso, mesmo quando abordava os grandes
Foi em meio a esse cenário que, em 1923, após temas épicos Navio de emigrantes, Progrom - acabava trans-
formando-os num lamento (PEDROSA, 1982. p. 68).
deixar a Alemanha devido a uma grave crise econômi-
ca, Lasar Segall é recebido, então, no Brasil. Assim, ele Segall escolhe retratar apenas parte da em-
adentra diretamente a cena e faz parte da Primeira Ge- barcação: assim, é como se quem olhasse o quadro se
ração Modernista. Para Becari, “Segall foi o primeiro a aproximasse da situação lá retratada; como se estivesse
realizar no Brasil uma exposição de arte moderna, mas dentro do navio, lá em cima, a ver tudo. Lasar integra o
Anita Malfatti foi a primeira a realizar uma exposição vis- leitor à obra.
ta como moderna.”
As cores são ocres (uma cor, variação do ala-
Segall se encanta com as cores tropicais do Bra- ranjado) e pálidas. As feições das pessoas são intensas e
sil, e começa a utilizá-las em suas pinturas. O artista se demonstram sentimentos. Há pessoas dormindo, outros
interessa em pintar problemas brasileiros e dramas de entediados, alguns aflitos. Não há personagens princi-
pessoas marginalizadas. pais. No entanto, Segall retratou-se no rosto de vários,
Entre 1928 e 1932, Lasar Segall muda-se com colocando-se, assim, como parte daquelas pessoas,
a família para Paris. Mas regressa, logo em seguida, ao unindo-se à história de emigração, posicionando-se pre-
Brasil, como que em refúgio. Quase simultaneamente, sente e não alheio à situação lá vivida. (O que faz senti-
em 1933, a Alemanha confiscava e segregava pinturas do, considerando-se a vivência de Segall como judeu e
de arte entendidas como “arte degenerada”, em alemão imigrante).
“Entartete Kunst”. Lasar teve aproximadamente 50 pin- Navio de emigrantes, quadro que de certa maneira corres-
turas apreendidas no país. Em 1945, participa de uma ponde na nossa pintura atual ao Navio negreiro de Castro
exposição no Brasil chamada “Arte condenada pelo Ter- Alves. A segalliana implica um largo conteúdo social: mas a
ceiro Reich”. força plástica e humana não se deixou vencer pelo fator polí-
tico e social mesmo porque o pintor não obedece a palavras
Pela primeira vez no Brasil, em 1912, Lasar Se- de ordem partidária. A arte de Segall atesta o confronto en-
gall começa o seu caderno de desenhos retratando o que tre o indivíduo e a coletividade. O indivíduo-artista resolve o
vê nos navios. Segall ali está como alguém que passa do conflito de forças ao interpretar a realidade social, transpon-
“velho” ao “novo” mundo, cruzando o Atlântico e obser- do-a para um superior plano estético e filosófico em que os
vando como a vida nos navios se dava. seres esmagados pelo enorme rolo compressor recebem sua
justificação. Na nossa época, época eminentemente polêmi-
Obra ca, a exacerbação das paixões políticas produz um distúrbio
no eixo de equilíbrio do artista; poucos são os que realizam
Pela primeira vez em minha vida avistava o mar e avistava a interpretação dos valores plásticos, humanos e sociais. A
navios. Vi como homens de todas as nacionalidades subiam perigosa vizinhança da charge, do cartaz de propaganda e
a bordo desses navios e seguiam para mundos longínquos e da ilustração, agravada ainda pela sobrecarga de intenções
desconhecidos, impelidos pelo destino e o algo de outro... polêmicas, numa atmosfera de constante exaltação, produz
Eu não largava um instante do lápis com que fixava continua- um desajustamento entre a sensibilidade e a inteligência; e
mente no papel meus companheiros de viagem e modelos, com isto sofre a obra de arte nas suas exigências mais fun-
esses emigrantes nos quais me parecia refletir-se a humani- das. Poucos pintores atuais terão levantado um monumento
dade inteira (Lasar Segall. Minhas recordações, Museu Lasar de tão sólida estrutura social como o autor do Navio de emi-
Segall, 1950). grantes. Mas poucos também terão conseguido um resulta-
do tão harmônico, em que a violência do libelo é balançada
Em 1939-1941, em meio à II Guerra Mundial, pela justeza das proporções (MENDES, 1982. p.59).
momento em que as migrações eram constantes pelo
mundo e envolvia diversos povos, ele pinta, então, uma
de suas telas mais importantes, “Navio de emigrantes”.

Tudo Sobre o PAS UnB 96


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Energia e campos

Ao viabilizar o uso de novas formas de energia,


Citações da Obra na Matriz de Referências torna-se possível a percepção de alterações no ambiente
e a identificação de novos cenários energéticos a partir do
O ser humano como um ser que interage século XX. As obras Autorretrato na fronteira do México e
dos EUA, de Frida Kahlo, Autorretrato como um soldado,
Nesse sentido, é possível pensar nas interações de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio To-
humanas em suas dimensões estética, ética, política e psi- zzi, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social, de
cológica, considerando que a capacidade para interagir Pawel Kuczynski, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral,
permite criar valores, deslocar perspectivas e fundar me- e Navio de emigrantes, de Lasar Segall, incitam reflexões
todologias e instituições. É possível discutir a respeito de sobre as situações-problemas e mudanças nos sistemas
condições dignas e sustentáveis para a existência humana de produção e conflitos. Na sociedade contemporânea, a
no planeta a partir da obra Trouxas ensanguentadas, de gestão das matrizes energéticas constitui um importante
Artur Barrio, da performance Rhythm 0, de Marina Abra- objeto de estudo, exigindo especial atenção aos aspectos
movic, dos documentários À margem do corpo, de Débora éticos, ecológicos, políticos e socioeconômicos associados
Diniz, das pinturas Morro da favela, de Tarsila do Amaral, ao seu uso racional. (Página 20, segundo parágrafo)
Navio de emigrantes, de Lasar Segal, e da novela O reca-
do do morro, de João Guimarães Rosa. (Página 4, quarto Ambiente e evolução
parágrafo)
No campo das ciências biológicas, o tema do cor-
Indivíduo, cultura, estado e participação política po humano, da vida, das relações dos corpos humanos
em conjunto e do ambiente são reflexões permanentes
Portanto, o objeto de conhecimento articula sa- e podem ser problematizados na obra Sobre a violência
beres, como cultura e mudanças sociais, proporcionando (capítulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção
uma reflexão sobre os fundamentos políticos da participa- e a regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres,
ção social, assim como o desafio da corresponsabilidade de Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
na manutenção dos valores democráticos. Essas reflexões Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
podem ser estabelecidas em obras como Navio de emi- Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
grantes, de Lasar Segall, Autorretrato como um soldado, grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes,
de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz- na pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de
zi, e Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco. (Pági- Manuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
na 11, terceiro parágrafo) na obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no
poema O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza
Tipos e gêneros no mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano
diante de sua própria consciência. (Página 24, quarto pa-
A fusão entre as próprias vanguardas europeias rágrafo)
como Expressionismoabstrato é representada pela pin-
tura-performática Ritmo de Outono – número 30, de Cenários contemporâneos
Jackson Pollock. Da fusão entre o Modernismo e as van-
guardas europeias surgem novas modalidades artísticas Outro elemento problematizado nesta etapa são
e suportes, como no óleo com areia sobre tela Navio de os processos de migrações decorrentes das guerras, re-
emigrantes, de Lasar Segall, no afresco Hidalgo incendiá- tratados na obra Navio de emigrantes, de Lasar Segall
rio, de José Clemente Orozco e no grafite Santa ceia mo- (1939-1941), e os conflitos sociais e às relações de poder
derna, de Acme. (Página 14, quinto parágrafo) que podem ser explorados nas peças A exceção e a regra
(1930), de Bertolt Brecht, e Perdoa-me por me traíres
Estruturas (1957), de Nelson Rodrigues. (Página 27, primeiro pará-
grafo)
A forma de organização dos elementos (pontos,
linhas, curvas) no espaço delineia uma imagem e, conse- Número, grandeza e forma
quentemente, as características de um movimento artísti-
co, como é o caso das obras visuais Navio de emigrantes, Nesta etapa, chama-se a atenção para o estu-
de Lasar Segall, Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi, do das relações intrínsecas das representações do plano
Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e das músicas O cartesiano e polar. Localizar pontos no plano por meio de
Real Resiste, de Arnaldo Antunes, Dona de Mim, interpre- coordenadas cartesianas e também associá-los às suas
tada por Iza, Não Recomendado, interpretada pelo trio coordenadas polares é fundamental na compreensão das
Não Recomendados e Elevação Mental, de Triz, que ilus- duas formas de representação do espaço. Esses conceitos
tram perspectivas críticas sobre a diversidade estrutural. podem ser exemplificados na construção do espaço pictó-
(Página 17, primeiro parágrafo) rico representado em Mestiço, de Cândido Portinari, Au-
torretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, e Navio

Tudo Sobre o PAS UnB 97


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

de emigrantes, de Lasar Segall. (Página 32, quarto pará-


grafo)

Espaços

Deslocamentos populacionais em decorrência


de guerras, problemas políticos, desigualdade e o cresci-
mento urbano desordenado podem ser evidenciados nas
obras Morro na Favela, de Tarsila do Amaral, que eviden-
cia a segregação socioespacial nos centros urbanos brasi-
leiros, e na pintura Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
que evidencia êxodos e diásporas. Espaços de organização
política das instituições do estado brasileiro podem ser re-
conhecidos com a leitura da Constituição Federal – Título
II, capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título
IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56. (Página 36,
segundo parágrafo)

Materiais

Por outro lado, outros modernistas adotam novos


materiais para sua produção como em Navio de emigran-
tes, de Lasar Segall, que faz uso do óleo com areia sobre
tela e Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi, que faz
uso de tinta em massa e acrílica sobre aglomerado. O Pa-
lácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, apresenta um dos
símbolos da arquitetura modernista com uso do concreto,
arcos em robustas colunas e grandes vãos livres além de,
internamente, possuir a instalação Ponto de encontro, de
Mary Vieira, que utiliza uma base de mármore com 230
placas de alumínio que podem ser mudadas de posição
de acordo com a vontade do público. (Página 38, terceiro
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 98


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Ritmo de Outono nº 30 - Jackson Pollock

Autor
No dia 28 de janeiro de 1912 em Wyoming, nos
Estados Unidos, nasceu o pintor Jackson Pollock. Era o
mais novo numa família de cinco filhos. Viveu grande
parte de sua infância no Arizona e na Califórnia. Na ado-
lescência estudou na Escola de Artes Manuais de Los An-
geles.

Aos dezoito anos de idade vai para Nova York e


acaba se aprofundando na pintura, sendo discente do
pintor Thomas Hart Benton na Art Students. Passou cin- Ritmo de outono nº 30 Internet: <www.metmuseum.org>
co anos fazendo pinturas em murais e espaços públicos
instigado pelo artista David Alfaro Siqueiros (muralista)
com quem teve contato. Ficha Técnica
Título: Ritmo De Outono - Número 30
Em 1945, casou-se com a artista Lee Krasner, Autor: Jackson Pollock
que também foi muito influente em suas produções. Ano: 1950
Além de conectá-lo a vários nomes renomados da épo- Técnica: Esmaltado sobre tela
ca, também acrescentou conhecimentos sobre as ten- Dimensões: 266.7 x 525.8 cm
dências modernistas.

Nos primeiros trabalhos de Pollock é possível Contexto


perceber forte perspectiva figurativa e expressionista. O
Denominou-se Guerra Fria (1947 – 1991) a cor-
concreto e a escala cromática também eram supervalo-
rida armamentista e seus confrontos pela hegemonia
rizados. O termo all-over se refere à pintura integral e as- mundial entre EUA e URSS. O medo de super explosões
socia-se às elaborações de Jackson, visto que suas peças e mortes não impediram que os estadunidenses vives-
contêm essa acumulação homogênea. A action paintings sem o sonho americano e desfrutassem dessa época de
remete à pintura de ação do autor e, posteriormente, transitoriedades. Conhecido como os Anos Dourados, a
refere-se a qualquer outro artista que tiver que se movi- década de 50 conta com os avanços tecnológicos e cien-
mentar para criar. tíficos em uma velocidade inimaginável.
Quando Jackson Pollock começou a abandonar Apesar da Guerra Fria, a população vivia num
a ideia de usar os cavaletes como suporte e passou a co- período de pós-guerra (Segunda Guerra Mundial). É im-
locar suas telas diretamente no chão, houve inovação. A portante lembrar que esse período se caracteriza pelo
tinta caía sobre o painel e transformava-se numa pintura conflito político-ideológico, mas há ausência de conflito
inteiramente singular. Isso contribuia para que o pintor armado. As pessoas visionavam um futuro melhor. O pa-
se sentisse dentro da obra. O artista também passou a drão de vida norte americano era o mais alto de todo o
usar do procedimento chamado de gotejamento1, que mundo, pois houve crescimento e estabilização econô-
consiste basicamente em pingar sobre as telas. Entretan- mica.
to, Pollock modernizou quando manuseou a tinta de ma-
neira atípica, manipulando diferentes meios para obter Os Estados Unidos também foi referência cul-
um resultado inesperado. Os materiais eram espátulas, tural. Tendo concepções elaboradas e a efervescência
facas, gravetos, pincéis, entre outros. Os exemplos disso de artistas fugidos da guerra, os movimentos como ex-
são: Ritmo de outono – número 30 (1950) e Convergence pressionismo abstrato, ascensão do minimalismo2, início
(1952). da pop art, escultura moderna, entre outros, atraíram a
atenção de outros países. Várias dessas mobilizações ti-
O artista sofria de depressão e era alcoólatra. veram seu planejamento na década de 50 e seu progres-
Chegou a fazer tratamentos e a sua arte era parte de sua so e popularização na década seguinte.
terapia. A partir de 1950, há um enfraquecimento de
vendas em suas produções e também o início de desa- O suporte das principais potências da Guerra
venças em seu relacionamento. Pollock morreu em 11 Fria para a classe de artistas não foi apenas pela liber-
de agosto de 1956, vítima de acidente de carro em Nova dade de expressão. Havia também interesse político cul-
York. 2 O minimalismo é uma linguagem considerada um tanto
quanto fria por não abordar nada mais que mínimo de cada composi-
1 Foi inventada/experimentada por Max Ernst, entre outros, ção. Já do ângulo de vista filosófico, o minimalismo vai propor a utiliza-
mas ganhou grande notoriedade apenas com os processos de Pollock. ção do que realmente é essencial e extinguir os exageros.

Tudo Sobre o PAS UnB 99


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

tural encoberto que visava a disseminação de um siste- precede da retratação (não linear) das geometrizações,
ma ou outro. Enquanto a União Soviética subestimava do emprego de mais cores e da existência de imagens
a capacidade dos operários de degustar e compreender figurativas, como em Laranja e amarelo (1956) de Mark
as correntes, o governo norte-americano apoiava os mo- Rothko.
dernismos da época, não só para encorajar o sistema ca-
pitalista como modelo ideal, como também para expor Obra
opiniões contrárias em relação a todas as inovações ou
reforços oriundos da sociedade comunista. Ritmo de outono foi feita em 1950 e faz parte
do acervo abstrato de Jackson Pollock. Depois de certo
Por um lado, a União Soviética e outros regimes comunistas tempo, Pollock começou a seguir o caráter expressio-
do Oriente mostraram falta de entendimento das práticas nista abstrato, tendo os princípios da gravidade como
artísticas do modernismo, interpretando formas de arte não
suporte. Em Ritmo de Outono, o autor se utilizou desse
representativas como incompreensíveis para o proletariado,
enquanto o governo dos Estados Unidos, por meio de finan- procedimento, colocando uma tela de 266.7 x 525.8 dei-
ciamento e organização, apoiou diretamente o aumento da tada no chão e criando sobre ela. O apanhado de cores,
arte abstrata para mostrar caráter progressivo e libertador que dançam em conjunto sobre a tela, existe com intuito
da sociedade capitalista (WIDEWALLS, 2016).  de lembrar as sensações do outono.

Primeiro o artista compôs uma estrutura linear


Expressionismo Abstrato extremamente calculada na cor preta e depois comple-
Na década de 19403 surgiu, nos Estados Unidos, mentou com cores terrosas como marrom, branco e tur-
o expressionismo abstrato. Mark Rothko, Arshile Gorky e quesa. Depois de feito esse esqueleto, Pollock produziu
Jackson Pollock estão entre os autores mais influentes uma série de movimentações como respingar, espirrar4 e
do movimento. despejar. Nota-se também a concentração diversificada
de tintas, o que resultou em texturas diferentes. Jackson
Com intuito de romper com os tradicionalismos Pollock não definiu uma parte mais significativa do que
da época, o movimento manifestou-se com novas ver- a outra em Ritmo De Outono - número 30. As bordas da
tentes e simbolizou a arte efetivamente norte-america- pintura são tão relevantes quanto o meio e o gotejamen-
na, fazendo com que o foco do mundo se concentrasse to, e é onde ele usa de diversos materiais para derramar/
nas ações estadunidenses. gotejar sobre a tela.

O expressionismo abstrato foi revolucionário, Contém o desenho de linhas sucintas e ao mes-


pois ressaltou o sentimentalismo e as gestualidades do mo tempo contínuas. Esses trilhos desordenados cruzam
autor, em vez dos vislumbres com corpo imóvel. Pôs-se os caminhos uns dos outros, trazendo agitação para a
então a utilizar os quadros de maneira mais inusitada, concepção. A criação ganha fama de ter o exato equi-
visto que a composição surgia a partir das movimenta- líbrio entre os contornos, pois os pigmentos grandes
ções que o artista se propunha a fazer. Isso deu novos e pequenos, as curvas com sombra e luz, e a noção de
significados para esse modelo e para a elaboração deles. pesado/leve desaguam numa inexistência de imagens
reconhecíveis, mas que propõem o estímulo intenso e
[...] deverá valorizar-se a autenticidade do gesto e não ape- suave da obra. Esse teor contraditório ou de compensa-
nas, como até então, valores estéticos. Ele reconhecia na
pintura gestual um momento de singular mutação: era defi-
ção trazem a percepção de mobilidade e só revelam sua
complexa harmonia entre o espontâneo e o planejado.


nitivamente abandonada a função representacional, e o ges-
to, não subordinado à razão, libertava-se dos valores sociais
– estéticos, políticos ou morais (Silva, 2012, p.3).

A tendência teve influência direta das outras


correntes vanguardistas como o surrealismo, cubismo, Citações da Obra na Matriz de Referências
futurismo. As características são: a quebra com os cos-
O ser humano como um ser que interage
tumes vigentes, a supervalorização da improvisação e do
automático, a relevância do intuitivo e a utilização das Além dessa abordagem contextual, com ênfase
geometrias e linhas. Conta também com as investiga- nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também
ções/intervenções da psicanálise. discutidas as maneiras como os artistas interagem com
diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na
O expressionismo abstrato foi a combinação da
carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
arte abstrata e do expressionismo alemão. Dele se de-
Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos ao
senvolveram outros termos como o action painting (pin-
museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme Um
tura de ação) de Jackson Pollock e o Color Field Painting cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Através,
(pintura do campo de cor). O primeiro procura partir do de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz-
fluxo corpóreo do artista para criar os traços. O segundo
3 O movimento teve início nesse período, mas seu ápice ocor- 4 Mergulhar as cerdas do objeto em tinta e depois chapiscar
reu também na década seguinte. na tela.

Tudo Sobre o PAS UnB 100


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

zi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock ou o dem ser verificadas em Quarteto de cordas com helicópte-
Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se encon- ros, de Karlheinz Stockhausen, que trabalha com amplifi-
tram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de encon- cação dinâmica e permutação de alturas. (Página 32,
tro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo) primeiro parágrafo)

Indivíduo, cultura, estado e participação política Espaços

Nas obras visuais Acordeonista, de Picasso, Me- Além do teatro, as artes visuais transformam os
teoro, de Bruno Giorgi, Ritmo de Outono – número 30, de espaços públicos, as galerias, os museus, e a relação pú-
Jackson Pollock, Através, de Cildo Meireles, e Ponto de En- blico-obra, como pode ser observado na técnica terapêu-
contro, de Mary Vieira, há diversas possibilidades para tica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, de
perceber e refletir sobre transformações estéticas e a im- Lygia Clark, no grafite Santa ceia moderna, de Acme, na
portância da produção artística como representação da performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, na perfor-
cultura. (Página 11, primeiro parágrafo) mance-pintura Ritmo de Outono - número 30, de Jackson
Pollock, e nas instalações Através, de Cildo Meireles, e
Tipos e gêneros Ponto de encontro, de Mary Vieira. A intervenção urbana
Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, usa o território
A fusão entre as próprias vanguardas europeias da cidade, como as margens de um rio em uma cidade
como Expressionismoabstrato é representada pela pintu- brasileira, para provocar diferentes sensações no especta-
ra-performática Ritmo de Outono – número 30, de Jack- dor estabelecendo reflexões sobre a censura, a violência e
son Pollock. Da fusão entre o Modernismo e as vanguar- a poluição. (Página 37, primeiro parágrafo)
das europeias surgem novas modalidades artísticas e
suportes, como no óleo com areia sobre tela Navio de Materiais
emigrantes, de Lasar Segall, no afresco Hidalgo incendiá-
rio, de José Clemente Orozco e no grafite Santa ceia mo- Com o surgimento da arte contemporânea, sur-
derna, de Acme. (Página 14, quinto parágrafo) gem novas linguagens e suportes para a produção artísti-
ca, como é possível perceber na action painting em Ritmo
Estruturas de Outono - número 30, de Jackson Pollock, na técnica
terapêutica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu”, de
Em artes visuais, o conceito de estrutura pode ser Lygia Clark, que cria duas roupas de borracha, plástico e
verificado na compreensão da composição da imagem no espuma interligadas por um tubo, para provocar um novo
espaço pictórico, assim como na percepção da composi- olhar sobre o indivíduo. Na performance Rhythm 0, de
ção e na organização dos elementos da linguagem visual Marina Abramovic, são disponibilizados diversos objetos
na produção de obras de arte. Essa perspectiva pode ser e materiais para que o público utilize no próprio corpo da
observada nas pinturas Acordeonista, de Pablo Picasso, artista, assim, seu corpo também se transforma em mate-
Autorretrato como um soldado, de Ernst Kirchner, Mesti- rial e suporte para a obra de arte. (Página 38, quarto pa-
ço, de Cândido Portinari, Autorretrato na fronteira do Mé- rágrafo)
xico e dos EUA, de Frida Kahlo, e Ritmo de Outono -núme-
ro 30, de Jackson Pollock. (Página 16, terceiro parágrafo)
Questões, Justificativas e Dicas
Energia e campos Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
Na apreciação de Ritmo de Outono – número 30, Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
de Jackson Pollock, a técnica do gotejamento leva-nos a
promover analogias com o movimento de partículas, se- Anotações e Rascunhos
jam aquelas que comparecem nos modelos atômicos do
final do século XIX, início do século XX, sejam aquelas de-
terminadas pela Teoria Cinética dos Gases, ou pela inter-
pretação dos movimentos variados destas. Esse mesmo
período viu Max Planck propor uma explicação para o
problema da “radiação de corpo negro” que mudou toda
a física do século XX em diante. (Página 21, segundo pará-
grafo)

Número, grandeza e forma

Transformações como essas podem ser observa-


das nas telas Acordeonista, de Picasso, e Ritmo de Outo-
no - número 30, de Jackson Pollock, no grafite Santa ceia
moderna, de Acme, e nos audiovisuais Das raízes às pon-
tas, de Flora Egécia, e Um cão andaluz, de Luís Buñel e
Salvador Dalí. No plano sonoro, essas transformações po-

Tudo Sobre o PAS UnB 101


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Guevara, Vivo ou Morto - Claudio Tozzi

Autor
Claudio José Tozzi é pintor e nasceu em 1944, da década de 60, interferências de sua bagagem pessoal
na cidade de São Paulo. De descendência italiana, Tozzi e fatos que marcaram a história do mundo.
viveu sua infância em um lar acolhedor, em uma casa ro-
deada de quadros e amigos artistas. Assim, seu contato Depois de sua fase inquietante de representar o
com a arte foi complemento do encanto que ele alimen- costumeiro e anunciar o problemático, Tozzi passou por
tava por essa linguagem. Quando começou sua carreira muitos outros momentos. Hoje é considerado como um
como artista plástico, participou do 11º Salão Paulista artista sistemático e que expressa mais seu lado racional
de Arte Moderna (1962), e com apenas 18 anos, ganhou do que seu lado emocional, não apenas em seus pro-
o concurso de cartazes. Alguns anos depois (1968), gra- cessos, mas em sua vida como um todo. A fim de apre-
duou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da sentar informação diversificada para parte da população
USP. Optou pelo curso porque naquele período ainda que não tinha acesso a outro meio de comunicação além
não existia o curso de artes plásticas. Entretanto, cruzou da tv aberta, Claudio Tozzi usou do modelo panfletário.
o caminho de alguns professores artistas e que, segundo Sofreu repressão, pois questionou o sistema político vi-
ele, foi de extrema significância para sua trajetória. gente da época e instigou reflexões.

Tozzi é influenciado pela pop art, movimento


que tem como elementos a existência de traços que lem-
bram as histórias em quadrinhos, utilização da serigrafia
e uso de imagens publicitárias. É possível perceber es-
ses contornos em seus trabalhos, como, por exemplo, na
série Bandido da Luz Vermelha (1967), Guevara Vivo ou
Morto (1967) e Até que Enfim (1967).
Aos 25 anos de idade, o pintor teve um divisor
de águas em seu processo criativo. Depois de passar um
tempo estudando na Europa, seus procedimentos modi-
ficaram o caráter panfletário e resultaram em algo mais Guevara, vivo ou morto. Internet: <www.enciclopedia.itaucultural.org>

formalmente executado, com sistematizações acentua-


das e a intensificação de variações em suas técnicas. Ficha Técnica
Na década de 70, Claudio vivenciou uma fase de Título: Guevara, vivo ou morto
aproximação da geometrização, característica na qual as Autor: Claudio Tozzi
formas e idealizações geométricas entram em relevân- Ano: 1967
cia. O artista também realizou obras abstratas e também Técnica: Serigrafia (Tinta em massa e acrílica sobre aglo-
se utilizou do pontilhismo, como é possível perceber na merado)
obra pássaro. Foi expositor em inúmeras galerias nacio- Dimensões: 175.00 cm X 300.00 cm
nais e internacionais, fora as galerias online1. Represen- Estilo: Pop Art, Arte Panfletária
tou o Brasil no Prêmio Latino-Americano Codex (1968) Gênero: Figurativo
e recebeu o prêmio Guarantã de viagem ao exterior da Localização: Coleção particular
APCA (1975), além de receber prêmio no Salões de Arte
Contemporânea de Campinas no MACC (1992), entre ou-
tros. Contexto
A década de 60 constituiu-se de grandes mar-
Produziu também painéis como a Zebra (1972),
cosA década de 60 constituiu-se de grandes marcos no
na lateral de um prédio e Colcha de Retalhos (1979) na
mundo inteiro, entre eles a guerra do Vietnã, a ida do
estação da Sé do metrô, ambas estão em São Paulo.
homem à lua, a televisão como meio de comunicação,
São obras que expressam e partilham do local público,
a construção do muro de Berlim e o crescimento inten-
porque Claudio Tozzi acredita que a arte não deve estar
so da tecnologia. O Brasil vivia a Ditadura Militar (1964-
somente dentro das galerias, mas também deve ocupar
1985), iniciada2 com o golpe que depôs o presidente
as ruas. É mestre pela FAU/USP e conta com mais de 50
João Goulart. A militarização durou cerca de vinte e um
exposições individuais e mais de 100 exposições coleti-
vas. Várias delas com teor representativo do cotidiano 2 Nenhum sistema político se instaura numa sociedade de um
dia para o outro. É preciso considerar as causas que antecederam esse
1 Disponível em: laart.art.br
momento histórico.

Tudo Sobre o PAS UnB 102


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

anos e teve como uma das características a sequência [...] o consumo, indispensável para movimentar a economia
intermitente de militares no poder, suprimindo direitos capitalista, é reconhecido, mas desde que de forma cons-
políticos. ciente, responsável e sustentável. O consumismo, embora
possa constituir num aparente estímulo à felicidade, é capaz
Órgãos como o Serviço Nacional de Informa- de provocar patologias crônicas, uma vez que a felicidade é
ções (SNI), o Departamento de Ordem Política e Social momentânea (MOURA, 2018, p.2).
(DOPS), a Lei de Imprensa de 1967, assim como os atos A pop art foi um movimento que se iniciou na
institucionais, contribuíram para a imposição da censu- Inglaterra em 1950 e teve seu ápice a partir da década de
ra no país. Líderes da oposição foram cassados e muitas 60 nos Estados Unidos. Andy Warhol (1928-1987), Pauli-
vezes silenciados. Os movimentos de resistência resulta- ne Boty (1938-1966) e Rosalyn Drexler (1926) são exem-
ram em uma sequência de episódios artístico-culturais, plos de artistas que fizeram parte do movimento. Capaz
dando início a manifestações, apresentações teatrais, de discorrer sobre a cultura de massa, a pop art ironiza
composição de músicas de protestos, sendo influencia- o sistema capitalista de formas criativas, usufruindo da
dos pelo movimento hippie e pelo tropicalismo. repetição, dos contrastes em cores vibrantes e dos sím-
A ditadura não era uma peculiaridade brasileira. bolos nacionalistas.
Nesse momento, era uma realidade política de muitos A pop art chegou ao Brasil na mesma década,
países da América Latina, principalmente após a Revo- tendo influenciado artistas como Rubens Gerchman, Hé-
lução Cubana que culminou na destituição do então lio Oiticica (1937-1980) e Antonio Dias (1944-2018). Sua
ditador Fulgencio Batista. A Revolução seguia os ideais influência se expande para áreas como a maquiagem
socialistas e portanto, alinhava-se à política da União artística, as serigrafias, pinturas, cinema e música. Tem
Soviética, opositora dos Estados Unidos. A proximidade como característica o uso da cultura midiática e da vida
de Cuba e o medo que a revolução se alastrasse pelo cotidiana para fazer críticas políticas.
continente americano levou o governo estadunidense a
apoiar golpes civis e militares na América Latina.
Obra
A convivência e atuação dentro dos movimen-
A obra “Guevara, vivo ou morto’’ foi iniciada por
tos estudantis da década trouxeram para Claudio Tozzi
Claudio Tozzi em 1967, logo após a confirmação da mor-
a preocupação em expor a preocupação em expor a sua
te de Che Guevara, guerrilheiro argentino símbolo da Re-
arte de cunho político e social não apenas para artistas,
volução Cubana. A obra foi exposta em Brasília no mes-
mas também para a população como um todo. Com in-
mo ano no 4º Salão Nacional de Arte Contemporânea,
tuito de denunciar os acontecimentos daquele período e
sofrendo vandalismo por parte da ala conservadora, sen-
mobilizar a sociedade brasileira por meio de seu traba-
do também alvo de ataques na atribuição dos prêmios
lho, ele usufruía de imagens já conhecidas e transforma-
do 17º Salão Paulista de Arte Moderna. Posteriormente,
va-as em algo totalmente novo.
a obra foi restaurada.

Pop Art Segundo Claudio (2017), seu processo começa-


va ao sair pela cidade com sua câmera fotográfica, voltar
Em 1960 surgia com efervescia na França o novo para seu estúdio e deleitar-se na modificação das foto-
realismo. Diferentemente do que seu nome sugere, ele grafias. Utilizou-se de imagens populares e distorceu-as
não busca a nova identidade do realismo “antigo” (mo- de um modo a ser possível remeter à imagem original.
vimento anterior), mas investiga as possibilidades do Normalmente, as propostas publicitárias escolhidas
cotidiano atreladas ao olhar do artista. A mobilização se eram apelativas.
estendeu rapidamente para o resto da Europa e do mun-
do, tendo como particularidade a manipulação do real A peça foi feita com tinta em massa e acrílica so-
e a utilização de materiais diversificados. Diante disso, bre aglomerado, o que é chamado de serigrafia. Diante
buscou exprimir a inventividade vinculada ao subjetivo de tais aspectos, pode-se dizer que consiste em “uma
do pintor, no caso de Claudio Tozzi. E todos esses con- técnica de impressão caracterizada pela infiltração de
ceitos aproximam mais esse movimento ao dadaísmo tinta, através de uma tela permeável, com o objetivo
(1916) do que do realismo (1857), pois dispensou certos final de obter uma imagem monocromática” (SERVIÇO
padrões preestabelecidos. BRASILEIRO DE RESPOSTAS TÉCNICAS, 2007, apud JEN-
SEN, 2013, p.2).
O pintor Yves Klein (1928-1962) foi um dos pre-
cursores. No Brasil, os destaques foram para Wesley O painel se trata de um tríptico, formado pela
Duke Lee (1931-2010) e Antonio Dias (1944-2018), além junção de três painéis. Foi usado um aglomerado como
de Claudio Tozzi, que é considerado artista de duas ver- suporte. O painel mostra uma imagem duplicada do ros-
tentes: do novo realismo e da pop art. Apesar das dife- to de Guevara com os dizeres “Guevara, vivo ou morto.
renças entre a pop art e o novo realismo, essas lingua- Foi usado o processo de despolarização e de alto contras-
gens estão intrinsecamente ligadas, pois preocupam-se te, feitos a partir de três fotografias. No meio, vemos a
em criticar o consumo exagerado. imagem duplicada de Che fumando um charuto. No lado

Tudo Sobre o PAS UnB 103


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

superior, uma imagem também duplicada de homens uma reflexão sobre os fundamentos políticos da participa-
manifestando por algo. No lado inferior, uma duplicação ção social, assim como o desafio da corresponsabilidade
da imagem de uma criança assustada. No meio da tela, na manutenção dos valores democráticos. Essas reflexões
a expressão “Guevara, vivo ou morto”. Em resumo: Che podem ser estabelecidas em obras como Navio de emi-
Guevara aparece fumando charuto, ao centro de duas grantes, de Lasar Segall, Autorretrato como um soldado,
fileiras de imagens de adultos e crianças. de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz-
zi, e Hidalgo incendiário, de José Clemente Orozco. (Pági-
“Há na obra um ritmo que sugere diálogos entre as persona- na 11, terceiro parágrafo)
gens. O fundo do Guevara consiste em um padrão de listras
diagonais brancas e vermelhas que, além de nos remeter a Estruturas
uma temática circense ou algo como um anúncio comercial,
estabelece um movimento entre as figuras e entre essas e o A forma de organização dos elementos (pontos,
título. As listras provocam na figura do guerrilheiro um sen- linhas, curvas) no espaço delineia uma imagem e, conse-
tido de convergência em direção ao centro, como se ele es- quentemente, as características de um movimento artísti-
tivesse entrando no painel e, ao mesmo tempo, elas aproxi- co, como é o caso das obras visuais Navio de emigrantes,
mam as figuras periféricas na direção do Guevara e ainda do de Lasar Segall, Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi,
centro. Deste modo, o guerrilheiro argentino atua como um Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e das músicas O
ímã que atrai tanto as figuras, como se em instantes todas
Real Resiste, de Arnaldo Antunes, Dona de Mim, interpre-
elas se juntassem em um só núcleo, quanto o nosso olhar. “
(MEDEIROS, Alexandre Pedro. Violência contra a obra / Obra tada por Iza, Não Recomendado, interpretada pelo trio
como violência: Guevara, vivo ou morto… exposto em Brasí- Não Recomendados e Elevação Mental, de Triz, que ilus-
lia (1967), p. 5) tram perspectivas críticas sobre a diversidade estrutural.
(Página 17, primeiro parágrafo)
Foi pintado na cor preta, com contornos mais
fortes e que não se misturam ao resto da imagem, dan- Energia e campos
do ênfase ao rosto do argentino. É comum ver imagens Ao viabilizar o uso de novas formas de energia,
espelhadas na pop art, dando outro ângulo e talvez a torna-se possível a percepção de alterações no ambiente
sensação de estranheza, como é o caso dessa obra de e a identificação de novos cenários energéticos a partir do
Tozzi. Já as cores vermelho e branco aparecem no resto século XX. As obras Autorretrato na fronteira do México e
dos espaços e se mostram muito pulsantes.


dos EUA, de Frida Kahlo, Autorretrato como um soldado,
de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz-
zi, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social, de
Pawel Kuczynski, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, e
Navio de emigrantes, de Lasar Segall, incitam reflexões
Citações da Obra na Matriz de Referências sobre as situações-problemas e mudanças nos sistemas
O ser humano como um ser que interage de produção e conflitos. Na sociedade contemporânea, a
gestão das matrizes energéticas constitui um importante
Além dessa abordagem contextual, com ênfase objeto de estudo, exigindo especial atenção aos aspectos
nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também éticos, ecológicos, políticos e socioeconômicos associados
discutidas as maneiras como os artistas interagem com ao seu uso racional. (Página 20, segundo parágrafo)
diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na
carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de Cenários contemporâneos
Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos ao Os aspectos dos conflitos pelo poder, vistos em di-
museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme Um ferentes experiências políticas, tanto na formação dos Es-
cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Através, tados-nação quanto na formação das classes burguesa e
de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio To- proletária, mediante a consolidação do modo de produ-
zzi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock ou o ção capitalista, podem ser observados nas obras Hidalgo
Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se encon- incendiário (1937), de José Clemente Orozco, e Guevara
tram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de encon- vivo ou morto (1967), de Claudio Tozzi. (Página 28, pri-
tro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo) meiro parágrafo)
Indivíduo, cultura, estado e participação política Cenários contemporâneos
A liberdade de expressão do artista que demons- As obras Guevara vivo ou morto (1967), de Clau-
tra um pensamento individual e ou coletivo pode ser de- dio Tozzi, Trouxas ensanguentadas (1970), de Artur Barrio,
batido com a análise da obra Guevara vivo ou morto, de e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365, são asso-
Claudio Tozzi, em que o artista foi obrigado a recriá-la, ciadas ao contexto de disputas ideológicas e lutas sociais
depois de vê-la destruída durante a sua exposição em Bra- relacionadas às Ditaduras da segunda metade do século
sília nos anos de 1960. (Página 8, quarto parágrafo) XX.. o Desse modo, é possível relacionar as obras às dita-
Portanto, o objeto de conhecimento articula sabe- duras militares na América Latina, mas especialmente à
res, como cultura e mudanças sociais, proporcionando Ditadura Militar Brasileira, período autoritário que durou

Tudo Sobre o PAS UnB 104


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

vinte e um anos, caracterizado pela promoção de medidas Anotações e Rascunhos


de restrição às liberdades individuais e coletivas, pela cen-
sura e a repressão aos opositores do regime, como é re-
forçado na carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drum-
mond de Andrade (1975). A discussão do direito de livre
expressão no contexto histórico da ditadura militar brasi-
leira é presente em obras musicais marcantes e diversas
entre si: Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque (1978), Me
deixe mudo, de Walter Franco (1973), e Solange, na ver-
são da Banda Solange (1985). (Página 30, primeiro pará-
grafo)
Espaços
Considerando essas conjunturas de cenários in-
ternacionais e locais, evidencia-se a relevância de com-
preender a configuração da economia mundial capitalista
do pós-Segunda Guerra Mundial e as consequências so-
cioeconômicas e espaciais dos processos de constituição
do capitalismo mundialmente integrado, como pode ser
pensado a partir de Guevara vivo ou morto, de Claudio
Tozzi, e Autorretrato na fronteira do México e dos E.U.A,
de Frida Kahlo. (Página 36, primeiro parágrafo)
Materiais
Por outro lado, outros modernistas adotam novos
materiais para sua produção como em Navio de emigran-
tes, de Lasar Segall, que faz uso do óleo com areia sobre
tela e Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi, que faz
uso de tinta em massa e acrílica sobre aglomerado. O Pa-
lácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, apresenta um dos
símbolos da arquitetura modernista com uso do concreto,
arcos em robustas colunas e grandes vãos livres além de,
internamente, possuir a instalação Ponto de encontro, de
Mary Vieira, que utiliza uma base de mármore com 230
placas de alumínio que podem ser mudadas de posição de
acordo com a vontade do público. (Página 38, terceiro pa-
rágrafo)
Análise de dados
Vale lembrar novas modalidades de linguagem
surgidas em relação ao desenvolvimento industrial, ao
aumento da população mundial e, consequentemente, do
consumo. Nessa perspectiva, a mistura de linguagens e
contextos pode ser estudada nas obras Trevas, de Jards
Macalé, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social,
de Pawel Kuczynski, Guevara vivo ou morto, de Claudio
Tozzi, Autorretrato na fronteira do México e dos EUA, de
Frida Kahlo, e O encontro de lampião com Eike Batista, de
El Efecto. (Página 42, quarto parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Tudo Sobre o PAS UnB 105


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Meteoro - Bruno Giorgi

Autor
Nascido em 13 de agosto de 1905 em São Paulo, Seu acervo conta com o total de 32 peças de
o escultor e pintor Bruno Giorgi mudou-se para a Itália bronze, 25 esculturas de mármore, 3 obras de terracota,
com a família quando ainda criança. Iniciou sua carreira além de 2 estátuas de pedra-sabão, 6 de gesso, 1 escul-
aos 15 anos (aproximadamente) estudando desenho e tura de madeira e 6 desenhos. Diante de tais realizações,
escultura com o docente Loss. Permaneceu boa parte de recebeu premiações nacionais de escultura e contou
sua vida em Roma e até seus 25 anos Giorgi comerciali- ainda com exposições no Brasil e na Europa. Além disso,
zava café ao lado de seu pai. Isso não o impediu de con- também fez parte da Comissão Nacional de Belas Artes
sumir arte, pois sempre frequentou os museus e esteve por um tempo.
atento às variedades artísticas da cidade.
Apesar de ter crescido e estudado na Itália, Bru-
Por ter se alinhado com as correntes antifascis- no Giorgi é tido como o escultor brasileiro contemporâ-
tas, Bruno Giorgi foi condenado e cumpriu quatro anos neo com maior significância. Morreu em 07 de setem-
na prisão italiana. Retornou ao Brasil em 1935, mas per- bro de 1993 no Rio De Janeiro e deixou um legado de
maneceu apenas dois anos e deslocou-se novamente desenhos e esculturas, como: Monumento à Juventude
para o exterior. Em Paris estudou em La Grande Chau- Brasileira  (1947) no Rio De Janeiro; Integração (1989)
miàre e Ranson, e além de ser instruído por Aristide no Memorial da América Latina em São Paulo e Candan-
Maillol, fez amizade com outros artistas parisienses. Isso gos (1960) na praça dos Três Poderes.
ampliou sua bagagem profissional e enriqueceu sua tra-
jetória pessoal.
Em 1939 Giorgi fez parte de dois grupos em São
Paulo: a família artística e o grupo Santa Helena. Come-
çou a desenvolver então estudos acerca da pintura e da
arte de modelos-vivos. Aos 38 anos de idade, abriu seu
ateliê no Rio De Janeiro e se tornou docente de artes,
influenciando vários jovens artistas da época com suas
técnicas e sua visão de mundo.
Os processos de Giorgi classificam-se em três
grandes momentos. O figurativo, vegetativo e a tectô-
nica. Bruno começou inspirado pelos seus aprendiza- Meteoro. Internet: <www.pinterest.de>
dos acadêmicos e remetendo suas obras aos mesmos
preceitos. Trata-se da idealização de corpos femininos Ficha Técnica
majoritariamente, mas que seguem a linha da forma, da
retração de contornos identificáveis. É possível observar Título: Meteoro
obras deveras extremistas, ou muito alongados ou muito Autor: Bruno Giorgi
arredondados, como em Nu feminino (1939). Ano: 1967
Técnica: Escultura em mármore branco
Em sua segunda etapa, o artista preservou parte
de sua linha de pesquisa, mas também começou a inves- Contexto
tigar como a arte é capaz de causar impactos, trazendo
aspectos como de esvaziamento, moção, curvas e bre- O Brasil passava por instabilidades desde a dé-
chas. cada anterior e na década de 60 desencadeia-se um es-
topim de conflitos, entre eles a Guerra Fria (1947-1991)
No terceiro momento seus trabalhos se aproxi- e a ditadura militar no Brasil, que foi de 1964 até 1985.
maram do abstrato e subjetivo, em que o corpo huma- Esse sistema político consolidou-se com um golpe que
no se propõe a mesclar com a arquitetura do ambiente. destituiu o então presidente João Goulart. O golpe foi
Esse tipo de conexão colabora para que as duas coisas fruto de um sentimento anticomunista que reverberava
se conectem além de desenvolver harmonia fluída en- na América Latina com o apoio dos Estados Unidos, prin-
tre escultura e espaço. É o momento profissional no qual cipalmente após a Revolução Cubana (1959).
Giorgi dispõe de obras mais famosas, dentre essas estão:
Meteoro (1960) e Os Candangos (1960), ambas em Bra- Após a tomada do poder pelos militares e a
sília. implementação dos atos institucionais, a ditadura con-
firmou seu caráter autoritário. Essa militarização durou
cerca de vinte e um anos e teve aproximadamente cinco

Tudo Sobre o PAS UnB 106


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

mandatos consecutivos de militares que foram alçados à da valorização de elementos nacionais partindo de uma
presidência sem a participação da população. revisão crítica do passado nacional, eliminando os recal-
ques da colonização” (p.3).
Os Anos de Chumbo (anos 70), como ficou co-
nhecido, foram considerados os mais violentos. Crescia Vários artistas com idades e ideias diferentes
a opressão política por parte dos militares contra os mo- passaram pelo movimento e isso provocou a segmenta-
ção destes em três gerações distintas. A primeira geração
vimentos populares e opositores, centenas de mortes, deu-se pelos artistas que se colocaram na responsabili-
censuras, exílios e desaparecimento de pessoas. Os mo- dade de quebrar e esquecer o movimento anterior. Além
vimentos estudantis e a pressão social foram crescendo de rejeitar criações antigas, as aspirações consistiam em
e protestos como as Diretas Já (1983 e 1984) reuniram mostrar e formular a identidade brasileira capaz de des-
milhões de pessoas no país inteiro. As manifestações e vincular-se das cópias de técnicas dos outros países.
indignações a respeito do sistema eram para que hou-
vesse eleições diretas e a volta da democracia. Mesmo A segunda geração veio com uma preocupação
dupla, a de compreender as explorações descobertas e
depois da explícita reivindicação, a emenda constitucio- livres da geração anterior, porém, limitando suas exa-
nal não foi aprovada. Entretanto, Tancredo Neves, políti- cerbações. Concretizou uma ponderação diferenciada e
co civil, foi eleito indiretamente, contando com apoio da consolidou melhor seus aspectos, técnicas, reivindica-
população, o que colocou fim à ditadura militar. ções, buscas e manifestações.
Vale salientar também a respeito o movimento A exaltação do que era nacional e a simboliza-
feminista, que teve início nos EUA nesse mesmo perío- ção da realidade ficaram em segundo plano na terceira
do e posteriormente alastrou-se pelo resto do mundo. geração. Com os avanços das mobilizações anteriores
Quando chegou ao Brasil, uma das pautas do movimen- e efetivações de alguns aspectos, a última geração não
to era a violência doméstica contra as mulheres. Mesmo quis se associar as essas mesmas ações ou com os rom-
pimentos já propostos. Houve então o desvincular-se de
na ditadura, esses debates se expandiram. Com intuito normas e exploração de novos percursos. Assim, existiu
de potencialização dos questionamentos e transforma- o aprofundamento e ampliação da psicologia em certas
ção da opressão contra a mulher, o movimento aliou-se produções e quando havia a presença de personagens,
às mobilizações e temáticas esquerdistas, dando força esses ganhavam características que comunicavam a res-
não somente para as demandas dos movimentos, mas peito de sua personalidade, de suas problemáticas pes-
também em oposição ao regime militar. soais e também coletivas.
Nos primeiros anos da década de 60, lança-se a pílula anti-
concepcional, num contexto em que o movimento feminis- Obra
ta no mundo vai se configurando como uma luta não só por A obra Meteoro foi feita entre 1967 e 1968 e faz
espaço político e social, mas como uma luta por uma nova
parte da terceira fase de Bruno Giorgi, a qual é chamada
forma de relacionamento entre homem e mulher. Em segui-
da, vive-se um momento de repressão com a ditadura militar, de tectônica. A escultura foi feita com mármore branco e
porém, na década de 1970, o movimento ganha expressivi- está localizada num espelho d’água no Palácio do Itama-
dade através dos debates públicos sobre o papel da mulher raty (DF). Para encaixar todos os cinco pedaços da obra
na sociedade. Além disso, o feminismo aproximasse da es- e colocá-la no local indicado, fez-se necessário o uso de
querda e dos conceitos marxistas, esforçando-se para ganhar guindaste. Seu peso total dispõe de cinquenta toneladas
legitimidade (ALVES, 2013, p. 4). de mármore e com a ajuda de artesãos o tempo para
execução totalizou em quatorze meses. Foi preciso que
Modernismo o artista extraísse da Itália o mármore de qualidade. Ou
seja, para conseguir realizar sua ideia foi preciso impor-
As obras de Bruno Giorgi foram realizadas na tar material da cidade de Carrara.
época do modernismo e apesar de algumas concepções
só serem consolidadas a partir da década de 30, essa A forma arredondada e contínua atrelada aos
tendência chegou ao Brasil em 1922 e foi destaque na vácuos em sua composição contribuem para que a obra
semana de arte moderna. aparente estar pairando sobre o espelho d’água. A estru-
tura dialoga com o Palácio que, apesar de ter seu forma-
Os artistas desse movimento eram influenciados to distinto e ter sido idealizado por um autor diferente
pelas experiências que traziam de outros países. Giorgi (Oscar Niemeyer), se conecta com a escultura, forman-
conseguiu exprimir referências relacionadas ao Brasil e a do uma coisa só. Esse tipo de preocupação está não so-
Itália, aguçando detalhes de uma dualidade cultural que mente neste, mas em vários dos trabalhos de Giorgi. O
adquiriu ao longo de sua vivência entre um país e outro. mármore branco traz destaque sutil para a criação e suas
Algumas características do movimento são: o cinco partes representam os laços diplomáticos entre os
desejo de inovar, a relevância da linguagem coloquial continentes do mundo.
em vez da formal, a valorização pela retratação brasilei-
ra e sentimento nacionalista aflorado. A ideia era rom- O processo de Giorgi segue a linha abstrata, e a
per com a forma de fazer arte tida como antiga. Con- arte abstrata é um modo de comunicar de uma maneira
forme Oliveira (2012), “em linhas gerais, os modernistas diversificada e às vezes até exótica. Não apresenta obje-
propunham a reconstrução da cultura brasileira através tivamente e nem possui intuito de retratar seguindo a

Tudo Sobre o PAS UnB 107


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

ideia realista ou figurativa. Possui uma gama de estímu- Estruturas


los não palpáveis, mas que podem ganhar forma e voz
mediante a arte. Isso ocorre por meio da fala inexplicável Diferentes estruturas podem ser observadas no
ou explicável de uma maneira não ortodoxa. Conforme campo das ciências, como o tratamento de problemas
Fortuna (2001), do espaço, destacando-se a localização de pontos, de
retas e de circunferências por suas coordenadas ou por
Uma forma de comunicação visual peculiar. Educa, também suas equações, como é possível perceber nas instalações
peculiarmente, para os sentidos, para um mental diferente, Através, de Cildo Meireles e Ponto de Encontro, de Mary
para uma maneira de ver a própria arte, tendo os reconhe- Vieira, e nas obras modernistas Palácio do Itamaraty, de
cimentos da realidade como inexistentes e inessenciais. É
Oscar Niemeyer, e Meteoro, de Bruno Giorgi. A compara-
um meio de expressão e comunicação que se pode conside-
rar exótico. Através dela vamos penetrando, com abertura, ção da estrutura dos números reais com a dos números
o sentido das coisas. Uma comunicação plural. Os recursos complexos permite estabelecer as congruências necessá-
icônicos da arte abstrata tendem a ser subversivos com a rias exigidas pela evolução do conhecimento matemático,
extirpação da realidade fenomênica e reconhecível. Por sua diante das necessidades do desenvolvimento tecnológico.
própria natureza, procura caminhos de inconformidade e (Página 16, quarto parágrafo)


ruptura (p.1).
Cenários contemporâneos

A mudança da capital federal para Brasília foi


utilizada como instrumento de propaganda política do
Citações da Obra na Matriz de Referências governo populista de JK, reforçada pelo discurso político
desenvolvimentista dos “cinquenta anos em cinco”. Entre-
O ser humano como um ser que interage tanto, a construção da nova capital federal foi marcada
por contradições e desigualdades sociais relacionadas ao
Além dessa abordagem contextual, com ênfase
seu espaço urbano. No centro de poder político, localizado
nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também
na Esplanada dos Ministérios, a arquitetura modernista
discutidas as maneiras como os artistas interagem com
de Oscar Niemeyer é marcada pelo edifício Palácio do Ita-
diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na
maraty (1960-70). Na frente do Palácio, localizado no es-
carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
pelho d’água, nota-se a presença da escultura Meteoros,
Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos
de Bruno Giorgi (1960), representando a paz e união en-
ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme
tre os continentes. Internamente, o Palácio do Itamaraty
Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Atra-
apresenta inúmeras obras, dentre as quais destaca-se a
vés, de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio
instalação Ponto de Encontro (1967), de Mary Vieira. (Pá-
Tozzi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock
gina 28, segundo parágrafo)
ou o Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se
encontram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de Número, grandeza e forma
encontro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo)
As representações gráficas possibilitam interpre-
Indivíduo, cultura, estado e participação política tar os aspectos energéticos das reações químicas e da
solubilidade em água. Permitem, ainda, o estudo das cur-
Nas obras visuais Acordeonista, de Picasso, Me-
vas e das figuras planas em seus aspectos analíticos, as
teoro, de Bruno Giorgi, Ritmo de Outono – número 30,
construções geométricas no plano, além dos conceitos de
de Jackson Pollock, Através, de Cildo Meireles, e Ponto de
paralelismo e perpendicularismo. Nesse sentido, torna-se
Encontro, de Mary Vieira, há diversas possibilidades para
relevante também perceber a construção do espaço pre-
perceber e refletir sobre transformações estéticas e a im-
sente no edifício Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer,
portância da produção artística como representação da
e na escultura Meteoro, de Bruno Giorgi. (Página 32, ter-
cultura. (Página 11, primeiro parágrafo)
ceiro parágrafo)
Tipos e gêneros
Espaços
Da mesma forma que há músicas com gêneros
O espaço geográfico existe como um dado insepa-
bem definidos e outras para as quais não é possível de-
rável da vida global, formado por um conjunto indissociá-
finir, a produção das artes visuais transita por diferentes
vel, solidário e também contraditório, de sistemas de obje-
gêneros, tipos e suportes, a começar pela vanguarda eu-
tos e sistemas de ações, não considerados isoladamente,
ropeia representada pelas obras Acordeonista, de Pablo
mas como o quadro único no qual a história se dá entre o
Picasso, representante do Cubismo analítico, e Autorre-
local, o regional e o mundial. Novos arranjos econômicos
trato como um soldado, de Ernst Kirchner, representante
desafiam a eficiência dos modelos neoliberais em crises
do Expressionismo e integrante do grupo “A ponte”. Em
sistêmicas do capital. Parte desses processos problema-
seguida,o modernismo brasileiro é marcado pelas obras
tizados nas Ilustrações críticas - Sátiras Desigualdades
Meteoro, de Bruno Giorgi, Palácio do Itamaraty, de Oscar
Sociais, de Pawel Kuczynski, e na escultura Meteoro, de
Niemeyer, Mestiço, de Cândido Portinari, e Morro da Fa-
Bruno Giorgi. (Página 35, quarto parágrafo)
vela, de Tarsila do Amaral. (Página 14, quarto parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 108


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Materiais

A produção das artes visuais se manifesta de


acordo com os materiais e a cultura da sociedade da
época. Com as transformações e as inovações estéticas
surgidas com as vanguardas européias e o modernismo
brasileiro, alguns artistas ainda dão preferência ao uso
das técnicas tradicionais, como a escultura em mármore
Meteoro, de Bruno Giorgi e na pintura à óleo presentes
em Acordeonista, de Picasso, Mestiço, de Cândido Porti-
nari, e Morro da Favela, de Tarsila do Amaral. (Página 38,
segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 109


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Série Roupa-Corpo-Roupa: O Eu e o Tu -
Lygia Clark

Autora
A desenhista, pintora, professora, escultora e tando com inúmeras exposições individuais e coletivas e
psicoterapeuta Lygia Pimentel Lins nasceu em Belo Hori- dentre elas obras em bienais e salões de artes.
zonte, Minas Gerais, em 23 de outubro de 1920. Desen-
volveu instalações (manifestações artísticas que utilizam Conforme Carvalho (2011), “A trajetória de Lygia
o espaço para a composição de sua obra) e body art (o Clark é a própria trajetória de vida e arte que se mes-
corpo é usado como parte da manifestação artística) e é clam, se misturam, se desdobram, se tocam, se confun-
frequentemente associada à performance ou ao happe- dem para resgatar o significado primeiro de “ser e estar”
ning (um tipo de junção entre as artes visuais e cênicas no mundo” (p.1).
pautada pela ação). Depois de sua morte, foi criado em sua home-
Foi para Paris onde passou alguns anos tendo nagem a exposição que comemora o centenário de Lygia
contato com artistas do exterior e chegou a expor seus Clark. O Itaú cultural também separou um agrupamento
trabalhos na Galeria do Institut Endoplastique de Paris. de produções que expõem uma retrospectiva do traba-
Quando voltou ao Brasil, tornou-se pioneira do grupo lho da propositora, trazendo à tona suas criações da dé-
de neoconcretismo e também compôs o Grupo Frente, cada de 60, mas que puderam ser vivenciadas no ano de
coletivo onde a diversidade de linguagens prevalecia, já 2012 e que poderiam ser experienciadas ainda hoje.
que cada artista seguia sua própria linha de interesse e
também o tipo de material a ser utilizado.
A autora classificou como linha orgânica a téc-
nica da pintura onde ultrapassa-se os “limites” da mol-
dura, ou transforma a moldura de modo a “invadir” o
espaço da pintura. Depois de um tempo pintando, Clark
desenvolveu outros estilos e até se autointitulou propo-
sitora, dispensando o título de artista.
Começou a trabalhar com objetos imóveis como
no caso da série Bicho (1960 -1964), em que as escultu-
ras são pequenas e metálicas com dobraduras que per-
mitem manipulá-la de variadas formas. Também criou
diversas intervenções diferenciadas como em: O Eu e o
Tu, Série Roupa-Corpo-Roupa (1967), A Casa É o Corpo:
Labirinto (1968) e “Nostalgia do Corpo” (1968).
Essas composições contam com a estimulação
da autonomia do público, para que este seja coautor da
experiência e que consiga romper sua zona de confor-
to. Por isso, os processos de Lygia são conectados dire-
tamente com a performance e com o happening, pois
além de rejeitar a ideia de espetacular e intocável, essas
linguagens também encorajam a abertura e a não disso-
ciação entre artista, obra e espectador.
A última fase da artista é o momento no qual
ela mergulha nos campos da terapia e abstrai-se da es-
tética, referindo a si mesma como não-artista. Segundo O eu e o tu. Internet: <www.moma.org>

a teoria de Lygia, era possível tratar as problemáticas vi-


vidas pelo indivíduo, a partir da manipulação de objetos Ficha Técnica
conectados aos sentidos e bagagens existente do corpo
humano, transformando materiais como água, sementes Título: O Eu e o Tu, Série Roupa-Corpo-Roupa
e ventos em um meio terapêutico, capaz de aflorar os Autora: Lygia Clark
cinco sentidos do sujeito e suavizar suas preocupações Ano: 1967
e inquietações. Proposição: Body art
Lygia Clark morreu aos 67 anos, em 25 de abril
de 1988. Atualmente é considerada uma das maiores
artistas/propositoras contemporâneas brasileiras, con-

Tudo Sobre o PAS UnB 110


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Contexto O neoconcretismo se iniciou em 23 de março de


1959, com um manifesto que abriu a I Exposição de Arte
De 1964 até 1985, implantou-se a ditadura mi- Neoconcreta no Brasil. Os inauguradores e consequente-
litar. Esse regime alterou o modo de vida das pessoas mente os primeiros nomes a se associarem ao movimen-
e solidificou a militarização por mais de vinte anos no to foram: Ligia Clark, Ligia Pape, Ferreira Gullar, Franz
Brasil. Influenciou diversas mobilizações culturais e, ao Weissmann, Reynaldo Jardim, Theon Spanudis e Amílcar
mesmo tempo em que a forma de governo ia controlan- De Castro. A mobilização surgiu a partir de indagações
do e reprimindo certas ações artísticas, algumas outras feitas pelos artistas do concretismo (os mesmos do neo-
iam ganhando força e exigindo espaço dentro da política concretismo) que, chegaram à conclusão de que suas
brasileira. Conforme Favaretto (2016), ações estavam pautadas em regras predeterminadas.
Não é que a arte fala da política e nem que ela produz uma Buscou-se então a ruptura com os exageros
ruptura que remete ao social, etc., mas porque a experiência definidos pelo concretismo e o abandono da linha ab-
da arte desloca o sujeito, e consequentemente desloca a po-
surdamente racional para tentar emergir o subjetivo e
sição da arte. Isso é político, pois diz respeito a uma mudança
de valor. Oiticica disse uma vez que a função do artista não é abstrato mediante de investigações mais livres. Consi-
criar, mas mudar o valor das coisas (p.18). dera-se então no neoconcretismo a recuperação da arte
como uma linguagem sensível e maleável que é capaz
Com repressões intensas contra os movimentos de dialogar com o espectador por uma abordagem mais
estudantis, mortes, censuras, desaparecimento de pes- intimista e menos robotizada, além de subverter o dis-
soas e ações militares irremediáveis, os anos de chum- tanciamento entre espectador e obra.
bo foram considerados os mais brutos. Depois de alguns
anos por conta das várias falhas presentes no sistema, a O neoconcretismo também procurava consi-
pressão social e as indignações se fortaleceram. A “Dire- derar o espectador como coautor da obra, visto que, a
tas já” (1983 e 1984) foi uma das mobilizações em des- partir do momento que o sujeito se libertava para as des-
taque. Chegou a reunir inúmeras pessoas no país inteiro cobertas, transformava-se em parte da ação juntamente
que clamavam pela democracia e por eleições diretas, com o artista. Então, a fim de retomar as experimenta-
a favor da proposta de emenda constitucional Dante ções artísticas e deixar em relevância a inventividade hu-
de Oliveira. Mesmo depois da explícita reivindicação a mana, a linha neoconcreta procurava desprender-se dos
emenda constitucional não foi aprovada. Entretanto, dogmas e estigmas pressupostos da época.
Tancredo Neves, político civil, foi eleito indiretamente,
Sendo assim, o movimento buscava suas pró-
contando com apoio da população, o que colocou fim à
prias soluções para constituir a arte brasileira, entretan-
ditadura militar em 1985.
to, teve maior consolidação no Rio De Janeiro. Houve
As discussões a respeito da violência contra as exposições no Rio De Janeiro e em São Paulo, contudo,
mulheres foram instigadas pelo movimento feminista, em São Paulo foi alvo de maiores críticas por parte dos
também no período da ditadura militar. As lutas feminis- críticos tradicionais.
tas desse período tiveram força maior quando se uniram
a outros movimentos de oposição. Apesar dos ganhos, Obra
a luta contra o sexismo é constante e conforme Alves
(2013), A obra foi desenvolvida pela autora em 1967,
em sua fase de experimentações não convencionais. O
Os movimentos feministas conquistaram muitos avanços, Eu e o Tu, Série Roupa-Corpo-Roupa faz parte de uma
principalmente no que se refere à entrada da mulher no mer- série composta por mais duas obras na mesma linha
cado de trabalho e o acesso à cultura de um modo geral. Po- de pesquisa. É feito com duas pessoas que se dispõem
rém, as transformações sociais englobam várias dimensões a vestir macacões de plásticos e se aventurarem diante
da vida social, o que faz com que as mudanças tão almejadas
ocorram de forma gradativa. Trata-se de uma luta pela liber-
disso. O macacão tem zíperes (médio e grande) em toda
dade, para além da equiparação de direitos, e pelo respeito sua extensão e podem ser abertos a qualquer momento.
à alteridade (p.7).
Os dois corpos são conectados por um tubo e
a parte dos olhos e ouvidos são fechadas pela própria
Neoconcretismo vestimenta. Dentro desses bolsos pode haver surpresas
Diversos eventos e movimentos foram pensados como espumas, água, tecido, pelos ou também, pode re-
na década de 50, mas só tiveram seu amadurecimento sultar em alguma parte do corpo do outro. Segundo Bor-
e consolidação na década seguinte. A primeira Bienal tolon (2019), “Essa obra era composta por duas peças de
Internacional de Artes de São Paulo em 1952, por exem- vestuário: dois macacões trajados por um homem e uma
plo, definiu o concretismo. Foi um dos poucos movimen- mulher para possibilitar a experiência de estar dentro do
tos que ganharam força na mesma época de sua criação, corpo de outro sexo” (p.12).
mas que rapidamente perderam sua potência. Assim, a prática parte das descobertas dos obje-
tos escondidos e buscas a respeito do toque no outro, e
do toque do outro em si. Essa impossibilidade de enxer-

Tudo Sobre o PAS UnB 111


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

gar, atrelada à dificuldade em antecipar os movimentos uma vez que ela acontece no corpo e nas ações estabe-
do parceiro de jogo, podem causar diversas sensações. lecidas entre a artista e o público. Ainda na contempora-
A capacidade tátil pode ficar mais sensível, já que não é neidade, Lygia Clark cria sua técnica terapêutica na Série
possível prever as inquietações alheias e nem antever o Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, que estabele-
que se tem em cada bolso. Dessa forma, provoca o agu- ce um novo patamar para a obra de arte, que transcende
çar da imaginação, a autonomia do espectador e a cria- a performance, tornando o público como o total agente
ção de um vínculo diferente entre os participantes. para a criação da obra de arte. De outra maneira, rom-
pendo com a estrutura clássica da arte, Arthur Barrio,
No mesmo ano de sua criação, a proposta pas- José Clemente Orozco e Acme criam obras não mais para
sou pela primeira vez no Museu de Arte Moderna (Nova serem expostas em museus e galerias, mas, sim, obras
Objetividade Brasileira) e na exposição Opinião 66. Hou- que invadem os espaços da cidade, como é possível per-
ve também uma série de exposições em São Paulo re- ceber na intervenção urbana Trouxas ensanguentadas, de
centemente, pelo Itaú Cultural em 2012 (retrospectiva).


Artur Barrio, Santa ceia moderna, de Acme, e Hidalgo in-
cendiário, de José Clemente Orozco. (Página 18, primeiro
parágrafo)

Cenários contemporâneos
Citações da Obra na Matriz de Referências
O documentário À margem do corpo (2006), de
O ser humano como um ser que interage Débora Diniz, discute a questão do direito reprodutivo, da
violência de gênero, raça e classe na região do entorno do
As questões sobre possibilidades de mudança e Distrito Federal. A obra também aborda aspectos relati-
de transformações individuais e coletivas estão presentes vos aos impactos dessas diversas formas de violência na
nas obras musicais O encontro de Lampião com Eike Batis- saúde mental das mulheres pobres e negras. Esse debate
ta, de El Efecto, Elevação mental, de Triz, e Não recomen- acerca da violência contra a mulher também está presen-
dado, de Não Recomendados, nodocumentário Das raízes te na canção Camila Camila (1987), da Banda Nenhum
às pontas, de Flora Egécia, e ainda, no trabalho terapêu- de Nós, assim como no clipe Mulamba (2018), do grupo
tico Série Roupa-corpo-roupa: “O eu e o tu” - Queer, de Mulamba, que discute questões ligadas aos movimentos
Lygia Clark. (Página 4, segundo parágrafo) feministas, na sociedade brasileira, de longa trajetória na
história do Brasil. Noções sobre liberdade, ética e respeito
Indivíduo, cultura, estado e participação política
ao corpo do outro, podem ser percebidos na performan-
A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, ce Rhythm 0 (1974), de Marina Abramovic, e nas técnicas
questiona, por meio da ação da artista e do público, no- terapêuticas Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” -
ções sobre liberdade, respeito e dignidade nas relações Queer (1967), Lygia Clark. (Página 29, terceiro parágrafo)
entre indivíduos que formam uma sociedade e compar-
Espaços
tilham de uma cultura. No filme Um cão andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí, por sua vez, discutem-se relações Além do teatro, as artes visuais transformam os
entre a liberdade artística e a ordem moral. Ainda sob espaços públicos, as galerias, os museus, e a relação pú-
essa perspectiva, porém, numa abordagem contempo- blico-obra, como pode ser observado na técnica terapêu-
rânea, a técnica terapêutica Série Roupa-corpo-roupa: tica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, de
“O Eu e o Tu” - Lygia Clark, provoca indagações sobre a Lygia Clark, no grafite Santa ceia moderna, de Acme, na
relação de si com o outro e os limites físicos e morais do performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, na perfor-
indivíduo. (Página 8, terceiro parágrafo) mance-pintura Ritmo de Outono - número 30, de Jackson
Pollock, e nas instalações Através, de Cildo Meireles, e
Tipos e gêneros
Ponto de encontro, de Mary Vieira. A intervenção urbana
A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, usa o território
e a Série Roupa corpo-roupa: “O Eu e o Tu” – Queer, Lygia da cidade, como as margens de um rio em uma cidade
Clark, provoca uma indefinição acerca dos limites entre as brasileira, para provocar diferentes sensações no especta-
linguagens artísticas e seus gêneros, uma vez que atra- dor estabelecendo reflexões sobre a censura, a violência e
vessa as artes visuais e cênicas. Desta forma, as obras de a poluição. (Página 37, primeiro parágrafo)
Abramovic e Clark apontam, ainda, outra discussão sobre
Materiais
gênero ao utilizar o corpo como suporte para a criação
da obra de arte, além de mostrar as vulnerabilidades às Com o surgimento da arte contemporânea, sur-
quais o corpo está suscetível. (Página 14, primeiro pará- gem novas linguagens e suportes para a produção artísti-
grafo) ca, como é possível perceber na action painting em Ritmo
de Outono - número 30, de Jackson Pollock, na técnica
Estruturas
terapêutica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu”, de
A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, Lygia Clark, que cria duas roupas de borracha, plástico e
propõe uma outra noção de estrutura da obra de arte, espuma interligadas por um tubo, para provocar um novo

Tudo Sobre o PAS UnB 112


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

olhar sobre o indivíduo. Na performance Rhythm 0, de


Marina Abramovic, são disponibilizados diversos objetos
e materiais para que o público utilize no próprio corpo da
artista, assim, seu corpo também se transforma em ma-
terial e suporte para a obra de arte. (Página 38, quarto
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 113


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Ponto de Encontro - Mary Vieira

Autora
A pintora, escultora e professora Mary Viera nas- decorativo.”) e movimento em espiral, faz um paralelo
ceu em 30 de julho de 1927, em São Paulo. Foi a partir com uma escadaria da construção. Com a simplicidade
de 1948, após completar o curso de Belas Artes em Belo que distingue suas obras, “Ponto de Encontro” seduz o
Horizonte, que Mary Vieira começou a se concentrar em espectador pelas inúmeras soluções oferecidas por uma
produzir os primeiros trabalhos, reconhecidos pela com- mesma escultura. Envolve, portanto, questões relacio-
posição de estruturas de caráter abstrato e geométrico, nadas à arte abstrata, à participação do observador e à
os quais combinam uma parte sólida com segmentos seriação, vinculando-se à arquitetura moderna.
móveis: placas ou círculos concêntricos que giram em
torno de um eixo fixo. Essas peças assumem configura-
ções diversas ao serem manuseadas pelo observador,
representando possibilidades plásticas contidas numa só
forma. As obras são comumente confeccionadas em aço
ou alumínio.

No mesmo ano em que se formou, a artista lan-


çou a estrutura cinevisual “Formas Elétrico-Rolatórias,
Espirálicas à Perfuração Virtual”, sua primeira escultura
eletromecânica. No ano seguinte expôs seus primeiros
“multivolumes”. Em 1951, foi à Suíça ter aulas com o re-
nomado professor Max Bill. Também integrou o Grupo
Alianz. Desenvolveu os “polivolumes” e, em 1966, pas-
sou a lecionar como titular da cadeira de estruturação
espacial na Escola Superior de Arte e Técnicas de Pla-
nejamento Gráfico e do Design Industrial, em Basiléia,
a terceira maior cidade da Suíça (atrás de Zurique e Ge-
nebra). Segundo a definição apresentada pelo Escritório
da Arte, os polivolumes são estruturas de caráter abs-
trato-geométrico, que combinam uma parte sólida com
segmentos móveis: placas ou círculos concêntricos que
giram em torno de um eixo fixo. 1 Ponto de encontro. Internet: <www.flickr.com>

Para o crítico Murilo Mendes, os polivolumes


se destacam pela força construtiva, singularidade das li-
nhas, pela realização técnica e, mais ainda, pela liberda-
de poética a eles associada. As esculturas de Mary Vieira,
em razão de seu caráter e forma dinâmicos, possibilitam
experiências lúdicas relativas ao espaço e tempo.

Várias de suas obras estão instaladas em locais


públicos no Brasil e exterior, como na Praça Rio Branco,
em Belo Horizonte e no Parque Ibirapuera, em São Pau-
lo. Entre 1999 e 2001, ela executou na Itália o monumen-
Ponto de encontro. Internet: <www.enciclopedia.itaucultural.org.br>
to “Libertação: Monovolume e Ritmos Abertos”, em ho-
menagem aos praças da Força Expedicionária Brasileira.
Ficha Técnica
No Ministério das Relações Exteriores, em Brasí-
lia (MRE), a escultura móvel “Ponto de Encontro”, com- Título: Ponto de Encontro
posta de 230 placas de alumínio anodizado (Segundo o Autor: Mary Vieira
Dicionário Online de Português, anodizar significa “sub- Data: 1969
meter um metal à ação eletrolítica, fazendo-o ânodo de Técnica: Polivolume de alumínio de configuração va-
uma pilha, antes de revesti-lo com um filme protetor ou riável, 230 placas de alumínio móveis ao redor do eixo
central e blocos de mármore
1 Disponível em: <https://www.escritoriodearte.com/artista/ Dimensões: 160 cm x 100 cm
mary-vieira> Movimento: Modernismo

Tudo Sobre o PAS UnB 114


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Modernismo A diminuição visual de peso transmite ao es-


pectador a sensação de que mover essas peças é menos
A partir das primeiras décadas do século XX, a difícil do que parece. Santos (2015) reforça que apesar
arquitetura Moderna marcou-se como um movimento desse efeito visual, mover as lâminas superiores é mais
de rejeição aos estilos tradicionais. Nesse momento, fácil do que as inferiores já que, do ponto de vista da
ocorreram mudanças em diversos aspectos que deram a física, há menos massa atuando sobre elas.
base estrutural de obras que são produzidas até hoje ao
redor do mundo. Ao redor da peça há bancos semicirculares de
mármore branco, que têm relação direta com a base da
O Modernismo arquitetônico se define pela obra, propondo muitas possibilidades de circulação. Pró-
união entre a simplicidade e a sofisticação. Esse contras- ximo do polivolume há uma escada circular que chama a
te se dá nas formas básicas em relação à matéria-prima atenção, já que na altura dos olhos do público é possível
utilizada, como o concreto aparente, o aço e o vidro. enxergar apenas a escada e o Ponto de Encontro.
Há, na arquitetura Moderna, uma preocupação Segundo Santos (2015) apud José (1976), a ar-
com as funções sociais das construções, ou seja: como tista declarou: “Quando coloquei o polivolume em 1970,
as pessoas poderiam interagir com as criações ou como alguns empregados me disseram: ‘que bom, agora te-
essas obras poderiam lhes ser úteis. mos o que fazer à noite’. Assim, a cada manhã, a escul-
tura é diferente”.
Influenciado pelas obras de Le Corbusier (1887-
1965) e pela Escola de Bauhaus, na Alemanha, o mo- Com o passar do tempo, a peça começou a apre-
vimento Modernista na arquitetura brasileira - assim sentar alguns desgastes. Um exemplo claro disso são as
como nas artes plásticas - pregava a expressão do na- 4 lâminas que estão imóveis, impedindo a manipulação
cional de forma autônoma e independente dos ideais total da obra. Infelizmente a falta de documentação da
estrangeiros. Isso contribuiu para que um novo estilo de obra impede que seja feita a manutenção correta.


pensar arquitetonicamente na Europa fosse desenvolvi-
do e adaptado à cultura e aos materiais brasileiros.

Obra
Citações da Obra na Matriz de Referências
O polivolume do Itamaraty é uma das peças de
Mary Vieira que apresenta melhores condições de con- O ser humano como um ser que interage
servação, já que se encontra em um ambiente monitora-
do e com pouco fluxo de pessoas. “Ponto de encontro” Além dessa abordagem contextual, com ênfase
foi encomendada pelo Ministério das Relações Exterio- nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também
res para figurar como obra permanente. O próprio Nie- discutidas as maneiras como os artistas interagem com
meyer, que foi quem projetou o Palácio do Itamaraty, diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na
encomendou a peça à artista. carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos
Em 1976, em entrevista ao Correio Braziliense, ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme
a artista declarou que considerou interessante construir, Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Atra-
na área do Saguão do Palácio do Itamaraty, uma obra em vés, de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio
que as pessoas pudessem participar da escultura, crian- Tozzi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock
do formas com suas mãos. Assim, o espectador é convi- ou o Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se
dado a interagir e manipular a peça, dando a ela a forma encontram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de
que quiser dentro das inúmeras possibilidades. A obra encontro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo)
também pode ser encarada como um símbolo de paz e
Indivíduo, cultura, estado e participação política
fraternidade universal. O objetivo da artista era trans-
formar o espaço em uma praça, ou ponto de encontro, Nas obras visuais Acordeonista, de Picasso, Me-
como o próprio nome propõe (SANTOS, 2015). teoro, de Bruno Giorgi, Ritmo de Outono – número 30, de
Jackson Pollock, Através, de Cildo Meireles, e Ponto de
A base do polivolume é feita de mármore bran- Encontro, de Mary Vieira, há diversas possibilidades para
co com um recuo, dando a impressão de que o material perceber e refletir sobre transformações estéticas e a im-
pesado parece flutuar. Essa base sustenta uma coluna de portância da produção artística como representação da
lâminas de alumínio espaçadas por arruelas metálicas, cultura. (Página 11, primeiro parágrafo)
permitindo que as lâminas sejam movidas com mais fa-
cilidade e que a passagem da luz diminua visualmente o Tipos e gêneros
peso da peça.
Com a arte contemporânea, surge a instalação e
a intervenção urbana representadas pelas obras Através,

Tudo Sobre o PAS UnB 115


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

de Cildo Meireles, Trouxas ensanguentadas, de Artur Bar- Espaços


rio e Ponto de encontro, de Mary Vieira. (Página 14, sexto
parágrafo) Além do teatro, as artes visuais transformam os
espaços públicos, as galerias, os museus, e a relação pú-
Estruturas blico-obra, como pode ser observado na técnica terapêu-
tica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, de
Diferentes estruturas podem ser observadas no Lygia Clark, no grafite Santa ceia moderna, de Acme, na
campo das ciências, como o tratamento de problemas performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, na perfor-
do espaço, destacando-se a localização de pontos, de mance-pintura Ritmo de Outono - número 30, de Jackson
retas e de circunferências por suas coordenadas ou por Pollock, e nas instalações Através, de Cildo Meireles, e
suas equações, como é possível perceber nas instalações Ponto de encontro, de Mary Vieira. A intervenção urbana
Através, de Cildo Meireles e Ponto de Encontro, de Mary Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, usa o território
Vieira, e nas obras modernistas Palácio do Itamaraty, de da cidade, como as margens de um rio em uma cidade
Oscar Niemeyer, e Meteoro, de Bruno Giorgi. A compara- brasileira, para provocar diferentes sensações no especta-
ção da estrutura dos números reais com a dos números dor estabelecendo reflexões sobre a censura, a violência e
complexos permite estabelecer as congruências necessá- a poluição. (Página 37, primeiro parágrafo)
rias exigidas pela evolução do conhecimento matemático,
diante das necessidades do desenvolvimento tecnológico. Materiais
(Página 16, quarto parágrafo)
Por outro lado, outros modernistas adotam novos
Cenários contemporâneos materiais para sua produção como em Navio de emigran-
tes, de Lasar Segall, que faz uso do óleo com areia sobre
A mudança da capital federal para Brasília foi tela e Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi, que faz
utilizada como instrumento de propaganda política do uso de tinta em massa e acrílica sobre aglomerado. O Pa-
governo populista de JK, reforçada pelo discurso político lácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, apresenta um dos
desenvolvimentista dos “cinquenta anos em cinco”. Entre- símbolos da arquitetura modernista com uso do concreto,
tanto, a construção da nova capital federal foi marcada arcos em robustas colunas e grandes vãos livres além de,
por contradições e desigualdades sociais relacionadas ao internamente, possuir a instalação Ponto de encontro, de
seu espaço urbano. No centro de poder político, localiza- Mary Vieira, que utiliza uma base de mármore com 230
do na Esplanada dos Ministérios, a arquitetura modernis- placas de alumínio que podem ser mudadas de posição
ta de Oscar Niemeyer é marcada pelo edifício Palácio do de acordo com a vontade do público. (Página 38, terceiro
Itamaraty (1960-70). Na frente do Palácio, localizado no parágrafo)
espelho d’água, nota-se a presença da escultura Meteo-
ros, de Bruno Giorgi (1960), representando a paz e união Análise de dados
entre os continentes. Internamente, o Palácio do Itamara-
ty apresenta inúmeras obras, dentre as quais destaca-se Integram também este objeto conceitos relativos
a instalação Ponto de Encontro (1967), de Mary Vieira. aos princípios de contagem (aditivo e multiplicativo), aos
(Página 28, segundo parágrafo) agrupamentos (arranjos, permutações e combinações) e
ao conceito de probabilidade. No campo da matemáti-
Número, grandeza e forma ca, evidenciam-se as relações desses conceitos com os de
geometria e de padrões numéricos, estimulando o desen-
O conhecimento das possibilidades de ação e das volvimento de raciocínios dedutivo e indutivo. No campo
suas limitações é fator relevante no entendimento futu- das artes visuais, o Acordeonista, de Pablo Picasso, Ponto
ro de manutenção da vida na Terra. Essa compreensão de encontro, de Mary Vieira, e a obra musical Quarteto
é facilitada pelo uso dos princípios de contagem. O exer- para o fim dos tempos (1º Movimento - Liturgia de Cris-
cício de contar, ao qual se aplicam princípios e métodos tal, 6º movimento- Dança do Furor para as 7 trombetas
estatísticos ou probabilísticos, auxilia a compreensão de e o 8º movimento - Louvor à imortalidade de Jesus), de
ações relevantes e necessárias que devem ser realizadas Oliver Messiaen, são exemplos de obra para se trabalhar
no presente, com o intuito de viabilizar contextos futuros. arranjos, combinações e permutações. (Página 42, tercei-
A reflexão sobre essas ações pode ser subsidiada no texto ro parágrafo)
Algoritmos Parciais, da Revista Fapesp, na pintura Autor-
retrato na fronteira do México e dos EUA, de Frida Kahlo,
e na instalação Ponto de encontro, de Mary Vieira. Inse- Questões, Justificativas e Dicas
rem-se, ainda, no contexto da contagem, as possibilida- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
des de replicação do código genético de um indivíduo e o
estudo de casos relativos à herança genética, como pode Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
ser observado no rock and roll Malditos Cromossomos, de
Pitty. (Página 32, quinto parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 116


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Palácio do Itamaraty - Oscar Niemeyer

Autor
Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares, po- de Brasília (1958), Congresso Nacional (1958), Memorial
pularmente conhecimento como Oscar Niemeyer, nas- JK (1976), Museu de Arte Moderna de Brasília (1997),
ceu em 1907, no Rio de Janeiro. Formado em Arquite- Palácio do Planalto (1958), Palácio da Alvorada (1957),
tura pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio, ele se Supremo Tribunal Federal (1958), Teatro Nacional (1958)
tornou um dos arquitetos modernos brasileiros de maior e Palácio Itamaraty (1960).
renome internacional. Em 1934, em época de estágio,
Niemeyer passa a frequentar o escritório do arquiteto e Logo, torna-se coordenador da Universidade de
urbanista Lúcio Costa. Lá, ele aprende sobre arquitetura Brasília, em 1962, pouco antes do Golpe Militar de 1964.
moderna e cria gosto pelas construções coloniais luso- Niemeyer sobrevive ao período ditatorial sendo bastan-
-brasileiras. te investigado, seguido e acusado, porém, devido à sua
importância como arquiteto e aos seus trabalhos, não
Em 1936, ele integra a comissão criada para a chega a ser preso. No entanto, ele chega a se demitir
idealização da sede no Ministério da Educação e Saúde da instituição, juntamente a mais 200 professores, em
(MES) do Rio de Janeiro, projeto supervisionado pelo protesto à política universitária, e se exilar para Paris, em
também arquiteto Le Corbusier, a quem Oscar Niemeyer 1967, onde projetou a sede do Partido Comunista Fran-
assiste e se inspira profundamente. Para Lúcio Costa, “ cês.
o livro sagrado da arquitetura moderna brasileira” per-
tence a Le Corbusier. Niemeyer interessa-se por sua con- Em 1983, ele projeta a Passarela do Samba, no
cisão arquitetônica e pela ideia do edifício como uma Rio de Janeiro, que integrava o sambódromo a um centro
unidade escultural¹. cultural, educacional e esportivo. Em 1996, ele projeta o
MAC Niterói, também conhecida obra modernista. O ar-
Já em 1937, Niemeyer tem sua primeira obra quiteto continuou a produzir até o final de sua vida, que
individual, a creche Obra do Berço, no Rio de Janeiro. acabou aos 104 anos, no ano de 2012, no Rio de Janeiro.
Em 1939, é convidado por Lúcio Costa para auxiliar no
projeto do pavilhão brasileiro na Feira Internacional de
Nova York. A partir daí sua carreira começa a alavancar.

Entre 1940 e 1944, o arquiteto é convidado por


Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte,
para criar o conjunto arquitetônico da Pampulha: a casa
do baile, o iate clube, a Igreja de São Francisco e o Cas-
sino. O engenheiro Joaquim Cardozo e o paisagista Bur-
le Marx, que Niemeyer encontraria posteriormente na
construção de Brasília, ajudaram na criação do projeto.
Palacio do Itamaraty. Internet: <www.blog.clippingcacd.com.br>
Assim, para Alberto Xavier (2003), “se o prédio
do Ministério, projetado por Le Corbusier, constituiu a
base do movimento moderno no Brasil, é à Pampulha
que devemos o início de nossa arquitetura voltada para a
forma livre e criadora […]”. Eram obras que utilizavam de
uma nova linguagem das formas, com superfícies curvas,
exploração do concreto armado e o ornamento e plasti-
cidade como parte da estrutura.

Em 1945, Oscar Niemeyer começa a militar para


o Partido Comunista, o que gerou grande importância
em sua vida. Em 1947, junto a Le Corbusier, faz um pro-
jeto para a sede da ONU em Nova Iorque. E, em 1951,
constroi o Parque Ibirapuera, em São Paulo.
Palacio do Itamaraty. Internet: <itamaraty.gov.br>

Em 1956, Niemeyer é convidado para a cons-


trução da nova capital, Brasília, que teria como plano Contexto
urbanístico projetos de Lúcio Costa. Em 1958, se muda
para a nova capital como arquiteto-chefe da construção No século XIX, entre 1740 e 1840, eclode a Re-
da cidade e lá permanece por alguns anos. Em Brasília, volução Industrial na Europa.
algumas de suas grandes construções foram a Catedral

Tudo Sobre o PAS UnB 117


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A partir do século XIX, com a Revolução Industrial, a emer- aço, vidro e concreto forçado. Os elementos tinham for-
gência dos novos tempos da máquina, a crescente população mas lineares e geométricas.
e demandas pelo espaço urbano cada vez mais pungentes
na Europa emergem as primeiras reflexões sobre a cidade. E, Em meio à emergência do modernismo, veio a
mais do que isso, inicia-se o processo de estruturação disci- ideia da construção de Brasília. Essa ideia já estava no
plinar do urbanismo como teoria e prática inerentes ao novo papel desde a primeira Constituição republicana de
momento histórico que se consolidava; que teria seu pro- 1891, que considerava a mudança da capital do Rio de
duto, em relação às cidades, como apanágio do século XX. Janeiro para o Planalto Central. Em 1956, Juscelino Ku-
Dentro dessa lógica disciplinar que se configurava a partir de
bitschek, então presidente, decide colocar a ideia em
uma demanda social, ou, muitas vezes, de uma demanda po-
lítica vinculada a pretensões militaristas de ordem e contro-
ação, mudando a capital para Brasília, visando estratégia
le urbano, o século XX foi palco de todo o desenrolar dessa e modernidade. Para isso, ele realizou um concurso para
sociedade industrial, que tinha a cidade como seu horizonte escolher qual projeto urbanístico seria o de Brasília. O
(BRANT, Julia. Guia de arquitetura de Brasília: 16 projetos vencedor do concurso foi Lúcio Costa, antigo mestre de
para entender as escalas da capital brasileira. 2019). Niemeyer.

Nesse momento, houve o surgimento de novos Oscar Niemeyer é convidado por Lúcio, então,
materiais, novas formas de construir e de solucionar em 1956, para fazer parte da construção de Brasília. Em
problemas. Foi a partir desse contexto que começaram 1957, o projeto já estava pronto e, em 1960, a cidade era
a surgir os ideais da arquitetura moderna, que inspirada inaugurada.
pelo capitalismo industrial e pelo avanço tecnológico, e
em resposta às vanguardas europeias, busca uma ruptu- A construção de Brasília teve um custo, em va-
ra com o passado. lores atuais, de aproximadamente 83 bilhões de reais,
aproximadamente 10% do PIB da época. Por não ter con-
Seguindo ideais positivistas, em que o desenvol- dições, o país adotou uma estratégia de inflação, o que
vimento humano seria proporcionado pelo desenvolvi- diminuiu o poder de compra das pessoas e aumentou a
mento tecnológico, surge a arquitetura moderna. força da oposição política. Foi feita baseada nos ideais de
“cinquenta anos em cinco”, de JK. A cidade foi finalizada
Os arquitetos e engenheiros colocavam na ordem do dia, em 4 anos.
questões como: a eliminação dos ornamentos (que possui
dupla função: aumentar a produtividade da obra e criar um JK tinha como slogan de campanha “50 anos em 5”, isto é, o
novo design de linhas simplificadas); a conceptualização Brasil atingiria, em 5 anos, um crescimento correspondente
da lógica modular para projetos (que ajuda a padronizar ao período de 50 anos. Esse slogan sintetizava seu objetivo
elementos construtivos); o incremento de novas técnicas, maior de acelerar o desenvolvimento nacional. A ‘linguagem
processos e materiais de construção e a especialização das do desenvolvimento’ estaria expressa em seu Plano de Me-
funções da edificação (que ajuda a aumentar a eficiência das tas, um documento essencialmente econômico que tinha
instalações complementares, tais como: climatização, elé- como alguns de seus objetivos a integração nacional através
trica, hidráulica e esgoto). A ideologia que se forjava estava da construção de Brasília e de estradas que ligassem as ci-
alicerçada na perspectiva da conquista do progresso humano dades próximas a mais recente capital. Propunha-se, assim,
por meio do domínio técnico (Edgar Moreira Neto, Reitoria 2 resultados:1. Aceleração do desenvolvimento nacional ao
da UFMG: uma expressão do modernismo em Minas Gerais, promover a interiorização; 2. Fomento à industrialização pro-
2019). movido pelo crescimento do mercado interno (Revista Nossa
História. Editora Vera Cruz. Ano 2, nº23. 2005).
Em 1923, Le Corbusier defende que os princípios
industriais deviam ser incorporados à produção arquite- Obra
tônica da mesma forma que a produção de automóveis.
Esta foi, então, uma grande fundamentação para a arqui- Em 1960, foi erguida a pedra da construção do
tetura moderna. Em seu livro Carta de Atenas, de 1933, Palácio Itamaraty, obra de Oscar Niemeyer. Em 1970 foi
Le Corbusier aborda mais princípios a serem usados no finalmente inaugurado, em meio à ditadura, no governo
modernismo. Ele defende o zoneamento de atividades, de Emílio Médici.
de grandes blocos afastados e de vias grandes, caracte-
rísticas essas que foram incorporadas ao planejamento e Localizado na Esplanada dos Ministérios, em
construção de Brasília. Brasília, ele teve sua primeira denominação como Palá-
cio dos Arcos, por causa dos arcos que possui e que, de-
A arquitetura moderna tinha como cinco ca- vido às luzes, refletem no espelho d’água da construção.
racterísticas principais: a simplicidade (estética limpa
e formas simples); a funcionalidade (“a forma segue a O edifício moderno foi projetado para ser a sede
função”); a integração (integrar espaços externos e inter- do Ministério das Relações Exteriores, recebendo desde
nos); a iluminação (favorecendo a iluminação natural); brasileiros a estrangeiros ligados a questão diplomática,
os espaços livres (espaços abertos para respiração e so- como uma instalação de embaixadas. A arquitetura ficou
cialização) e a planta livre (modificar o espaço sem mo- por conta de Oscar Niemeyer e o paisagismo por Burle
dificar a estrutura das obras). Utilizava-se de materiais Marx. Desde 1970, o Palácio foi pouquíssimo alterado,
mais modernos, advindos da revolução industrial, como mantendo tanto a arquitetura original quanto às obras
visuais originais.

