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São três dias de viagem até São Paulo, e o que sinto é medo.

Minha mãe desde a semana


passada insiste para que eu leve os últimos 60 reais que sobraram do Bolsa família, sei que
mesmo a gente precisando muito do dinheiro ela não gastou, pensando que eu preciso mais
do que ela e Miguel, como se eu não soubesse o que a gente passa aqui nessa casa. Eu jamais
vou levar o restante das nossas economias sabendo que elas seriam pra eles tentarem
sobreviver ao mês.

Tia Liliana me deu o dinheiro da passagem, foram 500 reais no Guanabara, uma linha segura
o bastante que segundo eles garante que não vou ser esquecida caso me atrase no banheiro
por exemplo, o que me dá medo não é a viagem, é deixar minha família e os meus poucos
amigos pra trás, sair sem um emprego certo , chegar lá e não conseguir nada, sabe.

Toda vez que eu paro pra pensar no sofrimento que eu, mamãe e Miguel passamos desde o
dia que meu pai foi morto em um bar por dar em cima de uma mulher casada, eu estremeço
só de pensar que algo pode dar errado nesse plano, a única saída que eu achei pra tirar a
gente dessa situação.

Não quero que ela perca as esperanças de um futuro melhor, e eu sei que posso fazer
melhor do que o meu pai fez, e se eu tiver que implorar por um trabalho naquela cidade, não
irei hesitar, nem que seja lavando privada de madame, o que não aceito é ver minha família
entregar toda a grana pra um comerciante em troca de comida que é o básico, e nem
conseguir pagar a conta toda, na última compra não trouxemos quase nada pra casa e pasme,
ficamos devendo 1987,00 reais lá, e nunca baixa pois sempre tem um imprevisto no mês.

No começo desse ano, em fevereiro se eu não estiver enganada, precisamos pedir duzentos
reais ao dono de lá, seu Joãozinho para arrumamos a nossa geladeira que havia parado de dar
descarga a 5 dias, como minha mãe “pelejou” pra descobrir o problema e não deu conta do
recado, tivemos que contratar um técnico ou então a gente ficaria sem luz porquê isso
aumenta muito o consumo e a gente não ia ter como pagar o talão.

Falta comida na mesa, falta remédio, uma roupa descente, um calçado que não precise
colocar prego pra não sair o cabresto, eu estou com um na minha havaiana lilás surrada,
ninguém fala sobre isso, mas colocar prego em uma sandália dessas machuca o
pé ,principalmente se ela estiver muito desgastada. O meu dedão do pé está ferido desde que
comecei a usar, e pra aguentar eu tive que amarrar um pedaço de retalho porquê senão
sangraria. Quando me perguntam pra quê o dedo desse jeito, eu brinco dizendo que é um
estilo só meu, claro que acham estranho, mas param de encher meu saco.

Enquanto arrumo minhas malas para viajar daqui a um dia, meus pensamentos pairam sobre
o passado, de quando eu tinha sete anos e ainda era filha única, mais especificamente no dia
em que eu brincava na calçada de casa com meus brinquedos improvisados: potinho de
manteiga vazio, lata de sardinha que já não tinha mais nada pra se aproveitar dentro,
colherzinha descartável, tampas de recipientes aleatórios que eu fazia de pratinho e vidros de
dipirona que na minha imaginação eram ótimas mamadeiras de bonecas. Lembro da tarde
ensolarada e de como eu brincava tranquilamente e me sentia a criança que a minha idade
apontava naquela época.

No entanto, toda a delicadeza, genuinidade e inocência daquele instante foram destruídas por
um pai embriagado.
- Não quero bagunça na minha calçada, você só trás lixo pra dentro de casa - Gritou ele
chutando tudo que via pela frente, inclusive a mim. Não me feriu, mas aquele chute dilacerou
a minha alma e eu só conseguia chorar, o coração batia forte contra o meu peito infantil.

Minha mãe em seguida veio correndo em minha direção pra tentar me acalmar,
enquanto ele batia nela, dizendo que ela tinha que deixar eu ser educada, que senão eu
cresceria uma garota mimada;

- Não é destruindo a infância dela que você vai ensina-la a ser uma boa pessoa Manel, ela
está tremendo, o máximo que você vai conseguir é que ela desenvolva ansiedade - ela tinha
razão;

-Eu só falei que não quero essas porcaria de calçada cheia de lixo Maria Aparecida - Um
empurrão. Mamãe caiu comigo porquê estávamos abraçadas. Meio tontas nos levantamos e
quando eu percebi ela havia aberto um buraco na testa dele com um pedaço de ripa que ficava
enfiado na parede perto do telhado , o sangue jorrava e lembro que perguntei:

- Você matou o papai? Por quê a senhora fez isso? Papai você está bem ? – Mas ele não queria
saber de nada, me empurrou pra perto de mamãe quando me aproximei dele. Levantou se
segurando nas paredes jurando que a colocaria na cadeia por ter feito sangue nele, mas isso
nunca aconteceu.

No mesmo dia a tarde ele voltou pra casa com comida e um sorriso no rosto pedindo
desculpas, me abraçando gentilmente e perguntando o que eu queria de presente. Ele se
mostrava preocupado, zeloso, um verdadeiro herói para nós duas, ainda que ele voltasse a ser
o mesmo no dia seguinte, meus olhos se iluminavam nesses pequenos instantes, onde parecia
que eu tinha uma família de verdade, onde eu era cuidada e não precisava cuidar de ninguém,
pois todas as vezes em que haviam discussões e elas acabam dessa forma, eu me via na
obrigação de ser suporte emocional da minha mãe.

Meus pais viviam o típico relacionamento abusivo que, ninguém sabia o que era na época,
não havia movimentos feministas que explicassem pra ela a real situação em que se submetia.
O quê a gente via era só uma pessoa que tentava mudar diante dos seus erros, todo santo dia,
e quem éramos nós pra julgar?. A ignorância é como uma faca