Tudo Sobre o PAS UnB 118


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Foi desenhado para ser um prédio idêntico aos discutidas as maneiras como os artistas interagem com
outros ministérios, mas acabou sendo um edifício ligado diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na
por passagens, em dois blocos: Um anexo para o admi- carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
nistrativo e outro para dependências de caráter diplo- Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos
mático. Em 1980, foi ampliado pelo Anexo II, também ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme
conhecido como “Bolo de Noiva”, por sua forma circular Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Atra-
– também projetado por Niemeyer. vés, de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio
Tozzi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock
O Palácio foi construído apenas com materiais ou o Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se
nacionais e é um prédio repleto de obras de artes - tan- encontram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de
to de artistas brasileiros ou naturalizados - que suscitam encontro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo)
reflexões sobre a identidade nacional. Dentre alguns
dos artistas que compõem o acervo estão Athos Bulcão, Tipos e gêneros
Alfredo Volpi, Iberê Camargo, Rubem Valentim e Tomie
Othake. Da mesma forma que há músicas com gêneros
bem definidos e outras para as quais não é possível de-
O hall do Palácio Itamaraty é considerado o finir, a produção das artes visuais transita por diferentes
maior hall sem coluna da América Latina, com área de gêneros, tipos e suportes, a começar pela vanguarda eu-
2800m². Possui quatro fachadas idênticas e é composto ropeia representada pelas obras Acordeonista, de Pablo
de concreto e vidro, elementos bastante utilizados por Picasso, representante do Cubismo analítico, e Autorre-
arquitetos modernistas. trato como um soldado, de Ernst Kirchner, representante
do Expressionismo e integrante do grupo “A ponte”. Em
Sua construção arquitetônica contrasta com um seguida,o modernismo brasileiro é marcado pelas obras
espelho d’água que circunda o edifício, na área externa. Meteoro, de Bruno Giorgi, Palácio do Itamaraty, de Oscar
O espelho d’água, idealizado por Roberto Burle Marx, é Niemeyer, Mestiço, de Cândido Portinari, e Morro da Fa-
composto por mais de 80 tipos de plantas tropicais, da vela, de Tarsila do Amaral. (Página 14, quarto parágrafo)
Amazônia e do Cerrado. Burle Marx também projetou os
jardins internos do Palácio, além de quadros e tapeça- Estruturas
rias.
Diferentes estruturas podem ser observadas no
Niemeyer, em depoimento (1958), afirma que campo das ciências, como o tratamento de problemas
busca “a simplificação da forma plástica e o seu equilí- do espaço, destacando-se a localização de pontos, de
brio com os problemas funcionais e construtivos” para retas e de circunferências por suas coordenadas ou por
construir edifícios que não se destaquem apenas “por suas equações, como é possível perceber nas instalações
seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, Através, de Cildo Meireles e Ponto de Encontro, de Mary
devidamente integrada na concepção plástica original” Vieira, e nas obras modernistas Palácio do Itamaraty, de
Oscar Niemeyer, e Meteoro, de Bruno Giorgi. A compara-
Sobre o espelho d’água, há a escultura O Me- ção da estrutura dos números reais com a dos números
teoro, de Bruno Giorgi. A obra pesa 30 toneladas e sim- complexos permite estabelecer as congruências necessá-
boliza a relação pacífica entre os povos e a integração rias exigidas pela evolução do conhecimento matemático,
entre os cinco continentes do globo, representando bem diante das necessidades do desenvolvimento tecnológico.
a intenção da diplomacia. (Página 16, quarto parágrafo)
No Palácio podemos ver uma grande interação Cenários contemporâneos
entre arte e arquitetura. Entre eles, a escada helicoidal
que liga o saguão ao piso superior, desenvolvida por Car- A mudança da capital federal para Brasília foi
dozo e Milton Ramos. utilizada como instrumento de propaganda política do
governo populista de JK, reforçada pelo discurso político
Atualmente, o Palácio Itamaraty ainda é centro desenvolvimentista dos “cinquenta anos em cinco”. Entre-
do Ministério das Relações Exteriores e recebe tanto tanto, a construção da nova capital federal foi marcada
reuniões e trabalhos diários quanto eventos. Símbolo ar-
por contradições e desigualdades sociais relacionadas ao
quitetônico modernista, idealizada pelo arquiteto Oscar
Niemeyer e pelo engenheiro Joaquim Cardozo, é um dos seu espaço urbano. No centro de poder político, localizado
edifícios que mais se destaca. na Esplanada dos Ministérios, a arquitetura modernista


de Oscar Niemeyer é marcada pelo edifício Palácio do Ita-
maraty (1960-70). Na frente do Palácio, localizado no es-
pelho d’água, nota-se a presença da escultura Meteoros,
de Bruno Giorgi (1960), representando a paz e união en-
tre os continentes. Internamente, o Palácio do Itamaraty
Citações da Obra na Matriz de Referências apresenta inúmeras obras, dentre as quais destaca-se a
O ser humano como um ser que interage instalação Ponto de Encontro (1967), de Mary Vieira. (Pá-
gina 28, segundo parágrafo)
Além dessa abordagem contextual, com ênfase
nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também

Tudo Sobre o PAS UnB 119


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Número, grandeza e forma

As representações gráficas possibilitam inter-


pretar os aspectos energéticos das reações químicas e
da solubilidade em água. Permitem, ainda, o estudo das
curvas e das figuras planas em seus aspectos analíticos,
as construções geométricas no plano, além dos conceitos
de paralelismo e perpendicularismo. Nesse sentido, tor-
na-se relevante também perceber a construção do espaço
presente no edifício Palácio do Itamaraty, de Oscar Nie-
meyer, e na escultura Meteoro, de Bruno Giorgi. (Página
32, terceiro parágrafo)

Espaços

Na reconstrução do espaço geográfico, o deslo-


camento da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília
tem grande impacto para a organização social, política
e histórica. Logo, a história da construção de Brasília e a
importância dos seus espaços do saber, da política e da
arte podem ser despertados pelo Palácio do Itamaraty,
de Oscar Niemeyer, e pelo texto Universidade Para quê?,
de Darcy Ribeiro. (Página 36, terceiro parágrafo)

Materiais

Por outro lado, outros modernistas adotam novos


materiais para sua produção como em Navio de emigran-
tes, de Lasar Segall, que faz uso do óleo com areia sobre
tela e Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi, que faz
uso de tinta em massa e acrílica sobre aglomerado. O Pa-
lácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, apresenta um dos
símbolos da arquitetura modernista com uso do concreto,
arcos em robustas colunas e grandes vãos livres além de,
internamente, possuir a instalação Ponto de encontro, de
Mary Vieira, que utiliza uma base de mármore com 230
placas de alumínio que podem ser mudadas de posição
de acordo com a vontade do público. (Página 38, terceiro
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 120


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Trouxas Ensanguentadas - Artur Barrio

Autor
O artista de origem portuguesa Artur Alípio Bar- por ele acreditar que essa limitação dentro de uma caixa
rio De Sousa Lopes nasceu em 1945. Oriundo da cida- tira a integridade das produções.
de de Porto (POR), Artur chega ao Brasil em 1955 e, em
1967, aos 22 anos, ingressa na Escola Nacional de Belas
Artes (RJ). Barrio morou em países como Holanda, Fran-
ça e África, até voltar para Portugal, em 1974, e presen-
ciar a Revolução Dos Cravos.
Artur Barrio começou como pintor e desenhista,
mas hoje é considerado um artista multimídia. O pro-
cesso artístico de Barrio passa por fases denominadas
cadernos-livros e situações. A fase dos cadernos-livros
dá-se no início da sua trajetória como artista plástico,
quando Artur registra todo o seu processo artístico em
cadernos, conceituando suas ideias, seus projetos e in-
Trouxas ensanguentadas. Internet: <www.publico.pt>
venções de maneira não tradicional.
Inicialmente, Barrio desenvolveu uma série de
intervenções em museus. Em seguida, passou a ocupar
os espaços urbanos como praças, parques, entre outros
ambientes públicos. Com propostas não habituais fez
uso de materiais orgânicos como carne, lixo, papel higiê-
nico e pão. A esses trabalhos, criados em 1969, o artista
deu o nome de Situações. Uma das obras mais conheci-
das de Barrio é o Livro de Carne (1977 e 1978). A obra é
um pedaço de carne em formato de livro que, quando
está exposta, precisa ser trocada a cada três dias, pois a
carne fica apodrecida. No entanto, essa putrefação tam-
bém faz parte do experimento. Barrio propõe justamen- Trouxas ensanguentadas. Internet: <www.pinterest.com>
te a vivência dessa efemeridade. O artista nessa fase tem
suas obras mais famosas como: Trouxas ensanguentadas Ficha Técnica
e 4 Movimentos e 4 Pedras.
Título: Trouxas Ensanguentadas
As instalações são concepções inseridas em Autor: Artur Barrio
pontos específicos. Começou com obras no chão, mas Ano: 1970
depois Artur foi ocupando paredes. Transformou o es- Proposta: Situação
paço em que as pessoas estão acostumadas a ver, adi-
cionando detalhes que antes não estavam ali. O intuito
é causar incômodo, mas claro, acontece às vezes de as
Contexto
aparelhagens simplesmente passarem despercebidas. A década de 1970 retrata o Brasil entre a Guerra
Navalha Relógio  (1970)  e Experiência nº 1 (1987) são Fria (1947 - 1991) e a Ditadura Militar (1964 - 1985). O
exemplos de instalações. As produções contam com gra- mundo estava dividido entre duas superpotências (EUA
vações, fotografias e filmes feitos pelo próprio artista. e URSS), resultando em constantes ameaças de possíveis
Para ele, não existe uma teoria ou conceitualização do enfrentamentos entre elas pela hegemonia mundial. Os
porque são registrados. Não há viés filosófico ou subjeti- EUA, a fim de firmar alianças para seu modelo capitalis-
vo nisso, apenas um recorte da realidade. Uma parte da ta, consolidou parceria com o Brasil e isso incluíam al-
vivência que é possível ser guardada. guns empréstimos.
Barrio já expôs seus trabalhos por diversas vezes Foi um período econômico de grandes ganhos
em eventos como Salão da Bússola, no Museu de Arte e, consequentemente, de maiores gastos por parte da
Moderna (RJ, 1969) e Information, em Nova Iorque, em população. A classe média viveu um sonho capitalista,
1970. Aos 75 anos de idade, Barrio mora no Rio de Ja- aumentando o consumo de produtos como carros e tele-
neiro, mas transita com frequência entre Gaia e Malta. visores. Além disso, excederam as compras de aparelhos
Algumas de suas criações não são expostas em museus de rádio. Supermercados foram construídos com maior

Tudo Sobre o PAS UnB 121


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

frequência, entre outros. O que era transmitido refletia a transitoriedade dessas ações faz com que as mesmas
diretamente na sociedade, modificando o comporta- obras possam ser associadas a movimentos diferentes.
mento humano, principalmente com o consumo exacer-
bado de televisores. Enquanto escreve, Barrio, também, pinta, de-
senha e faz instalações que contam com fotografias e
A construção da Usina de Itaipu também foi um gravações. Também propõe performances, situações e
dos marcos desse período. Idealizada ainda na década intervenções que dialogam com propostas efêmeras. Ou
de 1960, a construção da usina foi concluída somente seja, utiliza-se de diversas maneiras para se comunicar.
vinte anos depois. A Usina Hidrelétrica de Itaipu está lo- Para Senra (2017),
calizada na divisa entre Brasil e Paraguai e é denominada Muita gente da minha geração tem que descascar esse aba-
binacional, ou seja, pertence aos dois países, que firma- caxi, para o bem e para o mal. O (multimídia) chileno Ale-
ram um acordo sobre o uso do rio Paraná, antes motivo jandro Jodorowsky disse que, na contemporaneidade, as
de discórdia entre eles. A barragem é considerada como pessoas são cada vez mais parecidas com telefones celula-
a segunda maior usina hidrelétrica do mundo, e dentre res — vão além de sua função essencial de discar números.
as problemáticas dessa super construção estão os gastos Os celulares são os canivetes suíços do século XXI. Além dis-
com as moradias dos funcionários, os materiais usados, so, podemos constatar também que as próprias tecnologias
atuais nos ajudam a ser mais versáteis. Não apenas somos
os transportes de materiais que foram exportados, a
como os telefones, mas usamos eles e outros aparelhos para
realocação dos animais de seu habitat, a readaptação de criar (SENRA, 2017).
toda a sociedade que vivia nos arredores do rio e todo o
desperdício de substâncias dissipados na época.
Obra
O “milagre” da economia durou até meados de A situação: Trouxas ensanguentadas (1970) foi
1973, quando ocorreu a crise do petróleo. Enquanto o proposta pela primeira vez em um museu para compor
Brasil passava por um bom desempenho econômico an- a mostra Do corpo à Terra. Inicialmente era feita com
tes da crise, também passava pela ditadura militar. Tudo sacos de cimento, pedaços de jornal, espumas de alu-
de negativo relacionado à ditadura era abafado com as mínio e lixos. Em seguida, quando o artista colocou a
notícias sobre o crescimento da economia. experiência para fora do museu, acrescentou materiais
como sangue, pedaços de carne podre e pedaços de
A censura tentou conter o que passava nas te- ossos. Trata-se, então, de sacos com várias coisas, não
levisões, rádios, notícias de jornais, músicas, obras de convencionais, dentro. Amarradas por cordas, esses 14
artes visuais, peças de teatro, entre outros. Se o governo sacos foram espalhados ao longo de um rio no Parque
não concordasse, a produção não era transmitida para Municipal, em Belo Horizonte (MG).
o resto da população. Centenas de milhares de pessoas
Por ser um material que não absorvia líquidos,
foram perseguidas, exiladas e mortas. O famoso slogan o pano dos sacos deixava as marcas de sangue bem vi-
“Brasil, ame-o ou deixe-o” mostra o quanto esse sistema síveis. Certos formatos de corpos também poderiam ser
político foi autoritário, excludente e extremista. A can- associados à imagem, dando a impressão de que as trou-
ção, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Cálice (1973)1 sim- xas seriam restos mortais. Artur não tratou somente da
boliza os protestos sobre o período. violência como um todo, mas discorreu, principalmen-
te, sobre o extermínio causado pela ditadura militar. O
Artur Barrio é um artista contemporâneo e mul- incômodo e a reflexão causados sobre as cenas foram
timídia. Tem seu nome associado a partes da história da maiores quando estas foram atreladas ao período polí-
arte como modernismo, arte contemporânea e concei- tico da época.
tual. A multimídia já se denomina como um recorte do
contemporâneo, sugerindo que artistas que se utilizam Em uma das experiências há relatos de que a
de variadas linguagens, simultaneamente ou não, façam polícia sempre era chamada, mas Barrio, com ajuda de
parte desse “movimento”. A multimídia não é necessa- algumas pessoas, conseguia registrar os acontecimen-
tos. As situações não são consideradas pelo artista como
riamente um movimento, mas uma tendência que al-
performances. Apesar do princípio de efemeridade e da
guns artistas seguem e que futuramente pode vir a ser
relevância do acontecimento serem os mesmos, a plasti-
movimento. cidade existente na performance não ganha tanto palco
A arte multimídia surge com a crescente imer- nas situações de Barrio. Para Bondia (2016), a experiên-
são e manuseio da tecnologia na vida dos seres huma- cia é aquilo que transpassa por nós, que nos atravessa e
nos desloca. “Fazer uma experiência com algo - seja uma
nos. Do mesmo jeito que um celular, por exemplo, faz
coisa, um ser humano [...]- significa que algo nos aconte-
mais de uma coisa, o autor é associado a esse tipo de
ce, nos alcança; que se apodera de nós, que nos derruba
foco difuso. Contraditório? Sim! Mas se trata das diver- e nos transforma” (p.99).
sas linguagens inseridas ao mesmo tempo, ou não, em
uma só obra. Além de difícil e escorregadia a definição, Barrio usa a arte para inquietar os olhos de
quem presencia, além de instigar vários outros senti-
1 Disponível em: https://www.culturagenial.com/musica-cali-
ce-de-chico-buarque/
mentos e incentivar a ponderação:

Tudo Sobre o PAS UnB 122


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Queria que do inesperado se criasse uma situação: a situação neidade, Lygia Clark cria sua técnica terapêutica na Série
de compreensão, a situação de não compreensão, a situação Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, que estabelece
de espanto, a situação de prazer, a situação de desprazer. En- um novo patamar para a obra de arte, que transcende
tão é a partir daí que surge: é estar aqui e o inesperado acon- a performance, tornando o público como o total agente


tecer através de mim e do que eu proponho (BARRIO, 2012). 
para a criação da obra de arte. De outra maneira, rom-
pendo com a estrutura clássica da arte, Arthur Barrio,
José Clemente Orozco e Acme criam obras não mais para
serem expostas em museus e galerias, mas, sim, obras
Citações da Obra na Matriz de Referências que invadem os espaços da cidade, como é possível perce-
ber na intervenção urbana Trouxas ensanguentadas, de
O ser humano como um ser que interage Artur Barrio, Santa ceia moderna, de Acme, e Hidalgo in-
cendiário, de José Clemente Orozco. (Página 18, primeiro
Nesse sentido, é possível pensar nas interações parágrafo)
humanas em suas dimensões estética, ética, política e psi-
cológica, considerando que a capacidade para interagir Ambiente e evolução
permite criar valores, deslocar perspectivas e fundar me-
todologias e instituições. É possível discutir a respeito de No campo das ciências biológicas, o tema do cor-
condições dignas e sustentáveis para a existência humana po humano, da vida, das relações dos corpos humanos
no planeta a partir da obra Trouxas ensanguentadas, de em conjunto e do ambiente são reflexões permanentes
Artur Barrio, da performance Rhythm 0, de Marina Abra- e podem ser problematizados na obra Sobre a violência
movic, dos documentários À margem do corpo, de Débora (capítulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção
Diniz, das pinturas Morro da favela, de Tarsila do Amaral, e a regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres,
Navio de emigrantes, de Lasar Segal, e da novela O reca- de Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
do do morro, de João Guimarães Rosa. (Página 4, quarto Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
parágrafo) Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes,
Indivíduo, cultura, estado e participação política na pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de
Manuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
No contexto musical, algumas obras alinham-se na obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no
às possibilidades de transformação social e conceitual. A poema O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza
relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem no mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano
como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada diante de sua própria consciência. (Página 24, quarto pa-
em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com rágrafo)
helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para o
fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal; 6º Cenários contemporâneos
movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas; 8º mo-
vimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Messiaen. As As obras Guevara vivo ou morto (1967), de Clau-
músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Me deixe dio Tozzi, Trouxas ensanguentadas (1970), de Artur Barrio,
mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da Banda So- e Grândola Vila Morena (1987), da Banda 365, são asso-
lange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila Morena, ciadas ao contexto de disputas ideológicas e lutas sociais
versão da Banda 365, refletem, em diferentes contextos, relacionadas às Ditaduras da segunda metade do século
transformações políticas em momentos históricos confli- XX.. o Desse modo, é possível relacionar as obras às dita-
tuosos. Essas reflexões também podem ser observadas na duras militares na América Latina, mas especialmente à
intervenção urbana Trouxas ensanguentadas, de Artur Ditadura Militar Brasileira, período autoritário que durou
Barrio, e no grafite Santa ceia moderna, de Acme. (Página vinte e um anos, caracterizado pela promoção de medi-
10, terceiro parágrafo) das de restrição às liberdades individuais e coletivas, pela
censura e a repressão aos opositores do regime, como
Tipos e gêneros é reforçado na carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos
Drummond de Andrade (1975). A discussão do direito
Com a arte contemporânea, surge a instalação e de livre expressão no contexto histórico da ditadura mi-
a intervenção urbana representadas pelas obras Através, litar brasileira é presente em obras musicais marcantes
de Cildo Meireles, Trouxas ensanguentadas, de Artur Bar- e diversas entre si: Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buar-
rio e Ponto de encontro, de Mary Vieira. (Página 14, sexto que (1978), Me deixe mudo, de Walter Franco (1973), e
parágrafo) Solange, na versão da Banda Solange (1985). (Página 30,
primeiro parágrafo)
Estruturas
Espaços
A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic,
propõe uma outra noção de estrutura da obra de arte, Além do teatro, as artes visuais transformam os
uma vez que ela acontece no corpo e nas ações estabe- espaços públicos, as galerias, os museus, e a relação pú-
lecidas entre a artista e o público. Ainda na contempora- blico-obra, como pode ser observado na técnica terapêu-

Tudo Sobre o PAS UnB 123


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

tica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, de


Lygia Clark, no grafite Santa ceia moderna, de Acme, na
performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, na perfor-
mance-pintura Ritmo de Outono - número 30, de Jackson
Pollock, e nas instalações Através, de Cildo Meireles, e
Ponto de encontro, de Mary Vieira. A intervenção urbana
Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, usa o território
da cidade, como as margens de um rio em uma cidade
brasileira, para provocar diferentes sensações no especta-
dor estabelecendo reflexões sobre a censura, a violência e
a poluição. (Página 37, primeiro parágrafo)

Materiais

Com o aprimoramento da arte contemporânea,


surge a instalação e a intervenção urbana que insere, res-
pectivamente, as obras Através, de Cildo Meireles, que
faz uso de malha de ferro, plástico, borracha e vidro para
a construção de um ambiente que debate os limites es-
paciais, e Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, que
faz uso de trouxas de pano preenchidas com materiais or-
gânicos como fezes, sangue e urina cortadas a golpes de
faca. (Página 39, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 124


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Rhythm 0 - Marina Abramovic

Autora
Marina Abramovic é uma artista performativa tista passou mais de 700 horas sentada em uma cadeira.
que iniciou sua carreira nos anos 70, e desde então se Essa performance foi intitulada O artista está presente.
mantém em atividade. Em suas performances explora as
relações entre o artista e a plateia, os limites do corpo e
as possibilidades da mente. A artista nasceu em Belgra-
do, Sérvia, no dia 30 de novembro de 1946, e teve uma
infância muito difícil.

Marina, que se autodenomina a Avó da arte


da performance, estudou na academia de Belas Artes e
desde então tem sido a pioneira da performance como
forma de arte visual. Seus trabalhos, sempre polêmicos,
possuem temáticas chocantes e reflexivas como o trau-
ma, guerra, vida e morte, mas também sobre silêncio,
tradição, corpo e a própria arte. Em entrevista à Revista
Casa Vogue, a artista afirmou:
“Era difícil obter informações naquela época, por isso nunca
tinha visto uma performance quando a inventei. Foi muito
simples. Eu pintava nuvens e gostava de observá-las. Era
1969 e estava deitada no gramado quando vi aviões milita-
res passando e fazendo desenhos lindos no céu que, em se-
guida, desapareciam. Aquilo foi uma revelação. Entendi que
não precisava ficar presa aos trabalhos bidimensionais, pois
Rhythm 0. Internet: <www.artrianon.com/>
arte é liberdade de espírito e eu poderia usar o que quisesse:
fogo, água ou o meu próprio corpo. Então, levantei e nunca
mais voltei para o ateliê. O mundo e as nossas necessidades
mudaram.”1

A artista tornou a performance um experimen-


to constante e um espaço de investigação dos limites e
possibilidades do corpo. Rhythm é uma série de perfor-
mances da década de 70, e são exemplos dessas expe-
rimentações dos limites do corpo em várias situações,
resistindo ao sofrimento físico e psicológico: Em Rhythm
10 são feitas brincadeiras com facas; Em Rhythm 2 a ar- Rhythm 0. Internet: <www.artrianon.com/>
tista testa seus limites ao ficar sob efeito de drogas con-
troladas. O corpo do artista é utilizado como tela. Ficha Técnica
Suas viagens pelo mundo também resultaram Título: Rhythm 0
em ações performáticas. A obra “The lovers - the great Autor: Marina Abramovic
wall walk”, realizada em 1988, significou o fim do rela- Data: 1974
cionamento e parceria artística entre Marina e Ulay, que Proposta: Performance
durou de 1976 a 1988. Cada artista partiu de uma extre- Local: Morra Arte Studio, em Nápolis, Itália.
midade da Muralha da China, e após dias de caminhada,
encontraram-se no meio da trilha. Obra
No ano de 2010 foi realizada uma exposição com Rhythm 0 é considerada uma das performances
a retrospectiva da carreira da artista no MOMA – Museu mais conhecidas, mais radicais e mais extremas dessa
de Arte Moderna de NY -, que ocupou todos os seus seis série. Nessa obra, apresentada em 1974 com duração
andares. Durante três meses a artista ficou sentada, em de 6 horas, a artista colocou 72 objetos sobre as mesas.
exposição, disponível ao público, o que significa que a ar- Dentre esses, havia objetos que poderiam causar prazer
(perfume, vinho, rosa e comida), dor (tesoura, chicote,
1 Disponível em <http://casavogue.globo.com/MostrasEx-
pos/Arte/noticia/2015/03/marina-abramovic-dama-da-performance.
martelos e correntes, e morte (arma carregada e lâmi-
html> nas).

Tudo Sobre o PAS UnB 125


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Os convidados, (visitantes do Morra Arte Studio,
localizado em Nápolis, Itália) foram instruídos a utiliza-
rem os objetos para fazer o que bem entendessem com
a artista no período de seis horas em que ficaria imó- Citações da Obra na Matriz de Referências
vel, como uma boneca ou um objeto a ser manipulado.
Abramovic assumiu a responsabilidade sobre qualquer O ser humano como um ser que interage
coisa que acontecesse durante a performance, garantin-
do que não haveria reação. Assim, o público foi enco- Nesse sentido, é possível pensar nas interações
rajado a deixar de lado sua função passiva, como mero humanas em suas dimensões estética, ética, política e psi-
espectador, para assumir uma postura mais ativa como cológica, considerando que a capacidade para interagir
permite criar valores, deslocar perspectivas e fundar me-
co-criador da obra.
todologias e instituições. É possível discutir a respeito de
No início, o público ficou parado, estranhando condições dignas e sustentáveis para a existência humana
a proposta, mas aos poucos começaram a escolher os no planeta a partir da obra Trouxas ensanguentadas, de
Artur Barrio, da performance Rhythm 0, de Marina Abra-
objetos. À medida em que o tempo passou, a violência
movic, dos documentários À margem do corpo, de Débora
e agressividade se fizeram presentes, e os espectadores
Diniz, das pinturas Morro da favela, de Tarsila do Amaral,
começaram a ferir a artista. Nesse período, Abramovic Navio de emigrantes, de Lasar Segal, e da novela O reca-
teve seu peito e barriga perfurados por espinhos de uma do do morro, de João Guimarães Rosa. (Página 4, quarto
rosa, suas roupas ficaram rasgadas e uma arma carrega- parágrafo)
da foi apontada para a sua cabeça.
Indivíduo, cultura, estado e participação política
Depois de uma incerteza inicial, o público se transformou,
agindo de maneira irracional. Alguns cortaram suas roupas A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic,
com lâminas de barbear; outros passaram a cortar a pele,
questiona, por meio da ação da artista e do público, no-
agora nua. Alguns homens começam a sugar o sangue de
seus ferimentos, com uma abordagem violenta, quase se-
ções sobre liberdade, respeito e dignidade nas relações
xual. Parte dos presentes tentou defender o corpo da artista, entre indivíduos que formam uma sociedade e compar-
formando um cordão de segurança. Porém, ainda havia mais; tilham de uma cultura. No filme Um cão andaluz, de Luis
no último momento, alguém carregou a arma e a colocou Buñuel e Salvador Dalí, por sua vez, discutem-se relações
na mão de Abramovic, levando-a direto para o seu pescoço, entre a liberdade artística e a ordem moral. Ainda sob
com um dedo da artista sobre o gatilho. Ninguém a faz puxar essa perspectiva, porém, numa abordagem contempo-
o gatilho, mas o medo da morte era palpável (RIBEIRO, 2014, rânea, a técnica terapêutica Série Roupa-corpo-roupa:
p. 3). “O Eu e o Tu” - Lygia Clark, provoca indagações sobre a
relação de si com o outro e os limites físicos e morais do
Mesmo sob risco de morte, Marina permane- indivíduo. (Página 8, terceiro parágrafo)
ceu imóvel, tentando descobrir até onde o público iria.
Houve briga entre os que estavam presentes, pois parte Tipos e gêneros
do grupo não concordava com os excessos, como brincar
com a arma e ferir a artista. A performance teve o intuito A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic,
de demonstrar as contradições do público, que quando e a Série Roupacorpo-roupa: “O Eu e o Tu” – Queer, Lygia
se viu sem regras e punições para seus atos, apresentou Clark, provoca uma indefinição acerca dos limites entre as
seu lado selvagem e tirano. Ao final das seis horas, Ma- linguagens artísticas e seus gêneros, uma vez que atra-
rina se levantou, e o público, com medo de retaliações, vessa as artes visuais e cênicas. Desta forma, as obras de
Abramovic e Clark apontam, ainda, outra discussão sobre
correu. Sobre sua performance, Abramovic comentou:
gênero ao utilizar o corpo como suporte para a criação
O que eu aprendi é que se você deixar nas mãos do público, da obra de arte, além de mostrar as vulnerabilidades às
eles podem te matar. Eu me senti realmente violada. Cor- quais o corpo está suscetível. (Página 14, primeiro pará-
taram minhas roupas, enfiaram espinhos de rosa na minha grafo)
barriga, uma pessoa apontou uma arma para minha cabeça
e outra a retirou. Isso criou uma atmosfera agressiva. Depois Estruturas
de exatamente 6 horas, como eu tinha planejado, me levan-
tei e comecei a caminhar em direção ao público. Todos fugi- A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic,
ram para escapar de uma confrontação presente (RIBEIRO, propõe uma outra noção de estrutura da obra de arte,
2014, p. 2). uma vez que ela acontece no corpo e nas ações estabe-
lecidas entre a artista e o público. Ainda na contempora-
neidade, Lygia Clark cria sua técnica terapêutica na Série
Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, que estabelece
um novo patamar para a obra de arte, que transcende
a performance, tornando o público como o total agente
para a criação da obra de arte. De outra maneira, rom-
pendo com a estrutura clássica da arte, Arthur Barrio,
José Clemente Orozco e Acme criam obras não mais para

Tudo Sobre o PAS UnB 126


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

serem expostas em museus e galerias, mas, sim, obras Questões, Justificativas e Dicas
que invadem os espaços da cidade, como é possível per-
ceber na intervenção urbana Trouxas ensanguentadas, de Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
Artur Barrio, Santa ceia moderna, de Acme, e Hidalgo in-
cendiário, de José Clemente Orozco. (Página 18, primeiro Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
parágrafo)
Anotações e Rascunhos
Cenários contemporâneos

O documentário À margem do corpo (2006), de


Débora Diniz, discute a questão do direito reprodutivo, da
violência de gênero, raça e classe na região do entorno do
Distrito Federal. A obra também aborda aspectos relati-
vos aos impactos dessas diversas formas de violência na
saúde mental das mulheres pobres e negras. Esse debate
acerca da violência contra a mulher também está presen-
te na canção Camila Camila (1987), da Banda Nenhum
de Nós, assim como no clipe Mulamba (2018), do grupo
Mulamba, que discute questões ligadas aos movimentos
feministas, na sociedade brasileira, de longa trajetória na
história do Brasil. Noções sobre liberdade, ética e respeito
ao corpo do outro, podem ser percebidos na performance
Rhythm 0 (1974), de Marina Abramovic, e nas técnicas te-
rapêuticas Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer
(1967), Lygia Clark. (Página 29, terceiro parágrafo)

Espaços

Além do teatro, as artes visuais transformam os


espaços públicos, as galerias, os museus, e a relação pú-
blico-obra, como pode ser observado na técnica terapêu-
tica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, de
Lygia Clark, no grafite Santa ceia moderna, de Acme, na
performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, na perfor-
mance-pintura Ritmo de Outono - número 30, de Jackson
Pollock, e nas instalações Através, de Cildo Meireles, e
Ponto de encontro, de Mary Vieira. A intervenção urbana
Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, usa o território
da cidade, como as margens de um rio em uma cidade
brasileira, para provocar diferentes sensações no especta-
dor estabelecendo reflexões sobre a censura, a violência e
a poluição. (Página 37, primeiro parágrafo)

Materiais

Com o surgimento da arte contemporânea, sur-


gem novas linguagens e suportes para a produção artísti-
ca, como é possível perceber na action painting em Ritmo
de Outono - número 30, de Jackson Pollock, na técnica
terapêutica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu”, de
Lygia Clark, que cria duas roupas de borracha, plástico e
espuma interligadas por um tubo, para provocar um novo
olhar sobre o indivíduo. Na performance Rhythm 0, de
Marina Abramovic, são disponibilizados diversos objetos
e materiais para que o público utilize no próprio corpo da
artista, assim, seu corpo também se transforma em ma-
terial e suporte para a obra de arte. (Página 38, quarto
parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 127


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Através - Cildo Meireles

Autor
Cildo Campos Meireles, mais conhecido como O Ato Institucional n°5 (AI – 5), de 13 de dezem-
Cildo Meireles, nasceu em 1948, no Rio de Janeiro. Ele bro de 1968, representou uma fase turbulenta de re-
é um artista multimídia reconhecido internacionalmente pressão política no Brasil. Durante o governo do General
no âmbito da arte contemporânea. Costa e Silva, o ato foi responsável por instituir a censu-
ra, dando privilégio aos governantes para punir qualquer
Meireles se utiliza de materiais diversos, explora um que se pusesse contra o regime militar. Ao contrário
questões como a medida de espaço-tempo, as proprie- do que pretendia o governo, os atos encorajaram artistas
dades materiais de objetos, as questões indígenas e os a criar obras conceituais que revelavam toda sua revolta
problemas políticos-sociais. e insubmissão sobre seus novos direitos, mas eles foram
presos e perseguidos, bienais foram fechadas e obras fo-
Aos 10 anos, ele se mudou para Brasília, onde ram confiscadas sem análise de júri.
deu início às suas produções artísticas e teve contato
com as produções de artistas contemporâneos. Seu in- A arte tornou-se assim um dos elementos mais
teresse aumentou ao conhecer as publicações do Gru- importantes de luta contra a opressão, e artistas como
po Neoconcreto do Rio de Janeiro, pois Cildo viu, ali, a Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Artur Barrio, An-
oportunidade “de pensar sobre arte em termos que não tonio Manuel, Paulo Bruscky e Cildo Meireles formam a
se limitassem ao visual”, disse ele. Ou seja, pensar a arte vanguarda brasileira de arte política e social. O corpo,
para além das imagens representadas. Pensar o corpo, a galeria e a rua tornam-se espaços para intervenção e
pensar o público. Nessa hora, Cildo se aproximou ainda manifestação, uma arte revolucionária que vincula a ex-
mais da arte contemporânea. No entanto, permaneceu perimentação de suportes e materiais na busca de uma
com a sua produção figurativa, expressionista e bidimen- arte participante e contestadora.
sional.
Os artistas de vanguarda assumiram então uma
Por volta dos 18 anos, Cildo Meirelles foi con- arte marginal. A hostilidade da censura era agravada e
vidado por Mário Cravo Neto, então diretor do Museu muitos se exilaram no exterior com a esperança de per-
de Arte Moderna da Bahia, a expor seus desenhos no manecerem com vida. As perseguições, invasões domi-
museu (MAMB), em Salvador, já que transmitia em seu ciliares, assassinatos e desaparecimentos foram alguns
trabalho aspectos vinculados a um conteúdo da arte dos maiores motivos para a extinção das práticas de
afro-brasileira. artistas dos anos 70, mas motivo de objeto de trabalho
de resistência para muitos deles, como é o caso de Cildo
Em 1967, retorna ao Rio de Janeiro. Durante Meireles em sua obra Inserções em circuitos ideológicos:
dois meses estuda na Escola Nacional de Belas Artes projeto cédulas.
(Enba) e participa do ateliê de gravura do Museu de Arte
Moderna (MAM). Nesse período abre mão do Expres- Suas obras têm caráter político, tais como Ti-
sionismo. Monta, então, sua primeira instalação, Desvio radentes - Totem-monumento ao Preso Político (1970),
para o vermelho, no MAM/RJ, em 1967 (obra, hoje, ex- Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-cola
posta em Inhotim/MG). (1970). Em 1971, se mudou para Nova Iorque, onde con-
tinuou produzindo, retornando ao Brasil em 1973. Logo
Mesmo depois de decidir que moraria no Rio então, começou a investigar as linguagens conceituais
de Janeiro e não mais voltaria a residir em Brasília, seu da época e se apropriou de objetos não-artísticos (por
vínculo cultural e inspiração transmitida por essa cida- exemplo, notas de dinheiro, garrafas de refri, etc).
de continuaram vivos. Sua participação em diversas ex-
posições pela cidade e as propostas do CIEM (Escola de Cildo Meireles foi um dos pioneiros em insta-
aplicação da Universidade de Brasília) acrescentaram ao lações no Brasil. Participou de várias bienais, grandes e
artista a carga intelectual necessária para a criação de importantes eventos para a arte contemporânea, e que
novos projetos na década de 1960. trazem renome a qualquer artista.
É neste período que ele começa a operar uma
arte de cunho conceitual, em que indaga novas ques-
tões, como o envolvimento do espaço em uma obra e
a crítica aos meios artísticos tradicionais. Começa então
uma exploração de novos suportes. Essa mudança em
seu foco artístico para um caráter político se deu pelo
contexto histórico da década com a promulgação do Ato
Institucional n° 5, que antecipa anos de medo e silêncio.

Tudo Sobre o PAS UnB 128


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Foi nesse processo de transição que encontramos a arte


moderna. Ela ocorreu, aproximadamente, entre o final
do século XIX e o começo dos anos 1970.

Mas a arte moderna, no geral, trouxe questio-


namentos como: poderia a arte fazer algo além de repre-
sentar as coisas assim como elas são? E aí, então, veio
essa arte com essa nova proposta: representar as coisas
diferente de como elas são vistas pelos nossos olhos e
quebrar com a necessidade de naturalidade.

Surgiram, então, ideias inéditas para a arte.


Através. Internet: <www.gvcult.blogosfera.uol.com.br>
Portas se abriram e outros temas e outras formas de
expressão ganharam espaço. Logo vieram as principais
vanguardas: o cubismo, o fauvismo, o surrealismo, o ex-
pressionismo, o dadaísmo, o concretismo, o futurismo
e o abstracionismo. Cada movimento tem suas especi-
ficidades, por isso é preciso estudá-los separadamente.
Portanto, não aprofundaremos, aqui, estes movimentos.

Mas, logo após a II Guerra Mundial, em meados


do século XX, foi possível perceber que as questões que
a arte moderna trazia já não atendiam mais as deman-
das daquele tempo. Os artistas começaram a ter novas
angústias e novos questionamentos. O mundo era ou-
tro, a tecnologia estava presente e as questões políticas
Através. Internet: <www.inhotim.org.br> eram diferentes de outrora.

Questões do tipo: é obrigatório utilizar uma tela


para fazer uma pintura? Uma pintura em um quadro é
mais pintura do que uma pintura em uma parede? E um
vídeo? É permitido pintar apenas no espaço de um pa-
pel? Um papel é mais espaço para arte do que uma pa-
rede? Qual o limite de um quadro? Qual o limite de uma
pintura? Qual espaço é devido para a arte? A arte é arte
em qualquer espaço?

Esses questionamentos complexos demais -


Através. Internet: <www.pinterest.com>
para serem respondidos facilmente -, mas, ao mesmo
tempo coerentes, começaram a permitir que floresces-
sem novas ideias no campo das artes.
Ficha Técnica
Veio a arte contemporânea. Novos suportes e
Título: Através
materiais começaram a ser utilizados, estilos foram mes-
Data: 1983-1989
clados e tornou-se possível uma interação mais direta
Estilo: Arte Contemporânea
com o público. As obras começaram a “sair da tela”, a
Gênero: Instalação
“sair do papel” e alcançar a dimensão material. (Dica:
Mídias: técnica mista
Desvio para o vermelho, Cildo Meireles).
Localização: Inhotim, Brumadinho/MG
Dimensões: 600cm x 1500 cm x 1500 cm O avanço tecnológico contribuiu bastante. A ex-
perimentação com diferentes mídias tornou-se ponto
Contexto chave neste novo cenário da arte. A efemeridade da obra
começou a ser predominante. Vieram, então, as instala-
Para entender melhor a vida e a obra de Cildo ções, as intervenções, as performances, a videoarte e a
Meireles é importante entender o que é arte contem- arte conceitual. A arte ocupou o espaço para além da
porânea. E, para entender a arte contemporânea, preci- tela. Pôs-se em cheque o valor e o próprio conceito de
samos saber um pouco mais sobre a arte moderna. Uti- arte. Afinal, o que é arte?
lizamos termos genéricos, mas eles nos dão uma breve
noção do que significou cada período.
Obra
Com o advento da fotografia, a demanda da arte Através foi realizada durante os anos 80, um
começou a cair drasticamente. Assim, a arte passou por período conturbado de redemocratização do país, após
um momento de crise e de auto questionar sua função.
mais de duas décadas de um governo ditatorial. A pres-

Tudo Sobre o PAS UnB 129


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

são por eleições diretas culminou no movimento das “Di- dos objetos que encontramos na obra Através, de Cildo
retas Já!”. O movimento envolveu todas as camadas da Meireles.
sociedade, e todos os tipos de pessoas, desde de religio-
sos a artistas, políticos e intelectuais. A inflação estava Trata-se de uma coleção de materiais e objetos utilizados co-
mumente para criar barreiras, com os mais diferentes tipos
altíssima. O país passava por um período de incertezas.
de usos e cargas psicológicas: de uma cortina de chuveiro a
uma grade de prisão, passando por materiais de origem do-
Nesta obra, Cildo Meireles leva o espectador a méstica, industrial, institucional. Sempre em dupla, os ele-
um inusitado espaço. O espaço físico da obra se limita mentos se organizam com rigor geométrico sobre um chão
a um equilátero, e se constrói pelas 3 dimensões: chão, de vidro estilhaçado, oferecendo diferentes tipos de trans-
teto, paredes. O espaço de interpretação e significados parência para os olhos, que à distância penetra a estrutura.
é infinito, passando tanto pela subjetividade do público, O convite é que o corpo experimente de perto esta estru-
quanto por questões relacionadas ao espaço público, ao tura, descobrindo e deixando para trás novas barreiras. [..]
espaço privado, à sutileza e à violência, entre outros. Sua conformação [é] labiríntica e [a] experiência sensorial de
descoberta (Catálogo Inhotim, 2020).
No chão há vidro estilhaçado. O caminhar não
é silencioso e deve ser feito usando sapatos fechados. Em Através recebemos o convite de Cildo para
São objetos cortantes e, ao pisá-los, é possível ouvir o nos relacionar com cada elemento e, também, com nos-
atrito – vidro sobre vidro. Esses estilhaços espalhados sa forma de perceber o mundo. Ao olhar cada item, so-
podem representar o fim do regime militar, visto como mos levados a pensar sobre o que cada um representa.
mais uma barreira vencida. Somos convidados a entender a relação que há entre
eles e como se conectam - se é que se conectam.
Ao redor há grades, cortinas, arames e cercas.
De maneira mais explícita, a exposição selecionada tem
São objetos do nosso dia-a-dia. Porém, esses objetos fo- como o objetivo explorar e demonstrar os limites e barreiras
ram apropriados, deslocados e potencializados pelo ar- dispostos na trajetória de todos, usando como ferramenta
tista. O que isso quer dizer? Que os objetos continuam as artes plásticas. Sejam barreiras físicas, institucionais ou
sendo os mesmos. No entanto, ao serem deslocados, es- auto impostas, todas são exploradas por meio de materiais
ses objetos acabam trazendo os significados do mundo organizados de maneira simétrica, ordenadas sobre um chão
para dentro da obra de arte. Criando, assim, novas rela- de vidro estilhaçado por onde o observador caminha... (Júlia
ções entre eles e o público. Miranda e Marcella França, para GV Cult, da Uol).

O que esses objetos têm em comum? São ob- Assim, olhar a obra de Cildo, é também pensar
jetos que criam barreiras, de alguma forma. O que eles no mundo, pensar as coisas do mundo. É olhar para den-
têm de diferente? Uns separam, outros escondem, ou- tro, para suas vivências, para a sociedade, para o coletivo
e suas ideias.


tros protegem, outros prendem… Uns são altos, outros
mais baixos… Alguns são leves, suaves… Outros parecem
pontiagudos, cortantes... Grades, arames, cortinas…

Ao experienciar a obra o espectador enfrenta


barreiras e obstáculos. O chão exige um cuidado ao en-
Citações da Obra na Matriz de Referências
trar e ao se locomover. É preciso conhecer o chão em O ser humano como um ser que interage
que pisa. Ele não é comum, é de vidro estilhaçado e cor-
tante, como já mencionado anteriormente. Em encenações teatrais do século XX, nota-se
uma mudança expressiva na recepção da peça, em que
Andar pela obra é encontrar barreiras, é se per- os espetáculos promovem interações entre ator e público,
der e se reencontrar. A obra é sempre vista por partes. como observado na obra A exceção e a regra, de Bertolt
Visualizá-la por completo é impossível. Nela, o especta- Brecht. Da mesma forma, porém numa outra linguagem
dor está sempre à mercê da sua perspectiva. estética, a interação entre público e obra ocorre nas ins-
talações e intervenções urbanas, como no grafite Santa
Cildo Meireles colocou um arame farpado na ceia Moderna, de Acme, e na instalação Através, de Cildo
obra com a intenção de criar alguma coisa E, ali está o Meireles. (Página 4, terceiro parágrafo)
arame, um objeto comum, em um lugar de arte, se rela-
cionando com outros objetos e permitindo que as pes- Além dessa abordagem contextual, com ênfase
soas pensem sobre ele. Ali, é um espaço para se pensar nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também
sobre o arame (e também sobre todos os objetos pre- discutidas as maneiras como os artistas interagem com
sentes). Deslocá-lo é criar a possibilidade de vê-lo por diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na
carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
outra perspectiva. Em um espaço não usual, ele é con-
Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos
trastado. Para quantas pessoas no mundo o arame far-
ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme
pado é objeto de pensamento? Na arte, ele pode ser. Há
Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Atra-
muito a se dizer sobre o arame farpado. E esse é só um
vés, de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio

Tudo Sobre o PAS UnB 130


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tozzi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock faz uso de trouxas de pano preenchidas com materiais or-
ou o Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se gânicos como fezes, sangue e urina cortadas a golpes de
encontram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de faca. (Página 39, segundo parágrafo)
encontro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo)
Indivíduo, cultura, estado e participação política Questões, Justificativas e Dicas
Nas obras visuais Acordeonista, de Picasso, Me- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
teoro, de Bruno Giorgi, Ritmo de Outono – número 30, de
Jackson Pollock, Através, de Cildo Meireles, e Ponto de Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Encontro, de Mary Vieira, há diversas possibilidades para
perceber e refletir sobre transformações estéticas e a im- Anotações e Rascunhos
portância da produção artística como representação da
cultura. (Página 11, primeiro parágrafo)
Tipos e gêneros
Com a arte contemporânea, surge a instalação e
a intervenção urbana representadas pelas obras Através,
de Cildo Meireles, Trouxas ensanguentadas, de Artur Bar-
rio e Ponto de encontro, de Mary Vieira. (Página 14, sexto
parágrafo)
Estruturas
Diferentes estruturas podem ser observadas no
campo das ciências, como o tratamento de problemas
do espaço, destacando-se a localização de pontos, de
retas e de circunferências por suas coordenadas ou por
suas equações, como é possível perceber nas instalações
Através, de Cildo Meireles e Ponto de Encontro, de Mary
Vieira, e nas obras modernistas Palácio do Itamaraty, de
Oscar Niemeyer, e Meteoro, de Bruno Giorgi. A compara-
ção da estrutura dos números reais com a dos números
complexos permite estabelecer as congruências necessá-
rias exigidas pela evolução do conhecimento matemático,
diante das necessidades do desenvolvimento tecnológico.
(Página 16, quarto parágrafo)
Espaços
Além do teatro, as artes visuais transformam os
espaços públicos, as galerias, os museus, e a relação pú-
blico-obra, como pode ser observado na técnica terapêu-
tica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, de
Lygia Clark, no grafite Santa ceia moderna, de Acme, na
performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, na perfor-
mance-pintura Ritmo de Outono - número 30, de Jackson
Pollock, e nas instalações Através, de Cildo Meireles, e
Ponto de encontro, de Mary Vieira. A intervenção urbana
Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, usa o território
da cidade, como as margens de um rio em uma cidade
brasileira, para provocar diferentes sensações no especta-
dor estabelecendo reflexões sobre a censura, a violência e
a poluição. (Página 37, primeiro parágrafo)
Materiais
Com o aprimoramento da arte contemporânea,
surge a instalação e a intervenção urbana que insere, res-
pectivamente, as obras Através, de Cildo Meireles, que
faz uso de malha de ferro, plástico, borracha e vidro para
a construção de um ambiente que debate os limites es-
paciais, e Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, que

Tudo Sobre o PAS UnB 131


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Ilustrações Críticas - Pawel Kuczynski

Autor
Pawel Kuczynski nasceu em 1975, em Estetino, das narrativas. Ele abrange um público bastante vasto;
na Polônia. Ele se formou na Fine Arts Academy, em Poz- só em seu Facebook tem mais de meio milhão de segui-
nam, com especialização em arte gráfica. Pawel trabalha dores.
desde 2004 com arte satírica e atualmente é um famoso
cartunista. Obra
Pawel é um artista com grande reconhecimento As obras de Pawel tratam de diversos assuntos,
online. Seu maior alcance atual é por meio da internet, como redes sociais, desigualdade social, desigualdade
em mídias como Reddit, Pinterest e Facebook. racial e meio ambiente. Aqui, veremos obras que abor-
dam o tema desigualdade social, como indicado pelo
O artista se tornou viral (mais de 44 milhões CEBRASPE.
de visualizações) com seu trabalho chamado “Pokemon
Go”, em que o Pikachu, um dos Pokémons do jogo, apa-
rece sentado no pescoço de um humano – que tinha o
celular na mão – e de lá o bichinho controla o humano,
como se estivesse montado em um cavalo.

As obras de Pawel têm grande repercussão


na internet, e isso acontece por usar metáforas de fá-
cil compreensão, que não exigem tanto conhecimento
sobre história da arte, por exemplo, mas compreensão
sobre temas que sempre foram comuns a todos, como
disse o próprio artista em entrevista para o tonyrobert-
cochran.com, em 2017:
Apple. Internet: <www.pinterest.com>

A arte contemporânea fala sobre problemas similares aos


que eu trago no meu trabalho. Mas a linguagem que usam é Na imagem acima há duas crianças brincando.
compreensível somente aos iniciados e aos que fazem parte Do lado esquerdo, uma criança de pele mais clara brin-
da cena. Eu, como um artesão de uma escola velha, tento ca com blocos educativos para formar palavras. Há na
fazer meu trabalho visualmente atraente e significativo para imagem a palavra “apple”, que significa “maçã” em por-
uma grande audiência (Tradução Livre).
tuguês.
Uma década tomada pela tecnologia, pelos
A criança da esquerda oferece um dos blocos a
smartphones e pelas redes sociais forma o cenário para
as obras de Pawel Kuczynski. Os problemas de outrora, outra criança, que está à direita. A criança de vestes mais
como a fome, a desigualdade, a guerra, o meio ambiente desgastadas tem um bloco em mãos com o desenho de
são temas de suas obras, mas também temas novos ao uma maçã. O bloco encontra-se mordido, como se ela o
nosso planeta, advindo da tecnologia e da relação que tivesse comido por sentir fome.
estabelecemos com ela, como privacidade, redes sociais
e smartphones. “Vivemos há tanto tempo juntos neste Pawel apresenta a reflexão de que, enquanto
mundo e mesmo assim cometemos os mesmos erros: algumas crianças brincam de conhecer palavras, por
guerra, pobreza, divisões raciais, ecologia, dinheiro — exemplo, outras não têm essa oportunidade e muitas
estes são os temas que gosto porque são tão imortais vezes sequer sabem ler ou escrever. Para estas, não há
como a arte”, disse o artista. Pawel cria relação entre to- espaço para brincar ou estudar na infância. Enquanto al-
dos esses temas para montar suas obras, questionando gumas reconhecem a maçã não só pelo objeto, mas tam-
hábitos antigos e recentemente adquiridos. bém por sua escrita, outras a reconhecem apenas como
alimento.
Para realizar seus trabalhos, Kuczynski se utiliza
de papel, lápis aquarela e giz de cera. São trabalhos me- É explicitado na imagem as desigualdades de
tafóricos, a partir de temas profundos, mas associações condições entre crianças ao redor do mundo. É uma
simples e diretas, o que explica tamanha popularidade imagem que faz o espectador refletir sobre uma visão
de Pawel. Tem como influência Caravaggio e o barroco, global, não sendo necessariamente o retrato de um país
fato que se vê pela composição, o tom realista e espe- específico, mas uma realidade presente no planeta.
cialmente pela luz teatral, que dá um tom dramático as
suas obras - o que contribui bastante para a construção

Tudo Sobre o PAS UnB 132


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Water economy. Internet: <www.pinterest.com>


Desigualdade Social. Internet: <www.pinterest.com>

O tema desigualdade também se faz presente


Nesta outra imagem, percebe-se uma questão
nesta imagem. Há, acima de uma árvore, um senhor fu-
semelhante à da figura anterior. A partir do uso de figu-
mando um charuto e bebendo um drink. Pelo tamanho
de sua barriga pode-se presumir que ele tem fartura de ras contrastantes – no caso, um rico e um pobre – Pawel
alimentos em sua casa. consegue relacioná-las e trazer uma reflexão sobre desi-
gualdade.
O homem se banha na copa da árvore como se
estivesse em uma banheira cheia d’água, utilizando, as- Na parte inferior da imagem há três pessoas
sim, da natureza a seu favor. Abaixo, vemos outro ho- pensando. É possível saber no que elas estão pensando
mem – de menor porte que o homem acima – com trajes pelo uso do recurso de balões. Elas pensam em comida,
simples: uma bermuda, sem camisa e pés descalços. Este e, ao observar que estão em situação de rua, largadas
aproveita uma goteira que vem da banheira do outro ho- pelo chão, com aparências não muito saudáveis e roupas
mem– que é provavelmente um rico. simples e abarrotadas, conclui-se que estão com fome.

Enquanto um esbanja, outro fica apenas com as Acima delas, em uma janela, um homem come
gotas de água, sendo extremamente limitado o seu uso. frango, queijo, vinho, entre outras coisas. Há muitas op-
Para o homem mais simples, que está debaixo da árvore, ções para ele. Os alimentos que ele come são, figurativa-
não é possível utilizar a água para banhar seu próprio mente, os mesmos em que as pessoas abaixo da janela
corpo, dado que ela não seria suficiente. estão pensando.

Pawel faz uma crítica à distribuição desigual de Porém, Pawel utiliza de um recurso para tor-
recursos naturais (como a água), alimentos e renda. En- ná-los dúbios: coloca os alimentos em balões de pen-
quanto uns esbanjam, utilizando mais do que necessá- samento, para remeter aos desejos das pessoas em si-
rio, outros ficam com uma ínfima parte. tuação de rua, e também os apoia em uma mesa, sendo
comidos por uma outra pessoa.

Assim, com esse jogo complexo, ele torna mais


simples a leitura da imagem: enquanto alguns têm aces-
so pleno à alimentação, outros apenas sonham com ela.

Tudo Sobre o PAS UnB 133


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Citações da Obra na Matriz de Referências
O ser humano como um ser que interage

Estabelecer um foco estético, ético e político pos-


sibilita a reflexão a respeito dos valores, tanto individuais
quanto coletivos, que orientam as ações das pessoas e de
grupos de interesses. Por exemplo, questões relacionadas
a decisões sobre o uso das ciências e suas implicações são
problematizadas na entrevista Juliana Estradioto: Futuro
no presente, Revista Fapesp – jun/2019, Criadores de um
mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, Revista Fapesp
– out/2019, assim como no discurso proferido por Darcy
Ribeiro em 1985: Universidade para quê?. Aspectos des-
sa complexidade podem também ser percebidos em cria-
ções como as Ilustrações críticas (Sátiras – desigualdade
social), de Pawel Kuczynski, assim como nas obras musi-
cais Quarteto de cordas com helicópteros, de Karlheinz
Stockhausen e em Quarteto para o fim dos tempos (1º
Movimento – Liturgia de Cristal; 6º movimento – Dança
do Furor para as 7 trombetas; 8º movimento – Louvor à
imortalidade), de Oliver Messiaen. (Página 6, primeiro pa-
rágrafo)
Money on fire. Internet: <www.pinterest.com>
Indivíduo, cultura, estado e participação política
Ainda na questão social, Pawel Kuczynski apre-
senta nesta imagem a figura de um senhor descalço, sen- As desigualdades sociais e o lugar do indivíduo na
tado no chão e com feições abatidas. O homem esquen- sociedade podem ser discutidas a partir das Ilustrações
ta sua própria mão em uma pequena fogueira, que foi críticas, de Pawel Kuczynski – Sátiras Desigualdade Social,
feita com um chapéu. Ao lado dele há alguns trocados, e das músicas O encontro de Lampião com Eike Batista, de
mas ao observar de perto a imagem e o nome da obra, El Efecto, Dona de Mim, de Iza, Elevação Mental, de Triz e
“Money on fire” (dinheiro no fogo), é possível perceber Não recomendados, de Não recomendado. Seu Estrelo e
que para manter o fogo aceso o homem utiliza o dinhei- o Fuá de Terreiro é uma manifestação cultural brasiliense
ro que ganhou. que evoca a importância política da cultura popular, na
medida em que é a opção pela invenção de uma tradição
O que se pode inferir da imagem, a partir da re- de grande valor cultural, histórico e social. (Página 10,
lação dos elementos, é que este senhor utiliza o chapéu quarto parágrafo)
para arrecadar dinheiro. Essa prática é muito comum nas
grandes cidades. Muitas pessoas utilizam-se de chapéus Energia e campos
para pedir dinheiro aos que transitam pelas ruas.
Ao viabilizar o uso de novas formas de energia,
Porém, observamos que o senhor de idade pre- torna-se possível a percepção de alterações no ambiente
cisou utilizar o seu chapéu para uma função diferente: e a identificação de novos cenários energéticos a partir do
a de fogueira, para acalentar seu frio. Entende-se, por século XX. As obras Autorretrato na fronteira do México e
meio disso, que ele não teria outra forma de se aquecer, dos EUA, de Frida Kahlo, Autorretrato como um soldado,
dado que sacrificou um objeto de importante uso para de Ernst Kirchner, Guevara vivo ou morto, de Claudio To-
si, como era o caso do chapéu e o dinheiro que ganhou. zzi, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade Social, de
Ou seja, uma necessidade imediata – que para muitos Pawel Kuczynski, Morro da Favela, de Tarsila do Amaral,
é algo básico, como ter uma casa e um cobertor – o fez e Navio de emigrantes, de Lasar Segall, incitam reflexões
sacrificar uma necessidade de longo prazo, que seria, sobre as situações-problemas e mudanças nos sistemas
além do dinheiro, utilizar o chapéu para conseguir seu de produção e conflitos. Na sociedade contemporânea, a
sustento. gestão das matrizes energéticas constitui um importante
objeto de estudo, exigindo especial atenção aos aspectos
Pawel apresenta, por meio de suas obras, a de- éticos, ecológicos, políticos e socioeconômicos associados
sigualdade social e a dificuldade que algumas pessoas ao seu uso racional. (Página 20, segundo parágrafo)
enfrentam para suprir suas necessidades básicas.

Tudo Sobre o PAS UnB 134


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cenários contemporâneos

A música O encontro de Lampião com Eike Batis-


ta, da Banda El Efecto (2012), apresenta, a partir de um
tema folclórico, ideias de permanências e rupturas ao
concatenar séries de sons e escolhas sobre sua organiza-
ção, diversidade de ritmos e andamentos, o que evidencia
o caráter contingente, processual e vivo da obra, e pode
ser observado, por sua vez, na constituição de fatos his-
tóricos. Por outro lado, a música Trevas (2019), de Jards
Macalé, problematiza discursos e eventos que marcaram
a história brasileira e mundial, sob a perspectiva da ideia
de liberdade e de resistência. Esse debate estabelece um
diálogo com Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade
Social, de Pawel Kuczynski. (Página 27, quarto parágrafo)

Espaços

O espaço geográfico existe como um dado insepa-


rável da vida global, formado por um conjunto indissociá-
vel, solidário e também contraditório, de sistemas de obje-
tos e sistemas de ações, não considerados isoladamente,
mas como o quadro único no qual a história se dá entre o
local, o regional e o mundial. Novos arranjos econômicos
desafiam a eficiência dos modelos neoliberais em crises
sistêmicas do capital. Parte desses processos problema-
tizados nas Ilustrações críticas - Sátiras Desigualdades
Sociais, de Pawel Kuczynski, e na escultura Meteoro, de
Bruno Giorgi. (Página 35, quarto parágrafo)

Análise de dados

Vale lembrar novas modalidades de linguagem


surgidas em relação ao desenvolvimento industrial, ao
aumento da população mundial e, consequentemente, do
consumo. Nessa perspectiva, a mistura de linguagens e
contextos pode ser estudada nas obras Trevas, de Jards
Macalé, Ilustrações críticas – Sátiras Desigualdade So-
cial, de Pawel Kuczynski, Guevara vivo ou morto, de Clau-
dio Tozzi, Autorretrato na fronteira do México e dos EUA,
de Frida Kahlo, e O encontro de lampião com Eike Batista,
de El Efecto. (Página 42, quarto parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 135


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Santa Ceia Moderna - ACME

Autor
Carlos Ezequiel Gomes da Silva, mais conhecido perceber a retratação da favela para além dos estereóti-
como ACME, nasceu em 1978 no Rio de Janeiro, na fave- pos atribuídos a esses espaços. O artista faz uma crítica
la do Pavão-Pavãozinho. A sigla “ACME” é normalmen- social aos acontecimentos diários e as desigualdades so-
te usada em animações para representar corporações ciais, mas também mostra a força e a criatividade pre-
(empresas) fictícias, significando, normalmente, “Cor- sentes nesses lugares que são marginalizados pela disse-
poração Americana que Fabrica Tudo”. Ainda criança, minação midiática.
inspirava-se em revistas em quadrinhos para criar seus
desenhos. O ano de 2017 foi conturbado para o Rio de Ja-
neiro, principalmente a partir de agosto e especialmente
Oriundo de uma família pobre, o autor passou para os habitantes da favela da Rocinha. Com enfrenta-
parte de sua infância e juventude engraxando sapatos mentos pelo comando da cidade, oponentes do crime
e vendendo bolo. Em 1993, quando passou a pichar em organizado ficaram em guerra durante pelo menos um
ônibus, metrôs e espaços públicos, foi abordado pela po- mês. Houve mortes, aumento de tiroteios e ainda uma
lícia diversas vezes e em uma dessas abordagens preso, ação do exército para ocupação do morro. A obra de
sendo impedido de apresentar sua arte. ACME vem como símbolo de reversão para esse cenário
catastrófico.
Quando virou skatista, os grafites das rampas
e o apoio dos amigos se tornaram incentivo para sua
carreira. O autor iniciou então grafitando as rampas de
skate e depois aprimorou e expandiu seu trabalho para
outros ambientes. De 1997 até 2003, o artista transitava
entre o grafite e a ilustração. Seguiu a carreira de mi-
litar e passou seis anos trabalhando como ilustrador e
programador visual do Centro de Capacitação Física do
Exército.
Além de passar um mês estudando na Art Paris
em 2011, onde fez parte de exposição coletiva, o artista Santa ceia moderna Internet: <www.wikipedia.org>
também fez ilustrações para a ONG Ecotampas e para o
Instituto Estadual do Ambiente (INEA). É escultor e tra- Ficha Técnica
balha com a técnica upcycling, ou seja, a reutilização de
materiais descartáveis ou que aparentemente não pos- Título: Santa Ceia Moderna
suem mais utilidade para a confecção de obras. Essas Autor: (Carlos) Acme
elaborações aguçam a reflexão, principalmente a respei- Ano: 2017
to da irresponsabilidade da quantidade de lixo produzida Técnica/Movimento: Grafite
pelo ser humano. ACME produziu mais de vinte e cinco
esculturas e a maioria delas dispõe de materiais como Contexto
madeira, ferros e resto de panelas.
Os avanços tecnológicos a partir da década de
O grafiteiro foi um dos fundadores do Museu de 2000 foram grandes marcos para a sociedade mundial.
Favela (MUF), que está presente no Cantagalo, no Rio de A tecnologia afeta diretamente em como as pessoas dia-
Janeiro, e também do Circuito das Casas-tela. Deu aulas logam, se comportam, trabalham e enxergam o mundo.
em muitas iniciativas do Museu de Arte Contemporânea Dessa forma, a tecnologia influencia as atividades artísti-
de Niterói, da Casa do Menor São Miguel Arcanjo, Talen- cas contemporâneas e se integram criando uma nova lin-
tos da Vez, entre outros. Conta com diversos murais gra- guagem. Com diversos instrumentos progredindo, suas
fitados e permanentes, como no Museu Histórico Nacio- versões anteriores se transformam em antigas e quase
nal (RJ). Possui mais de vinte exposições que já rodaram totalmente inúteis.
o mundo, passando por cidades como França, Argentina
e São Paulo. Também ganhou premiações no Encontro Em 2017 especificamente, países como Estados
Mundial de Graffiti (EUROGRAFF) e na Copa Graffiti de Unidos, Caribe e Porto Rico foram marcados por tem-
2012 e de 2014. Além disso, continua desenvolvendo poradas intensas de furacões. A principal causa desses
projetos dentro e fora da favela. fatores foi mudança climática e a falta de consideração
pela natureza. Houve também ocorridos como a posse
ACME fala que seu sonho sempre foi se expres- de Donald Trump, a continuação da guerra da Síria, Las
sar por meio do desenho. Em seus trabalhos é possível

Tudo Sobre o PAS UnB 136


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Vegas como foco de uma destruição em massa e revolu- obras, como ocorrido em São Paulo em 2017 a mando da
ções em pesquisas a respeito de Saturno. No Brasil, há prefeitura, em que diversos grafites foram apagados das
o enfrentamento de garimpeiros em aldeias indígenas e ruas, o que ficou conhecido como “Maré Cinza”. A fim
denúncias feita pela FUNAI, como também o lançamen- de reverter essa efemeridade, alguns artistas e designers
to do primeiro satélite geoestacionário genuinamente desenvolveram um método o qual colaboradores (qual-
brasileiro. quer pessoa que passar pela criação) podem fotografar
o painel, postar e marcar com a foto com uso de hash-
As favelas têm sofrido o abandono estatal desde tags. Um exemplo é a #streetartrio para as ruas do Rio
a sua concepção. No Rio de Janeiro esse processo pode de Janeiro. A partir disso, delineou-se uma espécie de
ser evidenciado a partir do processo de urbanização no catálogo no qual é possível encontrar as produções e de
início do século XX, empreendido pelo prefeito Pereira alguma forma, prolongar sua existência.
Passos. Seguindo os preceitos das cidades europeias,
principalmente da Paris de Haussmann, houve o alarga- O movimento é inerente ao hip hop e a outras
mento das ruas e a desapropriação de inúmeras constru- artes3 que fazem jus às críticas sociais e a oposição da
ções, principalmente aquelas que serviam de habitação arte rigorosamente acadêmica. Por não ocupar espaço
coletiva para os trabalhadores. Esse processo culminou tradicionalmente separados para a arte, o grafite infe-
numa intensa ocupação dos morros da cidade. lizmente ainda é marginalizado e visto por alguns como
depredação. É uma ação de espontaneidade e questio-
Esse abandono estatal persiste, sendo agravado namentos. Sendo assim, subverte-se ao ambiente antes
pela problemática da segurança pública, gerando uma abandonado, além problematizar certos paradigmas.
grande desigualdade social. Também aproximam o espectador das obras, das denún-
As análises sobre o tráfico de drogas, sobretudo as registra- cias públicas e de identificações antes despercebidas,
das pela mídia e por agentes governamentais, abstraem-se além de revelarem o seu próprio meio, porém, por ângu-
de considerar a presença decisiva dos capitalistas, concen- los modificados e curiosamente poéticos.
trando a atenção basicamente sobre os traficantes retalhis-
tas, vendo-os como únicos responsáveis pelo rentável negó-
cio das drogas, o que tem facilitado a vitória hegemônica da
Obra
política de segurança pública de caráter predominantemente A obra Santa Ceia Moderna foi confeccionada
repressivo, que faz a polícia se armar cada vez mais para in-
em 2017 a convite de uma televisão alemã. O autor teve
vadir as favelas com o objetivo de acabar com o tráfico de
drogas e seus agentes locais. Acabar em tese, porquanto na como base o documentário (dessa mesma emissora) que
realidade há um interesse utilitarista de que a guerra contra discorria sobre a diversidade religiosa. As pessoas que
o tráfico continue indefinidamente, pois ela traz dividendos aparecem são do Brasil, Rússia, Polônia, Alemanha, Itá-
para diversos envolvidos nela, como agentes governamen- lia, Egito e Nigéria, além de alguns adolescentes presen-
tais, judiciários, policiais, empresariais, além dos próprios tes no documentário e que são moradores da rocinha.
traficantes retalhistas (Bandeira, 2013, p.12). O autor levou seis dias para completar e só usou spray,
aprimorando com pincéis. Atualmente o painel está pos-
Grafite to na igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, na Rocinha
(RJ).
A arte do grafite tem relatos de suas primeiras1
manifestações populares em Paris e Nova York no iní- Diante disso, faz referência à última ceia em que
cio da década de 1970, chegando no Brasil ao final da Jesus comemora e se despede dos seus doze discípulos.
mesma década. Nesse período a tinta spray ainda era O autor substituiu os seguidores por pessoas totalmen-
pouco comercializada no país e consequentemente se te diferentes, tanto fisicamente quanto culturalmente.
tornava custoso o acesso aos artistas. Não satisfeitos e Cada um representa seu povo, seu país e sua diversidade
decorrente da falta de informação a respeito dessa nova de modo singular. As próprias imagens do cristianismo
linguagem, os paulistanos, precursores do movimento demonstram um Jesus de pele branca e olhos claros.
no Brasil, acabaram desenvolvendo um estilo próprio de ACME também reverteu essa ideologia retratando um
grafitar. Diante desse contexto, São Paulo se tornou a
Jesus de black power e pele preta. Seus braços e mãos
capital mundial do grafite. O grafite brasileiro hoje é tido
como um dos melhores do mundo, com representantes intensamente grandes conseguem abarcar todas as pes-
como Os Gêmeos2 e Eduardo Kobra. soas da mesa, sugerindo acolhimento e união. A posição
de estar ajoelhado também propõe humildade divina
Assim, a arte urbana propõe pinturas expostas diante de qualquer ser humano.
ao ar livre (ou não) em edifícios, muros e outros espaços
públicos que podem integrar o cotidiano das pessoas. É A mesa onde a ceia está posta denota simplici-
feito com o spray em lata e com látex. Os grafiteiros en- dade e o que traz a sensação de intimidade é a vesti-
frentam um problema recorrente: o apagamento de suas menta informal dos personagens, descontraindo todo
o ambiente. Todos estão sorrindo, abraçados e tudo sa-
1 Leva-se em consideração a pintura rupestre como início das
ações artísticas. 3 Na primeira metade do século XX, surge a revolução me-
2 Têm importantes obras e dentre elas, a fachada do museu xicana e com ela se inicia também o movimento muralista mexicano.
nacional de arte moderna do Reino Unido e o Tate Modern. Semelhante ao grafite nas idealizações e nas técnicas.

Tudo Sobre o PAS UnB 137


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

lienta para um caráter comemorativo. Particularidades Estruturas


como: resto de pizza, refrigerante, skate, cores intensas
e vibrantes foram colocadas para vincular a criação com A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic,
a modernidade e juventude. É possível perceber que o propõe uma outra noção de estrutura da obra de arte,
artista usou da técnica do ponto de fuga, no qual se põe uma vez que ela acontece no corpo e nas ações estabe-
linhas específicas e perspectivas visuais para dar profun- lecidas entre a artista e o público. Ainda na contempora-
neidade, Lygia Clark cria sua técnica terapêutica na Série
didade à imagem. A santa ceia acontece em primeiro
Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, que estabelece
plano e o Cristo redentor, ao fundo e de tamanho expo-
um novo patamar para a obra de arte, que transcende
nencialmente menor, enfatiza o segundo plano, criando
a performance, tornando o público como o total agente
assim um desenho bidimensional.


para a criação da obra de arte. De outra maneira, rom-
pendo com a estrutura clássica da arte, Arthur Barrio,
José Clemente Orozco e Acme criam obras não mais para
serem expostas em museus e galerias, mas, sim, obras
Citações da Obra na Matriz de Referências que invadem os espaços da cidade, como é possível per-
ceber na intervenção urbana Trouxas ensanguentadas, de
O ser humano como um ser que interage Artur Barrio, Santa ceia moderna, de Acme, e Hidalgo in-
cendiário, de José Clemente Orozco. (Página 18, primeiro
Em encenações teatrais do século XX, nota-se parágrafo)
uma mudança expressiva na recepção da peça, em que
os espetáculos promovem interações entre ator e público, Cenários contemporâneos
como observado na obra A exceção e a regra, de Bertolt
Brecht. Da mesma forma, porém numa outra linguagem Os séculos XX e XXI são marcados por diversos
estética, a interação entre público e obra ocorre nas ins- movimentos sociais relacionados às lutas e resistências
talações e intervenções urbanas, como no grafite Santa de grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras
ceia Moderna, de Acme, e na instalação Através, de Cildo audiovisuais Das raízes às ponta (2015), de Flora Egécia,
Meireles. (Página 4, terceiro parágrafo) e Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também
Indivíduo, cultura, estado e participação política observa-se essa temática da resistência dos movimen-
tos sociais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de
No contexto musical, algumas obras alinham-se Acme, nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto
às possibilidades de transformação social e conceitual. A Maria (2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musicais
relação do indivíduo com os poderes constituídos, bem Malditos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação Mental
como nos conceitos estabelecidos, pode ser observada (2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de Não Reco-
em músicas de concerto, como Quarteto de cordas com mendados. (Página 27, segundo parágrafo)
helicópteros, de Karlheinz Stockhausen e Quarteto para o
fim dos tempos (1º Movimento – Liturgia de Cristal; 6º Número, grandeza e forma
movimento – Dança do Furor para as 7 trombetas; 8º mo-
vimento – Louvor à imortalidade), de Oliver Messiaen. As Transformações como essas podem ser observa-
músicas Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, Me deixe das nas telas Acordeonista, de Picasso, e Ritmo de Outono
mudo, de Walter Franco, Solange, na versão da Banda So- - número 30, de Jackson Pollock, no grafite Santa ceia mo-
lange, Trevas, de Jards Macal, e Grândola Vila Morena, derna, de Acme, e nos audiovisuais Das raízes às pontas,
versão da Banda 365, refletem, em diferentes contextos, de Flora Egécia, e Um cão andaluz, de Luís Buñel e Salva-
transformações políticas em momentos históricos confli- dor Dalí. No plano sonoro, essas transformações podem
tuosos. Essas reflexões também podem ser observadas ser verificadas em Quarteto de cordas com helicópteros,
na intervenção urbana Trouxas ensanguentadas, de Artur de Karlheinz Stockhausen, que trabalha com amplificação
Barrio, e no grafite Santa ceia moderna, de Acme. (Página dinâmica e permutação de alturas. (Página 32, primeiro
10, terceiro parágrafo) parágrafo)

Tipos e gêneros Espaços

A fusão entre as próprias vanguardas europeias Além do teatro, as artes visuais transformam os
como Expressionismoabstrato é representada pela pin- espaços públicos, as galerias, os museus, e a relação pú-
tura-performática Ritmo de Outono – número 30, de blico-obra, como pode ser observado na técnica terapêu-
Jackson Pollock. Da fusão entre o Modernismo e as van- tica Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer, de
guardas europeias surgem novas modalidades artísticas Lygia Clark, no grafite Santa ceia moderna, de Acme, na
e suportes, como no óleo com areia sobre tela Navio de performance Rhythm 0, de Marina Abramovic, na perfor-
emigrantes, de Lasar Segall, no afresco Hidalgo incendiá- mance-pintura Ritmo de Outono - número 30, de Jackson
rio, de José Clemente Orozco e no grafite Santa ceia mo- Pollock, e nas instalações Através, de Cildo Meireles, e
derna, de Acme. (Página 14, quinto parágrafo) Ponto de encontro, de Mary Vieira. A intervenção urbana
Trouxas Ensanguentadas, de Artur Barrio, usa o território

Tudo Sobre o PAS UnB 138


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

da cidade, como as margens de um rio em uma cidade


brasileira, para provocar diferentes sensações no especta-
dor estabelecendo reflexões sobre a censura, a violência e
a poluição. (Página 37, primeiro parágrafo)
Materiais
As pinturas murais com o uso da tinta spray, do
grafite Santa ceia moderna, de Acme, e no afresco Hidal-
go incendiário, de José Clemente Orozco, ampliam deba-
tes não somente sobre a inovação técnica, mas, também,
do local onde estão inseridas. (Página 39, primeiro pará-
grafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 139


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes visuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tudo Sobre o PAS UnB 140


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes
Cênicas
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

“O segredo do sucesso é
a constância do objetivo ”.
(Benjamin Disraeli)
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Gráficos e Estatísticas
OBRAS COBRADAS NA PROVA DE 2020

A exceção e a
regra

OBRAS COBRADAS NA PROVA DE 2020

A EXCEÇÃO E A REGRA PERDOA-ME POR ME


TRAÍRES

Tudo Sobre o PAS UnB

143
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Controle de Desempenho
Total Porcentagem
Itens Itens Escore
Obra de
certos errados
de itens
bruto
itens certos
A Exceção e a Regra
Perdoa-me por me Traíres

Tudo Sobre o PAS UnB

144
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A Exceção e a Regra - Bertolt Brecht

Autor
Dramaturgo, poeta e teórico do teatro crítico, Ficha Técnica
Bertolt Brecht nasceu em 1898 na cidade de Augsburgo,
Alemanha. Com apenas 16 anos, divulgou sua primeira Título: A exceção e a regra
obra em um jornal e aos 25 anos se casou com Marianne Autor: Bertolt Brecht
Zoff, atriz e cantora de ópera austríaca. Ano: 1929/1930
Gênero: Teatro Épico
Brecht foi escritor de diversas peças que fazem
sucesso até hoje. A primeira fase da sua obra consiste
em peças como Tambores na Noite Baal e Na Selva da Ci- Contextualização
dade, escritas entre 1922 e 1924. O autor escreveu duas
peças que foram encenadas em Munique, antes de sua Ei-los: os Senhores Professores estão aprendendo a marchar.
partida para Berlim. Depois de sua partida, foi diretor e O nazistinha puxa-lhes as orelhas e lhes ensina a posição de
sentido. Cada aluno, um espião. Não precisam saber nada
assistente de direção também.
do mundo ou do universo. Mas é interessante informar: o
As observações de Brecht acerca da socieda- que, de quem e quando. Aí vêm as criancinhas. Elas buscam
de como um todo e da formação de plateia trouxeram o carrasco e o trazem para casa. Delatam o próprio pai, cha-
ponderações que mais tarde produziriam o conceito de mam-no traidor. E ficam olhando, quando levam o velho de
mãos e pés algemados (BRECHT, 1938, p. 238).
teatro épico. Quando se mudou para Berlim, escreveu
peças como O Homem é um Homem (1926), Ópera dos
Logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-
Três Vinténs (1928) e A Mãe (1930), trabalhos que já fo-
1918), a crise econômica e política contribuiu para um
ram encenados no mundo inteiro.
sentimento de “revanchismo alemão”. As sanções eco-
Brecht desenvolveu sólidas vertentes revolucio- nômicas impostas eram árduas, bem como um senti-
nárias e sua consciência de classe reverberou em seus mento de humilhação após a derrota. Assim, em uma
trabalhos. Suas produções foram resultado de suas vi- sociedade alemã do início da década de 1920, surgia o
vências e essas foram impulsionadas a intensificar o sen- nazismo, baseado em ideais extremistas e nacionalistas,
so crítico do espectador. Bertolt tentou, também, abolir opunha-se aos ideais da Revolução Russa de 1917 e à
as imposições feitas pela burguesia, instigando por meio democracia parlamentar. Em 1933, com a ascensão de
de suas peças a expansão do raciocínio. Um exemplo dis- Adolf Hitler ao poder, tornou-se a ideologia oficial do
so é a peça Mãe coragem e seus filhos (1941), que conta Terceiro Reich. O regime nazista possui as características
a história de uma mulher trabalhadora itinerante a qual, autoritárias do fascismo, como a forte repressão e culto
para conseguir se sustentar e sustentar seus filhos, ne- a único líder, entretanto, se diferencia pelo forte antise-
cessita e torce para que a Guerra continue. mitismo e a crença na superioridade da raça ariana.
O poeta foi exilado mais de uma vez. Só retor-
A visão ortodoxa dominante, antes da Segunda Guerra Mun-
nou para Berlim dois anos após o fim da Segunda Guerra dial, de que o que somos é o que herdamos – numa época
Mundial (1945) e foi nesse momento que conectou suas em que a maior parte dos geneticistas eram partidários de
ideologias e o resto de sua bagagem pessoal para dar um determinismo genético – foi levada ao extremo por Hi-
origem ao livro Estudos sobre Teatro (1948). No livro ele tler, que declarou que os judeus e outros eram, de modo ina-
reitera toda sua convicção anti aristotélica e, em 1949, to, biologicamente inferiores. Insusceptíveis de um melhora-
montou sua companhia Berliner Ensemble, onde são mento, só restaria eliminá-los (JORGE, 2015, p.10).
encenados principalmente seus próprios textos. Brecht
morreu em 1956 aos 58 anos, vítima de ataque cardíaco. Nesse período houve a aniquilação de aproxi-
Suas peças continuam percorrendo o mundo por possu- madamente 6 milhões de judeus, ciganos, homossexu-
írem caráter didatizante e atemporal. ais e negros, a destruição ou proibição de três mil obras,
entre outras irreparáveis perseguições. Em algumas das
Apesar de nascer numa família privilegiada, Ber-
peças de Bertolt Brecht, nota-se a representação e de-
tolt Brecht se conscientizou de seus privilégios e tentou
expor a desigualdade social. Demonstrou por meio de núncia do que foi esse marco de horror ocorrido duran-
suas peças a luta pela igualdade das classes. Este tra- te a Segunda Guerra Mundial (1939 -1945) e como isso
balho propõe um breve apanhado da jornada tortuosa afetou diretamente em seu modo de fazer teatro e de
de Bertolt Brecht aos estudantes curiosos e pessoas em desenvolver vias de transformação.
constante desconstrução das mazelas de sua falta de
conscientização. Movimento
O teatro como via de propagar ideologias e in-
quietações políticas era recorrente. O dramaturgo che-

Tudo Sobre o PAS UnB 145


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

gou a passar pelo expressionismo, porém não se vin- Personagens


culou a esse e nenhum outro movimento. Mesmo se
filiando ao partido comunista, foi contrário ao realismo Comerciante – Chefe da primeira caravana, está buscan-
socialista e, em consequência disso, suas peças foram do fechar uma concessão de petróleo em Urga
proibidas na Rússia. Brecht não seguiu normas já estabe-
lecidas, e também não quis se aventurar empiricamente. Guia – Trabalhador sindicalizado, seu trabalho consiste
O que o interessava era a constatação de suas teorias, em mostrar o caminho até Urga
com cunho educativo1 e conscientizador. Carregador – Trabalhador local não sindicalizado, carrega
Conseguiu trazer um apanhado de conceitos e as bagagens do comerciante e recebe menos que o Guia
se reinventar em cima disso. Acreditou que o teatro po- Policial 01 e 02 – Fazem a escolta
deria ir muito além no que exercia sobre a sociedade.
Brecht pôde alcançar o cunho didatizante e anunciador Estalajadeiro - Dono da pousada
dentro da linguagem teatral. Na peça Terror e miséria no
Chefe da 2ª caravana
III Reich (1938), observa-se uma forte reclamação sobre
os medos e inseguranças sofridas daquele período. Membro 01 da 2ª caravana
O teatro épico se caracteriza por contrariar a Membro 01 da 2ª caravana
sociedade de classes. Em vez de mergulhar no psicoló-
gico dos personagens e incitar emoções específicas no Membro 02 da 2ª caravana
público, o teatro épico prefere transmitir poeticamente
Juiz
os conhecimentos em cena. Suas justificativas estavam
respaldadas no interesse em utilizar o teatro como lin- Juiz adjunto 01
guagem revolucionária e transformadora da alienação
humana. Brecht se dispunha a tentar isso e como conse- Juiz adjunto 02
quência teve seus trabalhos queimados em praça públi-
Coro
ca. Depois de presenciar diversos casos de tortura e into-
lerância, Brecht escreveu a peça A vida de Galileu (1939),
que se tornou um de seus maiores trabalhos dramáticos. Obra
Há autores que definem Brecht como criador A peça A Exceção e A Regra foi escrita por Ber-
do teatro épico. Entretanto há autores como Marques tolt Brecht em meados de 1929 e 1930. É dividida em 9
(2006) que afirmam que Bertolt não foi o fundador do partes e há trechos em que os personagens compõem
teatro épico, porém foi o “autor, o diretor e teórico mais a cena cantando. A peça se passa num deserto, onde
consequente do que se convencionou chamar teatro há uma expedição e o chefe de uma das caravanas (são
épico – estilo que implica o muito citado efeito de dis- duas) quer chegar primeiro que o outro. A primeira ca-
tanciamento” (p.92). O efeito de distanciamento ou es- ravana é composta pelo comerciante (chefe), o guia e o
tranhamento acontece quando o ator não se funde com carregador. Ao longo da viagem, aparecem policiais (até
o personagem para conseguir, na atitude de observador, certo ponto da viagem) e também o estalajadeiro, que é
modificar as ações já corriqueiras. Já que não se trata o dono da pousada que recebe as caravanas.
de uma ficção, ele não é estimulado a naturalizar o per- A obra expõe exigências muito duras do comer-
sonagem, mas sim a expor a realidade proposta, como ciante em relação ao carregador. Já nas primeiras can-
instrumento de reflexão e modificação. ções é possível perceber a ideia de competição e com-
“Segundo Brecht, o ator não precisa renunciar comple-
paração exclusivamente dos personagens mais ricos.
tamente desta noção da quarta parede, servir-se-á deste “Como eu não dormi no ponto, levei vantagem; Como
recurso na medida em que sua interpretação fosse clara e eu não desanimei, vim mais ligeiro. Para trás ficam os
nítida, ao ponto de proporcionar ao espectador uma parti- fracos, o forte chega primeiro” (BRECHT, 1930, p.3). Isso
cipação ativa e crítica das ações ali demonstradas. A quebra pode ser relacionado diretamente com os princípios de
da quarta parede seria mais uma ferramenta do método de meritocracia, que não consideram as desigualdades exu-
distanciamento, para conseguir atingir o espectador de uma berantes entre a realidade das pessoas e acabam por
forma com que ele analise o espetáculo e não fique apenas
instigar a concepção pela disputa, ao invés de aguçar os
assistindo, sem nenhuma atuação, nem pensante e nem críti-
co atuante. Pois como já disse, no capítulo anterior, as peças sentidos de cooperação.
que Brecht se propunha a fazer sempre eram ligadas ao con-
Em pouco tempo, o comerciante que até então
texto social e cultural do lugar em que estava trabalhando ou
vivendo.” (GONÇALVES, 2013, 131-132) tratou seus subordinados da pior maneira possível, vê-se
assombrado por não ter mais a milícia em sua escora. O
comerciante manifesta receio de que seus subalternos
1 “No Brasil, podemos citar o trabalho desenvolvido pela pro-
se rebelem contra ele, então começa a ter atitudes mais
fessora Ingrid Dormien Koudela (1991, 1996), que investiga a prática
teatral na educação, tendo como pressuposto o jogo teatral a partir da afáveis e amistosas com os mesmos, mas sem perder a
estética das peças didáticas de Bertolt Brecht” (CEBULSKI, 2011, p. 64). pose de controlador.

Tudo Sobre o PAS UnB 146


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Com o passar do texto, os medos e preconceitos comerciante não é culpado. Isso se dá simplesmente por
do comerciante vão ficando cada vez mais exacerbados. suporem que ele agiu em legítima defesa. O juiz diz: “En-
Fala ao guia em relação ao carregador (também chama- tão eu vou proferir a sentença! O Tribunal considera pro-
do de culer) “Você, que é um homem de melhores quali- vado que o carregador aproximou-se do patrão, não com
dades, naturalmente ganha um pouco mais e não precisa uma pedra, e sim com um cantil d’água. Ainda partindo
ir carregando nada: razão bastante para ele odiar você.” dessa premissa, porém, era muito mais provável que ele
e depois se desespera ao ver os dois trabalhadores con- estivesse pensando em matar o patrão, com um cantil,
versando, o que resulta na dispensa do guia. Pode-se no- do que em lhe dar de beber. O carregador pertencia a
tar que o comerciante tenta incitar a competição entre uma classe que tem, efetivamente, razões para sentir-
os próprios trabalhadores. Se pudesse convencer o guia -se prejudicada. Para pessoas da classe do carregador,
de que estava em melhor posição em relação ao culer, defender-se contra um abuso que o deixasse lesado na
ele ficaria ao seu lado, defendendo os seus interesses. partilha da água, era uma simples questão de bom-sen-
Essa parte pode ser pensada como um mecanismo da so. Para pessoas desse tipo, com seus pontos de vista
burguesia para dividir a classe trabalhadora. Um indica- limitados e unilaterais, aferrados a um único aspecto da
tivo da precarização do trabalho do culer (carregador) realidade, parecia até bastante justo vingar-se dos que
é expressa no seguinte trecho: “Ele não deve nos ver as maltrataram: no dia do ajuste de contas, só teriam a
conversando: se me mandar embora, estou perdido. E ganhar. O comerciante não pertencia à mesma classe do
a mim ele nem tem que pagar nada, porque eu não sou carregador, de quem só poderia esperar o pior. O comer-
sindicalizado como você. Eu só tenho a perder.”. Pode- ciante jamais poderia acreditar em qualquer gesto de
-se perceber que por não ser sindicalizado, ou seja, não camaradagem por parte do carregador, a quem ele havia
ter seus direitos trabalhistas assegurados, o culer se vê confessadamente maltratado: o bom-senso lhe dizia que
obrigado a sujeitar-se a situações de trabalho extremas, sobre ele pesavam as mais graves ameaças, e o despo-
como a imposta pelo comerciante. voado da região devia trazê-lo cheio de apreensões. A
ausência de polícias e de juízes possibilitava ao emprego
Brecht descreve uma série de pensamentos arrancar-lhe à força a sua ração de água, e o encorajava
assombrosos do comerciante que, com toda a descon- mesmo a fazer isso. O acusado, portanto, agiu em legíti-
fiança voltada para o carregador, se desenrolam em me- ma defesa, tanto no caso de Ter sido realmente ameaça-
didas exageradas. O comerciante obriga o carregador do, quanto no caso de apenas sentir-se ameaçado. Isto
a atravessar um rio na cheia, mesmo que o carregador posto, absolve-se o acusado, e não se toma conhecimen-
tenha implorado para não fazê-lo ou que pelo menos to da queixa da mulher do morto.”
pudesse descansar um pouco antes disso, pois não sa-
bia nadar. O comerciante não dá ouvidos e obriga a tra- Pode-se inferir, portanto, que a exceção é apre-
vessia com um revólver apontado para o carregador que sentada como a humanidade do carregador, mesmo li-
acaba quebrando o braço pelo esforço. Mesmo com o dando com a crueldade do comerciante. A regra, entre-
braço quebrado, o trabalhador ainda cumpre com seus tanto, é a crueldade, a desumanização, a exploração e
afazeres, carregando a bagagem e montando a tenda o ódio de classes que resultou na morte do carregador
para pernoitarem. O comerciante, entretanto, estranha pelo comerciante.
muito tal comportamento, pois duvida que alguém tão
maltratado possa continuar sendo prestativo e gentil. O No fim, a mulher do carregador clama por jus-
pior acontece quando o carregador que levava um cantil tiça e por reconhecimento de que seu marido foi assas-
de água extra dado pelo guia que havia sido despedido, sinado. Mesmo tendo provas de que acontecera um ho-
vai oferecê-lo ao comerciante, pois a água do patrão ti- micídio por conta da ganância do comerciante e mesmo
nha acabado. Preso em sua desconfiança, o comerciante tendo uma testemunha a favor do carregador, o chefe da
acha que o cantil é uma pedra e desfere um tiro contra o caravana sai impune, pois os juízes decidem que o co-
carregador, matando-o. merciante não é culpado. Isso se dá simplesmente por
ele ter agido em legítima defesa.
No fim, a mulher do carregador clama por jus-
tiça e por reconhecimento de que seu marido foi assas- Brecht retratou o comerciante de maneira com-
sinado. Pede também uma indenização, pois tem um pletamente asquerosa, sempre explorando das piores
filho pequeno para criar. O guia apresenta-se como tes- formas o carregador e seus outros empregados. Depois
temunha, mesmo quando o estalajadeiro o adverte que de humilhar, espancar, maltratar e tentar matar o carre-
pode ser prejudicado por tal comportamento, e mostra gador, isso não fora suficiente para sua condenação. A
a suposta pedra que o carregador tinha na mão na hora diferença de um personagem para o outro é que um era
de sua morte, que era, evidentemente, o cantil. Mesmo pobre, humilde e honesto. O outro era rico. As proble-
com a testemunha das condições árduas de trabalho e máticas sobre desigualdades sociais infelizmente ainda
também com a prova de que o carregador portava um assombram a humanidade. Desde a época de Brecht,
cantil de água para oferecer e não uma pedra, o chefe (até antes) ele sabia que a culpa disso tudo não é de
da caravana sai impune, pois os juízes decidem que o quem tem menos e sim de quem tem mais e se aproveita
de seus privilégios para explorar.

Tudo Sobre o PAS UnB 147


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


conjunto e do ambiente são reflexões permanentes e po-
dem ser problematizados na obra Sobre a violência (capí-
tulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção e a
Citações da Obra na Matriz de Referências regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres, de
Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
O ser humano como um ser que interage Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
Em encenações teatrais do século XX, nota-se grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes, na
uma mudança expressiva na recepção da peça, em que os pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de Ma-
espetáculos promovem interações entre ator e público, nuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall, na
como observado na obra A exceção e a regra, de Bertolt obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no poe-
Brecht. Da mesma forma, porém numa outra linguagem ma O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza no
estética, a interação entre público e obra ocorre nas insta- mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano dian-
lações e intervenções urbanas, como no grafite Santa ceia te de sua própria consciência. (Página 24, quarto parágra-
Moderna, de Acme, e na instalação Através, de Cildo Mei- fo)
reles. (Página 4, terceiro parágrafo)
Cenários contemporâneos
Indivíduo, cultura, estado e participação política
Outro elemento problematizado nesta etapa são
A obra A exceção e a regra, de Bertolt Brecht, re- os processos de migrações decorrentes das guerras, retra-
presenta a possibilidade de usar o teatro como instrumen- tados na obra Navio de emigrantes, de Lasar Segall (1939-
to para a conscientização política, por meio de uma esté- 1941), e os conflitos sociais e às relações de poder que
tica teatral que leva ao distanciamento emocional do podem ser explorados nas peças A exceção e a regra
espectador, a fim de torná-lo mais crítico diante do espe- (1930), de Bertolt Brecht, e Perdoa-me por me traíres
táculo. No Brasil, o modernista Nelson Rodrigues promove (1957), de Nelson Rodrigues. (Página 27, primeiro pará-
questionamentos sobre o papel do indivíduo dentro da grafo)
sociedade, das relações de poder e da influência política
explorada, por exemplo, na peça Perdoa-me por me traí- Espaços
res. (Página 8, segundo parágrafo)
O espaço teatral foi utilizado de maneiras diferen-
Tipos e gêneros tes ao longo dos anos, como é possível perceber na peça
Perdoa-me por me traíres, de Nelson Rodrigues, que foi
Considerando os gêneros teatrais, A exceção e a concebida para ser encenada no palco italiano, sob a esté-
regra, de Bertolt Brecht, faz parte das “peças didáticas” tica naturalista, porém, à época, optou-se por uma cons-
do autor e, nela, estão presentes elementos do que viria a trução de forma mais simbólica tanto do palco como da
ser conhecido como o Teatro Épico, um gênero teorizado atuação. Por outro lado, a peça A exceção e a regra, de
pelo dramaturgo alemão. Perdoa-me por me traíres, foi Bertolt Brecht, não há um espaço definido para sua ence-
denominada por Nelson Rodrigues como uma tragédia de nação, pois, para o dramaturgo, o espaço teatral era o
costumes, provocando questionamentos acerca da socie- lugar de construção social e política. (Página 36, sexto pa-
dade e do cotidiano. (Página 13, terceiro parágrafo) rágrafo)
Estruturas Materiais
Na encenação teatral, podem ser analisadas dife- A peça Perdoa-me por me traíres, de Nelson Ro-
rentes estruturas cênicas, que alteram a relação entre pú- drigues, possibilita o uso de materiais, como a iluminação,
blico e atores, como pode ser observado na quebra da que auxiliam na composição de uma encenação moderna.
“quarta parede” proposta em A exceção e a regra, de Ber- Por meio de outra perspectiva estética, a peça A Exceção
tolt Brecht. Em relação ao enredo, essa peça permite e a regra, de Bertolt Brecht, possibilita o uso de tecnolo-
questionar a inversão lógica de valores e a relação entre gias e materiais diversos ao explorar recursos cênicos
ficção e realidade ao criar uma estrutura que faz da exce- como a música, a projeção de textos e a construção ceno-
ção, a regra. Em Perdoa-me por me traíres, de Nelson Ro- gráfica para proporcionar ao público uma nova experiên-
drigues, há a quebra da estrutura temporal linear por cia diante da arte teatral. A produção musical moderna
meio do uso de flashback. A peça prescinde de descrições valoriza materiais eletrônicos na obtenção de timbres di-
objetivas sobre a estrutura cenográfica, abrindo possibili- ferenciados do usual, que permitem novas explorações
dades para uma construção mais simbólica e subjetiva sonoras, reconhecidas na música Quarteto de cordas com
das cenas. (Página 17, segundo parágrafo) helicóptero, de Stockhausen. (Página 39, quinto parágra-
fo)
Ambiente e evolução

No campo das ciências biológicas, o tema do cor-


po humano, da vida, das relações dos corpos humanos em

Tudo Sobre o PAS UnB 148


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Análise de dados

No campo artístico, o naturalismo busca uma fi-


delidade representativa que se relaciona com os ideais do
positivismo e identifica uma estética consumida pelo pú-
blico burguês. A peça A exceção e a regra, de Bertolt Bre-
cht, exemplifica o rompimento com alguns princípios do
naturalismo, como a quebra da quarta parede, e propor-
ciona um estranhamento das cenas que leva o espectador
a uma visão distanciada e analítica da realidade concreta.
Por sua vez, Perdoa-me por me traíres, de Nelson Rodri-
gues, rompe com a linearidade naturalista e pode apre-
sentar uma análise do ser humano condicionado por
questões psicológicas, sociais e culturais, que integra uma
sociedade conservadora. (Página 42, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 149


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Perdoa-me por Me Traíres - Nelson
Rodrigues

Autor
O dramaturgo, jornalista, escritor e cronista Nel- de meios, conseguindo de cada vocábulo uma ressonân-
son Falcão Rodrigues nasceu no ano de 1912. Oriundo da cia admirável” (p. 218).
cidade de Recife-PE, Nelson ainda criança se mudou para
o Rio de Janeiro. Iniciou sua trajetória como repórter no A dramaturgia brasileira conta com um extenso
jornal de seu pai e lá desenvolveu também seu processo acervo de peças. Dentre elas temos autores como Plí-
artístico. O jornalismo, assim como o teatro, foi para ele nio Marcos, Anamaria Nunes e Luís Carlos Laranjeiras.
espaço para se exprimir. Chegou a ser um dos maiores Nelson Rodrigues também faz parte desse patrimônio
cronistas brasileiros, tendo destaque no jornal O Globo. e além de deixar referência para a cena teatral, deixou
Dentre seus textos jornalísticos, ficaram em relevância também para a literatura e jornalismo. Seus trabalhos já
os escritos sobre o futebol. Nelson Rodrigues é conside- proporcionaram inúmeras pesquisas como Perdoa-me
rado responsável por introduzir a modernidade cênica por me Traíres e os Territórios da Masculinidade (SIQUEI-
no Brasil, pois abriu caminho para o formato coloquial RA, 2010).
na dramaturgia brasileira.
Nelson Rodrigues morreu no ano de 1980 com
Suas obras ainda são julgadas como extrema- 68 anos, no Rio De Janeiro, por conta de problemas de
mente polêmicas por abordar assuntos como incesto, saúde. Ao total deixou um legado de 17 peças teatrais,
aborto, morte, adultério e suicídio. O erotismo tam- numerosas crônicas e contos, como também 9 roman-
bém é parte de sua marca e está presente na maioria ces. Seus textos contam com inúmeras representações
de seus trabalhos. Isso causou censura em suas peças e teatrais e cinematográficas adaptadas (ou não) e ence-
até a proibição de montagens, por um tempo. A maior nadas até hoje, como, por exemplo, o espetáculo brasi-
cúmplice de suas peças foi estabelecida pela dinâmica liense chamado O Olho da Fechadura (1994) 1.
de integração entre o subjetivo e objetivo, e execução
simultânea dessas linguagens na mesma obra. Suas com- Ficha Técnica
posições foram segmentadas em: Peças psicológicas, mí-
ticas e tragédias cariocas. Título: Perdoa-me por me traíres
Autor: Nelson Rodrigues
O pernambucano teve parte de seu trabalho en- Ano: 1957
cenado pela companhia de Teatro Brasileiro de Comedia Gênero: Tragédia carioca
(TBC ou os comediantes) em 1943. Sua segunda peça,
Vestido de noiva (1943) foi determinante, pois o modi- Contextualização
ficou; isso foi tarefa do diretor do teatro nacional. O di-
retor passou a delimitar a estética do espetáculo e não O início do século XX no Brasil se configurou
apenas direcionar as representações. com a reconstrução de toda a cultura. Lê-se a palavra
“cultura” tendo como referência o conceito estabelecido
Sua peça Álbum de família (1946) foi vetada por por Matta (1981) no qual defende que cultura é a com-
discorrer sobre incesto e só foi autorizada duas décadas preensão da vida social como um todo. Para reajustar a
depois. Seus espetáculos montados geraram diversas economia, o Brasil precisou se apoiar vigorosamente na
respostas e uma delas levou ao autor o apelido de anjo
exportação de café, algodão, borracha e cacau. O cres-
pornográfico. Gerou comoção de ódio, repugnância e
cimento dos centros urbanos começou a intensificar-se
horror, mas também teve reações de admiração e reco-
nhecimento pelo seu talento. numa velocidade alta, e com ele o avanço empresarial
e o progresso da classe operária também. Por ser uma
A peça Boca de ouro (1959), apresentada pela época de grande segmentação, via-se em muitas áreas o
primeira vez em São Paulo, viajou o norte e nordeste do contraste de ideias. As cidades cresceram, as linguagens
país pela mesma companhia (TBC) e foi tida como uma artísticas estavam multifacetadas.
das apresentações com maiores repercussões da época.
Segundo Sábato Magaldi (1999), o autor tornou-se fiel O grande marco artístico do século XX foi a Se-
ao seu “teatro desagradável”, pois apreciava atormentar mana de Arte moderna de 1922 que, com intuito de que-
o comodismo burguês e acabou irritando alguns empre- brar vínculos com as vertentes anteriores, acabou sendo
sários além de atores também. Não era aceito pelas com- um divisor no mundo artístico. Toda a produção cultural
panhias de teatro já formadas, apenas pelas populares. foi voltada para a inovação, a ruptura com as tradições,
Conforme Magaldi (1999), “enquanto os dramaturgos
das gerações anteriores adotavam um diálogo artificial, 1 O olho da fechadura é um espetáculo brasiliense que foi es-
crito e dirigido por Hugo Rodas e Cristiane Sobral. Já diversificou seu
com um tratamento diverso da linguagem corrente, ele
elenco variadas vezes e já conta com 25 anos de estrada. Trata-se de um
restringiu a expressão cênica a uma absoluta economia compilado de trechos das peças de Nelson Rodrigues. Mais em: http://
enciclopedia.itaucultural.org.br/evento610514/o-olho-da-fechadura.

Tudo Sobre o PAS UnB 150


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

influenciada pela efervescência da procura pela indivi- Tia Odete – Tia de Glorinha
dualidade e identidade brasileira. Ceci – Colega
Cristina - Colega
Movimento Judite – Mãe de Glorinha
Mãe – Mãe de Gilberto e Raul
O movimento modernista surgiu principalmente Irmãos – Outros irmãos de Gilberto e Raul
a partir da semana de arte moderna que aconteceu em Médico
São Paulo, em 1922. Com o passar do tempo, algumas Enfermeira
de suas reivindicações foram alteradas e outras foram
agregadas. Vários artistas fizeram parte do movimento Obra
e por isso suas fases foram divididas em três. A primeira,
segunda e terceira geração. Nelson Rodrigues fez parte A peça Perdoa-me por me Traíres é uma tragé-
da terceira geração, etapa que se seguiu da década de dia de costumes e é dividida em três atos. Foi escrita em
1940 em diante. 1957 e teve sua estreia no mesmo ano, no Teatro Muni-
cipal Do Rio De Janeiro.
A primeira geração é composta por artistas que
se viram na obrigação de romper de vez com a ordem O primeiro ato se passa em um bordel com con-
anterior e de serem inteiramente rebeldes com as ex- versas em que a personagem Glorinha vê-se dividida en-
pressões já obsoletas. Além de retratar o Brasil e sua tre se portar do jeito “certo” ou se portar do jeito que os
forma habitual de viver mais realista, queriam também outros a pressionam. No primeiro diálogo entre Nair (sua
enaltecer a cultura nacional e experimentar livremente. amiga) e Glorinha, há indícios de que o tio Raul ame-
Já a segunda geração, inquietou-se com os problemas dronta a personagem Glorinha, que passa várias cenas
sociais, além disso, tentou conter os exageros das inves- comentando o quanto sente medo do tio descobrir que
tigações da fase anterior, mas sem perder a liberdade de ela está naquele lugar. O texto dá dicas de que ele não
expressão. A partir de então, o movimento se mostrou possui comportamento amigável com a personagem,
mais consolidado acerca de suas exigências e avançou embora seja seu tio e tutor, o que se descobre com o
para a maturidade. Na terceira e última geração, o nacio- decorrer da trama. “Te contei que, outro dia, só porque
nalismo ficou em segundo plano, assim como o retrato cheguei atrasada uma meia hora, ou nem isso, uns 15
da realidade. Com as tradições rompidas pela primeira minutos talvez — ele me deu uma surra tremenda? E dis-
geração e consolidadas pela segunda, a terceira se preo- se mais: que, na próxima vez, me mata e mata mesmo!”
cupou em não se delimitar a nenhuma norma. Em con- (RODRIGUES, 1957, p.2). Depois de vários desconfortos
sequência disso, desenvolveu e descobriu novos cami- sofridos por Glorinha, ela ainda deixa explícita sua von-
nhos na psicologia e na subjetividade dos personagens. tade e rispidez em relação aos assédios que sofre. O ato
aborda também questões acerca do aborto e de toda a
Nelson Rodrigues pode ser considerado atual- romantização ao tratar do suicídio.
mente como um autor modernista, mas suas primeiras
produções são vistas como expressionistas. Apesar de Seguindo a linha do flashback, no segundo ato
produzir obras mais originais do que as composições dos quase tudo é mostrado em uma espécie de fatos já ocor-
dramaturgos da época e de tentar se desvincular dos ridos, desconstruindo toda a ordem cronológica criada
movimentos e dos eixos vigentes, o nome de Nelson foi até então para sanar desfechos do passado. As cenas
ligado diretamente ao movimento expressionista depois são extremamente agressivas. Com segredos vindos à
da estreia de sua peça Vestido de noiva (1943). tona, com a verdade sobre o pai de Glorinha, algumas
traições, violências físicas, emocionais e psicológicas
Embora toda mudança e contrastes das gera- também são retratadas. Várias falas demonstram o re-
ções tenha trazido diversas facetas para o movimento, lacionamento abusivo dos pais de Glorinha e o tio Raul
algumas especificidades (quase sempre) permaneceram. segue o mesmo exemplo, mas direcionado a Glorinha. O
Dentre elas, a procura por inovação, o enaltecimento do tio Raul confessa que é um assassino, mas se respalda na
linguajar coloquial, o desejo de quebra com as manifes- justificativa de que Judite (mãe de Glorinha) traía o pai,
tações artísticas tradicionais e a valorização pelas produ- como se fosse motivo suficiente para matar. O turbilhão
ções nacionais. de acontecimentos se enrola numa trama que acaba en-
volvendo vários personagens e as cenas se configuram
Personagens expressionistas, já que os relatos são das lembranças de
Raul e ele não estava em todos os momentos retratados,
Nair – Estudante e amiga de Glorinha logo não podem ser fatos. Os casos vão se acumulando,
Glorinha – Estudante até explodirem (quase) todos no terceiro ato.
Pola Negri – Assistente da Madame Luba
Madame Luba - Cafetina O personagem do tio Raul se intensifica em sua
Jubileu De Almeida - Deputado loucura e com várias tentativas de arrancar a verdade
Tio Raul – Tio de Glorinha sobre a vida de Glorinha, ele demonstra cada vez mais
Gilberto – Pai de Glorinha hostilidade e insanidade. A cada frase desse ato, que já é

Tudo Sobre o PAS UnB 151


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

o terceiro, as coisas vão ficando mais intensas. Ele tam- táculo. No Brasil, o modernista Nelson Rodrigues promove
bém revela que vê Glorinha como se fosse a própria mãe questionamentos sobre o papel do indivíduo dentro da
da menina. Com essa situação, essa raiva e todo o rede- sociedade, das relações de poder e da influência política
moinho de sentimentos que ele sentia por Judite (mãe explorada, por exemplo, na peça Perdoa-me por me traí-
de Glorinha), acaba sendo transferido para ela, depois res. (Página 8, segundo parágrafo)
da morte da mãe. Por fim, Glorinha é obrigada a fazer
coisas sendo ameaçada de morte. Tudo o que ela fala, ou Tipos e gêneros
não fala, parece ser motivo suficiente para Tio Raul achar
Considerando os gêneros teatrais, A exceção e a
que ela está errada e assim ter uma desculpa para matá-
regra, de Bertolt Brecht, faz parte das “peças didáticas”
-la. Tio Raul tenta matar Glorinha envenenada da mesma
do autor e, nela, estão presentes elementos do que viria a
forma que matou a mãe, mas Glorinha, numa solução
ser conhecido como o Teatro Épico, um gênero teorizado
desesperada pela sobrevivência, consegue engabelar o
pelo dramaturgo alemão. Perdoa-me por me traíres, foi
próprio tio. O tio morre, Glorinha consegue se salvar e denominada por Nelson Rodrigues como uma tragédia de
volta ao mesmo local que estava na primeira cena, de- costumes, provocando questionamentos acerca da socie-
cidindo enfim voltar ao bordel, deixando isso explícito dade e do cotidiano. (Página 13, terceiro parágrafo)
para o tio antes que ele morra.
Estruturas
Expondo um relacionamento abusivo, pedofilia,
preconceito e tabu de fazer parte de um bordel, a tra- Na encenação teatral, podem ser analisadas dife-
gédia acaba. No fundo cada personagem acaba reverbe- rentes estruturas cênicas, que alteram a relação entre pú-
rando sua própria hipocrisia. No fundo cada personagem blico e atores, como pode ser observado na quebra da
acaba reverberando sua própria hipocrisia. “quarta parede” proposta em A exceção e a regra, de Ber-
tolt Brecht. Em relação ao enredo, essa peça permite
Diversas atitudes abusivas e controladoras dos questionar a inversão lógica de valores e a relação entre
personagens masculinos da peça são fundamentadas no ficção e realidade ao criar uma estrutura que faz da exce-
comportamento “infiel” das mulheres. As peças de Nel- ção, a regra. Em Perdoa-me por me traíres, de Nelson Ro-
son Rodrigues, as quais retratam o monstro que habita drigues, há a quebra da estrutura temporal linear por
em cada ser humano, para depois desconstruí-lo, retra- meio do uso de flashback. A peça prescinde de descrições
tam personagens problemáticos que defendem a agres- objetivas sobre a estrutura cenográfica, abrindo possibili-
sividade masculina, a violência, o controle, o sexismo e a dades para uma construção mais simbólica e subjetiva
visão patriarcal do mundo. Nesse sentido, há um trecho das cenas. (Página 17, segundo parágrafo)
da escritora Chimamanda Ngozi Adichie para reflexão.
“Imagine como seríamos mais felizes, o quão livres sería- Ambiente e evolução
mos para sermos nós mesmos, se não tivéssemos o peso
das expectativas de gênero”. No campo das ciências biológicas, o tema do cor-


po humano, da vida, das relações dos corpos humanos em
conjunto e do ambiente são reflexões permanentes e po-
dem ser problematizados na obra Sobre a violência (capí-
tulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção e a
Citações da Obra na Matriz de Referências regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres, de
Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
O ser humano como um ser que interage Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
Desse modo, torna-se possível não apenas com- grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes, na
preender o mundo e os outros, como também compreen- pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de Ma-
der as próprias experiências, com reflexões sobre a violên- nuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall, na
cia e sobre o autoritarismo e seus impactos na vida dos obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no poe-
seres humanos, conforme ilustram as Cartas que Gandhi ma O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza no
escreveu para Hitler e Por que a guerra? Indagações entre mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano dian-
Einstein e Freud, a peça Perdoa-me por me traíres, de te de sua própria consciência. (Página 24, quarto parágra-
Nelson Rodrigues, o documentário Cartas para além dos fo)
muros, de André Canto, e o artigo Prevenção de HIV-Aids
na concepção de jovens soropositivos. Cenários contemporâneos
Indivíduo, cultura, estado e participação política Outro elemento problematizado nesta etapa são
os processos de migrações decorrentes das guerras, retra-
A obra A exceção e a regra, de Bertolt Brecht, re- tados na obra Navio de emigrantes, de Lasar Segall (1939-
presenta a possibilidade de usar o teatro como instrumen- 1941), e os conflitos sociais e às relações de poder que
to para a conscientização política, por meio de uma esté- podem ser explorados nas peças A exceção e a regra
tica teatral que leva ao distanciamento emocional do (1930), de Bertolt Brecht, e Perdoa-me por me traíres
espectador, a fim de torná-lo mais crítico diante do espe-

Tudo Sobre o PAS UnB 152


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

(1957), de Nelson Rodrigues. (Página 27, primeiro pará-


grafo)

Espaços

O espaço teatral foi utilizado de maneiras diferen-


tes ao longo dos anos, como é possível perceber na peça
Perdoa-me por me traíres, de Nelson Rodrigues, que foi
concebida para ser encenada no palco italiano, sob a esté-
tica naturalista, porém, à época, optou-se por uma cons-
trução de forma mais simbólica tanto do palco como da
atuação. Por outro lado, a peça A exceção e a regra, de
Bertolt Brecht, não há um espaço definido para sua ence-
nação, pois, para o dramaturgo, o espaço teatral era o
lugar de construção social e política. (Página 36, sexto pa-
rágrafo)

Materiais

A peça Perdoa-me por me traíres, de Nelson Ro-


drigues, possibilita o uso de materiais, como a iluminação,
que auxiliam na composição de uma encenação moderna.
Por meio de outra perspectiva estética, a peça A Exceção e
a regra, de Bertolt Brecht, possibilita o uso de tecnologias
e materiais diversos ao explorar recursos cênicos como a
música, a projeção de textos e a construção cenográfica
para proporcionar ao público uma nova experiência dian-
te da arte teatral. A produção musical moderna valoriza
materiais eletrônicos na obtenção de timbres diferencia-
dos do usual, que permitem novas explorações sonoras,
reconhecidas na música Quarteto de cordas com helicóp-
tero, de Stockhausen. (Página 39, quinto parágrafo)

Análise de dados

No campo artístico, o naturalismo busca uma fi-


delidade representativa que se relaciona com os ideais do
positivismo e identifica uma estética consumida pelo pú-
blico burguês. A peça A exceção e a regra, de Bertolt Bre-
cht, exemplifica o rompimento com alguns princípios do
naturalismo, como a quebra da quarta parede, e propor-
ciona um estranhamento das cenas que leva o especta-
dor a uma visão distanciada e analítica da realidade con-
creta. Por sua vez, Perdoa-me por me traíres, de Nelson
Rodrigues, rompe com a linearidade naturalista e pode
apresentar uma análise do ser humano condicionado por
questões psicológicas, sociais e culturais, que integra uma
sociedade conservadora. (Página 42, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 153


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Artes cênicas www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tudo Sobre o PAS UnB 154


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

“Sorte é o que acontece


quando a preparação
encontra a oportunidade”.
(Elmer Letterman)
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Gráficos e Estatísticas
OBRAS COBRADAS NA PROVA DE 2020

A Questão
Indígena no
Brasil em 4
Minutos

OBRAS COBRADAS NA PROVA DE


2020

Tudo Sobre o PAS UnB

157
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Controle de Desempenho
Total Porcentagem
Itens Itens Escore
Obra de
certos errados
de itens
bruto
itens certos
Um Cão Andaluz
À Margem do Corpo
Vamos ao Museu?
Poética da Diáspora
Das Raízes às Pontas
A Questão Inígena no Brasil em 4 Minutos
Mocinho ou Bandido
Carta para Além dos Muros
Entenda o que é Racismo Estrutural

Tudo Sobre o PAS UnB

158
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Um Cão Andaluz - Luis Buñuel e Salvador
Dalí

Autoria
O curta-metragem foi dirigido por Luis Buñuel, Já em 1962, Buñuel produziu, no México, o filme
que também foi roteirista em conjunto com Salvador El Ángel Exterminador, e em 1967, produziu o filme Belle
Dalí. Buñuel nasceu em 1900, na região de Aragão, Espa- de Jour, rodado na França. O último ganhou o prêmio
nha. Cresceu em uma família abastada, de cunho agríco- Leão de Ouro no Festival de Veneza. Outras obras foram
la, e recebeu educação jesuíta. Aos 16 anos, rebelou-se produzidas, como Tristana, na Espanha em 1970, e Le
contra as doutrinas católicas e ingressou na Universida- Charme Discret de la Bourgeoisie em 1972, longa que
de de Madrid. Chegou a estudar agronomia e engenha- ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Cinco anos
ria industrial, mas preferiu seguir no curso de filosofia. depois, o artista produziu Cet Obscur Objet du Désir, seu
último filme.
Na residência estudantil da faculdade, tornou-
-se amigo de Dalí e García Lorca, artistas com futuros Dalí era um pouco mais novo. Nasceu em 1904,
notáveis na Espanha. O trio dividia ideais surrealistas e na Espanha, e desde a infância interessou-se pela pintu-
vanguardistas, e a partir desta parceria logo criaram o ra. Em 1922, ingressou na Escola de Belas Artes de São
grupo “La Generación del 27”, que dava abertura para a Fernando e passou a morar na Residência dos Estudan-
poesia e buscava distanciar o conservadorismo da cultu- tes, onde se tornou amigo do poeta Federico García Lor-
ra emergente daquela época. ca e de Luis Buñuel. Nesse período, suas obras envolviam
experiências com o cubismo e o dadaísmo.
Casou-se com Jeanne Rucar. Na França, traba-
lhou como assistente do rigoroso cineasta Jean Epstein. Em 1925, Salvador Dalí fez sua primeira mostra
Também estudou na Academie du Cinéma, em Paris. Em individual e, em 1926, o pintor foi expulso da Academia
1929, lançou sua primeira obra artística Um Cão Anda- de Belas Artes por afirmar que ninguém ali era capaz de
luz, escrita por Salvador Dalí e por ele mesmo. Ambos avaliá-lo. Em 1927, foi convencido por Joan Miró a trans-
participaram como coadjuvantes do curta surrealista, ferir-se para Paris como também aderir ao movimento
produzido com o auxílio do dinheiro da mãe de Buñuel. surrealista. Ali colaborou com Luis Buñuel na produ-
ção de dois filmes de grande sucesso: Um Cão Andaluz
Em 1930, durante a produção de seu segundo (1929) e A idade de ouro (1930).
filme, A Idade de Ouro, Buñuel rompeu sua amizade
como Dalí por motivos pessoais. Além disso, o longa ge- Dois anos depois, em 1929, pintou Jogo Lúgu-
rou grande polêmica. Três anos depois, Buñuel produziu bre, obra que expressa fortes características do surre-
o documentário Las Hurdes, Tierra Sin Pan, que retratava alismo de Dalí. No mesmo ano, o artista realizou sua
uma aldeia em estado deplorável na região da Estrema- primeira exposição individual em Paris, e ficou marcado
dura, localizada na Espanha. Para “proteger” a imagem como pintor surrealista. Em 1938, apresentou o quadro
do país, o filme foi censurado. Com a Guerra Civil Espa- Metamorfose de Narciso (1937) a Sigmund Freud. Um
nhola em 1936, Buñuel migrou-se para a América do ano depois, em 1939, foi expulso do grupo surrealista
Norte. por André Breton, acusado de ter sede por dinheiro, um
dos ideais rejeitados pelo movimento, que tinha bases
Nos Estados Unidos, o cineasta trabalhou no marxistas revolucionárias.
MoMA (Museum of Modern Art), em Nova York, e em
Hollywood. Em 1946, mudou-se para o México, onde Com o início da Segunda Guerra Mundial, Dalí
produziu filmes essencialmente comerciais, e afastou-se refugiou-se nos Estados Unidos e escreveu sua autobio-
de seus primeiros valores e ideais artísticos. Em 1950, grafia, publicada em 1941. Sete anos mais tarde, retor-
no entanto, com a obra Los Olvidados, que descrevia as nou à Espanha. O pintor passou a introduzir o catolicis-
dificuldades das crianças de rua na capital mexicana, o mo às suas obras e, em 1949, pintou Madona de Port
artista voltou à produção de filmes com seu estilo iden- Lligat, obra apresentada ao papa Pio XII. Com o cristia-
titário. Outras obras produzidas após esta seguiram uma nismo em foco, pintou o quadro A Última Ceia em 1955.
linha analítica e expositiva. Inaugurou o Teatro-Museu Dalí, em 1974, na sua cidade
natal, Figueres.
Em 1961, a convite do governo espanhol, Buñuel
retornou ao país e gravou Viridiana. Tratava-se de uma Contexto
sátira à religião, sendo censurada pelo próprio governo
que a havia financiado. A obra escandalizou a Espanha, O surrealismo foi um movimento literário, filo-
mas foi premiada com a Palma de Ouro no Festival de sófico e artístico que explorou os trabalhos da mente,
Cannes. A carreira de Buñuel foi impulsionada, e o dire- o irracional, o poético e o revolucionário. Emergiu-se a
tor espanhol ganhou prestígio por toda a Europa. Com partir do movimento dadaísta, no século XX. O termo
uma boa equipe técnica, o cineasta ficou livre para de- “surrealismo” sugere algo para “além da realidade”, e foi
senvolver suas ideias. inventado pelo poeta francês Guillaume Apollinaire em

Tudo Sobre o PAS UnB 159


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

1903. No entanto, foi André Breton que, em seu Mani- enredos, até então, eram desenvolvidos de maneira pro-
festo Surrealista (1924), definiu o movimento como: gressiva nos filmes. No entanto, com o intuito não so-
mente de replicar sonhos e histórias, mas também de
“[...] puro automatismo psíquico, pelo qual alguém propõe replicar o processo de formação destes por meio do ir-
expressar, seja verbalmente ou na escrita, ou de qualquer racional e do ilógico, os surrealistas optaram por deixar
outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado essa progressividade.
do pensamento na ausência de todo controle exercido pela
razão, fora de toda a preocupação estética e moral”. No cinema surrealista, as personagens demons-
tram certa falta de vontade e alguma impotência, como
O contexto histórico da ascensão e crescimen- se estivessem submissos ao estado de sonho. Em geral,
to do Surrealismo foi o período entreguerras. Assim, os os acontecimentos são guiados por emoções e desejos
autores surrealistas expressavam-se em um mundo caó- muito fortes, como amor e desejo sexual, que aparentam
tico, após a Primeira Guerra Mundial, além de assistirem ser ilógicos ao mundo racional, e leva as personagens a
à reconstrução de cidades e a ascensão do fascismo na tomarem atitudes que não tomariam na realidade.
Europa. Dessa forma, o movimento, assim como as de-
mais vanguardas, possuiu grande influência do choque Além disso, o uso de imagens chocantes é recor-
presente na guerra e, por isso, buscava novas formas de rente em filmes surrealistas. Esse elemento rompe com
capturar a experiência e a identidade. a normalidade do consciente e da moral para criar uma
atmosfera de sonho. Assim, o propósito do filme ultra-
O surrealismo empurrou as fronteiras e os limi- passa a visão tradicional sobre o objetivo da produção
tes da linguagem e da forma, numa tentativa de distan- cinematográfica, o entretenimento, contribuindo para
ciar-se da perspectiva até então vigente, o Realismo do que o espectador abandone a passividade e a compla-
século XIX. O ataque às instituições tradicionais revela- cência, e comece a experimentar coisas novas e sem fa-
va-se tanto no conteúdo quanto na forma das produções tores limitantes.
artísticas.
No cinema, há a possibilidade de mostrar obje-
A intenção do movimento surrealista era libe- tos reais em movimento ao espectador, o que é impossí-
rar o pensamento, a linguagem e a experiência humana vel à escrita e à pintura. Essa técnica auxilia na exposição
das limitações opressoras do racionalismo, em oposição de imagens ainda mais absurdas e incongruentes, o que
radical ao Iluminismo. Os surrealistas acreditavam que amplifica o estranhamento. Outra característica comum
esse movimento havia suprimido as qualidades superio- aos filmes surrealistas são os ataques às instituições
res da mente irracional e do inconsciente, seguindo a li- tradicionais como a igreja, a família e o casamento. Por
nha de pensamento do Dadaísmo, do qual o Surrealismo consequência, o modo tradicional de entretenimento foi
herdou características. trocado pela arte engajada, com potencial revolucioná-
rio, seja no nível político ou no âmbito social.
Alguns autores usaram o automatismo abstrato
na pintura ou na escrita para liberar ideias e imagens de
seus inconscientes. No entanto, muitos outros artistas Ficha Técnica
optaram por utilizar a produção figurativa. Esses repre- Ano: 1929
sentaram mundos tirados de sonhos ou intenções psico- Gênero: Curta-metragem surrealista
lógicas ocultas por meio de suas obras, de modo a expor Direção: Luis Buñuel
a violência e o desejo inerentes ao subconsciente. Classificação indicativa: 18 (Sexo e violência)
Nesse contexto, a representação da aparência
física do mundo foi uma ferramenta para levar o espec- Obra
tador a criar associações onde a realidade inconscien- O filme Un Chien Andaluz (Um Cão Andaluz),
te revelaria a si mesma. Dalí e Magritte, por exemplo, lançado em 1929, tornou-se um emblema do cinema
apresentaram mundos hiper-realistas, semelhantes aos surrealista. A produção do curta incorpora elementos
sonhos, que funcionavam como uma janela para uma incomuns ao cinema tradicional. Entre esses elementos
realidade estranha, oculta por trás da vida consciente. está a utilização de cenas chocantes como ruptura da
moral consciente e a quebra da linearidade temporal do
O Surrealismo utilizou-se de várias manifesta- enredo.
ções artísticas, com exceção da música. No cinema, rom-
peu-se com o modo tradicional de fazer arte e, assim, O curta de um pouco mais de vinte minutos ini-
trouxe inovações que libertaram os filmes dos padrões cia-se com um homem, o próprio diretor, afiando uma
limitantes de histórias contadas. Com isso, o meio repre- navalha enquanto fuma cigarro. Então, o homem testa a
sentado podia explorar, revelar e até mesmo replicar os navalha na própria unha para verificar a capacidade do
trabalhos internos da mente subconsciente. corte. Logo depois, o homem observa o luar pela saca-
da, com nuvens passando ao redor da Lua. O enquadra-
Uma marca dos filmes surrealistas, extrema- mento muda e surge uma jovem mulher, aparentemente
mente revolucionária à época, foi a recusa às narrativas ajoelhada, com um de seus olhos forçadamente aberto
lineares. A tradição do cinema havia herdado a forma pela mão do homem, o qual segura a navalha afiada com
linear de tempo da produção literária, de modo que os a outra mão.

Tudo Sobre o PAS UnB 160


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A câmera volta-se para o céu, e então uma nu- ração entre mundo consciente e o mundo inconsciente.
vem passa pela lua cheia, como se cortasse o astro. De Também há quem acredite, por conta de um ditado po-
maneira similar, a navalha corta o olho da mulher com pular, que as formigas na mão possam significar a vonta-
uma estranha calma, sem nenhuma resistência de sua de de matar ou acabar com uma sociedade racionalista,
parte. Ao contrário do que se pode imaginar, o objetivo conservadora e hipócrita.
de Buñuel e Dalí não era criticar ou trazer significados
mediante as cenas e efeitos nada habituais, como, por Contudo, ao produzirem a obra, os autores ten-
exemplo, esse evento do olho cortado. Na autobiografia taram ao máximo evitar que um pensamento lógico e
do próprio diretor, entende-se a origem desse curta tão racional surgisse por meio das abstrações. Por isso, ana-
intrigante: os sonhos dele e do seu amigo, Dalí. lisar a obra sob a perspectiva racional pode fugir do valor
artístico atribuído pelos próprios produtores, que dese-
Durante uma conversa em um restaurante, javam romper com a sociedade racionalista e materialis-
Buñuel conta que sonhou com uma nuvem cortando a ta do período entreguerras.
Lua, como se um olho fosse cortado por uma navalha
bem afiada. A cena apresenta o mundo onírico do ci- Os vanguardistas estavam cansados do pensa-
neasta, o qual fez uso do olho de um animal para gravar mento utilitário e técnico presente na burguesia, ad-
esse momento. Após isso, um quadro surge com a frase vinda do modelo cartesiano e do Iluminismo. Para eles,
“Oito anos mais tarde”, introduzindo um novo cenário. a sociedade estava enganada ao valorizar apenas o as-
Numa cidade com ruas largas, um rapaz, vestido com pecto consciente do ser humano, além de estar vazia de
peças de roupa de freira e com uma caixa presa ao seu sensibilidade. Por causa disso, a obra é repleta de sensa-
pescoço, pedala pelas ruas. ções, abstrações do inconsciente, presença de um mun-
do onírico e quebra da linearidade, pois os indicadores
Enquanto isso, a jovem da cena anterior lê um de tempo só nos confundem no curta por não se apre-
livro em seu apartamento, e curiosamente ainda possui sentarem de forma cronológica.
os dois olhos intactos, o que indica a falta de linearidade
do curta. Como uma premonição, a mulher pressente a O enquadramento muda quando apresenta a
aproximação do rapaz, o que a faz largar imediatamente axila peluda de uma moça deitada na areia e com um
o livro e correr à janela. Ao abrir um pequeno espaço na chapéu sobre a cabeça, cobrindo seu rosto. Em uma
cortina ela o observa e, de súbito, a bicicleta vira, como cena posterior, a jovem mulher verifica a depilação de
se o tempo congelasse. O rapaz cai e deita-se estirado sua axila. Já em outro momento, surge a cena de um ou-
sobre a calçada da rua, espantando a mulher que resol- riço-do-mar, logo o cenário da rua volta, com o foco em
ve dar-lhe auxílio.Ao notar a quietude do homem, ela o uma mão decepada no meio do chão. Buñuel utilizou-
socorre com beijos na face, provocando o espectador a -se de uma estética repleta de delírios intercalados, sem
pensar na morte do herói. qualquer significado lógico ou racional, como acontece
quando temos vários sonhos em uma noite só.
A jovem usa uma chave para abrir a caixa que o
rapaz carregava consigo, e então revela uma gravata em Na rua, uma mulher cutuca com uma haste
seu interior. Sobre a cama, as roupas de freira e a gra- a mão largada no chão. Enquanto isso, uma confusão
vata são dispostas de forma organizada, como se o ho- acontece ao seu redor. Guardas tentam conter uma mul-
mem fosse ressurgir ou ressuscitar por causa disso. Logo tidão que almeja chegar mais perto da mão arrancada,
depois, a mulher senta-se próxima à cama e observa as formando um círculo em torno da mulher. A confusão
vestes com o olhar fixo. Por algum momento, nada acon- cessa, e de repente um dos guardas aproxima-se e con-
teceu. Contudo, ao avançar as cenas do curta, o homem versa com a donzela. Então, ele pega a mão decepada,
reaparece na cama, utilizando aquelas mesmas roupas guarda em uma caixa semelhante à do rapaz da bicicleta
dispostas pela jovem. e entrega à moça. As vestes e o corte de cabelo curto da
jovem podem remeter ao movimento feminista, o qual
Antes dessa cena chegar, a moça revê o rapaz, surgiu após a Revolução Francesa.
agora em pé e sem suas roupas de freira, vestindo um
terno, e observando fixamente sua mão. A cena reme- Com isso, a multidão se dispersa e deixa a mu-
mora uma conversa em um restaurante entre Dalí e lher solitária na rua, estática, segurando a caixa contra
Buñuel. Dalí contou a Buñuel sobre um sonho bizarro seu corpo, com grande felicidade. O homem e a mulher
que teve: dentro do furo de uma mão, saíam várias for- das cenas anteriores observam toda a confusão pela
migas. O sonho também foi reproduzido no curta, com a janela do apartamento. Carros passam perto da moça,
mão do rapaz enchendo-se de formigas. Aqui podemos até que um carro acaba por atropelá-la, deixando-a sem
ressaltar o grandioso efeito especial, já que o recurso vida. Pessoas se aproximam do corpo, curiosas, e o cená-
para isso era escasso naquela época. rio volta ao interior do apartamento.

Cenas como o corte no olho e o furo na mão Como se nada tivesse acontecido, o rapaz de-
cheio de formigas podem instigar a nossa curiosidade a monstra desejo pela mulher. Ele busca apalpar seus
tentar estabelecer algum valor simbólico que faça senti- seios, mas é rejeitado. Há também uma associação entre
do entre as cenas e o mundo real. Há quem afirme que o seios e nádegas, e uma nudez explícita é colocada em
filme se inicia com o corte no olho para romper a sepa- cena, algo extremamente chocante para aquela época.
O homem baba e revira os olhos de prazer ao tocar a

Tudo Sobre o PAS UnB 161


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

moça, apresentando um desejo animal por sexo. Alguns Ela encontra um novo parceiro, representado
afirmam certo grau de aproximação com a psicanálise de por Dalí, e juntos caminham ao lado do mar. Encontram
Freud, voltada para o inconsciente do ser humano e suas as roupas do outro homem e a caixinha largadas nas pe-
pulsões interiores. dras, mas prosseguem com o passeio. Uma frase indica
que a primavera chegou, e o casal entra em cena enter-
Revoltada com o assédio, a moça foge a qual- rados na areia, sem movimentar-se. A quebra de expec-
quer custo. Para alcançá-la, o homem segura duas cor- tativa é explorada novamente pois, para o espectador,
das presas às tábuas dos Dez Mandamentos, com dois flores representam a estação, não a areia.
padres em seguida (um deles, o próprio Dalí), e dois pia-
nos com burros sem olhos sacrificados em cima. Os ele- Com a obra de Luis Buñuel e Salvador Dalí, ob-
mentos são arrastados com grande esforço e sofrimento serva-se certo fascínio pela morte, a construção de fan-
pelo rapaz. Não traçar algum significado diante de toda tasia integrada ao proibido, além de associação entre
essa composição de elementos parece-nos quase impos- morte e erotismo.
sível, o que evidencia a nossa supervalorização do mun-
do consciente. O curta é repleto de delírios ilogicamente in-
tercalados, cenas de choque, intensificação do absurdo,
Há quem interprete como uma crítica à religião deslocamento da lógica, e o encadeamento das ações,
e à moral cristã, como se o rapaz carregasse um enor- bem como reações estranhas e inesperadas. Foi dessa
me fardo por sentir atração sexual e ser tomado como forma que Buñuel apresentou-se no cinema pela primei-
pecador, ou por querer matar a mocinha e ser proibido ra vez, com um filme sem falas e com uma trilha sonora
pela Lei de Deus. Dando continuidade, o homem solta as composta de trechos de obras de Wagner e tangos ar-
cordas e a moça foge pela porta, esmagando a mão do gentinos.


rapaz. As formigas continuam ali, parecendo muito mais
numerosas do que antes.

O curta prossegue com uma cena já comenta-


da, quando o homem ressurge nas roupas deixadas na Citações da Obra na Matriz de Referências
cama. São três da manhã e alguém bate na porta. Parece
ser o chefe do jovem, pois briga com ele e arranca suas O ser humano como um ser que interage
roupas, jogando-as fora pela janela. Grande discussão é
retratada, e a partir desse momento, nota-se o surrealis- Além dessa abordagem contextual, com ênfase
mo em cenas incomuns, como nos livros transformados nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também
em armas ou no assassinato diante do delírio de mulher discutidas as maneiras como os artistas interagem com
nua. diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na
carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
Além disso, a falta de cronologia é evidente, Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos ao
pois a cena da discussão é interrompida com o indicativo museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme Um
de “dezesseis anos depois”, sendo que tudo permanece cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Através,
como antes. Durante o assassinato, há um efeito na ima- de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio Toz-
gem que remete ao mundo onírico, como se a situação zi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock ou o
não fosse real. Para contrariar as expectativas, a perso- Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se encon-
nagem morre e é carregada por um grupo de homens. tram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de encon-
Parece o fim do curta, mas a câmera retoma o enquadra- tro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo)
mento na mulher.
Indivíduo, cultura, estado e participação política
A moça observa uma mariposa atentamente. O
inseto parece monstruoso e sua aparição pode estar li- A performance Rhythm 0, de Marina Abramovic,
gada à uma peça escrita por García Lorca, “O Malefício questiona, por meio da ação da artista e do público, no-
da Mariposa”, em 1920, mas que não foi bem recebida ções sobre liberdade, respeito e dignidade nas relações
por parte do público e da crítica. O próprio título da obra entre indivíduos que formam uma sociedade e comparti-
faz referência ao escritor, por ser da região de Andaluzia. lham de uma cultura. No filme Um cão andaluz, de Luis
Federico García Lorca foi um grande poeta espanhol e Buñuel e Salvador Dalí, por sua vez, discutem-se relações
amigo íntimo de Buñuel e Dalí. entre a liberdade artística e a ordem moral. Ainda sob
essa perspectiva, porém, numa abordagem contemporâ-
Após avistar a mariposa, a mulher revê o ho- nea, a técnica terapêutica Série Roupa-corpo-roupa: “O
mem que antes a perseguia, ele passa a mão no rosto Eu e o Tu” - Lygia Clark, provoca indagações sobre a rela-
e perde a própria boca. Como se fosse uma pirraça, a ção de si com o outro e os limites físicos e morais do indi-
moça passa batom em si mesma e o rosto do homem víduo. (Página 8, terceiro parágrafo)
fica manchado. Então ela verifica suas axilas depiladas e
coloca a língua para fora, ao brigar com o rapaz. A jovem Tipos e gêneros
sai pela porta e vai parar em uma praia, onde anterior-
mente havia uma rua. O audiovisual é uma linguagem artística que se
manifesta por meio de vários gêneros. Assim, faz-se ne-

Tudo Sobre o PAS UnB 162


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

cessário compreender as diferenças entre documentário e de Flora Egécia, e Um cão andaluz, de Luís Buñel e Salva-
ficção, a partir da análise de documentários Poética da dor Dalí. No plano sonoro, essas transformações podem
Diáspora, de Elena Pajaro Peres, À Margem do Corpo, de ser verificadas em Quarteto de cordas com helicópteros,
Débora Diniz, Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e Car- de Karlheinz Stockhausen, que trabalha com amplificação
ta para além dos muros, de André Canto, em contraponto dinâmica e permutação de alturas. (Página 32, primeiro
ao filme experimental surrealista Um cão andaluz, de Luis parágrafo)
Buñuel e Salvador Dalí. Vale salientar que os referidos do-
cumentários discutem e promovem reflexões sobre gêne- Espaços
ro, raça, sexualidade, preconceito e violência. (Página 15,
primeiro parágrafo) As transformações do espaço podem, também,
unir tecnologia, ciência e estética ao conseguir, por exem-
Estruturas plo, a fixação da imagem numa superfície sensível, desen-
volvendo-se, assim, a fotografia e, posteriormente, essas
Na linguagem cinematográfica, é importante per- imagens tornam-se imagens em movimento chamadas,
ceber as diferenças entre a estrutura do documentário, inicialmente, de películas. Logo, o cinema reconfigura o
exemplificado pelos filmes Das raízes às pontas, de Flora espaço criando narrativas diferentes por meio de planos
Egécia, Carta para além dos muros, de André Canto, À sequência, jogos de luz e angulações diversas. Sob essa
margem do corpo, de Débora Diniz, Poética da Diáspora, perspectiva, nota-se que o espaço pode ser utilizado de
de Elena Pajero Peres, pela animação A questão indígena diferentes maneiras cinematográficas, como é possível re-
no Brasil em quatro minutos - Agência Pública: agência de conhecer no filme Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Sal-
reportagem e jornalismo investigativo, pela reportagem vador Dalí, na reportagem Vamos ao museu?, e nos docu-
Vamos ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente e mentários Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e A
pelo filme surrealista Um cão andaluz, de Luis Buñuel e margem do corpo, de Débora Diniz. (Página 37, segundo
Salvador Dalí. (Página 17, quarto parágrafo) parágrafo)

Ambiente e evolução
Questões, Justificativas e Dicas
No campo das ciências biológicas, o tema do cor- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
po humano, da vida, das relações dos corpos humanos em
conjunto e do ambiente são reflexões permanentes e po- Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
dem ser problematizados na obra Sobre a violência (capí-
tulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção e a Anotações e Rascunhos
regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres, de
Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes, na
pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de Ma-
nuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall, na
obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no poe-
ma O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza no
mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano dian-
te de sua própria consciência. (Página 24, quarto parágra-
fo)

Cenários contemporâneos

Sob o impacto dos conflitos mundiais, outras


obras apresentam perspectivas e alternativas para a
construção de narrativas que misturam elementos reais e
oníricos, como no filme Um Cão Andaluz (1929), obra sur-
realista de Luis Buñuel e Salvador Dalí. No poema O mor-
cego (1912), de Augusto dos Anjos, a perspectiva onírica
também se faz presente na interlocução do eu-lírico com a
morte, promovendo um ambiente de mistério e reflexão.
(Página 29, primeiro parágrafo)

Número, grandeza e forma

Transformações como essas podem ser observa-


das nas telas Acordeonista, de Picasso, e Ritmo de Outono
- número 30, de Jackson Pollock, no grafite Santa ceia mo-
derna, de Acme, e nos audiovisuais Das raízes às pontas,

Tudo Sobre o PAS UnB 163


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

À Margem do Corpo - Debora Diniz

Autora
Debora Diniz é uma antropóloga, professora O documentário aborda a história de uma mu-
universitária, pesquisadora, ensaísta e documentarista lher chamada Deuseli Vanines, de 19 anos, que habitava
brasileira conhecida por seu trabalho nas áreas da bio- em Alexânia e foi brutalmente estuprada por outro mo-
ética e dos direitos humanos, com foco nos direitos das rador da cidade, chamado Nego Vila. A jovem recorre a
mulheres. Nascida em Maceió (AL), em 1970, Debora se médicos e autoridades, mas não consegue ter seu pedi-
formou em Ciências Sociais pela Universidade de Brasí- do de abordo, previsto em lei, aprovado. Meses depois,
lia (UnB), onde fez também Mestrado e Doutorado em Deuseli se muda para a cidade de Anápolis e lá é conde-
Antropologia. Em sua carreira acadêmica já lecionou em nada por assassinar sua filha bebê, fruto desse estupro,
diversas universidades do mundo, como em Leeds (UK), em uma banheira. O caso ficou muito conhecido na cida-
Michigan (EUA), Toronto (CAN), entre outras. de e nos arredores, tendo grande repercussão midiática
devido à brutalidade do crime e também porque a igreja
A antropóloga é co-fundadora do Instituto de se envolveu, visto que Deuseli era tida pelos religiosos
bioética Anis e, por meio dele, realizou trabalhos impor- como uma pessoa que estava possuída por demônios.
tantes como a Pesquisa Nacional de Aborto, publicada Por outro lado, chamou a atenção de defensores dos di-
em 2010, que mostrou que uma em cada cinco brasilei- reitos humanos em virtude das questões do direito ao
ras de até 40 anos já fez pelo menos um aborto. aborto e das violências sexuais cometidas contra as mu-
lheres.
Ganhadora de muitos prêmios, Debora Diniz
é conhecida tanto por seus documentários quanto por
seus trabalhos acadêmicos e científicos. Além disso, em
Ficha Técnica
2004 ela também levou para o Supremo Tribunal Federal Ano: 2006
(STF) a discussão sobre a realização do aborto em casos Gênero: Documentário
de gestação de fetos anencéfalos. Outro trabalho mui- Direção: Debora Diniz
to importante da pesquisadora diz respeito às mulheres Direção de produção: Fabiana Paranhos
que foram infectadas pelo Zika Vírus durante a gestação Classificação indicativa: Livre
e, por isso, tiveram filhos que sofrem de microcefalia.
Em 2015 ela lançou o primeiro livro sobre o assunto pu-
blicado no país, chamado Zika – Do Sertão Nordestino à Obra
Ameaça Global, uma biografia sobre a epidemia do vírus
Direitos sexuais e reprodutivos, aborto, estupro,
no Nordeste do Brasil.
desigualdades sociais, direitos das mulheres e descaso
Devido à sua militância a favor dos direitos re- policial são temas perpassam o documentário À Margem
produtivos das mulheres, a pesquisadora ficou muito do Corpo. Isso porque a personagem principal é uma
conhecida e se tornou uma figura importante na discus- mulher negra chamada Deuseli Vanines, moradora de
são de 2018 do STF sobre a descriminalização do abor- Alexânia (GO), que foi vítima de um estupro brutal den-
to até a 12a semana de gestação. Por isso, foi ameaçada tro da casa em que vivia quando tinha apenas 19 anos.
de morte por grupos religiosos e precisou deixar o país
junto com a família, aconselhada pelo Programa de Pro- A obra se inicia com uma descrição de Deuse-
teção aos Defensores de Direitos Humanos do Governo. li feita por parte das pessoas entrevistadas (sua patroa,
Em 2020, encontra-se em exílio no exterior. vizinhas e etc), depois é abordada a temática do estu-
pro cometido contra ela por um homem chamado Nego
Contexto Vila. Logo percebe-se que há pessoas que acreditam na
história e outras que acham que Deuseli teria inventado
Alexânia (GO), onde se passa o documentário toda a situação e acusado Nego Vila injustamente, o que
À margem do Corpo, é uma cidade pequena localizada condiz com a forma que as pessoas julgam vítimas de es-
no interior do Goiás que possui em torno de 27 mil ha- tupro na sociedade brasileira, sendo estas, muitas vezes,
bitantes e se localiza próxima a cidades como Anápolis, desacreditadas quando relatam terem sofrido esse tipo
Brasília e Goiânia. Seu povoamento planejado começou de agressão. Em outros casos, acredita-se que a própria
em 1957, devido à construção da capital, pois o governo vítima tenha provocado o agressor, ou seja, ocorre a cul-
passou a dar lotes para as famílias dos candangos mo- pabilização das mulheres que sofrem violência sexual.
rarem ali. No início, a economia da cidade era majori- De acordo com uma pesquisa de 2016, feita pela Datafo-
tariamente baseada na agricultura, mas hoje os setores lha e encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança
de indústrias e serviços também é muito importante. O Pública (FBSP), 33,3% da população brasileira acredita
Outlet Premium Brasília, por exemplo, foi inaugurado lá que em casos de estupro a culpa é da vítima.
no ano de 2012. A cidade possui um IDH médio de 0,682
e um PIB per capita de R$12.680.

Tudo Sobre o PAS UnB 164


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Dessa forma, o documentário mostra essas Deuseli foi, então, presa pelo assassinato da fi-
contradições existentes na sociedade mediante as falas lha e quando estava na prisão descobriram que ela es-
de entrevistados que descrevem Deuseli de formas va- tava novamente grávida. Após o nascimento da sua se-
riadas. Alguns dizem que ela era doida, prostituta, feia, gunda filha ela foi levada para a Casa da Gestante, uma
outros ressaltam que ela era uma mulher humilde e tra- organização religiosa ligada ao movimento Pró-Vida que
balhadora que não tinha família e havia sofrido muito na pretendia ajudá-la e que deu sua filha para a adoção.
vida. A imagem da personagem nunca é de fato mostra- Por isso, algumas entrevistadas ressaltam que a igreja
da no filme, ou seja, os telespectadores possuem ape- utilizou a história de Deuseli para promover sua pauta
nas as descrições (continuamente contraditórias) dos anti-aborto, dado que a mulher se encontrava em uma
entrevistados para imaginar como era Deuseli. Aqui se posição fragilizada e as instituições podem ter se apro-
percebe que essa técnica pode ter sido utilizada proposi- veitado disso para ditar o que seria melhor para ela.
talmente para que a pessoa que estiver assistindo dedu-
za, sozinha, se acredita ou não na vítima, confrontando No fim, ela acabou falecendo devido à insufici-
seus próprios preconceitos e noções sobre a temática do ência cardíaca causada por seus problemas de saúde.
estupro. Além disso, nos depoimentos das pessoas sobre Quando chegou no hospital, Deuseli estava novamente
o agressor, Nego Vila, a contradição também está pre- grávida e apresentava um quadro de saúde muito com-
sente. Há aqueles que o enxergavam como um bêbado plicado e, mais uma vez, a igreja tentou lutar para que o
doido (a patroa de Deuseli, por exemplo, diz que sentia feto que estava em seu ventre fosse salvo, mas tanto ela
medo dele) e outros que o descrevem como engraçado quanto o feto morreram.
e simpático. O telespectador se depara com diversas
descrições que pintam a figura do criminoso de forma O documentário narra, portanto, a história de
multifacetada. uma mulher que foi marginalizada de diversas formas
pela sociedade, sofreu com problemas sociais e econô-
Após sofrer o estupro, Deuseli denuncia o crime micos, não encontrou amparo nas autoridades e nas leis
na delegacia, no entanto, quando pede para realizar o que deveriam protegê-la e acabou falecendo após ser
exame pericial, é orientada a voltar para casa e tomar condenada pelo assassinato de sua primeira filha, fruto
um banho. Por isso, quando finalmente faz o exame, os de um estupro. A narrativa termina com uma reflexão
resultados saem inconclusivos. Nessas cenas destaca-se sobre a personagem: o que teria acontecido com Deuseli
o descaso das autoridades com o caso, visto que, ao in- se ela tivesse sido amparada pelo Estado e tivesse con-
vés de coletarem as provas no momento adequado, de- seguido fazer o aborto quando ela quis? Essa trágica his-
ram instruções erradas que acabaram prejudicando todo tória pode gerar diversas reflexões, tais como o controle
o processo. Mesmo assim, Nego Vila acaba sendo con- dos corpos femininos na nossa sociedade e as desigual-
denado pelo crime de estupro cometido contra a per- dades, além dos problemas estruturais que mulheres
sonagem principal, embora esteja sempre alegando ser pobres e negras têm que enfrentar no Brasil.
inocente.
Estrutura
Além disso, o descaso das autoridades se mos-
tra presente mais uma vez quando Deuseli fica grávida O documentário foi formulado por intermédio
devido à violência sofrida e quer realizar um aborto, pre- de uma pesquisa extensa sobre o caso e uma etnografia
visto pela legislação brasileira nesses casos. Os médicos realizada pela própria documentarista. A obra é formada
se recusam a realizar o procedimento e, no fim, Deuseli por entrevistas realizadas com pessoas que conheciam
acaba tendo que dar continuidade à gravidez dando à a personagem, como vizinhas, patroas, pessoas que
luz a uma menina chamada Fernanda. A narrativa con- estavam envolvidas no caso judicial como a advogada,
diz, então, com a realidade brasileira, pois embora seja policiais e promotores, bem como pessoas da igreja e
garantido pelo Código Penal o direito de da mulher de também Nego Vila, o homem que estuprou Deuseli, e a
abortar em casos de estupro, menos da metade dos hos- mãe dele.
pitais públicos (43%) realizam o procedimento, de acor-
do com um relatório de 2019 da ONG britânica Artigo19. As entrevistas são utilizadas para contar a histó-
ria por meio de diversas perspectivas. Temos, por exem-
Outro ponto levantado durante as entrevistas plo, a perspectiva de pessoas que acreditam e que não
é que, segundo a igreja local e até a própria advogada acreditam na história do estupro, assim como perspec-
de Deuseli, o assassinato de Fernanda era fruto de uma tiva das pessoas da igreja que acreditam na possessão
possessão demoníaca, já que se acreditava que Deuseli demoníaca e uma advogada de direitos humanos que
tinha comportamentos estranhos e loucos que só pode- critica essa visão. Percebe-se que houve uma pesquisa
riam ser explicados dessa forma. Por outro lado, há uma extensa e que foram utilizados também recursos como
discussão sobre os problemas psicológicos que ela so- laudos policiais e imagens de jornais sobre o caso para
fria, visto que seu estado mental se mostrava claramente mostrar a sua repercussão.
debilitado.

Tudo Sobre o PAS UnB 165


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Como todo documentário, À Margem do Corpo Diáspora, de Elena Pajaro Peres, À Margem do Corpo, de
tem como objetivo contar uma história real para gerar Débora Diniz, Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e Car-
reflexões sobre diversos assuntos, buscando provar um ta para além dos muros, de André Canto, em contraponto
ponto de vista para o telespectador. Na obra percebe-se ao filme experimental surrealista Um cão andaluz, de Luis
que o objetivo é mostrar como Deuseli foi uma vítima de Buñuel e Salvador Dalí. Vale salientar que os referidos do-
um sistema cruel que a marginalizou durante toda a sua cumentários discutem e promovem reflexões sobre gêne-
vida. Assim, a estrutura de entrevistas é utilizada para ro, raça, sexualidade, preconceito e violência. (Página 15,
contar a história dessa mulher ao mesmo tempo em que primeiro parágrafo)
se tecem críticas sobre a sociedade, pois a narrativa de
Deuseli é apenas um exemplo extremo das desigualda- Estruturas
des de raça, classe e gênero presentes no Brasil.


Na linguagem cinematográfica, é importante per-
ceber as diferenças entre a estrutura do documentário,
exemplificado pelos filmes Das raízes às pontas, de Flora
Egécia, Carta para além dos muros, de André Canto, À
Citações da Obra na Matriz de Referências margem do corpo, de Débora Diniz, Poética da Diáspora,
de Elena Pajero Peres, pela animação A questão indígena
O ser humano como um ser que interage no Brasil em quatro minutos - Agência Pública: agência de
reportagem e jornalismo investigativo, pela reportagem
Nesse sentido, é possível pensar nas interações Vamos ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente e
humanas em suas dimensões estética, ética, política e psi- pelo filme surrealista Um cão andaluz, de Luis Buñuel e
cológica, considerando que a capacidade para interagir Salvador Dalí. (Página 17, quarto parágrafo)
permite criar valores, deslocar perspectivas e fundar me-
todologias e instituições. É possível discutir a respeito de Ambiente e evolução
condições dignas e sustentáveis para a existência humana
no planeta a partir da obra Trouxas ensanguentadas, de No campo das ciências biológicas, o tema do cor-
Artur Barrio, da performance Rhythm 0, de Marina Abra- po humano, da vida, das relações dos corpos humanos em
movic, dos documentários À margem do corpo, de Débo- conjunto e do ambiente são reflexões permanentes e po-
ra Diniz, das pinturas Morro da favela, de Tarsila do Ama- dem ser problematizados na obra Sobre a violência (capí-
ral, Navio de emigrantes, de Lasar Segal, e da novela O tulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção e a
recado do morro, de João Guimarães Rosa. (Página 4, regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres, de
quarto parágrafo) Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Indivíduo, cultura, estado e participação política Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes, na
Nesta etapa, exige-se uma conscientização sobre pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de Ma-
a organização e a participação política do ser humano. nuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall, na
Nesse sentido, os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no poe-
Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe, são ma O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza no
obras fundamentais para pensar tanto o presente como o mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano dian-
futuro da humanidade a partir dessa conscientização. te de sua própria consciência. (Página 24, quarto parágra-
Questões sobre a participação política, estruturas de vio- fo)
lência e responsabilidade social podem ser evidenciadas
pelos documentários À Margem do Corpo, de Débora Di- Cenário contemporâneo
niz, e Carta para além dos muros, de André Canto. Produ-
ções que reafirmam o papel do campo acadêmico e cien- O documentário À margem do corpo (2006), de
tífico no debate público nacional podem ser vistas nas Débora Diniz, discute a questão do direito reprodutivo, da
cartas À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de violência de gênero, raça e classe na região do entorno do
Andrade, nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler, e Distrito Federal. A obra também aborda aspectos relati-
em Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud, vos aos impactos dessas diversas formas de violência na
que reiteram o papel dos intelectuais em promover refle- saúde mental das mulheres pobres e negras. Esse debate
xões sobre questões sociais, como o autoritarismo e a vio- acerca da violência contra a mulher também está presen-
lência. (Página 8, primeiro parágrafo) te na canção Camila Camila (1987), da Banda Nenhum de
Nós, assim como no clipe Mulamba (2018), do grupo Mu-
Tipos e gêneros lamba, que discute questões ligadas aos movimentos fe-
ministas, na sociedade brasileira, de longa trajetória na
O audiovisual é uma linguagem artística que se história do Brasil. Noções sobre liberdade, ética e respeito
manifesta por meio de vários gêneros. Assim, faz-se ne- ao corpo do outro, podem ser percebidos na performance
cessário compreender as diferenças entre documentário e Rhythm 0 (1974), de Marina Abramovic, e nas técnicas te-
ficção, a partir da análise de documentários Poética da rapêuticas Série Roupa-corpo-roupa: “O Eu e o Tu” - Queer
(1967), Lygia Clark. (Página 29, terceiro parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 166


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Número, grandeza e forma

As obras audiovisuais À margem do corpo, de Dé-


bora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o que
é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problematizam
questões de raça, gênero e identidade, possibilitando a
busca de dados, número e grandezas para analisar, com-
parar e compreender as estruturas sociais nos cenários
contemporâneos. Essa mesma abordagem é percebida
nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e Viagem
à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas Elevação
Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona de Mim, de
Iza e Não recomendado, de Não recomendados. (Página
31, terceiro parágrafo)

Espaços

As transformações do espaço podem, também,


unir tecnologia, ciência e estética ao conseguir, por exem-
plo, a fixação da imagem numa superfície sensível, desen-
volvendo-se, assim, a fotografia e, posteriormente, essas
imagens tornam-se imagens em movimento chamadas,
inicialmente, de películas. Logo, o cinema reconfigura o
espaço criando narrativas diferentes por meio de planos
sequência, jogos de luz e angulações diversas. Sob essa
perspectiva, nota-se que o espaço pode ser utilizado de
diferentes maneiras cinematográficas, como é possível re-
conhecer no filme Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Salva-
dor Dalí, na reportagem Vamos ao museu?, e nos docu-
mentários Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e A
margem do corpo, de Débora Diniz. (Página 37, segundo
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 167


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Vamos ao Museu? Museu de Imagens do
Inconsciente

Fundadora
Nise da Silveira (1905-1999) nasceu na capital Contexto
de Alagoas, Maceió. Formou-se em 1926, na Faculdade
de Medicina da Bahia, sendo a única mulher entre 156 Na década de 40, o tratamento psiquiátrico era
alunos. Tornou-se psiquiatra no Rio de Janeiro, mas foi invasivo e favorável a internações com doses indiscrimi-
presa como comunista durante a ditadura Vargas. Na nadas de medicamentos, que deixavam os pacientes em
prisão, conheceu Graciliano Ramos, escritor modernista estado de torpor. Nise da Silveira rebelou-se contra esses
que fez da psiquiatra uma das personagens do livro Me- procedimentos e optou por seguir com a humanização
mórias do Cárcere. da psiquiatria. Ao invés de violência, o afeto foi o remé-
dio receitado pela médica.
Após a anistia, Nise retornou ao trabalho e
criou, em 1946, a Seção Terapêutica Ocupacional no Durante a luta pela redemocratização do Bra-
Centro Psiquiátrico Pedro II. Fundou, em 1952, o Museu sil, em ocasião da Ditadura Militar, denúncias a respeito
de Imagens do Inconsciente, destinado à pesquisa e ao do descaso com hospitais psiquiátricos só evidenciaram
estudo de casos clínicos através de atividades artísticas a violência em todas as esferas da sociedade. Nos anos
de expressão livre, produzidas pelos “clientes” da médi- 80, o movimento da Reforma Sanitária e da Reforma Psi-
ca, termo utilizado por ela para denominar a serventia quiátrica reforçaram a luta antimanicomial. Nessa causa,
aos seus pacientes. Nise da Silveira foi precursora.

No ano de 1956, criou a Casa das Palmeiras, pri- O Movimento da Reforma Psiquiátrica se iniciou
meira clínica psiquiátrica brasileira de regime externato, no final da década de 70, em pleno processo de rede-
isto é, os pacientes não residem nela. Na América Latina, mocratização do país, e em 1987 teve dois marcos im-
Nise foi pioneira na introdução da psicologia junguiana. portantes para a escolha do dia que simboliza essa luta,
A médica acreditava na capacidade da terapia ocupacio- com o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, em
nal em desenvolver a expressão não-verbal da realidade Bauru/SP, e a I Conferência Nacional de Saúde Mental,
do inconsciente dos pacientes, encontrando na arte os em Brasília.
meios para isso.
Com o lema “por uma sociedade sem manicô-
A partir dos trabalhos visuais elaborados pelos mios”, diferentes categorias profissionais, associações
seus clientes, sem nenhuma instrução externa, Nise con- de usuários e familiares, instituições acadêmicas, repre-
seguiu compreender melhor o estado dos casos clínicos. sentações políticas e outros segmentos da sociedade
O valor artístico dessas obras foi reconhecido mundial- questionam o modelo clássico de assistência centrado
mente, e duas exposições foram realizadas no exterior. em internações em hospitais psiquiátricos, denunciam
Além disso, o afeto contínuo durante a terapia também as graves violações aos direitos das pessoas com trans-
apresentou melhoras nos pacientes. tornos mentais e propõem a reorganização do modelo
de atenção em saúde mental no Brasil a partir de servi-
Nise escreveu muitos livros, dentre eles Ima- ços abertos, comunitários e territorializados, buscando a
gens do Inconsciente e O Mundo das Imagens. Também garantia da cidadania de usuários e familiares, historica-
recebeu várias premiações, como a Ordem Nacional do mente discriminados e excluídos da sociedade.
Mérito Educativo e títulos honoris causa das universida-
des de Alagoas e Rio de Janeiro. Aos 81 anos, reafirmou Obra
seus valores em uma entrevista:
No vídeo de pouco mais de quatro minutos da
“Em qualquer indivíduo, mesmo no mais esfarrapado, men- série “Vamos ao Museu?”, o espectador é imerso pela
digo egresso de um hospital psiquiátrico, existem pulsões capacidade curativa da arte, por meio da reportagem
criadoras, existem forças auto curativas, esperando apoio, documental que nos leva ao conhecimento do Museu de
esperando amor, esperando calor humano”. Imagens do Inconsciente. A reportagem apresenta, de
forma objetiva, os elementos e citações necessárias para
Ficha Técnica a compreensão do assunto, utilizando-se de um cunho
pedagógico ao expor os fatos.
Ano: 2012
Gênero: Reportagem Documental O Museu de Imagens do Inconsciente teve iní-
Direção: Renata Chaiber, TV Brasil cio em 1946, e originou-se das obras dos ateliês de arte
Classificação indicativa: Livre da Seção de Terapia Ocupacional, no Centro Psiquiátrico
Pedro II, hoje nomeado como Instituto Municipal Nise da
Silveira em homenagem à psiquiatra fundadora.

Tudo Sobre o PAS UnB 168


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A médica revolucionou o tratamento de psi- Andrade, nas produções apresentadas no vídeo Vamos ao
copatologias ao recusar a adesão aos procedimentos museu? - Museu de Imagens do Inconsciente, no filme
convencionais da psiquiatria da década de 40, como a Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Atra-
lobotomia, o eletrochoque, o uso de cardiazol e o coma vés, de Cildo Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio
insulínico. Nise trocou tratamentos agressivos pelas te- Tozzi, Ritmo de outono – número 30, de Jackson Pollock ou
las, cartolinas, argilas, músicas e danças, pois acreditava o Palácio do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se en-
que o contato afetivo carrega o potencial de cura. contram as obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de
encontro, de Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo)
“O que melhora no atendimento é o contato afetivo de uma
pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta Indivíduo, cultura, estado e participação política
de preconceito”. - Nise da Silveira
Dessa forma, espera-se que a partir da identifica-
Por meio do afeto, a criatividade foi estimulada ção de linguagens e da tradução de sua plurissignificação,
e os pacientes, maior parte diagnosticados com esquizo- associada a outras habilidades, seja possível julgar a per-
frenia, usavam a “arte para estancar a dor”, como afirma tinência de opções técnicas, sociais, éticas e políticas na
o vídeo. Mediante as produções artísticas espontâneas, tomada de decisões, a fim de organizar estratégias de
abriram-se as portas para desvendar a mente do esqui- ação e selecionar métodos adequados para análise e re-
zofrênico, antes sempre hermética. solução de problemas, como se vê na reportagem Vamos
ao museu? – Museu de Imagens do Inconsciente.
Surge então a ideia de organizar as obras em um
museu, para facilitar o desenvolvimento de pesquisas e Estruturas
estudos de casos clínicos. Diferente de outras institui-
ções, novos documentos plásticos continuam em produ- Na linguagem cinematográfica, é importante per-
ção nos ateliês, enriquecendo ainda mais o Museu. ceber as diferenças entre a estrutura do documentário,
exemplificado pelos filmes Das raízes às pontas, de Flora
Nos desenhos e quadros, o círculo passou a ser Egécia, Carta para além dos muros, de André Canto, À
ilustrado pelos pacientes, algo curioso, pois trata-se do margem do corpo, de Débora Diniz, Poética da Diáspora,
símbolo da unidade. Até o mandala era representado - de Elena Pajero Peres, pela animação A questão indígena
palavra que significa círculo em sânscrito e pode figurar no Brasil em quatro minutos - Agência Pública: agência de
a imagem de Deus, o equilíbrio ou a harmonia entre o reportagem e jornalismo investigativo, pela reportagem
homem e o cosmos, conceitos que contrariam a defini- Vamos ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente e
ção de esquizofrenia: pessoa de mente partida, dissocia- pelo filme surrealista Um cão andaluz, de Luis Buñuel e
da. Salvador Dalí. (Página 17, quarto parágrafo)

Nise aprofundou-se no assunto, e logo encon- Número, grandeza e forma


trou resposta na psicologia junguiana. Os círculos e os
mandalas expressariam as pulsões, ou forças interiores, Para se compreender essas transformações, são
que buscam a organização da mente e dos pensamen- de fundamental importância algumas propriedades de
tos. Com isso, a comunidade marginalizada passou a ser polinômios de coeficientes reais de grau arbitrário, desta-
admirada pela produção artística, nomeada como Arte cando-se os conceitos de divisibilidade, raízes, relações
Virgem por Mário Pedrosa, um grande crítico de arte. entre coeficientes e raízes e resolução de equações polino-
miais, além de noções básicas de números complexos. Os
O Museu de Imagens do Inconsciente, inaugu- modelos polinomiais e a análise gráfica das funções, in-
rado em 1952, possui grande importância para o estudo cluindo simetrias e translações no plano cartesiano, apli-
do processo psicótico, pois agrega um acervo com mais cam-se, ainda, aos estudos de campos elétricos, magnéti-
de 350 mil obras, sendo a maior coleção do gênero no cos e gravitacionais, como pode ser observado, por
mundo. Além disso, 127 mil obras do Museu foram tom- exemplo, em Criadores de um mundo recarregável, de Ri-
badas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico cardo Zorzetto, e na reportagem Vamos ao museu? - Mu-
Nacional (IPHAN), órgão responsável pela manutenção e seu de Imagens do Inconsciente. (Página 32, segundo
divulgação do patrimônio cultural do Brasil. parágrafo)


Espaços

As transformações do espaço podem, também,


Citações da Obra na Matriz de Referências unir tecnologia, ciência e estética ao conseguir, por exem-
plo, a fixação da imagem numa superfície sensível, desen-
O ser humano como um ser que interage volvendo-se, assim, a fotografia e, posteriormente, essas
imagens tornam-se imagens em movimento chamadas,
Além dessa abordagem contextual, com ênfase inicialmente, de películas. Logo, o cinema reconfigura o
nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também espaço criando narrativas diferentes por meio de planos
discutidas as maneiras como os artistas interagem com sequência, jogos de luz e angulações diversas. Sob essa
diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na perspectiva, nota-se que o espaço pode ser utilizado de
carta À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de diferentes maneiras cinematográficas, como é possível

Tudo Sobre o PAS UnB 169


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

reconhecer no filme Um cão andaluz, de Luis Buñuel e


Salvador Dalí, na reportagem Vamos ao museu?, e nos
documentários Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e A
margem do corpo, de Débora Diniz. (Página 37, segundo
parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 170


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Poética da Diáspora - Elena Pajaro
Peres

Autora
O vídeo foi publicado no canal do Youtube cha- sobre a autora e em 1959 publicou trechos dos relatos
mado Pesquisa Fapesp, que é um veículo da revista que escritos por ela. Posteriormente, se empenhou em reu-
tem o mesmo nome, publicada pela Fundação de Ampa- nir todos os relatos em um livro chamado Quarto de Des-
ro à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). pejo - Diário de uma Favelada, que viria a ser publicado
em 1960.
Lançada em 1999, a revista tem como objetivo
difundir e valorizar os resultados da produção científica A repercussão do livro foi muito positiva tanto
e tecnológica brasileira. É a única publicação jornalísti- no Brasil quanto em outros países, como os Estados Uni-
ca do Brasil especializada em ciência e tecnologia que dos, visto que Quarto de despejo foi traduzido para 14
tem como foco a produção nacional, por isso ela é muito idiomas. Assim, a autora saiu da favela e comprou uma
importante para os pesquisadores e as pesquisadoras casa no bairro de Santana, onde continuou a escrever
brasileiras, sendo uma referência entre os veículos de seus relatos em um diário que se tornaria sua próxima
comunicação nacionais. obra, intitulada “Casa de alvenaria - Diário de uma ex-fa-
velada”, publicado em 1961.
Além da revista física, o site da Revista Pesquisa
Fapesp disponibiliza todas as edições de forma gratuita e Entre 1947 e 1960, a autora residia na favela de
suas traduções em inglês e espanhol. A revista também Canindé (SP), sobrevivendo como catadora de papel e
utiliza diversas redes sociais para divulgar seu conteúdo, ferro velho e escrevendo durante seu tempo livre. Em
dentre elas o canal do Youtube, além do Twitter, Face- 1958, um jornalista foi fazer uma reportagem na favela,
book e Instagram. Todo o conteúdo está disponível para conheceu Carolina e se interessou pelos seus cadernos,
o público de forma gratuita, visto que o objetivo princi- cerca de 20, com anotações em formato de diários sobre
pal é disseminar os resultados das pesquisas científicas o cotidiano da vida na favela. Ele, então, publicou um
realizadas, valorizando, assim, os cientistas brasileiros. artigo sobre a autora e em 1959 publicou trechos dos
relatos escritos por ela. Posteriormente, se empenhou
Ficha Técnica em reunir todos os relatos em um livro chamado Quarto
de Despejo – Diário de uma Favelada, que viria a ser pu-
Ano: 2015 blicado em 1960. Audálio Dantas foi o responsável pela
Gênero: vídeo informativo para o Youtube seleção dos relatos, mas manteve a escrita original de
Direção: Tiago Marconi Carolina.
Fotografia: Pedro Palhares
Edição: Daniel Salaroli Já em 1963 ela publicou seu primeiro romance,
Finalização: Caio Polesi chamado Pedaços da Fome, que acabou não gerando
Música original: Lucas Martins, Cássio da Silva Martins e muita repercussão. Posteriormente, ela foi praticamen-
te esquecida pelo mercado editorial e teve mais dois li-
Carina Levitan
vros publicados apenas após sua morte: Diário de Bitita
Reportagem: Márcio Ferrari
e Meu Estranho Diário. É importante pensar que o pro-
cesso de “esquecimento” dos escritos de Carolina pode
Contexto não ser apenas mero desinteresse literário, mas também
uma forma que o governo da época encontrou de silen-
Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento ciar os relatos que apontavam para a fome, pobreza e
(MG) em 1914 e faleceu em Parelheiros na cidade de São adversidades da vida precária em uma favela. Podemos
Paulo em 1977, aos 62 anos. Foi uma escritora, lavradora lembrar, inclusive, que em 1964 é instaurada a ditadura
e catadora de lixo. Escreveu diversos diários, romances e militar que procurava silenciar a liberdade de expressão
poemas durante a sua vida, se tornando uma importante dos autores.
voz da literatura brasileira, por muito tempo esquecida e
hoje, finalmente, reconhecida. Seu primeiro livro, Quar- Seu primeiro livro chamou a atenção do público
to de Despejo, se tornou um best-seller em diversos paí- por ser um relato cru sobre a vida na favela. No entanto,
ses e um clássico brasileiro. após ganhar fama e sair da favela, os relatos sobre a vida
de “ex-favelada” se mostraram menos atrativos para os
Entre 1948 e 1961 a autora residia na favela de leitores. Por isso mesmo, Carolina ficou conhecida como
Canindé (SP), sobrevivendo como catadora de papel e uma autora que fala de pobreza, de carência material,
ferro velho e escrevendo durante seu tempo livre. Em tendo sua obra muitas vezes reduzida a isso.
1958, um jornalista foi fazer uma reportagem na favela,
conheceu Carolina e se interessou pelos seus 35 cader- A pesquisadora que aparece no vídeo “Poéticas
nos com anotações em formato de diários sobre o coti- da diáspora” busca, por outro lado, mostrar que a pro-
diano da vida na favela. Ele, então, publicou um artigo dução literária de Carolina Maria de Jesus pode ser estu-

Tudo Sobre o PAS UnB 171


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

dada através de outros ângulos, principalmente levando livro da autora publicado em vida, Carolina morreu em
em conta a relação da autora com a sua ancestralidade 1977 em um sítio em Parelheiros.
africana.
Como já havia enunciado, Carolina não largou a
Obra literatura ao longo de sua trajetória, mesmo após o “es-
quecimento”, deixando uma série de manuscritos inédi-
O vídeo apresenta a história de Carolina Maria tos que, devido às mudanças da escritora, estão espa-
de Jesus contada pela pesquisadora Elena Pajaro Peres, lhados por arquivos em Minas Gerais, Rio de Janeiro e
do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, que es- São Paulo. Sua obra está sendo constantemente revisita-
tudou a vida da famosa autora por meio de um olhar da, conforme mais manuscritos vão sendo descobertos.
diferente daquele que geralmente é utilizado. Dessa for- Apesar desse resgate, a historiadora aponta para o fato
ma, o vídeo do canal Pesquisa Fapesp tem como objetivo de que sua primeira obra, Quarto de Despejo, ainda é o
contar a história de Carolina e divulgar o trabalho dessa mais analisado, devido seu aspecto testemunhal, fican-
pesquisadora, mediante uma entrevista realizada com do, portanto, presos à temática da precariedade mate-
ela. rial, o que contribuiu para a criação de uma perspectiva
que associa Carolina como escritora da carência.
O vídeo começa com cenas que retratam Caro-
lina caminhando no centro de São Paulo, provavelmen- A pesquisa de Elena tem como um dos objeti-
te após a publicação de seu primeiro livro, período em vos tirar Carolina deste lugar de “carência”, procurando
que a autora obteve maior reconhecimento do público entender sua relação com o mundo antes do período da
em toda a sua carreira. Carolina se detém por um tem- escrita do primeiro livro, principalmente suas influências
po, analisando a escultura “Mãe Preta” de Júlio Guerra, culturais que são marcadas pela sua origem africana, já
inaugurada em 1955. Elena Pajaro Peres começa sua ex- que seu avô era um ex-escravizado de origem banto. A
posição dizendo “Carolina Maria de Jesus foi uma escri- historiadora também revisita dois pontos da infância de
tora, lavradora, contista, romancista, cozinheira, empre- Carolina que teriam sido essenciais para sua formação:
gada doméstica, poetisa, sambista…”, justamente para as leituras coletivas feitas pelo oficial Manuel Nogueira
enunciar seu caráter multifacetado. Mãe de três filhos, em Sacramento e os dois anos que estudou no Colégio
era catadora de papel para sustentá-los, enquanto mora- Allan Kardec, onde aprendeu a ler. A partir desse mo-
vam na favela do Canindé em São Paulo. Quando podia, mento, Carolina relata em seus diários que lia tudo o que
escrevia. tinha acesso, sendo que o primeiro romance que leu foi
“A Escrava Isaura”, emprestado por uma vizinha.
O jornalista Audálio Dantas conheceu Carolina
enquanto fazia uma reportagem para o jornal que tra- Elena procura, em sua pesquisa, resgatar a rela-
balhava, O Cruzeiro, logo conheceu também os seus es- ção que Carolina possuía com a “África ancestral”, pois
critos, interessando-se fortemente pelo seu diário. Em sua infância foi extremamente marcada por essa conflu-
1960, “Diário de Despejo - Diário de uma favelada” foi ência cultural, bem como afastar Carolina do universo de
publicado, vendendo 10 mil cópias nos três primeiros carência que lhe foi imposto e, ao invés disso, situá-la
dias, sendo traduzido em 14 idiomas e vendido em mais “num universo de riqueza cultural, nobreza, dignidade e
de 40 países, fazendo sucesso principalmente nos Esta- soberania”. Muitas vezes, a autora é vista como uma es-
dos Unidos. Devido ao sucesso do livro, Carolina teve es- critora cuja literatura não se sustenta por si mesmo (aqui
paço na mídia, viajou pelo Brasil e pela América Latina e podemos interpretar como se o texto de Carolina não
teve contato com intelectuais da época. fosse bom o suficiente e se amparasse em seu contex-
to, ou seja, seus leitores poderiam estar interessadas em
Elena, entretanto, anuncia a efemeridade de tal
sua vivência, mas não necessariamente em sua literatu-
conjuntura, pois ao publicar “Casa de Alvenaria – Diá-
ra). Elena ressalta que essa visão depende do olhar do
rio de uma Ex Favelada” em 1961, a autora passa a ser
leitor para o texto. O interesse nos escritos de Carolina
esquecida. Em seu segundo livro, Carolina tece críticas
pode ir além da literatura, pode ser um interesse “literá-
à “visibilidade espalhafatosa” que recebeu, seus críticos
rio, histórico, antropológico, filosófico” e ainda, Carolina
chegam a aconselhar que ela parasse de escrever. Conse-
pode ser vista como precursora da literatura de periferia,
lho que nunca seguiu. Dizia: “Eu não nasci para ser tele-
mas sua obra não pode ser interpretada somente dessa
guiada”. A literatura para Carolina era como uma condi-
forma.
ção de vida e não algo transitório e passageiro.
O seguinte trecho é o resumo da pesquisa de
Nesse contexto, Carolina Maria de Jesus chegou
pós-doutorado da historiadora Elena Pajaro Peres, que
ainda a publicar dois livros de forma independente, ou
inspirou a produção do vídeo, intitulada “Escrita Proibi-
seja, com seu próprio dinheiro: O seu primeiro romance
da. Expressão Romântica e Diáspora Africana nos ma-
“Pedaços da Fome” em 1963 e também o livro “Provér-
nuscritos de Carolina Maria de Jesus:
bios” que, como o título já sugere, procurava levar o lei-
tor à reflexão por meio de frases. Este último foi o último “O estudo da obra da escritora afro-brasileira Carolina Maria
de Jesus (1914-1977), proposto neste projeto, compreende a

Tudo Sobre o PAS UnB 172


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

investigação minuciosa de seus manuscritos inéditos e uma transmitir de uma forma clara e didática essas informa-
releitura de sua produção publicada, buscando revelar seu ções ao público que, ao assistir esse vídeo curto no You-
percurso criativo, a partir de uma análise crítico-interpretati- tube, pode aprender muito sobre uma importante auto-
va e histórica. Nessa análise pretende-se indicar as conexões
ra brasileira.


de seus escritos com elementos culturais de seu grupo de
origem, africano e afro-mineiro, com a literatura a que teve
acesso, especialmente a de cunho romântico, e com suas ex-
periências como migrante na cidade de São Paulo. A questão
central será, por um lado, abordar a tensa combinação, pre-
sente em sua obra, entre conhecimentos e crenças populares Citações da Obra na Matriz de Referências
de tradição oral e o universo letrado e, por outro, compre-
ender como a experiência do deslocamento espacial e cul- O ser humano como um ser que interage
tural manifesta-se na composição de uma forma singular de
expressividade artística. Para alcançar essa dimensão crítica É também relevante a tarefa de pensar a alterida-
entende-se que será preciso, em um primeiro momento, des- de e suas implicações relativas a interações humanas, a
viar o conjunto da produção de Carolina do foco intenso de fim de compreender melhor a genealogia da cultura bra-
atenção recebido pelo seu primeiro livro, Quarto de Despe- sileira. Nesse sentido, as produções audiovisuais A ques-
jo. Diário de uma Favelada, em 1960, e buscar o contexto tão indígena do Brasil em quatro minutos, da Agência
histórico-cultural mais amplo no qual a autora, neta de um Pública, Entenda o que é o racismo estrutural, do Canal do
ex-escravo filho de africanos, estava inserida, desde o seu Preto, Poética da diáspora, Elena Pajero Peres, e Mocinho
nascimento na pequena cidade mineira de Sacramento, pro- ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de perder um fi-
vavelmente em 1914, até sua morte em seu sítio no bairro lho, slam: Sabrina Azevedo, do Canal Manos e Minas,
de Parelheiros, São Paulo, em 1977. Contexto, portanto, que
apresentam questões urgentes e aspectos elucidativos da
não pode ser resumido apenas aos anos em que viveu com os
filhos na favela do Canindé, apesar da inegável importância
realidade atual. (Página 6, quarto parágrafo)
desse período. Com esse desvio, será possível perceber com
maior nitidez os detalhes de construção de sua escrita ficcio- Tipos e gêneros
nal - recusada na época pelos editores - e também do próprio
diário best seller que a tornou mundialmente conhecida. O Na terceira etapa, a seleção de obras de autores
estudo da obra de Carolina pode, dessa maneira, ser reve- negros, assim como obras de um grande número de escri-
lador de um processo de “tradução cultural”, que envolveu toras com produções com estruturas e objetivos diferen-
delicados enlaces construídos no decorrer das experiências tes, além de significativas na literatura brasileira, assegu-
da diáspora e das migrações e se transformou em criação.” ram a importância da leitura inserida no contexto social
como elemento capaz de ampliar a compreensão de mun-
Estrutura do dos leitores e a valorização da diversidade social de ti-
pos e gêneros, em seus mais variados aspectos. As obras
O vídeo mistura falas da pesquisadora que está audiovisuais Entenda o que é Racismo Estrutural – Canal
sendo entrevistada com cenas que apresentam fotos da do Preto (2018) e Poética da Diáspora (2015), de Elena
Carolina Maria de Jesus e de documentos que contam a Pajero Peres, abordam a importância da valorização do
sua história. Dessa forma, sua estrutura é como a de um protagonismo social negro e ao mesmo tempo apontam
minidocumentário, que possui uma entrevistada e cenas para a marginalização da população negra na sociedade
que ilustram as falas dela. brasileira. Nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida,
Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem a Petrópolis, de
O intuito é passar as informações sobre a autora Clarice Lispector, e também na música Dona de mim, de
e sobre a pesquisa que Elena está desenvolvendo sobre Iza encontram-se representações do universo feminino,
ela. Por isso, a estrutura do vídeo é bem didática e expli- seus dilemas e vivências, com questionamentos sobre
cativa, as falas da entrevistada são fáceis de entender e classe, raça e gênero. (Página 13, primeiro parágrafo)
as imagens servem para ilustrar o que está sendo dito.
Tipos e gêneros
As imagens antigas de Carolina Maria de Jesus dão ao
vídeo um ar documental, ou seja, ao mostrar cenas reais O audiovisual é uma linguagem artística que se
percebe-se que este é um vídeo que conta a história ve- manifesta por meio de vários gêneros. Assim, faz-se ne-
rídica da autora e que traz informações relevantes sobre cessário compreender as diferenças entre documentário e
ela. ficção, a partir da análise de documentários Poética da
Diáspora, de Elena Pajaro Peres, À Margem do Corpo, de
A estrutura utilizada serve, portanto, ao propó- Débora Diniz, Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e Car-
sito do canal Pesquisa Fapesp, pois ajuda a transmitir in- ta para além dos muros, de André Canto, em contraponto
formações científicas. O vídeo possui um formato que fa- ao filme experimental surrealista Um cão andaluz, de Luis
cilita a compreensão e estimula o espectador a procurar Buñuel e Salvador Dalí. Vale salientar que os referidos do-
saber mais sobre a história dessa autora como também cumentários discutem e promovem reflexões sobre gêne-
sobre a pesquisa realizada pela entrevistada. ro, raça, sexualidade, preconceito e violência. (Página 15,
primeiro parágrafo)
Sendo assim, as cenas da entrevista e as ima-
gens que ilustram as falas da entrevistada servem para

Tudo Sobre o PAS UnB 173


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Estruturas Questões, Justificativas e Dicas


Na linguagem cinematográfica, é importante per- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
ceber as diferenças entre a estrutura do documentário,
exemplificado pelos filmes Das raízes às pontas, de Flo- Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
ra Egécia, Carta para além dos muros, de André Canto, À
margem do corpo, de Débora Diniz, Poética da Diáspora, Anotações e Rascunhos
de Elena Pajero Peres, pela animação A questão indígena
no Brasil em quatro minutos - Agência Pública: agência de
reportagem e jornalismo investigativo, pela reportagem
Vamos ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente
e pelo filme surrealista Um cão andaluz, de Luis Buñuel e
Salvador Dalí. (Página 17, quarto parágrafo)

Cenários contemporâneos

No que diz respeito ao cenário contemporâneo


brasileiro, destacam-se as manifestações políticas e so-
ciais no decorrer da República; a participação política; a
relação entre indivíduo, Estado e sociedade civil (organi-
zada nos momentos de ruptura da ordem democrática); e
a violência institucional praticada pelo Estado Brasileiro
em suas diversas dimensões, como vemos nos vídeos En-
tenda o que é Racismo Estrutural - Canal do Preto (2018)
e Poética da Diáspora (2015), de Elena Pajero Peres, que
abordam a resistência desses grupos étnicos e sociais aos
diversos tipos de violência praticados/vivenciados na so-
ciedade brasileira. Nesse sentido, o romance Sargento
Getúlio (1971), de João Ubaldo Ribeiro, problematiza a
formação de uma identidade nacional e regional com ele-
mentos políticos transpassados pela violência do Estado
e na sociedade. É importante analisar essas questões no
período do Varguismo (Era Vargas). (Página 27, terceiro
parágrafo)

Número, grandeza e forma

As obras audiovisuais À margem do corpo, de Dé-


bora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problematizam
questões de raça, gênero e identidade, possibilitando a
busca de dados, número e grandezas para analisar, com-
parar e compreender as estruturas sociais nos cenários
contemporâneos. Essa mesma abordagem é percebida
nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e Viagem
à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas Elevação
Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona de Mim, de
Iza e Não recomendado, de Não recomendados. (Página
31, terceiro parágrafo)

Materiais

Nas obras de Barrio e Meireles, materiais foram


reutilizados, porém, sob uma nova perspectiva estética.
De outro modo, ao observar o audiovisual de Carolina
Maria de Jesus, mulher, negra, catadora de papel e prota-
gonista na pesquisa de Elena Pajaro Peres, Poética da Di-
áspora permite discutir o processo de favelização em São
Paulo. (Página 39, terceiro parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 174


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Das Raízes às Pontas - Flora Egécia

Autora
Flora Egécia é uma jovem cineasta brasiliense, tiful” e “Black Power”, iniciado nos Estados Unidos, no
diretora do filme Das Raízes às Pontas. Formada em De- contexto da luta por direitos civis, buscam a valorização
senho Industrial pela Universidade de Brasília (UnB), Flo- dos traços negros.
ra é sócia do Estúdio Cajuína, onde atua como designer
gráfica, diretora de arte, diretora de fotografia e vídeo e O objetivo dos militantes é promover o empo-
produtora cultural. deramento das pessoas negras através da luta antiracis-
ta e consequentemente, a melhoria da sua autoestima,
A diretora acredita que o audiovisual é uma fer- abalada por séculos de racismo, que é pautado pelo
ramenta para promover o empoderamento das mulhe- constante padrão de beleza branco e eurocêntrico. No
res negras, por isso busca abordar em seu filme a relação entanto, também há críticas quanto à cooptação desse
delas com seus cabelos crespos. Em entrevista à Empre- discurso por parte do capitalismo que visa apenas ven-
sa Brasil de Comunicações (EBC), Flora ressaltou que a der mais produtos, principalmente aqueles da indústria
sua formação foi atípica, pois desde pequena seus pais de cosméticos. Por isso mesmo, muitos militantes res-
conversam com ela sobre o racismo e a falta de repre- saltam que o empoderamento estético deve servir como
sentatividade de pessoas negras em certos espaços. Por “pontapé inicial” para que a população negra se envolva
isso mesmo, ela foi percebendo a falta de mulheres ne- em outras questões relacionadas à política do movimen-
gras em espaços como filmes e novelas e problematizan- to negro, além de valorizar sua cultura e ancestralidade.
do essa questão, além de exaltar a presença das poucas
mulheres que via em novelas, como Taís Araújo. A legislação abordada no curta tem como obje-
tivo suprir a lacuna de aprendizado de crianças e ado-
Flora já participou de diversos festivais e mos- lescentes em relação à cultura africana, uma matriz cul-
tras de cinema, dentre eles o Festival de Brasília do Cine- tural fundadora da nossa cultura e que é, muitas vezes,
ma Brasileiro, no qual participou da Mostra Brasília, a escamoteada e marginalizada. O objetivo é que a histó-
Mostra de Cineastas Negras Adélia Sampaio e a Mostra ria e cultura afro-brasileira seja abordada para além do
Olhares Femininos. Também já participou de muitos en- contexto da escravidão, privilegiando o estudo dos cos-
contros e debates, sempre com o intuito de falar sobre o tumes, da cultura, das tradições, dos movimentos e das
papel da mulher no audiovisual e, principalmente, da personalidades históricas negras.
mulher negra.
Por isso, o filme se debruça sobre essa questão
da estética no contexto escolar, mostrando professoras
Ficha Técnica de uma escola do Distrito Federal que utilizam do espaço
Ano: 2015 da sala de aula para falar com seus alunos sobre como
Gênero: Documentário eles se vêm, sobre a ancestralidade deles e sobre a esté-
Direção: Flora Egécia tica principalmente voltada para o cabelo.
Classificação indicativa: Livre
Há também uma crítica feita à falta de imple-
mentação da Lei 10.639, pois segundo as educadoras,
Contexto ela não é aplicada em todas as escolas. Uma das entre-
O documentário Das Raízes às Pontas tem como vistadas conta que quando começou a dar aula naquela
objetivo falar sobre a relação das pessoas negras com escola não havia ainda material didático disponível sobre
os seus cabelos, mas esse “assunto inicial” serve de con- a cultura afro.
texto para abordar a vivência da pessoa negra, seu pro-
cesso de identificação, autoconhecimento e valorização Dessa forma, o documentário se dá nesse con-
da própria imagem. Além disso, também é abordado a texto em que há uma luta do movimento negro em pro-
implementação da Lei 10.639, de 2003, que estabelece a mover a estética negra, valorizando-a de forma que mais
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-bra- sujeitos possam se identificar e compor a luta contra o
sileira nas escolas. racismo. Mediante as falas dos entrevistados, é possível
perceber como a relação das pessoas negras com seus
A questão da valorização da estética negra vol- cabelos foi, muitas vezes, conturbada, mas também se
tou a ser abordada por militantes do Movimento Negro percebe que a aceitação da sua estética transformou a
recentemente por meio do movimento estético que fi- vida dessas pessoas e promoveu, de fato, um empode-
cou conhecido como “Geração tombamento”. No entan- ramento pessoal.
to, desde os anos 60, movimentos como “Black Is Beau-

Tudo Sobre o PAS UnB 175


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Obra nasce negra, torna-se”. Isso porque essas práticas esté-


ticas envolvendo o alisamento de cabelo, plásticas para
O documentário possui um viés didático e infor- afinar o nariz e a boca dizem respeito não apenas a uma
mativo. O espectador é apresentado à questão da valo- manutenção do padrão de beleza, mas também a uma
rização da estética negra ao ouvir as falas dos entrevis- tentativa de embranquecimento da população. Por isso,
tados sobre suas histórias pessoais com seus cabelos, ao a valorização dos traços estéticos vai além da melhoria
mesmo tempo em que se solidariza com essas histórias da autoestima e do empoderamento, sendo também
e com as imagens apresentadas. uma forma de colaborar para que o povo negro se enxer-
gue de fato como negro e tenha orgulho disso.
Percebe-se que todos os entrevistados possuem
trajetórias semelhantes em relação ao cabelo, o que in- Portanto, o documentário mostra, a partir dos
tensifica a tese de que o cabelo é de fato uma questão relatos dos entrevistados e das cenas gravadas nas es-
impactante para as pessoas negras. Alguns entrevistados colas, qual é a importância de se promover essa valori-
mais velhos contam que costumavam alisar seu cabelo zação da estética, pois isso significa também combater
para se encaixar no padrão de beleza da sociedade, en- o racismo.
quanto a entrevistada Luísa, que tem apenas 12 anos,
mostra esse contraste de gerações dizendo que sempre A cena final, na qual a menina Luísa comenta
teve orgulho de seu cabelo e nunca o alisou. que suas primas menores dizem que querem ter o cabe-
lo como ela, é impactante, pois mostra que uma pessoa
Observa-se, então, o impacto positivo na au- serve de inspiração para as outras e provoca mudanças
toestima do indivíduo que aprende sobre suas origens em toda a sua comunidade quando decide aceitar seus
e ancestralidade e passa a valorizar seus traços. Por isso traços.
também, o documentário dá muita atenção às conversas
que as professoras têm com seus alunos dentro da sala
de aula sobre a estética negra, mostrando que a educa-
Estrutura
ção de fato muda a forma das pessoas pensarem sobre O filme possui a estrutura básica de um docu-
si mesmas e sobre a sua beleza. mentário, ou seja, mescla cenas de entrevistas variadas
intercaladas com cenas que ilustram aquilo que os entre-
Nesse contexto, também está inserida a Lei vistados dizem. Por ter esse viés didático e militante, as
10.639, caracterizada como uma conquista da comuni- imagens gravadas na escola trazem um impacto especial,
dade negra. O documentário tece críticas sobre a apli- dado que é por intermédio dela que o espectador pode
cação da legislação, visto que ela nem sempre é imple- entender melhor como a educação é uma arma no com-
mentada nas escolas como deveria. Pode-se pensar que bate ao racismo.
a reivindicação das professoras pelo cumprimento da lei
é crucial, pois é possível notar que sem essa cobrança a Uma outra característica importante são as fa-
proposta pedagógica da lei não é efetivada. As imagens las, que em sua maioria são de cunho pessoal, pois os
das escolas e as entrevistas com as professoras mostram entrevistados contam suas trajetórias com seus cabelos,
como a educação é essencial no combate ao racismo. principalmente relatando como se deu o processo de
aceitação deles. Esses relatos pessoais têm o objetivo de
Um ponto levantado por um entrevistado é a ilustrar uma problemática social ampla, que é comprova-
questão da representação midiática e como é importan- da pelo fato da grande maioria dos entrevistados terem
te, principalmente para as crianças, ver pessoas pareci- uma história parecida.
das com elas nos diversos tipos de mídia. Isso tem sido
ressaltado pelo Movimento Negro há muito tempo e, O grande contraste de fala está, então, na ques-
recentemente, tem ganhado maior atenção. Assim, no- tão geracional, pois entende-se que as crianças (como
ta-se que há uma melhoria, embora o cenário não seja Luísa) estão crescendo com outros referenciais de bele-
ainda ideal. za, e, portanto, já aceitam mais seus cabelos.

Além disso, uma questão muito importante le- Assim como na maioria dos documentários, há
vantada pela entrevistada Maria de Lourdes é que essa falas de especialistas sobre o assunto, todavia é consta-
valorização do cabelo afro é um importante fator de em- tado que o foco se encontra nos relatos pessoais de cada
poderamento, mas que ele não vem sozinho. Para ela, um, visto que este assunto se baseia mais nas experiên-
esse empoderamento deve ser acompanhado de um cias das pessoas negras e suas vivências com relação a
trabalho introspectivo de compreensão de si mesmo e estética.
de suas raízes.
A estrutura utilizada pela documentarista pro-
Melina Marques, historiadora e neta da autora porciona, portanto, que as informações sobre o assunto
Lélia González, também ressalta um ponto muito rele- sejam transmitidas juntamente com os relatos pessoais
vante sobre a identificação das pessoas enquanto ne- de alguns entrevistados, o que é importante para cons-
gras, citando uma frase de sua avó que dizia: “Não se

Tudo Sobre o PAS UnB 176


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

cientizar sobre um assunto tão relevante quanto o com- exemplificado pelos filmes Das raízes às pontas, de Flo-
bate ao racismo. ra Egécia, Carta para além dos muros, de André Canto, À


margem do corpo, de Débora Diniz, Poética da Diáspora,
de Elena Pajero Peres, pela animação A questão indígena
no Brasil em quatro minutos - Agência Pública: agência de
reportagem e jornalismo investigativo, pela reportagem
Citações da Obra na Matriz de Referências Vamos ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente
e pelo filme surrealista Um cão andaluz, de Luis Buñuel e
O ser humano como um ser que interage Salvador Dalí. (Página 17, quarto parágrafo)
As questões sobre possibilidades de mudança e Número, grandeza e forma
de transformações individuais e coletivas estão presentes
nas obras musicais O encontro de Lampião com Eike Batis- Transformações como essas podem ser observa-
ta, de El Efecto, Elevação mental, de Triz, e Não recomen- das nas telas Acordeonista, de Picasso, e Ritmo de Outono
dado, de Não Recomendados, nodocumentário Das raízes - número 30, de Jackson Pollock, no grafite Santa ceia mo-
às pontas, de Flora Egécia, e ainda, no trabalho terapêu- derna, de Acme, e nos audiovisuais Das raízes às pontas,
tico Série Roupa-corpo-roupa: “O eu e o tu” - Queer, de de Flora Egécia, e Um cão andaluz, de Luís Buñel e Salva-
Lygia Clark. (Página 4, segundo parágrafo) dor Dalí. No plano sonoro, essas transformações podem
ser verificadas em Quarteto de cordas com helicópteros,
Indivíduo, cultura, estado e participação política de Karlheinz Stockhausen, que trabalha com amplificação
dinâmica e permutação de alturas. (Página 32, primeiro
O ser humano, pensado como indivíduo (integran- parágrafo)
te de grupos sociais, econômicos e culturais) com uma
identidade em formação no tempo histórico e biográfico, Espaços
estabelece relações com gerações passadas e presentes, o
que favorece a análise crítica de situações diversas. Dife- As transformações do espaço podem, também,
rentes olhares sobre esses aspectos são expressos nas pin- unir tecnologia, ciência e estética ao conseguir, por exem-
turas Mestiço, de Portinari, e Morro da Favela, de Tarsila plo, a fixação da imagem numa superfície sensível, desen-
do Amaral e também na obra audiovisual Das raízes às volvendo-se, assim, a fotografia e, posteriormente, essas
pontas, de Flora Egécia, documentário que elenca o papel imagens tornam-se imagens em movimento chamadas,
da estética na construção da identidade coletiva e a ação inicialmente, de películas. Logo, o cinema reconfigura o
política da população afrobrasileira. Temática também espaço criando narrativas diferentes por meio de planos
desenvolvida na produção Entenda o que é Racismo Es- sequência, jogos de luz e angulações diversas. Sob essa
trutural - Canal do Preto, possibilitando o debate acerca perspectiva, nota-se que o espaço pode ser utilizado de
do legado da escravidão e seus efeitos no campo econô- diferentes maneiras cinematográficas, como é possível
mico e cultural nas relações raciais constituídas no país. reconhecer no filme Um cão andaluz, de Luis Buñuel e
A literatura, que reflete a nossa sociedade e nela atua, Salvador Dalí, na reportagem Vamos ao museu?, e nos
denuncia e questiona o racismo estrutural como um dos documentários Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e A
elementos construtores da sociedade brasileira. Por isso, margem do corpo, de Débora Diniz. (Página 37, segundo
a importância de se valorizar a produção literária de es- parágrafo)
critoras e escritores negros com a leitura do poema Que-
branto, de Cuti, e o conto Maria, de Conceição Evaristo. Análise de dados
(Página 9, segundo parágrafo)
A análise de dados deve estar intimamente rela-
Tipos e gêneros cionada a contextos. Nesse sentido, os conceitos de iden-
tidade e diversidade cultural e suas interpretações são
O audiovisual é uma linguagem artística que se relevantes na análise de dados, como pode ser observado
manifesta por meio de vários gêneros. Assim, faz-se ne- no conto Maria, de Conceição Evaristo, na carta A Dou-
cessário compreender as diferenças entre documentário tora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de Andrade, no
e ficção, a partir da análise de documentários Poética da audiovisual Das raízes às pontas, de Flora Egecia, bem
Diáspora, de Elena Pajaro Peres, À Margem do Corpo, de como nas obras musicais Mulamba, de Mulamba, Eleva-
Débora Diniz, Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e Car- ção Mental, de Triz, e Não Recomendado, de Não Reco-
ta para além dos muros, de André Canto, em contraponto mendados. (Página 42, quinto parágrafo)
ao filme experimental surrealista Um cão andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí. Vale salientar que os referidos do- Cenários contemporâneos
cumentários discutem e promovem reflexões sobre gêne-
ro, raça, sexualidade, preconceito e violência. (Página 15, Os séculos XX e XXI são marcados por diversos
primeiro parágrafo) movimentos sociais relacionados às lutas e resistências
de grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras
Estruturas audiovisuais Das raízes às pontas (2015), de Flora Egé-
cia, e Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor
Na linguagem cinematográfica, é importante per- de perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também
ceber as diferenças entre a estrutura do documentário, observa-se essa temática da resistência dos movimen-

Tudo Sobre o PAS UnB 177


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

tos sociais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de


Acme, nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto
Maria (2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musicais
Malditos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação Mental
(2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de Não Reco-
mendados. (Página 27, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 178


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


A Questão Indígena no Brasil em 4 Minutos -
Agência Pública

Autoria
A Agência Pública é uma agência de jornalis- Esse processo de colonização trouxe diversos
mo investigativo especializada em reportagens que têm conflitos que perduram até hoje. Durante anos o go-
como foco questões sociais. Fundada em 2011 por re- verno brasileiro se apropriou de terras indígenas para
pórteres mulheres, a Pública é a primeira agência de jor- explorar as riquezas naturais ali presentes. Em 1973 foi
nalismo investigativo sem fins lucrativos do país. criado o Estatuto do Índio, que afirmava que os indíge-
nas deveriam ser tutelados pelo Serviço de Proteção ao
O objetivo do veículo é publicar matérias de Índio, e posteriormente pela Fundação Nacional do Índio
interesse público feitas com uma apuração minuciosa. (FUNAI) até que se integrassem à população brasileira.
Assim, segundo o site da agência: “Todas as nossas re-
portagens são feitas com base na rigorosa apuração dos Entretanto, foi apenas com a Constituição de
fatos e têm como princípio a defesa intransigente dos 1988 que os indígenas passaram a ter o direito sobre
direitos humanos”. suas terras reconhecido pelo Estado. No artigo 231 ficou
estabelecido que as terras indígenas seriam demarcadas
Dentre os temas investigados encontram-se a pelo governo. Esses pedaços de terra seriam proprieda-
atuação do governo, incluindo todos os poderes (judi- de da União que deveriam ser utilizadas exclusivamente
ciário, executivo e legislativo), os impactos sociais e am- pelos indígenas de determinada etnia. Esta demarcação
bientais de empresas e as eventuais práticas de corrup- seria realizada pela FUNAI, o órgão governamental que
ção delas, assim como a violência contra as populações deveria prestar também assistência para os indígenas. A
mais vulneráveis, dentre outros. demarcação e oficialização de todas as terras deveria ter
sido realizada em 5 anos, mas até hoje é uma questão
Desde a sua fundação, a Pública já recebeu 48 pendente que traz inúmeros conflitos violentos entre in-
prêmios, dentre eles o Troféu Mulher Imprensa, o Prê- dígenas e latifundiários.
mio Vladimir Herzog, além do Gabriel Garcia Márquez,
o prêmio mais importante de jornalismo da América A situação atual dos povos indígenas no Brasil
Latina. O trabalho da agência tem sido reconhecido in- é ainda muito complicada, pois eles seguem não sen-
ternacionalmente por abordar temas importantes com do respeitados em diversas instâncias e suas terras são
qualidade e por defender os direitos humanos. constantemente invadidas por latifundiários que visam
explorar as riquezas naturais delas. Enquanto isso, o go-
Além disso, a Agência Pública possui um progra- verno brasileiro, que deveria prestar auxílio a essas po-
ma de fomento ao jornalismo independente mediante pulações devido a dívida histórica que possui com elas,
a realização de mentorias para jornalistas, concursos de se mostra mais disposto a apoiar a exploração das terras,
micro bolsas de reportagens e programas de apoio a pro- que resulta no desmatamento de grande parte da Ama-
jetos inovadores. zônia.

Ficha Técnica Por isso mesmo, percebe-se que cada vez mais
os povos indígenas se unem para seguir lutando pelos
Ano: 2016 seus direitos e até por representação dentro do Congres-
Gênero: Vídeo informativo para Youtube
so Nacional. A luta contra a PEC 215, por exemplo, e o
Produção: Agência Pública
acampamento Terra Livre mostram a força que os movi-
Classificação Indicativa: Livre
mentos sociais de grupos indígenas possuem e a pressão
que eles estão tentando fazer no governo.
Contexto
Quando os portugueses chegaram na América Obra
em 1500 no lugar onde hoje é o Brasil, eles se depararam
com diversos povos que viviam nessas terras e que fo- A Questão Indígena em 4 Minutos é um vídeo
ram, então, obrigados a se submeter aos colonizadores. que aborda de forma simples e didática um assunto mui-
to complexo que envolve a história do nosso país, além
Os portugueses tentaram transformar os indíge- de questões políticas, sociais e geográficas. Desde que
nas e a sua cultura, forçando-os a se adaptarem ao modo o Brasil foi “descoberto” pelos portugueses, em 1500,
de vida europeu, impondo a crença cristã e a língua por- deu-se início a um massacre contra os povos indígenas
tuguesa, escravizando e dizimando as diversas popula- que habitavam esta terra há anos. Hoje, como mostra o
ções que habitavam esse território antes deles. vídeo da Agência Pública, ainda ocorrem conflitos entre
indígenas e latifundiários em áreas da Amazônia Legal
que possuem diversas riquezas naturais as quais, por um

Tudo Sobre o PAS UnB 179


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

lado, são protegidas pelos indígenas e, por outro, são Draw My Life que utiliza essas imagens para ilustrar as
vistas por latifundiários e pelo governo como matéria informações. É utilizada, então, essa mistura de narração
prima que deve ser explorada. com desenhos para que os espectadores consigam ter
uma visão mais clara do assunto, e isso não seria possível
Assim, o vídeo aborda a questão do desmata- se houvesse apenas a narração.
mento na Amazônia com foco na luta dos povos indíge-
nas que há décadas buscam o reconhecimento de seus A ideia é passar de forma simples informações
territórios tradicionais. A ideia é transmitir em poucos que, como comentado anteriormente, abordam um as-
minutos, de forma didática por meio de desenhos e uma sunto complexo e polêmico em nosso país. Assim como
narração, informações essenciais para que o espectador a Agência Pública faz com suas reportagens investiga-
possa começar a entender o básico sobre este assunto. tivas, o vídeo também pretende trazer informações de
interesse público, mas de uma forma mais interativa e
Por isso, há primeiro uma contextualização so- educativa a fim de que o público compreenda mais sobre
bre os povos indígenas: quantos povos existem no Bra- a questão indígena em apenas alguns minutos.
sil, quantas línguas, qual é a porcentagem da população
que eles representam, dentre outras informações. De- Logo no início, o narrador diz que não é um
pois, são abordadas as questões da violência e do des- vídeo de ficção, deixando claro que será abordado um
matamento por intermédio de dados sobre a evolução tema fundamental e real que envolve o desmatamento
do desmatamento na Amazônia Legal ao longo dos anos. na Amazônia com ênfase nos povos indígenas. Ou seja, a
Explica-se também o que é uma terra indígena, qual é a introdução já explica qual será a temática e a abordagem
atuação da FUNAI, o que é demarcação e porque ocor- do vídeo.
rem conflitos nessas terras. Por último, há uma contex-
tualização sobre como está a questão da demarcação de Sendo assim, a estrutura do vídeo é dinâmica e
terras atualmente (no caso em 2016, visto que o vídeo propõe uma reflexão pertinente sobre a questão indíge-
foi publicado neste ano). na, trazendo dados e informações coletadas de diversos
sites e fontes que debatem a temática. Ao fim, percebe-
Nesse sentido, há um foco na questão da demar- -se que há um estímulo para que o espectador acesse
cação da terra, visto que, segundo o narrador do vídeo, também outros sites (como o da própria Agência) com a
ela é necessária para acabar com os conflitos na Ama- finalidade de entender mais sobre o assunto, posto que
zônia. É interessante notar que o vídeo ressalta sempre a ideia é que este pequeno vídeo postado no Youtube
esta conexão entre a preservação ambiental e a demar- seja apenas uma introdução para instigar aqueles que
cação das terras indígenas, pois explica que os povos in- tenham interesse no tema.


dígenas cuidam do meio ambiente, enquanto os latifun-
diários, o governo e as grandes empresas muitas vezes
causam desmatamento e poluem os solos e os rios.

Para comprovar esta conexão são utilizados Citações da Obra na Matriz de Referências
muitos dados e informações coletadas em fontes espe-
cializadas no assunto. Assim como as matérias escritas O ser humano como um ser que interage
da Agência Pública, este vídeo explora um tema de inte-
É também relevante a tarefa de pensar a alterida-
resse público mediante fatos e dados. Nota-se também
de e suas implicações relativas a interações humanas, a
o comprometimento da Agência com causas dos direitos fim de compreender melhor a genealogia da cultura bra-
humanos, no caso com a luta dos povos indígenas pela sileira. Nesse sentido, as produções audiovisuais A ques-
manutenção de sua cultura e pelo direito às suas terras, tão indígena do Brasil em quatro minutos, da Agência
visto que o vídeo claramente defende a demarcação. Pública, Entenda o que é o racismo estrutural, do Canal do
Preto, Poética da diáspora, Elena Pajero Peres, e Mocinho
Portanto, o vídeo da Agência Pública traz diver- ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de perder um fi-
sas informações relevantes em relação à questão dos lho, slam: Sabrina Azevedo, do Canal Manos e Minas,
povos indígenas no Brasil e a relação entre o desmata- apresentam questões urgentes e aspectos elucidativos da
mento da Amazônia e os conflitos relacionados a demar- realidade atual. (Página 6, quarto parágrafo)
cação de terras indígenas. Ele é um conteúdo de fácil
aprendizagem que aborda pontos significativos sobre Indivíduo, cultura, estado e participação política
estes problemas com uma linguagem simples e direta.
Por meio do jornalismo investigativo é possível
provocar uma sensibilização acerca da diversidade étnico-
Estrutura -cultural e participação política, a exemplo do vídeo A
O vídeo tem como principal objetivo transmitir questão indígena no Brasil em quatro minutos, Agência
Pública, produção que apresenta os grandes desafios vi-
informações sobre um assunto complexo de forma didá-
venciados pelos povos indígenas no país, incluindo ques-
tica. Por isso, são utilizados desenhos em um estilo de
tões ambientais e antropológicas acerca dos direitos ori-
vídeo que foi popularizado no Youtube com o desafio

Tudo Sobre o PAS UnB 180


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

ginários e direito à diferença. Essa questão também é Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe. (Página 33,
profundamente vinculada com a obra Necropolítica, de terceiro parágrafo)
Achille Mbembe, uma vez que o filósofo camaronês anali-
sa as políticas de segregação e controle dos corpos que Materiais
fundamentam a decisão da vida e morte dos indivíduos.
(Página 10, primeiro parágrafo) Nesta etapa, as transformações de oxirredução
são importantes para proporcionar uma melhor compre-
Estruturas ensão de fenômenos fundamentais do cotidiano, além da
otimização de suas implicações ambientais e tecnológicas
Na linguagem cinematográfica, é importante per- evidenciado no artigo Criadores de um mundo recarregá-
ceber as diferenças entre a estrutura do documentário, vel, de Ricardo Zorzetto. A transformação de materiais já
exemplificado pelos filmes Das raízes às pontas, de Flora era uma realidade presente nas sociedades indígenas,
Egécia, Carta para além dos muros, de André Canto, À tendo em vista que, geralmente, a relação desses povos
margem do corpo, de Débora Diniz, Poética da Diáspora, com o ambiente e a natureza é baseada em perspectivas
de Elena Pajero Peres, pela animação A questão indígena sustentáveis, temática presente na obra A questão indí-
no Brasil em quatro minutos - Agência Pública: agência gena no Brasil em quatro minutos - Agência Pública:
de reportagem e jornalismo investigativo, pela reporta- agência de reportagem e jornalismo investigativo. (Pági-
gem Vamos ao museu? - Museu de Imagens do Incons- na 39, quarto parágrafo)
ciente e pelo filme surrealista Um cão andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí. (Página 17, quarto parágrafo) Espaços

Cenários contemporâneos As obras O encontro de Lampião com Eike Batista,


da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na versão da
Este objeto de conhecimento refere-se, ainda, à Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e o slam
compreensão de possíveis mitos — confraternização étni- Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de per-
ca, heróis, identidade nacional e nacionalismos — e men- der um filho, de Sabrina Azevedo, podem subsidiar discus-
talidades na construção da memória coletiva. Destacase, sões relevantes a respeito da constituição do espaço e
também, o papel das culturas tradicionais no cenário con- seus conflitos: territoriais, ambientais, filosóficos, religio-
temporâneo em choque com o processo de desenvolvi- sos, políticos, étnicos, sociais e de gênero. Nessa perspec-
mento tecnológico e econômico, a diversidade étnica, a tiva, é possível pensar o espaço geográfico como político,
diversidade cultural e o processo de criação e divulgação estratégico e produto social historicamente construído e,
cultural no cenário contemporâneo (rádio, televisão, li- portanto, repleto de contradições, como pode ser obser-
vros, jornais, revistas, cinema, publicidade, internet, pla- vado no romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribei-
taformas virtuais, redes sociais). É importante reconhecer ro, na novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa,
as contribuições resultantes de conhecimentos produzidos nos contos Oásis, de Caio Fernando Abreu, Maria, de Con-
pelas populações, considerando perspectivas mais am- ceição Evaristo, e Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispec-
plas, como Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro (2004), que re- tor. (Página 35, segundo parágrafo)
presenta a importância do resgate das manifestações cul-
turais populares brasilienses, e conhecimentos produzidos Análise de dados
por culturas tradicionais, a exemplo de quilombolas, ribei-
rinhos e indígenas, como pode ser observado no vídeo A Analisar a Constituição Federal – Título II, capítu-
questão indígena no Brasil em quatro minutos - Agência lo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV, capí-
Pública: agência de reportagem e jornalismo investigati- tulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, auxilia no entendimen-
vo(2016), que reflete sobre a formação do território brasi- to das relações sociais no campo da cultura, política,
leiro e a soberania, etnias, ambientes e ecologia. (Página economia e relações de poder. Exemplos de diversidade
28, terceiro parágrafo) encontram-se nos audiovisuais Entenda o que é Racismo
Estrutural – Canal do Preto e Questão Indígena no Brasil
Número, grandeza e forma em quatro minutos – Agência Pública: agência de repor-
tagem e jornalismo investigativo. (Página 41, quarto pa-
Por fim, vale ressaltar a relevância, para o exercí- rágrafo)
cio da cidadania, da competência de analisar problemas
cotidianos e resolvê-los, gerando cultura e transformando
a realidade e a história, como no poema Tecendo a ma-
Questões, Justificativas e Dicas
nhã, de João Cabral de Melo Neto, e no videoclipe Ilumina Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
o mundo, de Detonautas. Para resolver situações-proble-
ma, muitas vezes são necessários conhecimentos de vá- Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
rias áreas, unindo ciência, valores éticos e criatividade
para descobrir novas perspectivas, até mesmo para ve-
lhos e polêmicos problemas, como podemos observar nas
obras A questão indígena no Brasil em quatro minutos,
Agência Pública: agência de reportagem e jornalismo in-
vestigativo, Sobre a violência (capítulo 2 e 3), de Hannah

Tudo Sobre o PAS UnB 181


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Mocinho ou Bandido, Nenhuma Mãe Merece
a Dor de Perder um Filho - Sabrina Azevedo

Autora
Sabrina Azevedo nasceu na cidade do Rio de Ja- musical, somente a entonação de voz e a movimentação
neiro. Além de poeta, é atriz, escritora, dramaturga, co- de corpo do slammer (participante de um slam).
mediante e produtora cultural. No teatro, atua com as
companhias AAR e Expediente do Riso. Foi bicampeã no No geral, uma apresentação pode durar até três
campeonato de poesia falada do Rio de Janeiro (Slam RJ) minutos e será julgada por uma comissão ou por mem-
por dois anos consecutivos. Em 2017 e 2018, foi a re- bros selecionados da plateia. Após isso, o slammer ven-
presentante do Rio de Janeiro no Slam BR, campeonato cedor é anunciado. A palavra “slam”, originária da língua
brasileiro de poesia falada realizado em São Paulo. inglesa, significa “batida” e, nesse contexto, uma batida
poética. O slam proporciona a democratização da poesia
Em 2019, foi vencedora do Torneio Nacional Sin- em espaços marginalizados pela sociedade, possuindo
gulares de Poesia pelo Slam Chicas da Silva (RJ). O evento grande valor cultural e social. A seguir, analisaremos es-
reuniu representantes de todos os slams femininos do trofe por estrofe da obra de Sabrina Azevedo.
Brasil. Sabrina Azevedo também é uma das fundadoras e
produtoras do coletivo Nós da Rua e do Slam CDD, além 27 de agosto de 2015
disso, é integrante do coletivo de intervenções artísticas E ele disse
como A Arte Resiste (AAR) e do projeto que oferece ofi- Viu mãe?
cinas de escrita Afroraízes. Utilizando-se da linguagem Disseram que eu não chegaria aos dezoito
cômica, Sabrina estreou no stand up comedy em 2019. Veja só, eu tô aqui,
Eu não tô morto.

Ficha Técnica Por meio do diálogo entre mãe e filho, a poeta


expõe a dura realidade da baixa expectativa de vida que
Ano: 2018 perpassa a periferia. O jovem, que completara dezoito
Gênero: Slam anos no dia 27 de agosto de 2015, comemora a própria
Direção: Manos e Minas, TV Cultura sobrevivência diante das circunstâncias sociais, afinal,
Classificação indicativa: Livre poucos meninos chegam à maioridade. Em sua fala,
podemos notar que a mãe do rapaz estava preocupada
Contexto com falas acerca da possível morte de seu filho. Diante
disso, o jovem tenta acalmá-la.
O movimento de batida poética, ou slam, sur-
giu nos Estados Unidos na década de 80 e tinha como Uma semana depois
objetivo fazer a poesia alcançar as ruas e acompanhar Um tiro de fuzil atravessou sua cabeça,
o ritmo da dinâmica urbana. Nos anos 90, o movimento Mas pra quem entra pra essa vida,
intensificou-se na França e o slam foi transformado em A morte é quase uma certeza.
algo mais poético, voltado para a esfera cultural e social.
No Brasil, o movimento ainda é pouco conhecido e só Há uma ironia que contrasta entre o primeiro
chegou ao país nos anos 2000. verso e o segundo. No primeiro o rapaz comemora seu
aniversário de dezoito anos, no segundo, sua morte é re-
Em sua origem, o slam foi desenvolvido em con- latada. A autora deixa claro que a causa da morte não
junto com a formação da cultura hip hop. De acordo com foi natural, trata-se de um assassinato. Nos dois últimos
o jornal Nexo, o campeonato Zona Autônoma da Pala- versos, nota-se que havia um motivo para o fim do garo-
vra (ZAP) foi a primeira competição de slam no Brasil, to: com o estilo de vida que ele tinha, a morte era certa.
introduzida pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, É possível que, nessa parte, a poeta faça referência ao
um Coletivo Paulistano de Teatro Hip-Hop. Hoje, existem tráfico de drogas.
cerca 30 slams como o ZAP no país, inclusive slams so-
mente de meninas. A jornalista Eliane Brum publicou várias repor-
tagens pela revista Época acerca desse assunto. Brum
testemunhou a história de várias “mães vivas de uma
Obra geração morta” e relatou uma porção de depoimentos
dolorosos de mães que perderam seus filhos. O seu livro
No vídeo de quase dois minutos, a poeta Sabrina
O olho da Rua possui um capítulo com a compilação des-
Azevedo recorre ao slam para criticar a desigualdade so-
sas reportagens, as quais escancaram a curta vida dos
cial e a violência policial presentes em várias comunida-
jovens que, diante da pobreza, envolvem-se com o nar-
des e periferias do Brasil. Os slams são competições ou
cotráfico e morrem precocemente.
campeonatos de poesia falada em que os poetas leem
ou recitam um poema de autoria própria. A performance Sua mãe indo ao local
não costuma contar com adereços ou acompanhamento Achando que ele só tinha sido preso,

Tudo Sobre o PAS UnB 182


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Sendo enganada, A autora transparece uma certa proximidade


Ela mal sabia o que a esperava ao rapaz assassinado. Ela sabia dos crimes cometidos,
Ela viu os miolos do seu filho espalhados naquele carro e esperava que ele largasse a vida no tráfico, mas isso
O seu castelo, não aconteceu. A dificuldade em livrar-se de tudo isso
Caiu em pedaços. demonstra a falta de oportunidades que aquele menino
tinha. Com uma perspectiva de vida reduzida, a durabi-
O sofrimento da mãe é colocado em cena. A lidade dela também diminui. Ao afirmar que isso não in-
primeira reação dela é acreditar em um fim melhor: a teressa mais, a poeta relembra o triste fim do jovem que,
prisão. O que nos faz refletir sobre o futuro restrito do mesmo tentando, fracassou.
rapaz: a morte ou a cadeia, uma possibilidade pior do
que a outra. Quais foram os caminhos possíveis que ele Pois bem,
obteve? A educação ou o crime? O que a sociedade e o vamos falar da dor daquela mãe,
Estado podem fazer para reverter a situação condiciona- de todo sofrimento e sentimento de culpa.
da de vários meninos destinados ao narcotráfico? Ficava se perguntando onde tinha errado
para o seu filho ter tido uma vida tão curta.
Ao notar partes do encéfalo do filho espalhados, No seu rosto não existia mais alegria
a mãe percebeu que ele estava morto. Nesse momento, No quarto ficou chorando da noite ao dia
a ilusão, disfarçada de esperança, desmanchou-se, como Para Deus rezava e pedia
um castelo desfazendo-se em pedaços. Também é pos- Perdoai meu filho, Pai
sível que a poeta tenha utilizado uma analogia entre o Em Tuas mãos eu entrego a minha cria.
castelo despedaçado e o coração partido da mãe, o que
indicaria o sofrimento e a dor da perda. A narrativa volta a dar ênfase na dor da mãe e
divide-se em sofrimento, culpa e fé. É sofrido perder um
E o policial que matou ria, filho, e a estrofe demonstra com clareza o luto daquela
Do outro lado da rua alguém gritava mulher que chorava o tempo todo, e que, da mesma for-
Ele merecia! ma como perdeu seu filho, perdeu também sua alegria.
Ninguém respeitava a dor A fase de culpa acompanha todo o processo, levando-a
que aquela mulher sentia a indagar se poderia ter feito algo para impedir o ocor-
Ali pra ela não tava o seu filho o bandido, criminoso, rido. E a fé é expressa em uma oração a Deus, chamado
Estava o seu filho morto de Pai. Na prece, a mãe clama por perdão pelo próprio
Tão novo. filho, e busca consolo em entregá-lo nas mãos do Todo-
-Poderoso.
Três perspectivas são abordadas nessa estrofe.
A primeira deixa claro o sadismo do policial, o provável No dia do enterro
homicida. A insensibilidade diante do sofrimento daque- muita dor, choro e desespero
la mulher pode representar a falta de amparo gover- E alguém gritava novamente
namental frente à violência policial em comunidades e Por que vocês estão chorando?!
periferias. Outra pessoa grita em alta voz que a morte Ele merecia!
foi merecida, posição extremista e sem piedade pela dor Ele estava errado!
alheia. Para a mãe, apesar das atitudes más do garoto, Respeitamos a sua opinião,
ele ainda era seu filho e morreu muito novo. mas não é porque ele entrou para essa vida
que deixamos de amá-lo.
Com isso, podemos voltar à discussão sobre
morte e cárcere. Na segunda perspectiva, o assassinato A pauta sobre justiça própria ganha espaço no-
foi considerado um ato justo por causa dos crimes come- vamente, e é representada pelas falas de alguém que
tidos pelo rapaz. Entretanto, condenar antes de julgar o concorda com o homicídio do rapaz. Para evidenciar a
indivíduo perante um tribunal não garante os direitos do insensibilidade, as falas ocorrem no dia do enterro, de-
cidadão. Mesmo que o narcotráfico seja um crime pre- monstrando desrespeito pela família e falta de afeição
visto em lei, o jovem, com nacionalidade brasileira, de- pela dor dos outros. Ao contrário do acusador, alguém
veria ser julgado, ter direito à defesa, e depois, caso seja responde com respeito e expõe o amor como algo in-
realmente culpado, condenado à prisão, visto que não dependente das atitudes da pessoa amada, pois nem o
há pena de morte no país. Podemos notar que a ilusão crime consegue romper laços verdadeiros.
da mãe é esperar que a justiça seja feita.
Um silêncio
Antes de sua morte E continuamos observando no caixão
Até eu achei que ele iria sair dessa, Aquele rosto desfigurado
Assim que ele deixou a entender Lembranças da infância vinham por todo lado
Em nossa última conversa, Ali tinha irmão, primos, tios e tias,
Mas... Todos da família imaginavam
Enfim, A dor que aquela mulher sentia
Eu acho que hoje Mas nada a consolaria
Isso já não interessa. Porque não importa se é certo ou errado,

Tudo Sobre o PAS UnB 183


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

mocinho ou bandido, nológicas, religiosas e artísticas, fundamentadas entre os


nenhuma mãe merece sentir a dor de perder um filho. séculos XIX e XX. Transformações abordadas em Sobre a
violência (partes 2 e 3), de Hannah Arendt, são uma refle-
Após a defesa do amor, um silêncio permeou o xão sobre a sociedade de massas e o seu impacto na orga-
enterro. A forma como o jovem morreu é reforçada pelo nização política, no contexto da ascensão dos regimes to-
verso “aquele rosto desfigurado”, lembrando do tiro na talitários. A autora realiza um convite para um
cabeça. O passado do menino foi rememorado pela in- pensamento autônomo sobre Poder, Violência e Estado.
fância e pela presença dos familiares, mas o sofrimento Temática também evidenciada na produção audiovisual
da mãe ainda é a parte mais marcante de toda a obra, Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
pois estava inconsolada com a sua perda. Por fim, a es- perder um filho - Slam: Sabrina Azevedo (Canal Manos e
trofe retoma o título do vídeo e evidencia a opinião da Minas), poesia sobre punitivismo e direitos humanos. (Pá-
poeta, a qual acredita que nenhuma mãe merece passar gina 9, quarto parágrafo)
pelo luto do próprio filho, seja ele um criminoso, seja ele
um mocinho. Sabrina, por meio do slam, pede por jus- Estruturas
tiça.
A elaboração de um texto escrito é sempre conse-
O seguinte trecho faz parte da entrevista de quência não só de aprendizados linguísticos, como tam-
Maria Lucia Karam, juíza de direito aposentada, à Pasto- bém da assimilação de comportamentos linguístico-so-
ral Carcerária: ciais. Buscar estratégias adequadas para uma produção
satisfatória de textos escritos representa o domínio do
“No Brasil, a maior parte da população prisional é negra, po- suporte das estruturas da língua, ou da gramática, como
bre e mora nas favelas. A política de guerra às drogas tem exemplificam os textos Universidade Para quê ?, de Darcy
uma questão racial? Com certeza. Ela fundamentalmente é Ribeiro, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe me-
dirigida contra os mais vulneráveis dentre os produtores, co- rece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo e as
merciantes e consumidores. A ideia que se faz do traficante é cartas A Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
o marginalizado, morador de favela, não branco, e são esses Andrade, Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por
traficantes do varejo que são presos e os que morrem tam- que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página
bém. O Mapa da Violência publicou recentemente dados dis- 18, terceiro parágrafo)
crepantes: a taxa de homicídios de pessoas negras aumentou
no país, enquanto que a de pessoas brancas diminuiu. Essa Cenários contemporâneos
política de guerra às drogas estimula o racismo, porque cria
essa imagem do traficante como um negro, morador de fave- Os séculos XX e XXI são marcados por diversos
la, aqueles que são “indignos de vida”, que podem ser mor- movimentos sociais relacionados às lutas e resistências de
tos e presos, e o sistema penal é voltado para atingir os mais grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras
vulneráveis. Não só no Brasil. Os EUA tem uma população audiovisuais Das raízes às ponta (2015), de Flora Egécia, e
carcerária enorme, com 2 milhões de presos, quase 700 por Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
100 mill habitantes, mas quando se consideram os homens perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também ob-
negros, esse índice pula para 4700 por 100 mil habitantes.” serva-se essa temática da resistência dos movimentos so-


ciais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de Acme,
nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto Maria
(2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musicais Maldi-
tos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação Mental
Citações da Obra na Matriz de Referências (2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de Não Reco-
mendados. (Página 27, segundo parágrafo)
O ser humano como um ser que interage
Número, grandeza e forma
É também relevante a tarefa de pensar a alterida-
de e suas implicações relativas a interações humanas, a As obras audiovisuais À margem do corpo, de Dé-
fim de compreender melhor a genealogia da cultura bra- bora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
sileira. Nesse sentido, as produções audiovisuais A ques- merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
tão indígena do Brasil em quatro minutos, da Agência Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o que
Pública, Entenda o que é o racismo estrutural, do Canal do é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problematizam
Preto, Poética da diáspora, Elena Pajero Peres, e Mocinho questões de raça, gênero e identidade, possibilitando a
ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de perder um busca de dados, número e grandezas para analisar, com-
filho, slam: Sabrina Azevedo, do Canal Manos e Minas, parar e compreender as estruturas sociais nos cenários
apresentam questões urgentes e aspectos elucidativos da contemporâneos. Essa mesma abordagem é percebida
realidade atual. (Página 6, quarto parágrafo) nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e Viagem
à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas Elevação
Indivíduo, cultura, estado e participação política Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona de Mim, de
Iza e Não recomendado, de Não recomendados. (Página
A transformação das identidades e dos estados 31, terceiro parágrafo)
nacionais está relacionada às mudanças científicas, tec-

Tudo Sobre o PAS UnB 184


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Espaços

As obras O encontro de Lampião com Eike Batista,


da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na versão da
Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e o slam
Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
perder um filho, de Sabrina Azevedo, podem subsidiar dis-
cussões relevantes a respeito da constituição do espaço e
seus conflitos: territoriais, ambientais, filosóficos, religio-
sos, políticos, étnicos, sociais e de gênero. Nessa perspec-
tiva, é possível pensar o espaço geográfico como político,
estratégico e produto social historicamente construído e,
portanto, repleto de contradições, como pode ser obser-
vado no romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribei-
ro, na novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa,
nos contos Oásis, de Caio Fernando Abreu, Maria, de Con-
ceição Evaristo, e Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispec-
tor. (Página 35, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 185


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Carta para Além dos Muros - André Canto

Diretor
André Canto atuou na área de produtor execu- Contexto
tivo em empresas como Buriti Filmes e Canal Azul Pro-
duções, além disso trabalhou ao lado de cineastas de O Brasil, nos anos 80, passou por um período de
referência, como Di Moretti, Kátia Lund, Laís Bodanzky, mudanças significativas no quadro político, econômico
Lina Chamie, Luiz Bolognesi e Ugo Giorgetti, em obras e cultural. Após o regime militar, a década foi marcada
para o cinema e TV. pelos frutos colhidos decorrentes do processo de rede-
mocratização. A população passou a tomar decisões e
Entre 2004 e 2010, integrou o grupo de Teatro a participar do âmbito político do Estado. A liberdade
Amador Produções Artísticas (TAPA) de Eduardo Tolen- de expressão era comemorada pelos jovens com muito
tino. Fundou, em 2010, a Canto Produções, empresa ânimo e entusiasmo. Apesar disso, a economia brasileira
comprometida com a produção e consultoria, tanto no revelava uma enorme desigualdade social.
cinema, como no teatro. Responsável por várias peças
apresentadas no Brasil e no exterior, sua empresa foi De forma indireta, Tancredo Neves foi eleito à
contemplada, em 2016, pelo Fundo Setorial do Audiovi- presidência. Contudo, faleceu antes de assumir e o vice,
sual para o desenvolvimento do roteiro de 5 longas-me- José Sarney, tornou-se presidente, até 1989. O HIV foi
tragens, por intermédio de um núcleo criativo. descoberto em 83, mas somente em 96 o acesso público
aos medicamentos de terapia tripla foi possível. O pre-
André Canto é diretor do documentário Carta conceito relacionado à aids/HIV proporcionou grande
para Além dos Muros, primeiro longa-metragem brasi- sofrimento, principalmente aos homossexuais, pois já
leiro sobre a aids. O nome da obra é uma homenagem sofriam grande discriminação por causa da orientação
ao escritor Caio Fernando Abreu, que faleceu em decor- sexual. Com a doença, eram enxergados como transmis-
rência de complicações causadas pela síndrome da aids. sores da “peste gay”.
Quando jovem, o diretor encontrou voz na obra de Caio,
principalmente nas cartas com o mesmo nome do longa,
que o ajudou a enfrentar pela primeira vez esse tabu. Obra
Em Carta para Além dos Muros, longa-metra-
A concepção do documentário emergiu da von- gem investigativo de pouco mais de uma hora e meia,
tade de investigar o motivo do estigma e do preconceito o espectador é conduzido a refletir sobre o estigma e o
acerca da aids nos dias atuais. André Canto acredita que preconceito que cerca o HIV desde a descoberta da aids
o medo não é uma ferramenta de prevenção do HIV, e até os dias atuais. O documentário mescla três estilos
afirma que a educação sexual é o melhor caminho para como o participativo, o expositivo e o poético. Além dis-
isso. Entretanto, nas escolas há uma interdição do de- so, aborda assuntos como a homossexualidade, o jorna-
bate acerca do assunto, e o diretor acredita que essa in- lismo sensacionalista, a exclusão de mulheres a respeito
terdição é causada pelo conservadorismo e moralismo do assunto, a importância da conscientização, dentre
dominante há muito tempo no país. vários outros.
De 2007 até junho de 2018, foram notificados O estilo participativo é trabalhado por meio de
300.496 casos de infecção pelo HIV no Brasil, de acordo preciosos depoimentos com pessoas relacionadas ao
com o Boletim Epidemiológico 2019 HIV/Aids. Contudo, tema, tais como médicos, políticos, ativistas, pessoas
entre 2014 e 2018, o número de mortes por aids dimi- que vivem com o HIV, psicólogos e representantes de ór-
nuiu em 22,8%. Os dados apontam para uma situação gãos como o GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção da Aids)
positiva, além de tudo o país é referência internacional e a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS).
no tratamento da doença. No entanto, o Ministério da
Saúde acredita que 135 mil brasileiros vivem com HIV e O estilo poético é representado pela escolha
não sabem. Por isso, o documentário de André Canto é em abordar trechos da obra literária de Caio Fernan-
tão importante para a conscientização no Brasil. do Abreu, Cartas, além de algumas músicas de Cazuza,
como Cobaias de Deus e Blues da Piedade. Ao mesmo
Ficha Técnica tempo, o professor Caio (nome fictício) é filmado sem
mostrar sua face, enquanto narra sua vivência como HIV
Ano: 2019 positivo e os preconceitos que sofre da própria família,
Gênero: Documentário investigativo por ser gay e por causa do vírus.
Direção: André Canto, Descoloniza Filmes
Classificação indicativa: 12 anos Em Ipanema, no Rio de Janeiro, o verão de 82
foi considerado o “verão do romantismo”, devido à liber-
dade sexual adquirida pelos jovens após a opressão da

Tudo Sobre o PAS UnB 186


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Ditadura Militar. Nessa mesma época, houve também gista Ricardo Tapajós ao expor no documentário o pre-
um crescente orgulho gay e muitos jovens assumiram-se conceito vigente da época. Além do estigma, a médica
como homossexuais, bissexuais, ou trans. A aids já fora infectologista Rosana Del Bianco relata que a epidemia
descoberta em 81, mas era tida como “a doença do ou- da doença foi acompanhada pelo misticismo com rela-
tro” principalmente por ter mais ocorrências nos Estados ção ao uso de chás, de escafandro para proteger-se, ou
Unidos e entre homens que se relacionam com homens. até mesmo de antenas nos hospitais com efeito curativo.

Em 83, o jornalista Hélio Costa, por meio de uma Também houve uma proibição do Vaticano
reportagem do Fantástico, trouxe para a TV brasileira o quanto ao uso de preservativos pelos fiéis, uma das prin-
assunto que tanto preocupava os médicos americanos: a cipais medidas para conter a transmissão do vírus. Drau-
aids, considerada a epidemia mais violenta do século XX. zio Varella considera tal atitude um crime, mesmo que
No início, a aids foi chamada de “praga de homossexual”, a abstinência sexual até o casamento e a fidelidade ma-
“peste gay” e até de “câncer cor de rosa”, pois era mais trimonial acabem com a transmissão da doença, o mé-
comum entre a comunidade LGBT, por possuir maior ris- dico afirma que o comportamento humano foge desses
co de exposição ao HIV. padrões de castidade estabelecidos pela Igreja Católica.
Atualmente a Igreja Católica atua na luta contra o avanço
Até hoje, os gays são os mais expostos ao vírus, da aids.
não por ser uma doença restrita ao grupo, como espe-
culava-se na década de 80. Isso ocorre em decorrência Nos depoimentos do documentário, nota-se a
do sexo anal receptivo possuir maior nível de incidência importância de pessoas famosas e adoradas pelo público
do vírus, devido ao atrito e à fricção do ato causar mais comentarem sobre a aids, como aconteceu com Cazu-
lesões do que o sexo oral e vaginal. E, assim, por meio do za. A realidade da doença era tão dura, que soava para
sangue e do sêmen, o HIV é transmitido. o cantor como uma conspiração da direita juntamente
com a Igreja, ou até mesmo de Reagan, ex-presidente es-
Então, outras pessoas que não eram homosse- tadunidense muito conservador. A mãe de Cazuza relata
xuais começaram a apresentar os sintomas da aids, como o sofrimento decorrido do jornalismo sensacionalista da
os viciados em droga injetável e até mesmo hemofílicos, revista Veja. Além da capa que acentuava a lipodistrofia
contaminados por transfusão sanguínea. A ideia de “gru- do cantor, a matéria diminuía até a durabilidade de sua
pos de risco” foi concebida, e recebeu o nome de quatro fama e decretava sua morte.
Hs, terminologia adotada até por faculdades de medici-
na. Os integrantes dos grupos eram os homossexuais, os Ao se deparar com a reportagem, a pressão de
heroinômanos, os hemofílicos e os haitianos, escanca- Cazuza caiu, o cantor chegou a ter uma parada cardior-
rando também o preconceito com afro-americanos. respiratória e precisou ser hospitalizado. A falta de ética
jornalística prejudicou a saúde de um dos maiores can-
O médico Drauzio Varella, com destacável par- tores do MPB. Na época o Código de Ética dos Jornalistas
ticipação no tratamento e prevenção da aids, faz parte Brasileiros não existia, e só foi criado em 2007, 18 anos
do elenco do documentário e comenta que os usuários após o ocorrido. Em suas canções, o sofrimento do can-
de droga injetável sofreram preconceito até entre quem tor encontrava refúgio.
se drogava. O vírus era transmitido por causa do uso
coletivo de seringas, e a cocaína injetável era a “droga “Quero cantar só para as pessoas fracas
da moda”, por conta dos rápidos efeitos causados nos Que tão no mundo e perderam a viagem
usuários. Mas logo foi substituída pelo crack, droga con- Quero cantar o blues
siderada ainda mais viciante e administrada nas vias res- Com o pastor e o bumbo na praça
piratórias, o que ajudou a diminuir o número de casos de Vamos pedir piedade
HIV entre usuários de droga. Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
A hemofilia é uma doença genético-hereditária Vamos cantar o blues da piedade”
rara, manifesta-se quase exclusivamente em homens, e
causa desordem no mecanismo de coagulação sanguí- (Cazuza)
nea. Os hemofílicos recebiam transfusões de fator de
coagulação com sangue de dezenas de doadores, como O sensacionalismo na imprensa brasileira e
ainda não havia teste de HIV, 90% foram contaminados americana só agravou o preconceito e o estigma. A do-
pelo vírus. ença era vista pela sociedade como um castigo divino
para a promiscuidade dos “cafajestes e invertidos”, frase
Por meio da transmissão vertical, ou seja, da utilizada pelo entrevistado de uma reportagem dos anos
mãe grávida para o feto, também houve ocorrências de 80. A jornalista Sônia Bridi aparece coberta dos pés à ca-
bebês nascendo soropositivo e logo tornando-se órfãos, beça em uma reportagem, e explica que, devido ao vírus,
realidade enfrentada pela artista visual Micaela Cyrino. é necessário cobrir-se por inteiro. Podemos relembrar
Nesses casos, os pacientes foram considerados vítimas da princesa Diana que, ao cumprimentar com aperto de
do HIV. mão pessoas que viviam com HIV, também lutou contra
o tabu.
O mesmo não acontecia com os homossexuais,
pacientes “bem feito”, como frisa o médico infectolo-

Tudo Sobre o PAS UnB 187


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

O escritor Caio Fernando de Abreu apontou, A medicina evoluiu de tal forma que uma pessoa
com sabedoria, a existência de uma epidemia médica, que vive com HIV pode ser tratada até tornar-se inde-
aliada à uma epidemia moral, devido ao pânico que a tectável, o mesmo que intransmissível. Também existe
aids causou nas pessoas. Em uma entrevista, o escritor o PEP e o PrEP, o primeiro é um medicamento utilizado
afirma: “Eu acho que seria muito interessante que essa após uma possível exposição ao vírus. Em até 72h ele
coisa [aids] não fosse nem criminalizada, nem estigma- pode ser ingerido, e o tratamento deve durar 28 dias.
tizada”. Pode apresentar efeitos colaterais, mas é eficaz contra
a contaminação pelo HIV. Já o PrEP é como um anticon-
À época, algumas pessoas não conseguiam acre- cepcional do HIV. O remédio é tomado antes de uma
ditar no que estava acontecendo, nem mesmo que uma possível exposição ao vírus e permite que o indivíduo
doença “escolheria alguém pelo time”, expressão utiliza- não seja contaminado, mesmo se houver exposição.
da pela dermatologista Valéria Petri. A médica presen-
ciou o primeiro caso do câncer Sarcoma de Kaposi na Apesar da evolução médica, a epidemia moral
América Latina, uma doença oportunista da aids. continua impossibilitando que esse tabu seja quebrado.
Muitos que são notificados com HIV desesperam-se e
A dermatologista foi importante na luta contra são tomados pelo medo da situação, pois não há edu-
o estigma do HIV, assim como Paulo Roberto Teixeira, cação sexual devida quanto ao assunto não ser mais tão
colega de profissão. Além de não permitir termos rudes grave, como na década de 80.
para definir os pacientes homossexuais, ele oferecia tra-
tamento médico ao pensionato de meninas transexuais, Hoje a Organização Mundial da Saúde considera
da travesti Brenda Lee, em troca do acolhimento de mais a doença como crônica manuseável. Apesar disso, o tra-
meninas em situação de vulnerabilidade. Outro órgão de tamento deve ser feito para o resto da vida, o que pode
apoio é o GAPA, que surgiu em 1985, e foi o primeiro ser um incômodo para a maioria das pessoas. Caso a
grupo de prevenção à aids. A primeira Organização não terapia seja abandonada, o vírus pode sofrer mutações
Governamental (ONG) surgiu dois anos depois, a Asso- e transformar-se em uma nova cepa, tornando-se mais
ciação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA). resistente aos remédios. No Brasil, o número de pessoas
que vivem com HIV ainda é alto. O país é referência no
A respeito do HIV, houve uma exclusão do gê- tratamento da doença, mas falha na prevenção.
nero feminino no assunto. Apesar do grande número de
mulheres receberem o diagnóstico de aids ou de vive- O diretor do longa acredita que a falta de educa-
rem com o vírus, o diálogo sobre esse tema foi poster- ção sexual, a interdição do debate nas escolas e o tabu
gado, até mesmo na medicina. Somente 12 anos após a quanto ao assunto seja a causa principal para o aumento
descoberta da doença que os livros de medicina incluí- do número de brasileiros notificados com HIV. A cons-
ram, nas complicações ginecológicas decorrentes de pa- cientização de jovens e adolescentes é uma ferramenta
tologia, algo sobre a aids. de urgência no avanço da prevenção, cabe ao Ministério
da Saúde e o da Educação promoverem campanhas so-
Em 1985, surge o teste de HIV e o remédio AZT, bre o vírus.
conhecido como coquetel, utilizado no tratamento da
doença. No documentário, a ativista Nair Brito conta que No documentário, enquanto os convidados
tomava 32 medicamentos por dia. Para os médicos, o conversam, fornecem informações e desconstroem pre-
AZT só piorava o estado do paciente, devido aos terrí- conceitos e estigmas, há uma porta vermelha aberta ao
veis efeitos colaterais, além de ser pouco eficaz. Quando fundo com pessoas passando. Vermelha por ser a cor da
surgiu os inibidores de protease, o tratamento foi revolu- fita de prevenção à aids/HIV e é possível que as pessoas
cionado e ficou conhecido como terapia tripla. A ativista passando ao fundo representem a necessidade de que o
conseguiu, ao entrar na justiça, a garantia dos remédios conhecimento exposto na sala alcance toda a sociedade.


para o seu tratamento, pois eram muito caros.

Em decorrência disso, surge um projeto de lei


apresentado por José Sarney e abraçado por José Ser-
ra, ministro da Saúde na época, que visava a distribuição Citações da Obra na Matriz de Referências
gratuita de medicamentos às pessoas que vivem com o
HIV ou foram diagnosticadas com a aids. O ex-ministro O ser humano como um ser que interage
da Saúde José Gomes Temporão relatou no documentá-
rio a necessidade do Brasil em quebrar a patente de um Desse modo, torna-se possível não apenas com-
laboratório para conseguir comprar e distribuir os remé- preender o mundo e os outros, como também compreen-
dios, pois o preço cobrado era injusto. der as próprias experiências, com reflexões sobre a violên-
cia e sobre o autoritarismo e seus impactos na vida dos
O documentário também aborda a questão do seres humanos, conforme ilustram as Cartas que Gandhi
HIV na sociedade atual, e apresenta o vírus com a sim- escreveu para Hitler e Por que a guerra? Indagações en-
plicidade que esse assunto precisa ser tratado: como um tre Einstein e Freud, a peça Perdoa-me por me traíres, de
problema que não existe mais, pelo menos não como Nelson Rodrigues, o documentário Cartas para além dos
antes. muros, de André Canto, e o artigo Prevenção de HIV-Aids

Tudo Sobre o PAS UnB 188


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

na concepção de jovens soropositivos. (Página 5, quinto equilíbrios e desequilíbrios, criando e recriando cenas. Es-
parágrafo) ses mesmos elementos podem ser observados em Carta
para além dos muros, de André Canto, apresentando uma
Indivíduo, cultura, estado e participação política perspectiva documental. (Página 40, segundo parágrafo)
Nesta etapa, exige-se uma conscientização sobre
a organização e a participação política do ser humano. Questões, Justificativas e Dicas
Nesse sentido, os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
de Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe,
são obras fundamentais para pensar tanto o presente Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
como o futuro da humanidade a partir dessa conscienti-
zação. Questões sobre a participação política, estruturas Anotações e Rascunhos
de violência e responsabilidade social podem ser eviden-
ciadas pelos documentários À Margem do Corpo, de Dé-
bora Diniz, e Carta para além dos muros, de André Canto.
Produções que reafirmam o papel do campo acadêmico e
científico no debate público nacional podem ser vistas nas
cartas À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
Andrade, nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler, e
em Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud,
que reiteram o papel dos intelectuais em promover refle-
xões sobre questões sociais, como o autoritarismo e a vio-
lência. (Página 8, primeiro parágrafo)

Tipos e gêneros

O audiovisual é uma linguagem artística que se


manifesta por meio de vários gêneros. Assim, faz-se ne-
cessário compreender as diferenças entre documentário
e ficção, a partir da análise de documentários Poética da
Diáspora, de Elena Pajaro Peres, À Margem do Corpo, de
Débora Diniz, Das raízes às pontas, de Flora Egécia, e Car-
ta para além dos muros, de André Canto, em contraponto
ao filme experimental surrealista Um cão andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí. Vale salientar que os referidos do-
cumentários discutem e promovem reflexões sobre gêne-
ro, raça, sexualidade, preconceito e violência. (Página 15,
primeiro parágrafo)

Estruturas

Na linguagem cinematográfica, é importante per-


ceber as diferenças entre a estrutura do documentário,
exemplificado pelos filmes Das raízes às pontas, de Flora
Egécia, Carta para além dos muros, de André Canto, À
margem do corpo, de Débora Diniz, Poética da Diáspora,
de Elena Pajero Peres, pela animação A questão indígena
no Brasil em quatro minutos - Agência Pública: agência de
reportagem e jornalismo investigativo, pela reportagem
Vamos ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente
e pelo filme surrealista Um cão andaluz, de Luis Buñuel e
Salvador Dalí. (Página 17, quarto parágrafo)

Materiais

Ainda sob a perspectiva musical, a manifestação


cultural brasiliense Seu Estrelo e Fuá de Terreiro procura
o equilíbrio utilizando a voz, instrumentos de percussão e
recursos cênicos enquanto Mulamba, de Mulamba, Dona
de mim, de Iza, O real resiste, de Arnaldo Antunes, Não
recomendado, de Não Recomendados, e Ilumina o mun-
do, de Detonautas, mesclam várias tendências e materiais
sonoros e visuais, explorando poética e, musicalmente,

Tudo Sobre o PAS UnB 189


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Entenda o que é Racismo Estrutural - Canal
Preto

Autoria
O “Canal Preto” é um canal do Youtube criado sicas e sexuais diariamente. Tudo isso foi justificado, pri-
no fim de 2018 e tem como objetivo disseminar infor- meiro pela igreja católica, que convertia os escravizados
mações para combater o racismo na sociedade brasileira sem se impor contra a escravidão, e depois pela ciência,
e discutir questões relacionadas a ele. Criado por meio pois médicos e pensadores brancos criaram teorias eu-
de uma parceria do Ministério Público do Trabalho com genistas que defendiam a superioridade da “raça” bran-
a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONU ca, aplicando a teoria evolucionista de cunho biológico a
Mulheres, o canal tem como foco a cultura da população sociedade para justificar o racismo.
negra, afro-religiosa e quilombola, visando denunciar o
racismo e o preconceito religioso. Diante de tal contexto, o povo negro sequestra-
do de sua terra e escravizado no Brasil, além de sofrer
Desde 2018, o canal já publicou vídeos sobre todas essas violências, foi submetido ao modo de vida
diversas questões relacionadas à temática racial, dentre europeu que tentou apagar qualquer traço de cultura
elas as cotas raciais, as diferenças sociais entre pessoas africana. Diversos escravos passaram a se revoltar con-
brancas e negras, as religiões de matriz africana, a repre- tra seus senhores e tentavam fugir. Aqueles que conse-
sentatividade negra na TV, o racismo estrutural e outros guiam muitas vezes se reuniam em locais chamados de
assuntos. Quilombos, pontos de resistência contra a escravidão.

Parte do material disponível foi construído a Quando os escravizados finalmente consegui-


partir de um Simpósio promovido pelo MPT e a Escola ram sua liberdade, em 1888, por intermédio da Lei Áu-
Superior do Ministério Público da União (ESMPU) sobre rea, o Estado brasileiro os libertou devido às pressões
racismo, preconceito e intolerância. Além disso, o Canal externas de outros países (como a Inglaterra), bem como
Preto está presente em muitos eventos relacionados à ao longo processo de reivindicação do movimento abo-
luta antirracista, cobrindo, por exemplo, as falas da ati- licionista que contava com personalidades históricas
vista Angela Davis quando ela esteve no Brasil em 2018. negras importantes tais como André Rebouças, José do
Patrocínio e Luís Gama. O estado, entretanto, não pres-
Os vídeos veiculados são informativos e pos- tou nenhum apoio aos ex-escravizados, pelo contrário,
suem muitas vezes entrevistas com personalidades im- impôs leis que dificultavam acesso a terras e incentivou
portantes do Movimento Negro brasileiro e, em alguns a migração européia para as lavouras de café, substituin-
casos, com ativistas negros de outros países. O objetivo do a mão de obra da população negra. Isso significa que
é, então, promover reflexões com o intuito de combater grande parte dos ex-escravizados viriam a se tornar, en-
o racismo e valorizar a cultura negra do Brasil, como é tão, pessoas marginalizadas na sociedade. Embora esti-
explicitado no slogan: “Racismo: ou você combate, ou vessem em teoria “livres”, não conseguiam emprego e
faz parte”. sofriam com a discriminação racial presente na socieda-
de.
Ficha Técnica A partir da década de 30, principalmente após
Ano: 2019 as publicações do sociólogo Gilberto Freyre, criou-se,
Gênero: vídeo informativo para Youtube no nosso país, um mito da “democracia racial” baseado
Produção: Canal Preto na ideia errônea de que o povo brasileiro é “misturado”
Classificação Indicativa: Livre e, portanto, não existiria racismo.No entanto, dados do
IBGE de 2014 mostram que entre os 10% da população
Contexto mais pobre do país, 76% são negros enquanto entre o
1% mais rico apenas 17,4% são negros. Além disso, um
O racismo estrutural presente no Brasil é fruto homem negro tem oito vezes mais chance de ser vítima
do processo histórico da colonização europeia que es- de um homicídio do que um homem branco, segundo
cravizou milhares de africanos e africanas para utilizá-los estudos realizados a partir de dados do IPEA.
como mão de obra no “Novo Continente”. Dessa forma,
é impossível entender a situação das pessoas negras no Isso significa que, no Brasil, a pobreza e a vio-
Brasil atualmente sem levar em conta esse processo co- lência têm cor: os negros seguem sendo mais margina-
lonizador e a ação criminosa dos povos europeus no con- lizados, mesmo já não sendo mais, em tese, segregados
tinente africano. pelo Estado. Se entendemos o contexto histórico da for-
mação do nosso país, é fácil de entender o porquê de a
Os negros e as negras foram trazidos para o nos- população negra ainda arcar com as consequências da
so país para serem utilizados como mão de obra escra- escravização tal como o racismo promovido pelo próprio
vizada. Por anos, trabalharam de graça para os senhores governo e pelos colonizadores.
brancos sendo explorados e sofrendo com agressões fí-

Tudo Sobre o PAS UnB 190


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Hoje, entende-se que esse racismo estrutural é a ser livres, mas ainda eram vistos como preguiçosos e
fruto da história de colonização dos povos africanos que “vadios”, como pessoas que não gostavam de trabalhar.
foram raptados de sua terra e trazidos para cá e que, sen- Esse tipo de estigma está presente ainda hoje, pois as
do assim, a sociedade brasileira foi construída e estrutu- pessoas negras seguem sendo preteridas no mercado
rada mediante a essas ideias racistas. Por essa razão, a de trabalho e muitas vezes discriminadas em ambientes
discriminação racial se torna tão normalizada ao ponto profissionais. Além disso, são essas pessoas que mais
em que muitos dizem “não enxergar cor” ou acreditarem ocupam postos de trabalhos informais. Percebe-se, por-
na “democracia racial”. Mas, ao para analisar, percebe-se tanto, que as pessoas negras se libertaram da escravi-
que há ainda uma grande diferença entre a forma em dão, mas passaram a ocupar os cargos menos valoriza-
que brancos e negros são tratados na nossa sociedade, dos no mercado de trabalho brasileiro.
seja pelo Estado ou pelas pessoas que a compõem.
Ademais, as duas entrevistadas ressaltam que
Para combater essa desigualdade racial é neces- foram criadas leis na época da abolição da escravidão
sário, portanto, que haja um profundo estudo da história que perpetuaram a marginalização da população negra.
do nosso país que considere não apenas a versão dos Dentre elas, destaca-se a lei da “vadiagem” que dizia que
europeus que o colonizaram, mas também as histórias os negros que fossem encontrados na rua sem trabalho
dos povos negros e indígenas que sofreram com a escra- poderiam ser presos. Dessa forma, as pessoas negras
vização e o apagamento de suas culturas, bem como a deixaram de ser escravizadas, mas continuaram a ser o
defesa e consolidação de políticas de reparação efetivas, principal alvo do Estado, afinal não receberam nenhum
as chamadas ações afirmativas. auxílio e ainda eram identificadas como criminosas.

Obra Tudo isso apresenta a discrepância atual, em


que as prisões e as favelas estão ocupadas majoritaria-
O vídeo “Entenda o que é Racismo Estrutural” mente por pessoas negras. Há explicações históricas e
busca transmitir informações sobre como o racismo está sociais que mostram como os negros no Brasil passaram
presente na sociedade brasileira desde a colonização de por um processo de marginalização e como os resquícios
forma estruturante. Para isso, ele faz um apanhado his- de tudo isso ainda perdura hoje. Esta realidade ainda é
tórico sobre a escravização das pessoas negras no país noticiada continuamente conforme retrata o vídeo.
mostrando como o Estado Brasileiro mesmo quando
aboliu a escravidão continuou a impor políticas racistas
que colaboram para que as pessoas negras continuem à Estrutura
margem da sociedade.
O vídeo possui uma estrutura de um minidocu-
O vídeo é constituído de entrevistas com duas mentário, visto que apresenta um conteúdo informati-
mulheres negras que são doutoras em suas áreas: Maria vo por meio de entrevistas com duas especialistas. Em
Sylvia de Oliveira, advogada que atua na área de Direi- virtude disso, o vídeo é didático e explica muito bem as
tos Humanos, Questões de Gênero, Raça e Etnia e presi- questões sociais e históricas do racismo estrutural no
dente do Instituto Geledés - Instituto da Mulher Negra e Brasil.
Helena Theodoro, a primeira doutora negra do país que
é voluntária do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Para ilustrar as falas das entrevistadas são uti-
(IFCS) da UFRJ. lizadas imagens de notícias (advindas de jornais ou da
internet) sobre racismo, além de pequenos trechos de
Por meio das falas das duas entrevistadas e de filmes que abordam a temática racial. Tudo isso contribui
pequenas cenas de filmes apresentadas entre elas, o es- para tornar as falas da Dra. Maria Sylvia de Oliveira e da
pectador é conduzido a pensar a respeito de como as Dra. Helena Teodoro ainda mais impactantes e verídicas,
pessoas negras sempre foram oprimidas na sociedade pois ao mesmo tempo em que elas falam sobre o racis-
brasileira e como os acontecimentos de séculos atrás re- mo no Brasil vão mostrando exemplos dele.
verberam até hoje. Assim, o principal objetivo do vídeo é
que os espectadores entendam o significado do racismo Outra forma de ilustrar as falas delas sobre a his-
estrutural, ou seja, o racismo está na construção, na es- tória do racismo no país é por um recurso gráfico de li-
trutura da sociedade brasileira desde a colonização. nha do tempo em relação à escravidão no Brasil que está
presente desde o início do vídeo. Dessa maneira a linha
Isso é importante para que as pessoas enten- do tempo aparece toda vez que alguma data é citada.
dam que a discriminação contra pessoas negras não é Este é um importante recurso didático, pois coloca em
algo simples de ser explicado e nem se resume a pre- uma linha temporal os acontecimentos sobre o racismo
conceitos mais explícitos como ofender ou falar explici- no país tornando o entendimento mais fácil para o es-
tamente que negros são inferiores. No Brasil, o racismo pectador.
aparece de formas mais sutis através de estereótipos e
ideias que as pessoas criam sobre pessoas negras mes- O vídeo do Canal Preto possui, então, uma lin-
mo antes de conhecê-las. guagem dinâmica que mistura as imagens das entrevis-
tadas com outros recursos que dão dinamismo para as
Posto isso, a Dra. Maria explica que, após a pro- falas. Dessa forma, consegue abordar esse assunto com-
mulgação da Lei Áurea, os negros e as negras passaram plexo de uma forma didática e informativa contribuindo

Tudo Sobre o PAS UnB 191


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

para o conhecimento a respeito do racismo estrutural. mens, de Carlos Drummond de Andrade, Quebranto, de
Na descrição do vídeo também estão presentes vários Cuti, Esses chopes dourados, de Jorge Wanderley, e Poe-
outros links e referências para que as pessoas acessem e ma aos homens de nosso tempo, de Hilda Hilst. Na orga-
se informem mais sobre o assunto. nização das sociedades, as estruturas de poder e dos go-


vernos devem ser pensadas e problematizadas, como
evidenciam os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de
Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achile Mbembe. (Pá-
gina 16, segundo parágrafo)
Citações da Obra na Matriz de Referências
Ambiente e evolução
Indivíduo, cultura, estado e participação política
Em contrapartida, é importante, a partir desses
O ser humano, pensado como indivíduo (inte- conceitos, debater a questão do racismo, racialização e
grante de grupos sociais, econômicos e culturais) com raça. Na obra Entenda o que é Racismo Estrutural - Canal
uma identidade em formação no tempo histórico e bio- do Preto e no poema Quebranto, de Cuti, a denúncia do
gráfico, estabelece relações com gerações passadas e pre- ambiente de racismo estrutural construído no Brasil, rela-
sentes, o que favorece a análise crítica de situações diver- cionado a teorias de embranquecimento e a prática de
sas. Diferentes olhares sobre esses aspectos são expressos silenciamento dos afro-brasileiros (o que alimenta a vio-
nas pinturas Mestiço, de Portinari, e Morro da Favela, de lência diária contra a população negra) dialogam com o
Tarsila do Amaral e também na obra audiovisual Das raí- conto Maria, de Conceição Evaristo.
zes às pontas, de Flora Egécia, documentário que elenca o
papel da estética na construção da identidade coletiva e a Cenários contemporâneos
ação política da população afrobrasileira. Temática tam-
bém desenvolvida na produção Entenda o que é Racismo No que diz respeito ao cenário contemporâneo
Estrutural - Canal do Preto, possibilitando o debate acerca brasileiro, destacam-se as manifestações políticas e so-
do legado da escravidão e seus efeitos no campo econô- ciais no decorrer da República; a participação política; a
mico e cultural nas relações raciais constituídas no país. A relação entre indivíduo, Estado e sociedade civil (organi-
literatura, que reflete a nossa sociedade e nela atua, de- zada nos momentos de ruptura da ordem democrática); e
nuncia e questiona o racismo estrutural como um dos ele- a violência institucional praticada pelo Estado Brasileiro
mentos construtores da sociedade brasileira. Por isso, a em suas diversas dimensões, como vemos nos vídeos En-
importância de se valorizar a produção literária de escri- tenda o que é Racismo Estrutural - Canal do Preto (2018)
toras e escritores negros com a leitura do poema Que- e Poética da Diáspora (2015), de Elena Pajero Peres, que
branto, de Cuti, e o conto Maria, de Conceição Evaristo. abordam a resistência desses grupos étnicos e sociais aos
(Página 9, segundo parágrafo) diversos tipos de violência praticados/vivenciados na so-
ciedade brasileira. Nesse sentido, o romance Sargento Ge-
Tipos e gêneros túlio (1971), de João Ubaldo Ribeiro, problematiza a for-
mação de uma identidade nacional e regional com
Na terceira etapa, a seleção de obras de autores elementos políticos transpassados pela violência do Esta-
negros, assim como obras de um grande número de escri- do e na sociedade. É importante analisar essas questões
toras com produções com estruturas e objetivos diferen- no período do Varguismo (Era Vargas). (Página 27, tercei-
tes, além de significativas na literatura brasileira, assegu- ro parágrafo)
ram a importância da leitura inserida no contexto social
como elemento capaz de ampliar a compreensão de mun- Número, grandeza e forma
do dos leitores e a valorização da diversidade social de ti-
pos e gêneros, em seus mais variados aspectos. As obras As obras audiovisuais À margem do corpo, de Dé-
audiovisuais Entenda o que é Racismo Estrutural – Canal bora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
do Preto (2018) e Poética da Diáspora (2015), de Elena merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
Pajero Peres, abordam a importância da valorização do Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
protagonismo social negro e ao mesmo tempo apontam que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problemati-
para a marginalização da população negra na sociedade zam questões de raça, gênero e identidade, possibilitando
brasileira. Nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, a busca de dados, número e grandezas para analisar,
Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem a Petrópolis, de comparar e compreender as estruturas sociais nos cená-
Clarice Lispector, e também na música Dona de mim, de rios contemporâneos. Essa mesma abordagem é percebi-
Iza encontram-se representações do universo feminino, da nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e Via-
seus dilemas e vivências, com questionamentos sobre gem à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas
classe, raça e gênero. (Página 13, primeiro parágrafo) Elevação Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona
de Mim, de Iza e Não recomendado, de Não recomenda-
Estruturas dos. (Página 31, terceiro parágrafo)

No campo social, as estruturas de organização ex- Análise de dados


cludentes oprimem, matam, segregam, o que pode ser
percebido nas obras Entenda o que é Racismo Estrutural Analisar a Constituição Federal – Título II, capítu-
– Canal do Preto e nos poemas A noite dissolve os ho- lo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV, capí-

Tudo Sobre o PAS UnB 192


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

tulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, auxilia no entendimen-


to das relações sociais no campo da cultura, política,
economia e relações de poder. Exemplos de diversidade
encontram-se nos audiovisuais Entenda o que é Racismo
Estrutural – Canal do Preto e Questão Indígena no Brasil
em quatro minutos – Agência Pública: agência de reporta-
gem e jornalismo investigativo. (Página 41, quarto pará-
grafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 193


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Audiovisuais www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tudo Sobre o PAS UnB 194


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

"Não há sucesso sem


dificuldade ”.
(Sófocles)
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Gráficos e Estatísticas
OBRAS COBRADAS NA PROVA DE 2020

Viagem à
Necropolítica
Petrópolis
29%
29%

Quebranto Sobre Violência


21% 21%

OBRAS COBRADAS NA PROVA DE


2020

4 4
3 3
CARTAS DE…

O RECADO…

PREVENÇÃ…
UNIVERSID…
CONSTITUI…
TECENDO A…

NECROPOLÍ…
CRIADORES…
VIAGEM À…

ALGORITM…
JULIANA…
A NOITE…

SARGENTO…

DOUTORA…
SOBRE…

POEMA…

ESSES…
POR QUE A…

QUEBRANTO
SONETO

MARIA
MORCEGO

CONSOADA

OÁSIS
A CAOLHA

Tudo Sobre o PAS UnB

197
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Controle de Desempenho
Total Porcentagem
Itens Itens Escore
Obra de
certos errados
de itens
bruto
itens certos
A Caolha
Morcego
Por que a Guerra?
Cartas de Gandhi
A Noite Dissolve os Homens
Consoada
O Recado do Morro
Viagem à Petrópolis
Tecendo a Manhã
Sobre Violência
Sargento Getúlio
Poema aos Homens do Nosso Tempo
Oásis
Doutora Nise
Soneto
Universidade Para Quê?
Constituição Federal
Esses Chopes Dourados
Quebranto
Maria
Necropolítica
Criadores de um Mundo Recarregável
Juliana Estradioto
Prevenção de HIV
Algoritmos Parciais

Tudo Sobre o PAS UnB

198
Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A Caolha - Júlia Lopes de Almeida

Autora
Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida as- das cadeiras, uma vez que a academia literária se inspi-
sume um papel especial na história da literatura brasi- rava nas academias francesas, que seguiam a mesma re-
leira, sendo uma das pensadoras que idealizaram e cria- gra. Esse é um ponto extremamente importante para ser
ram a Academia Brasileira de Letras, além de ter sido analisado acerca da luta das mulheres. Por muito tempo,
a presidenta honorária da Legião da Mulher Brasileira o protagonismo feminino foi ocultado da sociedade, in-
criada em 1919. A frente de seu tempo, Júlia foi uma das clusive por grandes pensadores. Assim, quem passou a
primeiras romancistas brasileiras, além de ser contista, ocupar uma das cadeiras foi seu marido, Filinto de Al-
cronista, teatróloga e defensora de causas feministas, meida.
abolicionistas e republicanas.
Além de tratar dos assuntos em questão, boa
Filha dos portugueses Valentim José da Silveira parte de suas obras abordam também o cenário do Rio
Lopes e Adelina Pereira Lopes, Júlia Lopes de Almeida de Janeiro em período de agitação política e econômi-
nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 24 de setem- ca, além da vida das famílias do topo da pirâmide so-
bro de 1862, e faleceu na mesma cidade, aos 71 anos de cial para construir seus personagens, como nota-se em
idade, no dia 30 de maio de 1934. Aos 7 anos, mudou-se um de seus maiores romances: A Falência. Ademais, sua
com a família para Campinas, em São Paulo, onde iniciou escrita recebe forte influência do realismo e do natura-
sua carreira. De família culta, rica e, ainda, apoiada pelo lismo francês, com grande crédito em contos de Guy de
pai, com apenas 19 anos, publicou seu primeiro texto Maupassant e em romances de Émile Zola.
na Gazeta de Campinas, local em que seguiu publican-
do suas crônicas e, após três anos, passou a escrever Portanto, sua jornada revela uma mulher à fren-
também, por mais de trinta anos, para o jornal carioca te de seu tempo, que percebeu inconformidades na vida
O País. de muitos e a importância da luta pelas causas sociais.
Ela “realizou, através de seus escritos, o “feminismo pos-
Aos 23 anos, mudou-se para Lisboa e, após um sível” dentro do quadro histórico-social específico de sua
ano, publicou Contos Infantis juntamente com sua irmã época” (LUCA, 1999, p. 298).
Adelina. Após dois anos na cidade, a escritora se casou
com o poeta e jornalista português Filinto de Almeida e Obra
publicou os contos de Traços e Iluminuras. Logo após,
retornou ao Brasil e publicou, nos folhetins de O País, A caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo,
seu primeiro romance: Memórias de Marta. A autora re- busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos co-
tornou a Portugal em 1913, onde permaneceu até 1918. tovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estraga-
Publicou também um livro infantil produzido juntamente das pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e
com um de seus filhos, Afonso, e suas primeiras peças cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco
teatrais. Em 1925, mudou-se para Paris e, em 1934, no sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contato parece de-
Rio de Janeiro, faleceu após uma viagem à África. ver ser áspero e espinhento; boca descaída, numa expressão
de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos
A autora teve uma longa carreira e escreveu urubus; dentes falhos e cariados. (MORICONI, 2001, p. 49)
para diversos jornais e revistas, além de publicar diver-
sos contos, crônicas, romances e até textos para teatro. Essa é a caolha. Mulher machucada pela vida e
Tratava de temas importantes e incomuns para a reali- pelo tempo. Mãe de seu único ponto de refúgio: seu filho
dade da época na qual, dificilmente, se poderia encon- Antonico. Essa é a mulher que protagoniza esse conto de
trar uma mulher em um cargo de destaque de grupos Júlia Lopes de Almeida, publicado originalmente no ano
intelectuais. Dessa forma, a escritora “engajou-se com de 1903. A mulher de quem falamos é uma mulher que
paixão nas lutas políticas de seu tempo, integrando a fa- sequer é nomeada já que todos já lhe deram o “nome”
mosa geração dos anos 1870 composta por intelectuais de A Caolha. Pobre, trabalhadora e de aparência maltra-
obcecados em pensar a realidade e o futuro do Brasil, a tada, assustava as crianças e afastava os adultos, princi-
partir de referenciais positivistas, cientificistas e realis- palmente pela falta de seu olho esquerdo que lhe havia
tas”, como afirma a professora doutora Magali Gouveia sido arrancado, sobrando-lhe apenas a marca e uma fis-
Engel (2009, p. 298). sura da qual escorria pus. Sua vida se dava em função do
filho, não se importava de receber tantos comentários e
Além disso, algo intrigante a ser pontuado é maus-tratos de outras pessoas. Se recebesse um beijo
que apesar de Júlia Lopes de Almeida ter participado do de Antonico, já lhe apagaria todas as dores.
grupo de intelectuais que arquitetaram e deram início à
Academia Brasileira de Letras, seu nome não estava in- No trecho citado, percebe-se algumas caracte-
cluso na famosa lista dos pioneiros que fundaram a ABL rísticas do conto. A história é narrada em 3ª pessoa, por
porque nenhuma mulher, na época, poderia ocupar uma um narrador onisciente, ou seja, que conta a história,

Tudo Sobre o PAS UnB 199


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

sabe de tudo, mas não participa dela, com o discurso in- O Realismo da segunda metade do século XIX
direto livre, dando voz, em alguns momentos, para que o apresenta uma quebra de padrões, uma vez que rompe
próprio personagem fale. O conto possui uma linguagem com a visão romântica e idealizada do mundo. O movi-
simples e detalhista que nos possibilita formar uma ima- mento deu lugar a visão cientificista e realista do mundo,
gem mental da história, assim como da própria Caolha e que apresenta sua real miséria e dá voz a temas antes
é assim, com peças do realismo brasileiro, que essa auto- ignorados, como a crise das instituições, os costumes e
ra que “precedeu a eclosão do movimento modernista” as relações sociais, o qual busca retratar a realidade tal
(LUCA, 1999, p. 277) apresenta um conto sobre “A Cao- como ela é, substituindo o subjetivismo do Romantismo
lha” da época. por uma visão objetiva do mundo.

Apesar de viver em razão de Antonico, ela, aos Dessa forma, Júlia Lopes de Almeida, nesse
poucos, “o perde”. O menino, desde criança, sofre com conto, explora essa realidade e as relações sociais que
comentários maldosos, bullying (inclusive, dentro da es- regem a vida dos brasileiros, usando características do
cola) e solidão. Era sempre o “filho da Caolha”. O despre- Realismo como o objetivismo, o tempo psicológico para
zo que sofria o fez cada vez mais se afastar da mãe, até acompanhar a memória dos personagens, descrições,
que, aos 16 anos, conseguiu trabalho (arranjado pelas adjetivações e a não idealização da mulher combinadas
súplicas da mãe) em uma oficina e o desdém de seus às características do pré-modernismo, que buscou rom-
companheiros, gradualmente, diminuíram. O rapaz en- per com as tradições e as regras que vigoravam, como,
tão se apaixona pela bela moreninha da esquina frontei- por exemplo, a extrema métrica da escrita e o uso da lin-
ra e esse sentimento o inunda de felicidade, tanto que guagem culta parnasiana. Por isso os autores dessa fase
até aviva seu carinho pela mãe e chega a beijá-la mesmo utilizam uma linguagem coloquial e livre em suas obras,
no lado esquerdo do rosto, atitude que apenas “aquece” além disso buscaram explorar a marginalização da reali-
o coração de sua mãe, mas que premeditava uma ação dade dos personagens, aliados às ocorrências políticas,
de renúncia por parte do filho, já que a moça responde econômicas e sociais do século XX.
aos seus sentimentos dizendo que seria sua mulher, mas
que, primeiramente, ele deveria se afastar de sua mãe, Assim sendo, com todas essas características, o
pois não queria ser “a nora da caolha”. conto explora ainda mais. Ele foge dos padrões da época
ao falar de alguém pobre que representa a classe ope-
Ele atende o pedido e atribui à mãe a resposta rária do final do século XIX, que é diferente, que cria o
de todas as suas desgraças. Diz a ela que passaria a dor- filho sozinha, que é recusada por uma sociedade conser-
mir na vizinhança da loja em que trabalhava e, às vezes, vadora, até pelo próprio filho que a rejeita e a culpa por
à noite (às escondidas), voltaria a vê-la. A mãe, descon- sua própria rejeição. Além disso, Antonico é o único per-
fiada, o confronta, percebe que o rapaz tinha vergonha sonagem nomeado da história, o que representa como
dela e o manda embora, ainda que depois se arrependa. o homem era acima da mulher. Assim, Júlia Lopes de
Antonico então procura sua madrinha que resolve lhe Almeida expõe o modelo da “mulher conformada” que
contar toda a verdade sobre a história da mãe, que, con- era imposto às mulheres, em geral, que era a realidade
tra sua vontade, a tem revelada: seu filho, quando muito da época. Por fim, resta-nos uma reflexão: atualmente,
criança, enfiou um garfo em seu olho esquerdo, sem so- esses estereótipos já foram quebrados e superados?
lução para o olho, infelizmente, foi realizada a amputa-
ção ocular. O rapaz, pasmo, cai e logo recebe o abraço Conto
de sua mãe que revela nunca ter contado a história para
não machucá-lo. O conto é um gênero textual contido dentro do
tipo textual narração. É um texto de ficção, escrito em
Com seu amor incondicional, a Caolha nos faz prosa, mais curto que a novela e que possui estrutura
refletir sobre a seguinte questão: qual é o peso de ser fechada e concisa.
mãe e de ser mulher naqueles dias e nos dias de hoje?
Assim, como outros gêneros que possuem como
A personagem, com certeza, não se enquadra base a narração, o conto também apresenta como carac-
no estereótipo de ser mulher bela e frágil, característi- terísticas a presença de um enredo, que é a própria his-
ca que já é desconstruída desde o título do conto. Ela é tória; de um tempo, que pode ser cronológico, quando
apenas um exemplo de muitas mães que dão a vida por apresenta linearidade, ou psicológico, quando o tempo
seus filhos e são ainda rejeitadas, como se carregassem é distorcido para acompanhar a memória dos persona-
as dores do parto todos os dias, o que reforça, ainda, a gens e não há uma lógica de sequência temporal; de um
imagem do papel da mãe, daquela que deve doar a sua espaço, que pode ser físico, psicológico ou social; de um
vida em função de outra pessoa. Nesse sentido, o conto narrador, sendo narrador-personagem quando conta a
nos faz refletir sobre alguns desafios da maternidade. história e, ao mesmo tempo, participa dela, ou sendo
narrador observador, quando apenas conta a história,
Desse modo, como se observa na própria biogra- sem participar dela, podendo também ser narrador-
fia da autora, o conto, assim como outras de suas obras, -onisciente, quando se conta a história sem participar
é inspirado em características do realismo no momento dela, mas sabe de tudo e de todas as coisas, incluindo
que antecede o grande salto para o Modernismo, apre- sentimentos e pensamentos pessoais dos personagens;
sentando, assim, características do pré-modernistas. de personagens, que pode(m) ser protagonista(s), anta-

Tudo Sobre o PAS UnB 200


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

gonista(s) ou secundários; e de um discurso, que é dis- Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
curso direto quando o próprio personagem fala, discur- O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
so indireto quando o narrador reproduz o discurso do ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
personagem ou discurso indireto livre, quando há uma a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
mistura dos dois. literatura. (Página 12, quarto parágrafo)

Além disso, o conto apresenta uma estrutura Na terceira etapa, a seleção de obras de autores
que envolve uma introdução, que é a apresentação ge- negros, assim como obras de um grande número de escri-
ral da história, dos personagens, tempo e local, um de- toras com produções com estruturas e objetivos diferen-
senvolvimento, que traz o fluxo de acontecimentos da tes, além de significativas na literatura brasileira, assegu-
história, um clímax, entendido como o ponto máximo ram a importância da leitura inserida no contexto social
de tensão dentro de toda a narração e um desfecho, ou como elemento capaz de ampliar a compreensão de mun-
seja, o fim da narrativa. do dos leitores e a valorização da diversidade social de


tipos e gêneros, em seus mais variados aspectos. As obras
audiovisuais Entenda o que é Racismo Estrutural – Canal
do Preto (2018) e Poética da Diáspora (2015), de Elena
Pajero Peres, abordam a importância da valorização do
Citações da Obra na Matriz de Referências protagonismo social negro e ao mesmo tempo apontam
para a marginalização da população negra na sociedade
O ser humano como um ser que interage brasileira. Nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
da, Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem a Petrópolis,
A linguagem resulta dessa capacidade para inte- de Clarice Lispector, e também na música Dona de mim,
ragir e, ao examinar a sua relação com a sociedade, a co- de Iza encontram-se representações do universo femini-
municação constituída por um sistema abstrato de formas no, seus dilemas e vivências, com questionamentos sobre
linguísticas pode ser percebida como algo que não se con- classe, raça e gênero. (Página 13, primeiro parágrafo)
cretiza por enunciação monológica, isolada, mas que se
dá pela interação verbal. A linguagem não existe fora dos Estruturas
sujeitos e deve ser apreendida e examinada como uma
prática humana que supõe usos concretizados por pes- Os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida,
soas, grupos ou classes. Essas características podem ser Maria, de Conceição Evaristo, Oásis, de Caio Fernando
percebidas, por exemplo, nos contos Viagem a Petrópolis, Abreu e Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, entre-
de Clarice Lispector, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, laçam elementos da estrutura ficcional da narrativa (en-
e nos poemas Consoada, de Manuel Bandeira, O morce- redo, os espaço, tempo, personagens e acontecimentos)
go, de Augusto dos Anjos e Quebranto, de Cuti. (Página 5, com a estrutura social brasileira. (Página 17, quinto pa-
segundo parágrafo) rágrafo)

Indivíduo, cultura, estado e participação política Número, grandeza e forma

Como vivemos em um contexto sociocultural As obras audiovisuais À margem do corpo, de Dé-


complexo, é imprescindível que os textos literários sejam bora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
entendidos como integrantes do contexto ao qual perten- merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
cem e como instrumentos de autoconhecimento, sociali- Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
zação e construção do imaginário social. Isso se evidencia que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problematizam
no poema O morcego, de Augusto dos Anjos, nos contos questões de raça, gênero e identidade, possibilitando a
Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, Oásis, de Caio busca de dados, número e grandezas para analisar, com-
Fernando Abreu, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, no parar e compreender as estruturas sociais nos cenários
romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, e na contemporâneos. Essa mesma abordagem é percebida
novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa. (Pá- nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e Viagem
gina 9, terceiro parágrafo) à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas Elevação
Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona de Mim, de
Tipos e gêneros Iza e Não recomendado, de Não recomendados. (Página
31, terceiro parágrafo)
As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais
diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
Questões, Justificativas e Dicas
possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando

Tudo Sobre o PAS UnB 201


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

O Morcego - Augusto dos Anjos

Autor
O poeta paraibano Augusto de Carvalho Ro- presentes na sociedade. Essa fase de transição e quebra
drigues dos Anjos, mais conhecido como Augusto dos com a tradição é chamada de pré-modernismo. Entre os
Anjos, nasceu no dia 20 de abril, em 1884, no Engenho autores que compõem esse momento estão Euclides da
do Pau d’Arco Vila do Espírito Santo, atual município de Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato, na prosa, e o
Sapé na Paraíba. Portador de uma visão pessimista, o próprio Augusto dos Anjos, na poesia.
poeta aborda em seus poemas temas relacionados a an-
gústia da vida, o existencialismo e principalmente a mor- Em 1912, o poeta publicou seu primeiro e úni-
te, que é tratada não apenas de maneira metafísica ou co livro de poesias chamado Eu, obra que gerou certo
metafórica, mas em seu aspecto literal envolvendo toda estranhamento aos leitores e a crítica da época, que o
a podridão e os processos de decomposição que o corpo consideravam um poeta mórbido. Sem abandonar total-
humano sofre ao morrer. Por esse motivo, Augusto dos mente a tradição, uma vez que seus poemas possuíam a
Anjos recebeu o título de “o poeta da morte”. influência de escolas como o simbolismo e o parnasianis-
mo, sua obra possuía um carácter filosófico com temas
Filho do proprietário de engenho Alexandre Ro- melancólicos, pessimistas e angustiantes. Através de um
drigues dos Anjos e de Córdula de Carvalho Rodrigues vocabulário antipoetico, com linguagem cientificista, ou
dos Anjos, o escritor foi educado em casa nos primeiros seja, repleta de termos científicos e biológicos, o autor
anos pelo próprio pai e já nesse período demonstrava buscou se distanciar de toda a temática e estética da-
seu interesse pelas letras. Em 1900 ingressa no Liceu pa- quilo que era considerado belo pela crítica. Assim como
raibano e no mesmo ano escreve seu primeiro poema em Manuel Bandeira, a morte e a angústia da vida estão
“Soneto”. Assim como o pai, Augusto dos Anjos cursou presentes em Augusto dos Anjos e são temas recorren-
direito na Faculdade de Direito do Recife e se formou em tes em seus poemas, mas diferente do poeta moderno,
1907, porém, não exerceu a profissão e durante a sua em Augusto dos Anjos a morte é tratada de maneira na-
vida lecionou aulas de Literatura Brasileira e Geografia. tural, sem um idealismo poético uma vez que ele retrata
Em sua cidade natal, o poeta publicou alguns de seus toda a podridão e os processos de decomposição que o
poemas no jornal O Comércio. corpo sofre.

Em 1910, casou-se com Ester Fialho, com quem Ademais, em 1914, ao receber uma proposta
teve três filhos. Devido a um desentendimento com o para trabalhar como diretor do Grupo Escolar Ribeiro
governador da Paraíba, o poeta foi afastado do cargo de Junqueira, o poeta se mudou para a cidade de Leopol-
professor do Liceu, e, no mesmo ano mudou-se para dina, em Minas Gerais. No mesmo ano, no dia 12 de no-
o Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, Augusto dos vembro, o autor, aos trinta anos, acaba falecendo após
Anjos, além de trabalhar como professor substituto de contrair uma pneumonia. Em sua homenagem, foi criado
Geografia em algumas escolas como na escola Normal, em 2006 o Memorial Augusto dos Anjos, em sua cidade
no Ginásio Nacional e no colégio Dom Pedro II, conti- natal, na qual é possível visitar o seu local de nascimen-
nuou dando aulas como professor particular e escre- to, ter acesso a alguns pertences do autor, de sua família,
vendo seus poemas. Seu primeiro filho nasceu em 1911, como também conhecer mais a respeito da vida e obra
mas, infelizmente, morreu de maneira prematura. desse poeta inquietante que foi Augusto dos Anjos. Além
disso, o poeta ocupa a cadeira número 1 da Academia
O poeta paraibano viveu em um período social e paraibana de Letras. Por fim, a obra de Augusto dos An-
político repleto de transformações e rupturas, a começar jos é importante não só por dar início a um movimento
pela decadência da estrutura latifundiária e o início da de ruptura com a tradição literária, mas por trazer ino-
República. Com a substituição do antigo sistema e com vações relacionadas tanto ao tema por ele trabalhado,
o surgimento das grandes usinas, as famílias donas de quanto à sua linguagem, que continua exercendo fascí-
engenhos, como a de Augusto dos Anjos, começaram a nio ao leitor.
enfrentar uma crise profunda. Além disso, o país intei-
ro passava por uma série de revoluções e revoltas, tais Obra
como a Revolução de Canudos, o Ciclo da Borracha e
do Cangaço, a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata. O poema O morcego foi publicado em 1912 e é
Na literatura, todas essas movimentações foram funda- uma das poesias que compõem o único livro publicado
mentais para o surgimento de autores que mesmo sob por Augusto dos Anjos intitulado Eu. Sua poesia possui
influência de outras escolas literárias como o simbolis- um caráter sincrético, ou seja, apresenta influências de
mo, o naturalismo e o realismo, começaram a inovar na outras escolas literárias como o simbolismo, o parna-
linguagem utilizada em seus trabalhos e ao abordar de sianismo e o naturalismo, tanto na forma por meio dos
forma crítica em suas obras essas transformações políti- sonetos, da musicalidade do poema com as assonâncias
cas e sociais que tematizavam o cotidiano e a realidade e as aliterações quanto no tema de natureza mais subje-
das pessoas, denunciando os problemas e as mazelas tiva e negativa com uma linguagem cientificista.

Tudo Sobre o PAS UnB 202


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

O livro Eu é formado por 58 poemas que abor- do. Logo no início do poema não é possível perceber o
dam a morte, a solidão e a angústia da vida de uma real motivo do animal gerar tanto temor. Na primeira es-
maneira filosófica, melancólica, pessimista e subjetiva. trofe, o eu-lírico narra que está se preparando para dor-
Isso por meio de uma linguagem considerada antipoé- mir quando de repente se depara com um morcego em
tica, por ter um vocabulário repleto de termos técnicos seu quarto que o morde. É a partir da segunda e terceira
e científicos que causou um verdadeiro choque à crítica, estrofes que o eu-lírico revela a sua tensão, uma vez que
por romper com os padrões da poesia tradicional e ao após ser mordido ele acredita que o morcego tenha saí-
fugir daquilo que era considerado belo. Apenas após a do do ambiente e se tranca, contudo, ao perceber que
sua morte que sua obra recebeu mais notoriedade pela o animal continua presente em seu quarto, voando em
crítica e pelos leitores da época. Em 1919 seu livro foi círculos ao redor de sua cabeça e o observando, ele fica
reeditado e seus poemas foram publicados novamente assombrado e tenta espantar o bicho. No último verso,
com o título Eu e outras poesias. ele questiona qual ventre teria produzido o animal.

Antes de começar a analisar a obra, é muito im- Por fim, na última estrofe, o eu-lírico revela que
portante que se tenha um primeiro contato diretamente a consciência humana é como o morcego, pois, por mais
com o poema de Augusto dos Anjos. Sendo assim, logo que você fuja e consiga se esconder dela durante o dia,
abaixo o poema e o glossário das palavras estão disponí- ela está sempre presente a nos observar. O morcego na
veis. verdade é uma metáfora para a consciência humana que
através do olhar nos vigia o tempo inteiro. O poeta re-
O Morcego força essa observação por meio de um jogo de palavras
com os seguintes vocábulos: “recolho”, “vede”, “molho”,
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.  “ferrolho” e “olho”, que estão distribuídos na primeira e
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:  na segunda estrofes.
Na bruta ardência orgânica da sede, 
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
Poema
“Vou mandar levantar outra parede ...”  A palavra poema possui origem grega, pois, é
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho  derivada do vocábulo poein que significa “fazer, criar,
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,  compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona
Circularmente sobre a minha rede!  diretamente com a literatura e com os gêneros literários.
Tem como principal característica a liberdade poética,
Pego de um pau. Esforços faço. Chego  isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.  expressar da maneira que deseja, podendo ou não se-
Que ventre produziu tão feio parto?! guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté-
ticas da língua.
A Consciência Humana é este morcego! 
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra  Como gênero, o poema, possui algumas carac-
Imperceptivelmente em nosso quarto!  terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê-
neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em
Glossário estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e
rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa-
Ígneo: Que tem fogo ou é de fogo; ardente; formado cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a
pela ação do fogo. trova, o rondó e dentre outros. Todavia, é importante
ressaltar que não são todos os poemas que seguem essa
O poema “O morcego’’ segue a estrutura clássi- estrutura, em muitos há a predominância de efeitos so-
ca de um soneto dividido em dois quartetos e dois ter- noros e gráficos, por exemplo, a poesia concreta e a ciné-
cetos, ou seja, as duas primeiras estrofes são compos- tica. Além disso, em muitos poemas temos a presença
tas por quatro versos e as demais por três versos. Com do eu-lírico, que nem sempre coincide com o autor do
relação às rimas do poema, as duas primeiras estrofes poema, uma vez que esse é a pessoa fictícia criada pelo
possuem rimas opostas com a seguinte estrutura ABBA/ poeta e que dá voz ao poema, a exemplo disso, temos o
BAAB, enquanto a terceira e a quarta estrofe possuem poeta português Fernando Pessoa e seus heterônimos
rimas alternadas seguindo a estrutura CDE. Essa estru- Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
tura formal revela a influência do parnasianismo sobre o
autor. Além disso, também é possível identificar influên- Ademais, é importante destacar que poema e
cias naturalistas por conta da linguagem cientificista, e poesia não são a mesma coisa. Visto que a poesia é um
simbolistas, com o uso de letras maiúsculas no meio do conceito mais amplo, que se relaciona com a subjetivi-
poema. dade e pode ser encontrada na prosa, em uma pintura,
em um filme e nas variadas maneiras de se expressar ar-
Há no poema duas figuras centrais que são o eu- tisticamente.
-lírico e o morcego. Em um ambiente noturno e mais ín-
timo, estão os dois seres opostos. A presença do animal
deixa o eu-lírico incomodado, angustiado e amedronta-

Tudo Sobre o PAS UnB 203


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


cego (1912), de Augusto dos Anjos, a perspectiva onírica
também se faz presente na interlocução do eu-lírico com
a morte, promovendo um ambiente de mistério e reflexão.
Citações da Obra na Matriz de Referências (Página 29, primeiro parágrafo)

O ser humano como um ser que interage Espaços

A linguagem resulta dessa capacidade para inte- O poema O morcego, de Augusto dos Anjos, acon-
ragir e, ao examinar a sua relação com a sociedade, a co- tece dentro de um espaço físico, o quarto, e sequencia os
municação constituída por um sistema abstrato de formas fatos nesse ambiente espacial que, ao longo do poema,
linguísticas pode ser percebida como algo que não se con- torna-se polissêmico. (Página 37, terceiro parágrafo)
cretiza por enunciação monológica, isolada, mas que se
dá pela interação verbal. A linguagem não existe fora dos
sujeitos e deve ser apreendida e examinada como uma
Questões, Justificativas e Dicas
prática humana que supõe usos concretizados por pes- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
soas, grupos ou classes. Essas características podem ser
percebidas, por exemplo, nos contos Viagem a Petrópolis, Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
de Clarice Lispector, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e
nos poemas Consoada, de Manuel Bandeira, O morcego, Anotações e Rascunhos
de Augusto dos Anjos e Quebranto, de Cuti. (Página 5, se-
gundo parágrafo)

Indivíduo, cultura, estado e participação política

Como vivemos em um contexto sociocultural


complexo, é imprescindível que os textos literários sejam
entendidos como integrantes do contexto ao qual perten-
cem e como instrumentos de autoconhecimento, sociali-
zação e construção do imaginário social. Isso se evidencia
no poema O morcego, de Augusto dos Anjos, nos contos
Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, Oásis, de Caio
Fernando Abreu, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, no
romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, e na
novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa. (Pá-
gina 9, terceiro parágrafo)

Ambiente e evolução

No campo das ciências biológicas, o tema do cor-


po humano, da vida, das relações dos corpos humanos
em conjunto e do ambiente são reflexões permanentes
e podem ser problematizados na obra Sobre a violência
(capítulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção
e a regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres,
de Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes,
na pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de
Manuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
na obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no
poema O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza
no mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano
diante de sua própria consciência. (Página 24, quarto pa-
rágrafo)

Cenários contemporâneos

Sob o impacto dos conflitos mundiais, outras


obras apresentam perspectivas e alternativas para a
construção de narrativas que misturam elementos reais e
oníricos, como no filme Um Cão Andaluz (1929), obra sur-
realista de Luis Buñuel e Salvador Dalí. No poema O mor-

Tudo Sobre o PAS UnB 204


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Por que a guerra? Indagações entre
Einstein e Freud

Autoria
Albert Einstein do filho mais novo de Freud, em Berlim. “Em carta a Fe-
renczi, dando conta do ocorrido, Freud escreveu: ‘Ele en-
Einstein nasceu na cidade de Ulm, na Alemanha, tende tanto de psicologia quanto eu entendo de física,
em 14 de março de 1879 e seus pais eram judeus. Seu de modo que tivemos uma conversa muito agradável.
pai, inclusive, foi o responsável por incentivar sua criati- ’ Algumas cartas muito amistosas foram trocadas entre
vidade científica. Apesar disso, sua trajetória escolar não os dois, em 1936 e 1939”, como apresentado na Edição
foi marcada por sucesso. Einstein passou por muitas difi- Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
culdades na infância. Sigmund Freud.
Após ascender como gênio da ciência, entre
1912 e 1914 começa a realizar os seus famosos estudos
Obra
em torno da Teoria da Relatividade Geral, sendo esta Antes da leitura e análise das obras: de onde
publicada em 1916. Ainda, recebeu o prêmio Nobel de surge o interesse em se corresponder?
Física em 1922. Por fim, Einstein faleceu vítima de um
aneurisma em 18 de abril de 1955. O Instituto Internacional para a Cooperação In-
telectual foi instruído pelo Comitê Permanente para a Li-
Sigmund Freud teratura e as Artes da Liga das Nações a propor a intelec-
tuais renomados da época a troca de cartas “a respeito
O pai da psicanálise nasceu na República Checa, de assuntos destinados a servir aos interesses comuns à
em maio de 1856 e seus pais eram judeus, assim como Liga das Nações e à vida intelectual”, e a publicar essas
os de Einstein. Freud cursou Medicina na Universidade cartas periodicamente.
de Viena, em 1873.
Albert Einstein foi um dos primeiros a receber o
Sempre fascinado por temas que envolvem a convite. Assim, sugeriu o nome de Freud. Dessa forma,
sexualidade, Freud dissertou desde a sexualidade das em junho de 1932, o secretário do Instituto convidou
enguias a relações complexas como o “Complexo de Freud, e este aceitou prontamente. A carta de Einstein
Édipo”, justificando as agressividades de um filho com chegou-lhe no início de agosto, e a sua resposta foi con-
seu pai por ser apaixonada por sua mãe. O que, como se cluída um mês depois. A correspondência foi publicada
pode imaginar, causou muita polêmica. em Paris, pelo Instituto, em março de 1933, em alemão,
francês e inglês, simultaneamente. No entanto, sua cir-
Ao se casar, precisou abandonar o antigo traba-
culação foi proibida na Alemanha.
lho e passou por um período de frágil situação financei-
ra, o que o levou a abandonar o serviço de pesquisa para
trabalhar como assistente clínico, estagiário e depois Por que a Guerra? Indagações entre Einstein
médico. Nesse período, decidiu dedicar-se à psicanálise. e Freud (cartas)
“Após algumas  tentativas trabalhando com a Carta de Einstein
cocaína como uma forma de terapia, viajou para Paris,
onde aperfeiçoou seus conhecimentos. Lá, estudou com Caputh junto a Potsdam, 30 de julho de 1932
Jean Charcot, um médico que dedicou seus esforços no
estudo da hipnose como tratamento da histeria. Voltou Prezado Professor Freud,
para Viena para aplicar seus conhecimentos em pacien-
tes com esse tipo de quadro”. (sttodi.com.br) A proposta da Liga das Nações e de seu Instituto Interna-
cional para a Cooperação Intelectual, em Paris, de que
Por trabalhar com temáticas inusitadas e consi- eu convidasse uma pessoa, de minha própria escolha,
deradas como um tabu pela sociedade, não conquistou para um franco intercâmbio de pontos de vista sobre
o destaque merecido, mas conquistou uma série de se- algum problema que eu poderia selecionar, oferece-
guidores.
-me excelente oportunidade de conferenciar com o se-
Em 1938, em meio ao governo nazista alemão, nhor a respeito de uma questão que, da maneira como
Sigmund Freud foge para Londres para escapar da per- as coisas estão, parece ser o mais urgente de todos os
seguição antissemita, o que foi responsável por matar problemas que a civilização tem de enfrentar. Este é o
suas quatro irmãs. Freud faleceu em setembro de 1939, problema: Existe alguma forma de livrar a humanidade
vítima de um câncer na mandíbula. da ameaça de guerra?

Einstein e Freud não eram amigos próximos, [...]


chegando a ter apenas um encontro em 1927, na casa

Tudo Sobre o PAS UnB 205


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Muito cordialmente, guerras podem resultar em medidas pacíficas tomadas


posteriormente. Sua teoria, no entanto, não pode ser
A. Einstein levada como verdade absoluta, pois, como ele mesmo
diz, tais resultados são breves, não se estendem àquela
Análise Carta 1
comunidade por muito tempo.
Levando em consideração a data da correspon-
Ressalta, também, que a população deve ante-
dência, Einstein questiona Freud sobre a possibilidade
de não haver uma segunda guerra. Seu tom na carta ga- cipar-se ao risco de rebelião. Ainda afirma que: “As leis
rante certo ceticismo, como se não acreditasse encon- são feitas por e para os membros governantes e deixa
trar uma resposta para isso, mas insiste, para “possibili- pouco espaço para os direitos daqueles que se encon-
tar que o senhor proporcione a elucidação do problema tram em estado de sujeição”, levando os sujeitos a graus
mediante o auxílio do seu profundo conhecimento da desiguais.
vida instintiva do homem”.
Uma das teorias mais ricas apresentadas a
Einstein pontua “o intenso desejo de poder”, a Einstein configura-se na resposta ao instinto humano
“fabricação e venda de armas” e a vontade de expan- do ódio. Freud apresenta o sentimento fraterno como
dir poder e interesses pessoais como razões para levar solução para o sentimento de fúria que as pessoas sen-
a guerra adiante. Um questionamento fundamental le- tem. E sobre isso, o psicanalista faz a seguinte afirmação:
vantado é: como pode a opinião e ideias de um pequeno “Entretanto, não devemos ser demasiado apressados
grupo sobressaírem-se às vontades da maioria? Ainda, em introduzir juízos éticos de bem e de mal. Nenhum
exclui os serventes das forças bélicas da maioria. “Ao fa- desses dois instintos é menos essencial do que o ou-
lar em maioria, não excluo os soldados, de todas as gra- tro; os fenômenos da vida surgem da ação confluente
duações, que escolheram a guerra como profissão, na ou mutuamente contrária de ambos. Ora, é como se um
crença de que estejam servindo à defesa dos mais altos instinto de um tipo dificilmente pudesse operar isolado;
interesses de sua raça e de que o ataque seja, muitas está sempre acompanhado — ou, como dizemos, amal-
vezes, o melhor meio de defesa”. gamado — por determinada quantidade do outro lado,
Sua própria resposta foi: “a minoria, a classe que modifica o seu objetivo, ou, em determinados ca-
dominante atual, possui as escolas, a imprensa e, geral- sos, possibilita a consecução desse objetivo”. Analisar tal
mente, também a Igreja, sob seu poderio. Isto possibilita perspectiva permite uma interpretação coesa: ao lado
organizar e dominar as emoções das massas e torná-las do amor, há o ódio. Assim, Freud elenca o que pode se
instrumento da mesma minoria”. opor contra a guerra:

Ainda, diz que o “homem encerra em si um de- 1º ponto: o amor. “Ama a teu próximo como a ti
sejo de ódio e destruição” e conclui questionando o pai mesmo”, citando, aqui, um verso bíblico.
da psicanálise: “É possível controlar a evolução da mente
do homem, de modo a torná-lo à prova das sicoses do 2º ponto: identificação, produzindo interesses
ódio e da destrutividade?”. pessoais para criar um vínculo emocional.

Carta de Freud Freud não se define como detentor da solução


universal, mostrando que tais condutas são um tanto
Viena, setembro de 1932. quanto utópicas. Caminha para o fim de suas elucida-
ções trazendo os seguintes questionamentos: “Por que
Prezado Professor Einstein, não a aceitamos [a guerra] como mais uma das muitas
Quando soube que o senhor intencionava con- calamidades da vida? Afinal, parece ser coisa muito na-
vidar-me para um intercâmbio de pontos de vista sobre tural, parece ter uma base biológica e ser dificilmente
um assunto que lhe interessava e que parecia merecer o evitável na prática. Não há motivo para se surpreender
interesse de outros além do senhor, aceitei prontamen- com o fato de eu levantar essa questão. Para o propósi-
te. [...] to de uma investigação como esta, poder-se-ia, talvez,
permitir-se usar uma máscara de suposto alheamento”.
Análise Carta 2 Ele responde: “porque sabemos que temos direito à vida
(...) Penso que a principal razão por que nos rebelamos
Freud responde a Albert Einstein com muita cor- contra a guerra é que não podemos fazer outra coisa.
dialidade e admiração, porém demonstra surpresa quan- Somos pacifistas porque somos obrigados a sê-lo, por
to ao teor da carta, pois não imaginava que o assunto motivos orgânicos, básicos. E sendo assim, temos dificul-
tratado seria a guerra. O psicanalista, no entanto, segue dade em encontrar argumentos que justifiquem nossa
um caminho interessante de percepção: apresenta que o atitude.” E, assim, temos a posição de Freud acerca da
direito e a violência andam lado a lado. guerra. Segue o trecho, explicitado aqui, na íntegra:
Porém, há um trecho relevante na carta em que
Freud desenvolve uma pequena teoria de que algumas

Tudo Sobre o PAS UnB 206


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Talvez esse processo esteja levando à extinção a - apresenta uma tese, um ponto de vista, um argumento
raça humana, pois em mais de um sentido ele prejudica a ser defendido;
a função sexual; povos incultos e camadas atrasadas da
população já se multiplicam mais rapidamente do que - interlocução explícita (“nós”, “você”, “seu” método,
as camadas superiormente instruídas. Talvez se possa etc);
comparar o processo à domesticação de determinadas
espécies animais, e ele se acompanha, indubitavelmen- - frequência de expressões com valor de vocativo;
te, de modificações físicas; mas ainda não nos familia-
- esclarece o fato social ou político que motivou a carta.
rizamos com a ideia de que a evolução da civilização é
um processo orgânico dessa ordem. Ora, a guerra se - por ser pessoal, há liberdade maior sobre os termos
constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que utilizados, cabendo expressões informais e afetuosas;
nos foi incutida pelo processo de civilização (evolução), e
por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar con- - despedida e assinatura: a despedida tende a variar de-
tra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar pendendo do grau de intimidade estabelecido pela con-
com ela. Isto não é apenas um repúdio intelectual e emo- vivência, podendo ser formal ou mais cortês;
cional; nós, os pacifistas, temos uma intolerância cons-
titucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacer- - assinatura: constará apenas o nome do remetente, sem
bada no mais alto grau. [...] E quanto tempo teremos de atribuição ao sobrenome, algo bem simples, sem resquí-
esperar até que o restante da humanidade também se cios de formalidades.


torne pacifista? Não há como dizê-lo. Mas pode não ser
utópico esperar que esses dois fatores, a atitude cultural
e o justificado medo das consequências de uma guerra
futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsí-
vel, em que se ponha um término à ameaça de guerra. Citações da Obra na Matriz de Referências
Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará,
não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: O ser humano como um ser que interage
tudo o que estimula o crescimento da civilização traba- Desse modo, torna-se possível não apenas com-
lha simultaneamente contra a guerra”. preender o mundo e os outros, como também compreen-
der as próprias experiências, com reflexões sobre a violên-
Cordialmente,
cia e sobre o autoritarismo e seus impactos na vida dos
Sigm. Freud seres humanos, conforme ilustram as Cartas que Gandhi
escreveu para Hitler e Por que a guerra? Indagações en-
Nos trechos finais, Freud expõe sua interpre- tre Einstein e Freud, a peça Perdoa-me por me traíres, de
tação: é obrigação dos pacifistas revoltarem-se contra Nelson Rodrigues, o documentário Cartas para além dos
a guerra. O psicanalista traz o processo da “evolução” muros, de André Canto, e o artigo Prevenção de HIV-Aids
como causa de tais conflitos. Inclusive, ressaltando que na concepção de jovens soropositivos. (Página 5, quinto
as mentes intelectuais estão se tornando minoria, o que parágrafo)
justifica os ataques bélicos. Por fim, Freud garante que
Indivíduo, cultura, estado e participação política
a única possibilidade de não ocorrer o início da guerra
seria que “a atitude cultural” e o “medo das consequên- Nesta etapa, exige-se uma conscientização sobre
cias” se encontrem. Mas não garante que isto seria pos- a organização e a participação política do ser humano.
sível, somente a certeza de que “tudo que estimula o Nesse sentido, os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de
crescimento da civilização” caminha do lado oposto ao Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe, são
que estimula a guerra. obras fundamentais para pensar tanto o presente como o
futuro da humanidade a partir dessa conscientização.
Carta Questões sobre a participação política, estruturas de vio-
lência e responsabilidade social podem ser evidenciadas
O produtor do texto epistolar pode falar em seu
pelos documentários À Margem do Corpo, de Débora Di-
nome, ou nome de um grupo (sua comunidade, sua clas- niz, e Carta para além dos muros, de André Canto. Produ-
se, uma associação), e destina-se a alguém (personalida- ções que reafirmam o papel do campo acadêmico e cien-
de, instituição, sociedade como um todo). tífico no debate público nacional podem ser vistas nas
cartas À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
A carta utilizada classifica-se como uma carta
Andrade, nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler, e
pessoal. São suas principais características:
em Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud,
- local e data; que reiteram o papel dos intelectuais em promover refle-
xões sobre questões sociais, como o autoritarismo e a vio-
- vocativo inicial (“Caro amigo”); lência. (Página 8, primeiro parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 207


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tipos e gêneros ção e descolonização a partir de uma perspectiva da epis-


temologia africana e decolonial, a fim de pensar as rela-
Para formular e articular argumentos adequada- ções com o Estado, guerra e Direitos Humanos em zonas
mente é fundamental considerar os gêneros textuais de conflito como a Palestina ou o Regime do Apartheid na
como materializações linguísticas e produtos que circulam África. Esse debate, em parte, se mostra presente em dis-
socialmente. É imprescindível observar os usos desses gê- cursos de personalidades marcantes do século XX, como
neros nas diversas áreas de conhecimento e de interação na carta Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e
humana. Eles devem ser considerados a partir de um con- Freud (1932), que retrata as causas do conflito, e nas Car-
junto de parâmetros essenciais para melhor compreensão tas que Gandhi escreveu para Hitler (1939). No texto A
da realidade por meio da linguagem. Para tanto, é preciso noite dissolve os homens, de Carlos Drummond de Andra-
definir primeiramente aspectos comunicacionais. Inicial- de, é possível perceber uma crítica contundente às ditadu-
mente, é necessário definir o objetivo do texto, e o modo ras fascistas e populistas da primeira metade do século
de organização — tipo e gênero empregado, a fim de que XX, temática também relacionada à obra Quarteto para o
a interlocução venha a atingir os objetivos pretendidos. É fim dos tempos nos movimentos I, VI e VIII (1941), de Oli-
importante saber quem são os interlocutores envolvidos ver Messiaen. (Página 26, segundo parágrafo)
para definir a modalidade de linguagem a ser empregada
e o porquê. Como vemos nas cartas À Doutora Nise Siquei- Espaços
ra, de Carlos Drummond de Andrade, Cartas que Gandhi
escreveu para Hitler, e em Por que a Guerra? Indagações Nesse sentido, as contradições estão bem marca-
entre Einstein e Freud, em que interlocutores com uma das no século XX, que foi palco de revoluções e guerras
história de vida conhecida se correspondem com o intuito que reconfiguraram o cenário mundial, temáticas aborda-
de refletir sobre a violência, o autoritarismo e as possibili- das na obra Sobre violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
dades de resistência. (Página 13, segundo parágrafo) Arendt, na tela Autorretrato como um soldado, de Ernst
Kirchner, o afresco Hidalgo incendiário, de José Clemente
Estruturas Orozco, a música Quarteto para o fim dos tempos (1º Mo-
vimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do Fu-
A elaboração de um texto escrito é sempre conse- ror para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à imor-
quência não só de aprendizados linguísticos, como tam- talidade de Jesus), de Oliver Messiaen, e as cartas Cartas
bém da assimilação de comportamentos linguístico-so- que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Guerra? In-
ciais. Buscar estratégias adequadas para uma produção dagações entre Einstein e Freud. (Página 35, terceiro pa-
satisfatória de textos escritos representa o domínio do rágrafo)
suporte das estruturas da língua, ou da gramática, como
exemplificam os textos Universidade Para quê ?, de Darcy Questões, Justificativas e Dicas
Ribeiro, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe mere-
ce a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo e as car- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
tas A Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de An-
drade, Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Guerra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página 18,
terceiro parágrafo) Anotações e Rascunhos
Energia e campos

Na carta Por que a Guerra? Indagações entre


Einstein e Freud, podemos problematizar diversos concei-
tos da física que estão diretamente interligados ao aper-
feiçoamento de equipamentos bélicos e tecnológicos, que
influenciaram no avanço de artefatos nucleares e impac-
taram na criação de aceleradores de partículas para o de-
senvolvimento de fontes de energia. (Página 21, terceiro
parágrafo)

Cenários contemporâneos

Nesta etapa, levantam-se questões acerca da


construção da cidadania e da democracia nos séculos XX
e XXI, problematizando aspectos da globalização e suas
implicações na constituição de cenários contemporâneos.
Um dos elementos problematizados é a violência, debati-
da por Hannah Arendt no texto Sobre a violência (capítulo
2 e 3, 1970) e por Achille Mbembe em Necropolítica
(2018), em que o autor apresenta o processo de coloniza-

Tudo Sobre o PAS UnB 208


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cartas que Gandhi Escreveu para Hitler

Autor
Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948), no exército alemão, fugindo do serviço militar austría-
mais conhecido como Mahatma Gandhi, foi um líder re- co. Quando soube que os alemães assinaram a rendição
volucionário que lutou pelos direitos civis na África do com franceses e ingleses, revoltou-se e procurou respos-
Sul e na Índia, respectivamente. Mahatma, em sânscrito, tas para isso. Foi assim que ele aderiu a teorias da cons-
significa “Grande Alma”. piração.

Em 1891 Gandhi formou-se em Direito na Uni- Uma de suas teorias afirmava que a derrota da
versidade de Londres, voltou à Índia e, em 1893, foi à Alemanha havia sido parte de uma conspiração entre so-
África do Sul. Lá, sua trajetória política se intensificou até cialistas e judeus para sabotar os germânicos. Essa teoria
conquistar direitos civis aos sul-africanos. Diante disso, foi explorada por movimentos da extrema-direita, entre
os sul-africanos negros eram considerados “selvagens” e eles o nazismo.
“um nível apenas acima dos animais”. Ao regressar à sua
terra natal, seus conterrâneos - os indianos - esperavam A derrota da Alemanha na 1ª guerra mundial
que Gandhi realizasse o mesmo que havia realizado na deixou o país devastado, em grande crise econômica e
África do Sul. social, além de enfraquecer o nacionalismo dos alemães.
Logo em seguida a Alemanha foi regida, democratica-
Por conta de seu posicionamento transgressor, mente, por um governo de centro-esquerda. Devido às
mas não violento, Gandhi foi preso diversas vezes. No
dificuldades ocasionadas do pós-guerra, surge um sen-
entanto, suas prisões constantes davam forças às suas
crenças e aos seguidores de suas propostas. Gandhi foi timento de revolta contra o Estado. Hitler se filiou, nes-
a principal figura da luta anticolonial indiana, usando se contexto, ao Partido dos Trabalhadores Alemães, um
um método inovador de manifestação pacífica contra a partido conservador com ideais nacionalistas, antissemi-
dominação britânica. Um dos exemplos mais marcantes tas e antimarxistas. O programa do partido seguia:
de seus atos de desobediência civil pacífica foi o que fi-
[…] exigência de uma Alemanha Maior, [com mais] terras e
cou conhecido como “Marcha do sal”, uma caminhada colônias, discriminação contra os judeus e negação de cida-
que durou 25 dias até o litoral da Índia, em que Gandhi, dania a eles, rompimento da “escravidão dos juros”, confis-
juntamente com seus seguidores, protestavam contra a cos de lucros de guerra, reforma agrária, proteção da classe
proibição aos indianos de extraírem o sal de seu próprio média, perseguição dos especuladores e regulamentação
território, proibição essa imposta pelos ingleses. Esse rígida da imprensa […].
percurso angariou muitos apoiadores para a sua causa e
ocorreu em 1930. Por conta das conturbações sofridas, o povo co-
meça a confiar em Adolf Hitler, que logo torna-se líder
Sua teoria pautava-se no Satyagraha, ou seja, do Partido que havia se filiado, e, então, passa a perse-
em estratégias pacificadoras, adotando a não violência guir todos os outros partidos, tanto os de direita quan-
e a paciência. Gandhi criticava o sistema de castas da ín- to os de esquerda; o Tratado de Versalhes é ignorado e
dia, pois ele defendia a igualdade entre os povos, por a ambição do governante se estende a outras nações,
isso foi assassinado em 1948, por um hindu radical que
como a Tchecoslováquia, a Áustria e, por fim, a Polônia.
não admitia o desrespeito de Gandhi a esse sistema.
É nesse primeiro contexto que Mahatma Gandhi é con-
Ainda surgem diversas controvérsias sobre o po- vencido de que deveria mandar cartas a Hitler.
sicionamento de Gandhi em relação à superioridade dos
indianos, em relação aos africanos e à maneira como tra- Obra
tava sua mulher e as meninas, porém não se pode confir-
mar nem discordar por não haver dados concretos sobre Primeira carta
isso.
AS. At Wardha
Destinatário C.P.
Adolf Hitler nasceu na Áustria, em 1889. Sua
infância foi marcada por uma situação econômica agra- ÍNDIA
dável, mas também pela orfandade. Aos 18 anos, vive
apenas da renda obtida da herança e pensão dos pais. 23.07.1939

A associação de Hitler com movimentos da ex- “Caro amigo,


trema-direita na Alemanha teve início após a derrota dos
alemães na 1ª Grande Guerra. Hitler já havia se alistado Amigos têm urgido para que eu escreva para você pelo
bem da humanidade. Porém, eu estava resistindo aos

Tudo Sobre o PAS UnB 209


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

pedidos, isso por causa do sentimento de que qualquer truosos e impróprios com a dignidade humana... Como a
carta minha seria uma impertinência. Algo me diz que Checoslováquia, que você humilhou, a Polônia, que você
eu não devo avaliar e que eu preciso fazer o meu apelo estuprou, e a Dinamarca, que você engoliu.
independentemente do valor.
Para mim, é inacreditável saber que você não enxerga
Está bem claro que, hoje, você é a única pessoa no mundo que isso não é monopólio de ninguém. Se não os britâ-
que pode prevenir uma guerra que vai reduzir a huma- nicos, algum outro poder vai melhorar o seu método e
nidade ao estado selvagem. Você precisa mesmo pagar vencê-lo com a sua própria arma. Você não está deixan-
esse preço por um objetivo por mais digno que ele possa do legado para o seu povo, do qual ele se orgulharia. Ele
parecer para você? Você vai ouvir ao apelo de alguém não pode sentir orgulho de um recital de crueldade que
que deliberadamente evitou o método de guerra com um foi habilmente planejado. Portanto, eu faço um apelo
sucesso considerável? De qualquer forma, eu espero o para que você pare a guerra em nome da humanidade.
seu perdão se errei escrevendo para você.
Eu sei o que os grilhões britânicos significam para nós e
Atenciosamente, para as raças não europeias no mundo. Mas nós nunca
desejamos o fim do mando britânico pelo início do ale-
Do seu amigo sincero mão. Nós encontramos a força na não violência que, se
organizada, pode sem qualquer dúvida bater de frente
M.K. Gandhi” com qualquer combinação entre as forças mais violentas
no mundo.
23 de julho de 1939.
Durante esta estação, enquanto os corações dos povos
Análise
da Europa anseiam por paz... É muito pedir que você faça
A primeira carta escrita por Mahatma Gandhi a um esforço por isso?”.
Adolf Hitler apresenta um tom extremamente pacífico e
Análise
instrutivo. Gandhi destaca suas conquistas consideráveis
como algo que possa modificar a perspectiva de Hitler À época da segunda carta, Adolf Hitler
sobre os confrontos a outros países. comandava o início da Segunda Guerra Mundial. Hitler
defendia o social-darwinismo, ou seja, o predomínio de
No entanto, tal correspondência nunca chegou
uma raça superior, o que ia de encontro ao defendido
a seu destino, pois fora interceptada pelo governo bri-
por Gandhi. O indiano praticava o hinduísmo, e em sua
tânico – responsável pela Índia e pelo que era enviado a
religião, há a divisão por castas – categorizar as pessoas
outras nações.
desde seu nascimento como grupos de elite a intocáveis.
Posteriormente ao envio da carta, as tropas
Em relação ao apresentado na correspondência
alemãs avançaram fortemente e passaram pelo período
de 1940, Gandhi apela para a humanidade de Hitler. Ao
de ascensão de suas conquistas. De 1939 a 1941 a Ale-
afirmar “é inacreditável saber que você não enxerga que
manha massacrou outras nações, resultando na expan-
isso não é monopólio de ninguém”, o indiano reforça
são da guerra e tal acontecimento deixou a população
acreditar no sentido humanitário do ditador nazista.
mundial amedrontada. Nesse contexto, Gandhi se sentiu
motivado a enviar outra carta a Adolf Hitler em 1940, Gandhi se mostra incrédulo com a ambição de
com um tom muito diferente da primeira. Mais extensa, Hitler, como Drummond diz “Meus olhos são pequenos
objetiva e contundente. para ver/ o mundo que se esvai em sujo e sangue”, em
seu poema Visão 1944.
Segunda carta
A guerra deixou como legado mais do que ruí-
Carta para Adolf Hitler, 1940, WARDHA
nas. Obrigou a sociedade a enfrentar a barbárie, obser-
24 de dezembro de 1940 var a devastação que preconceitos, ambições e a ideia de
superioridade podem ocasionar. Milhões de vidas foram
“Caro amigo, ceifadas. Foi nesse ambiente que surgiu a necessidade
da criação de uma instituição que preze pela paz entre
Eu te chamar de amigo não é qualquer formalidade. Eu os Estados, a ONU: Organização das Nações Unidas, em
não possuo inimigos. Pelos últimos 33 anos, meu negócio 1945.
na vida tem sido aumentar a irmandade dentro de toda a
humanidade, tornando os homens amigos, independen- Carta
te de raça, cor ou fé.
O produtor do texto epistolar pode falar em seu
Os seus pronunciamentos e escritas... não deixam espa- nome, ou nome de um grupo (sua comunidade, sua clas-
ço para dúvidas de que muitos dos teus atos são mons- se, uma associação), e destina-se a alguém (personalida-
de, instituição, sociedade como um todo).

Tudo Sobre o PAS UnB 210


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A carta utilizada classifica-se como uma carta Andrade, nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler, e
pessoal. São suas principais características: em Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud,
que reiteram o papel dos intelectuais em promover refle-
- local e data; xões sobre questões sociais, como o autoritarismo e a vio-
lência. (Página 8, primeiro parágrafo)
- vocativo inicial (“Caro amigo”);
Tipos e gêneros
- apresenta uma tese, um ponto de vista, um argumento
a ser defendido; Para formular e articular argumentos adequa-
damente é fundamental considerar os gêneros textuais
- interlocução explícita (“nós”, “você”, “seu” método, como materializações linguísticas e produtos que circulam
etc); socialmente. É imprescindível observar os usos desses gê-
neros nas diversas áreas de conhecimento e de interação
- frequência de expressões com valor de vocativo; humana. Eles devem ser considerados a partir de um con-
junto de parâmetros essenciais para melhor compreensão
- esclarece o fato social ou político que motivou a carta. da realidade por meio da linguagem. Para tanto, é preciso
- por ser pessoal, há liberdade maior sobre os termos definir primeiramente aspectos comunicacionais. Inicial-
mente, é necessário definir o objetivo do texto, e o modo
utilizados, cabendo expressões informais e afetuosas;
de organização — tipo e gênero empregado, a fim de que
- despedida e assinatura: a despedida tende a variar de- a interlocução venha a atingir os objetivos pretendidos. É
pendendo do grau de intimidade estabelecido pela con- importante saber quem são os interlocutores envolvidos
vivência, podendo ser formal ou mais cortês; para definir a modalidade de linguagem a ser empregada
e o porquê. Como vemos nas cartas À Doutora Nise Siquei-
- assinatura: constará apenas o nome do remetente, sem ra, de Carlos Drummond de Andrade, Cartas que Gandhi
atribuição ao sobrenome, algo bem simples, sem resquí- escreveu para Hitler, e em Por que a Guerra? Indagações
cios de formalidades. entre Einstein e Freud, em que interlocutores com uma


história de vida conhecida se correspondem com o intuito
de refletir sobre a violência, o autoritarismo e as possibili-
dades de resistência. (Página 13, segundo parágrafo)

Citações da Obra na Matriz de Referências Estruturas

O ser humano como um ser que interage A elaboração de um texto escrito é sempre conse-
quência não só de aprendizados linguísticos, como tam-
Desse modo, torna-se possível não apenas com- bém da assimilação de comportamentos linguístico-so-
preender o mundo e os outros, como também compreen- ciais. Buscar estratégias adequadas para uma produção
der as próprias experiências, com reflexões sobre a violên- satisfatória de textos escritos representa o domínio do
cia e sobre o autoritarismo e seus impactos na vida dos suporte das estruturas da língua, ou da gramática, como
seres humanos, conforme ilustram as Cartas que Gandhi exemplificam os textos Universidade Para quê ?, de Darcy
escreveu para Hitler e Por que a guerra? Indagações en- Ribeiro, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe me-
tre Einstein e Freud, a peça Perdoa-me por me traíres, de rece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo e as
Nelson Rodrigues, o documentário Cartas para além dos cartas A Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
muros, de André Canto, e o artigo Prevenção de HIV-Aids Andrade, Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por
na concepção de jovens soropositivos. (Página 5, quinto que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página
parágrafo) 18, terceiro parágrafo)

Indivíduo, cultura, estado e participação política Cenários contemporâneos

Nesta etapa, exige-se uma conscientização sobre Nesta etapa, levantam-se questões acerca da
a organização e a participação política do ser humano. construção da cidadania e da democracia nos séculos XX
Nesse sentido, os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), e XXI, problematizando aspectos da globalização e suas
de Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe, implicações na constituição de cenários contemporâ-
são obras fundamentais para pensar tanto o presente neos. Um dos elementos problematizados é a violência,
como o futuro da humanidade a partir dessa conscienti- debatida por Hannah Arendt no texto Sobre a violência
zação. Questões sobre a participação política, estruturas (capítulo 2 e 3, 1970) e por Achille Mbembe em Necro-
de violência e responsabilidade social podem ser eviden- política (2018), em que o autor apresenta o processo de
ciadas pelos documentários À Margem do Corpo, de Dé- colonização e descolonização a partir de uma perspectiva
bora Diniz, e Carta para além dos muros, de André Canto. da epistemologia africana e decolonial, a fim de pensar
Produções que reafirmam o papel do campo acadêmico e as relações com o Estado, guerra e Direitos Humanos em
científico no debate público nacional podem ser vistas nas zonas de conflito como a Palestina ou o Regime do Apar-
cartas À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de theid na África. Esse debate, em parte, se mostra presente

Tudo Sobre o PAS UnB 211


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

em discursos de personalidades marcantes do século XX,


como na carta Por que a Guerra? Indagações entre Eins-
tein e Freud (1932), que retrata as causas do conflito, e
nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler (1939). No
texto A noite dissolve os homens, de Carlos Drummond
de Andrade, é possível perceber uma crítica contundente
às ditaduras fascistas e populistas da primeira metade do
século XX, temática também relacionada à obra Quarteto
para o fim dos tempos nos movimentos I, VI e VIII (1941),
de Oliver Messiaen. (Página 26, segundo parágrafo)

Espaços

Nesse sentido, as contradições estão bem marca-


das no século XX, que foi palco de revoluções e guerras
que reconfiguraram o cenário mundial, temáticas abor-
dadas na obra Sobre violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
Arendt, na tela Autorretrato como um soldado, de Ernst
Kirchner, o afresco Hidalgo incendiário, de José Clemen-
te Orozco, a música Quarteto para o fim dos tempos (1º
Movimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à
imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, e as Cartas
que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Guerra? In-
dagações entre Einstein e Freud. (Página 35, terceiro pa-
rágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 212


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


A Noite Dissolve os Homens - Carlos
Drummond de Andrade

Autor
Mundo mundo vasto mundo, uma geração marcada por grandes transformações, que
se eu me chamasse Raimundo influenciaram o seu modo de pensar e se portar em so-
seria uma rima, não seria uma solução. ciedade, tais como a ascensão de movimentos totalitá-
Mundo mundo vasto mundo, rios ao poder, a segunda guerra mundial, a revolução
mais vasto é meu coração. de 30 seguida pela Era Vargas e pouco tempo depois o
- Poema de sete faces regime militar no Brasil. Esses momentos de tensões re-
verberaram em sua escrita, intimista, engajada e crítica.
Um homem observador, reservado e simples,
mas dono de um enorme coração, esse era Carlos Drum- Autor de poemas consagrados como “E agora,
mond de Andrade. O poeta nasceu no dia 31 de outu- José? ”, “Quadrilha”, “Morte do leiteiro“ e “Poema de
bro, em 1902, no município de Itabira, interior de Minas sete faces“, recebeu diversos prêmios, como o Jabuti, em
Gerais. Apesar de também escrever contos, crônicas e 1968, pela obra “Versiprosa”. Contudo, também recusou
ensaios, foi com a poesia que Drummond se tornou re- alguns como o Troféu Juca Pato. Além disso, Drummond
ferência na literatura brasileira, sendo considerado por mantinha uma postura mais retraída e rejeitou as pro-
muitos críticos o maior poeta brasileiro. Ao lado de gran- postas de ingressar na Academia Brasileira de Letras.
des escritores como Mário Quintana, Cecília Meireles e
Clarice Lispector, fez parte da segunda geração moder- No dia 17 de agosto de 1987, no Rio de Janeiro,
nista responsável por consolidar e aprofundar as inova- Carlos Drummond falece, semanas após a morte de sua
ções propostas pela primeira fase do movimento. filha Maria Julieta. Meses antes, o poeta recebeu uma
homenagem da escola de samba Estação Primeira de
Filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e Mangueira e foi tema do samba-enredo da escola. Por
de Julieta Augusta Drummond de Andrade, o escritor era fim, Carlos Drummond de Andrade foi um escritor aten-
o nono filho do casal. Em sua juventude, já demonstra- to à sua realidade, buscou em suas obras representar os
va o seu talento para a escrita ganhando os concursos sentimentos, os conflitos, as angústias, as paixões e as
literários promovidos na escola. Em 1920, sua família se frustrações do ser humano, no geral. Mas, além de es-
muda para Belo Horizonte e Carlos Drummond começa crever a respeito do universal, trabalhou também com
a publicar alguns dos seus trabalhos no jornal Diário de o particular, escreveu a respeito da sua cidade natal, Ita-
Minas. Por pressão dos pais, ingressa no curso de farmá- bira, da sua infância e de suas saudades. Sem perder o
cia na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Hori- humor, entregou-se por completo ao ato de escrever. E
zonte e se forma em 1925, mesmo ano em que se casa a sua obra continua sendo lida e estudada atualmente,
com Dolores Dutra de Morais. uma vez que ela é atemporal e reflete acerca de ques-
tões ainda enfrentadas na contemporaneidade. Esse é
Por mais que tenha concluído o curso de farmá- um dos motivos que faz de Drummond um autor querido
cia, Drummond, não exerce a profissão. Durante um bre- e amado por tantos.
ve período de sua vida, o poeta mineiro foi professor e
redator do jornal Diário de Minas. Em 1927 nasce o seu
primeiro filho, Carlos Flávio, que vive apenas por poucas Obra
horas e acaba falecendo, contudo, no ano seguinte nasce A noite dissolve os homens faz parte do tercei-
Maria Julieta, companheira de vida do escritor. No mes- ro livro de Carlos Drummond de Andrade, “Sentimento
mo ano publica o seu famoso poema “No meio do ca- do mundo”, publicado em 1940. A poesia de Drummond
minho” na revista modernista de Antropofagia, gerando faz parte da segunda fase modernista, uma fase mais
no período um alvoroço motivado pela linguagem e pelo engajada com as questões políticas e sociais. A obra foi
tema completamente diferente dos que eram trabalha- publicada diante de um cenário mundial instável, uma
dos. Ainda em 1928, Drummond entra para o serviço pú- vez que com a crise de 1929, gerada a partir da quebra
blico, e exerce diferentes cargos até a sua aposentadoria da bolsa de valores de Nova Iorque, vários países entra-
em 1962, no Rio de Janeiro, como chefe da Diretoria do ram em crise e isso propiciou a ascensão de movimentos
Departamento Histórico e Artístico Nacional – DPHAN. totalitários como o fascismo e o nazismo pelo mundo.
Em 1930 o poeta publica o seu primeiro livro intitulado Enquanto isso, no Brasil, as pessoas viviam sob o regime
“Alguma poesia”, o primeiro de muitos outros lançamen- ditatorial do Estado Novo.
tos, como “Sentimento do mundo“ (1940), “Claro enig-
ma“ (1951), “Amar se aprende amando“ (1985), entre A angústia e a incerteza eram sentimentos pre-
outros. sentes na sociedade, e essa tensão aparece no poema “A
noite dissolve os homens”, que, através de uma lingua-
Drummond foi um autor versátil, que escreveu a gem simples, evidencia a desesperança e o pessimismo
respeito de diversos temas envolvendo questões sociais, do homem em meio a uma sociedade dominada pela es-
filosóficas, existenciais, políticas e biográficas. Viveu em curidão. Carlos Drummond de Andrade dedica o poema

Tudo Sobre o PAS UnB 213


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

a Candido Portinari, pintor brasileiro modernista, dono Morte e muito sangue, porém, apesar disso a aurora
de obras famosas como “O mestiço” (1934), “O café” veio em resposta a esses movimentos violentos e trouxe
(1934), “Os retirantes” (1944) e “Criança morta” (1944). luta e resistência, por diversos meios, em forma de arte
Portinari se posicionou contra a repressão vigente no e de protestos. A aurora veio e a humanidade segue em
país durante o Estado Novo. busca do nascer do sol.

Dividido em três estrofes, que se contrastam, Poema


os versos do poema são brancos e livres, ou seja, não
seguem um padrão de métrica ou rima definidos. Os ver- A palavra poema possui origem grega, pois é
sos da primeira estrofe são curtos e breves em oposição derivada do vocábulo poein que significa “fazer, criar,
aos da segunda que são mais longos. As antíteses noi- compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona
te e aurora e luz e treva aparecem no decorrer do poe- diretamente com a literatura e com os gêneros literários.
ma, uma vez que a noite surge como uma metáfora da Tem como principal característica a liberdade poética,
guerra, da violência e do domínio das pessoas e a aurora isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se
surge metaforicamente para simbolizar a esperança, re- expressar da maneira que deseja, podendo ou não se-
velando um grande desejo de transformação. O poema guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté-
é claramente político, e faz referência ao contexto social ticas da língua.
vigente, criticando diretamente movimentos opressores
como o fascismo. Como gênero, o poema, possui algumas carac-
terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê-
Logo na primeira estrofe, o eu-lírico assume uma neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em
postura negativa. Há uma constante repetição da palavra estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e
noite que representa um ambiente instável, perigoso e rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa-
autoritário, que ronda a vida das pessoas. A noite aos cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a
poucos vai descendo até o momento em que despenca trova, o rondó e dentre outros. Contudo, é importante
e traz consigo suspiros, tristeza, medo e por fim a mor- ressaltar que não são todos os poemas que seguem essa
te, que é “a presença negra que paralisa os guerreiros” estrutura, em muitos há a predominância de efeitos so-
(verso 8). O eu-lírico ainda menciona que a noite se apre- noros e gráficos, por exemplo, a poesia concreta e a ciné-
senta grandiosa e completa, ao afirmar que é ela quem tica. Além disso, em muitos poemas temos a presença
dita as normas para os homens. O poeta refere-se aos do eu-lírico, que nem sempre coincide com o autor do
líderes dos regimes autoritários, que com suas fardas se poema, uma vez que esse é a pessoa fictícia criada pelo
mostram superiores ao povo e buscam a todo custo se poeta e que dá voz ao poema, a exemplo disso, temos o
manter no poder manipulando e controlando a tudo e poeta português Fernando Pessoa e seus heterônimos
a todos. Ademais, no último verso da primeira estrofe, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
o eu-lírico expressa todo o seu pessimismo, concluindo
que os suicidas estavam corretos e não haveria mais so- Ademais, é importante destacar que poema e
lução para o mundo, que se encontra perdido diante de poesia não são a mesma coisa, uma vez que a poesia é
tamanha escuridão. um conceito mais amplo, que se relaciona com a subjeti-
vidade e pode ser encontrada na prosa, em uma pintura,
Já na segunda estrofe, o eu-lírico assume uma em um filme e nas variadas maneiras de se expressar ar-
postura mais otimista e eufórica, uma vez que existe a tisticamente.


aurora que possibilita o nascer do sol, ou seja, o nasci-
mento de uma nova realidade. A aurora se apresenta
como um movimento de oposição à noite e a tudo o que
ela representa. Enquanto que na primeira estrofe o eu-
-lírico não se coloca, em nenhum momento, em primeira Citações da Obra na Matriz de Referências
pessoa, na segunda estrofe, o “eu” se manifesta assu-
mindo uma visão esperançosa do futuro. Para o eu-lírico, O ser humano como um ser que interage
a aurora surgirá acima de toda violência e ódio, e aos
poucos além de expulsar ela irá acabar com toda a treva Logo, só podem ser plenamente compreendidas
oriunda desses regimes dominadores. O eu-lírico perso- em uso, integrando o texto ao contexto — interlocutores,
nifica a aurora e a atribui face e dedos, essa humaniza- objetivos, modalidade da língua ou linguagem artística —,
ção ocorre para enfatizar que algo novo está surgindo e para que as experiências prévias, ou seja, o conhecimento
trará consigo união, alegria e leveza. O poema é finaliza- de mundo do leitor, se articulem com as experiências de
do com a afirmação de que por mais violenta que a noi- leitura propostas pelo texto e construam significados rele-
te possa ser, haverá sobreviventes e o sangue tingirá e vantes no processo linguístico da leitura, como se observa
fortalecerá a aurora e o mundo se tingirá com essa tinta. em A noite dissolve os homens, de Carlos Drummond de
Andrade, e Esses chopes dourados, de Jorge Wanderley.
Mal sabia Drummond o que o futuro reserva- (Página 5, quarto parágrafo)
va para o Brasil e para o mundo, a noite veio e trouxe
consigo a segunda guerra mundial, as bombas atômicas,
as ditaduras militares na América Latina e a guerra fria.

Tudo Sobre o PAS UnB 214


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Indivíduo, cultura, estado e participação política Cenários contemporâneos

Reflexões presentes nos poemas Consoada, de Nesta etapa, levantam-se questões acerca da
Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina César, Poema construção da cidadania e da democracia nos séculos XX
aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst, e A noite e XXI, problematizando aspectos da globalização e suas
dissolve os homens, de Carlos Drummond de Andrade, implicações na constituição de cenários contemporâ-
trazem elementos que complementam os diferentes olha- neos. Um dos elementos problematizados é a violência,
res sobre as relações entre indivíduo e cultura. O poema debatida por Hannah Arendt no texto Sobre a violência
Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, reflete (capítulo 2 e 3, 1970) e por Achille Mbembe em Necro-
sobre a capacidade do indivíduo de alimentar a esperan- política (2018), em que o autor apresenta o processo de
ça e organizar formas de resistência, bem como explora a colonização e descolonização a partir de uma perspectiva
potencialidade das palavras e seus significados. (Página da epistemologia africana e decolonial, a fim de pensar
9, primeiro parágrafo) as relações com o Estado, guerra e Direitos Humanos em
zonas de conflito como a Palestina ou o Regime do Apar-
Tipos e gêneros theid na África. Esse debate, em parte, se mostra presen-
te em discursos de personalidades marcantes do século
No âmbito da linguagem, alguns desses aspectos XX, como na carta Por que a Guerra? Indagações entre
podem ser observados na novela O recado do morro, de Einstein e Freud (1932), que retrata as causas do conflito,
João Guimarães Rosa, bem como no romance Sargento e nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler (1939). No
Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, que apresentam a moda- texto A noite dissolve os homens, de Carlos Drummond
lidade oral da língua, com suas variações regionais e múl- de Andrade, é possível perceber uma crítica contundente
tiplas possibilidades lexicais. Nos poemas A noite dissolve às ditaduras fascistas e populistas da primeira metade do
os homens, de Carlos Drummond de Andrade, Consoada, século XX, temática também relacionada à obra Quarteto
de Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina Cesar, e Te- para o fim dos tempos nos movimentos I, VI e VIII (1941),
cendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, o uso dos de Oliver Messiaen. (Página 26, segundo parágrafo)
recursos expressivos da linguagem é determinante para
se perceber a intencionalidade discursiva da obra. (Página
12, segundo parágrafo) Questões, Justificativas e Dicas
Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
As discussões acerca de tipos e gêneros em obras que
tratam de abordagens inseridas em contextos sociais Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá-
ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
Anotações e Rascunhos
pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
literatura. (Página 12, quarto parágrafo)

Estruturas

No campo social, as estruturas de organização


excludentes oprimem, matam, segregam, o que pode ser
percebido nas obras Entenda o que é Racismo Estrutural –
Canal do Preto e nos poemas A noite dissolve os homens,
de Carlos Drummond de Andrade, Quebranto, de Cuti, Es-
ses chopes dourados, de Jorge Wanderley, e Poema aos
homens de nosso tempo, de Hilda Hilst. Na organização
das sociedades, as estruturas de poder e dos governos de-
vem ser pensadas e problematizadas, como evidenciam
os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren-
dt, e Necropolítica, de Achile Mbembe. (Página 16, segun-
do parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 215


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Consoada - Manuel Bandeira

Autor
O poeta brasileiro Manuel Carneiro de Sousa Em 1930 publica o livro de poesia “Libertina-
Bandeira Filho nasceu no dia 19 de abril, em 1886, na gem”, obra que traz poemas consagrados do autor como
capital pernambucana. Manuel Bandeira foi um dos pre- “Pneumotórax”, “Vou-me embora pra Pasárgada” e
cursores do movimento modernista na literatura brasi- “Evocação ao Recife”. É com esse livro que Bandeira atin-
leira, e além de poesia escreveu crônicas, críticas, tradu- ge a sua maturidade na escrita modernista. Além de pré-
ções e organizou antologias. Pertencente a uma família -modernista, o poeta também pertence à primeira ge-
abastada economicamente composta por advogados, la- ração modernista, que vai de 1922 a 1930. Em sua obra
tifundiários e políticos, o escritor era filho do engenhei- prioriza e transforma temas cotidianos – considerados
ro Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de Francelina banais por muito tempo – em poesia, faz uso de uma lin-
Ribeiro. guagem mais coloquial e faz uso das métricas livremen-
te. Pelo conjunto de suas poesias recebeu prêmios como
Manuel Bandeira viveu parte de sua infância o da Sociedade Felipe D’Oliveira e o prêmio de poesia do
em Recife, mas, após alguns anos, sua família decidiu se Instituto Brasileiro de Educação e Cultura
mudar para São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1903, aos
dezessete anos, iniciou o curso de arquitetura na escola Ademais, em 1940 é eleito para participar da
politécnica de São Paulo, mas não concluiu seus estudos, Academia Brasileira de Letras, sendo o terceiro ocupan-
uma vez que descobriu estar tuberculoso. Em virtude te da cadeira vinte e quatro. Atualmente sua biblioteca
da doença, o poeta precisou se mudar constantemente pessoal encontra-se sob os cuidados da Academia e seu
em busca de climas serranos, morou em cidades como acervo pessoal com fotos, correspondências, documen-
Campanha, Petrópolis, Teresópolis, entre outras. Embar- tos, entre outros está sob a guarda da Fundação Casa
ca para Europa em 1913 para se tratar em um sanatório de Rui Barbosa. No poema intitulado “Último poema”, o
na Suíça, nessa viagem adquire um maior contato com a autor expressa a sua vontade de como queria que fosse
poesia simbolista e conhece o poeta francês Paul Éluard, o seu último poema, ele revela o seu desejo pela sim-
e no ano seguinte retorna ao Brasil devido o início da plicidade, beleza, emoção, pureza e paixão; sentimentos
primeira Guerra Mundial. que são encontrados, não apenas no seu último poema,
mas também em toda a sua rica poesia que o consagra
A melancolia perpassa toda a sua obra e é co- como um dos grandes nomes da poesia brasileira.
mum encontrar em seus livros temas relacionados à so-
lidão, à fragilidade da vida, à morte, à tristeza, à infância
e à saudade. Por vezes, retrata e relembra, com certa
Obra
leveza, sua vida no Recife e seus familiares, a exemplo O poema Consoada faz parte do livro de poesias
disso está o poema “Cartas ao meu avô”. Devido a tuber- “Opus 10”, de Manuel Bandeira, publicado em 1952. O
culose, Manuel precisou se recolher, mas isso não o im- poeta já havia atingido a sua maturidade na escrita mo-
pediu de escrever. Em 1917, publica o seu primeiro livro, dernista quando publicou o livro. O poema Consoada
“A cinza das horas”, no qual ainda é possível encontrar possui características modernistas e traz como tema a
referências parnasianas e simbolistas, porém, em 1919 o morte, tema comum nos trabalhos de Bandeira, uma vez
escritor lança o livro de poesias “Carnaval”, em que rom- que por possuir uma saúde frágil devido à tuberculose,
pe com a estética da poesia tradicional, com poemas es- o poeta estava constantemente à espera da morte. Por
critos em versos livres, antecipando o movimento literá- mais que o escritor tenha vivido até os oitenta e dois
rio e artístico que logo surgiria no Brasil – o modernismo. anos, por vezes, ele foi desenganado pelos médicos e
O poeta pernambucano não participou pessoalmente da precisou viver uma vida mais reclusa da sociedade, que
semana de arte moderna, em 1922, no teatro Municipal o levou a escrever sobre os seus medos, desejos, angús-
da cidade de São Paulo, mas o seu poema “Os sapos”, tias e saudades.
que por meio da sátira faz uma crítica ao rigor emprega-
do na poesia parnasiana, foi lido por Ronald de Carvalho. Antes de começar a análise do poema, é impor-
tante ter o primeiro contato direto com a obra. Sendo
A vida por mais incerta que podia parecer para assim, logo abaixo o poema e o glossário das palavras
Manuel Bandeira, por causa da tuberculose, foi longa estão disponíveis.
e produtiva. O escritor faleceu aos 82 anos, no dia 13
de outubro, em 1968, no Rio de Janeiro. Não teve filhos Consoada
biológicos, mas deixou o seu legado para as gerações se-
guintes. Foi professor de literatura, escreveu críticas lite- Quando a Indesejada das gentes chegar
rárias, musicais e de artes plásticas em jornais e revistas, (Não sei se dura ou caroável),
organizou antologias e estudos de poetas e de autores talvez eu tenha medo.
brasileiros, além disso fez colaborações tanto na revista Talvez sorria, ou diga:
modernista Klaxon quanto na revista de Antropofagia. — Alô, iniludível!

Tudo Sobre o PAS UnB 216


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

O meu dia foi bom, pode a noite descer. cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a
(A noite com os seus sortilégios.) trova, o rondó e dentre outros. Contudo, é importante
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, lembrar que nem todo poema segue essa estrutura, em
A mesa posta, muitos há a predominância de efeitos sonoros e gráfi-
Com cada coisa em seu lugar. cos, por exemplo, a poesia concreta e a cinética. Além
disso, em muitos poemas temos a presença do eu-lírico,
que nem sempre coincide com o autor do poema, uma
Glossário vez que esse é a pessoa fictícia que dá voz ao poema, a
exemplo disso, temos o poeta português Fernando Pes-
Caroável: Que mostra amabilidade ou afeto; gentil; ami-
soa e seus heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Cam-
go.
pos e Ricardo Reis.
Consoada: Pequena refeição que os católicos tomam à
Ademais, é importante ressaltar que poema e
noite quando jejuam; banquete ou refeição festiva na
poesia não são a mesma coisa, uma vez que a poesia é
noite de Natal. um conceito mais amplo, que se relaciona com a subje-
Iniludível: Não iludível; evidente. tividade e também pode ser encontrada na prosa, em
uma pintura, em um filme e nas variadas maneiras de se
expressar artisticamente.


Sortilégio: Bruxaria; encanto exercido por alguém ou
algo; atração, fascinação.

Logo no início do poema, o poeta utiliza como


metáfora para morte a expressão “a Indesejada das gen-
tes”. O eu-lírico deixa evidente que em algum momen- Citações da Obra na Matriz de Referências
to ela chegará e durante o poema, além de suavizar a
tensão que normalmente é gerada nas pessoas ao pen- O ser humano como um ser que interage
sar em sua aproximação, o poeta a humaniza, ao cogi-
A linguagem resulta dessa capacidade para inte-
tar ter um diálogo com ela e ao atribuir características
ragir e, ao examinar a sua relação com a sociedade, a co-
a sua apresentação junto a ele, se seria dura ou gentil.
municação constituída por um sistema abstrato de formas
Além disso, o eu-lírico sabe da impossibilidade de iludir
linguísticas pode ser percebida como algo que não se con-
a morte, por isso assume uma postura de aceitação, e
cretiza por enunciação monológica, isolada, mas que se
vai além ao deixar tudo organizado e preparado para a
dá pela interação verbal. A linguagem não existe fora dos
sua chegada.
sujeitos e deve ser apreendida e examinada como uma
Com relação à sua estrutura, o poema não é di- prática humana que supõe usos concretizados por pes-
vidido em estrofes e possui versos livres, ou seja, seus soas, grupos ou classes. Essas características podem ser
versos não seguem a métrica e o ritmo da versificação percebidas, por exemplo, nos contos Viagem a Petrópolis,
tradicional. Além disso, o poeta utiliza recursos prosaicos de Clarice Lispector, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e
em sua composição, por exemplo, ao descrever o espaço nos poemas Consoada, de Manuel Bandeira, O morcego,
e ao aproximar a figura do eu-lírico com a do narrador. de Augusto dos Anjos e Quebranto, de Cuti. (Página 5, se-
Por fim, mediante uma linguagem simples e por meio de gundo parágrafo)
um tema universal, a morte, que Manuel Bandeira re-
Indivíduo, cultura, estado e participação política
presenta poeticamente de maneira leve e delicada um
encontro que durante toda a sua vida sempre esteve à Reflexões presentes nos poemas Consoada, de
espera. Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina César, Poema
aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst, e A noite
Poema dissolve os homens, de Carlos Drummond de Andrade,
trazem elementos que complementam os diferentes olha-
A palavra poema possui origem grega, pois, é res sobre as relações entre indivíduo e cultura. O poema
derivada do vocábulo “poein” que significa “fazer, criar, Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, reflete
compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona sobre a capacidade do indivíduo de alimentar a esperan-
diretamente com a literatura e com os gêneros literários. ça e organizar formas de resistência, bem como explora a
Tem como principal característica a liberdade poética, potencialidade das palavras e seus significados. (Página
isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se 9, primeiro parágrafo)
expressar da maneira que deseja, podendo ou não se-
guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté- Tipos e gêneros
ticas da língua.
No âmbito da linguagem, alguns desses aspectos
Como gênero, o poema, possui algumas carac- podem ser observados na novela O recado do morro, de
terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê- João Guimarães Rosa, bem como no romance Sargento
neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, que apresentam a moda-
estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e lidade oral da língua, com suas variações regionais e múl-
rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa- tiplas possibilidades lexicais. Nos poemas A noite dissolve

Tudo Sobre o PAS UnB 217


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

os homens, de Carlos Drummond de Andrade, Consoada,


de Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina Cesar, e Te-
cendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, o uso dos
recursos expressivos da linguagem é determinante para
se perceber a intencionalidade discursiva da obra. (Página
12, segundo parágrafo)

Estruturas

Nesta etapa, é possível perceber a interação do


ser humano com estruturas existentes e sua capacidade
para transformá-las, além da possibilidade de criá-las. No
campo estético, para que se compreenda uma estrutura,
são necessárias a observação da construção e a reconstru-
ção contínua dos significados, estabelecendo relações de
múltiplas naturezas, individuais, sociais e culturais, proce-
dendo à análise de cada parte ou objeto. Como exemplo
disso, em Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto,
a arquitetura do poema mediante o entrelaçar de versos
possibilita leituras polissêmicas, conforme a combinação
entre eles, o que se percebe em Consoada, de Manuel
Bandeira. (Página 16, primeiro parágrafo)

Ambiente e evolução

No campo das ciências biológicas, o tema do cor-


po humano, da vida, das relações dos corpos humanos
em conjunto e do ambiente são reflexões permanentes
e podem ser problematizados na obra Sobre a violência
(capítulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção
e a regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres,
de Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes,
na pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de
Manuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
na obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no
poema O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza
no mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano
diante de sua própria consciência. (Página 24, quarto pa-
rágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 218


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


O Recado do Morro - João Guimarães
Rosa

Autor
Filho de Florduardo Pinto Rosa e Francisca Gui- Entre outros prêmios, recebeu o Prêmio Filipe
marães Rosa, João Guimarães Rosa nasceu em 27 de ju- d’Oliveira, em 1946, pelo livro “Sagarana” e o Prêmio
nho de 1908, na cidade de Cordisburgo, interior de Mi- Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro pelo
nas Gerais. Mudou-se para a casa dos avós, localizada conjunto da obra, em 1961. Foi eleito pela a Academia
na capital mineira Belo Horizonte, em 1918, então com Brasileira de Letras, em 1963, para ocupar a cadeira dei-
10 anos, onde deu continuidade aos estudos no Colégio xada por João Neves da Fontoura, mas só tomou pos-
Arnaldo. Em 1930, aos 22 anos, formou-se em medicina se em novembro de 1967. Guimarães Rosa faleceu dia
pela Faculdade de Medicina da Universidade de Minas 19 de novembro de 1967, aos 59 anos, três dias depois
Gerais, mas não exerceu a profissão por muito tempo. de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Neste
mesmo ano, seria indicado ao Prêmio Nobel de Litera-
Guimarães Rosa, como é mais conhecido, era tura, mas teve sua candidatura barrada devido ao seu
autodidata. Ou seja, tinha a facilidade de aprender sozi- falecimento.
nho, sobre diversos assuntos, sem o auxílio de professo-
res. Falava, fluentemente, seis idiomas: inglês, francês, Obra
espanhol, italiano, alemão e esperanto. Além de ler em
sueco, latim, grego e holandês. Guimarães Rosa também Escrita por João Guimarães Rosa, “O recado do
estudava as gramáticas de outras línguas, como as do morro” é uma das sete estórias que compõem o livro
húngaro, árabe, sânscrito, lituano, polonês, tupi, hebrai- “Corpo de baile”, publicado em 1956. Posteriormente,
co, japonês, tcheco, finlandês e dinamarquês. Segundo o em 1964, em sua 3ª edição, a obra é dividida em três
autor, conhecer a estrutura de outras línguas ajudava a volumes: Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, no
compreender melhor o próprio idioma. Pinhém e Noites do Sertão. A novela, “O recado do mor-
ro”, faz parte do segundo volume.
Devido ao seu conhecimento em diversos idio-
mas, Guimarães Rosa, seguindo o conselho de um ami- A narrativa marca seu início em uma viagem, do
go, prestou concurso para o Itamaraty, ainda na década centro para o norte de Minas Gerais, até o rio São Fran-
de 30, conquistando a segunda colocação. Foi nomeado cisco. Uma comitiva composta por quatro pessoas: Seo
cônsul em Hamburgo, Alemanha, em 1938. Lá, junta- Alquiste ou Olquiste, Frei Sinfrão, Seu Jujuca do Açude
mente com sua segunda esposa Aracy Moebius de Car- e Ivo Crônico; e guiados pelo enxadeiro Pedro Orósio.
valho (Ara), foi responsável pela proteção e facilitação da Este último, protagonista da história, guia o grupo por
fuga de judeus perseguidos pelo nazismo. Em decorrên- diferentes regiões de Minas Gerais para que Seo Alquis-
cia disso, foram homenageados, em 1985, pelo governo te, um naturalista estrangeiro, observe, colete e registre
israelense que atribuiu seus nomes a um bosque. amostras sobre tudo que lhe chama atenção nas diferen-
tes regiões de Minas Gerais.
Apesar das outras atividades, Guimarães con-
tinuou a escrever. Em 1936, recebeu o prêmio de poe- Durante esse percurso, o grupo encontra o ere-
sia da Academia Brasileira de Letras pela coletânea de mita Malaquias, também conhecido como Gorgulho.
poemas Magma. Sua primeira publicação foi o livro “Sa- Malaquias fala à comitiva sobre um recado que lhe foi
garana”, uma coletânea de contos publicada em 1946. passado pelo Morro da Garça, logo depois se despede e
Reconhecida como uma das mais importantes obras do vai ao encontro de seu irmão Zaquia, ou Catraz. A partir
Brasil contemporâneo, ganhou o prêmio Humberto de deste momento, a viagem da comitiva, sertão adentro,
Campos, em 1937, antes mesmo de ser revisada. “Saga- segue, paralelamente, a outra viagem, a viagem do reca-
rana” já apresentava aspectos da vida e dos regionalis- do emitida pelo morro.
mos presentes na fala do povo sertanejo.
O eremita Gorgulho, ao visitar seu irmão, Za-
Mas, foi com “Grande Sertão: Veredas”, seu ter-
quias, transmite o recado que o morro emitiu. Por sua
ceiro livro, que Guimarães Rosa fez maior uso dos vocá-
vez, Zaquias, repassa a mensagem para um menino,
bulos regionalistas. Mediante vários processos, o escri-
tor recuperou, reinventou e criou vocábulos, semânticas Joãozezim. O menino encontra Guégue, um bobo que
e estruturas sintáticas. Publicado em 1952, com pouco “babava sempre um pouco, nos cantos da enorme boca
mais de 600 páginas, “Grande Sertão: Veredas” se tor- com um ou dois tocos amarelos de dentes”, e lhe trans-
nou uma das obras mais importantes da literatura bra- mite o recado: “que era o rei… Você sabe o que é rei? O
sileira, permanecendo, até hoje, objeto de estudo de que tem espada na mão, um facão comprido e fino, cha-
dissertações e teses. A obra foi traduzida para diversas ma espada. Repete. A bom… O rei tremia as peles, não
línguas, firmando Guimarães Rosa como um escritor de queria ser favoroso… Disse que a sorte quem marca é
dimensão universal. Deus, seus Apóstolos. E a Morte, tocando caixa, naquela

Tudo Sobre o PAS UnB 219


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

festa. A Morte com a caveira, de noite, na festa. E matou um músico, “fácil de conversar”. Assim, fecham-se sete,
à traição...”. o número de mensageiros.

Por conseguinte, o bobo Guégue, que não en- A relação com o número sete pode ser observa-
tendia muito bem o que o recado queria dizer e só o da outras duas vezes durante a narrativa. A quantidade
repetia em voz alta, encontra Jubileu, mais conhecido de inimigos que, aliados a Ivo Crônico - Hélio Dias Ne-
como Nominedômine, um beato que interpreta a men- mes, João Lualino, Martinho, Zé Azougue, Jovelino e Ve-
sagem como uma revelação apocalíptica. Em um dos ser- neriano - desejavam matar Pedro Orósio. E a quantidade
mões, o personagem conhecido apenas por Coletor, um de fazendas por onde a comitiva passou para se alimen-
homem que anotava nas paredes da matriz a contagem tar, ou pediu hospedagem - “a do Jove, entre o Ribeirão
dos bens e do dinheiro que ele acreditava possuir, escuta Maquiné e o Rio das Pedras; a dona Vininha, ao pé da
a mensagem já alterada pelos diversos mensageiros e a Serra do Boiadeiro; o Nhô Hermes, à beira do Córrego
repassa. Laudelim, poeta e músico, é o último a ouvir o da Capivara; a Nhá Selena, na ponta da Serra de Santa
recado. O músico, ao transformar o recado em uma can- Rita; o Marciano, na fralda da Serra do Repartimento; e,
ção, revela o significado da mensagem. o Apolinário, na vertente do Formoso”. Ademais, o nome
dos donos das fazendas por onde Pedro Orósio e a comi-
Apesar de, durante todo o trajeto da expedição, tiva passaram, e de seus inimigos que planejavam matá-
ter encontrado os mensageiros e escutado o recado di- -lo, fazem referência aos planetas e deuses mitológicos
versas vezes, Pedro Orósio nunca o entendera. Mas ao - Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno.
ouvir a canção de Laudelim, o personagem compreen-
de que o recado era destinado a ele e se referia a sua Por fim, a viagem mostra-se relevante para além
própria morte. Pedro percebe, então, que sofreria uma do deslocamento físico e geográfico. O autoconheci-
morte, “à traição”, planejada por Ivo Crônico. Dessa for- mento vivido por Pedro Orósio demonstra que a viagem
ma, entra em confronto com seus adversários e, por fim, se deu internamente também. Pedro Orósio durante o
“... com medo de crime, esquipou, mesmo com a noite, percurso se vê um homem ligado à terra e se reconhece
abriu grandes pernas. Mediu o mundo. Por tantas serras, pertencente àquela paisagem, além de ser respeitado
pulando de estrela em estrela, até aos seus Gerais”. por todos.

O Recado do Morro é narrado em terceira pes-


soa e tem sua história ambientada no sertão, centro-nor- Novela
te de Minas Gerais. A paisagem colabora para a compo- O gênero desta obra é a novela. O gênero novela
sição do enredo, na figura do pesquisador, Seo Alquiste não é fácil de ser definido, por conta das semelhanças
- quando este registra, em anotações e fotografias, ele- existentes entre ele e outros dois gêneros, o romance
mentos naturais durante o trajeto - e, na figura do perso- e o conto. No entanto, é possível afirmar que a nove-
nagem central, Pedro Orósio - o nome Pedro vem da pa- la é um gênero literário de texto narrativo, escrito em
lavra pedra e oros, de Orósio, significa montanha - que, prosa, mais extenso que o conto e menos extenso que
“a pé, descalço”, guia a comitiva. Há, ainda, o Morro das o romance.
Garças que pode ser avistado pelos viajantes durante
todo o percurso, como relatado no seguinte trecho: “... Entre as características que permeiam este gê-
duradamente se avistava o Morro da Garça, sobressain- nero está a conexão ao longo da história, entre os diver-
te… por dias e dias, caceteava enxergar aquele Morro… sos enredos. O narrador é onipresente e onisciente, ou
sempre dava ar de estar no mesmo lugar, sem se aluir, seja, está presente em todos os lugares e tem conheci-
parecia que a viagem não progredia de render, a presen- mento sobre todos os acontecimentos, respectivamen-
ça igual do Morro era o que mais cansava”. te. Por conseguinte, o enredo segue uma sequência cro-
nológica e o tempo é histórico, dependente de data e/
As pessoas que são encarregadas de passar o ou hora.
recado, emitido pelo morro, adiante, não são muito
comuns. Pode-se observar que são personagens aber- Na novela, o aprofundamento dos personagens
tos ao que não é considerado normal, convencional. O é mais importante do que o aprofundamento do enre-
primeiro, aquele com quem o morro fala diretamente, do. Os personagens são apresentados com histórias in-
era um ermitão. Um homem velho, considerado louco, e dependentes, que podem ser interligadas, não sendo
meio surdo, que vivia dentro de uma “furna, uma caver- estipulado número mínimo ou máximo de personagens,
na a cismôrro, no ponto mais brenhoso e feio da serra ficando à critério do autor a retirada ou realocamento
grande”. O segundo, também ermitão, era um “bocó” dos indivíduos nas histórias.
que vivia em uma gruta pequena, próxima à Lapa do
Breu. O terceiro, um menino, era “um caxinguelê de la-
dino… nada não perdia”. O terceiro, como já descrito an-
teriormente era um “bobo” que trabalhava na fazenda
de dona Vininha, ao pé da Serra do Boiadeiro. O quarto
e o quinto eram um doido varrido que vivia profetizando
o fim do mundo e, um que diziam também ser “gira” e
que imaginava ser rico, respectivamente. O último era

Tudo Sobre o PAS UnB 220


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
Citações da Obra na Matriz de Referências Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
O ser humano como um ser que interage da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
Nesse sentido, é possível pensar nas interações O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
humanas em suas dimensões estética, ética, política e psi- ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
cológica, considerando que a capacidade para interagir a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
permite criar valores, deslocar perspectivas e fundar me- literatura. (Página 12, quarto parágrafo)
todologias e instituições. É possível discutir a respeito de
condições dignas e sustentáveis para a existência humana Estruturas
no planeta a partir da obra Trouxas ensanguentadas, de
Artur Barrio, da performance Rhythm 0, de Marina Abra- As diferentes possibilidades de construção tex-
movic, dos documentários À margem do corpo, de Débora tual refletem nas várias estruturas das linguagens, como
Diniz, das pinturas Morro da favela, de Tarsila do Amaral, pode ser percebido tanto em obras literárias como a no-
Navio de emigrantes, de Lasar Segal, e da novela O reca- vela O recado do morro, de João Guimarães Rosa, quan-
do do morro, de João Guimarães Rosa. (Página 4, quarto to nos textos científicos Algoritmos Parciais, Criadores de
parágrafo) um mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto e Juliana
Estradioto: Futuro no presente e Prevenção de HIV-Aids
Indivíduo, cultura, estado e participação política na concepção de jovens soropositivos, por exemplo. Outro
modo textual, como o da Constituição Federal – Título II,
Como vivemos em um contexto sociocultural capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título
complexo, é imprescindível que os textos literários sejam IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, exemplifica a
entendidos como integrantes do contexto ao qual perten- estruturação do ordenamento jurídico. (Página 18, segun-
cem e como instrumentos de autoconhecimento, sociali- do parágrafo)
zação e construção do imaginário social. Isso se evidencia
no poema O morcego, de Augusto dos Anjos, nos contos Ambiente e evolução
Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, Oásis, de Caio
Fernando Abreu, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, no Este objeto volta-se para a célula e seus diversos
romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, e na processos, tais como: a respiração celular, a fotossíntese
novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa. (Pá- e a quimiossíntese, que auxiliam na compreensão das
gina 9, terceiro parágrafo) teorias evolutivas, e se deve considerar as condições do
ambiente na Terra, no momento do surgimento da vida,
Tipos e gêneros e observar que há relações entre os elementos então dis-
poníveis e as reações acima citadas. Esses processos po-
No âmbito da linguagem, alguns desses aspectos dem ser percebidos na tela Morro da favela, de Tarsila do
podem ser observados na novela O recado do morro, de Amaral, que representa o ambiente da favela com sua
João Guimarães Rosa, bem como no romance Sargento vegetação como a planta favela, e na novela O Recado
Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, que apresentam a moda- do Morro, de João Guimarães Rosa, em que a narrativa
lidade oral da língua, com suas variações regionais e múl- está intimamente ligadas à paisagem do interior mineiro
tiplas possibilidades lexicais. Nos poemas A noite dissolve a partir de descrições que atestam um conhecimento mi-
os homens, de Carlos Drummond de Andrade, Consoada, nucioso de gentes, plantas e bichos em contato com o am-
de Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina Cesar, e Te- biente sertanejo. Desse modo é necessário que se discuta
cendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, o uso dos a manutenção do meio, visto que as ações humanas in-
recursos expressivos da linguagem é determinante para
terferem no ecossistema Terra de modo contundente. Tor-
se perceber a intencionalidade discursiva da obra. (Página
nou-se imprescindível avaliar ações para a manutenção
12, segundo parágrafo)
da existência do Planeta. (Página 24, primeiro parágrafo)
Na segunda etapa, trabalha-se na literatura com
Espaços
os gêneros poema, conto e romance. Na terceira etapa, a
inserção de mais um gênero, a novela O Recado do Mor- As obras O encontro de Lampião com Eike Batis-
ro, de João Guimarães Rosa, contribui para o trabalho ta, da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na versão
com gêneros textuais, de modo a ampliar o repertório dos da Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e o slam
leitores e, assim, contribuir para seu processo de letra- Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de per-
mento. (Página 12, terceiro parágrafo) der um filho, de Sabrina Azevedo, podem subsidiar dis-
cussões relevantes a respeito da constituição do espaço e
As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
seus conflitos: territoriais, ambientais, filosóficos, religio-
que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais
sos, políticos, étnicos, sociais e de gênero. Nessa perspec-
diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
tiva, é possível pensar o espaço geográfico como político,
possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá-
estratégico e produto social historicamente construído e,
ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
portanto, repleto de contradições, como pode ser obser-

Tudo Sobre o PAS UnB 221


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

vado no romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ri-


beiro, na novela O recado do morro, de João Guimarães
Rosa, nos contos Oásis, de Caio Fernando Abreu, Maria,
de Conceição Evaristo, e Viagem à Petrópolis, de Clarice
Lispector. (Página 35, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 222


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Viagem à Petrópolis - Clarice Lispector

Autora
Em 2020 comemora-se o centenário do nasci- Portanto, seus textos são únicos e abordam
mento de uma das maiores escritoras da famosa “Ge- reflexões sobre o tempo, a vida, a morte, a coragem, o
ração de 45”. Romancista, contista, cronista, tradutora e medo e a arte, além de tratar das angústias e considera-
jornalista, Clarice Lispector nasceu no dia 10 de dezem- ções a respeito do mundo feminino. Ademais, suas obras
bro de 1920, em Tchetchelnik, na Ucrânia, e migrou para apresentam características específicas e costumam evo-
o Brasil em 1922, com sua família que fugia da persegui- car o pensamento e a consciência de seus personagens,
ção aos judeus durante a Guerra Civil Russa. Foi nesse romper com a linearidade dos fatos e tematizar a exis-
contexto que Clarice, que inicialmente se chamava Haia, tência e o psicológico, além de utilizar constantemente a
recebeu um novo nome, assim como seus pais e uma de epifania (momento de profunda realização e compreen-
suas duas irmãs. são das coisas, como se o personagem passasse por al-
gum tipo de revelação), sempre com exemplos simples
Em 1925, saiu de Maceió e mudou-se com a fa- de atos e objetos do cotidiano, enfatizando uma lite-
mília para o Recife, onde permaneceu até completar 14 ratura que adentra no pensamento humano e cria uma
anos de idade. Apesar das dificuldades financeiras, re- intimidade com ele.
cebeu aulas de piano e estudou diversas línguas, como
português, inglês, francês, hebraico e iídiche. Foi uma
boa aluna e estudou no Ginásio Pernambucano (o me-
Obra
lhor colégio público da cidade) logo após a morte de sua O conto Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispec-
mãe, em 1931. Em 1937, mudou-se novamente com sua tor, foi publicado em 1964, no livro A Legião Estrangeira,
família, dessa vez para o Rio de Janeiro. uma coletânea que reuniu diversos contos da autora. A
obra é narrada por meio do discurso indireto livre – que
Clarice então, com 19 anos, ingressou na Escola mescla a fala do narrador com a do próprio personagem
de Direito da Universidade do Brasil – atualmente UFRJ – e da narração em terceira pessoa, por meio de um nar-
– quando iniciou sua jornada na literatura, participou de rador onisciente que, aqui, é de extrema importância,
cursos de antropologia, psicologia e publicou seu primei- já que é por causa dele que temos acesso aos detalhes
ro conto: Triunfo. Além disso, no mesmo ano, seu pai fa- psicológicos dos personagens que caracterizam a obra,
leceu e a escritora iniciou sua carreira como jornalista, trabalhando esse aspecto em Mocinha, a protagonista
atuando como repórter e redatora da Agência Nacional, da história.
no Correio da Manhã e no Diário da Noite. Assim, mes-
clou sua vida profissional de jornalista com a de escrito- Conhecida como Mocinha, Margarida é descrita
ra, com publicações de textos jornalísticos e literários. como uma mulher idosa “sequinha” e doce, que parecia
não entender que estava sozinha no mundo. A senhora
Escreveu seu primeiro romance “Perto do co- foi levada do Maranhão para o Rio de Janeiro por uma
ração selvagem” em 1942 e, em 1943, se casou com o mulher que a iria colocar em um asilo, mas acabou a dei-
diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve dois xando sozinha com uma certa quantia em dinheiro para
filhos e viajou para vários países por conta da profissão que arranjasse um lugar para ficar. É assim que a prota-
de seu marido, até que decidiram se separar, em 1959, gonista inicia sua jornada de ser tratada como um objeto
quando a autora retornou ao Rio de Janeiro com seus que passa de casa em casa. Mocinha passa um tempo
filhos. A partir disso, publicou ainda outras de suas obras com uma família que quase sempre a esquecia, mas que,
mais importantes como “Laços de Família”, “A Paixão Se- já há um tempo, queria que ela saísse de sua casa. Es-
gundo G.H”., “Água Viva” e “A Hora da Estrela’’, sendo tavam muito ocupados. Decidiram então mandá-la para
este último escrito quando a autora enfrentava um cân- Petrópolis, para ficar na casa da cunhada alemã. E assim
cer de ovário que a levou a óbito no dia 09 de dezembro aconteceu.
de 1977, um dia antes de seu aniversário de 57 anos.
Assim, percebe-se, já de início, características
Clarice Lispector é considerada uma das maio- do conto e as temáticas que ele expõe. Clarice apresenta
res escritoras do século XX e recebeu diversos prêmios, temas ignorados pela sociedade como a velhice, a so-
como o Prêmio Fundação Cultural do Distrital Federal e lidão e a invisibilidade. Nota-se o abandono da pessoa
o Prêmio Graça Aranha. idosa e o tratamento que comumente é dado a ela, de
uma pessoa vista como uma carga e como um problema
Contemporânea à terceira fase do movimento que toma o tempo de todos, sendo, muitas vezes, rejei-
modernista em um período no qual a literatura brasileira tada inclusive pelos próprios familiares, tratamento co-
era marcada pelo regionalismo, abordando a realidade mumente observado na cultura ocidental, mas que não
do país e questões sociais, Clarice insere, na literatura se enquadra em todas as outras, visto que há culturas
nacional, a quebra da linearidade textual que geralmen- que tratam os mais velhos como os mais sábios do ciclo
te segue a estrutura de início, meio e fim.

Tudo Sobre o PAS UnB 223


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

da vida, atribuindo a eles um papel fundamental na so- imenso céu. Mocinha então, cansada, sentou em uma
ciedade. pedra e, encostada em uma árvore, morreu.

Além disso, a solidão se faz presente no conto Esse é o fim da história de Margarida, ou me-
ainda que não anunciada pela personagem Margarida, lhor, Mocinha, que termina assim como começa: sozinha
que parecia ser a única a não ver isso. Mas, esse fato e repousando em um apoio duro. Porém, se opôs a his-
representa algo muito maior. Há, aqui, a perda da indivi- tória, já que em silêncio e com a bela vista da rua e do
dualidade e o surgimento da solidão, representados pela céu, encerrou sua viagem.
definição de Mocinha, que aos poucos fora fisicamente
diminuindo (o que nos traz uma interpretação, inclusive, Cabe frisar que a cidade, na obra, é o palco de
externa de que, com a velhice, fora sumindo aos poucos acontecimentos dos conflitos dos personagens de Cla-
até ser quase apagada da sociedade) e pelas caracterís- rice, principalmente exteriorizados como figuras femi-
ticas citadas anteriormente: já havia tido um pai, uma ninas. Os cenários e os conflitos são bem detalhados e
mãe, um marido e dois filhos, mas, em certos momen- trabalhados com a subjetivação da linguagem, análise de
tos, todos morreram e, por isso, passava de casa em casa consciência e interrupção do tempo linear, como repre-
dependendo de outros. sentado nas memórias de Mocinha. Assim, a rua assume
um papel de suma importância na história, uma vez que
Dessa forma, como afirmam Lílian Lima Gonçal- é em contato com ela que a personagem ativa a retoma-
ves dos Prazeres e Adelia Maria Miglievich-Ribeiro, no da de suas memórias.
texto “Velhice, gênero e invisibilidade segundo Clarice
Lispector: Uma Viagem a Petrópolis”, há então “um sujei- Ademais, tratando do universo urbano, percebe-
to feminino subalterno, invisível e silenciado. […] A partir mos algumas características do regionalismo e relembra-
dessa perspectiva, o envelhecer reverbera na desumani- mos o movimento literário do qual esse conto pertence:
zação do ser mulher, corpo e vitalidade se esvaem. Invi- a última fase do modernismo brasileiro (1945–1980).
sível na sociedade capitalista e periférica, a mulher idosa Fase essa marcada por um contexto de redemocratiza-
não pode produzir cultura, tem a saúde debilitada e já ção do país, com o fim do Estado Novo e da ditadura de
não conta com a beleza (de acordo com os padrões este- Getúlio Vargas. Dessa forma, algumas de suas caracte-
reotipados).” Mocinha se torna, então, uma personagem rísticas claramente se manifestam no conto, como as
invisível e isso é representado até em seus hábitos, como inovações linguísticas, a metalinguagem, o regionalismo
os passeios noturnos e misteriosos que gostava de fazer, universal e a temática social e humana, marcadas pela
mas que, no fim, pouco importava às pessoas, embora prosa intimista, reconhecida pela temática humana, ínti-
as surpreendesse. ma, psicológica e subjetiva.

Então, seguindo com a narrativa, Mocinha é le- Desse modo, o conto mostra uma vítima do des-
vada até Petrópolis e é nesse processo que recebemos gaste em decorrência do abandono durante a velhice e
outra informação: a senhora lembrava apenas vagamen- propõe uma reflexão para que tipo de tratamento damos
te de sua história. Lembra-se do filho que morreu atro- àqueles que mais experimentaram a vida, em uma busca
pelado, da filha que morreu no parto e lembrou-se do incessante por si, por suas memórias e pelos outros. Por
marido, do qual só conseguia visualizar com mangas de temas e formas diferenciadas além da inovação na escri-
camisa e tenta buscar em sua memória sua lembrança ta, como as de Clarice, não é difícil entender o porquê
de paletó. Não conseguiu recuperar a lembrança e, nes- da escritora ser reconhecida como uma das melhores do
se momento, percebeu pela primeira vez que a cama era século XX e, até hoje, servir de referência para tantos ou-
dura, o que se caracteriza como uma tomada de cons- tros autores e estudos.
ciência.

Mocinha embarca no carro rumo a Petrópolis e


Conto
tudo se mantém tranquilo até que sua mente encontra O conto é um gênero textual contido dentro do
seu marido de paletó e outras lembranças, logo ela se tipo textual narração. É um texto de ficção, escrito em
questiona sobre sua vida. Como havia parado ali e com prosa, mais curto que a novela e que possui estrutura
aquela gente? Porém, esse momento é breve e logo ela fechada e concisa.
silencia mais uma vez.
Assim, como outros gêneros que possuem como
Ao chegar ao seu destino, Mocinha encontra Ar- base a narração, o conto também apresenta como carac-
naldo, o dono da casa, que representa a voz social que terísticas a presença de um enredo, que é a própria his-
exclui a pessoa idosa e confirma a rejeição pela qual tória; de um tempo, que pode ser cronológico, quando
Margarida passa. Ela, por sua vez, entendeu e aceitou a apresenta linearidade, ou psicológico, quando o tempo
situação. Recebeu uma quantia em dinheiro para voltar é distorcido para acompanhar a memória dos persona-
ao Rio de Janeiro, mas não é isso que acabou fazendo. gens e não há uma lógica de sequência temporal; de um
Com a memória recuperada, saiu para as ruas para pas- espaço, que pode ser físico, psicológico ou social; de um
sear e saciou a sede que tinha com a água de um chafariz narrador, sendo narrador-personagem quando conta a
que encontrou e nele se lavou. Observou, admirada, a história e, ao mesmo tempo, participa dela, ou sendo
estrada. Era muito bonita e recebia o complemento do narrador observador, quando apenas conta a história,

Tudo Sobre o PAS UnB 224


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

sem participar dela, podendo também ser narrador-o- Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
nisciente, quando se conta a história sem participar dela, bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
mas sabe de tudo e de todas as coisas, incluindo sentimen- da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
tos e pensamentos pessoais dos personagens; de persona- Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
gens, que pode(m) ser protagonista(s), antagonista(s) ou O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
secundários; e de um discurso, que é discurso direto quan- ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
do o próprio personagem fala, discurso indireto quando o a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
narrador reproduz o discurso do personagem ou discurso literatura. (Página 12, quarto parágrafo)
indireto livre, quando há uma mistura dos dois.
Na terceira etapa, a seleção de obras de autores
Além disso, o conto apresenta uma estrutura que negros, assim como obras de um grande número de escri-
envolve uma introdução, que é a apresentação geral da his- toras com produções com estruturas e objetivos diferen-
tória, dos personagens, tempo e local, um desenvolvimen- tes, além de significativas na literatura brasileira, assegu-
to, que traz o fluxo de acontecimentos da história, um clí- ram a importância da leitura inserida no contexto social
max, entendido como o ponto máximo de tensão dentro de como elemento capaz de ampliar a compreensão de mun-
toda a narração e um desfecho, ou seja, o fim da narrativa. do dos leitores e a valorização da diversidade social de


tipos e gêneros, em seus mais variados aspectos. As obras
audiovisuais Entenda o que é Racismo Estrutural – Canal
do Preto (2018) e Poética da Diáspora (2015), de Elena
Pajero Peres, abordam a importância da valorização do
Citações da Obra na Matriz de Referências protagonismo social negro e ao mesmo tempo apontam
para a marginalização da população negra na sociedade
O ser humano como um ser que interage brasileira. Nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
da, Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem a Petrópolis,
A linguagem resulta dessa capacidade para inte- de Clarice Lispector, e também na música Dona de mim,
ragir e, ao examinar a sua relação com a sociedade, a co- de Iza encontram-se representações do universo femini-
municação constituída por um sistema abstrato de formas no, seus dilemas e vivências, com questionamentos sobre
linguísticas pode ser percebida como algo que não se con- classe, raça e gênero. (Página 13, primeiro parágrafo)
cretiza por enunciação monológica, isolada, mas que se
dá pela interação verbal. A linguagem não existe fora dos Estruturas
sujeitos e deve ser apreendida e examinada como uma
prática humana que supõe usos concretizados por pes- Os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida,
soas, grupos ou classes. Essas características podem ser Maria, de Conceição Evaristo, Oásis, de Caio Fernando
percebidas, por exemplo, nos contos Viagem a Petrópolis, Abreu e Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, entre-
de Clarice Lispector, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e laçam elementos da estrutura ficcional da narrativa (en-
nos poemas Consoada, de Manuel Bandeira, O morcego, redo, os espaço, tempo, personagens e acontecimentos)
de Augusto dos Anjos e Quebranto, de Cuti. (Página 5, se- com a estrutura social brasileira. (Página 17, quinto pa-
gundo parágrafo) rágrafo)
Indivíduo, cultura, estado e participação política Número, grandeza e forma
Como vivemos em um contexto sociocultural As obras audiovisuais À margem do corpo, de Dé-
complexo, é imprescindível que os textos literários sejam bora Diniz, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
entendidos como integrantes do contexto ao qual perten- merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo, a
cem e como instrumentos de autoconhecimento, sociali- Poética da Diáspora, de Elena Pajero Peres, Entenda o
zação e construção do imaginário social. Isso se evidencia que é Racismo Estrutural - Canal do Preto, problematizam
no poema O morcego, de Augusto dos Anjos, nos contos questões de raça, gênero e identidade, possibilitando a
Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, Oásis, de Caio busca de dados, número e grandezas para analisar, com-
Fernando Abreu, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, no parar e compreender as estruturas sociais nos cenários
romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, e na contemporâneos. Essa mesma abordagem é percebida
novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa. (Pá- nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e Viagem
gina 9, terceiro parágrafo) à Petrópolis, de Clarice Lispector, e nas músicas Elevação
Mental, de Triz, Mulamba, de Mulamba, Dona de Mim, de
Tipos e gêneros Iza e Não recomendado, de Não recomendados. (Página
31, terceiro parágrafo)
As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais Espaços
diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá- As obras O encontro de Lampião com Eike Batista,
ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers- da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na versão da
pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e o slam
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de per-
Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda der um filho, de Sabrina Azevedo, podem subsidiar discus-

Tudo Sobre o PAS UnB 225


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

sões relevantes a respeito da constituição do espaço e


seus conflitos: territoriais, ambientais, filosóficos, religio-
sos, políticos, étnicos, sociais e de gênero. Nessa perspec-
tiva, é possível pensar o espaço geográfico como político,
estratégico e produto social historicamente construído e,
portanto, repleto de contradições, como pode ser obser-
vado no romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ri-
beiro, na novela O recado do morro, de João Guimarães
Rosa, nos contos Oásis, de Caio Fernando Abreu, Maria,
de Conceição Evaristo, e Viagem à Petrópolis, de Clarice
Lispector. (Página 35, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 226


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Tecendo a Manhã - João Cabral de Melo
Neto

Autor
O poeta pernambucano João Cabral de Melo militar, que durou vinte e um anos. O escritor fez parte
Neto nasceu no dia 09 de janeiro, em 1920, na capital da terceira geração modernista, da qual era caracterís-
de Pernambuco, Recife. O escritor fez parte da terceira tica uma literatura crítica, preocupada com a forma do
geração modernista, conhecida também como geração texto e com questões sociais e regionais. As primeiras
de 45. Por sua composição objetiva, racional, formal e si- obras de João Cabral de Melo Neto possuem um caráter
métrica, ficou conhecido pela crítica e pelo público como hermético, isso quer dizer que a sua poesia era de difícil
“o poeta engenheiro”. Além de poesia, João Cabral es- compreensão devido a sua preocupação com a estética,
creveu textos em prosa, fez traduções e trabalhou como a sintaxe e a semântica do poema.
diplomata, contudo, foram com os seus poemas que o
escritor se consagrou na literatura brasileira. O poeta pernambucano sempre deixou claro
que não acreditava na inspiração poética e que a poesia
Em suas obras, o poeta pernambucano não tra- era fruto do trabalho simétrico, organizado e bem desen-
balhava com a subjetividade, ou seja, ele não desenvol- volvido por parte do poeta. No geral, aparece em seus
via temas intimistas focando no indivíduo e em si mes- poemas temas relacionados ao fazer poético, ou seja,
mo como faziam outros poetas; pelo contrário, o escritor a metalinguagem, a realidade, aos problemas sociais, o
buscou novas maneiras de criação poética juntando a Nordeste e a cidade espanhola Sevilha. Por meio de uma
forma ao conteúdo. Filho do proprietário de engenho linguagem formal, objetiva e direta, o poeta utiliza ele-
Luís Antônio de Melo Neto e de Carmen Carneiro Leão mentos comuns da tradição popular, como a repetição
Cabral de Melo, o escritor viveu parte da infância nos de palavras, que é característica do cordel nordestino,
engenhos de sua família. Em 1930, inicia a sua vida es- na composição de algumas de suas obras. Dentre as suas
colar no colégio Marista e permanece na instituição até principais obras estão os livros “Pedra do sono” (1942),
concluir o curso secundário. Vindo de uma família que já “O cão sem plumas” (1950), “A educação pela pedra”
tinha relação com a literatura, João Cabral era primo do (1966) e o seu livro mais conhecido e popular “Morte e
poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freire. vida Severina” (1966), que retrata a vida de um retirante
Em 1940, o autor participa do Congresso de Poesia do nordestino enfrentando a seca, a fome e o sertão, mas
Recife e no evento apresenta suas “Considerações sobre vai em busca de uma vida melhor.
o poeta dormindo”, as quais dizem respeito à relação en-
tre a poesia, o poeta e o sono. Ademais, o escritor foi reconhecido pelo seu tra-
balho e recebeu inúmeras premiações, dentre as quais
Em 1942, sua família se muda para o Rio de Ja- encontram-se o prêmio Jabuti de literatura, prêmio de
neiro e no mesmo ano o autor publica o seu primeiro poesia do Instituto Nacional do Livro, Prêmio Olavo Bilac
livro chamado “Pedra do sono”, em que já apresenta a e o prêmio Camões de Literatura, que é o prêmio mais
sua inclinação para uma escrita objetiva. Pedra do sono importante da língua portuguesa, no qual o autor foi o
foi apenas o primeiro lançamento de muitos outros li- primeiro brasileiro a ganhá-lo em 1990. Por fim, João Ca-
vros de poesias do autor, como “O engenheiro” (1945), bral de Melo Neto entrou para a academia brasileira de
“O rio” (1954), “Quaderna” (1960), “A escola das facas” Letras em 1968 e tomou posse no ano seguinte, assu-
(1980), entre vários outros. mindo a cadeira de número 37. Em 1992, devido a uma
cegueira progressiva que o leva a entrar em depressão,
João Cabral de Melo Neto ingressa em 1945 o poeta decide parar de escrever. No dia 09 de outubro
para o serviço público e começa a trabalhar no Depar- de 1999, o escritor falece, aos 79 anos, após sofrer um
tamento de Administração do Serviço Público – DASP, ataque cardíaco.
porém não trabalha por muito tempo no órgão, uma vez
que em 1946 assume o cargo de diplomata no Itamaraty
e passa a morar em vários países como Espanha, Ingla-
Obra
terra, Portugal e Senegal. O poeta exerce a profissão de O poema “Tecendo a manhã” faz parte da obra
diplomata até a sua aposentadoria que ocorre em 1990. “A educação pela pedra”, de João Cabral de Melo Neto. A
João Cabral de Melo Neto foi casado com Stella Maria obra foi publicada diante de um contexto de ditadura mi-
Barbosa de Oliveira, e com ela teve cinco filhos; após o litar, em 1966, e é composto por 48 poemas que seguem
falecimento da esposa, casa-se novamente com a escri- o estilo de composição poética cabralina, em que há um
tora Marly de Oliveira. trabalho consciente, organizado e racional da forma sem
perder a lírica da sua composição.
João Cabral viveu diante de um contexto político
e social marcado por mudanças e transformações inten- O poeta modernista rompe com o sentimenta-
sas, como o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, lismo e busca se desvencilhar da ideia de que a arte seja
o fim da ditadura Vargas no Brasil e o curto período de- intuitiva, ou seja, para João Cabral a poesia não é fruto
mocrático no país interrompido em 1964 pelo regime de uma mera inspiração, mas sim de um trabalho que vai

Tudo Sobre o PAS UnB 227


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

desde o tema até a linguagem. O autor demonstra o seu seu canto e se juntam a ele, e juntos anunciam o dia. O
trabalho mediante uma linguagem objetiva, seca e pre- mesmo comportamento ocorre com os indivíduos, uma
cisa. Temas como o fazer poético perpassam várias das pessoa sozinha não consegue mudar muita coisa, as mu-
poesias do livro, a exemplo disso estão os poemas Catar danças só acontecem quando as pessoas agem e traba-
feijão, Educação pela pedra e Tecendo a manhã. lham juntas. Sendo assim, o poema faz alusão ao ditado
popular “a união faz a força”, pois um galo sozinho não
Antes de começar a analisar o poema, é impor- anuncia o nascimento de um novo dia, da mesma forma
tante ter uma primeira leitura da obra. Sendo assim, o que uma única pessoa não consegue transformar a rea-
poema e o glossário estão disponíveis logo abaixo. lidade.
Tecendo a manhã No que tange a metalinguagem do poema, o
canto do galo é o mesmo que o trabalho do poeta, um
Um galo sozinho não tece a manhã: poema não é produzido sozinho, ele não surge por in-
ele precisará sempre de outros galos. termédio de uma inspiração, isto é, ele é lapidado e da
De um que apanhe esse grito que ele mesma maneira que se tece os fios, o poeta vai tecendo
e o lance a outro: de outro galo o poema, escolhendo e juntando as palavras formando
que apanhe o grito que um galo antes as sentenças, os versos, as estrofes e dando sentido ao
e o lance a outro; e de outros galos texto. Trabalho que não é feito apenas pelo poeta, já que
que com muitos outros galos se cruzam depois de finalizado o poema passa para o leitor que sig-
os fios de sol de seus gritos de galo nifica e ressignifica a obra e passa adiante, e consequen-
para que a manhã, desde uma tela tênue, temente um trabalho que parecia ser individual passa a
se vá tecendo, entre todos os galos. ser coletivo e ganha amplitude.
E se encorpando em tela, entre todos, Logo no início da primeira estrofe, há uma ana-
se erguendo tenda, onde entrem todos, logia entre o verso “Um galo sozinho não tece a manhã:”
se entretendendo para todos, no toldo com o provérbio popular “uma andorinha só não faz ve-
 (a manhã) que plana livre de armação. rão”. Tanto nos versos dessa primeira estrofe quanto nos
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo da segunda existe uma relação de dependência entre os
que, tecido, se eleva por si: luz balão. versos, pois cada verso possui uma relação com o seu
anterior e isso corrobora para que juntos deem forma e
Glossário significado ao poema. A exemplo disso está o segundo
verso, em que o pronome pessoal ele faz referência ao
Entretendendo: Neologismo criado pelo autor a partir
substantivo galo do primeiro verso.
da junção das palavras entreter com entendendo.
Assim como o ato de tecer alguma coisa, as pala-
Tecer: Unir (fios) para formar panos; urdir, tramar. Fazer
vras vão sendo tecidas no texto, seja ele poético ou não.
uma estrutura de materiais que se cruzam, entrelaçar,
No terceiro verso, ocorre uma personificação do galo,
trançar. Dizer; proferir.
uma vez que ao invés de apanhar o canto, o galo apa-
Tênue: Fino e delicado. Fraco, frágil ou débil. nha o grito que é uma propriedade humana. No mesmo
verso ocorrem duas elipses, uma do substantivo galo, no
Toldo: Peça de lona ou de outro material, destinada a começo do verso, e outra do verbo lançar, no final do
abrigar do sol ou da chuva uma porta, varanda, janela, verso. É interessante observar a ideia de continuidade e
etc. movimento, que é apresentada nesses versos, pois um
galo pega o canto de outro galo e vai passando para fren-
Dividido em duas estrofes, na qual a primeira é te e assim muitos cantos se cruzam. E esses gritos são
composta por dez versos e a segunda por seis, os versos importantes, já que vão tecendo e compondo a tela que
do poema são livres, ou seja, são versos irregulares se- aos poucos surgem e se abrem com os fios de sol.
gundo a metrificação. Além disso, o poema é formado
por várias figuras de linguagem como anáforas, alitera- Já na segunda estrofe, ocorre a concretização
ções, assonâncias, personificação, elipse e metáfora. Um do trabalho, que é anunciado e preparado na primeira
dos temas centrais de Tecendo a manhã é a importância estrofe, o nascer do sol que traz consigo a manhã. O
da coletividade, uma vez que o canto de um único galo novo que surge é fruto de um trabalho coletivo em que
não é capaz de anunciar o nascer do dia. O galo pode a participação de todos é relevante, como é apresentado
ser utilizado tanto como metáfora para o homem quanto pelos três primeiros versos dessa segunda estrofe. E se
para a criação poética, pois da mesma maneira que o in- entretendo e se entendendo, ou melhor, se “entreten-
divíduo precisa da ajuda de outros seres para realizar as dendo”, como diz o neologismo criado pelo autor, surge
suas ações, o mesmo ocorre com o poema que precisa a manhã que abriga o tecido tão aéreo que é o sol.
da palavra, do poeta e do leitor para existir.
Tecendo a manhã demonstra bem o trabalho de
O poeta apresenta que um galo sozinho não João Cabral de Melo Neto, que tece cada palavra de for-
consegue anunciar o surgimento da manhã, o seu can- ma objetiva, racional e direta em suas composições. O
to ganha força apenas quando outros galos escutam o poeta utiliza elementos que por vezes não são conside-

Tudo Sobre o PAS UnB 228


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

rados belos e poéticos como o cantar de um galo e reve- Indivíduo, cultura, estado e participação política
la toda poesia que há por trás de seu canto. Da mesma
maneira que do canto do galo surge o sol, é do canto do Reflexões presentes nos poemas Consoada, de
poeta que surge a poesia. Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina César, Poema
aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst, e A noite
Poema dissolve os homens, de Carlos Drummond de Andrade,
trazem elementos que complementam os diferentes olha-
A palavra poema possui origem grega, pois, é res sobre as relações entre indivíduo e cultura. O poema
derivada do vocábulo “poein” que significa “fazer, criar, Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, reflete
compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona sobre a capacidade do indivíduo de alimentar a esperan-
diretamente com a literatura e com os gêneros literários. ça e organizar formas de resistência, bem como explora a
Tem como principal característica a liberdade poética, potencialidade das palavras e seus significados. (Página
isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se 9, primeiro parágrafo)
expressar da maneira que deseja, podendo ou não se-
guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté- Tipos e gêneros
ticas da língua.
No âmbito da linguagem, alguns desses aspectos
Como gênero, o poema, possui algumas carac- podem ser observados na novela O recado do morro, de
terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê- João Guimarães Rosa, bem como no romance Sargento
neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, que apresentam a moda-
estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e lidade oral da língua, com suas variações regionais e múl-
rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa- tiplas possibilidades lexicais. Nos poemas A noite dissolve
cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a os homens, de Carlos Drummond de Andrade, Consoada,
trova, o rondó e dentre outros. Contudo, é importante de Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina Cesar, e Te-
lembrar que nem todo poema segue essa estrutura, em cendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, o uso dos
muitos há a predominância de efeitos sonoros e gráfi- recursos expressivos da linguagem é determinante para
cos, por exemplo, a poesia concreta e a cinética. Além se perceber a intencionalidade discursiva da obra. (Página
disso, em muitos poemas temos a presença do eu-lírico, 12, segundo parágrafo)
que nem sempre coincide com o autor do poema, uma
vez que esse é a pessoa fictícia que dá voz ao poema, a As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
exemplo disso, temos o poeta português Fernando Pes- que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais
soa e seus heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Cam- diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
pos e Ricardo Reis. possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá-
ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
Ademais, é importante ressaltar que poema e pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
poesia não são a mesma coisa, uma vez que a poesia é Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
um conceito mais amplo, que se relaciona com a subje- Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
tividade e também pode ser encontrada na prosa, em Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
uma pintura, em um filme e nas variadas maneiras de se bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
expressar artisticamente. da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando


Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
Citações da Obra na Matriz de Referências literatura. (Página 12, quarto parágrafo)
O ser humano como um ser que interage Estruturas
Um primeiro olhar para a instância de concreti- Nesta etapa, é possível perceber a interação do
zação da língua em funcionamento — o texto — costuma ser humano com estruturas existentes e sua capacidade
ser atribuição daquilo que comumente se faz sob o título para transformá-las, além da possibilidade de criá-las. No
de leitura, compreensão e interpretação. Nessa aproxi- campo estético, para que se compreenda uma estrutura,
mação inicial, é importante que os fatores que constroem são necessárias a observação da construção e a recons-
o texto sejam recuperados. As elaborações linguísticas trução contínua dos significados, estabelecendo relações
constituem portas de acesso à interlocução, à construção de múltiplas naturezas, individuais, sociais e culturais,
de conhecimentos, ao mundo, como em Poemas aos ho- procedendo à análise de cada parte ou objeto. Como
mens do nosso tempo, de Hilda Hilst, Tecendo a manhã, exemplo disso, em Tecendo a manhã, de João Cabral de
de João Cabral de Melo Neto e Soneto, de Ana Cristina Melo Neto, a arquitetura do poema mediante o entrela-
César. (Página 5, terceiro parágrafo) çar de versos possibilita leituras polissêmicas, conforme a
combinação entre eles, o que se percebe em Consoada, de
Manuel Bandeira. (Página 16, primeiro parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 229


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Número, grandeza e forma

Por fim, vale ressaltar a relevância, para o exercí-


cio da cidadania, da competência de analisar problemas
cotidianos e resolvê-los, gerando cultura e transforman-
do a realidade e a história, como no poema Tecendo a
manhã, de João Cabral de Melo Neto, e no videoclipe Ilu-
mina o mundo, de Detonautas. Para resolver situações-
-problema, muitas vezes são necessários conhecimentos
de várias áreas, unindo ciência, valores éticos e criativi-
dade para descobrir novas perspectivas, até mesmo para
velhos e polêmicos problemas, como podemos observar
nas obras A questão indígena no Brasil em quatro minu-
tos, Agência Pública: agência de reportagem e jornalismo
investigativo, Sobre a violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe. (Página 33,
terceiro parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 230


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Sobre Violência (capítulos 2 e 3) - Hannah
Arendt

Autora
Hannah Arendt foi uma das figuras mais im- diálogo entre suas teorias e a realidade na qual ela está
portantes da filosofia política do século XX. Sua origem inserida. Além disso, a autora também disserta suas pró-
judaica contribuiu para que muitos dos seus estudos prias formulações teóricas e nos apresenta uma concei-
fossem voltados para a questão do pluralismo e do po- tualização convincente de violência e outros fenômenos
der do Estado enquanto instituição capaz de incluir ou que se relacionam com ela.
segregar a figura do ‘’outro’’. Além de estudar filosofia
e teoria política, Arendt também se dedicou ao estudo Hannah Arendt inicia o segundo capítulo de sua
obra com a preocupação de tratar a violência dentro dos
das relações de trabalho e mercadoria, estudo esse que
domínios políticos, para isso, ela vai apresentar a pers-
ficou conhecido por contrariar a teoria marxista vigente.
pectiva de vários teóricos, sejam eles posicionados no
Pensando no contexto no qual estava inserida espectro da direita ou esquerda política.
(Arendt viveu de 1906 até 1975), muito do que a filóso- A autora acaba por concluir que todos esses
fa produziu foi conhecimento voltado para o aspecto da teóricos analisados (Marx, Weber, Voltaire e alguns ou-
autoridade e totalitarismo, tendo a obra analisada aqui tros) concordam que a violência se manifesta como uma
como um de seus principais legados para o estudo da forma de poder. Além da análise de teóricos, Arendt se
violência do Estado, juntamente com As Origens do To- volta para as formas de domínio que se desenvolveram
talitarismo. ao longo do curso histórico da humanidade, passando
pela oligarquia, aristocracia e a democracia. Por fim, a
Contexto autora cita a burocracia como a última forma de domínio
analisada.
A obra foi produzida no meio do século XX, pós-
-guerras mundiais e, portanto, menciona esses eventos e Todas essas formas de domínio apresentam ní-
os integra na análise proposta. O século XX é tratado por veis de tirania, ou seja, exercício de poder de forma coer-
diversos autores como o século das guerras e/ou revolu- citiva. A burocracia, chamada também pela autora de
ções, o que o coloca como um período histórico repleto domínio de ninguém, é colocada como uma das formas
de violência e perdas, mas também de muito avanço tec- mais tirânicas de domínio, pois o poder exercido pela bu-
nológico e marcado pela corrida armamentista. rocracia não está concentrado na mão de um indivíduo
a quem se possa recorrer para se rebelar ou cobrar um
Obra posicionamento distinto.
Sobre a violência foi publicado pela primeira vez Para a autora, existem duas vontades intrínse-
em 1969 e logo no primeiro capítulo da obra, Arendt já cas ao ser humano, o desejo de dominar e o de ser do-
contextualiza suas reflexões, ressaltando o caráter vio- minado. Ao mesmo tempo em que o indivíduo deseja
lento do século XX. O período no qual viveu e produziu exercer poder sobre outro, também existe a vontade de
academicamente foi marcado por guerras, revoluções e ser dominado, de seguir um líder e ser guiado. Pensando
o progresso tecnológico armamentista advindo desses no desejo de ser guiado, Arendt afirma que o apoio po-
eventos. pular é o que mantém qualquer governo funcionando,
desde a monarquia até a democracia. Se existe uma mi-
Dessa forma, trata-se de um livro que reúne noria quantitativa exercendo poder sobre uma maioria,
em três capítulos os ensaios de Hannah Arendt acerca isso significa que essa maioria se sujeitou a esse tipo de
do fenômeno da violência e suas relações com o poder. situação.
O segundo e o terceiro capítulo serão aqui analisados e
se concentram nas relações entre poder, autoritarismo, O poder é sempre delegado, mas nunca é uma
obediência e violência. A versão que foi utilizada para tal propriedade de um indivíduo ou grupo. As pessoas con-
análise foi traduzida por Maria Claudia Drummond, foi sideradas poderosas, para Arendt, possuem vigor, uma
digitalizada em 2004. qualidade inerente ao ser, já que ter vigor te torna pré-
-disposto a exercer poder.
Sobre a Violência se trata de uma obra não fic-
cional, de caráter acadêmico e filosófico. O objetivo da A força e autoridade são outros conceitos ex-
autora é tentar compreender a realidade social na qual plicados pela autora. Muitas vezes ao se falar de força,
está inserida, trazendo não apenas os aspectos teóricos, esse termo é levado como uma forma de violência, mas
mas também empíricos. a conceituação dada por Hannah Arendt configura força
enquanto um movimento físico ou social, como a força
Arendt faz uma análise relacionando diversos da natureza ou força de um movimento social.
autores como Marx, Weber e Voltaire, traçando um

Tudo Sobre o PAS UnB 231


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Já a autoridade se baseia no reconhecimento do Produções que reafirmam o papel do campo acadêmico e


dominado. A pessoa que obedece respeita sem questio- científico no debate público nacional podem ser vistas nas
nar e sem precisar ser coagida pelo que exerce autorida- cartas À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
de. O exemplo dado pela autora é o do pai e do filho, o Andrade, nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler, e
pai que possui autoridade não precisa se valer da violên- em Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud,
cia para se fazer ser respeitado. que reiteram o papel dos intelectuais em promover refle-
xões sobre questões sociais, como o autoritarismo e a vio-
A violência, para Arendt, teria caráter instru- lência. (Página 8, primeiro parágrafo)
mental. Ela se apresenta quando o poder por si só não é
capaz de manter a ordem. A diminuição do poder contri- A transformação das identidades e dos estados
nacionais está relacionada às mudanças científicas, tec-
bui para que o dominador se veja forçado a se utilizar de
nológicas, religiosas e artísticas, fundamentadas entre os
violência a fim de tentar restaurar sua autoridade.
séculos XIX e XX. Transformações abordadas em Sobre a
Uma vez conceituada a violência, o capítulo 3 se violência (partes 2 e 3), de Hannah Arendt, são uma refle-
xão sobre a sociedade de massas e o seu impacto na or-
destina a entender as origens dessa violência. A autora
ganização política, no contexto da ascensão dos regimes
analisa a violência no reino animal e relaciona o fenô-
totalitários. A autora realiza um convite para um pensa-
meno com o ódio e a racionalidade. Para Arendt, o exer- mento autônomo sobre Poder, Violência e Estado. Temá-
cício da violência não significa a falta de racionalidade, tica também evidenciada na produção audiovisual Moci-
uma vez que seu caráter instrumental favorece seu uso nho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de perder
racionalizado e bem pensado para alcançar os resultados um filho - Slam: Sabrina Azevedo (Canal Manos e Minas),
esperados: a restauração do poder. poesia sobre punitivismo e direitos humanos. (Página 9,
quarto parágrafo)
Hannah Arendt encerra afirmando, novamente,
que toda vez que o poder é suprimido, o espaço para a Estruturas
violência surge e cabe ao bom governante saber dosar
a quantidade de violência e não se deixar levar por ela, No campo social, as estruturas de organização
dado que só é possível existir racionalidade na violên- excludentes oprimem, matam, segregam, o que pode ser
cia se ela for aplicada a curto prazo. Substituir o poder percebido nas obras Entenda o que é Racismo Estrutural –
totalmente pela violência é um convite para a perda de Canal do Preto e nos poemas A noite dissolve os homens,
autoridade. de Carlos Drummond de Andrade, Quebranto, de Cuti, Es-


ses chopes dourados, de Jorge Wanderley, e Poema aos
homens de nosso tempo, de Hilda Hilst. Na organização
das sociedades, as estruturas de poder e dos governos
devem ser pensadas e problematizadas, como eviden-
Citações da Obra na Matriz de Referências ciam os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah
Arendt, e Necropolítica, de Achile Mbembe. (Página 16,
O ser humano como um ser que interage segundo parágrafo)

Nesta etapa, em decorrência das anteriores, a ta- Ambiente e evolução


refa é projetar a existência de modo conjunto, coletivo, e
vincular conhecimentos e sabedoria a esses projetos, ou No campo das ciências biológicas, o tema do cor-
seja, entender como a espécie de seres capazes de agir e po humano, da vida, das relações dos corpos humanos
interagir pode criar formas de vida, questão presente nos em conjunto e do ambiente são reflexões permanentes
textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren- e podem ser problematizados na obra Sobre a violência
dt, e Necropolítica, de Achille Mbembe, assim como nas (capítulo 2 e 3), de Hannah Arendt, nas peças A exceção
canções O real resiste, de Arnaldo Antunes, Malditos Cro- e a regra, de Bertolt Brech, e Perdoa-me por me traíres,
mossomos, de Pitty, e Grândola Vila Morena, na versão da de Nelson Rodrigues, no filme Um Cão Andaluz, de Luis
banda 365. (Página 4, primeiro parágrafo) Buñuel e Salvador Dalí, no documentário À Margem do
Corpo, de Débora Diniz, nas músicas Ilumina o mundo, do
Indivíduo, cultura, estado e participação política grupo Detonautas e O real resiste, de Arnaldo Antunes,
na pintura Mestiço, de Cândido Portinari, Consoada, de
Nesta etapa, exige-se uma conscientização sobre Manuel Bandeira, Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
a organização e a participação política do ser humano. na obra Trouxas ensanguentadas, de Artur Barrio, e no
Nesse sentido, os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), poema O morcego, de Augusto dos Anjos, que alegoriza
de Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe, no mamífero de pequeno porte o reflexo do ser humano
são obras fundamentais para pensar tanto o presente diante de sua própria consciência. (Página 24, quarto pa-
como o futuro da humanidade a partir dessa conscienti- rágrafo)
zação. Questões sobre a participação política, estruturas
de violência e responsabilidade social podem ser eviden- Cenários contemporâneos
ciadas pelos documentários À Margem do Corpo, de Dé-
bora Diniz, e Carta para além dos muros, de André Canto. Nesta etapa, levantam-se questões acerca da
construção da cidadania e da democracia nos séculos XX

Tudo Sobre o PAS UnB 232


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

e XXI, problematizando aspectos da globalização e suas Fapesp, exemplifica a realização de atividades científicas
implicações na constituição de cenários contemporâ- que resultaram na intervenção da realidade a partir da
neos. Um dos elementos problematizados é a violência, observação de necessidades reais, assim como o ensaio
debatida por Hannah Arendt no texto Sobre a violência Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Arendt, com a
(capítulo 2 e 3, 1970) e por Achille Mbembe em Necro- ressignificação de dados analisados ao longo da tradição
política (2018), em que o autor apresenta o processo de do pensamento político ocidental. (Página 41, segundo
colonização e descolonização a partir de uma perspectiva parágrafo)
da epistemologia africana e decolonial, a fim de pensar
as relações com o Estado, guerra e Direitos Humanos em Questões, Justificativas e Dicas
zonas de conflito como a Palestina ou o Regime do Apar-
theid na África. Esse debate, em parte, se mostra presen- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
te em discursos de personalidades marcantes do século
XX, como na carta Por que a Guerra? Indagações entre Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Einstein e Freud (1932), que retrata as causas do conflito,
e nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler (1939). No Anotações e Rascunhos
texto A noite dissolve os homens, de Carlos Drummond
de Andrade, é possível perceber uma crítica contundente
às ditaduras fascistas e populistas da primeira metade do
século XX, temática também relacionada à obra Quarteto
para o fim dos tempos nos movimentos I, VI e VIII (1941),
de Oliver Messiaen. (Página 26, segundo parágrafo)

Número, grandeza e forma

Por fim, vale ressaltar a relevância, para o exercí-


cio da cidadania, da competência de analisar problemas
cotidianos e resolvê-los, gerando cultura e transformando
a realidade e a história, como no poema Tecendo a ma-
nhã, de João Cabral de Melo Neto, e no videoclipe Ilumina
o mundo, de Detonautas. Para resolver situações-pro-
blema, muitas vezes são necessários conhecimentos de
várias áreas, unindo ciência, valores éticos e criatividade
para descobrir novas perspectivas, até mesmo para ve-
lhos e polêmicos problemas, como podemos observar nas
obras A questão indígena no Brasil em quatro minutos,
Agência Pública: agência de reportagem e jornalismo in-
vestigativo, Sobre a violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe. (Página 33,
terceiro parágrafo)

Espaços

Nesse sentido, as contradições estão bem marca-


das no século XX, que foi palco de revoluções e guerras
que reconfiguraram o cenário mundial, temáticas abor-
dadas na obra Sobre violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
Arendt, na tela Autorretrato como um soldado, de Ernst
Kirchner, o afresco Hidalgo incendiário, de José Clemen-
te Orozco, a música Quarteto para o fim dos tempos (1º
Movimento - Liturgia de Cristal, 6º movimento- Dança do
Furor para as 7 trombetas e o 8º movimento - Louvor à
imortalidade de Jesus), de Oliver Messiaen, e as cartas
Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Guer-
ra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página 35, terceiro
parágrafo)

Análise de dados

A análise de dados está diretamente ligada ao


conhecimento dos processos de elaboração de raciocí-
nios ou estratégias de resolução de situações-problema,
associadas à intervenção na realidade. Criadores de um
mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, da Revista

Tudo Sobre o PAS UnB 233


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Sargento Getúlio - João Ubaldo Ribeiro

Autor
Baiano, de Itaparica, João Ubaldo (Osório Pi- Contudo, seu primeiro romance, intitulado “Se-
mentel) Ribeiro nasceu em 23 de janeiro de 1941. Antes tembro Não Faz Sentido” com prefácio escrito por seu
de completar um ano de idade, mudou-se para o esta- colega Glauber Rocha, só foi publicado em 1963. Oito
do de Sergipe com os seus pais Manuel Ribeiro e Maria anos depois, aos 30 anos, João Ubaldo publica o livro
Filipa Osório Pimentel, que eram advogados. Seu pai, “Sargento Getúlio’’, que lhe garantiria o Prêmio Jabuti na
muito exigente, antes de colocá-lo no Instituto Ipiranga, categoria “Revelação de Autor”, em 1972. Este livro seria
em 1948, contratou um professor particular para iniciar publicado nos Estados Unidos, em 1978, com a tradu-
seus estudos. Posteriormente, em 1955, mudou-se para ção do próprio escritor. Em 1984, João Ubaldo Ribeiro
Salvador, onde estudou no Colégio da Bahia. Foi nesse ganhou, novamente, o Prêmio Jabuti, desta vez na cate-
período que João Ubaldo Ribeiro conheceu quem viria a goria “Melhor Romance do Ano”, com o romance “Viva
ser seu grande amigo, o cineasta Glauber Rocha. o Povo Brasileiro”. Outras obras também receberam elo-
gios da crítica, como o romance “O Sorriso do Lagarto’’,
Formou-se Bacharel em Direito em 1962, pela de 1989 e suas obras infanto-juvenis, entre elas,’’ A vin-
Universidade Federal da Bahia, mas nunca advogou. gança de Charles Tiburone’’, de 1990.
Logo em seguida, na mesma universidade, cursou a
pós-graduação em Administração Pública. Em 1964, foi João Ubaldo Ribeiro foi eleito para ocupar a
cursar o mestrado em Ciências Políticas, com bolsa de cadeira de número 34 na Academia Brasileira de Le-
estudos, pela Universidade da Califórnia do Sul, onde fi- tras, após a morte do jornalista Carlos Castello Branco,
cou até 1965. Retornando ao Brasil, tornou-se professor tomando posse em 8 de junho de 1994. Neste mesmo
de Ciências Políticas na Universidade Federal da Bahia, ano recebeu o Prêmio Anna Seghers quando participou
cargo que exerceu até o ano de 1971. da Feira do Livro de Frankfurt, Alemanha. Já em 2008,
recebeu o Prêmio Camões em 1988, essa premiação,
João Ubaldo Ribeiro exerceu outra atividade que é instituída por Brasil e Portugal, consagra um autor
durante sua vida, o jornalismo. Em 1957, quando ainda de Língua Portuguesa pelo conjunto e relevância de sua
estava no curso clássico, fez sua estreia no jornalismo, obra para enriquecimento do patrimônio e da língua co-
trabalhando como repórter para o Jornal da Bahia e, mum. João Ubaldo Ribeiro morreu aos 73 anos, devido a
posteriormente, para a Tribuna da Bahia, onde chegou a uma embolia pulmonar, em 18 de julho de 2014, em sua
ser editor-chefe. Em 1971, ao deixar o cargo de professor casa, no Leblon.
universitário, João Ubaldo Ribeiro retorna ao jornalis-
mo. A Fundação Calouste Gulbenkian concede-lhe uma Obra
bolsa, em 1981, acarretando na sua mudança e de sua
família para Lisboa, Portugal. Neste país, passa a editar Sargento Getúlio, o segundo romance do escri-
a Revista Careta, juntamente, com o jornalista Tarso de tor baiano João Ubaldo Ribeiro foi publicado em 1971,
Castro. traduzido para o inglês pelo próprio escritor e posterior-
mente para outras línguas. Com isso, uma das caracterís-
Anos depois, já de volta ao Brasil, um convite ticas deste romance é o uso de uma linguagem coloquial,
da Deutscher Akademischer Austauschdienst resulta em bem como a criação de algumas palavras e expressões
uma nova mudança, sua e de sua família, desta vez para pelo próprio escritor. Esta obra resultou no prêmio Jabu-
Berlim, Alemanha. Durante os 15 meses em que viveu na ti, de autor-revelação, para seu escritor, em 1972.
Alemanha, publicou crônicas semanais no jornal Frank-
furter Rundschau. No Brasil, João Ubaldo Ribeiro cola- O romance tem por protagonista o sargento Ge-
borou com os jornais O Globo e O Estado de São Paulo túlio Santos Bezerra, um sargento da polícia militar do
publicando crônicas aos domingos. estado de Sergipe. Getúlio recebe a missão de levar um
prisioneiro, adversário político de seu chefe Acrísio Antu-
A partir desse contexto, nota-se que o início an- nes, da cidade de Paulo Afonso, na Bahia, para Aracaju,
tecipado de seus estudos, devido à rigidez de seu pai, capital de Sergipe. Acompanha Getúlio, nessa trajetória,
despertou em João Ubaldo Ribeiro o interesse pela lei- o chofer Amaro que dirige um hudso.
tura e pela escrita. Sua primeira publicação foi o conto
“Lugar e Circunstância”, publicado na antologia Panora- A obra começa com os três, Getúlio, Amaro e
ma do Conto Bahiano (1959), organizada por Nelson de o preso, já na estrada em direção a Aracaju. Entre uma
Araújo e Vasconcelos Maia e publicada pela Imprensa observação e outra sobre a paisagem no trajeto, o perso-
Oficial da Bahia. Por conseguinte, os contos “Josefina”, nagem fala sobre o chefe, sobre a missão recebida, além
“Decalião” e “O Campeão”, foram editados e publica- das vidas tiradas pelo próprio que, segundo ele mesmo,
dos pela Universidade Federal da Bahia, na coletânea de tinha “vinte mortes nas costas”. Após isso, Getúlio passa
contos “Reunião” (1961) em companhia de outros escri- a relembrar sua vida de menino e a narrativa vai se inter-
tores.

Tudo Sobre o PAS UnB 234


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

calando entre o agora e os acontecimentos vividos pelo A morte se apresenta como temática recorrente
personagem. na obra. Ora mediante a narração dos crimes violentos
cometidos pelo sargento, como quando matou e deca-
Por conseguinte, a comitiva se hospeda na fa- pitou o tenente Amâncio, “com aquele mesmo punhal
zenda de Nestor Franco, em Boa Esperança. Segundo que ele estava ciscando, passei no pescoço, de frente
Getúlio, o fazendeiro já teve fama: “dizem que tem pas- para trás… cortei o pescoço… teve sangue como quatro
sado, esse Nestor, já fez acontecimentos”. Durante a es- torneiras, numa distância mais do que se pode acredi-
tada na fazenda de Boa Esperança, a comitiva recebe a tar, logo se esgotando-se e diminuindo e pronto final”;
visita de Elevaldo, responsável por avisar a Getúlio que ora através das reflexões acerca do medo da morte, dos
o grupo precisaria permanecer no local, pois, de acordo tipos de morte e da efemeridade da vida “quem é que
com a visita, os jornais estavam fazendo muito barulho aguenta esse peso, nessa vida que só dá suor e briga?
(no sentido negativo) na capital e que a ordem do Chefe Quem aguenta é quem tem medo da morte, porque de
era que não dessem seguimento à viagem. Getúlio ficou lá nenhum viajante voltou e isso é que enfraquece a von-
muito contrariado, mas obedeceu. Enquanto esperavam tade de morrer [...] se um santo me dissesse quer morrer
notícias novas, acontece um mau entendido com a filha velho e frouxo ou quer morrer assim e macho, eu posso
de 13 anos do fazendeiro e o preso. Como castigo, Getú- lhe garantir que dizia que queria morrer macho, não vejo
lio sugere uma série de torturas ao preso que são pron- graça no outro jeito”.
tamente aceitas e concretizadas.
Entre outras coisas, Getúlio apresenta resistên-
Um grupo, liderado pelo tenente Amâncio, cia, preocupação e desconforto perante as mudanças
avança em direção à fazenda Boa Esperança, culminando que se apresentam no decorrer da narrativa, na medi-
em um conflito violento que resulta na morte e decapi- da em que a viagem avança. Esta preocupação ocorre,
tação do tenente pelas mãos de Getúlio. Acompanhado por exemplo, quando o sargento decide seguir viagem
de Amaro e do preso, Getúlio se esconde sob a tutela e é avisado pelo “Padre de Aço” que chegarão alguns
do “Padre de Aço”, uma figura religiosa incomum. Após homens para conversar sobre a situação do preso, invia-
esses acontecimentos, Sargento Getúlio recebe a visita bilizando os planos do personagem central, “o que eu
de três homens que se identificam como mensageiros não entendo eu não gosto, me canso… Não gosto que o
de Acrísio Antunes e orientam o fim da missão e ime- mundo mude, me dá uma agonia, fico sem saber o que
diata soltura do preso. O sargento, descrente do aviso, fazer”. Getúlio não confia nas ordens que outras pessoas
resolve retornar à estrada e levar o preso à Aracaju, “ … lhe trazem a mando de seu chefe. Para ele, somente o
Não gosto dessa folia de recado, não é meu jeito… faço “seu Acrísio Antunes”, pessoalmente, pode anular as or-
o seguinte, eu levo sim. Nunca fui homem de falhar no dens dadas.
meio, eu levo sim”.
As mudanças a que Sargento Getúlio se refere
Seguindo com a missão que lhe foi atribuída, podem ser interpretadas para além das impostas à mis-
Getúlio chega à casa de Luzinete com quem acaba se são que lhe foi atribuída. Durante a narrativa, figuras
relacionando. Durante sua estadia no local, o sargento políticas como Getúlio Vargas e Cristiano Machado são
invade um quartel da polícia à procura de armamento, citados pelo sargento como seus contemporâneos. Essa
o que resulta em um cerco a casa em que se encontra, menção coloca o tempo da narrativa, aproximadamente
acarretando na morte de Amaro e Luzinete. Após o ocor- do final da década de 40 para o início da década de 50,
rido, Getúlio consegue fugir em companhia do preso e ou seja, do final da ditadura do Estado Novo, de Getúlio
segue com a missão para Aracaju. No caminho é inter- Vargas para uma década de grandes mudanças no âmbi-
ceptado por uma tropa que, acaba por atingi-lo, levan- to social, cultural, político e econômico. O surgimento da
do-o à morte. Bossa Nova e dos grandes festivais de música marcam o
cenário artístico brasileiro e projetam o país para o res-
Narrada em primeira pessoa, ou seja, pelo pró- tante do mundo.
prio personagem, a obra é majoritariamente um mo-
nólogo, transitando entre o exterior e o interior, com a Além disso, a expansão industrial e a moderni-
aparição de poucos diálogos ao longo da narrativa. O zação do país acarretam no aumento da migração po-
monólogo exterior é, majoritariamente, direcionado ao pulacional da área rural para a área urbana. A televisão
preso, como pode ser observado no seguinte trecho: e a maior liberdade da imprensa impulsionam a criação
“Vosmecê me desculpe eu ficar prosando o tempo todo. e expansão de jornais pelo território brasileiro, incenti-
É para não dormir. Não sei nem o que eu estou falando, vando o jornalismo político e popular. Aliás, este jorna-
ou o que eu estou pensando. Quando estou pensando, lismo político foi um dos maiores obstáculos impostos à
estou falando, quando estou falando, estou pensando, missão de Getúlio, pois a repercussão negativa da prisão
não sei direito. Vosmecê não precisa responder, apesar de um inimigo político foi o motivo de Acrísio Antunes,
de que é falta de educação”. Somente Getúlio tem voz chefe do sargento, dar ordem para pôr fim à missão.
na narrativa, os demais personagens existem mediante a
percepção do personagem narrador. Portanto, o enredo A relevância da obra, Sargento Getúlio, a levou
é estruturado neste grande monólogo interior, ou seja, para o cinema pela direção de Hermano Penna e teve sua
nesta conversa consigo mesmo, em que a narrativa é estreia em 1983. Estrelado por Lima Duarte, no papel do
construída e se desenvolve.

Tudo Sobre o PAS UnB 235


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

sargento Getúlio, o filme ganhou os principais prêmios entendidos como integrantes do contexto ao qual perten-
do Festival de Gramado no ano de seu lançamento. cem e como instrumentos de autoconhecimento, sociali-
zação e construção do imaginário social. Isso se evidencia
Romance no poema O morcego, de Augusto dos Anjos, nos contos
Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, Oásis, de Caio
O gênero desta obra é o romance. O romance Fernando Abreu, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, no
é um gênero literário, de texto narrativo. Diferente dos romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, e na
poemas, que são compostos em versos e necessitam de novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa. (Pá-
rima, métrica e aliterações, esse gênero é composto em gina 9, terceiro parágrafo)
prosa, ou seja, um tipo textual mais dinâmico, contínuo e
em parágrafos. O romance é caracterizado pela possibi- Tipos e gêneros
lidade da existência de histórias e personagens comple-
xos, do uso de histórias reais ou fictícias, ou até mesmo No âmbito da linguagem, alguns desses aspectos
a combinação de ficção e realidade. podem ser observados na novela O recado do morro, de
João Guimarães Rosa, bem como no romance Sargento
Diferente de outros gêneros, o romance possi- Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, que apresentam a moda-
bilita a combinação com outros gêneros literários, como lidade oral da língua, com suas variações regionais e múl-
novelas, literatura de correspondência, relatos de via- tiplas possibilidades lexicais. Nos poemas A noite dissolve
gens, etc. Além dos personagens, dentro da estrutura do os homens, de Carlos Drummond de Andrade, Consoada,
romance existe o narrador. Este pode se apresentar na de Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina Cesar, e Te-
primeira pessoa, quando o narrador é um dos persona- cendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, o uso dos
gens; ou na terceira pessoa, sendo narrador-observador. recursos expressivos da linguagem é determinante para
se perceber a intencionalidade discursiva da obra. (Página
Dois aspectos importantes da estrutura do ro- 12, segundo parágrafo)
mance são o enredo e o tempo. O enredo é a ação, os
acontecimentos que a narrativa necessita desenvolver Tipos e gêneros
para chegar ao tema central do romance. Ele pode ser li-
near, dividido em introdução, desenvolvimento e conclu- As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
são, ou não linear. O tempo no romance é responsável que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais
por organizar a história da narrativa e pode ser cronoló- diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
gico ou psicológico.Desta maneira, o tempo cronológico possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá-
é o ditado pelo relógio, e não necessariamente acontece ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
no tempo do narrador ou no período em que foi escrito. pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
O tempo psicológico, ou metafísico, está relacionado ao Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
tempo dos personagens ou ao desejo do narrador e é Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
alheio ao tempo cronológico. Dependendo do assunto Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
ou da estrutura, o romance ainda pode ser classificado bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
como romance de costumes, romance psicológico, ro- da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
mance policial, romance de cavalaria, romance regiona- Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
lista, romance biográfico, romance epistolar, etc. O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-


ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
literatura. (Página 12, quarto parágrafo)

Citações da Obra na Matriz de Referências Estruturas

O ser humano como um ser que interage Na literatura, o poema Soneto, de Ana Cristina
Cesar, brinca com a própria estrutura do soneto, para
As relações com formas e expressões ressignifica- questionar-se, enquanto indivíduo, em busca de reconhe-
das da cultura brasileira podem ser encontradas em obras cimento em seu estar no mundo. No romance Sargento
como a manifestação analisa os brasiliense Seu Estrelo e Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, a estrutura social e hie-
o Fuá do terreiro e o romance Sargento Getúlio, de João rárquica também é questionada, propondo uma reflexão
Ubaldo Ribeiro. Na cultura brasileira, entretanto, inscre- sobre a capacidade do indivíduo de resistir e se afirmar
ve-se um histórico sombrio de censura em certos perío- enquanto ser pensante e capaz de manifestar seu próprio
dos, como testemunham o conto Oásis, de Caio Fernando destino. (Página 17, terceiro parágrafo)
Abreu, e as canções Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buar-
que, e Solange, na versão da banda brasiliense Solange. Ambiente e evolução
(Página 6, quinto parágrafo)
O romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo
Indivíduo, cultura, estado e participação política Ribeiro, possibilita refletir sobre a existência humana e a
sua relação com o ambiente ao longo da viagem, no es-
Como vivemos em um contexto sociocultural paço do sertão, bem como a construção identitária das
complexo, é imprescindível que os textos literários sejam personagens. Já no conto Oásis, de Caio Fernando Abreu,

Tudo Sobre o PAS UnB 236


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

os elementos naturais são usados para ressignificar o


ambiente da narrativa, de modo a espelhar o cenário de
opressão e violência durante o regime militar. (Página 24,
terceiro parágrafo)

Cenários contemporâneos

No que diz respeito ao cenário contemporâneo


brasileiro, destacam-se as manifestações políticas e so-
ciais no decorrer da República; a participação política; a
relação entre indivíduo, Estado e sociedade civil (organi-
zada nos momentos de ruptura da ordem democrática); e
a violência institucional praticada pelo Estado Brasileiro
em suas diversas dimensões, como vemos nos vídeos En-
tenda o que é Racismo Estrutural - Canal do Preto (2018)
e Poética da Diáspora (2015), de Elena Pajero Peres, que
abordam a resistência desses grupos étnicos e sociais aos
diversos tipos de violência praticados/vivenciados na so-
ciedade brasileira. Nesse sentido, o romance Sargento
Getúlio (1971), de João Ubaldo Ribeiro, problematiza a
formação de uma identidade nacional e regional com ele-
mentos políticos transpassados pela violência do Estado
e na sociedade. É importante analisar essas questões no
período do Varguismo (Era Vargas). (Página 27, terceiro
parágrafo)

Espaços

As obras O encontro de Lampião com Eike Ba-


tista, da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na ver-
são da Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e o
slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor
de perder um filho, de Sabrina Azevedo, podem subsidiar
discussões relevantes a respeito da constituição do es-
paço e seus conflitos: territoriais, ambientais, filosóficos,
religiosos, políticos, étnicos, sociais e de gênero. Nessa
perspectiva, é possível pensar o espaço geográfico como
político, estratégico e produto social historicamente cons-
truído e, portanto, repleto de contradições, como pode ser
observado no romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo
Ribeiro, na novela O recado do morro, de João Guimarães
Rosa, nos contos Oásis, de Caio Fernando Abreu, Maria,
de Conceição Evaristo, e Viagem à Petrópolis, de Clarice
Lispector. (Página 35, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 237


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Poema aos Homens do Nosso Tempo
- Hilda Hilst

Autora
Hilda de Almeida Prado Hilst nasceu no dia 21 segunda geração modernista como Carlos Drummond
de abril, em 1930, na cidade de Jaú, interior de São Pau- de Andrade, entretanto a autora faz parte da famosa
lo. Cronista, dramaturga, ficcionista e poeta, a autora “geração de 45”, como é conhecida a terceira geração
escreveu a respeito de temas que buscavam expressar modernista, pela estética de sua obra e com a sua poe-
e compreender melhor o ser humano. Por meio de uma sia intimista, que aborda temas universais sem perder
linguagem, por vezes, ousada, a escritora representou o a pessoalidade. Apesar disso, a autora não seguia ri-
real e o fantástico em suas obras, demonstrando as fra- gorosamente as características dessa fase, seus versos
gilidades, os medos, as paixões, os desejos e tudo aquilo seguiam a forma fixa e tradicional, mas a sua métrica e
que diz respeito à condição humana. rima eram livres do rigor dos poetas da terceira geração,
dentre as quais se encontram as variações no número
Filha única de Apolônio de Almeida Prado Hilst, de sílabas poéticas em seus poemas. Ao longo de sua
cafeicultor, e filha mais nova de Bedecilda Vaz Cardoso, carreira, a autora recebeu vários prêmios dentre os quais
Hilda tinha apenas um irmão, Rui Cardoso, fruto de um se encontram o prêmio Anchieta, o Pen Clube de São
relacionamento anterior de sua mãe. Assim como a filha, Paulo e o Jabuti, por “Cantares de perda e predileção”
Apolônio também escrevia poemas e alguns ensaios, en- (1983), e de melhor conto por “A obscena Senhora D.” e
tretanto, a escritora não conviveu grande parte de sua “Qadós” (1993). Aos 60 anos, nos anos 1990, apostou no
infância e juventude com seu pai, pois ele foi diagnosti- erotismo e na sexualidade em suas obras. Mesmo que
cado como esquizofrênico e precisou ser internado em muitas vezes tivesse abordado essas temáticas de forma
um sanatório. refinada, esse aspecto ainda era considerado incomum
na poesia feminina à época, o que reforçou a recusa de
Aos dezoito anos, a autora entra para o curso Hilda Hilst aos padrões estéticos e morais da sociedade
de Direito na Universidade de São Paulo. Durante esse brasileira da época.
período, a jovem Hilda, de espírito livre e descontraído,
levou uma vida bastante boêmia, fugindo aos padrões Em 2004, a escritora faleceu aos 74 anos, em
impostos à mulher naquele período. Em 1950 lança o Campinas. Um dos seus maiores desejos enquanto es-
seu primeiro livro, intitulado “Presságio”, que é um livro critora era ser lida e assim o foi e continua sendo, suas
de poesias, e no ano seguinte lança “Balada de Alzira”. obras foram traduzidas em inglês, francês, espanhol, ale-
Decidida a escrever, a autora se muda em 1965 para mão, italiano, basco, norueguês e japonês. Em 2005 foi
Campinas e começa a construir a Casa do Sol, espaço fundado o Instituto Hilda Hilst com o intuito de preser-
que, além de sua residência, foi o local em que a artista var e divulgar a obra e a memória da autora, e sua sede
escreveu mais da metade de seus trabalhos. Além disso, se encontra na Casa do Sol. Além de possuir um espaço
a Casa do Sol também foi abrigo para artistas e amigos destinado a visitação, a casa abriga pesquisadores, es-
da autora, como Caio Fernando Abreu, durante a ditadu- critores e pensadores das diversas áreas em um progra-
ra militar brasileira. Hilda não teve filhos, foi casada com ma de residência. Ademais, em 2018 Hilda foi a autora
o escultor Dante Casarini por muitos anos, mas acabou homenageada da Flip – Festa Literária internacional de
se divorciando em 1980. Paraty, uma vez que sua literatura ultrapassa fronteiras e
permanece atemporal.
A escritora viveu durante um período marcado
por embates e transformações tanto políticas quanto so-
ciais, em um momento em que o mundo vivenciava o Obra
término da Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, tinha Poemas aos Homens do Nosso Tempo faz parte
fim a ditadura do Estado Novo. O período democrático do livro Júbilo, memória, noviciado da paixão, de Hilda
no país durou menos de vinte anos, uma vez que em Hilst, publicado em 1974, no auge da ditadura militar
1964 tinha início a ditadura militar. A escritora não se brasileira. Após se dedicar a outros gêneros, é com esse
intimidou diante de toda a opressão e violência imposta livro que Hilda retoma a escrita de poesias. Composto
pelo regime e, em 1974, período marcado pela repres- por dezessete cantos, divididos em estrofes e versos,
são e censura, lança o livro “Poesias, júbilo, memória, Poemas aos Homens do Nosso Tempo é o poema que fi-
noviciado da paixão”, no qual aborda sobre o místico, a naliza o livro da autora.
morte, os amores e tece críticas ao sistema autoritário,
opressor e totalitário. Essa obra ganha destaque por representar o
amadurecimento na poesia da escritora brasileira, que
Suas obras foram bem recebidas por grande não se intimidou diante da censura e repressão impos-
parte da crítica. Além da poesia, produziu livros de fic- tas pelo regime totalitário, a qual aproveita para expor
ção, por exemplo, “A obscena Senhora D” (1982) e “Rú- poeticamente a sua crítica diante das tensões políticas
tilo nada” (1933), peças como “O Verdugo” (1969) e enfrentadas. Hilda, ao longo do poema, dedica alguns
crônicas. A sua escrita recebe influências de autores da de seus versos a autores como: Alexander Solzhenitsyn,

Tudo Sobre o PAS UnB 238


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

dramaturgo, historiador e romancista russo ganhador do da morte, como ocorre com o poeta espanhol Frederico
prêmio Nobel em 1970; Natalia Gorbanievskaya, poeta, Garcia Lorca. A autora faz questão de destacar que sobre
tradutora e ativista dos direitos civis russos; e Frederi- a sepultura desses políticos não haverá flores, mas sim
co Garcia Lorca, poeta espanhol e dramaturgo morto na gritos dos homens mortos injustamente, e o legado que
Guerra civil espanhola. Ao prestar essa homenagem, a restará para suas famílias será o peso da vergonha de
autora deixa bem claro de qual lado está. possuir seus nomes. Além disso, ela lamenta profunda-
mente a morte do poeta e afirma que quando um poeta
Logo no início do canto I, o eu-lírico faz um morre, todos morrem um pouco também.
convite ao leitor “Senhoras e senhores, olhai-nos. /Re-
pensemos a tarefa de pensar o mundo.” (HILST, [200-]), Já nos seguintes cantos o eu-lírico vai mostran-
propondo que juntos repensem o mundo. Nas estrofes do que o poeta enxerga além das aparências, ele não se
seguintes, ele revela a importância de dar visibilidade interessa por dinheiro, fama ou poder, dado que sabe
aos poetas, posto que cabe a eles o exercício de pensar que todas essas coisas se originam do sangue de gente
e repensar o mundo, e ainda afirma que os poetas lem- inocente. Sua verdadeira semelhança é com o povo, que
bram que o homem não deve ser dominado, diminuído merece ser respeitado, e tudo que deseja é apenas ser
nem reprimido pela mentira de quem está no controle. É ouvido e visto, pois enquanto um poeta vive, o homem
importante salientar que as duas grandes guerras mun- permanece vivo junto a ele. Nada escapa ao olho e às
diais fizeram as pessoas pensarem o mundo e pensarem palavras do poeta, sua poesia busca romper as injustiças
o que é ser humano, e em menos de vinte anos se ins- e alcançar a liberdade. Para finalizar o poema, a escri-
taura em vários países, principalmente na América Lati- tora afirma que não há ouro que compre o amor de um
na, ditaduras que contribuíram para que o pensamento poeta e quando esse morre, algo bem maior vai junto
se voltasse mais uma vez para o humano, nesse ser que com ele. Por fim, o eu-lírico deixa um último conselho ao
ao mesmo tempo é único, é coletivo, na política, na vio- homem do nosso tempo: se fosse possível, não importa
lência e principalmente no papel da arte diante desse de qual maneira, é preciso a busca pela recuperação de
cenário. sua alma.

O que dizer então aos homens do seu tempo? Poemas aos Homens do Nosso Tempo fala aos
É um questionamento levantado pelo poeta no canto II: homens do tempo de Hilda, mas também fala aos ho-
mens do tempo atual, em que a arte, além de guardiã
Amada vida, minha morte demora. de memórias, assume um lugar de resistência. Ao mes-
Dizer que coisa ao homem, mo tempo em a que a sua poesia é moderna, também
Propor que viagem? Reis, ministros é contemporânea, pois o grito e o anseio pela liberdade
E todos vós, políticos, ainda são desejos do povo. Sendo assim, a poesia e a
Que palavra além de ouro e treva literatura de Hilda Hilst se fazem cada vez mais urgente
Fica em vossos ouvidos? e necessária.
Além de vossa RAPACIDADE
Poema
O que sabeis
Da alma dos homens? A palavra poema possui origem grega, pois, é
Ouro, conquista, lucro, logro derivada do vocábulo “poein” que significa “fazer, criar,
E os nossos ossos compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona
E o sangue das gentes diretamente com a literatura e com os gêneros literários.
Tem como principal característica a liberdade poética,
E a vida dos homens isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se
expressar da maneira que deseja, podendo ou não se-
Entre os vossos dentes. guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté-
ticas da língua.
(HILST, [200-])
Como gênero, o poema, possui algumas carac-
O eu-lírico divide os homens do seu tempo entre terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê-
aqueles que de fato conhecem as necessidades huma- neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em
nas, os poetas, como também aqueles que apenas co- estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e
nhecem o ouro, o dinheiro e o poder. Ainda no canto II, rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa-
o eu-lírico revela o amor do poeta por esses homens e cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a
se mostra esperançoso, pois acredita que haverá o dia trova, o rondó e dentre outros. Contudo, é importante
em que todos, amantes da palavra ou não, poderão se lembrar que nem todo poema segue essa estrutura, em
reunir livremente, visto que as coisas serão mais simples muitos há a predominância de efeitos sonoros e gráfi-
e justas. cos, por exemplo, a poesia concreta e a cinética. Além
disso, em muitos poemas temos a presença do eu-lírico,
Nos cantos III e VI, a poeta critica diretamente os que nem sempre coincide com o autor do poema, uma
“homens políticos” (HILST, [200-]) que tentam de diver- vez que esse é a pessoa fictícia que dá voz ao poema, a
sas maneiras calar o povo, seja através da mordaça ou exemplo disso, temos o poeta português Fernando Pes-

Tudo Sobre o PAS UnB 239


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

soa e seus heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Cam- Estruturas


pos e Ricardo Reis.
No campo social, as estruturas de organização
Ademais, é importante ressaltar que poema e excludentes oprimem, matam, segregam, o que pode ser
poesia não são a mesma coisa, uma vez que a poesia é percebido nas obras Entenda o que é Racismo Estrutural –
um conceito mais amplo, que se relaciona com a subje- Canal do Preto e nos poemas A noite dissolve os homens,
tividade e também pode ser encontrada na prosa, em de Carlos Drummond de Andrade, Quebranto, de Cuti, Es-
uma pintura, em um filme e nas variadas maneiras de se ses chopes dourados, de Jorge Wanderley, e Poema aos
expressar artisticamente. homens de nosso tempo, de Hilda Hilst. Na organização


das sociedades, as estruturas de poder e dos governos de-
vem ser pensadas e problematizadas, como evidenciam
os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren-
dt, e Necropolítica, de Achile Mbembe. (Página 16, segun-
Citações da Obra na Matriz de Referências do parágrafo)
O ser humano como um ser que interage Cenários contemporâneos
Um primeiro olhar para a instância de concreti- Os poemas Esses chopes dourados (2001), de
zação da língua em funcionamento — o texto — costuma Jorge Wanderley, e Poema aos homens do nosso tempo,
ser atribuição daquilo que comumente se faz sob o título de Hilda Hilst ( 1974), problematizam a diferença entre
de leitura, compreensão e interpretação. Nessa aproxi- as gerações e a percepção sobre a violência e são vistas
mação inicial, é importante que os fatores que constroem sob uma perspectiva intimista, já o conto Oásis (1975),
o texto sejam recuperados. As elaborações linguísticas de Caio Fernando Abreu, também aborda a violência, a
constituem portas de acesso à interlocução, à construção discriminação de gênero e a opressão sobre minorias ou
de conhecimentos, ao mundo, como em Poemas aos ho- menorizados. (Página 26, terceiro parágrafo)
mens do nosso tempo, de Hilda Hilst, Tecendo a manhã,
de João Cabral de Melo Neto e Soneto, de Ana Cristina Número, grandeza e forma
César. (Página 5, terceiro parágrafo)
Na Constituição Federal – Título II, capítulo IV, ar-
Indivíduo, cultura, estado e participação política tigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV, capítulo I,
seções I a V, artigos 44 a 56 –, são apresentadas formas
Reflexões presentes nos poemas Consoada, de de organização vinculadas às dimensões de grandeza po-
Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina César, Poema lítica como, por exemplo, a noção de coeficiente eleitoral.
aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst, e A noite Para validar essa noção, a estatística e a probabilidade
dissolve os homens, de Carlos Drummond de Andrade, são utilizadas e, comumente, princípios de contagem
trazem elementos que complementam os diferentes olha- (aditivo e multiplicativo) e agrupamentos (permutação,
res sobre as relações entre indivíduo e cultura. O poema arranjo e combinação). Ainda assim, tais dados não impli-
Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, reflete cam uma noção de verdade, sendo esperada a criticidade
sobre a capacidade do indivíduo de alimentar a esperan- de uma cidadania consciente e participativa. Nesse senti-
ça e organizar formas de resistência, bem como explora a do, Poema aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst,
potencialidade das palavras e seus significados. (Página Quebranto, de Cuti, e Maria, de Conceição Evaristo, são
9, primeiro parágrafo) exemplos de obras que permitem a discussão crítica sobre
as relações de poder. (Página 33, segundo parágrafo)
Tipos e gêneros

As discussões acerca de tipos e gêneros em obras Questões, Justificativas e Dicas


que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá- Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
literatura. (Página 12, quarto parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 240


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Oásis - Caio Fernando Abreu

Autor
Caio Fernando Loureiro de Abreu foi um verda- que aborda o desencanto e a indiferença humana, foi
deiro amante e admirador das letras. A palavra fez par- com as obras “O Triângulo das águas” (1984), “Os dra-
te de sua vida desde muito cedo, com apenas seis anos gões não conhecem o paraíso“ (1989) e “As ovelhas ne-
escreveu o seu primeiro texto e não parou mais. Nasceu gras” (1995) que Caio ganha três vezes a maior premia-
no dia 12 de setembro de 1948, em Santiago, conhecida ção literária brasileira, o prêmio Jabuti, no eixo “Contos,
também como terra dos poetas, no Rio Grande do Sul e Crônicas e Novelas”. O seu último romance “Onde anda-
faleceu em 25 de fevereiro de 1996, aos 47 anos, na cida- rá Dulce Veiga? ” foi adaptado para o cinema em 2008.
de de Porto Alegre em decorrência do vírus HIV. Em 2018, ao completar 70 anos, foi homenageado com
uma exposição, inaugurada no Museu Nacional da Repú-
Caio escreveu diversas obras que se enquadram blica, nomeada de “Doces Memórias”, que reuniu textos,
em variados gêneros literários como contos, romances, fotos e objetos pessoais do escritor.
peças teatrais, crônicas, críticas, textos jornalísticos. Sua
escrita recebeu influências de autoras e autores consa- Portanto, Caio Fernando Abreu é um importan-
grados como Clarice Lispector, Hilda Hilst, Gabriel Garcia te autor da literatura contemporânea brasileira, uma vez
Marquéz e Julio Cortázar. Seu primeiro conto “O prínci- que suas obras tematizam e evidenciam os conflitos e
pe sapo” foi publicado em 1966 na revista Cláudia. No os sentimentos do homem pós-moderno, apresentando
ano seguinte o escritor começou a cursar Letras e Artes inúmeras inquietações que continuam surtindo efeitos
Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul atualmente. A prova disso é que nos últimos anos seus
(UFRGS), entretanto, acabou não concluindo nenhum textos e frases fizeram, e continuam fazendo, sucesso
dos cursos. Ao longo de sua vida profissional foi tradutor, entre os usuários das diferentes redes sociais.
redator, pesquisador e colunista de jornais importantes
como O Estado de São Paulo e Zero Hora. Obra
Viveu em uma sociedade marcada por transfor- O conto Oásis faz parte do segundo livro de
mações políticas e sociais. O Brasil e a América Latina, contos de Caio Fernando Abreu, “O ovo apunhalado”,
nesse período, enfrentavam ditaduras, o imperialismo publicado em 1975. A história é apresentada predomi-
norte americano avançava e surgiam os movimentos nantemente por meio de um discurso indireto com ape-
de contracultura e de resistência. Durante os chamados nas uma apresentação de discurso direto durante toda
anos de chumbo, caracterizados pela opressão e violên- a narrativa. Mediante a memória de uma brincadeira de
cia do Estado, o autor gaúcho foi perseguido e, em virtu- infância do narrador, que é um narrador-personagem
de disso, precisou se mudar constantemente. Esse con- com outras duas crianças, Jorge e Luís.
texto histórico foi importante para o escritor que buscou
representar de maneira crítica tanto direta e quanto in- O tempo cronológico do conto não é precisa-
diretamente o medo, o silenciamento e a repressão que mente definido, mas de acordo com as informações for-
eram impostos à população durante o regime. necidas pelo narrador é possível identificar que a histó-
ria se passa durante a ditadura militar. A narrativa ocorre
Além de escrever histórias que possuíam a dita- em uma cidade localizada no sul do país. Sempre nos dias
dura como tema, escreveu também sobre a sexualidade, quentes, o narrador e seus amigos gostavam de brincar
a desigualdade social, as aflições, os amores, as alegrias, de oásis. A brincadeira consistia em imaginar que a rua
a astrologia e o HIV, assuntos que traduziam o sentimen- comprida e poeirenta em que estavam era na verdade
to coletivo de sua época. Em 1994, declara publicamente um deserto, e o avião no qual estavam caia justamente
ser portador do vírus na sua coluna semanal no jornal nesse deserto e para encontrar as peças necessárias para
O Estado de São Paulo, em três cartas intituladas “Para consertá-lo era preciso caminhar até um oásis que havia
além dos muros”. no final dessa rua. O oásis dos meninos era representado
pelo arco branco do portão de um quartel militar. Embo-
Nas décadas de oitenta e noventa houve um ra nunca tenha entrado no quartel, o local exprimia nas
surto da AIDS no Brasil e milhares de pessoas contraíram crianças um certo fascínio, uma vez que elas imaginavam
o vírus, como o cantor, e amigo pessoal de Caio, Cazuza. as maravilhas e os mistérios que aconteciam no local.
O autor não se intimidou e falou abertamente sobre a Essa comparação do quartel com o paraíso evidencia a
AIDS. A novela “Pela noite”, que faz parte do seu livro sua inocência, pois elas não tinham acesso à informação
“Triângulo das águas”, foi a primeira obra literária brasi- sobre o que de fato acontecia nesse lugar.
leira a possuir o vírus como tema.
A partir de uma amizade inusitada com um dos
Ademais, Caio Fernando Abreu recebeu inúme- soldados, as crianças começam a ter acesso ao pátio do
ras premiações. Apesar de sua produção mais popular local. O narrador evidencia que elas sabiam que algo es-
ser a coletânea de contos “Morangos Mofados” (1982), tranho acontecia lá, contudo, associavam os fatos a uma

Tudo Sobre o PAS UnB 241


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

espécie de mistério, como o próprio narrador salienta Conto


“Coisas estranhas se passavam ali, e tínhamos a certeza
de estarmos lentamente ingressando numa espécie de O conto é um gênero textual contido dentro do
sociedade mágica e secreta. ” (ABREU, 2015, p. 47 – 48). tipo textual narração. É um texto de ficção, escrito em
O julgamento que tinham do lugar muda completamen- prosa, mais curto que a novela e que possui estrutura
te quando um dia entram despercebidos em uma sala fechada e concisa.
cujo acesso era proibido.
Assim, como outros gêneros que possuem como
No caminho até essa sala, o paraíso se trans- base a narração, o conto também apresenta como carac-
forma em babilônia, uma vez que o ambiente é descrito terísticas a presença de um enredo, que é a própria his-
como hostil. Na sala, as crianças encontram um apare- tória; de um tempo, que pode ser cronológico, quando
lho cheio de fios e não compreendem a sua utilidade, apresenta linearidade, ou psicológico, quando o tempo
e entretidas não percebem a entrada de dois soldados é distorcido para acompanhar a memória dos persona-
que usavam fardas diferentes daquelas na qual estavam gens e não há uma lógica de sequência temporal; de um
acostumadas a ver. Com essa atitude, a punição, para as espaço, que pode ser físico, psicológico ou social; de um
crianças curiosas, que recebem por invadirem um espa- narrador, sendo narrador-personagem quando conta a
ço proibido foi ficarem presas em um quartinho minús- história e, ao mesmo tempo, participa dela, ou sendo
culo até o anoitecer. Os personagens ficam apavorados. narrador observador, quando apenas conta a história,
Ao serem libertos, levam uma bronca e apanham dos sem participar dela, podendo também ser narrador-
pais, que buscam encontrar um culpado para o compor- -onisciente, quando se conta a história sem participar
tamento rebelde das crianças. Depois desse dia, as crian- dela, mas sabe de tudo e de todas as coisas, incluindo
ças desassociam a imagem de oásis aos quartéis. sentimentos e pensamentos pessoais dos personagens;
de personagens, que pode(m) ser protagonista(s), anta-
Durante toda a obra o autor faz indiretamente gonista(s) ou secundários; e de um discurso, que é dis-
alusão a ditadura militar que durou mais de vinte anos curso direto quando o próprio personagem fala, discur-
no Brasil. Mediante uma política baseada no medo, no so indireto quando o narrador reproduz o discurso do
silenciamento e no controle da sociedade, o regime au- personagem ou discurso indireto livre, quando há uma
toritário punia severamente aqueles que iam contra a mistura dos dois.
sua forma de governar. As punições podiam ser aplicadas
de diferentes maneiras tais como a censura, o exílio e a Além disso, o conto apresenta uma estrutura
tortura, que poderia ser tanto física ou psicológica. No que envolve uma introdução, que é a apresentação ge-
conto, as crianças são presas e sofrem uma violência psi- ral da história, dos personagens, tempo e local, um de-
cológica, chegando a pensar que poderiam ser mortas, o senvolvimento, que traz o fluxo de acontecimentos da
que provocou nelas um desgaste físico e emocional. história, um clímax, entendido como o ponto máximo
de tensão dentro de toda a narração e um desfecho, ou
Ficamos ali durante muito tempo, incapazes de dizer qual- seja, o fim da narrativa.


quer palavra, num temor tão espesso que não era preciso
evidenciá-lo através de um grito. Jorge chorava, eu e Luiz
nos encolhíamos contra as paredes. Pensamentos terríveis
cruzavam a minha cabeça, pelotões, fuzilamentos, enquanto
uma dor de barriga se tornava cada vez mais insuportável, Citações da Obra na Matriz de Referências
até escorrer pelas pernas numa massa visguenta. (ABREU,
2015, p. 49). O ser humano como um ser que interage

Os professores João Paulo Massotti e Luana Teixeira Porto As relações com formas e expressões ressignifica-
apontam que a violência psicológica sofrida pelas crianças é das da cultura brasileira podem ser encontradas em obras
ampliada para a física praticada pelos pais, sendo assim “a como a manifestação analisa os brasiliense Seu Estrelo e
visão maravilhosa do oásis torna-se, no imaginário das crian- o Fuá do terreiro e o romance Sargento Getúlio, de João
ças, o intocável e o proibido, um período traumático ausente Ubaldo Ribeiro. Na cultura brasileira, entretanto, inscre-
de direitos e civilidade” (MASSOTTI e PORTO, 2016 p. 30). ve-se um histórico sombrio de censura em certos perío-
dos, como testemunham o conto Oásis, de Caio Fernando
A ditadura militar deixou marcas e lacunas pro- Abreu, e as canções Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buar-
fundas na sociedade brasileira. Ao abordar a respeito que, e Solange, na versão da banda brasiliense Solange.
desse tema, o autor contribui para que a sociedade não (Página 6, quinto parágrafo)
se esqueça e não suavize as atrocidades cometidas du-
rante o regime desse período da história do país, a fim Indivíduo, cultura, estado e participação política
de que dessa forma este não torne a se repetir.
Como vivemos em um contexto sociocultural
complexo, é imprescindível que os textos literários sejam
entendidos como integrantes do contexto ao qual perten-
cem e como instrumentos de autoconhecimento, sociali-
zação e construção do imaginário social. Isso se evidencia
no poema O morcego, de Augusto dos Anjos, nos contos

Tudo Sobre o PAS UnB 242


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, Oásis, de Caio slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor
Fernando Abreu, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, no de perder um filho, de Sabrina Azevedo, podem subsidiar
romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, e na discussões relevantes a respeito da constituição do es-
novela O recado do morro, de João Guimarães Rosa. (Pá- paço e seus conflitos: territoriais, ambientais, filosóficos,
gina 9, terceiro parágrafo) religiosos, políticos, étnicos, sociais e de gênero. Nessa
perspectiva, é possível pensar o espaço geográfico como
Tipos e gêneros político, estratégico e produto social historicamente cons-
truído e, portanto, repleto de contradições, como pode ser
As discussões acerca de tipos e gêneros em obras observado no romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo
que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais Ribeiro, na novela O recado do morro, de João Guimarães
diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e Rosa, nos contos Oásis, de Caio Fernando Abreu, Maria,
possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá- de Conceição Evaristo, e Viagem à Petrópolis, de Clarice
ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers- Lispector. (Página 35, segundo parágrafo)
pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
Questões, Justificativas e Dicas
Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca- Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman- Anotações e Rascunhos
ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
literatura. (Página 12, quarto parágrafo)

Estruturas

Os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida,


Maria, de Conceição Evaristo, Oásis, de Caio Fernando
Abreu e Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, entre-
laçam elementos da estrutura ficcional da narrativa (en-
redo, os espaço, tempo, personagens e acontecimentos)
com a estrutura social brasileira. (Página 17, quinto pa-
rágrafo)

Cenários contemporâneos

O romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ri-


beiro, possibilita refletir sobre a existência humana e a
sua relação com o ambiente ao longo da viagem, no es-
paço do sertão, bem como a construção identitária das
personagens. Já no conto Oásis, de Caio Fernando Abreu,
os elementos naturais são usados para ressignificar o
ambiente da narrativa, de modo a espelhar o cenário de
opressão e violência durante o regime militar. (Página 27,
terceiro parágrafo)

Cenários contemporâneos

Os poemas Esses chopes dourados (2001), de


Jorge Wanderley, e Poema aos homens do nosso tempo,
de Hilda Hilst ( 1974), problematizam a diferença entre
as gerações e a percepção sobre a violência e são vistas
sob uma perspectiva intimista, já o conto Oásis (1975),
de Caio Fernando Abreu, também aborda a violência, a
discriminação de gênero e a opressão sobre minorias ou
menorizados. (Página 26, terceiro parágrafo)

Espaços

As obras O encontro de Lampião com Eike Ba-


tista, da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na ver-
são da Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e o

Tudo Sobre o PAS UnB 243


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


A Doutora Nise - Carlos Drummond
de Andrade

Autor
Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) Obra
nasceu em Itabira do Mato Dentro, em Minas Gerais. Ini-
ciou a carreira de escritor com a publicação de artigos Antes de entrar em contato com a carta produ-
no jornal Diário de Minas. Ainda pequeno, foi expulso zida por Drummond, é importante conhecer sobre quem
de um colégio de jesuítas, acusado de “insubordinação ele escreve.
mental”.
Nise da Silveira foi uma das psiquiatras mais im-
Cursou a faculdade de Farmácia em Ouro Preto, portantes do Brasil. Nascida em 1905, em Maceió, filha
mas nunca exerceu essa profissão. Em 1925, ano em que de uma pianista e um professor e jornalista, foi estudar
concluiu o curso superior e se casou, lançou o periódico medicina na Bahia, e formou-se em 1926 sendo a única
A Revista, marco do Modernismo mineiro. Tal produção mulher de sua turma. Casou-se com o primo Mário Ma-
galhães, com quem não teve filhos por um acordo entre
se deu pelo impacto causado pela Semana de Arte Mo-
os dois.
derna, em 1922. Lecionou Português e Geografia em sua
cidade natal, mas trocou o interior do estado pela capital Anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro e,
para ser redator-chefe do Diário de Minas. em 1933, inicia seu trabalho no Hospital Psiquiátrico de
Engenho de Dentro. No entanto, em 1936 é presa por
No ano de 1928, ingressou no serviço público suspeitas de ligação com o Partido Comunista Brasileiro
mineiro. Já em 1930, publicou seu primeiro livro, “Algu- e por pertencer à União Feminina Brasileira e à Ala Rei-
ma poesia”, que marca o início da segunda fase do Mo- vindicadora dos Médicos.
dernismo brasileiro.
Nos anos de 1944, recupera sua licença médi-
A 2ª geração modernista caracteriza-se por ser ca e volta ao hospital de Engenho de Dentro. Porém,
uma fase amadurecida do que propunha a 1ª geração do ao retornar, deparou-se com métodos violentos para
Modernismo. O radicalismo nacionalista e estético, apre- lidar com os pacientes, opondo-se fortemente a isso.
sentado por Oswald de Andrade dá lugar a uma visão As maiores críticas de Nise eram direcionadas ao uso
do país voltada para o social e o político, enaltecendo o de eletrochoques e cirurgia de lobotomia. Sua vida foi
sentido da existência humana, o confronto do homem marcada pela defesa de um tratamento com teor alta-
com a realidade e seu papel diante dela. Assim, são ca- mente humanitário, sendo discípula de Carl Gustav Jung.
racterísticas fundamentais: Criou ateliês de pintura e modelagem, incentivando os
pacientes (os quais ela prefere que fosse chamados de
- temas do cotidiano; “clientes”) a expressarem-se por meio da arte e do con-
tato com animais. Estes apresentavam grande evolução
- questões existenciais; em seu quadro, permitindo melhor comunicação e ex-
pressão de ideias. De sua metodologia, surge, em 1952,
- abordagens políticas e sociais; o Museu do Inconsciente, em Engenho de Dentro, no Rio
de Janeiro. Alguns de seus clientes tornaram-se artistas
- renovação da linguagem – formas como o soneto são reconhecidos, como Fernando Diniz e Emygdio de Bar-
reutilizadas; ros.

- versos livres, brancos e com estruturas sintáticas mais “Nise da Silveira não pretende mudar a situação
elaboradas; do doente mental com discursos panfletários, mas por
meio de um trabalho cultural que tenta desconstruir vi-
Drummond foi chefe do gabinete do Ministro da sões de mundo ao levar as pessoas à perplexidade e pro-
Educação entre 1934 e 1945. Faleceu em 1987, duas se- duzir emoção estética”. (MELO, Valter).
manas após a morte de sua única filha, a cronista Maria
Julieta Drummond de Andrade. A trajetória de Nise a tornou uma das mais in-
fluentes psiquiatras do Brasil, trazendo relevância à Te-
Carlos Drummond de Andrade foi um dos maio- rapia Ocupacional.
res poetas da literatura nacional, e dos mais lidos inter-
nacionalmente. Com sua maneira de conduzir a crítica Não se curem além da conta. Gente curada demais é
gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou
social e, ainda, imprimir sentimentalismo, Drummond se
lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a
destaca por sua atemporalidade.
nossa realidade mais profunda. 

Nise da Silveira

Tudo Sobre o PAS UnB 244


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Obra na Íntegra pessoa de Nise, é o Museu de Imagens do Inconsciente,


sobre cuja sorte pairam hoje interrogações: não o es-
‘A Doutora Nise’, de Carlos Drummond de Andrade tando ainda integrado legalmente na estrutura do Mi-
nistério da Saúde, embora portaria ministerial de 1973
Há visível engano nos registros burocráticos referentes à lhe reconhecesse a existência, que será dele com a apo-
funcionária federal, Nível 22-A, Dra. Nise da Silveira. Se- sentadoria de Nise? Ira vegetar, marcar passo, regredir,
gundo os papéis oficiais, a aludida servidora atingirá, no acabar melancolicamente?
próximo dia 10 de janeiro, a idade-limite que determina
aposentadoria compulsória. A contagem deve estar cer- Para evitar que isto aconteça, fundou-se a Sociedade de
ta, se baseada em certidão de nascimento. Mas cumpre Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente. Não é co-
excluir do total 15* meses em que a Dra. Nise não tra- mum ver-se um funcionário que se aposenta suscitar ini-
balhou nem viveu vida normal, pois esteve presa. Seria ciativa desta ordem para preservar-lhe as realizações no
justo descontar-lhe da idade esse tempo vazio, por um serviço público. Deve ser mesmo caso único. Para se jus-
lado, e cheio de angústia, por outro. Graciliano Ramos, tificarem como entidade, os amigos do Museu, que são
os amigos de Nise, precisam ficar atentos e ativos, não
nas Memórias do Cárcere, dá testemunho da passagem
deixando que tal instituição seja roída pela indiferença
da Dra. Nise pelo túnel da prisão política, de resto injus-
burocrática. Os museus não valem nada como depósitos
ta, pois o Tribunal de Segurança acabou por absolvê-la de cultura ou experiências acumuladas, mas como ins-
de imaginários crimes. Não lhe restituiu, porém, o ano trumentos geradores de novas experiências e renovação
e tanto de vida sequestrada, durante a qual, no dizer de de cultura. Só assim deve ser entendido o maravilhoso
Graciliano, fugia-lhe às vezes a palavra e um desassosse- acervo de obras recolhidas ao museu que é alma e vida
go verdadeiro transparecia em seu rosto pálido, os gran- de Nise.
des olhos moviam-se tristes.  Atravessando o  túnel, era
como se ela não existisse mais, tanto que, classificada Do contrário, é o caso de apelar para sua criadora, es-
em 4º lugar no concurso, viu nomeados todos os candi- quecendo-lhe a aposentação compulsória, no verso do
datos até o 3º lugar, com exclusão de sua pessoa. Nise cantor maranhense:
na compulsória? Corrijam os números, senhores escritu-
rários, pois tudo isso, conta, e muito, existencialmente. Nise? Nise? Onde estás? Aonde? Aonde? 

Não contou foi no íntimo de Nise da Silveira para tor- Carlos Drummond de Andrade
ná-la criatura amarga e revoltada, que daí por diante Jornal do Brasil, 2 de janeiro de 1975.
abominasse o gênero humano. Pelo contrário. Restituí-
da à atividade médica especializada, em cargo público *Documentos oficiais indicam que foram 18 meses de
que na aposentadoria lhe proporcionará os proventos de prisão.
Cr$ 1mil740, dedicou-se a uma obra em que o interes-
se científico é amalgamado com o interesse humano, e Análise
toda pesquisa envolve amor ao ser - o ser distanciado da
imprecisa fronteira do normal - o fechado em si, o supos- A carta de Drummond sobre Nise visa defendê-
tamente ininteligível, o esquizofrênico. Nise debruçou- -la por conta dos 15 meses encarcerada. O autor ressalta
-se sobre a mente cheia de mistério dos que não partici- que o tempo de prisão deveria ser descontado da con-
pavam do nosso modo comum de viver e exprimir-se, e tagem de tempo de serviço por não ter sido justa, o que
retardaria sua aposentadoria. Nesse período, Nise con-
em cerca de 30 anos de observação, estímulo e carinho,
viveu com Graciliano Ramos na cadeia, um dos maiores
extraiu deles alguma coisa profundamente comovedora autores da literatura brasileira. Em sua obra Memórias
e de enorme interesse psicológico. do Cárcere, o autor apresenta a psiquiatra:
Seu Serviço de Terapia Ocupacional abriu um caminho O rosto moço revelava fadiga, aos cabelos negros mistura-
para a interpretação de valores obscuros, em potencial vam-se alguns fios grisalhos. Referiu-se a Maceió, apresen-
no espírito atormentado: o caminho da criação artística. tou-se: – Nise da Silveira. [...] E apertava-se uma dúzia de-
Sem pretensão de formar criadores no sentido em que las na sala 4. Olga Prestes, Elisa Berger, outras. [...] Apesar
lhes atribui a disciplina estética. Sem querer aumentar de havermos ficado momentos difíceis um diante do outro,
o catálogo de nossos pintores, escultores, gravadores. confusos, aturdidos, em vão buscando uma palavra, aquela
Nise interroga o inconsciente e consegue que dele aflo- fisionomia doce e triste, a revelar inteligência e bondade, im-
rem as representações artísticas espontâneas, prova de pressionava-me (RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere.
que nem tudo em seus autores é caos ou aniquilamento: Pág. 339. 341, 359).
perduram condições geradoras de uma atividade bela,
a serem devidamente estudadas visando ao benefício Em sua carta, Drummond enfatiza a força que
do homem futuro, tornando mais transparente em suas Nise apresentou ao voltar da clausura. Uma enfermeira
grutas interiores. a denunciou por ler livros supostamente comunistas, e
isso a manteve presa por 18 meses. Apesar de conviver
Resultado desse trabalho que seduziu outros psiquiatras com injustiças, principalmente por sua prisão arbitrária
e discípulos, levando-os a cooperar com a frágil e forte e sua licença revogada, a psiquiatra retorna à sociedade

Tudo Sobre o PAS UnB 245


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

para dedicar-se a uma medicina repleta de humanidade Indivíduo, cultura, estado e participação política
e “amor ao ser”.
Nesta etapa, exige-se uma conscientização sobre
Drummond disserta sobre a importância de a organização e a participação política do ser humano.
Nise ter aberto caminhos à criação artística de quem, Nesse sentido, os textos Sobre a violência (partes 2 e 3),
até então, era diagnosticado e tratado de forma um tan- de Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe,
to quanto violenta. Além de enfatizar a relevância de são obras fundamentais para pensar tanto o presente
Nise e o fato de ter criado um novo método que con- como o futuro da humanidade a partir dessa conscienti-
quistou diversos outros profissionais, Drummond apre- zação. Questões sobre a participação política, estruturas
senta, também, a importância do Museu de Imagens do de violência e responsabilidade social podem ser eviden-
Inconsciente, criado em 1952 e ainda não integrado ao ciadas pelos documentários À Margem do Corpo, de Dé-
Ministério da Saúde à época (1973). O autor se refere ao bora Diniz, e Carta para além dos muros, de André Canto.
Museu como um “instrumento gerador de experiências Produções que reafirmam o papel do campo acadêmico
e renovo da cultura”. e científico no debate público nacional podem ser vistas
nas cartas À Doutora Nise, de Carlos Drummond de An-
Por fim, a carta destinada, aparentemente, a drade, nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler, e em
órgãos públicos, exalta Nise da Silveira e sua relevância, Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud, que
mesmo próximo de sua aposentadoria, a qual deveria reiteram o papel dos intelectuais em promover reflexões
ser valorizada pelo Estado garantindo a continuação de sobre questões sociais, como o autoritarismo e a violência
seus serviços e de seu legado. (Página 8, primeiro parágrafo)

Carta Tipos e gêneros

A obra se enquadra na estrutura epistolar, ou Para formular e articular argumentos adequa-


seja, carta. O produtor do texto epistolar pode falar em damente é fundamental considerar os gêneros textuais
seu nome, ou nome de um grupo (sua comunidade, sua como materializações linguísticas e produtos que circulam
classe, uma associação), e destina-se a alguém (persona- socialmente. É imprescindível observar os usos desses gê-
lidade, instituição, sociedade como um todo). neros nas diversas áreas de conhecimento e de interação
humana. Eles devem ser considerados a partir de um con-
O modelo utilizado por Carlos Drummond de junto de parâmetros essenciais para melhor compreensão
Andrade classifica-se como uma carta aberta, sem mui- da realidade por meio da linguagem. Para tanto, é preciso
tas restrições e/ou especificações. São elas: definir primeiramente aspectos comunicacionais. Inicial-
mente, é necessário definir o objetivo do texto, e o modo
- apresenta uma tese, um ponto de vista, um argumento de organização — tipo e gênero empregado, a fim de que
a ser defendido; a interlocução venha a atingir os objetivos pretendidos. É
importante saber quem são os interlocutores envolvidos
- não pretende restringir a comunicação ao destinatário; para definir a modalidade de linguagem a ser empregada
e o porquê. Como vemos nas cartas À Doutora Nise, de
- identificação do produtor do texto e a quem se dirige; Carlos Drummond de Andrade, Cartas que Gandhi escre-
veu para Hitler, e em Por que a Guerra? Indagações entre
- esclarece o fato social ou político que motivou a carta.


Einstein e Freud, em que interlocutores com uma história
de vida conhecida se correspondem com o intuito de refle-
tir sobre a violência, o autoritarismo e as possibilidades de
resistência. (Página 13, segundo parágrafo)
Citações da Obra na Matriz de Referências Estruturas
O ser humano como um ser que interage A elaboração de um texto escrito é sempre conse-
Além dessa abordagem contextual, com ênfase quência não só de aprendizados linguísticos, como tam-
nas críticas sociais e políticas, nesta etapa são também bém da assimilação de comportamentos linguístico-so-
discutidas as maneiras como os artistas interagem com ciais. Buscar estratégias adequadas para uma produção
diferentes suportes na expressão de suas ideias, como na satisfatória de textos escritos representa o domínio do
carta À Doutora Nise, de Carlos Drummond de Andrade, suporte das estruturas da língua, ou da gramática, como
nas produções apresentadas no vídeo Vamos ao museu? exemplificam os textos Universidade Para quê ?, de Darcy
- Museu de Imagens do Inconsciente, no filme Um cão an- Ribeiro, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe me-
daluz, de Luis Buñuel e Salvador Dalí, em Através, de Cildo rece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo e as
Meireles, Guevara vivo ou morto, de Claudio Tozzi, Ritmo cartas A Doutora Nise, de Carlos Drummond de Andrade,
de outono – número 30, de Jackson Pollock ou o Palácio Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Guer-
do Itamaraty, de Oscar Niemeyer, onde se encontram as ra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página 18, terceiro
obras Meteoro, de Bruno Giorgi e Ponto de encontro, de parágrafo)
Mary Vieira. (Página 7, segundo parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 246


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cenários contemporâneos

A elaboração de um texto escrito é sempre conse-


quência não só de aprendizados linguísticos, como tam-
bém da assimilação de comportamentos linguístico-so-
ciais. Buscar estratégias adequadas para uma produção
satisfatória de textos escritos representa o domínio do
suporte das estruturas da língua, ou da gramática, como
exemplificam os textos Universidade Para quê ?, de Darcy
Ribeiro, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe me-
rece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo e as
cartas A Doutora Nise, de Carlos Drummond de Andrade,
Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por que a Guer-
ra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página 30, primei-
ro parágrafo)

Análise de dados

A análise de dados deve estar intimamente rela-


cionada a contextos. Nesse sentido, os conceitos de iden-
tidade e diversidade cultural e suas interpretações são
relevantes na análise de dados, como pode ser observado
no conto Maria, de Conceição Evaristo, na carta A Dou-
tora Nise, de Carlos Drummond de Andrade, no audiovi-
sual Das raízes às pontas, de Flora Egecia, bem como nas
obras musicais Mulamba, de Mulamba, Elevação Mental,
de Triz, e Não Recomendado, de Não Recomendados. (Pá-
gina 42, quinto parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 247


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Soneto - Ana Cristina Cesar

Autora
Ana Cristina Cruz Cesar, mais conhecida como Durante sua vida, a poeta trabalhou dando au-
Ana Cristina Cesar ou Ana C., é uma importante repre- las em escolas públicas e privadas, além disso escreveu
sentante feminina na poesia contemporânea brasileira. artigos e críticas para jornais e fez traduções de autores
Além de poesia, a autora escreveu ensaios, críticas e fez que a influenciam em sua produção literária, tais como
traduções. Seu nome é associado a geração de poetas Katherine Mansfield, Anthony Barnett e Marianne Moo-
marginais que surge na década de 70, movimento tam- re. Em 1982, lança o livro “A teus pés”, seu primeiro e
bém chamado de geração mimeógrafo. Nascida no Rio único livro publicado por uma editora, que faz bastan-
de Janeiro, no dia 02 de junho de 1952, a escritora per- te sucesso e permite que Ana C. seja reconhecida por
tencia a uma família tradicional da classe média carioca. sua escrita. Contudo, por mais que a vida profissional da
escritora estivesse bem encaminhada, ela lidava com al-
Filha do sociólogo e intelectual protestante Wal- guns dilemas emocionais em sua vida pessoal que, junto
do Aranha Lenz Cesar e da professora Maria Luiza Cesar, com o peso de ser mulher e escritora no auge ditadura
a escritora passou toda a sua infância e adolescência em militar, acabaram culminando para que no ano seguinte
sua cidade natal. A poesia fez parte de sua vida desde Ana Cristina Cesar cometesse suicídio. Isso aconteceu
muito cedo, esse contato a levou a produzir versos antes quando ela tinha 31 anos, na casa de seus pais em Co-
mesmo de ser alfabetizada. Em 1969 Ana Cristina Cesar pacabana.
vai à Inglaterra para fazer um intercâmbio e lá tem con-
tato com obras de grandes autores da literatura mun- Por fim, após a sua morte, o poeta e amigo Ar-
dial como Emily Dickinson, Katherine Mansfield e Sylvia mando Freitas Filho ficou responsável por organizar e
Plath. Posteriormente, ingressa no curso de Letras em cuidar de toda a sua obra. Foram publicados postuma-
1971, na Pontifícia Universidade Católica – PUC do Rio de mente os livros Novas seletas, Escritos no Rio, Escritos
Janeiro e dá início a sua produção acadêmica e a publica- em Londres, Inéditos e Dispersos e Correspondência In-
ção de seus primeiros trabalhos de maneira alternativa. completa, na qual encontram-se cartas de Ana Cristina
Se forma em 1975 e nos anos seguintes realiza mestrado Cesar enviadas a amigos organizada pelo poeta e por
em Comunicação na Universidade Federal do Rio de Ja- Heloísa Buarque Hollanda. Ademais, em 2016 Ana C.
neiro – UFRJ e em Tradução Literária na Universidade de foi a segunda autora a ser homenageada e celebrada na
Essex na Inglaterra. Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. A escrita da
poeta permanece viva e atual, inspirando centenas de
Mesmo diante de toda censura imposta pela di- escritores pelo Brasil.
tadura militar brasileira, Ana Cristina Cesar não se intimi-
dou e continuou produzindo e publicando informalmen-
te seus poemas. A jovem escritora integra o movimento
Obra
chamado de geração mimeógrafa, junto com outros Soneto é um dos poemas que compõem o livro
poetas e artistas como Paulo Leminski, Francisco Alvim, “A teus pés”, de Ana Cristina Cesar, publicado em 1982. A
Chacal, entre outros. A ação sociocultural é inspirada nos obra é o primeiro e único livro da autora que foi lançado
movimentos de contracultura e é caracterizado por ir ao público por uma editora, enquanto Ana Cristina esta-
contra os padrões estabelecidos e aceitos pela academia va viva. Além da mescla entre poesia e prosa, o livro reú-
e pela crítica. Os poetas não recorriam às editoras para a ne também as obras “Cenas de abril”, “Correspondência
publicação de suas obras, mas utilizavam o mimeógrafo completa” e “Luvas de pelica” que foram publicadas in-
para a impressão de seus livros e os distribuíam de ma- formalmente pela escritora, as quais são obras escritas
neira livre e informal com um preço mais acessível. em forma de carta, diário e poema.
Sua obra é caracterizada por ser uma poesia in- A autora contemporânea foi uma das poucas
timista, em que há o predomínio da subjetividade. Além mulheres que fizeram parte do movimento de poetas
de abordar questões a respeito do fazer poético, a auto- marginais que surge na década de 70, no auge da repres-
ra escreve sobre o cotidiano, sua vivência e sexualidade. são e censura exercida pela ditadura militar brasileira.
Ela apresenta uma escrita contemporânea que recupera Os autores se encontravam à margem, não socialmente,
valores herdados dos modernistas como o desapego da mas no sentido de que esses poetas não se submetiam
norma, a mescla entre o prosaico e a poesia, o uso de às normas impostas pela academia e não se associavam
versos livres e sem rima regular. Em 1976 sua professo- a um mercado editorial conservador. Os autores da gera-
ra, Heloísa Buarque de Hollanda, a convida para publi- ção mimeógrafo publicavam seus trabalhos de maneira
car alguns de seus poemas em sua coletânea 26 poetas independente e a um custo mais barato, uma vez que
hoje. Nos anos seguintes, Ana Cristina Cesar publica in- tinham como objetivo a livre circulação de seus pensa-
formalmente os livros Cenas de abril, Correspondência mentos.
completa e Luvas de pelica, que foram escritos enquanto
a autora estava na Inglaterra.

Tudo Sobre o PAS UnB 248


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A escrita de Ana Cristina Cesar é caracterizada ma apresentando um olhar que não é dirigido nem à au-
por ser intimista e melancólica. Além de tematizar o tora, Ana Cristina, nem ao eu-lírico, mas sim ao próprio
cotidiano, sobretudo o urbano, em sua obra, a autora “corpo” do poema. Esse olhar provoca sensações em
mistura elementos biográficos com a ficção. Todos esses quem está observando a estrutura do poema, o mesmo
temas são encontrados em A teus pés, que é escrito com sentimento acontece com o próprio leitor, uma vez que
uma linguagem simples e coloquial, repleta de metáfo- o leitor é quem observa a movimentação e o corpo do
ras e sem uma preocupação exagerada com a norma. poema. Esse corpo faz referência a forma e a estética,
contudo, o olhar do leitor não se prende apenas a ques-
Antes de começar a análise do poema, é impor- tões formais, uma vez que o conteúdo, que também é
tante que se tenha uma primeira leitura da obra. Sendo um componente importante desse corpo, ressalta aos
assim, o poema está disponível logo abaixo. olhos do observador e o toca de alguma maneira.
Soneto Com relação à estrutura, por mais que poema
receba o título de Soneto, ironicamente ele não segue
Pergunto aqui se sou louca as mesmas estruturas fixas que caracteriza o soneto. En-
Quem quer saberá dizer quanto um soneto tradicional é composto por 14 versos,
Pergunto mais, se sou sã dividido em duas estrofes de três versos, chamada de
E ainda mais, se sou eu terceto, e em duas estrofes de quatro versos, chamada
de quarteto, o poema Soneto possui cinco estrofes, dois
Que uso o viés pra amar tercetos, dois quartetos e uma estrofe com cinco versos.
E finjo fingir que finjo Outra característica que o separa de um soneto tradicio-
Adorar o fingimento nal é com relação a sua rima e métrica, seus versos não
possuem uma rima marcada e a maior parte do poema
Fingindo que sou fingida
é escrito em redondilha maior, ou seja, possui versos
Pergunto aqui meus senhores
heptassílabos composto por sete sílabas poéticas, em
quem é a loura donzela
oposição a versificação tradicional que é feita em versos
que se chama Ana Cristina
decassílabos, com dez sílabas poéticas, ou versos alexan-
E que se diz ser alguém drinos, com doze sílabas poéticas.
É um fenômeno mor
É interessante esse paralelo que a autora faz
Ou é um lapso sutil?
com a questão do fingimento e da aparência que per-
olho muito tempo o corpo de um poema passa o poema desde o seu título ao eu-lírico. Da mesma
até perder de vista o que não seja corpo maneira que esse eu-lírico é uma mulher fingidora, o tí-
e sentir separado dentre os dentes tulo do poema também revela certa aparência, pois ele
um filete de sangue não é o que diz ser, no caso um soneto.
nas gengivas
Poema
O poema Soneto é escrito em um tom confes-
sional, apresentando um questionamento existencial. A palavra poema possui origem grega, pois, é
Logo na primeira estrofe há um eu-lírico, que assume derivada do vocábulo “poein” que significa “fazer, criar,
uma personalidade feminina, indeciso e confuso sobre compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona
o seu eu. Por meio das antíteses “louca” e “sã”, a figura diretamente com a literatura e com os gêneros literários.
que narra o poema afirma não saber se ela é louca, sã Tem como principal característica a liberdade poética,
ou se é ela mesma. Na segunda estrofe, esse eu-lírico isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se
revela ser uma fingidora “E finjo fingir que finjo/Adorar expressar da maneira que deseja, podendo ou não se-
o fingimento”, o que dificulta ao leitor saber quem ela guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté-
verdadeiramente é. ticas da língua.

Enquanto que na primeira e na segunda estro- Como gênero, o poema, possui algumas carac-
fe esse “eu” poético está em evidência, na terceira e na terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê-
quarta estrofe uma nova figura surge e se opõe ao eu neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em
que narra o poema. A autora Ana Cristina se coloca em estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e
terceira pessoa no poema, distanciando-se do eu-lírico, rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa-
este, por sua vez, revela um interesse particular em sa- cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a
ber quem de fato é a Ana Cristina, que se julga ser al- trova, o rondó e dentre outros. Contudo, é importante
guém. lembrar que nem todo poema segue essa estrutura, em
muitos há a predominância de efeitos sonoros e gráfi-
Ao contrário do que é desenvolvido nas estro- cos, por exemplo, a poesia concreta e a cinética. Além
fes anteriores, a última estrofe do poema não responde disso, em muitos poemas temos a presença do eu-lírico,
a nenhum dos questionamentos feitos pelo eu-lírico, é que nem sempre coincide com o autor do poema, uma
uma estrofe mais reflexiva. Essa estrofe encerra o poe- vez que esse é a pessoa fictícia que dá voz ao poema, a
exemplo disso, temos o poeta português Fernando Pes-

Tudo Sobre o PAS UnB 249


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

soa e seus heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Cam- cimento em seu estar no mundo. No romance Sargento
pos e Ricardo Reis. Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, a estrutura social e hie-
rárquica também é questionada, propondo uma reflexão
Ademais, é importante ressaltar que poema e sobre a capacidade do indivíduo de resistir e se afirmar
poesia não são a mesma coisa, uma vez que a poesia é enquanto ser pensante e capaz de manifestar seu próprio
um conceito mais amplo, que se relaciona com a subje- destino. (Página 17, terceiro parágrafo)
tividade e também pode ser encontrada na prosa, em
uma pintura, em um filme e nas variadas maneiras de se Número, grandeza e forma
expressar artisticamente.


A percepção da finitude do entendimento pode
impor certos limites às ambições da razão, que ao inves-
tir sobre a realidade, tende a uniformizações e padroni-
zações questionáveis. Nesse sentido, os poemas Esses
Citações da Obra na Matriz de Referências Chopes Dourados, de Jorge Wanderley, e Soneto, de Ana
Cristina Cesar, apresentam relevantes críticas da realida-
O ser humano como um ser que interage de. (Página 31, segundo parágrafo)
Um primeiro olhar para a instância de concreti-
zação da língua em funcionamento — o texto — costuma Questões, Justificativas e Dicas
ser atribuição daquilo que comumente se faz sob o título Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
de leitura, compreensão e interpretação. Nessa aproxi-
mação inicial, é importante que os fatores que constroem Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
o texto sejam recuperados. As elaborações linguísticas
constituem portas de acesso à interlocução, à construção Anotações e Rascunhos
de conhecimentos, ao mundo, como em Poemas aos ho-
mens do nosso tempo, de Hilda Hilst, Tecendo a manhã,
de João Cabral de Melo Neto e Soneto, de Ana Cristina
César. (Página 5, terceiro parágrafo)

Indivíduo, cultura, estado e participação política

Reflexões presentes nos poemas Consoada, de


Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina César, Poema
aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst, e A noite
dissolve os homens, de Carlos Drummond de Andrade,
trazem elementos que complementam os diferentes olha-
res sobre as relações entre indivíduo e cultura. O poema
Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, reflete
sobre a capacidade do indivíduo de alimentar a esperan-
ça e organizar formas de resistência, bem como explora a
potencialidade das palavras e seus significados. (Página
9, primeiro parágrafo)

Tipos e gêneros

No âmbito da linguagem, alguns desses aspectos


podem ser observados na novela O recado do morro, de
João Guimarães Rosa, bem como no romance Sargento
Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, que apresentam a moda-
lidade oral da língua, com suas variações regionais e múl-
tiplas possibilidades lexicais. Nos poemas A noite dissolve
os homens, de Carlos Drummond de Andrade, Consoada,
de Manuel Bandeira, Soneto, de Ana Cristina Cesar, e Te-
cendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto, o uso dos
recursos expressivos da linguagem é determinante para
se perceber a intencionalidade discursiva da obra. (Página
12, segundo parágrafo)

Estruturas

Na literatura, o poema Soneto, de Ana Cristina


Cesar, brinca com a própria estrutura do soneto, para
questionar-se, enquanto indivíduo, em busca de reconhe-

Tudo Sobre o PAS UnB 250


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Universidade Para Quê? - Darcy

Autor
Darcy Ribeiro foi um político, antropólogo e es- palmente pelo seu contexto de elaboração e pelo que
critor brasileiro, que dedicou parte de sua vida acadêmi- significava o momento em que ele foi enunciado. O ano
ca e política à educação. Foi o primeiro reitor da Univer- de 1985 foi marcado pelo fim da Ditadura Militar no Bra-
sidade de Brasília (UnB) e por isso é, até hoje, uma das sil, e Cristovam Buarque era o primeiro reitor a assumir
figuras mais referenciadas e importantes da trajetória da a Universidade de Brasília após esse período. Na leitura
universidade. do discurso, é possível ver o peso e a importância des-
se momento histórico e do compromisso ali selado pela
O antropólogo dedicou sua carreira não apenas preservação da UnB.
à educação, mas também ao estudo da identidade bra-
sileira, tentando compreender a nossa realidade através A escolha de Darcy Ribeiro, o primeiro reitor da
dos processos históricos que nos marcaram e construí- Universidade de Brasília, para proferir o discurso da pos-
ram o Brasil enquanto nação. Foi ministro da educação se é simbólica, pois marca o ressurgimento da univer-
do governo de João Goulart e foi exilado durante o perío- sidade, uma vez que o fim da ditadura abria as portas
do da ditadura militar. para o saber e o conhecimento não mais limitados pela
censura trazida no regime militar.
Sua carreira política começou como Ministro da
Educação, passando para Ministro-chefe da casa civil,
ambos os cargos no governo João Goulart, antes da di-
Obra
tadura militar. Em 1983 assumiu como Vice-Governador O discurso de Darcy Ribeiro é um convite para
do Rio de Janeiro e encerrou sua carreira como Senador a reflexão sobre o papel da universidade na sociedade
do Rio. brasileira e um resgate histórico da trajetória da Univer-
sidade de Brasília. Logo no início de sua fala, o ex-reitor
Discurso já procura relembrar os nomes daqueles que ajudaram a
construir a UnB e se mantiveram firmes mesmo no pe-
A obra aqui analisada é uma transcrição de um ríodo de regime militar, que foi responsável por perse-
discurso feito por Darcy Ribeiro no dia 16 de agosto de guir vários intelectuais e limitar o conhecimento científi-
1985. Esse discurso foi elaborado para a posse do rei- co.
tor Cristovam Buarque na Universidade de Brasília. Pos-
teriormente, esse discurso veio a integrar um livro de Para o antropólogo, é essencial para o país es-
mesmo nome, publicado pela Editora Universidade de paços de saber que se proponham a dialogar e refletir
Brasília um ano após seu proferimento. sobre o contexto nacional. Dessa forma, problematizar a
realidade brasileira precisa ser o objetivo central de um
Por se tratar de um discurso transcrito, a leitura espaço acadêmico e a Universidade de Brasília se propõe
é feita de forma leve e perpassa uma série de aconteci- como esse espaço desde a sua criação.
mentos históricos que foram marcantes na trajetória da
UnB. Darcy Ribeiro, além de um defensor da educação Mas para quem esse espaço foi pensado? Darcy
pública de qualidade, era um idealista e isso ficou muito Ribeiro reforça que muitas vezes o ambiente universitá-
marcado durante toda sua fala, que aqui será analisada. rio acaba privilegiando as classes dominantes, reprodu-
zindo uma forma de conhecimento que só serve a elas
O discurso, apesar de não ter o propósito de ser e que mantém estagnada em relação à realidade social
uma obra acadêmica, é amplamente utilizado para refle- excludente vivenciada no Brasil.
xão acerca das possibilidades e limitações do conheci-
mento produzido dentro do meio universitário. Nesse sentido, é papel da universidade então
repensar suas formas de difundir discursos, visto que a
Darcy Ribeiro nos convida a pensar o papel da maioria dos saberes elaborados nesse espaço não che-
universidade por meio dos acontecimentos históricos gam até os sujeitos que estão fora dele. Cabe aos uni-
que se sucederam na história nacional e o cenário no versitários pensar e propagar conhecimento não apenas
qual se encontra no momento de produção de seu dis- sobre a realidade nacional, mas sobre o papel do Brasil
curso. O título Universidade Para Quê? se estende para nas políticas internacionais. Desconstruir a ideia de civi-
o propósito do conhecimento e para quem serve esse lização atrasada que ainda necessita de intervenção de
conhecimento. outros países é uma das prioridades do saber científico
brasileiro.
Contexto
Como antropólogo, Darcy Ribeiro reforça como
O discurso de Darcy Ribeiro é extremamente é danoso o pensamento colonizador que desvaloriza a
importante não apenas por seu conteúdo, mas princi- identidade nacional e reforça a ideia de que os países

Tudo Sobre o PAS UnB 251


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

colonizadores representam o ápice da evolução social e cy Ribeiro, o Slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe
cultural. Sendo assim, o conhecimento universitário que merece a dor de perder um filho, de Sabrina Azevedo e
ele propõe é uma força por si só, uma forma de se li- as cartas A Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond
bertar da dependência e da opressão das classes e/ou de Andrade, Cartas que Gandhi escreveu para Hitler e Por
países dominantes. que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud. (Página
18, terceiro parágrafo)
Para elaborar um conhecimento científico res-
paldado, é preciso que se tenha um compromisso com Cenários contemporâneos
o Saber. Esse Saber com S maiúsculo é o conhecimento
que tem a responsabilidade de se manter nos padrões O cenário contemporâneo das primeiras décadas
universitários para ser respeitado e legitimado não ape- do século XXI foi marcado pelo surgimento e desenvolvi-
nas por nós, mas por território nacional e internacional. mento de novas tecnologias relacionadas à comunicação
e à educação, com relevantes impactos sociais, políticos e
O sonho de Darcy Ribeiro era uma Universidade econômicos. Nesse contexto vê-se surgir um novo modo
de Brasília comprometida com o cenário local, nacional de produção de conhecimento científico caracterizado
e internacional. Um espaço que produzisse conhecimen- pela aplicabilidade, diversidade institucional, interdiscipli-
to libertador e acessível, capaz de transformar a nossa naridade e reflexividade social, como podemos perceber
realidade social. Ainda que esse sonho seja difícil de se na entrevista de Juliana Estradioto: futuro presente para
alcançar, é inegável que essa idealização deve nortear o a Revista da Fapesp (2019). A produção de conhecimento
caminho pelo qual a universidade ainda vai percorrer, ocorre em diversos espaços com destaque para a univer-
para que o Saber se democratize cada vez mais. sidade que pode ser representada pelo pensamento de-
senvolvido pelo intelectual Darcy Ribeiro, no seu discurso
‘’De fato, não importa nem mesmo que nenhuma utopia se rea- Universidade para quê? (1986). (Página 30, terceiro pa-
lize. Não é preciso. Só é preciso haver utopia ‘’ rágrafo)


Espaços

Na reconstrução do espaço geográfico, o deslo-


Citações da Obra na Matriz de Referências camento da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília
tem grande impacto para a organização social, política
O ser humano como um ser que interage e histórica. Logo, a história da construção de Brasília e a
importância dos seus espaços do saber, da política e da
Estabelecer um foco estético, ético e político pos- arte podem ser despertados pelo Palácio do Itamaraty, de
sibilita a reflexão a respeito dos valores, tanto individuais Oscar Niemeyer, e pelo texto Universidade Para quê?, de
quanto coletivos, que orientam as ações das pessoas e de Darcy Ribeiro. (Página 36, terceiro parágrafo)
grupos de interesses. Por exemplo, questões relacionadas
a decisões sobre o uso das ciências e suas implicações são
problematizadas na entrevista Juliana Estradioto: Futuro
Questões, Justificativas e Dicas
no presente, Revista Fapesp – jun/2019, Criadores de um Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, Revista Fapesp
– out/2019, assim como no discurso proferido por Darcy Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
Ribeiro em 1985: Universidade para quê?. Aspectos des-
sa complexidade podem também ser percebidos em cria- Anotações e Rascunhos
ções como as Ilustrações críticas (Sátiras – desigualdade
social), de Pawel Kuczynski, assim como nas obras musi-
cais Quarteto de cordas com helicópteros, de Karlheinz
Stockhausen e em Quarteto para o fim dos tempos (1º
Movimento – Liturgia de Cristal; 6º movimento – Dança
do Furor para as 7 trombetas; 8º movimento – Louvor à
imortalidade), de Oliver Messiaen. (Página 6, primeiro pa-
rágrafo)

Estruturas

A elaboração de um texto escrito é sempre conse-


quência não só de aprendizados linguísticos, como tam-
bém da assimilação de comportamentos linguístico-so-
ciais. Buscar estratégias adequadas para uma produção
satisfatória de textos escritos representa o domínio do
suporte das estruturas da língua, ou da gramática, como
exemplificam os textos Universidade Para quê ?, de Dar-

Tudo Sobre o PAS UnB 252


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 - Direitos Políticos

Autoria
A Constituição Federal de 1988 não tem um campanhas em prol da democracia, como a das eleições
autor, ou seja, não existe uma pessoa a quem podemos diretas (Diretas Já). Ele foi o presidente da Assembleia
atribuir a sua autoria. Na verdade, tem centenas ou mi- Nacional Constituinte, o principal articulador para que
lhões de autores, de pessoas que provocaram a origem a Constituição fosse tão diversificada e tivesse a partici-
deste documento que mudou completamente o futuro pação de tantas vozes da sociedade. Por essa razão, ele
do Brasil. Alguns desses autores já não estão mais vivos, mesmo a chamou de Constituição Cidadã, apelido que
mas a maioria deles ainda vive e desfruta dos benefícios pegou e é citado até os dias de hoje, pois a Constituição
que ela trouxe ao país, sejam eles parlamentares mem- Federal de 1988 teve, de fato, participação popular na
bros da Assembleia Nacional Constituinte ou cidadãos sua elaboração.
ativistas pela democracia participativa.
Contexto
Os autores da Constituição Federal de 1988 se
dividem em dois grupos, o das centenas de deputados Ao longo da história, o Brasil teve sete consti-
e senadores integrantes da Assembleia Nacional Consti- tuições, sendo a primeira data de 1824 e foi outorgada
tuinte e o grupo dos milhões de cidadãos brasileiros que por D. Pedro 1º durante o Império, e a última de 5 de
clamavam e lutavam por uma nova Constituição para o outubro de 1988. Em 1891, após a Proclamação da Re-
Brasil, pela volta de uma democracia realmente partici- pública (1889), foi promulgada a primeira Constituição
pativa. Republicana brasileira, que adotou o sistema de governo
presidencialista, a eleição do chefe de Estado por voto
Enquanto um grupo ficava pelas ruas promo- direto e a divisão entre o Poder Legislativo (Câmara dos
vendo debates, protestando e lutando durante o fim Deputados e Senado Federal), o Poder Executivo e o Po-
do governo militar e o início do governo Sarney, o outro der Judiciário. A partir daí tivemos constituições em di-
grupo debatia, negociava e escrevia a Constituição den- versos regimes, tanto democráticos quanto ditatoriais.
tro do Congresso Nacional.
A elaboração dessa nova constituição durou
Cabe explicar que uma Assembleia Nacional aproximadamente 20 meses e marcou a transição de
Constituinte é um instrumento genérico utilizado pelas mais um momento de um regime ditatorial para um re-
nações que estão em processo de transição de regime, gime democrático no Brasil, pois não foi a primeira vez
geralmente de um regime ditatorial para um regime de- que isso aconteceu por aqui.
mocrático. No caso da ANC do Brasil, tinha a função de
transformar o país numa nação democrática. A sua com- O texto constitucional foi elaborado a partir de
posição era de 559 parlamentares, 487 deputados e 72 propostas tanto dos deputados e senadores quanto da
senadores que foram eleitos nas eleições gerais de 1986. população, por intermédio de audiências públicas com
Essas pessoas acumularam a posição de parlamentares representantes de movimentos sociais. Foi a primeira
com a de constituintes. vez na história do Brasil que a população participou di-
retamente da elaboração da sua própria Constituição.
AAinda sobre a autoria da Constituição, apesar E dessa vez foi importante não só porque foi a primei-
de não ter havido um ou dois autores, alguns dos consti- ra, mas também porque rompia com a Constituição de
tuintes presentes na elaboração do documento se desta- 1967, a que embasou o regime militar e deu legalidade
caram, e, muitos deles, até hoje, são destaques no cená- a atos institucionais trágicos e mortais para milhares de
rio político nacional. Na verdade, o momento inicial da pessoas.
redemocratização do país foi um ponto de partida para a
carreira política de vários ativistas sociais, tanto é verda- A ideia de uma nova Constituição já estava nos
de que a maioria dos presidentes que foram eleitos após anseios da população desde o início do regime militar,
1988 estava presente na ANC. em 1964, porém após a abertura política, com a eleição
de Tancredo Neves, essa ideia estava se tornando cada
Um desses constituintes carece de destaque vez mais real. No entanto, Tancredo morreu antes mes-
especial para a prova do PAS, que é Ulysses Guimarães. mo de tomar posse, então José Sarney assumiu a pre-
Advogado e político, foi um dos principais opositores ao sidência e sob bastante pressão popular e parlamentar
regime militar. Inicialmente apoiou o regime militar, mas deu prosseguimento a essa ideia, convocando e instalan-
após um tempo passou a lutar pelo retorno da democra- do a Assembleia Nacional Constituinte brasileira.
cia. Juntou-se a políticos como Tancredo Neves, Orestes
Quércia, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso, Luís A Assembleia Nacional Constituinte Brasileira
Inácio Lula da Silva e Franco Montoro, e liderou várias era composta por deputados de todos os setores da so-

Tudo Sobre o PAS UnB 253


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

ciedade e começou oficialmente as suas atividades em imprensa, os direitos dos povos quilombolas de viverem
primeiro de fevereiro de 1987, apesar de ter sido convo- nas suas terras de origem, o direito à saúde e educação,
cada no ano anterior. A sua função era a de representar entres outros. São exemplos dos direitos que a Consti-
os milhões de brasileiros que queriam a volta da demo- tuição resguardou com muito cuidado, os quais contri-
cracia após 21 anos de governo militar. A nova constitui- buíram para que os direitos fossem garantidos não ape-
ção tinha que ser democrática, mas também deveria ser nas no papel, mas na prática também, isto é, de maneira
forte o suficiente para resistir às pressões da instabilida- substancial.
de política que assombrava o Brasil há décadas.
Muitos criticam a Constituição Federal do Brasil
Notadamente, 3 grandes grupos foram espe- por ser muito extensa, por ser teórica demais e por diver-
cialmente representados nas discussões ao longo dos 20 sas outras razões, mas é unânime entre os operadores
meses de trabalho da Assembleia Nacional Constituinte do direito que é uma das constituições mais avançadas
brasileira, a saber: o grupo governista, que objetivava a do mundo, tanto por ser bem recente, quanto pelo seu
manutenção do sistema presidencialista e a conquista de grau de abrangência, e, consequentemente, pela justiça
cinco anos de mandato para o presidente Sarney, ambos social que ela produz. Apesar disso, cabe destaque para
conquistados; o grupo empresarial, subdividido pelos algo que a Constituição de 1988 fez com excelência, que
empresários rurais, empresários nacionais e empresá- foi a organização política do Estado Brasileiro, criando
rios estrangeiros, o qual planejava evitar avanços na Re- um Poder Legislativo forte e independente, garantindo
forma Agrária, garantir a liberdade de mercado, reduzir tanto os direitos políticos individuais quanto o seu exer-
impostos e a interferência do Estado na economia; e o cício por meio dos partidos políticos.
grupo dos movimentos sociais, destaques para os movi-
mentos MST — Movimento dos Sem-Terra, CUT — Cen- Os direitos políticos individuais e dos partidos
tral Única dos Trabalhadores, CGT — Confederação Ge- políticos estão no título II, capítulos IV e V respectiva-
ral dos Trabalhadores e demais sindicatos, entre outros mente. Já a organização do Poder Legislativo se encontra
movimentos os quais foram representados por diversas no título IV.
organizações que reuniam assinaturas em todo o territó-
rio nacional e delineavam a transformação do Brasil num Direitos Políticos
país com uma maior justiça social, em que a distribuição
Os direitos políticos de um país se referem a um
de renda fosse mais justa e que o princípio da dignidade
conjunto de regras constitucionais que tratam do exercí-
da pessoa humana fosse levado em consideração. Vale
cio ativo e passivo da cidadania, ou seja, tanto do direito
ressaltar que esse princípio já havia sido defendido pela
de votar quanto do direito de ser votado, de ser eleitor
Declaração Universal dos Direitos Humanos e foi profun-
e de ser eleito.
damente adotado na Constituição Federal de 1988.
Quando se trata de direitos políticos, fala-se a
Diante de tal contexto, após longos 20 meses
respeito das regras para o exercício da cidadania, por
de calorosos e irrestritos debates sobre os mais diver-
meio das quais é possível participar da construção e
sos temas possíveis, em cinco de outubro de 1988 surgiu
manutenção da vida pública do país. Assim, é possível
a Constituição Federal, a sétima constituição de toda a
perceber que a cidadania e os direitos políticos estão in-
história do país, e a única que foi de fato debatida com
timamente ligados, afinal não é possível exercer plena
a participação de toda a sociedade. Há até mesmo es-
cidadania sem que os direitos políticos sejam plenamen-
pecialistas que dizem que o momento da elaboração da
te resguardados.
CF 1988 é especialmente único, porque é considerado
como um momento único na história do Brasil, pois per- Dessa maneira, cada país tem as suas próprias
mitiu a todos os setores da sociedade a participação na regras sobre o exercício dos direitos políticos. No caso do
elaboração do documento que dirigiria toda a socieda- Brasil, eles estão por todo o ordenamento jurídico, mas
de dali para frente, ricos e pobres, negros e brancos, li- em especial nos artigos 14, 15 e 16 da Constituição, que
berais e comunistas, de esquerda e de direita falaram, especificam alguns detalhes da vida política individual e
discutiram, expuseram suas ideias, brigaram, e, ao final, são a regulamentação do que é dito já no artigo primeiro
votaram de forma livre para a construção do Brasil que da Constituição Federal, que “Todo o poder emana do
temos hoje. povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Obra
Os direitos políticos são divididos em ativos e
O principal objetivo da Constituição Federal de passivos:
1988 era o retorno da democracia e, assim, da garan-
tia dos direitos que tinham sido suprimidos pelo regime ● Os ativos são aqueles direitos que tratam da vo-
militar durante dolorosos 21 anos podemos citar os di- tação direta, secreta e periódica para a escolha de quem
reitos sociais, econômicos, políticos e culturais, e todos exercerá os cargos políticos; o direito de participar da
os daí decorrentes, como, por exemplo, a liberdade de votação em referendos e plebiscitos, que são consultas

Tudo Sobre o PAS UnB 254


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

populares para se tomar decisões sobre leis já criadas seja com a modificação das leis anteriores. Ademais, é
ou que serão criadas; e a possibilidade de propor direta- por meio deste poder que há a fiscalização para garantir
mente projetos de lei de iniciativa popular, obedecendo que o Poder Executivo está aplicando as leis vigentes.
regras próprias para tal.
Estrutura
● Os passivos são, por exemplo, o direito de ser
votado, obedecendo algumas regras, como a de nacio- A Constituição Federal de 1988 está dividida em títulos
nalidade, de estar em pleno exercício dos direitos políti- que se dividem de acordo com as atribuições de seus
cos, ter o alistamento eleitoral regular, a idade mínima e artigos. Cada título apresenta artigos referentes a de-
etc. terminada área, ou princípio, para que seja mais fácil
subdividir todas as características que regulamentaram
Por fim, cabe mencionar que os direitos políti- a sociedade brasileira a partir daquele momento. Os tí-
cos de forma alguma podem ser cancelados. Isto é, eles tulos são:
podem ser suspensos, mas sempre serão recuperáveis,
dada a sua importância para o processo democrático do Título I – Princípios Fundamentais
país.
Título II – Direitos e Garantias Fundamentais
Partidos Políticos
Título III – Organização do Estado
Os partidos políticos são a forma institucionali-
zada dos cidadãos exercerem, em conjunto, os seus di- Título IV – Organização dos Poderes
reitos políticos passivos, ou seja, serem votados.
Título V – Defesa do Estado e das Instituições Democrá-
A intenção das pessoas ao criarem um partido ticas
político é de se organizarem com um conjunto de pes-
soas, sob as mesmas orientações e programa político, Título VI – Tributação e Orçamento
com o fim de influenciar diretamente a vida pública do
Título VII – Ordem Econômica e Financeira
país, seja exercendo o cargo político ao qual se propôs
ou exercendo oposição aos eleitos para aqueles cargos. Título VIII – Ordem Social
No artigo 17 da Constituição Federal de 1988, Título IX – Disposições Constitucionais Gerais


estão as regras de criação e manutenção dos partidos
políticos. Entre elas estão a liberdade de organização
partidária, segundo a qual é livre a criação, fusão, incor-
poração e extinção de partidos políticos, respeitando
necessariamente a soberania nacional, o regime demo- Citações da Obra na Matriz de Referências
crático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais
da pessoa humana, entre outras regras. O ser humano como um ser que interage

Poder Legislativo O texto da Constituição Federal – Título II, capí-


tulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV,
Já o Poder Legislativo é o órgão independente capítulo I, seções I a V e artigos 44 a 56 - exemplifica o
por meio do qual é exercido o poder político de criar as esforço para pensar juridicamente nas possibilidades de
leis, ou seja, é praticada a função legislativa do Estado interação humana e ordená-las por meio da organização
Brasileiro. política do país. (Página 4, quinto parágrafo)

O Poder Legislativo no Brasil é no modelo bica- Indivíduo, cultura, estado e participação política
meral, em outras palavras, é formado por duas casas, a
Câmara dos Deputados, que tem o papel de represen- A partir disso, cabe o estudo sobre os fundamen-
tar a diversidade do povo do país, e o Senado Federal, tos da democracia brasileira e os elementos que garan-
que tem o papel de representar os Estados e o Distrito tem o exercício da cidadania. O texto destacado da Cons-
Federal. Além disso, é complementado pelo Tribunal de tituição Federal – Título II, capítulo IV, artigos 14 a 16;
capítulo V, artigo 17 e Título IV, capítulo I, seções I a V,
Contas da União, órgão administrativo que presta auxílio
artigos 44 a 56, é reservado para a compreensão do esta-
ao Congresso Nacional nas atividades de controle e fis-
do democrático de direito e das garantias de participação
calização externa.
política como mecanismo de resolução dos conflitos. Os
Sendo assim, a função exercida pelo Poder Le- artigos elencados para a terceira etapa apresentam as
gislativo é importantíssima, pois é por meio da atuação formas de exercício da soberania popular, as formas de
dos Deputados e Senadores que as aspirações da popu- elegibilidade e a organização dos poderes no país. (Pági-
lação são atendidas, seja com a criação de novas leis, na 10, segundo parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 255


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Estruturas Análise de dados

As diferentes possibilidades de construção tex- Analisar a Constituição Federal – Título II, capí-
tual refletem nas várias estruturas das linguagens, como tulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV,
pode ser percebido tanto em obras literárias como a no- capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, auxilia no entendi-
vela O recado do morro, de João Guimarães Rosa, quan- mento das relações sociais no campo da cultura, política,
to nos textos científicos Algoritmos Parciais, Criadores de economia e relações de poder. Exemplos de diversidade
um mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto e Juliana encontram-se nos audiovisuais Entenda o que é Racismo
Estradioto: Futuro no presente e Prevenção de HIV-Aids Estrutural – Canal do Preto e Questão Indígena no Brasil
na concepção de jovens soropositivos, por exemplo. Outro em quatro minutos – Agência Pública: agência de repor-
modo textual, como o da Constituição Federal – Título II, tagem e jornalismo investigativo. (Página 41, quarto pa-
capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título rágrafo)
IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, exemplifica a
estruturação do ordenamento jurídico. (Página 18, segun- Questões, Justificativas e Dicas
do parágrafo)
Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
Cenários contemporâneos
Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
A respeito da luta pelos direitos políticos no Bra-
sil, a Constituição Federal de 1988 – Título II, capítulo IV, Anotações e Rascunhos
artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV, capítulo
I, seções I a V, artigos 44 a 56 – reforça o ordenamento
jurídico que garante os direitos sociais e políticos dos bra-
sileiros, como consequência de movimentos da sociedade
civil associados aos trabalhos da Assembléia Constituinte.
(Página 29, segundo parágrafo)

Número, grandeza e forma

Na Constituição Federal – Título II, capítulo IV, ar-


tigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV, capítulo I,
seções I a V, artigos 44 a 56 –, são apresentadas formas
de organização vinculadas às dimensões de grandeza po-
lítica como, por exemplo, a noção de coeficiente eleitoral.
Para validar essa noção, a estatística e a probabilidade
são utilizadas e, comumente, princípios de contagem
(aditivo e multiplicativo) e agrupamentos (permutação,
arranjo e combinação). Ainda assim, tais dados não impli-
cam uma noção de verdade, sendo esperada a criticidade
de uma cidadania consciente e participativa. Nesse sen-
tido, Poema aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst,
Quebranto, de Cuti, e Maria, de Conceição Evaristo, são
exemplos de obras que permitem a discussão crítica sobre
as relações de poder. (Página 33, segundo parágrafo)

Espaços

Deslocamentos populacionais em decorrência


de guerras, problemas políticos, desigualdade e o cresci-
mento urbano desordenado podem ser evidenciados nas
obras Morro na Favela, de Tarsila do Amaral, que eviden-
cia a segregação socioespacial nos centros urbanos brasi-
leiros, e na pintura Navio de emigrantes, de Lasar Segall,
que evidencia êxodos e diásporas. Espaços de organização
política das instituições do estado brasileiro podem ser re-
conhecidos com a leitura da Constituição Federal – Título
II, capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título
IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56. (Página 36,
segundo parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 256


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Esses Chopes Dourados - Jorge Wander-

Autor
No dia 21 de janeiro de 1938, na cidade de Re- Sua esposa reuniu seus poemas e publicou a sua
cife, em Pernambuco, nasce o escritor Jorge Eduardo Fi- Antologia Poética em 2001. Por fim, Jorge Wanderley foi
gueiredo de Oliveira Wanderley, mais conhecido como um escritor apaixonado pelo seu ofício, a arte da palavra,
Jorge Wanderley. A palavra sempre teve um espaço es- um autor contemporâneo que sabia usar a linguagem ao
pecial na vida do escritor pernambucano, que, além de seu favor. Em sua obra poética utilizava tanto as formas
ser professor, crítico literário e poeta, foi também um fixas quanto os versos livres, herança dos modernistas,
excelente tradutor. Por seu cuidado e empenho em suas além da ironia e do coloquial sem perder o seu lirismo e
traduções, ficou conhecido como o “tradutor poeta”. a sua poesia.
Dentre os autores traduzidos por Jorge Wanderley, en-
contram-se nomes de extrema importância para a litera- Obra
tura mundial, tais como Shakespeare, Dante, Sylvia Plath
e Borges. O poema “Esses chopes dourados”, de Jorge
Wanderley, encontra-se entre os poemas selecionados
Em Recife, assim como o pai e o avô, cursou para compor a obra “Os cem melhores poemas do sécu-
medicina e especializou-se em neurocirurgia e exerceu lo”, em 2001, organizado por Ítalo Moriconi. Publicado
a profissão durante alguns anos. Porém, além de medici- após a morte de Jorge Wanderley, o poema é compos-
na, Jorge Wanderley fez graduação em Letras e em 1960 to por oito estrofes, em que os versos são irregulares
publica o seu primeiro livro de poemas intitulado “Gesta e brancos, ou seja, não seguem um padrão de métrica
e outras poesias”. nem de rima definidos. Por meio de uma linguagem sim-
ples e coloquial, provocado a partir de uma situação coti-
Casado com a socióloga Márcia Cavendish, em diana, o poeta vai refletir acerca das diferentes posturas
1976 muda-se para o Rio de Janeiro e na Pontifícia Uni- assumidas em gerações distintas.
versidade Católica – PUC fez o mestrado e o doutorado
em tradução e literatura. Mesmo diante de um cenário Na primeira estrofe, o eu-lírico está em um bar
político e social conturbado, além de opressor, em meio e descreve o fim de sua noite. Com essa situação, apre-
a ditadura militar, o autor continuou escrevendo e pu- senta os seus planos de passar a manhã de domingo na
blicando seus livros, como “Coração a parte” (1979), “A praia. Na estrofe seguinte, o poeta faz uma comparação
foto fatal” (1986), “Anjo Novo” (1987), entre outros. entre o sábado e o domingo, enquanto o sábado se ca-
racteriza como um dia mais agitado com os seus misté-
Atuou como professor de Literatura Brasileira e rios, o domingo aparenta ser um dia mais tranquilo e re-
Teoria literária na década de oitenta na PUC e na Univer- flexivo. A antítese entre noite e dia intensifica a oposição
sidade Federal Fluminense – UFF e também trabalhou na entre esses dias. Ainda na mesma estrofe, o eu-lírico se
Universidade Estadual do Rio de janeiro – UFRJ até 1999. compara a um herói melancólico e por meio da prosopo-
Além de fazer tradução e escrever poesia, Wanderley peia (ou personificação), figura de linguagem que atribui
escreveu críticas literárias, crônicas e ensaios tanto em características humanas a seres inanimados (sem vida),
revistas quanto em jornais. Em suas obras, o escritor faz afirma que diante dele “o mar abre sorriso de dentes
uma leitura da sociedade na qual estava vivendo. Além brancos” (verso 15).
disso, apresenta as mudanças relacionadas ao pensa-
mento e ao comportamento social, demonstrando a É interessante notar a mescla que o autor faz
efemeridade da vida, a vulnerabilidade e a inconstância dos gêneros literários, empregando em Esses Chopes
do sujeito. Temas metafísicos e universais, assim como a Dourados elementos comuns a prosa, como o uso do dis-
temática morte, também são encontrados na escrita do curso direto na terceira estrofe. Ao se colocar no poema,
literato. o eu-lírico fala que decifrará os mistérios do domingo e
que a sua esfinge se enche de pudor. Essa oposição entre
Contudo, no dia 11 de dezembro de 1999, aos passado e presente, e o motivo da esfinge, figura que faz
61 anos, em uma viagem para o lançamento de um de alusão ao passado, se envergonhar diante dele, o pre-
seus livros em sua terra natal, o poeta falece ao sofrer sente, é revelado nas estrofes posteriores.
um infarto. Ao longo de sua vida Jorge Wanderley já ha-
via sofrido outros dois infartos e infelizmente não con- A quarta e a quinta estrofe iniciam com o ad-
seguiu resistir ao terceiro. Antes de morrer, o escritor vérbio de tempo “quando”, que contribui na ênfase das
estava executando um projeto que consistia na tradução comparações feitas pelo eu-lírico relacionadas a postura
da Divina Comédia do poeta italiano Dante Alighieri, en- das diferentes gerações. Na quarta estrofe, o eu-lírico
tretanto só conseguiu traduzir a primeira parte da obra. afirma que a geração de seu pai batia na sua e isso era
Apesar disso, em 2004 ganhou o prêmio Jabuti na cate- aceito, uma vez que as pessoas acreditavam ser uma
goria de Tradução Literária pela sua tradução detalhada forma eficaz de educar. A geração do eu-lírico, diferente
de “Inferno”. da posterior à sua, não havia adquirido a consciência de

Tudo Sobre o PAS UnB 257


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

que essa atitude não era aceitável e repete os mesmos para que as experiências prévias, ou seja, o conhecimento
erros. O contraste entre as gerações é significativo, pois de mundo do leitor, se articulem com as experiências de
a geração que surge logo após a do eu-lírico não aceita a leitura propostas pelo texto e construam significados rele-
violência disfarçada de “educação”. vantes no processo linguístico da leitura, como se observa
em A noite dissolve os homens, de Carlos Drummond de
Com essas circunstâncias, o eu-lírico afirma que Andrade, e Esses chopes dourados, de Jorge Wanderley.
a sua geração tem a pior conduta, dado que sofre com as (Página 5, quarto parágrafo)
agressões da geração anterior e mesmo assim a repro-
duz na seguinte. Contudo, na última estrofe, o eu-lírico Tipos e gêneros
busca se justificar e diminuir o peso da culpa, afirmando
que apesar de ter errado, todos na verdade eram ino- As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
centes, já que não possuíam consciência do seu erro e que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais
no seu tempo bater era sinônimo de educar, sendo as- diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
sim, essa atitude era comum e aceita. Dessa forma ele possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá-
apenas reproduziu uma prática apoiada pela sociedade ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
de sua época. pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
Poema Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
A palavra poema possui origem grega, pois, é bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
derivada do vocábulo “poein” que significa “fazer, criar, da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
diretamente com a literatura e com os gêneros literários. O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
Tem como principal característica a liberdade poética, ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
expressar da maneira que deseja, podendo ou não se- literatura. (Página 12, quarto parágrafo)
guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté-
ticas da língua. Estruturas

Como gênero, o poema, possui algumas carac- No campo social, as estruturas de organização
terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê- excludentes oprimem, matam, segregam, o que pode ser
neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em percebido nas obras Entenda o que é Racismo Estrutural –
estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e Canal do Preto e nos poemas A noite dissolve os homens,
rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa- de Carlos Drummond de Andrade, Quebranto, de Cuti, Es-
cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a ses chopes dourados, de Jorge Wanderley, e Poema aos
trova, o rondó e dentre outros. Contudo, é importante homens de nosso tempo, de Hilda Hilst. Na organização
lembrar que nem todo poema segue essa estrutura, em das sociedades, as estruturas de poder e dos governos de-
muitos há a predominância de efeitos sonoros e gráfi- vem ser pensadas e problematizadas, como evidenciam
cos, por exemplo, a poesia concreta e a cinética. Além os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren-
disso, em muitos poemas temos a presença do eu-lírico, dt, e Necropolítica, de Achile Mbembe. (Página 16, segun-
que nem sempre coincide com o autor do poema, uma do parágrafo)
vez que esse é a pessoa fictícia que dá voz ao poema, a
exemplo disso, temos o poeta português Fernando Pes- Cenários contemporâneos
soa e seus heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Cam-
pos e Ricardo Reis. Os poemas Esses chopes dourados (2001), de
Jorge Wanderley, e Poema aos homens do nosso tempo,
Ademais, é importante ressaltar que poema e de Hilda Hilst ( 1974), problematizam a diferença entre
poesia não são a mesma coisa, uma vez que a poesia é as gerações e a percepção sobre a violência e são vistas
um conceito mais amplo, que se relaciona com a subje- sob uma perspectiva intimista, já o conto Oásis (1975),
tividade e também pode ser encontrada na prosa, em de Caio Fernando Abreu, também aborda a violência, a
uma pintura, em um filme e nas variadas maneiras de se discriminação de gênero e a opressão sobre minorias ou
expressar artisticamente. menorizados. (Página 26, terceiro parágrafo)


Número, grandeza e forma

A percepção da finitude do entendimento pode


Citações da Obra na Matriz de Referências impor certos limites às ambições da razão, que ao inves-
tir sobre a realidade, tende a uniformizações e padroni-
O ser humano como um ser que interage zações questionáveis. Nesse sentido, os poemas Esses
Chopes Dourados, de Jorge Wanderley, e Soneto, de Ana
Logo, só podem ser plenamente compreendidas Cristina Cesar, apresentam relevantes críticas da realida-
em uso, integrando o texto ao contexto — interlocutores, de. (Página 31, segundo parágrafo)
objetivos, modalidade da língua ou linguagem artística —,

Tudo Sobre o PAS UnB 258


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 259


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Quebranto - Cuti

Autor
O poeta e escritor Luiz Silva, mais conhecido Atualmente o escritor paulista continua escre-
pelo pseudônimo de Cuti, é um autor de extrema impor- vendo, publicando artigos e participando de debates
tância para a literatura afro-brasileira contemporânea. promovidos pelo grupo “Quilombhoje”. Por fim, a obra
Atuante no movimento negro, o escritor, além de poesia, de Cuti é importante para a literatura contemporânea,
escreve ensaios, críticas, contos, peças teatrais e ficção. pois é uma obra política e engajada que demonstra os
efeitos do racismo na vida das pessoas e luta contra os
Cuti nasceu no dia 31 de outubro de 1951, na preconceitos, além de romper com os estereótipos as-
cidade de Ourinhos, no interior de São Paulo. Sempre sociados ao homem e a mulher negra na literatura bra-
atento à realidade, principalmente daqueles que foram sileira, proporcionando ao seu leitor a reflexão, o debate
silenciados e deixados à margem da sociedade, o poeta e a liberdade.
desmistifica em sua obra a ideia de que haja uma de-
mocracia racial no Brasil. Dentre os temas trabalhados Obra
pelo escritor encontram-se a vivência, a história e a iden-
tidade da população negra em uma sociedade racista e Quebranto
marcada pelo pensamento colonial.
às vezes sou o policial
Em 1980, Luiz Silva se formou em Letras, Por- que me suspeito
tuguês-Francês, na Universidade de São Paulo – USP e me peço documentos
anos depois se tornou mestre em Teoria da Literatura e e mesmo de posse deles
doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Esta- me prendo
dual de Campinas – UNICAMP. Dentre os autores de seu
estudo, encontram-se o poeta simbolista Cruz e Sousa e e me dou porrada
o escritor pré-modernista Lima Barreto, juntamente com
outros nomes da literatura nacional e universal como: às vezes sou o zelador
Machado de Assis, Lélia Gonzales, Drummond e Fernan- não me deixando entrar
do Pessoa. em mim mesmo
a não ser
Diante de um contexto social conturbado, de- pela porta de serviço
vido a dura repressão e censura exercida pela ditadura
militar brasileira, em 1978 há no país uma série de mo- às vezes sou o meu próprio delito
vimentos e protestos estudantis, no mesmo ano surge a o corpo de jurados
série Cadernos Negros, fundada por Luiz Silva e outros a punição que vem com o veredito
poetas, que se apresenta como uma maneira de publicar
às vezes sou o amor
textos tanto em prosa quanto em poesia com a finali-
que me viro o rosto
dade de representar a cultura afro-brasileira de diversas
o quebranto
formas. Além da série Cadernos Negros, que em 2018
o encosto
completou 40 anos de publicações, Cuti foi um dos fun-
a solidão primitiva
dadores do grupo “Quilombhoje”, em 1980, que é um
que me envolvo com o vazio
espaço de comunicação muito importante para a litera-
tura afro-brasileira, uma vez que viabilizou o surgimento às vezes as migalhas do que
de debates, pesquisas e produção de textos sobre a lite- sonhei e não comi
ratura negra. outras o bem-te-vi
com olhos vidrados
Dono de uma extensa e variada produção, em
trinando tristezas
1978 o escritor publica “Poemas da Carapinha” e nos
anos seguintes outras obras como “Suspensão”, “Flash um dia fui abolição que me
crioulo sobre o sangue e o sonho”, “Dois nós na noite” lancei de supetão no espanto
e outras peças de teatro negro-brasileiro, Negroesia, depois um imperador deposto
entre outros. Sua escrita é marcada pela simplicidade, a república de conchavos no coração
sentimentalismo, metáforas, ironia e esperança. Além e em seguida
das relações raciais e da luta contra o racismo, é possível uma constituição que me promulgo
encontrar em sua poesia um resgate da memória, das a cada instante
experiências e da identidade da população negra, além
das relações de afeto e superação de injustiças. também a violência dum impulso
que me ponho do avesso
com acessos de cal e gesso

Tudo Sobre o PAS UnB 260


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

chego a ser policial assume uma postura violenta duvidando da sua


palavra e das provas de sua inocência, ele acaba incorpo-
às vezes faço questão rando e assumindo a mesma postura cruel diante de si.
de não me ver Essa comparação faz referência direta ao constante pré-
e entupido com a visão deles -julgamento e atitudes violentas assumidas pela polícia
me sinto a miséria com relação à população negra.
concebida como um
eterno começo Já na segunda e na terceira estrofe, o eu-lírico
se compara ao porteiro, que não permite que ele entre
fecho-me o cerco pela porta da frente, ao delito, aos jurados e a punição
sendo o gesto que me nego que é aplicada e associada a ele. Nessas estrofes o per-
a pinga que me bebo sonagem central do poema se inferioriza e acaba se pu-
e me embebedo nindo, incorporando o discurso e o pensamento precon-
o dedo que me aponto ceituoso. Na quarta estrofe, há a presença de um tema
e denuncio bastante delicado que é a solidão da mulher e do ho-
o ponto em que me entrego. mem negro nas relações amorosas e na relação consigo
mesmo. Na estrofe seguinte, o eu-lírico fala a respeito
às vezes!... dos seus sonhos irrealizados e compara o seu canto, que
é triste, ao do bem-te-vi.
O poema “Quebranto” é um dos poemas sele-
cionados que compõem a antologia Negroesia de Cuti, A sexta estrofe faz referência a momentos pon-
que atualmente é um dos maiores representantes da tuais da história do Brasil que exerceram grande impacto
literatura contemporânea afro-brasileira. Publicada em na vida de toda população negra. O primeiro é a abolição
2007, a antologia é repleta de poesias que fazem uma da escravidão, que ocorreu em 1888, seguido da depo-
crítica ao racismo e às injustiças presentes na sociedade sição do imperador Dom Pedro II, o início da república e
brasileira. Além de poemas inéditos, a obra é formada a constituição. É importante salientar que o Brasil foi o
por poemas já publicados em outros trabalhos do es- último país do continente americano a decretar o fim da
critor que por meio de uma linguagem lírica, coloquial, escravidão que era legalizada. O país viveu durante 130
irônica e polifônica, questiona o lugar ocupado pela anos em um sistema cruel e desumano, que deu base
população negra dentro dessa sociedade marcada pela para o surgimento do racismo. Mesmo após o fim oficial
abolição tardia da escravidão e pela falsa imagem da desse sistema, a escravidão continuou ocorrendo de ma-
existência de uma democracia racial. Dessa maneira, o neira ilegal, uma vez que a população negra não obteve
trabalho de Cuti desconstrói estereótipos e aumenta a direitos garantidos por lei e não ganhou indenização pe-
autoestima da população afro-brasileira. los danos morais e pelos anos de trabalho forçado. Pega
de surpresa e sem nenhum amparo, como exemplificado
Dividido em dez estrofes e escrito com uma lin-
nos seguintes versos “um dia fui abolição que me lancei
guagem simples, o poema “Quebranto’’ possui rima e
de supetão no/ espanto”, alguns escravos livres optaram
métrica irregulares. O poema é de caráter social e políti-
por voltar a se submeter ao trabalho explorador sem re-
co, uma vez que evidencia discursos e ações que revelam
ceber uma remuneração justa, enquanto outros ficaram
o preconceito e a desigualdade racial presentes na so-
sem subsídios, visto que os senhores se recusaram a pa-
ciedade brasileira que são enfrentados diariamente pela
gar e a empregar seus antigos escravos. Dessa maneira
população negra. O poema tematiza o conflito interno
foram muitos os homens e as mulheres que passaram a
sentido pelo eu-lírico, que enxerga a sua identidade não
viver à margem da sociedade.
a partir do seu próprio olhar, mas pela visão de um outro
sujeito. O grande problema é que esse outro olhar está Enquanto a sétima estrofe torna a falar sobre a
marcado pelo racismo, pela violência física, psicológica e violência, a oitava estrofe fala sobre a sensação e o sen-
pela opressão existente na sociedade. timento do eu-lírico diante dos olhares dessa socieda-
de, ele se sente como a própria miséria. E na penúltima
É interessante a relação entre o título do poema
estrofe, o poeta fala a respeito da sua preferência por
e essa visão do outro. Segundo o dicionário Aurélio da
fugir de si mesmo e da sua realidade por meio da bebida
Língua Portuguesa, a palavra quebranto pode significar
alcoólica.
prostração ou fraqueza, contudo, na crença e na supers-
tição popular a palavra também pode assumir o signi- Por fim, a última estrofe é composta por apenas
ficado de mau-olhado e agouro. É possível relacionar o um único verso solto, que é o mesmo que dá início ao
título com a figura do próprio negro, uma vez que ele é poema, “às vezes!”. Esse verso demonstra que essa visão
mau olhado e mal visto na sociedade racista e precon- imposta ao indivíduo, esse discurso opressor, não é algo
ceituosa. As consequências geradas, a partir dessa visão fixo e permanente porque o eu-lírico às vezes age assim.
discriminadora, é um sujeito que se sente inferior, impo- Dessa maneira, há a possibilidade de mudança dessa vi-
tente, sozinho, amedrontado e jogado de lado. são de si mesmo e também de pensamento. Essas mu-
danças ocorrem por meio da luta contra essa estrutura
Logo na primeira estrofe do poema, o eu-lírico
racista que permeia as relações.
se compara a um policial, pois da mesma forma que o

Tudo Sobre o PAS UnB 261


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Poema estabelece relações com gerações passadas e presentes, o


que favorece a análise crítica de situações diversas. Dife-
A palavra poema possui origem grega, pois, é rentes olhares sobre esses aspectos são expressos nas pin-
derivada do vocábulo “poein” que significa “fazer, criar, turas Mestiço, de Portinari, e Morro da Favela, de Tarsila
compor”. O poema é um gênero textual que se relaciona do Amaral e também na obra audiovisual Das raízes às
diretamente com a literatura e com os gêneros literários. pontas, de Flora Egécia, documentário que elenca o papel
Tem como principal característica a liberdade poética, da estética na construção da identidade coletiva e a ação
isso quer dizer que o poeta possui uma licença para se política da população afrobrasileira. Temática também
expressar da maneira que deseja, podendo ou não se- desenvolvida na produção Entenda o que é Racismo Es-
guir rigidamente as regras sintáticas, semânticas e esté- trutural - Canal do Preto, possibilitando o debate acerca
ticas da língua. do legado da escravidão e seus efeitos no campo econô-
mico e cultural nas relações raciais constituídas no país.
Como gênero, o poema, possui algumas carac- A literatura, que reflete a nossa sociedade e nela atua,
terísticas que possibilitam o diferenciar dos demais gê- denuncia e questiona o racismo estrutural como um dos
neros textuais. Geralmente os poemas são divididos em elementos construtores da sociedade brasileira. Por isso,
estrofes e versos, possuem métrica, sílabas poéticas e a importância de se valorizar a produção literária de es-
rimas, há alguns poemas que possuem a forma fixa fa- critoras e escritores negros com a leitura do poema Que-
cilitando a sua classificação como o soneto, o haicai, a branto, de Cuti, e o conto Maria, de Conceição Evaristo.
trova, o rondó e dentre outros. Contudo, é importante (Página 9, segundo parágrafo)
lembrar que nem todo poema segue essa estrutura, em
muitos há a predominância de efeitos sonoros e gráfi- Tipos e gêneros
cos, por exemplo, a poesia concreta e a cinética. Além
disso, em muitos poemas temos a presença do eu-lírico, As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
que nem sempre coincide com o autor do poema, uma que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais
vez que esse é a pessoa fictícia que dá voz ao poema, a diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
exemplo disso, temos o poeta português Fernando Pes- possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá-
soa e seus heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Cam- ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
pos e Ricardo Reis. pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
Ademais, é importante ressaltar que poema e Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
poesia não são a mesma coisa, uma vez que a poesia é Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
um conceito mais amplo, que se relaciona com a subje- bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
tividade e também pode ser encontrada na prosa, em da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
uma pintura, em um filme e nas variadas maneiras de se Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
expressar artisticamente.


O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
literatura. (Página 12, quarto parágrafo)
Citações da Obra na Matriz de Referências Estruturas
O ser humano como um ser que interage No campo social, as estruturas de organização
excludentes oprimem, matam, segregam, o que pode ser
A linguagem resulta dessa capacidade para inte- percebido nas obras Entenda o que é Racismo Estrutural –
ragir e, ao examinar a sua relação com a sociedade, a co- Canal do Preto e nos poemas A noite dissolve os homens,
municação constituída por um sistema abstrato de formas de Carlos Drummond de Andrade, Quebranto, de Cuti, Es-
linguísticas pode ser percebida como algo que não se con- ses chopes dourados, de Jorge Wanderley, e Poema aos
cretiza por enunciação monológica, isolada, mas que se homens de nosso tempo, de Hilda Hilst. Na organização
dá pela interação verbal. A linguagem não existe fora dos das sociedades, as estruturas de poder e dos governos de-
sujeitos e deve ser apreendida e examinada como uma vem ser pensadas e problematizadas, como evidenciam
prática humana que supõe usos concretizados por pes- os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren-
soas, grupos ou classes. Essas características podem ser dt, e Necropolítica, de Achile Mbembe. (Página 16, segun-
percebidas, por exemplo, nos contos Viagem a Petrópolis, do parágrafo)
de Clarice Lispector, A caolha, de Júlia Lopes de Almeida, e
nos poemas Consoada, de Manuel Bandeira, O morcego, Ambiente e evolução
de Augusto dos Anjos e Quebranto, de Cuti. (Página 5, se-
gundo parágrafo) Em contrapartida, é importante, a partir desses
conceitos, debater a questão do racismo, racialização e
Indivíduo, cultura, estado e participação política raça. Na obra Entenda o que é Racismo Estrutural - Canal
do Preto e no poema Quebranto, de Cuti, a denúncia do
O ser humano, pensado como indivíduo (integran- Obs.: a presente matriz está passando por revisões lin-
te de grupos sociais, econômicos e culturais) com uma guísticas, podendo ter alterações em seu teor. 24 analisa
identidade em formação no tempo histórico e biográfico,

Tudo Sobre o PAS UnB 262


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

os ambiente de racismo estrutural construído no Brasil,


relacionado a teorias de embranquecimento e a prática
de silenciamento dos afro-brasileiros (o que alimenta a
violência diária contra a população negra) dialogam com
o conto Maria, de Conceição Evaristo. (Página 23, sexto
parágrafo)

Cenários contemporâneos

Os séculos XX e XXI são marcados por diversos


movimentos sociais relacionados às lutas e resistências
de grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras
audiovisuais Das raízes às ponta (2015), de Flora Egécia,
e Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também
observa-se essa temática da resistência dos movimen-
tos sociais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de
Acme, nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto
Maria (2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musicais
Malditos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação Mental
(2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de Não Reco-
mendados. (Página 27, segundo parágrafo)

Número, grandeza e forma

Na Constituição Federal – Título II, capítulo IV, ar-


tigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV, capítulo I,
seções I a V, artigos 44 a 56 –, são apresentadas formas
de organização vinculadas às dimensões de grandeza po-
lítica como, por exemplo, a noção de coeficiente eleitoral.
Para validar essa noção, a estatística e a probabilidade
são utilizadas e, comumente, princípios de contagem
(aditivo e multiplicativo) e agrupamentos (permutação,
arranjo e combinação). Ainda assim, tais dados não impli-
cam uma noção de verdade, sendo esperada a criticidade
de uma cidadania consciente e participativa. Nesse sen-
tido, Poema aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst,
Quebranto, de Cuti, e Maria, de Conceição Evaristo, são
exemplos de obras que permitem a discussão crítica sobre
as relações de poder. (Página 33, segundo parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 263


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Maria - Conceição Evaristo

Autora
O olho do sol batia sobre as roupas estendidas no varal e contos e poemas, que acabaram recebendo grande vi-
mamãe sorria feliz. Gotículas de água aspergindo a minha sibilidade, tendo, inclusive, suas obras traduzidas e pu-
vida-menina balançavam ao vento. Pequenas lágrimas dos blicadas no exterior, publicando também na Alemanha,
lençóis. Pedrinhas azuis, pedaços de anil, fiapos de nuvens na Inglaterra e nos Estados Unidos. Dessa forma, com
solitárias caídas do céu eram encontradas ao redor das ba- poesias, ensaios e ficções, a autora é uma importante
cias e tinas das lavagens de roupa. Tudo me causava uma representante do movimento negro, abordando em suas
comoção maior. A poesia me visitava e eu nem sabia... (EVA- obras uma mistura entre realidade, violência, sentimen-
RISTO, 2017b) to, identidade intelectual afrodescendente e representa-
tividade, principalmente negra e periférica, chegando a
Grande contista, poeta, romancista e pesquisa- ter seus contos como alvos de estudos por pesquisado-
dora brasileira: essa é Maria da Conceição Evaristo de res brasileiros e estrangeiros.
Brito. Nascida em 29 de novembro de 1946, em Belo Ho-
rizonte, a escritora é filha de Joana Josefina Evaristo e Autora também de romances, escreveu seu pri-
Aníbal Vitorino – padrasto que considera como pai. meiro romance, intitulado “Ponciá Vicêncio’’, em 2003, e
seu segundo, intitulado “Becos da Memória”, em 2006.
De família humilde, Conceição Evaristo começou Como um de seus maiores destaques e sendo traduzido
a trabalhar desde cedo, seguindo os passos de sua mãe para o inglês pela Host Publications em 2007, “Ponciá
e sua tia (com a qual morava) que trabalhavam como Vicêncio” trata da discriminação racial, de gênero e de
lavadeiras e realizavam todos os tipos de serviços do- classe. Da mesma forma, retrata, em “Becos da Memó-
mésticos para se sustentarem. Assim, além desses ser- ria”, a realidade de uma favela em processo de remoção
viços, como tinha experiência com seus irmãos, passou e afastamento, representa também, mais uma vez, a mu-
a ajudar também a cuidar dos filhos de outras famílias lher como destaque frente ao combate e à resistência
enquanto estudava no ensino primário, o que lhe ren- contra a pobreza e a discriminação.
dia alguns trocados e aprendizados, já que, por vezes,
trocava também “horas de tarefas domésticas nas casas Ademais, continua com suas publicações de ou-
de professores por aulas particulares, por maior atenção tros gêneros, como seus poemas que repercutiram ainda
na escola e principalmente pela possibilidade de ganhar mais a partir da publicação do volume Poemas de recor-
livros, sempre didáticos”, como conta a própria autora. dação e outros movimentos, em 2008, além de suas pu-
blicações na série Cadernos Negros. Publicou, em 2011,
Assim, sempre muito dedicada aos estudos e in- o volume de contos “Insubmissas lágrimas de mulhe-
centivada por sua mãe, que sempre quis garantir uma res”; em 2014, “Olhos D`água”, livro que chegou a final
boa educação para seus filhos, Conceição Evaristo, estu- do Prêmio Jabuti na seção “Contos e Crônicas”; e, em
dante de escola pública, ganhou seu primeiro prêmio ao 2016, “Histórias de leves enganos e parecenças” como
terminar o primário, em 1958, em um concurso de reda- outro volume de ficção.
ção com o título “Por que me orgulho de ser brasileira”,
o que gerou certo incômodo em muitas pessoas que não Suas obras são marcadas pela criação e ressig-
esperavam isso de uma mulher negra, pobre e de cidade nificação das palavras, retomando sempre sua ancestra-
periférica. lidade, trabalho para o qual a metalinguagem se torna
valiosa, além de utilizar um procedimento narrativo que
Em 1973, mudou-se para o Rio de Janeiro, dois trabalha de forma que uma história individual se revele
anos depois de terminar o Curso Normal no Instituto de e reflita como histórias coletivas. Esse é o ato de “escre-
Educação de Minas Gerais, com o objetivo de iniciar no viver”. Seus protagonistas são principalmente mulheres
magistério, o que conseguiu ao ser aprovada em concur- negras e, com temas tão importantes, Conceição Evaris-
so público da capital fluminense. Dando continuidade to traz à tona vidas que são, muitas vezes, ignoradas. Em
aos estudos, Conceição Evaristo realizou sua graduação suas obras, trata de temas como a violência e a discrimi-
em Letras pela UFRJ; seu mestrado em Literatura Bra- nação em uma realidade assinalada pelo racismo e pelo
sileira pela PUC do Rio de Janeiro, com a dissertação preconceito, usando, para isso, as palavras como forma
“Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilida- de manifestação, trabalhando com emoção a linguagem
de”, em 1996; e seu doutorado em Literatura Compa- poética. Dessa forma, não afirma um discurso meritocrá-
rada pela UFF, com a tese “Poemas malungos, cânticos tico, mas sim o discurso de denúncia.
irmãos”, em 2011.
Portanto, Conceição Evaristo teve e continua
Foi no ano de 1990 que a escritora teve seus pri- tendo uma vasta história e, por essa incrível história,
meiros poemas publicados, incluindo um de seus mais percebemos a sua importância e afirmação de luta que
famosos: “Vozes-mulheres”, no volume 13 da coletânea jamais deve ser esquecida. Por isso, já participou de di-
Cadernos Negros, periódico que passa a publicar seus versos prêmios e homenagens, como a feita pelo Itaú

Tudo Sobre o PAS UnB 264


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cultural de São Paulo, em 2017, com a Ocupação Con- Muitas mulheres negras carregam essa marca
ceição Evaristo, para apresentar parte de sua vida e li- causada por inúmeras pessoas que portam essa faca-la-
teratura e ganhando, em 2018, o Prêmio de Literatura ser, prontas para usá-las, assim como fizeram aqueles
do Governo de Minas Gerais, pelo conjunto de sua obra. que agrediram Maria no ônibus. Assim, ocorre o proces-
so de objetificação, no qual “Maria é transformada, de
objeto útil para a patroa, a um objeto nocivo e ameaça-
Obra dor para as pessoas do ônibus”, como afirmam Marcela
Publicado inicialmente em 2014, o conto “Ma- Batalini e Alba Feldman (2017, p. 24), de forma que o
ria”, de Conceição Evaristo, faz parte da antologia Olhos conto expõe o que é “ser mulher e, ainda, negra em um
D´Água e apresenta, por meio de um narrador oniscien- país que as faz vítima de olhares e ofensas nascidas do
te (que não participa da história, mas a narra revelando preconceito”.
detalhes dos fatos, dos personagens, de seus pensamen-
tos e de seus sentimentos) e um discurso indireto-livre, O conto nos mostra uma mulher forte, buscando o susten-
a história de Maria, uma mulher que, já há muito tempo, to da família e um futuro melhor para os filhos, mas que é
esperava o ônibus para voltar para sua casa depois de esmagada pelo racismo da sociedade e arca com as conse-
um dia cansativo de trabalho, como de costume. quências apenas por conhecer o homem que fez um assalto.
A tragédia de Maria, como a própria generalização do nome
Maria, mulher negra, empregada doméstica e permite, ganha tintas de tragédia, mas é uma tragédia coti-
mãe solteira de três filhos, naquela segunda-feira, havia diana, cultivada pelo racismo e por uma cultura, uma história
trabalhado na casa da patroa após o dia de uma festa e e sociedade que coloniza duplamente a mulher negra. (BATA-
esperava seu ônibus no fim do dia. Ali, carregava ape- LI; FELDMAN, 2017, p. 25)
nas os frutos de seu trabalho, como o próprio trecho do
conto revela: “uma sacola de frutas, um osso de pernil Dessa forma, a personagem sofre de inúmeras
e uma gorjeta de mil cruzeiros. Não tinha relógio algum violências, físicas e verbais, sendo tratada como crimi-
no braço. Nas mãos nenhum anel ou aliança. Aliás, nas nosa e sem ter, ao menos, o direito de se defender. A
mãos tinha sim! Tinha um profundo corte feito com fa- mulher, que é a protagonista e representante ainda da
ca-laser que parecia cortar até a vida.” (EVARISTO, 2016, figura materna, apenas queria um momento tranqui-
p. 25). lo com os filhos. Queria levar a eles as frutas, saber se
as crianças gostariam de melão. Queria levar ao filho a
AAo embarcar no ônibus, encontra seu ex-com- mensagem de seu pai. Porém, ao ser agredida e ter a
panheiro, pai de um de seus filhos, com quem tem um sacola rasgada, ali se rompe também sua luta e sua vida.
diálogo sobre os pequenos, diálogo esse que termina em É assim que a narrativa traz reflexões importantes para
um pedido por parte do homem: “um abraço, um beijo, toda a sociedade. Será que realmente superamos por
um carinho no filho”. Logo em seguida, o homem e um completo a época colonial?
companheiro que estava no final do ônibus anunciam
um assalto. Maria é tomada pelo medo, não da morte Por isso, o conto de Conceição Evaristo, da cole-
ou dos assaltantes, mas da vida e o que aconteceria com tânea Olhos D`água que foi premiada na categoria “Con-
seus filhos mais tarde. Os homens passaram por ela, não tos e Crônicas” do Prêmio Jabuti de Literatura de 2015,
pediram nada e desceram. Após o ocorrido, alguém gri- é um grande representante da literatura afro-brasileira
tou que ela deveria estar com os assaltantes, que não contemporânea, que expõe características do movimen-
levaram nada dela. Maria se assusta e embora houvesse to negro, como o discurso marcado por uma fala forte
pequenos comentários que a defendiam, como o de um denunciadora da condição do negro e igualmente afir-
menino negro e magro que afirmou também não ter sido mativa da cultura e identidade africana e afro-brasileira,
assaltado e do motorista do ônibus que a havia reconhe- conforme afirma a própria Conceição Evaristo.
cido, Maria é alvo de insultos, preconceitos e, por fim,
a violência. Foi linchada pelos passageiros ali presentes. Conto
A história trata da violência sofrida por uma O conto é um gênero textual contido dentro do
mulher pré-julgada, que sofre da violação dos direitos tipo textual narração. É um texto de ficção, escrito em
humanos. Esse cenário já é claro desde o primeiro pa- prosa, mais curto que a novela e que possui estrutura
rágrafo do conto. Temos a visão de uma mulher que re- fechada e concisa.
presenta muitas “Marias” no mundo. Primeiro, empre-
gada doméstica não reconhecida, paga apenas com uma Assim, como outros gêneros que possuem como
gorjeta e com os restos da refeição que existia na casa, base a narração, o conto também apresenta como carac-
paga com ossos que iriam para o lixo e, ainda assim, se terísticas a presença de um enredo, que é a própria his-
via contente pelos pequenos trocados já que precisava tória; de um tempo, que pode ser cronológico, quando
comprar xarope e algum lanche para os filhos. Assim, apresenta linearidade, ou psicológico, quando o tempo
percebemos a inferiorização do trabalho doméstico, a é distorcido para acompanhar a memória dos persona-
exploração e, ainda, sem a remuneração adequada. A gens e não há uma lógica de sequência temporal; de um
mulher carregava apenas as marcas do trabalho que lhe espaço, que pode ser físico, psicológico ou social; de um
parecia tirar a vida, como exposto na representação do narrador, sendo narrador-personagem quando conta a
profundo corte em sua mão feito pela faca-laser. história e, ao mesmo tempo, participa dela, ou sendo

Tudo Sobre o PAS UnB 265


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

narrador observador, quando apenas conta a história, Tipos e gêneros


sem participar dela, podendo também ser narrador-
-onisciente, quando se conta a história sem participar As discussões acerca de tipos e gêneros em obras
dela, mas sabe de tudo e de todas as coisas, incluindo que tratam de abordagens inseridas em contextos sociais
sentimentos e pensamentos pessoais dos personagens; diversos potencializam o olhar crítico sobre o mundo e
de personagens, que pode(m) ser protagonista(s), anta- possibilitam a formação de leitores cidadãos, mais empá-
gonista(s) ou secundários; e de um discurso, que é dis- ticos com o outro e suas realidades plurais. Nessa pers-
curso direto quando o próprio personagem fala, discur- pectiva, os poemas A noite dissolve os homens, de Carlos
so indireto quando o narrador reproduz o discurso do Drummond de Andrade, Esses chopes dourados, de Jorge
personagem ou discurso indireto livre, quando há uma Wanderley, Poema aos homens de nosso tempo, de Hilda
mistura dos dois. Hilst, Quebranto, de Cuti, Tecendo a manhã, de João Ca-
bral de Neto, os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
Além disso, o conto apresenta uma estrutura da, Maria, de Conceição Evaristo, Oásis de Caio Fernando
que envolve uma introdução, que é a apresentação ge- Abreu, Viagem a Petrópolis, de Clarice Lispector, a novela
ral da história, dos personagens, tempo e local, um de- O recado do morro, de João Guimarães Rosa, e o roman-
senvolvimento, que traz o fluxo de acontecimentos da ce Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, expressam
história, um clímax, entendido como o ponto máximo a diversidade de contextos sociais que enriquecem nossa
de tensão dentro de toda a narração e um desfecho, ou literatura. (Página 12, quarto parágrafo)
seja, o fim da narrativa.


Na terceira etapa, a seleção de obras de autores
negros, assim como obras de um grande número de escri-
toras com produções com estruturas e objetivos diferen-
tes, além de significativas na literatura brasileira, assegu-
Citações da Obra na Matriz de Referências ram a importância da leitura inserida no contexto social
como elemento capaz de ampliar a compreensão de mun-
O ser humano como um ser que interage do dos leitores e a valorização da diversidade social de
tipos e gêneros, em seus mais variados aspectos. As obras
Além disso, problematizar especialmente a condi- audiovisuais Entenda o que é Racismo Estrutural – Canal
ção das mulheres no mundo contemporâneo se apresenta do Preto (2018) e Poética da Diáspora (2015), de Elena
como tarefa necessária, e, para isso, as músicas Camila, Pajero Peres, abordam a importância da valorização do
Camila, interpretada pela banda Nenhum de nós, Mulam- protagonismo social negro e ao mesmo tempo apontam
ba, de Mulamba, o videoclipe de Dona de mim, de Iza e para a marginalização da população negra na sociedade
o conto Maria, de Conceição Evaristo, são exemplos que brasileira. Nos contos A caolha, de Júlia Lopes de Almei-
permitem subsidiar os debates sobre esse tema. (Página da, Maria, de Conceição Evaristo, e Viagem a Petrópolis,
6, terceiro parágrafo) de Clarice Lispector, e também na música Dona de mim,
de Iza encontram-se representações do universo femini-
Indivíduo, cultura, estado e participação política no, seus dilemas e vivências, com questionamentos sobre
classe, raça e gênero. (Página 13, primeiro parágrafo)
O ser humano, pensado como indivíduo (integran-
te de grupos sociais, econômicos e culturais) com uma Estruturas
identidade em formação no tempo histórico e biográfico,
estabelece relações com gerações passadas e presentes, o Os contos A caolha, de Júlia Lopes de Almeida,
que favorece a análise crítica de situações diversas. Dife- Maria, de Conceição Evaristo, Oásis, de Caio Fernando
rentes olhares sobre esses aspectos são expressos nas pin- Abreu e Viagem à Petrópolis, de Clarice Lispector, entre-
turas Mestiço, de Portinari, e Morro da Favela, de Tarsila laçam elementos da estrutura ficcional da narrativa (en-
do Amaral e também na obra audiovisual Das raízes às redo, os espaço, tempo, personagens e acontecimentos)
pontas, de Flora Egécia, documentário que elenca o papel com a estrutura social brasileira. (Página 17, quinto pa-
da estética na construção da identidade coletiva e a ação rágrafo)
política da população afrobrasileira. Temática também
desenvolvida na produção Entenda o que é Racismo Es- Ambiente e evolução
trutural - Canal do Preto, possibilitando o debate acerca
do legado da escravidão e seus efeitos no campo econô- Em contrapartida, é importante, a partir desses
mico e cultural nas relações raciais constituídas no país. conceitos, debater a questão do racismo, racialização e
A literatura, que reflete a nossa sociedade e nela atua, raça. Na obra Entenda o que é Racismo Estrutural - Ca-
denuncia e questiona o racismo estrutural como um dos nal do Preto e no poema Quebranto, de Cuti, a denúncia
elementos construtores da sociedade brasileira. Por isso, do ambiente de racismo estrutural construído no Brasil,
a importância de se valorizar a produção literária de es- relacionado a teorias de embranquecimento e a prática
critoras e escritores negros com a leitura do poema Que- de silenciamento dos afro-brasileiros (o que alimenta a
branto, de Cuti, e o conto Maria, de Conceição Evaristo. violência diária contra a população negra) dialogam com
(Página 9, segundo parágrafo) o conto Maria, de Conceição Evaristo. (Página 23, sexto
parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 266


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Cenários contemporâneos Mental, de Triz, e Não Recomendado, de Não Recomenda-


dos. (Página 42, quinto parágrafo)
Os séculos XX e XXI são marcados por diversos
movimentos sociais relacionados às lutas e resistências Questões, Justificativas e Dicas
de grupos políticos, étnicos e sociais abordados nas obras
audiovisuais Das raízes às ponta (2015), de Flora Egécia, Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
e Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor de
perder um filho (2015), de Sabrina Azevedo. Também Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
observa-se essa temática da resistência dos movimen-
tos sociais no grafite, em Santa ceia moderna (2017), de Anotações e Rascunhos
Acme, nos poemas Quebranto (2007), de Cuti, no conto
Maria (2014), de Conceição Evaristo, e nas obras musicais
Malditos Cromossomos (2007), de Pitty, Elevação Mental
(2017), de Triz, e Não Recomendado (2017), de Não Reco-
mendados. (Página 27, segundo parágrafo)

Número, grandeza e forma

Na Constituição Federal – Título II, capítulo IV, ar-


tigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título IV, capítulo I,
seções I a V, artigos 44 a 56 –, são apresentadas formas
de organização vinculadas às dimensões de grandeza po-
lítica como, por exemplo, a noção de coeficiente eleitoral.
Para validar essa noção, a estatística e a probabilidade
são utilizadas e, comumente, princípios de contagem
(aditivo e multiplicativo) e agrupamentos (permutação,
arranjo e combinação). Ainda assim, tais dados não impli-
cam uma noção de verdade, sendo esperada a criticidade
de uma cidadania consciente e participativa. Nesse sen-
tido, Poema aos homens do nosso tempo, de Hilda Hilst,
Quebranto, de Cuti, e Maria, de Conceição Evaristo, são
exemplos de obras que permitem a discussão crítica sobre
as relações de poder. (Página 33, segundo parágrafo)

Espaços

As obras O encontro de Lampião com Eike Ba-


tista, da banda El Efecto, Grândola Vila Morena, na ver-
são da Banda 365, A Questão Indígena em 4 Minutos e o
slam Mocinho ou bandido, nenhuma mãe merece a dor
de perder um filho, de Sabrina Azevedo, podem subsidiar
discussões relevantes a respeito da constituição do es-
paço e seus conflitos: territoriais, ambientais, filosóficos,
religiosos, políticos, étnicos, sociais e de gênero. Nessa
perspectiva, é possível pensar o espaço geográfico como
político, estratégico e produto social historicamente cons-
truído e, portanto, repleto de contradições, como pode ser
observado no romance Sargento Getúlio, de João Ubaldo
Ribeiro, na novela O recado do morro, de João Guimarães
Rosa, nos contos Oásis, de Caio Fernando Abreu, Maria,
de Conceição Evaristo, e Viagem à Petrópolis, de Clarice
Lispector. (Página 35, segundo parágrafo)

Análise de dados

A análise de dados deve estar intimamente rela-


cionada a contextos. Nesse sentido, os conceitos de iden-
tidade e diversidade cultural e interpretações são rele-
vantes na análise de dados, como pode ser observado no
conto Maria, de Conceição Evaristo, na carta A Doutora
Nise Siqueira, de Carlos Drummond de Andrade, no au-
diovisual Das raízes às pontas, de Flora Egecia, bem como
nas obras musicais Mulamba, de Mulamba, Elevação

Tudo Sobre o PAS UnB 267


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Necropolítica - Achille Mbembe

Autor
Joseph-Achille Mbembe é um professor uni- plicando os motivos pelos quais considera que eles não
versitário, filósofo, historiador e teórico político cama- bastam mais para falar das formas de dominação que se
ronês. Achille é uma figura intelectual contemporânea exercem atualmente.
extremamente importante por se apresentar fora dos
padrões de produção acadêmica europeus. A versão utilizada para a análise foi publicada na
revista Arte & Ensaio, uma revista de pós-graduação da
Mbembe tem como temas principais de suas UFRJ. A edição é a número 32, foi lançada em dezembro
produções o colonialismo e a política, trazendo para de 2016 e traduzida por Renata Santini.
discussão de poder e violência estatais a questão racial.
Uma das suas principais contribuições é o conceito de Para iniciar seus escritos, Achille Mbembe apre-
Necropolítica, nome da obra que aqui será analisada. senta o conceito de Biopoder, conceito de Michel Fou-
Apesar de dialogar e se utilizar de alguns aparatos teóri- cault que significa o domínio sobre a existência de um
cos de Michel Foucault, Mbembe traz uma nova configu- indivíduo e/ou grupos. O Biopoder é uma forma de dis-
ração para o conceito de soberania e dominação. ciplinar corpos, e Foucault se utiliza muito desse termo
para falar sobre sistemas de restrição de liberdade como
Ensaio Acadêmico cadeia, escolas e manicômios.

A obra em questão se trata de um ensaio aca- O que Mbembe quer com esse conceito é ir
dêmico e conta com o diálogo entre teoria e prática. além de sua definição inicial e pensar seus limites (e não
Mbembe traz conceitos de Foucault e Bataille para sus- limites) levando em conta noções de soberania. Para
tentar seus argumentos na obra Necropolítica, além de isso é preciso pensar em termos de sistema político. Um
contextualizar os conceitos trazidos com realidades vi- sistema político plenamente eficaz, para o autor, seria
venciadas por ele mesmo e também por outros sujeitos. aquele capaz de articular sujeito e comunidade, trazen-
do autonomia para os indivíduos inseridos em seu go-
Por trabalhar com conceitos como colonialismo, verno.
o autor se coloca como um intelectual pós-colonial. Essa
vertente procura demonstrar como o processo de colo- Mas seu ensaio não tem a preocupação de focar
nização, além da violência explícita, atua com uma vio- nesse sistema político idealizado, mas sim naqueles sis-
lência simbólica de dominação, pois julga outras formas temas políticos em que a soberania acaba por dominar a
de existir e saber como menos importantes, priorizando existência de certos sujeitos e grupos sociais. Aqui, a so-
o saber ocidental. berania exercida acaba definindo quem tem o direito de
viver e quais indivíduos devem morrer sob seu domínio,
Contexto e essa é a chamada necropolítica.

Joseph-Achille Mbembe é um escritor contem- Mbembe adota a visão de Bataille sobre sobera-
porâneo e trata neste ensaio sobre algumas discussões nia. Aqui não cabe falar de política enquanto um exercí-
atuais da geopolítica, como o conflito entre Israel e Pa- cio de soberania que apenas evolui com o passar do tem-
lestina, ou seja, Mbembe está tratando, por vezes, sobre po, alcançando um nível de racionalidade cada vez mais
coisas que ainda estamos vivenciando. Também é o caso elevado em relação ao patamar anterior. Para Mbembe
quando Mbembe usa o conceito de Necropolítica para e Bataille, a política atua de forma espiral, transgride
falar sobre políticas estatais de morte utilizadas até hoje quando conveniente, e constrói desconstruindo a ideia
contra a população negra. de limite pré-estabelecida.

Apesar do fim da escravidão, ainda na atualida- Ao se falar de Estados modernos e soberania,


de os reflexos dessa política de exclusão se perpetuam e mais uma vez o autor traz a definição de Biopoder de
se reinventaram com o objetivo de continuar a segregar Foucault. O direito de matar faz parte dos mecanismos
certos grupos populacionais, nesse caso, a população de Biopoder dessas formas de governo. A modernidade
negra. está ligada à ideia de terror e, portanto, a ideia de morte
também. A própria população legitima esse terror pro-
Obra pagado pelo Biopoder do Estado mediante a violência.
Um exemplo seria o desejo pela pena de morte, a mate-
A obra aqui analisada é um ensaio acadêmico rialização da violência em forma de vingança.
que procura entender a soberania e a dominação por
meio de um novo conceito: o de Necropoder. Apesar de Porém, Mbembe conceitua algumas outras defi-
trazer conceitos complexos de Foucault, Mbembe faz nições além da morte física. A morte é a supressão total
um excelente trabalho elucidando esses conceitos e ex- do ser, seu fim por completo, o ponto sem volta. Ao se

Tudo Sobre o PAS UnB 268


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

falar de escravidão, por exemplo, se fala de uma morte vincular conhecimentos e sabedoria a esses projetos, ou
generalizada. O indivíduo escravizado perde sua casa, seja, entender como a espécie de seres capazes de agir e
seus direitos civis e políticos. O escravo passa por uma interagir pode criar formas de vida, questão presente nos
morte social, pois deixa de ser visto enquanto um ser hu- textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren-
mano, passa a ser uma propriedade. dt, e Necropolítica, de Achille Mbembe, assim como nas
canções O real resiste, de Arnaldo Antunes, Malditos Cro-
Essa realidade vivenciada pelo sujeito que foi mossomos, de Pitty, e Grândola Vila Morena, na versão da
escravizado é a expressão máxima da soberania para banda 365. (Página 4, primeiro parágrafo)
Mbembe, a capacidade de decidir quais vidas são dignas
de serem vividas e quais não são. Identificar sujeitos en- Indivíduo, cultura, estado e participação política
quanto menos sujeitos e, portanto, “matáveis”, é o pró-
prio conceito de Necropolítica apresentado pelo autor. Nesta etapa, exige-se uma conscientização sobre
a organização e a participação política do ser humano.
A facilidade desse trabalho de soberania - de de- Nesse sentido, os textos Sobre a violência (partes 2 e 3),
finir quem deve viver e quem deve morrer - se dá, prin- de Hannah Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe,
cipalmente, no Estado de Exceção. O Estado de Exceção são obras fundamentais para pensar tanto o presente
é capaz de reduzir indivíduos apenas ao seu corpo bio- como o futuro da humanidade a partir dessa conscienti-
lógico, o que desconstrói a subjetividade dessas pessoas zação. Questões sobre a participação política, estruturas
enquanto iguais. Esse tipo de construção facilita o que de violência e responsabilidade social podem ser eviden-
Mbembe chama de ‘’trabalho de morte’’, pois se matan- ciadas pelos documentários À Margem do Corpo, de Dé-
do o sujeito político, civil e humano, se facilita o direito bora Diniz, e Carta para além dos muros, de André Canto.
de matar o sujeito biológico. Produções que reafirmam o papel do campo acadêmico e
científico no debate público nacional podem ser vistas nas
O Necropoder e a Necropolítica não são irracio- cartas À Doutora Nise Siqueira, de Carlos Drummond de
nais, mas muito pelo contrário, são um trabalho minu- Andrade, nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler, e
cioso de desconstrução da humanidade daqueles que em Por que a Guerra? Indagações entre Einstein e Freud,
se deseja matar. É construir relações suprimindo a sub- que reiteram o papel dos intelectuais em promover refle-
jetividade de alguns grupos e indivíduos para que sua xões sobre questões sociais, como o autoritarismo e a vio-
morte social e/ou física seja tratada de forma natural e lência. (Página 8, primeiro parágrafo)
não ofenda os grupos que não se encontram enquadra-
Por meio do jornalismo investigativo é possível
dos nesse espectro de “menos sujeitos”. Por vezes esses
provocar uma sensibilização acerca da diversidade étni-
grupos que não são enquadrados no grupo de “menos
co-cultural e participação política, a exemplo do vídeo A
sujeitos” até apoiam o extermínio daqueles que o so- questão indígena no Brasil em quatro minutos, Agência
berano quer matar, pois enxergam esses grupos de mi- Pública, produção que apresenta os grandes desafios vi-
norias como inimigos, como é o caso dos alemães que venciados pelos povos indígenas no país, incluindo ques-
apoiaram o extermínio dos judeus e dos outros grupos tões ambientais e antropológicas acerca dos direitos
que foram dizimados pelos nazistas. originários e direito à diferença. Essa questão também é
profundamente vinculada com a obra Necropolítica, de
Um exemplo de necropolítica de fácil com-
Achille Mbembe, uma vez que o filósofo camaronês ana-
preensão para nós brasileiros é o que acontece no nosso
lisa as políticas de segregação e controle dos corpos que
país em relação a população negra. No Atlas da Violência
fundamentam a decisão da vida e morte dos indivíduos.
de 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômi- (Página 10, primeiro parágrafo)
ca Aplicada (IPEA) é apresentado que, no ano de 2017,
75,5% das vítimas de homicídios foram pessoas negras. Estruturas
Empiricamente é fácil de observar também os casos de
violência policial que são registrados cotidianamente No campo social, as estruturas de organização
contra indivíduos negros, o que corrobora com a teoria excludentes oprimem, matam, segregam, o que pode ser
de Mbembe de que essas mortes são de autoria do Esta- percebido nas obras Entenda o que é Racismo Estrutural –
do. Canal do Preto e nos poemas A noite dissolve os homens,


de Carlos Drummond de Andrade, Quebranto, de Cuti, Es-
ses chopes dourados, de Jorge Wanderley, e Poema aos
homens de nosso tempo, de Hilda Hilst. Na organização
das sociedades, as estruturas de poder e dos governos de-
Citações da Obra na Matriz de Referências vem ser pensadas e problematizadas, como evidenciam
os textos Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Aren-
O ser humano como um ser que interage dt, e Necropolítica, de Achile Mbembe. (Página 16, segun-
do parágrafo)
Nesta etapa, em decorrência das anteriores, a ta-
refa é projetar a existência de modo conjunto, coletivo, e

Tudo Sobre o PAS UnB 269


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Energia e campos o mundo, de Detonautas. Para resolver situações-pro-


blema, muitas vezes são necessários conhecimentos de
O capitalismo, suas bases de formação e influên- várias áreas, unindo ciência, valores éticos e criatividade
cias nos conflitos mundiais são palco de desenvolvimen- para descobrir novas perspectivas, até mesmo para ve-
tos científicos importantes e avanços no conhecimento do lhos e polêmicos problemas, como podemos observar nas
microcosmos, em especial dos conceitos fundamentais da obras A questão indígena no Brasil em quatro minutos,
Física Quântica e do Eletromagnetismo. Tais conceitos ge- Agência Pública: agência de reportagem e jornalismo in-
raram condições para o uso de um poder bélico, criando, vestigativo, Sobre a violência (capítulo 2 e 3), de Hannah
assim, ferramentas de destruição em massa utilizadas nas Arendt, e Necropolítica, de Achille Mbembe. (Página 33,
decisões de quem vive ou morre pelos Estados, a exem- terceiro parágrafo)
plo dos exercícios de Necropolítica, que podem ser vistos
no ensaio Necropolítica, de Acheille Mbembe. (Página 22, Espaços
primeiro parágrafo)
Nesta etapa, o espaço é colocado em questão
Ambiente e evolução diante dos processos de mundialização, a fim de pensar
os diversos impactos sobre os territórios, como o brasilei-
No que se refere à Ambiente e Evolução, cabe ro, e a implicação das estratégias geopolíticas, como as
ainda a análise da relação entre a desigualdade socioe- guerras e suas diversas fases e tipos, nesse sentido a obra
conômica dos países e as condições de saúde de suas po- Necropolítica, de Achille Mbembe, elabora reflexões sobre
pulações. Males crônicos afetam países da África, Ásia e a territorialização do espaço como estratégia política de
América Latina. Alastram-se doenças infecciosas, típicas dominação e hegemonia, segregação, identidade, violên-
da miséria e de condições sociais, políticas e econômicas cia e morte. (Página 35, primeiro parágrafo)
estruturadas em complexas relações internacionais tais
questões estão presentes na obra Necropolítica, de Achile Análise de dados
Mbembe, também podem ser debatidas na pintura Autor-
retrato na fronteira do México e dos EUA, de Frida Kahlo. No século XIX, o positivismo postulava que os da-
(Página 25, segundo parágrafo) dos seriam apenas os fatos observáveis, certos, positivos.
Dessa forma, os dados sensíveis, empíricos, com existên-
Cenários contemporâneos cia independente do sujeito, do observador, do pesquisa-
dor, constituíam a fonte única de conhecimento e critério
Nesta etapa, levantam-se questões acerca da de verdade. Entretanto, o pensamento científico no século
construção da cidadania e da democracia nos séculos XX XX lança incertezas acerca da realidade problematizada
e XXI, problematizando aspectos da globalização e suas na obra Necropolítica, de Achille Mbembe. (Página 42,
implicações na constituição de cenários contemporâ- primeiro parágrafo)
neos. Um dos elementos problematizados é a violência,
debatida por Hannah Arendt no texto Sobre a violência Questões, Justificativas e Dicas
(capítulo 2 e 3, 1970) e por Achille Mbembe em Necro-
política (2018), em que o autor apresenta o processo de Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
colonização e descolonização a partir de uma perspectiva
da epistemologia africana e decolonial, a fim de pensar Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
as relações com o Estado, guerra e Direitos Humanos em
zonas de conflito como a Palestina ou o Regime do Apar- Anotações e Rascunhos
theid na África. Esse debate, em parte, se mostra presen-
te em discursos de personalidades marcantes do século
XX, como na carta Por que a Guerra? Indagações entre
Einstein e Freud (1932), que retrata as causas do conflito,
e nas Cartas que Gandhi escreveu para Hitler (1939). No
texto A noite dissolve os homens, de Carlos Drummond
de Andrade, é possível perceber uma crítica contundente
às ditaduras fascistas e populistas da primeira metade do
século XX, temática também relacionada à obra Quarteto
para o fim dos tempos nos movimentos I, VI e VIII (1941),
de Oliver Messiaen. (Página 26, segundo parágrafo)

Número, grandeza e forma

Por fim, vale ressaltar a relevância, para o exercí-


cio da cidadania, da competência de analisar problemas
cotidianos e resolvê-los, gerando cultura e transformando
a realidade e a história, como no poema Tecendo a ma-
nhã, de João Cabral de Melo Neto, e no videoclipe Ilumina

Tudo Sobre o PAS UnB 270


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Criadores de um Mundo Recarregável -
Ricardo Zorzetto

Autoria e Contextualização
A obra é uma reportagem que resume um pouco Whittingham, da Universidade Estadual de Nova York
da história de como os ganhadores do prêmio Nobel de em Binghamton, Estados Unidos, o matemático e físico
Química, concedido em 2019, contribuíram para que o norte-americano John Bannister Goodenough, da Uni-
mundo hoje possa usufruir de baterias não só capazes de versidade do Texas em Austin, e o químico japonês Aki-
armazenar energia, mas também de serem carregadas e ra Yoshino, da Universidade Meijo, dividirão em partes
recarregadas quantas vezes forem necessárias, seja em iguais 9 milhões de coroas suecas (R$ 3,7 milhões) por
celulares, eletrônicos e até mesmo equipamentos de conduzir, nos anos 1970 e 1980, estudos que levaram à
grande porte como carros. criação e à produção comercial das baterias de íons lítio.
Hoje essas baterias são amplamente utilizadas: equipam
Desta forma, a reportagem é uma homenagem de aparelhos eletrônicos portáteis, como celulares e lap-
a 3 pesquisadores que mesmo separados e em tempos tops, a carros elétricos.
diferentes conseguiram fazer um trabalho em conjun-
to, que culminou numa revolução do funcionamento “Essas baterias causaram uma mudança dramá-
da sociedade. Os cientistas são o químico britânico M. tica em nossa sociedade”, afirmou o químico Olof Rams-
Stanley Whittingham, da Universidade Estadual de Nova tröm, membro do comitê do Nobel, durante o anúncio
York em Binghamton, Estados Unidos; o matemático e da premiação. “É muito claro que foram as descobertas
físico norte-americano John Bannister Goodenough, da feitas pelos três laureados que tornaram isso possível. ”
Universidade do Texas em Austin, e o químico japonês
Akira Yoshino, da Universidade Meijo. Os 3 dividiram um A premiação de hoje já era esperada havia al-
prêmio de 3,7 milhões de reais. gum tempo. “Goodenough já havia sido indicado outras
vezes e imaginava-se que uma hora receberia o Nobel”,
O trabalho de cada um dos três foi, ainda que conta o químico Roberto Torresi, da Universidade de São
independente, uma versão melhor que a versão anterior Paulo (USP). “As baterias recarregáveis de íons lítio cau-
dos trabalhos individuais. Tudo começou com o químico saram um grande impacto na vida das pessoas e abriram
britânico M. Stanley Whittingham, que, influenciado pe- um campo de pesquisas para diversificar as tecnologias
las crises petrolíferas dos anos 1970, começou a traba- de armazenamento de energia”, explica. Além das bate-
lhar em formas do mundo se tornar independente do pe- rias de íons lítio, hoje estão em desenvolvimento bate-
tróleo, isto é, ter outros modos de produção de energia, rias que usam elementos químicos mais abundantes e
mas logo suas pesquisas tiveram fim, pois as crises pe- de mais fácil obtenção na natureza, como o sódio e o
trolíferas foram superadas. Tempos depois, o matemáti- magnésio. “Foi um reconhecimento mais do que mereci-
co e físico norte-americano John Bannister Goodenough, do”, diz o químico Nerilso Bocchi, da Universidade Fede-
interessado por fontes alternativas de energia, retomou ral de São Carlos (UFSCar). “Praticamente não há pessoa
o trabalho do seu antecessor junto com sua equipe. Ele no mundo que não use algum equipamento alimentado
conseguiu um grande feito, que foi produzir uma bateria por uma bateria de íons lítio”, relata.
de 4 volts. Após este feito, bem distante geograficamen-
te, o químico japonês Akira Yoshino conseguiu, finalmen- Whittingham, de 78 anos, começou a investi-
te, fazer com que a bateria tivesse não somente uma gar formas inovadoras de armazenar energia nos anos
diferença de potencial de 4 volts, mas também que ela 1970, quando trabalhava na Exxon (atual Exxon Mobil),
fosse recarregável e pudesse ser comercializada. Assim, uma gigante do setor petrolífero. Desde o final da Se-
começou a história dos componentes que poderiam ter gunda Guerra Mundial, a produção de veículos movidos
baterias recarregáveis. a gasolina e diesel crescia no mundo todo, em especial
no Ocidente. A percepção progressiva de que o petróleo
Por estes feitos, mesmo que independente uns era um recurso finito foi agravada nos anos 1970 pelas
dos outros, os três cientistas foram homenageados pelo duas crises de fornecimento desse combustível fóssil.
prêmio Nobel de Química em 2019. Depois da contribui- Em 1973, os países-membros da Organização dos Países
ção deles, o mundo não foi mais o mesmo. Exportadores de Petróleo (Opep) quadruplicaram o pre-
ço do barril, que chegou a US$ 12. Foi uma retaliação à
Obra na Íntegra desvalorização da moeda norte-americana, que afetava
a economia do Oriente Médio, e ao apoio ocidental à
Na manhã desta quarta-feira (9/10), a Acade- invasão da Síria e do Egito por Israel. Outra crise inter-
mia Real Sueca concedeu o prêmio Nobel de Quími- nacional sobreveio em 1979 na esteira da Revolução Ira-
ca de 2019 a três pesquisadores que desempenharam niana, que prejudicou a capacidade de produção do país
um papel fundamental no desenvolvimento de baterias persa, agravada pela guerra entre Irã e Iraque. Em busca
elétricas recarregáveis. O químico britânico M. Stanley

Tudo Sobre o PAS UnB 271


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

de formas de sobreviver, a indústria petrolífera passou a início dos anos 1980 ajudaram a mudar os rumos e leva-
investir em fontes alternativas de energia e a automobi- ram a Exxon a abandonar a tecnologia, licenciada para
lística, a planejar o desenvolvimento de carros elétricos, outras empresas.
que necessitam de baterias capazes de armazenar gran-
de quantidade de energia. Por volta dessa época, John Goodenough, hoje
com 97 anos e o mais velho ganhador de um Nobel, es-
O químico britânico completou a graduação e tava no Laboratório Lincoln da Força Aérea dos Estados
a pós-graduação na Universidade de Oxford, no Reino Unidos e se interessou por fontes alternativas de ener-
Unido, e partiu para um estágio de pós-doutoramento gia. Ele havia trabalhado no Instituto de Tecnologia de
na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, onde in- Massachusetts (MIT), onde colaborou no desenvolvi-
vestigava as características atômicas de materiais sólidos mento das memórias RAM de computadores, e conhe-
e suas propriedades elétricas. Em 1972, ele e outros ex- cia as baterias de Whittingham. Lá, porém, tinha pouca
poentes da pesquisa básica em energia foram contra- liberdade para escolher seus objetos de pesquisa. Com
tados pela Exxon Research and Engineering Company, sua transferência para o Departamento de Química Or-
o braço de pesquisas da empresa, para desenvolver al- gânica na Universidade de Oxford, Goodenough passou
ternativas ao petróleo. Whittingham e colaboradores a se dedicar às baterias recarregáveis.
aproveitaram-se do fato de o elemento químico lítio (Li)
apresentar grande tendência a liberar partículas de car- Ele tinha grande conhecimento sobre estrutura
ga elétrica negativa (elétrons), um fenômeno essencial de materiais e suspeitou que conseguiria fazer baterias
para gerar eletricidade. Criado nos primeiros minutos capazes de acumular ainda mais carga se substituísse o
após o Big Bang, a explosão que teria gerado o Universo dissulfeto de titânio por um óxido. Goodenough orien-
há 13,8 bilhões de anos, o lítio é o metal mais leve que tou sua equipe a estudar óxidos que também se depo-
existe e, em princípio, seria ideal para criar baterias para sitassem em lâminas, entre as quais íons lítio poderia
alimentarem veículos elétricos. penetrar. Teriam, no entanto, de ser materiais que não
colapsassem quando os íons fossem removidos. Usando
Desde que foram inventadas no século XIX, em óxido de cobalto e lítio (LiCoO2) no eletrodo positivo, ele
consequência do trabalho do físico italiano Alessandro e seus colaboradores produziram uma bateria capaz com
Volta, as baterias são formadas por três partes. Têm um 4 V, o dobro da voltagem anterior.
eletrodo (polo) negativo, um eletrodo positivo e um lí-
quido especial separando-os. Esse líquido, chamado “Foi um salto gigantesco no mundo das bate-
eletrólito, contém elementos químicos eletricamente rias”, explicou Ramström, que também é professor da
carregados (íons) que transitam de um polo para outro. Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos.
É assim nas baterias de chumbo ácido, desenvolvidas em Segundo Bocchi, da UFSCar, o aumento da diferença de
1859 e ainda hoje usadas em carros movidos a combus- potencial foi importante porque é essa propriedade que
tível, e nas baterias dos celulares. determina a capacidade de armazenamento de carga de
uma bateria.
Durante o trabalho na Exxon, Whittingham per-
cebeu que conseguia produzir uma bateria com grande Enquanto o interesse por carros elétricos dimi-
capacidade de acumular carga se construísse o eletrodo nuía no Ocidente, do outro lado do mundo crescia a ne-
positivo com dissulfeto de tântalo (TaS2), um material cessidade de desenvolver baterias recarregáveis muito
que se deposita em lâminas de espessura microscópica. leves. Elas eram necessárias para alimentar uma série
Essa estrutura permitia ao lítio dissolvido no eletrólito de equipamentos eletrônicos que começavam a surgir,
e eletricamente carregado – ou seja, na forma de íon – como câmeras de vídeo digitais, computadores e telefo-
penetrar no dissulfeto de tântalo e se acumular, atraindo nes sem fio. Coube ao químico Akira Yoshino, atualmen-
elétrons. Como o tântalo é um metal pesado, o grupo da te com 71 anos, dar o passo seguinte.
Exxon logo o substituiu pelo dissulfeto de titânio (TiS2),
mais leve. Usando como eletrodo negativo um bloco Trabalhando na companhia química Asahi Kasei
maciço de lítio, que libera elétrons, o químico britânico Corporation, no Japão, Yoshino decidiu, a partir da ba-
conseguiu produzir uma bateria capaz de gerar uma di- teria de Goodenough, criar uma que fosse funcional e
ferença de potencial de quase 2 volts (V), mais do que segura o suficiente para ser comercializada. Sua ideia foi
qualquer outra existente à época. Em 1976, ao demons- substituir o bloco metálico de lítio (potencial causador
trar que a bateria poderia ser recarregável, convenceu a de explosões e incêndios) do eletrodo negativo por um
direção da empresa a produzir baterias viáveis do ponto material que não apresentasse o problema.
de vista comercial.
Yoshino trabalhava com compostos poliméricos
Havia, no entanto, problemas. Com as recargas, que contêm o elemento químico carbono em sua estru-
o lítio sólido usado no eletrodo negativo começava a tura e começou a testar possibilidades. À época já se sa-
produzir ramificações que alcançavam o eletrodo posi- bia que o grafite, material composto por carbono e que
tivo, causando curtos-circuitos e explosão do eletrólito, se deposita em lâminas, podia abrigar cargas elétricas,
que era inflamável. Reduções no preço do petróleo no mas se rompia nas recargas. Yoshino resolveu o proble-

Tudo Sobre o PAS UnB 272


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

ma ao constatar que um subproduto do refino do petró- Geralmente são textos mais longos, opinativos
leo, o coque, também rico em carbono, poderia abrigar e assinados pelos repórteres, enquanto as notícias são
íons lítio. Substituindo o bloco de lítio por um material textos relativamente curtos e impessoais que possuem
polimérico à base de carbono, o pesquisador conseguiu o intuito de somente informar o leitor de um fato atual
baterias recarregáveis que geravam quase a mesma dife- ocorrido.
rença de potencial de 4 V. Em 1991, a empresa japone-
sa Sony começou a comercializar as primeiras baterias Em resumo, podemos dizer que a notícia faz
de íons lítio recarregáveis, levando a uma redução de parte do jornalismo informativo, enquanto as reporta-
tamanho dos componentes eletrônicos. “O trabalho de gens fazem parte do chamado jornalismo opinativo.
Yoshino tornou as baterias mais leves e seguras”, afirma
Bocchi. O repórter é a pessoa que está incumbida de
apresentar a reportagem, a qual aborda temas da socie-
As primeiras baterias desse tipo ainda geravam dade em geral.
corrente elétrica de baixa intensidade e serviam para fa-
zer funcionar apenas equipamentos eletrônicos de pe- Por esse motivo, a reportagem é um texto que
queno porte. “Nos últimos 20 anos, o desenvolvimento precisa de mais tempo para ser elaborado pelo repór-
de materiais estruturados em escala nanométrica per- ter, donde se desenvolve um debate sobre um tema de
modo mais abrangente que a notícia.


mitiu a redução do tamanho das partículas dos compo-
nentes dos eletrodos e o aumento da corrente gerada
pelas baterias, atualmente capazes de alimentar carros
elétricos”, conta Torresi, da USP. Baterias recarregáveis
e com maior capacidade de carga são importantes tam- Citações da Obra na Matriz de Referências
bém para armazenar a energia renovável de fontes inter-
mitentes, como a gerada pelo sol, pelos ventos ou pelas O ser humano como um ser que interage
marés. “As formas alternativas de produção de energia
que não são constantes têm de estar associadas a bate- Estabelecer um foco estético, ético e político pos-
rias”, diz Torresi. sibilita a reflexão a respeito dos valores, tanto individuais
quanto coletivos, que orientam as ações das pessoas e de
Reportagem grupos de interesses. Por exemplo, questões relacionadas
a decisões sobre o uso das ciências e suas implicações são
A Reportagem é um gênero textual não literário. problematizadas na entrevista Juliana Estradioto: Futuro
Ela é considerada um texto jornalístico veiculado pelos no presente, Revista Fapesp – jun/2019, Criadores de um
meios de comunicação: jornais, revistas, televisão, inter- mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, Revista Fapesp
net, rádio, dentre outros. – out/2019, assim como no discurso proferido por Darcy
Ribeiro em 1985: Universidade para quê?. Aspectos des-
A Reportagem é um tipo de texto que tem o in- sa complexidade podem também ser percebidos em cria-
tuito de informar ao mesmo tempo que prevê criar uma ções como as Ilustrações críticas (Sátiras – desigualdade
opinião nos leitores. Portanto, ela possui uma função so- social), de Pawel Kuczynski, assim como nas obras musi-
cial muito importante como formadora de opinião. cais Quarteto de cordas com helicópteros, de Karlheinz
Stockhausen e em Quarteto para o fim dos tempos (1º
A Reportagem pode ser um texto expositivo, in- Movimento – Liturgia de Cristal; 6º movimento – Dança
formativo, descritivo, narrativo ou opinativo. do Furor para as 7 trombetas; 8º movimento – Louvor à
imortalidade), de Oliver Messiaen. (Página 6, primeiro pa-
Desse modo, ela pode tanto se aproximar da no- rágrafo)
tícia quanto dos artigos opinativos, porém não deve ser
confundida com eles. Estruturas

Expositivo e Informativo porque ele expõe sobre As diferentes possibilidades de construção tex-
um determinado assunto com o intuito principal de in- tual refletem nas várias estruturas das linguagens, como
formar o leitor. pode ser percebido tanto em obras literárias como a no-
vela O recado do morro, de João Guimarães Rosa, quanto
Podem também ser textos descritivos e narra- nos textos científicos Algoritmos Parciais, Criadores de
tivos, uma vez que descrevem ações e incluem tempo, um mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto e Juliana
espaço e personagens. Estradioto: Futuro no presente e Prevenção de HIV-Aids
na concepção de jovens soropositivos, por exemplo. Outro
E por fim, é um texto opinativo, ou seja, o re- modo textual, como o da Constituição Federal – Título II,
pórter apresenta juízos de valor sobre o que está sendo capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título
discorrido. IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, exemplifica a
estruturação do ordenamento jurídico. (Página 18, segun-
do parágrafo)

Tudo Sobre o PAS UnB 273


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Energia e campos algumas propriedades de polinômios de coeficientes reais


de grau arbitrário, destacando-se os conceitos de divisibi-
O artigo Criadores de um mundo recarregável, lidade, raízes, relações entre coeficientes e raízes e resolu-
de Ricardo Zorzetto, traz a preocupação constante do ção de equações polinomiais, além de noções básicas de
mundo contemporâneo: a autonomia energética. Isso números complexos. Os modelos polinomiais e a análise
demanda conhecimento científico de toda a comunidade, gráfica das funções, incluindo simetrias e translações no
exigindo uma necessária alfabetização científica de quali- plano cartesiano, aplicam-se, ainda, aos estudos de cam-
dade a fim de propiciar criticidade e incitar intervenções pos elétricos, magnéticos e gravitacionais, como pode ser
em busca de uma sociedade sustentável, abordando a observado, por exemplo, em Criadores de um mundo re-
utilização das baterias de íons de lítio em aparelhos ele- carregável, de Ricardo Zorzetto, e na reportagem Vamos
trônicos portáteis e carros elétricos. Nas células fotoelé- ao museu? - Museu de Imagens do Inconsciente. (Página
tricas (fotocélulas), a energia luminosa se transforma em 32, segundo parágrafo)
corrente elétrica. Diversos objetos e sistemas utilizam o
efeito fotoelétrico, por exemplo: as televisões de LCD e Materiais
plasma, os painéis solares, as reconstituições de sons nas
películas de um cinematógrafo, as iluminações urbanas, Nesta etapa, as transformações de oxirredução
os sistemas de alarmes, as portas automáticas e os apare- são importantes para proporcionar uma melhor com-
lhos de controle (contagem) dos metrôs. O artigo Criado- preensão de fenômenos fundamentais do cotidiano, além
res de um mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, traz a da otimização de suas implicações ambientais e tecno-
preocupação constante do mundo contemporâneo: a au- lógicas evidenciado no artigo Criadores de um mundo
tonomia energética. Isso demanda conhecimento científi- recarregável, de Ricardo Zorzetto. A transformação de
co de toda a comunidade, exigindo uma necessária alfa- materiais já era uma realidade presente nas sociedades
betização científica de qualidade a fim de Obs.: a presente indígenas, tendo em vista que, geralmente, a relação
matriz está passando por revisões linguísticas, podendo desses povos com o ambiente e a natureza é baseada em
ter alterações em seu teor. 21 analisa os propiciar critici- perspectivas sustentáveis, temática presente na obra A
dade e incitar intervenções em busca de uma sociedade questão indígena no Brasil em quatro minutos - Agência
sustentável, abordando a utilização das baterias de íons Pública: agência de reportagem e jornalismo investigati-
de lítio em aparelhos eletrônicos portáteis e carros elétri- vo. (Página 39, quarto parágrafo)
cos. Nas células fotoelétricas (fotocélulas), a energia lumi-
nosa se transforma em corrente elétrica. Diversos objetos Análise de dados
e sistemas utilizam o efeito fotoelétrico, por exemplo: as
A análise de dados está diretamente ligada ao
televisões de LCD e plasma, os painéis solares, as recons-
conhecimento dos processos de elaboração de raciocí-
tituições de sons nas películas de um cinematógrafo, as
nios ou estratégias de resolução de situações-problema,
iluminações urbanas, os sistemas de alarmes, as portas
associadas à intervenção na realidade. Criadores de um
automáticas e os aparelhos de controle (contagem) dos
mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, da Revista
metrôs. (Página 20, quarto parágrafo)
Fapesp, exemplifica a realização de atividades científicas
Ambiente e evolução que resultaram na intervenção da realidade a partir da
observação de necessidades reais, assim como o ensaio
Questões como sociedade livre de combustíveis Sobre a violência (partes 2 e 3), de Hannah Arendt, com a
fósseis, desigualdade, ativismo ecológico, impacto am- ressignificação de dados analisados ao longo da tradição
biental e conservação podem ser relacionadas ao texto do pensamento político ocidental. (Página 41, segundo
Criadores de um mundo recarregável, de Ricardo Zorzet- parágrafo)
to, da Revista Fapesp. (Página 24, segundo parágrafo)
Questões, Justificativas e Dicas
Número, grandeza e forma
Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
Para se compreender essas transformações, são
de fundamental importância algumas propriedades de Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.
polinômios de coeficientes reais de grau arbitrário, des-
tacando-se os conceitos de divisibilidade, raízes, relações Anotações e Rascunhos
entre coeficientes e raízes e resolução de equações poli-
nomiais, além de noções básicas de números complexos.
Os modelos polinomiais e a análise gráfica das funções,
incluindo simetrias e translações no plano cartesiano,
aplicam-se, ainda, aos estudos de campos elétricos, mag-
néticos e gravitacionais, como pode ser observado, por
exemplo, em Criadores de um mundo recarregável, de
Ricardo Zorzetto, e na reportagem Vamos ao museu? -
Museu de Imagens do Inconsciente. Para se compreender
essas transformações, são de fundamental importância

Tudo Sobre o PAS UnB 274


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Juliana Estradioto: Futuro no Presente

Autoria e Contextualização
A obra é uma entrevista com a estudante Juliana Educação do Rio Grande do Sul (IFRS), ela conversou com
Estradioto, uma jovem cientista do interior do Rio Gran- Pesquisa FAPESP por Skype de sua casa nessa cidade do
de do Sul, que ganhou alguns prêmios durante sua curta interior gaúcho.
carreira por meio do engajamento com o uso sustentável
de recursos. Você terá seu nome em um asteroide e irá à cerimônia
do Nobel. Dá para não se sentir estrela nessa situação?
Entre os vários projetos com os quais a estudan-
te é engajada, o de mais destaque é o uso da casca de Tudo parece muito mentira ainda, na verdade.
noz macadâmia para produzir uma membrana biodegra-
dável, capaz de substituir o plástico, dentre outras coi- Asteroides às vezes se chocam e são destruídos. Isso a
sas. Como reconhecimento por esse projeto ela ganhou preocupa?
alguns prêmios, dentre os quais participar da cerimônia
Eu tinha medo de que meu asteroide pudesse cair na
de premiação do Prêmio Nobel e dar nome a um aste-
Terra e matar alguém. Mas eles ficam localizados em
roide.
uma região da galáxia sem conflito. Os especialistas di-
Além do engajamento como cientista, Juliana é zem que não tem perigo de acontecer nada com esses
ativista pela causa de mais mulheres na ciência, pois per- asteroides nos próximos 100 mil anos.
cebeu muito preconceito durante os eventos e projetos
Como funciona o processo de dar nome ao asteroide? É
que participou.
você quem escolhe o nome?

Obra na Íntegra Não. Isso acontece como uma parceria entre a Intel Isef e
um programa do Laboratório Lincoln do MIT [Instituto de
Além do engajamento como cientista, Juliana é
Tecnologia do Masachusetts, nos Estados Unidos] para
ativista pela causa de mais mulheres na ciência, pois per-
que jovens tenham seu nome em asteroides. O processo
cebeu muito preconceito durante os eventos e projetos
é bem longo e o asteroide que vai ser batizado prova-
que participou.
velmente já foi descoberto. Catalogaram mais de 5 mil
Aos 18 anos e engajada no uso mais sustentável asteroides da região que fica em uma galáxia próxima à
de recursos, Juliana Davoglio Estradioto coleciona um Terra. Os especialistas é que vão decidir como vai ser. Em
número respeitável de prêmios em feiras de ciências e geral, é o sobrenome incompleto depois de um número.
outros eventos do tipo para estudantes. Recentemente Estou curiosa para saber qual vai ser o número. Quero
conseguiu ir ainda mais longe ao usar casca de noz ma- fazer uma tatuagem.
cadâmia para produzir uma membrana biodegradável.
O projeto com a macadâmia já rendeu vários prêmios, e
Na 33ª Mostra Brasileira de Ciência e Tecnologia antes dele você também trabalhou com maracujá.
e Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostra-
Fiz três projetos de pesquisa durante o ensino médio,
tec), em outubro de 2018, o 1º lugar na categoria Geren-
desde os 15 anos. A Febrace proporcionou minha pri-
ciamento do Meio Ambiente lhe valeu a participação no
meira viagem de avião, quando fui apresentar meu tra-
Seminário Internacional de Jovens Cientistas de Estocol-
balho na USP [Universidade de São Paulo] em 2017. Vi
mo (SIYSS) no final deste ano, na mesma semana em que
que o mundo é muito maior do que eu imaginava. Moro
se dá a entrega do Prêmio Nobel – cerimônia para a qual
em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul que tem
foi convidada, com direito a banquete.
40 mil habitantes, muito pequena. Acabei descobrindo
Mais recentemente o mesmo projeto foi reco- várias coisas que nunca imaginei que pudessem aconte-
nhecido na 17ª edição da Feira Brasileira de Ciências e cer comigo. Usando a casca do maracujá para fazer um
Engenharia (Febrace), garantindo lugar na Feira Interna- plástico biodegradável, participei da Febrace e fui para a
cional de Ciências e Engenharia da Intel (Intel Isef) que Intel Isef em 2017, fiquei em quarto lugar. Esse trabalho
aconteceu em maio nos Estados Unidos, a maior da ca- também ganhou o prêmio Jovem Cientista. Depois apre-
tegoria com 1.800 estudantes de 80 países. Selecionada sentei outro trabalho nos Estados Unidos e agora estou
em primeiro lugar na categoria de ciência de materiais, desenvolvendo o da casca da noz macadâmia, que uso
ganhou o direito de dar seu nome a um asteroide. como alimento para microrganismos que produzem o
material. Apresentei esse trabalho na Mostratec, onde
Recém-formada no ensino médio pelo campus fui selecionada para o seminário SIYSS em Estocolmo,
de Osório do Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e do qual participam 25 estudantes, jovens cientistas, do

Tudo Sobre o PAS UnB 275


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

mundo todo. Sou a única brasileira este ano. Outros bra- cativo da minha orientadora. É muito importante incen-
sileiros já participaram, todos meninos. Quero divulgar tivar os jovens, eu nunca cogitaria ser cientista se não
que meninas também podem ir para lá. Vou apresentar fosse esse tipo de contato.
minha pesquisa para estudantes suecos que estão se en-
gajando em ciência, participar de debates com outros jo- E agora, o que você vai fazer?
vens e visitar universidades de lá. Isso acontece na mes-
ma semana da cerimônia do Prêmio Nobel, e poderemos Quero continuar fazendo pesquisa, não me imagino fa-
participar do banquete. Vou ter que fazer uma aula de zendo outra coisa. Descobri essa paixão. O lugar em que
etiqueta para aprender a usar tantos talheres no jantar. mais gosto de estar é no laboratório. Também estou tra-
balhando com divulgação e incentivo à ciência, sou fun-
Você também foi premiada na Febrace e na Intel Isef dadora de um projeto que é o Meninas Cientistas, para
com o projeto da macadâmia. O que explica esse su- mostrar o trabalho de outras garotas que fizeram pes-
cesso todo? quisa no ensino médio. Tenho ido a escolas e participado
de ONGs [Organizações Não Governamentais] para isso.
A ideia de usar a casca da noz macadâmia veio de uma Ter feito pesquisa e participado de feiras de ciências me
demanda de uma das maiores agroexportadoras do Bra- abriu o mundo e acho que precisamos plantar essa se-
sil ao Instituto Federal do Espírito Santo, e um professor mentinha em outros lugares.
de lá procurou a minha orientadora no IFRS, a engenhei-
ra de alimentos Flávia Twardowski. Eu queria usar essas Você sentiu limitações por ser menina?
cascas para fazer alguma coisa, porque são um resíduo e
vão para o lixo ou queima, acabam poluindo, mas não sa- Já passei por situações de pessoas serem bem precon-
bia como usar. Sou vegetariana e queria comprar algo se- ceituosas por eu ser menina e sempre fiquei muito in-
melhante a uma jaqueta de couro que não fosse de ori- comodada. Espero que daqui a alguns anos isso acabe.
gem animal. Eu tinha uma sintética, mas sem qualidade. Também me senti muito desacreditada por ser jovem e
Notei que a maior parte era assim, então queria algo que fazer pesquisa. Visitando as feiras de ciências e conhe-
não fosse sintético nem de origem animal. Acabei encon- cendo outras pessoas como eu, percebi que é preciso
trando uma jaqueta produzida por microrganismos e fi- incentivar os jovens a serem a próxima geração de cien-
quei muito curiosa. Como é que os microrganismos que tistas. O jovem não precisa ser só o futuro, dá para ser
nem enxergamos podem produzir material que serve o presente.
para fazer roupas? Comecei a pesquisar microrganismos
Até que ponto foi uma limitação ter feito escola públi-
que produzissem materiais e resolvi trabalhar com isso.
ca?
Eu odiava biologia no ensino médio, mas, quando vi essa
aplicação e quanto a biotecnologia e a microbiologia Foi uma limitação em vários sentidos, não só em questão
têm para contribuir ao mundo, me apaixonei por essa de conteúdo. Quando converso com pessoas que estu-
área e quero continuar nela. O que fiz foi usar a casca da dam em escolas particulares, sinto que têm muito mais
noz macadâmia como alimento para os microrganismos noção das oportunidades, sem falar na infraestrutura
e eles é que são responsáveis por produzir o material, para desenvolver projetos de pesquisa. Sou muito grata
uma celulose de origem microbiana, que é muito inte- por ter participado de feiras de ciências, porque quando
ressante. Um dos usos é como plástico. Eu produzi saqui- eu estava no ensino fundamental – estudei em uma es-
nhos que se degradam para recolher dejetos de animais, cola estadual aqui de Osório – não tinha ideia. Por morar
alternativa mais sustentável do que sacos de plástico. no interior, quando eu queria fazer experimentos preci-
Outra utilidade possível está na área biomédica. Existem sava viajar à capital. Fiz uma parceria com a Universidade
pesquisas com esse tipo de material para veias artificiais, Federal do Rio Grande do Sul para usar os laboratórios.
mas comecei a estudar a utilização como curativo, por- É preciso sair da zona de conforto para correr atrás das
que li em artigos científicos que ele adere à pele huma- oportunidades e parcerias.
na. Usar algo que ia para o lixo e produzir algo inovador
me deixou muito apaixonada pela celulose. Há alguém da área de ciência na sua família?
É uma reviravolta nos seus estudos, porque você fez Não, minha mãe é professora de português no ensino
curso de administração, não? fundamental de uma escola municipal. Minha família
tem várias pessoas envolvidas em educação. Eles sem-
Sim, fiz curso técnico de administração integrado ao en- pre me incentivaram a estudar e correr atrás dos meus
sino médio no IFRS. Venho de uma cidade pequena, nun- sonhos. Eu não achava que dava para ser cientista. Quan-
ca tinha visto um laboratório. Quando visitei um na USP do era criança, pensava que as pessoas que faziam ciên-
a convite de um examinador da Febrace, chorei vendo os cia estavam mortas. Einstein já tinha morrido, Newton
equipamentos. A infraestrutura era sensacional, parecia também, ninguém estava vivo. Depois descobri que não
um parque de diversões. Por ter feito curso técnico em é só velhinho que faz ciência. É importante quebrar esse
administração eu tinha que me adaptar às condições de estereótipo do cientista e valorizar a profissão.
que dispunha, foram vários desafios. Tive apoio signifi-

Tudo Sobre o PAS UnB 276


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Qual o curso que pretende fazer? Características da Entrevista

Passei em engenharia química, mas descobri que não -Textos informativos e/ou opinativos;
quero fazer, até porque gosto muito da área de educa-
ção. Quero fazer graduação em química no exterior, es- -Presença do entrevistador e do entrevistado;
tou procurando apoios como o de um programa que se
chama Education USA, para jovens de baixa renda que -Linguagem dialógica e oral;
querem estudar fora, e outros como Prep Estudar Fora
-Marca do discurso direto e da subjetividade;
e o Brasa Pré. Quero estudar nos Estados Unidos no ano
que vem e depois voltar para o Brasil. Nas feiras de ciên- -Mescla da linguagem formal e informal.


cias, mais do que os prêmios, percebi como é importante
ter contato com outras culturas. Conhecer pessoas em
situações muito diferentes, tanto do Brasil como de fora,
abre a cabeça.
Citações da Obra na Matriz de Referências
Como anda a campanha nas redes sociais para conse-
guir um vestido para o Nobel? O ser humano como um ser que interage

Recebi umas mil mensagens de lojas e ateliês, nem con- Estabelecer um foco estético, ético e político pos-
segui ver tudo. Não sei como atuar neste momento. Vou sibilita a reflexão a respeito dos valores, tanto individuais
escolher uma que seja mais próxima, para poder fazer as quanto coletivos, que orientam as ações das pessoas e de
provas. Esta semana pretendo decidir isso. grupos de interesses. Por exemplo, questões relacionadas
a decisões sobre o uso das ciências e suas implicações são
Entrevista problematizadas na entrevista Juliana Estradioto: Futuro
no presente, Revista Fapesp – jun/2019, Criadores de um
A Entrevista é um dos gêneros textuais com fun- mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto, Revista Fapesp
ção geralmente informativa veiculado, sobretudo, pelos – out/2019, assim como no discurso proferido por Darcy
meios de comunicação: jornais, revistas, internet, televi- Ribeiro em 1985: Universidade para quê?. Aspectos des-
são, rádio, dentre outros. sa complexidade podem também ser percebidos em cria-
ções como as Ilustrações críticas (Sátiras – desigualdade
Há diversos tipos de entrevistas dependendo da social), de Pawel Kuczynski, assim como nas obras musi-
intenção pretendida: a entrevista jornalística, entrevista cais Quarteto de cordas com helicópteros, de Karlheinz
de emprego, entrevista psicológica, a entrevista social, Stockhausen e em Quarteto para o fim dos tempos (1º
entre outras. Elas podem fazer parte de outros textos Movimento – Liturgia de Cristal; 6º movimento – Dança
jornalísticos como, por exemplo, a notícia e a reporta- do Furor para as 7 trombetas; 8º movimento – Louvor à
gem. imortalidade), de Oliver Messiaen. (Página 6, primeiro pa-
rágrafo)
Trata-se de um texto marcado pela oralidade
produzido pela interação entre duas pessoas, ou seja, Estruturas
o entrevistador, responsável por fazer perguntas, e o
entrevistado (ou entrevistados), quem responde às per- As diferentes possibilidades de construção tex-
guntas. tual refletem nas várias estruturas das linguagens, como
pode ser percebido tanto em obras literárias como a no-
A Entrevista possui uma função social muito vela O recado do morro, de João Guimarães Rosa, quan-
importante, sendo essencial para a difusão do conheci- to nos textos científicos Algoritmos Parciais, Criadores de
mento, a formação de opinião e posicionamento crítico um mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto e Juliana
da sociedade, uma vez que propõe um debate sobre de- Estradioto: Futuro no presente e Prevenção de HIV-Aids
terminado tema, em que o discurso direto é sua princi- na concepção de jovens soropositivos, por exemplo. Outro
pal característica. modo textual, como o da Constituição Federal – Título II,
capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título
Ou seja, as palavras proferidas pelo entrevistado IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, exemplifica a
e o entrevistador são transcritas de maneira fidedigna e, estruturação do ordenamento jurídico. (Página 18, segun-
portanto, pode haver muitas marcas de oralidade bem do parágrafo)
como observações (geralmente entre parênteses) que
descrevem as ações de ambos, por exemplo: (risos). Energia e campos

No entanto, é notório um tipo de formalismo O artigo Juliana Estradioto: futuro no presen-


nas entrevistas, exposto pela linguagem utilizada entre te enfatiza a importância de uma abordagem histórico-
ambos, com apresentação de um discurso coerente. -científica em sala de aula, que vá além de ferramentas
tecnológicas e teorias científicas ao inferir as necessida-
des sociais de cada época e as contribuições, rupturas e

Tudo Sobre o PAS UnB 277


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

permanências na área do desenvolvimento da história de


ciência. (Página 21, primeiro parágrafo)

Cenários contemporâneos

O cenário contemporâneo das primeiras décadas


do século XXI foi marcado pelo surgimento e desenvolvi-
mento de novas tecnologias relacionadas à comunicação
e à educação, com relevantes impactos sociais, políticos e
econômicos. Nesse contexto vê-se surgir um novo modo
de produção de conhecimento científico caracterizado
pela aplicabilidade, diversidade institucional, interdiscipli-
naridade e reflexividade social, como podemos perceber
na entrevista de Juliana Estradioto: futuro presente para
a Revista da Fapesp (2019). A produção de conhecimento
ocorre em diversos espaços com destaque para a univer-
sidade que pode ser representada pelo pensamento de-
senvolvido pelo intelectual Darcy Ribeiro, no seu discurso
Universidade para quê? (1986). (Página 30, terceiro pa-
rágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 278


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Prevenção de HIV - Aids na
Concepção de Jovens Soropositivos

Autoria e Contextualização
A obra é uma pesquisa científica que trata da Pesquisa nacional recente de vigilância do HIV
percepção de jovens soropositivos (portadores do HIV) em uma amostra de 4.176 homens que fazem sexo com
sobre como prevenir a infecção pelo HIV entre adoles- homens (HSH), realizada em doze municípios das cinco
centes. A pesquisa foi desenvolvida pelas pesquisadoras macrorregiões do Brasil, estimou prevalência de 18,4%
Stella Regina Taquette, da Universidade do Estado do Rio de HIV, significativamente maior do que a prevalência de
de Janeiro, e Luciana Maria Borges da Matta Souza, da 12,1% encontrada em 2009, em estudo semelhante. Em
Universidade Estácio de Sá. relação à faixa etária, o estudo mostrou maior aumento
da prevalência entre 15 e 19 anos, que triplicou. A Aids
Para fazer a pesquisa, foi feito um estudo qua- no Brasil mostra-se em descontrole e está na contramão
litativo por meio de entrevistas com jovens diagnostica- do cenário mundial.
dos com HIV há 5 anos. Os resultados foram que alguns
jovens percebem a prevenção do HIV apenas como uma As infecções sexualmente transmissíveis (IST) e
questão individual, ou seja, para eles basta usar preser- a Aids em adolescentes são problemas graves e ainda
vativo e se cuidar. Entre os jovens entrevistados, a maio- pouco visíveis no campo da saúde. A população brasi-
ria diz que o mais efetivo para a prevenção é promover leira na faixa etária de 10 a 19 anos é expressiva, cerca
ações educativas não apenas de modo pontual, mas de 17,9% do total; quando somada à população jovem,
permanente. Os jovens ainda dizem que as orientações de até 24 anos, corresponde a 26,7% do total de bra-
educacionais nas escolas devem ser dadas por pessoas sileiros. Esse contingente populacional representa, sem
que utilizam uma linguagem mais próxima da dos jovens dúvida, um dos grandes desafios da sociedade para que
e que, de preferência, sejam também portadores de HIV, um futuro melhor lhe seja garantido. Importante desta-
com a finalidade de mostrar na realidade como é a vida car que, apesar de a Aids ser a segunda causa de morte
dos soropositivos. Eles acreditam também que a intensi- entre adolescentes no mundo, seu impacto global é fre-
ficação das campanhas na mídia, distribuição de camisi- quentemente invisível.
nha em larga escala, produção de vacinas e medicamen-
tos que curem pode contribuir muito para a prevenção. Diante do aumento observado das taxas de in-
cidência de HIV, são necessárias novas estratégias de
A conclusão da pesquisa foi que a qualificação e prevenção. Este estudo teve por objetivo analisar a con-
ampliação das estratégias de comunicação sobre sexua- cepção/percepção de jovens soropositivos sobre como
lidade nas escolas é urgente e essencial na prevenção de prevenir a infecção pelo HIV entre adolescentes com vis-
HIV e Aids na adolescência, ao contrário da tendência tas a oferecer subsídios às políticas públicas.
que hoje se verifica de restrição da discussão sobre esses
temas nas políticas de educação. MÉTODO

Este estudo é um recorte de pesquisa maior so-


Obra na Íntegra bre Aids em adolescentes no município do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO desenvolvida em 20117,8. O público-alvo foi composto
por adolescentes/jovens em tratamento. Dada a natu-
De acordo com o Boletim Epidemiológico sobre reza do objeto em questão, o método escolhido foi qua-
HIV/Aids do Ministério da Saúde do Brasil, referente aos litativo e a entrevista, semiestruturada como técnica de
casos notificados até junho de 2017, o grupo populacio- coleta das informações. A entrevista nos permite conhe-
nal entre 15 e 19 anos continua apresentando taxas cres- cer por meio das narrativas dos interlocutores o sistema
centes de incidência de Aids. Na distribuição por sexo, de valores do grupo social investigado e é reveladora de
verifica-se uma redução da taxa de detecção entre as suas condições estruturais, socioeconômicas e culturais
mulheres nos últimos 10 anos em todas as faixas etárias, específicas.
exceto entre 15 e 19 anos. A razão de prevalência entre
os sexos, de 17 homens para cada 10 mulheres, é menor Para compor uma amostra de sujeitos variada,
nessa faixa etária quando comparada às demais idades, recrutamos os possíveis participantes da pesquisa em
evidenciando que a redução da tendência de feminiza- quatro grandes hospitais gerais do município do Rio de
ção da epidemia observada a partir de 2009 foi menor Janeiro: Hospital Universitário Pedro Ernesto, Hospital
em adolescentes. Na faixa etária de 20 a 29 anos, essa Universitário Gaffrée e Guinle, Hospital Universitário
razão é de 30 homens para cada 10 mulheres. No caso Clementino Fraga Filho e Hospital Federal dos Servidores
dos homens, a taxa de detecção triplicou entre 15 e 19 do Estado. Esses estabelecimentos prestam atendimen-
anos no mesmo período, de 2,4 para 6,9 casos por 100 to a pacientes advindos de diversos bairros e de variadas
mil habitantes.

Tudo Sobre o PAS UnB 279


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

classes sociais, predominantemente de nível socioeco- Realizamos 39 entrevistas, sendo 16 rapazes e


nômico inferior. 23 moças. A maioria deles (82%) pertencia às camadas
sociais de menor poder econômico com renda familiar
Os serviços foram contatados previamente pela menor ou igual a cinco salários mínimos. Quanto à esco-
equipe de pesquisadores, composta por médica, assis- laridade, verificamos atraso escolar maior que dois anos
tente social e enfermeira, que solicitaram permissão em mais da metade dos participantes. A raça/cor autor-
para a realização da pesquisa, bem como colaboração no referida em 66,6% deles foi negra (50% pretos e 50% par-
encaminhamento dos pacientes a serem entrevistados. dos). Em relação à via de exposição ao HIV, em ambos os
Após a anuência dos participantes e de seus responsá- sexos, a mais frequente foi a sexual. Para as mulheres, a
veis, quando menores de 18 anos, foi iniciada a coleta heterossexual, exceto em dois casos (uma sanguínea e
de dados. outra desconhecida); para os homens, 75% homossexual
e 25% heterossexual.
Foram incluídos na pesquisa somente pacientes
com diagnóstico de Aids realizado entre 10 e 19 anos e Nas análises já realizadas no estudo maior, evi-
com tempo de adoecimento de até 5 anos, para garan- denciou-se, em ambos os sexos, a descrença na possibili-
tir certa homogeneidade no grupo quanto à duração da dade de contaminação como situação de vulnerabilidade
doença. A equipe frequentou os hospitais no mínimo ao HIV. Os entrevistados não acreditavam que pudessem
duas vezes por semana durante 18 meses. Quando os se infectar, apesar da ausência do autocuidado e de se-
profissionais dos serviços atendiam jovens que preen- gurança nas relações sexuais. Para os rapazes infectados,
chiam os critérios de inclusão, eles eram encaminhados outras ocorrências destacadas foram a sujeição sexual,
às entrevistadoras. Não houve recusas dos pacientes en- a homofobia e a exploração sexual comercial. Mais de
caminhados. Encerramos a coleta de dados quando ava- 90% dos rapazes não tinham qualquer vínculo afetivo
liamos ter ocorrido saturação das informações colhidas. com quem os infectou. Além disso, 81,3% deles tiveram
mais de quatro parcerias sexuais e 37,5% se prostituíam.
As entrevistas realizadas obedeceram a roteiro Para as moças, ressaltam-se como contextos de vulnera-
previamente testado, contendo questões sobre dados bilidade a vivência de situações de violência, incluindo a
demográficos, familiares, histórico sexual e da infecção/ baixa idade da iniciação sexual (em 56,5% delas a sexar-
diagnóstico da doença e, ao final, uma pergunta aberta ca ocorreu entre 10 e 14 anos), e o contágio de HIV pelos
sobre como prevenir a infecção de HIV em adolescentes. seus próprios parceiros (69,6% delas tinham vínculo afe-
Todos os encontros foram gravados e transcritos na ínte- tivo com o contaminante).
gra. Desde o início e no decorrer do estudo, procedeu-se
à análise dos dados textuais oriundos das transcrições As narrativas dos entrevistados sobre a preven-
de acordo com princípios hermenêutico-dialéticos bali- ção de HIV-Aids foram classificadas em três categorias
zados por Minayo e com o apoio do software webQDA teóricas, que compõem o conceito de vulnerabilidade:
de análise qualitativa de dados. Após leitura e releitura ações individuais, ações sociais e ações programáticas.
dos textos, identificamos o conteúdo mais relevante por
meio da observação das semelhanças, divergências e Ações Individuais
contradições nas narrativas. Os dados foram codificados
pelo webQDA após identificação do que havia de comum Ao falar sobre prevenção, alguns demonstraram
nas narrativas. Utilizamos como base teórica de análise certo ceticismo ao afirmar que não há nada a ser feito
as categorias que compõem o conceito de vulnerabilida- para prevenir, pois depende do comportamento de cada
de, no qual a chance de a pessoa adoecer depende de um. Não há falta de conhecimento, e todo jovem sabe
um conjunto de aspectos individuais, sociais e progra- como evitar o contágio pelo HIV. Se não faz prevenção,
máticos. Buscamos identificar os sentidos atribuídos pe- é por falta de autocuidado. Culpam o próprio adolescen-
los sujeitos à questão levantada, para entender a lógica te pelo risco que corre de se infectar. Criticam os que
interna desse grupo, em diálogo comparativo com a lite- não pensam nas consequências de seus atos e também
ratura. Ao final, elaborou-se uma síntese interpretativa aqueles que, por consumirem bebidas alcoólicas e dro-
com vistas a responder o questionamento do estudo. gas, na hora do sexo não lembram de usar o preservati-
vo. Vejamos alguns exemplos:
A pesquisa cumpre os princípios éticos conti-
dos na Declaração de Helsinki, tendo sido aprovada pelo Nada adianta. Eles falam para usar camisinha, mas os ado-
lescentes transam sem camisinha. (E14 – sexo masculino)
Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal
de Saúde (Parecer 262A). Todos os entrevistados e seus Não se previne quem não quer. Burra é a pessoa que não usa
responsáveis, quando menores de 18 anos, assinaram o camisinha. (E7 – sexo feminino)
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Não houve
contato prévio entre os pesquisadores e os participantes Eu acho que a mente jovem tá muito virada. E eu acho que
do estudo. não adianta nada, entendeu? Porque a maioria, não todos,
não respeita o que os outros falam. Então pra eles tanto faz
RESULTADOS como tanto fez, ficar em cima ou não ficar. (E26 – sexo mas-
culino)

Tudo Sobre o PAS UnB 280


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Acho que às vezes as pessoas se contaminam não é por fal- cio da adolescência, antes da primeira experiência se-
ta de informação, não. Hoje, eu digo é por hoje, a informa- xual, oportunidade para discutirem sobre o que sentem.
ção está chegando por tudo quanto é canto. Tem jornal, tem Houve críticas ao que tem sido feito, sendo considerado
campanha, televisão, tem outdoor, tem um monte de coisa
insuficiente para atender às inquietações dos jovens so-
informando. (E16 – sexo masculino)
bre sexo.
Outra parte dos entrevistados sugeriu medidas O mais interessante seria colocar na cabeça das crianças já
preventivas relacionadas ao autocuidado, como o uso na escola. (E1 – sexo feminino)
de preservativo, ter consciência do que está fazendo e,
para aqueles que estão infectados, tomar cuidado para Eu acho que tem muito pouca informação, muito pouca in-
não contaminarem seus parceiros e parceiras. Ressalta- formação mesmo... Tem que ser muito abordado nas escolas,
ram que como o sexo é uma atividade muito prazerosa muitas vezes... Tem que ser extremamente repetido até que
se torne um hábito, uma consciência total. (E32 – sexo mas-
e, muitas vezes, inesperada, o jovem deveria se precaver
culino)
carregando sempre consigo o preservativo.
Tem que falar mais, ficar falando sempre. Ainda mais agora
Ações Sociais que os jovens, tipo, tenho perto de casa meninos e meninas
de 12 anos que bebem e fumam. Essas crianças nem sabem
Classificamos nesta categoria as narrativas refe- como pega uma doença, entendeu? (E39 – sexo feminino)
rentes ao relacionamento com a família, aos meios de
comunicação e às estratégias de educação em sexuali- É falando mais abertamente nas escolas. (E23 – sexo mas-
dade. culino)

A maioria dos jovens entrevistados enfatizou a Outros aspectos muito enfatizados pelos en-
necessidade de qualificação e ampliação de ações edu- trevistados se referem à forma e ao conteúdo do que é
cativas, como palestras e campanhas preventivas. Ou- informado aos jovens. As orientações deveriam ser ofer-
tros mostraram pensamentos conservadores, criticando tadas na linguagem dos adolescentes, de maneira a lhes
a erotização precoce da sociedade e a mídia televisiva, facilitar o entendimento e, de preferência, por pessoas
que expõe imagens que incentivariam as pessoas a pra- jovens e/ou que vivam a experiência da infecção. Quan-
ticarem sexo. Censuram também a distribuição de pre- to ao conteúdo, deveria ser claro e direto, comunicando
servativo. sem subterfúgios ou máscaras como é a vida de alguém
que tem Aids, principalmente as dificuldades que tem
... aquela maquininha de distribuir camisinha pros jovens? de enfrentar. O conteúdo deveria provocar reflexões nos
Aquilo ali é coisa ridícula, estão induzindo a juventude a fazer adolescentes e até sentimentos de medo da doença.
sexo antes do tempo. (E13 – sexo masculino) Esse medo seria positivo na opinião de alguns, pois faria
com que tivessem mais cuidado com a própria saúde.
A ausência de diálogo familiar sobre temas re-
lativos à sexualidade foi apontada como um entrave à Falar na linguagem do adolescente. Em vez de botar uma
prevenção. Nossos interlocutores referem que a falta de pessoa de 30 anos, bota uma pessoa de 18, uma pessoa de
diálogo e de entendimento sobre o tema na família os 15, 16. (E23 – sexo masculino)
levam a ter dificuldade de conversar sobre suas dúvidas,
medos e questionamentos. Diante disso, sugerem a in- Uma linguagem com muita gíria... Em dado momento ele
vai, opa, aquilo já me interessa, eu quero saber, entendeu? ...
clusão dos familiares nas propostas de prevenção. Os
Você diz assim, você pode ter relação com sua mina, vai dar
trabalhos educativos incluindo a participação dos pais aquele ibope, porque essa é a linguagem dele. Se não falar
propiciaria uma aproximação com os filhos e facilitaria essa linguagem, eles não vão entender... Não vai adiantar
o diálogo. nada, vai continuar do mesmo jeito. (E23 – sexo masculino)

Minha mãe e meu pai nunca conversaram nada comigo e a A imagem da Aids de hoje não é a mesma do iní-
vida sexual começa muito cedo. Não adianta, hoje em dia cio da epidemia, segundo os entrevistados. A juventude
não é mais como antigamente. (E17 – sexo feminino)
atual não conhece a doença como era vista, praticamen-
Ter um projeto de educação nas escolas que os familiares pu- te uma sentença de morte, por isso acham necessário
dessem ter acesso junto com os filhos. (E21 – sexo feminino) apresentar as pessoas que vivem com Aids para que fa-
lem sobre a doença e as dificuldades pelas quais passam.
Devia ter algum tipo de trabalho na escola que influenciasse
os pais a conversarem mais com os filhos sobre isso. (E1 – Eu tenho amigas mais novas que falam assim: “Ah, se eu pe-
sexo feminino) gar, eu vou me tratar”. Como se fosse tão fácil. É uma doença
que não tem cura ainda. Eu vivo, mas eu não queria ter esse
As ações de orientação em sexualidade e pre- tipo de controle na minha vida, não queria estar todo mês no
venção de HIV-Aids realizadas nas escolas deveriam ser hospital. (E17 – sexo feminino)
intensificadas, segundo os entrevistados. Além disso,
Tem que passar medo nos jovens, mostrando as lesões das
deveriam ser permanentes e não pontuais, focando nas DST. Um medo que faz bem. Esse medo é bom, é legal. Por-
dúvidas dos adolescentes e proporcionando logo no iní- que faz pensar antes de fazer. Tudo bem que pode ser uma

Tudo Sobre o PAS UnB 281


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

coisa meio traumática. Mas é uma coisa que futuramente a Eu acho que tem que ter uma mídia, uma explicação melhor
pessoa vai entender melhor. (E17 – sexo feminino) que ainda é um assunto muito pouco falado. (E20 – sexo fe-
minino)
Ações Programáticas
DISCUSSÃO
As ações sugeridas pelos entrevistados incluem
a disponibilização de insumos de prevenção, a inclusão As propostas de prevenção referidas pelos jo-
de profissionais de saúde nos estabelecimentos escola- vens entrevistados não são originais. Em décadas de epi-
res para atender os adolescentes e oferecer informações demia da Aids, observamos que mudanças de padrão de
preventivas, a produção de vacinas e de medicamentos comportamento não aconteceram de forma suficiente-
que curem a doença, e o investimento permanente em mente profunda para alterar o percurso da doença. Isso
campanhas, e não apenas ocasionalmente, como no Car- evidencia que os esforços empreendidos pelas políticas
naval. Nenhum entrevistado apontou a necessidade de públicas não foram capazes de dar conta de promover
oferta de serviços de saúde direcionados a adolescentes, transformações significativas no padrão cultural de res-
nem mesmo de atendimento médico para demandas se- posta à epidemia. Entretanto, as narrativas dos interlo-
xuais e reprodutivas. Tampouco o teste rápido para diag- cutores apontam para estratégias que contribuem para
nóstico de soropositividade foi apontado por qualquer a eficácia da comunicação. Para alguns, a prevenção
dos interlocutores. depende exclusivamente do indivíduo, sem perceber o
contexto como fator de vulnerabilidade. O fato de res-
Os entrevistados enfatizaram como estratégia saltarem que o jovem, na hora do prazer, não pensa nas
de governo a necessidade de distribuição de preservati- consequências do sexo sem proteção reforça que a ques-
vos em larga escala, de forma desburocratizada e sigilo- tão da excitação sexual não pode ser menosprezada ao
sa, sem identificação de quem está pegando. As moças se pensar em prevenção, tampouco outras barreiras psi-
sugeriram que as máquinas de distribuição dos preserva- cossociais que dificultam o uso do preservativo, como o
tivos estivessem localizadas nos banheiros das escolas, consumo de álcool e drogas.
pois assim não seriam vistas, nem difamadas por pega-
rem o preservativo. Não houve menção de uso do pre- A participação da família foi reiteradamente
servativo feminino por nenhum dos interlocutores. citada como importante nas atividades de prevenção.
Educar a família contribui para o alargamento do diálogo
Tem que ter o preservativo. (E25 – sexo feminino) entre pais e filhos adolescentes e para a ampliação do
conhecimento técnico sobre o tema. Apesar do interesse
...tem que distribuir mais camisinha. Mas, para ter camisi-
nha, o posto cobra cartão. (E3 – sexo masculino)
dos pais em conversar com os filhos, eles não se sentem
preparados e, muitas vezes, o fazem de forma superfi-
Eles tão botando numa área muito pública. Se a garota pega, cial. Expandir o conhecimento dos pais e uniformizar os
é puta. Se o garoto pega, é garanhão. (E17 – sexo feminino) conceitos e a linguagem é de grande relevância, pois, por
vezes, os adolescentes recebem informações na escola
A presença de um profissional de saúde nas es- que vão de encontro às condutas familiares, como a dis-
colas foi considerada importante, pois poderia ofertar tribuição de preservativos nas escolas.
mais conhecimento e tirar as dúvidas dos jovens. Afi-
nal, é na escola que os adolescentes mais aprendem. As A escola apresentou-se nas falas dos entrevista-
informações deveriam ser dadas de forma clara e sem dos como o principal cenário para as atividades de pre-
subterfúgios, inclusive nas campanhas, com maior di- venção de HIV-Aids. Entretanto, a forma como têm sido
vulgação na mídia. Enfatizaram a importância do investi- realizadas não é satisfatória e não alcança seus objetivos.
mento na produção de vacinas e de medicamentos mais A linguagem das atividades deve mudar, a frequência em
eficazes. que são ministradas bem como seu conteúdo precisam
ser ampliados. Ter conhecimento sobre a doença é fun-
Tem que ter um profissional de saúde na escola, que mostre damental, pois a percepção de sua gravidade é um dos
fotos de como a pessoa fica. (E22 – sexo masculino) mais importantes fatores associados à susceptibilidade
O governo só fala de camisinha no Carnaval. O ano inteiro o ao HIV-Aids.
pessoal se fode pegando doença, então tem que ter propa-
ganda o ano inteiro. Distribuir os recursos que eles gastam no No Brasil, as primeiras experiências com educa-
Carnaval no ano inteiro. (E27 – sexo masculino) ção sexual na escola foram realizadas na década de 1960
e tinham caráter higienista. A partir de 1970, com as de-
As palestras são poucas, o enfermeiro ou o médico deveriam mandas do movimento feminista, essa situação come-
dar palestras sobre isso, distribuir mais camisinha. (E3 – sexo çou a se modificar, mas somente com o fim da ditadura
masculino) e a abertura política nos anos de 1990 surgiram pro-
Fazerem vacina ou acharem alguma coisa pra matar. Até postas educacionais mais efetivas, mas ainda com viés
agora nada disso aconteceu. (E8 – sexo masculino) biologizante. Em 1995, o governo incluiu a sexualidade
nos Parâmetros Curriculares Nacionais como tema trans-
versal, articulado a outros, como ética, saúde, gênero,

Tudo Sobre o PAS UnB 282


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

ecologia e pluralidade cultural. Deveria ser trabalhado rantia de direitos, incluindo os espaços escolares. Paiva
de forma contínua, sistemática e integrada ao trabalho et al.33 indicam que nenhuma ação é bem-sucedida sem
educativo na escola. Dentro dessa perspectiva, foi criado considerar o contexto sociopolítico, incluindo o reconhe-
em 2006 o Programa Saúde e Prevenção na Escola (SPE), cimento da importância do trabalho com populações
uma parceria do Ministério da Educação com o Minis- vulneráveis e a necessidade de medidas especiais para
tério da Saúde com vistas a atingir o público específico cada situação, como no caso dos adolescentes.
de adolescentes escolares, sendo suas ações principais
voltadas à promoção da saúde sexual e reprodutiva de CONSIDERAÇÕES FINAIS
adolescentes e jovens. Essa política governamental, po-
rém, foi substituída em 2010 pelo Programa Saúde na Es- O estudo, apesar de restrito à percepção de jo-
cola (PSE), que encampou suas ações dentro de um con- vens que têm Aids, traz contribuições relevantes, que
texto maior, incluiu outras faixas etárias e não priorizou podem ser incluídas nos programas de prevenção de HIV
as questões relacionadas à sexualidade23. Todas essas na faixa etária adolescente: a distribuição de preservati-
mudanças ocorridas no decorrer dos anos em relação às vos de forma desburocratizada, confidencial e em larga
políticas desenvolvidas na área da educação dirigida a escala; e estratégias de educação em sexualidade nas
adolescentes promoveram uma ampliação da cobertura escolas mais eficazes e permanentes, incluindo a famí-
das escolas, segundo estudo de Neves e Romero; porém, lia, iniciando precocemente e ministradas em linguagem
as ações foram de baixa efetividade. que o jovem entenda, mostrando como é a vida de quem
tem Aids.
No momento atual, além da baixa efetividade
das políticas nesse campo, evidencia-se movimentos No momento atual, observa-se como política
contrários a ela, como a retirada dos termos gênero e pública preventiva uma ênfase maior no uso de medi-
orientação sexual do texto do Plano Nacional de Educa- camentos pré e pós-exposição ao HIV, que não parece
ção, aprovado em 2014, provocada pela bancada religio- ser suficiente se olharmos, por exemplo, a utilização de
sa do Congresso Nacional brasileiro. Outro movimento semelhante estratégia preventiva no combate à sífilis,
digno de nota é o Escola Sem Partido – Projeto de Lei nº sem resultados satisfatórios. Outras políticas preventi-
193/201625, que representa uma grave ameaça a uma vas e serviços de atenção à saúde sexual e reprodutiva
educação emancipadora e garantidora de direitos, cuja devem ser empregados, principalmente para os grupos
ideologia, ao contrário do que prega quando diz que visa de maior vulnerabilidade social, além de campanhas go-
à neutralidade, pretende impedir debates e práticas pe- vernamentais permanentes.
dagógicas relacionadas, entre outras, a questões sobre
Cumpre ressaltar os limites deste trabalho, cuja
gênero e sexualidade. No campo da prevenção, o Brasil
pesquisa que lhe deu origem enfocou apenas a visão de
está retrocedendo.
uma parcela muito específica do estrato populacional
Estudos internacionais também enfatizam a ne- de adolescentes, aqueles já infectados. Outra limitação
cessidade de estratégias educativas mais eficazes em do estudo é a sua abrangência territorial reduzida a um
decorrência da insuficiência de conhecimento sobre município de grande porte. No entanto, acreditamos que
transmissão de HIV. Na França, por exemplo, a educa- este estudo traz subsídios para o enfrentamento mais
ção sexual na escola é uma exigência legal e as taxas de eficaz da epidemia de HIV-Aids no estrato populacional
prevalência de HIV são aproximadamente três vezes me- investigado.
nores que as brasileiras. Outra normativa francesa é o
serviço de saúde escolar, que conta com profissional da Artigo científico
área de enfermagem permanente em todas os estabele-
cimentos de ensino de nível médio. Artigo científico é o trabalho acadêmico que
apresenta resultados sucintos de uma pesquisa realiza-
Nenhum dos entrevistados incluiu os serviços da de acordo com o método científico aceito por uma
de saúde como necessários para a prevenção de HIV- comunidade de pesquisadores. Por esse motivo, consi-
-Aids, e as dificuldades de acesso aos serviços é um dos dera-se científico o artigo que foi submetido a exame por
fatores que mantêm esses grupos sociais em condições outros cientistas, que verificam as informações, os méto-
mais vulneráveis. No município do Rio de Janeiro, estu- dos e a precisão lógico-metodológica das conclusões ou
do sobre serviços de saúde sexual e reprodutiva para resultados obtidos.
adolescentes evidenciou que apenas 12,9% das unida-
des realizam atividades educativas e menos de 1/3 dos Em geral, é uma produção curta que tem aproxi-
médicos são capacitados para atender a esse público. madamente entre 15 a 40 páginas. Pode ser resultado de
Vale ressaltar que é atribuição das equipes da Estratégia sínteses de trabalhos maiores ou elaborados em número
Saúde da Família (ESF) identificar no território os adoles- de três ou quatro, em substituição às teses e disserta-
centes em situação de vulnerabilidade social e pessoal, ções; são desenvolvidos, nesses casos, sob a assistência
intervir para favorecer a melhora da qualidade de vida e de um(a) orientador(a) acadêmico(a). São submetidos
promover ações de apoio, inclusão social, proteção e ga- às comissões e conselhos editoriais dos periódicos, que

Tudo Sobre o PAS UnB 283


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021


Citações da Obra na Matriz de Referências
O ser humano como um ser que interage

Desse modo, torna-se possível não apenas com-


preender o mundo e os outros, como também compreen-
der as próprias experiências, com reflexões sobre a violên-
cia e sobre o autoritarismo e seus impactos na vida dos
seres humanos, conforme ilustram as Cartas que Gandhi
escreveu para Hitler e Por que a guerra? Indagações en-
tre Einstein e Freud, a peça Perdoa-me por me traíres, de
Nelson Rodrigues, o documentário Cartas para além dos
muros, de André Canto, e o artigo Prevenção de HIV-Aids
na concepção de jovens soropositivos. (Página 5, quinto
parágrafo)

Estruturas

As diferentes possibilidades de construção textual


refletem nas várias estruturas das linguagens, como pode
ser percebido tanto em obras literárias como a novela O
recado do morro, de João Guimarães Rosa, quanto nos
textos científicos Algoritmos Parciais, Criadores de um
mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto e Juliana Estra-
dioto: Futuro no presente e Prevenção de HIV-Aids na
concepção de jovens soropositivos, por exemplo. Outro
modo textual, como o da Constituição Federal – Título II,
capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título
IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, exemplifica a
estruturação do ordenamento jurídico. (Página 18, segun-
do parágrafo)

Análise de dados

A objetividade no campo da ciência pode ser


questionada na obra Prevenção de HIV-Aids na concep-
ção de jovens soropositivos, da Revista Saúde Pública.
Desta forma, diferentes contextos, leituras e categorias na
análise de dados, contribuem para a constituição de um
pensamento alternativo ao hegemônico, mais democráti-
co e autônomo. (Página 43, primeiro parágrafo)

Questões, Justificativas e Dicas


Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?

Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Anotações e Rascunhos

Tudo Sobre o PAS UnB 284


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Algoritmos Parciais

Autoria e Contextualização
A obra é um texto de divulgação científica que O mundo está em um constante e complexo processo
relaciona algumas pesquisas feitas em várias universida- de mudança e os algoritmos não podem nem devem ir
des de diversos países do mundo, como o Brasil, Estados contra essa mudança reproduzindo comportamentos
Unidos, Holanda, Suíça, Finlândia e etc. Como foram vá- que já deveriam ter ficado no passado. Assim, só há um
rias pesquisas, e algumas delas foram feitas em grupo, caminho para superar esse desafio, e ele começa pela
não há um autor individual. Entretanto, todos os autores educação.
das pesquisas científicas divulgadas são pesquisadores
no campo da tecnologia da informação. Obra na Íntegra
Como se trata de uma divulgação científica, o Algoritmos parciais
texto “explica a explicação” dos artigos iniciais, portanto
a obra será transcrita na íntegra. Mas, antes, cabem al- Boa parte dos algoritmos de inteligência artifi-
guns comentários. cial (IA) é desenvolvida para identificar padrões de modo
a automatizar decisões e facilitar a vida das pessoas. Essa
As pesquisas, em resumo, tratam do fato de que tecnologia pode reconhecer o estilo de música preferida
os mesmos softwares utilizados para automatizar e fa- do usuário, o gênero de filmes que lhe interessa ou os as-
cilitar as decisões no cotidiano das pessoas e no funcio- suntos que mais busca no jornal. No entanto, por serem
namento de indústrias e empresas também são muitas programados para captar modelos de comportamento,
vezes usados, mesmo que de maneira não intencional, os algoritmos também podem replicar comportamentos
para reproduzir comportamentos com tendências discri- indesejáveis, como o racismo, a misoginia e a homofo-
minatórias e de intolerância, como por exemplo atitudes bia. Absorvem, reproduzem e, como resultado, robuste-
racistas, misóginas e homofóbicas. Isso acontece porque cem a discriminação e a intolerância vistas na sociedade
a maneira como os softwares de inteligência artificial nas mais variadas formas.
funcionam é baseada no comportamento humano. Este
se reflete nas tecnologias, podendo influenciá-las de for- Em agosto de 2019, um estudo realizado por
ma a reproduzir estereótipos e padrões preconceituo- pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais
sos. (UFMG) apresentou um exemplo desse círculo vicioso
que repercutiu em diversas publicações da imprensa
O nome dado a esse fenômeno é círculo vicio- internacional: um processo de radicalização política no
so, pois quem cria os softwares são humanos e quem os YouTube no contexto norte-americano, onde o algoritmo
alimentam também são humanos. Dessa forma, apesar de recomendação tem um importante papel. “Já havia
de serem algoritmos que tomam decisões de maneira pesquisas qualitativas e reportagens que mostravam o
autônoma, isso acontece baseado em dados que podem YouTube como um terreno fértil para a proliferação de
ser viciados, resultando na reprodução de preconceitos comunidades obscuras vinculadas à chamada alt-right
e estigmas sociais. [direita alternativa] norte-americana, cujas ideias são
intimamente relacionadas à supremacia branca”, diz o
Alguns exemplos de situações em que isso acon- cientista da computação Manoel Horta Ribeiro, atual-
tece são citadas na obra, como o fato de que algumas mente doutorando na Escola Politécnica Federal de Lau-
redes sociais, como o Youtube e Facebook, só recomen- sanne (EPFL), na Suíça. No mestrado realizado na UFMG,
dam aquilo que é parte do interesse do usuário, colabo- sob orientação dos cientistas da computação Wagner
rando para que, por exemplo, o usuário conservador seja Meira Jr. e Virgílio Almeida, ele queria entender como
cada vez mais conservador e o usuário não conservador esse fenômeno acontecia.
seja cada vez menos conservador. Além de contribuir na
formação de bolhas sociais, há desdobramentos muito O grupo vasculhou 331.849 vídeos de 360 canais
profundos na sociedade, os quais podem se manifestar de diferentes orientações políticas e rastreou 79 milhões
até mesmo nas eleições dos países em que há influência de comentários. Um volume imenso de dados, tratável
direta das redes sociais e do funcionamento dos algorit- justamente graças a recursos de inteligência artificial. “O
mos nos processos democráticos. único trabalho manual foi a classificação dos canais con-
forme a orientação política”, diz Ribeiro. Os resultados
Por esses motivos, é preciso haver uma educa- revelaram que os canais supremacistas brancos são be-
ção antiviés, ou seja, conscientizar tanto os desenvolve- neficiados pela migração de apreciadores de canais po-
dores de softwares quanto a sociedade a não entrarem liticamente conservadores de conteúdo menos radical.
em um círculo vicioso de reprodução de comportamen-
tos que não fazem bem para a sociedade como um todo.

Tudo Sobre o PAS UnB 285


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

“Rastreamos a trajetória dos usuários que co- associação de significado. “Palavras como cristianismo
mentavam vídeos de canais conservadores e descobri- apareciam no texto associadas com atributos de valor
mos que, com o passar do tempo, eles falavam sobre positivo, como bom ou honesto, enquanto islamismo
vídeos dos canais mais radicais. Havia uma migração era frequentemente relacionada a terrorismo e morte”,
consistente dos conteúdos mais leves para os mais extre- exemplifica Ottoni.
mos, mas não sabemos exatamente como isso ocorre”,
explica Ribeiro. “Creio que três razões contribuem para Essas técnicas foram aplicadas à conjuntura bra-
o fenômeno: o formato da mídia, na qual todos podem sileira. Os pesquisadores estudaram vídeos publicados
criar conteúdo e na qual os espectadores interagem mui- no YouTube durante o período de eleições presidenciais
to diretamente com os criadores; o atual cenário político de 2018, em 55 canais identificados com posições polí-
mundial; e o algoritmo, que permite que usuários encon- ticas desde a extrema esquerda até a extrema direita.
trem ou continuem a consumir conteúdo extremista por Mensagens de ódio e teorias conspiratórias foram iden-
meio do sistema de recomendação.” As pesquisas envol- tificadas com mais frequência nos canais de extrema di-
vendo o YouTube vêm se tornando mais relevantes nos reita – e foram esses que tiveram maior crescimento no
últimos anos. número de visualizações. Os pesquisadores estão agora
finalizando um artigo em que apresentarão os resulta-
Segundo Virgílio Almeida, professor emérito do dos dessa análise. Mas, antes mesmo da publicação, o
Departamento de Ciência da Computação da UFMG, a estudo foi citado em agosto de 2019 por uma reporta-
plataforma de vídeos já se mostrou muito interessante gem do jornal The New York Times, que fez uma série
para a ciência. “O número de usuários é enorme – mais sobre a influência do YouTube em diferentes países, com
de 2 bilhões no mundo e 70 milhões no Brasil –, assim destaque para o Brasil.
como seu impacto na sociedade”, diz o pesquisador. Seu
departamento se tornou um celeiro de pesquisas sobre Segundo Almeida, outras pesquisas já constata-
o fenômeno das redes sociais. ram que os algoritmos de recomendação de notícias e
vídeos acabam se valendo da atração humana por notí-
Almeida começou a se dedicar a esse campo de cias negativas e teorias conspiratórias para aumentar o
pesquisa em 2007. Os estudos que tiveram maior reper- engajamento dos usuários com a plataforma. “Uma pes-
cussão vieram do campo político – polarizado tanto nos quisa de um grupo do MIT [Instituto de Tecnologia de
Estados Unidos quanto no Brasil. Em 2018, uma análise Massachusetts] publicada na revista Science, em março
de discurso de ódio e discriminação em vídeos posta- de 2019, mostrou que os medos, as raivas e as emoções
dos no YouTube por grupos de direita norte-americanos mais extremas são fatores-chave na disseminação de
teve destaque na International ACM Conference on Web tweets com falsidades”, destaca.
Science, na Holanda. O trabalho foi reconhecido como
o melhor feito por estudantes: os alunos de doutorado Da mesma maneira que o algoritmo assimila as
Raphael Ottoni, Evandro Cunha, Gabriel Magno e Pedro músicas e os filmes preferidos do usuário, ele também
Bernardina – todos do grupo de Wagner Meira Jr. e Vir- capta suas preferências políticas, razão pela qual as pla-
gílio Almeida. taformas de compartilhamento de conteúdo – como o
Facebook – se transformam em bolhas quase intranspo-
Para investigar as falas transcritas dos youtubers níveis de um determinado espectro político. O usuário
e os comentários postados nos vídeos, os pesquisado- recebe apenas as informações que corroboram suas opi-
res da UFMG utilizaram as ferramentas Linguistic Inquiry niões prévias.
Word Count (LIWC) e Latent Dirichlet Allocation (LDA).
O LIWC permite a classificação de palavras em catego- Foi para estudar esse fenômeno – inspirado
rias correspondentes à estrutura das frases (pronomes, pelo livro O filtro invisível (Zahar, 2012), do ativista nor-
verbos, advérbios etc.) e ao conteúdo emocional (se te-americano Eli Pariser – que o cientista da computa-
expressam alegria, tristeza, raiva etc.). O LDA busca pa- ção norte-americano Christo Wilson, da Northeastern
lavras que possam definir os principais tópicos de uma University, em Massachusetts, Estados Unidos, entrou
conversa. no campo das redes sociais, em 2012. “Minhas pesqui-
sas focavam, originalmente, o estudo da personalização
“Utilizamos também uma ferramenta baseada dos algoritmos utilizados pelos mecanismos de busca, e
em um teste psicológico para observar o viés dessas desde então tenho expandido para outros tipos de algo-
postagens”, explica Raphael Ottoni. Essa ferramenta se ritmos e contextos”, disse o pesquisador para Pesquisa
baseia na comparação das distâncias entre palavras si- FAPESP. Wilson pretende se voltar ao campo da política
tuadas em um mesmo contexto, com a finalidade de es- em 2020: planeja um grande estudo acerca do impacto
tabelecer associações. Isso é feito por meio de técnicas das redes sociais nas próximas eleições de seu país.
de aprendizado de máquina que convertem palavras de
um texto em vetores de números; estes, por sua vez, são Discriminação algorítmica
usados para calcular a similaridade semântica das pala-
vras. Em um determinado assunto, palavras que se si- O viés algorítmico pode ser encontrado onde
tuam mais próximas tendem a estabelecer entre si uma menos se espera – como, por exemplo, nos serviços de

Tudo Sobre o PAS UnB 286


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

assistentes inteligentes de voz do celular. Uma pesquisa detrimento de negros. Isso acontecia porque o sistema
realizada em parceria entre a Universidade de Fortaleza se baseava nos pagamentos aos planos de saúde, que
(Unifor) e o grupo da UFMG identificou que a eficiência são maiores no caso de pessoas que têm mais acesso
dos assistentes de voz, como Siri, da Apple, e Google, a atendimento médico, e não na probabilidade de cada
varia conforme o sotaque e o nível de escolaridade. A um ter doenças graves ou crônicas. Essa situação eviden-
cientista da computação Elizabeth Sucupira Furtado, cia que a construção do algoritmo pode ser responsável
coordenadora do Laboratório de Estudos dos Usuários pelo preconceito embutido nos resultados.
e da Qualidade em Uso de Sistemas da Unifor, conduziu
um estudo com dois grupos de voluntários: moradores Educação Antiviés
da capital cearense, entre os quais vários nascidos em
outros estados, e estudantes de uma classe noturna de Proteger a sociedade da desinformação e do
Educação de Jovens e Adultos. “Os usuários nascidos nas preconceito disseminados pela inteligência artificial é
regiões Sudeste e Sul eram mais compreendidos pelos um desafio que pode começar a ser superado pela edu-
softwares de assistentes de voz do que os demais”, reve- cação. Virgílio Almeida destaca como exemplo a inicia-
la a pesquisadora. tiva de escolas da Finlândia que estimulam as crianças
a desenvolverem espírito crítico e identificarem notícias
Erros de pronúncia (cacoépia), gagueira ou repe- falsas na web, as chamadas fake news. Não basta, claro,
tição de palavras e truncamentos (disfluência) também educar o usuário, é preciso educar também o programa-
prejudicaram o desempenho dos assistentes robóticos. dor. “Para evitar o viés, uma das maneiras é dispor de
Segundo a pesquisadora, uma vez que o sistema apren- dados mais diversos para treinar o algoritmo”, ressalta
de com usuários que têm mais escolaridade, o treina- Almeida.
mento dos assistentes de voz tende a se limitar a falas
padronizadas. “É importante que as empresas percebam A estudante de graduação Bruna Thalenberg,
que existe um público que não está sendo atendido”, uma das fundadoras do Tecs – Grupo de Computação So-
alerta Furtado. cial, do Instituto de Matemática e Estatística da Universi-
dade de São Paulo (IME-USP), concorda: “O mundo está
Nos mecanismos de busca também se ocul- em constante mudança, os algoritmos não deveriam
tam preconceitos. Foi o que demonstrou a cientista da repetir o passado”. Fundado em 2017 como uma equi-
computação Camila Souza Araújo em sua dissertação pe de extensão, o Tecs nasceu do diálogo de estudantes
de mestrado pela UFMG, em 2017. Nos buscadores do da USP com o colega brasileiro Lawrence Muratta, que
Google e do Bing, a pesquisadora procurou pelos termos fazia ciência da computação na Universidade Stanford,
“mulheres bonitas” e “mulheres feias” e constatou um nos Estados Unidos, onde já havia um grupo discutindo
preconceito de raça e idade. As mulheres identificadas a questão do viés.
como bonitas eram, majoritariamente, brancas e jovens.
O viés se reproduziu na maioria dos 28 países onde o “Sentíamos que o curso de ciência da computa-
buscador Bing está presente e 41 países que utilizam o ção estava muito afastado da sociedade”, conta o ex-alu-
Google, mesmo os situados no continente africano. no Luiz Fernando Galati, que hoje trabalha no Centro de
Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getulio Var-
Ao utilizar sistemas de aprendizagem de máqui- gas. O objetivo inicial do grupo era promover palestras e
na, a sociedade corre o risco de perpetuar preconceitos debates, mas eles acabaram propondo a inclusão de um
inadvertidamente, graças ao senso comum que vê a ma- novo curso na grade curricular, o que foi feito.
temática como neutra. O engenheiro de dados norte-a-
mericano Fred Benenson cunhou um termo para definir “As palestras que promovemos são oferecidas
esse risco: mathwashing. Ele se baseou no greenwashing, na disciplina direito e software, sob a supervisão dos
o uso de estratégias de marketing pelas empresas para professores Daniel Macedo Batista e Fabio Kon”, informa
simular preocupação ambiental. Da mesma maneira, a Galati. O Tecs também participa da TechShift Alliance,
ideia de que os algoritmos sejam neutros também bene- que reúne 20 organizações de universitários das Amé-
ficia e isenta de responsabilidade quem os utiliza. ricas do Norte, do Sul e da Ásia, dispostos a debater as
questões sociais ligadas à inteligência artificial.
Ocorre que os sistemas de inteligência artificial
são alimentados por dados, e quem faz a seleção desses Além da reflexão, o Tecs tem o propósito de se
dados são seres humanos – que podem ser movidos por dedicar à ação, por meio de projetos que permitam a
preconceitos de forma inconsciente ou intencional. Um grupos marginalizados o acesso ao universo digital. Um
exemplo disso foi explicitado por um estudo publicado desses projetos é o ensino de lógica de programação
em outubro na revista Science, liderado por um cientista para alunos do Centro de Atendimento Socioeducativo
da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados ao Adolescente, a Fundação Casa. “A primeira turma do
Unidos. Em um hospital daquele país, os pesquisadores curso iniciou no segundo semestre de 2018”, informa a
verificaram que o algoritmo responsável por classificar estudante Jeniffer Martins da Silva, educadora do pro-
os pacientes mais necessitados de acompanhamento – jeto. Desde sua criação, mais de 40 jovens já passaram
por estarem em maior risco – privilegiava brancos em pelo curso.

Tudo Sobre o PAS UnB 287


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

A própria inteligência artificial também pode Divulgação Científica


oferecer formas de prevenção e controle. Em 2018, pes-
quisadores da USP e da Universidade Federal de São Car- Observa-se que para cada tipo de mensagem
los (UFSCar) lançaram a versão piloto de uma ferramen- que um emissor deseja transmitir, ele deve utilizar-se
ta digital com objetivo de identificar fake news. Ela está de um gênero textual diferente. Nessa obra, o gênero
disponível, gratuitamente, via web ou WhatsApp. Basta textual escolhido foi o de divulgação científica, por isso
submeter a notícia suspeita ao sistema de verificação. trata-se de um artigo de divulgação de uma pesquisa
Ao constatar indícios de falsidade, o sistema responde: científica.
“Essa notícia pode ser falsa. Por favor, procure outras
fontes confiáveis antes de divulgá-la”. Segundo os auto- Um texto de divulgação de artigo científico é um
res do estudo, o sistema identifica com precisão de até gênero discursivo que transmite uma ideia de uma esfe-
90% notícias que são totalmente falsas ou totalmente ra específica da ciência para a comunidade em geral, na
verdadeiras. sua linguagem. Ou seja, é por meio dos textos de divul-
gação científica que a sociedade em geral toma conheci-
Na Universidade Estadual de Campinas (Uni- mento das pesquisas realizadas, que estão acontecendo
camp), um grupo liderado pelo cientista da computação e que vão acontecer. Isso acontece porque se os cien-
Anderson Rocha, diretor do Instituto de Computação, tistas fossem utilizar a linguagem científica tanto para
tem se dedicado a desenvolver mecanismos de iden- a pesquisa quanto para a sua divulgação, somente as
tificação de informações falsas veiculadas em fotos e pessoas da área específica conseguiriam extrair as ideias
vídeos. “Utilizamos técnicas de IA para comparar as transmitidas. Assim, para tornar acessível uma pesquisa
informações que estão em determinado texto com co- científica, utiliza-se uma linguagem acessível, isto é, um
mentários e possíveis imagens. Ao verificarmos esses texto de divulgação científica.
três grupos de informação, apontamos a possibilidade
de discrepância que pode levar à identificação de notícia Cabe mencionar que a popularização da ciência
falsa”, diz Rocha. se deve a esse tipo de gênero textual. Ele é considera-
do um dos principais instrumentos por tornar disponí-
Do setor privado se espera, igualmente, maior veis conhecimentos e tecnologias que têm o potencial
transparência. O termo “responsabilidade algorítmica” de ajudar a vida das pessoas em geral, e, mediante isso,
tem sido cada vez mais utilizado nos debates sobre o uso dar suporte, bem como amparar e incentivar desenvolvi-
da IA. Segundo o advogado Rafael Zanatta, especialista mentos econômicos e sociais sustentáveis.
em direito digital e pesquisador do grupo de Ética, Tec-
nologia e Economia Digitais da USP, ainda não existem Um texto de divulgação científica tem algumas
leis específicas relacionadas aos aspectos discriminató- características. Desse modo são caracterizados pela pre-
rios de algoritmos, mas já há iniciativas nesse sentido. sença necessária da impessoalidade e verbos predomi-
Nos Estados Unidos, foi apresentado um projeto de lei nantemente no presente do indicativo e na terceira pes-
denominado Algorithmic Accountability Act. Se aprova- soa, uma vez que o autor expressa descobertas que fez
do, as empresas terão que avaliar se os algoritmos que sem deixar revelar suas marcas pessoais. Também são
alimentam os sistemas de IA são tendenciosos ou discri- características a não utilização de expressões demasia-
minatórios e se representam um risco de privacidade ou damente coloquiais, assim como também se evita a uti-
segurança para os consumidores. lização de expressões demasiadamente científicas. Nes-
se sentido, trata-se de um texto acessível a um cidadão
Em abril de 2019, a União Europeia divulgou di- comum.
retrizes éticas para o uso da inteligência artificial, entre
elas o estabelecimento de medidas que responsabilizem Quanto à estrutura de um texto de divulgação
as empresas pelas consequências sociais da utilização da científica, ela não tem uma forma rígida. É expositiva e
IA e a possibilidade de intervenção e supervisão huma- tem a única finalidade de transmitir conhecimentos de
nas no funcionamento do sistema. natureza científica a um público mais amplo. Tem uma
ideia central (afirmação dos conceitos), desenvolvimen-
No Brasil, também se tentou introduzir em 2019 to por meio de provas (exemplos, comparações, relações
uma lei prevendo a revisão humana de decisões auto- de efeito e causa, resultados de experiências, dados es-
matizadas. Um cidadão que se sentisse prejudicado por tatísticos), e uma conclusão.


uma decisão mediada por algoritmos – na concessão de
um empréstimo, por exemplo – poderia requerer um re-
visor para esclarecer os critérios utilizados para a deci-
são. O projeto, no entanto, foi vetado pela Presidência
da República, sensível ao argumento das empresas de
Citações da Obra na Matriz de Referências
que a revisão humana acarretaria custos adicionais. O ser humano como um ser que interage

A capacidade de interação não se restringe às


relações entre seres humanos, mas sofre diretamente os

Tudo Sobre o PAS UnB 288


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

impactos das tecnologias, tendo, como exemplo, as mu- pode ser observado no rock and roll Malditos Cromosso-
danças de interação decorrentes de fenômenos como mos, de Pitty. (Página 32, quinto parágrafo)
as redes sociais. No artigo Algoritmos parciais, Revista
Fapesp edição - jan/2020, é apresentada a forma como Análise de dados
as grandes empresas gerenciam dados dos usuários e in-
citam o consumo de produtos e de conteúdos. (Página 5, Ciências produzem dados que necessitam de
primeiro parágrafo) interpretação dentro de um contexto. Assim, são neces-
sários conceitos estatísticos, como médias (aritmética,
Estruturas geométrica e harmônica), moda, mediana, desvios e va-
riância, que auxiliarão na intervenção da realidade, exi-
As diferentes possibilidades de construção tex- gindo o uso e a leitura adequados de gráficos e tabelas.
tual refletem nas várias estruturas das linguagens, como Esses conceitos, seus usos e interpretações são importan-
pode ser percebido tanto em obras literárias como a no- tes na análise de dados a fim de uma avaliação sobre a
vela O recado do morro, de João Guimarães Rosa, quanto responsabilidade atribuída à ciência. É importante tam-
nos textos científicos Algoritmos Parciais, Criadores de bém relacioná-los à diversidade cultural, como podemos
um mundo recarregável, de Ricardo Zorzetto e Juliana observar no texto Algoritmos Parciais, da Revista Fapesp.
Estradioto: Futuro no presente e Prevenção de HIV-Aids (Página 41, terceiro parágrafo)
na concepção de jovens soropositivos, por exemplo. Outro
modo textual, como o da Constituição Federal – Título II, Questões, Justificativas e Dicas
capítulo IV, artigos 14 a 16; capítulo V, artigo 17 e Título
IV, capítulo I, seções I a V, artigos 44 a 56, exemplifica a Quer acessar as questões, justificativas e dicas desta obra?
estruturação do ordenamento jurídico. (Página 18, segun-
do parágrafo) Clique aqui ou use o QR CODE da página 6.

Cenários contemporâneos Anotações e Rascunhos


A análise das tensões entre as narrativas do pas-
sado que distorcem fatos históricos e utilizam versões re-
visionistas podem fundamentar discursos autoritários de
caráter militarista. Portanto, é fundamental nesse contex-
to, discutir, à luz da ciência histórica, as possíveis falsifi-
cações do passado que indicam negacionismo científico,
anti-intelectualismo, manipulação da realidade e notí-
cias falsas em diversos espaços virtuais e editoriais. Es-
sas questões dialogam com a obras Algoritmos parciais,
Revista Fapesp edição - jan/2020 e o clipe O real resiste
(2019), de Arnaldo Antunes, o qual remete ao cenário
atual onde as informações, conceitos de representação e
verdade estão em choque por meio da tecnologia infor-
macional, resultando em informações falsas (chamadas
fake news), ou mesmo em disputas na chamada guerra
híbrida. (Página 30, segundo parágrafo)

Números, grandeza e forma

O conhecimento das possibilidades de ação e das


suas limitações é fator relevante no entendimento futuro
de manutenção da vida na Terra. Essa compreensão é fa-
cilitada pelo uso dos princípios de contagem. O exercício
de contar, ao qual se aplicam princípios e métodos estatís-
ticos ou probabilísticos, analisa os auxilia a compreensão
de ações relevantes e necessárias que devem ser realiza-
das no presente, com o intuito de viabilizar contextos fu-
turos. A reflexão sobre essas ações pode ser subsidiada no
texto Algoritmos Parciais, da Revista Fapesp, na pintura
Autorretrato na fronteira do México e dos EUA, de Frida
Kahlo, e na instalação Ponto de encontro, de Mary Vieira.
Inserem-se, ainda, no contexto da contagem, as possibili-
dades de replicação do código genético de um indivíduo
e o estudo de casos relativos à herança genética, como

Tudo Sobre o PAS UnB 289


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Leituras www.sofista.com.br 3ª Etapa - 2021

Tudo Sobre o PAS UnB 290


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Dedicatória
Futuro (a) calouro (a) da UnB,

Agradecemos a você por ter adquirido esta apostila. Saiba que você foi nossa inspiração em todas as
etapas de criação deste produto, pois sabemos como é almejar uma vaga na UnB e correr atrás para que isso
aconteça. Temos ciência de que uma boa preparação é o diferencial! Acreditamos nos seus sonhos e queremos te
ajudar a alcançá-los. Sabemos que você é capaz e que, com dedicação e muito estudo, vai alcançar as metas que
estabeleceu para si. Queremos fazer parte dessa linda trajetória que você está percorrendo. Nem sempre serão só
flores, nós sabemos, mas confie no seu potencial. Suas dificuldades não te definem, mas a forma como lida com
essas dificuldades é que faz toda a diferença. Lembre-se disso sempre! Dedicamos a você a citação abaixo:

“Suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que você veja
toda a escada. Apenas dê o primeiro passo.”
– Martin Luther King

Com muito amor e carinho,

Equipe Tudo Sobre o PAS UnB

Tudo Sobre o PAS UnB


Licensed to Luiza - luiza_oliveira5@yahoo.com.br - HP157016481692041

Você também pode gostar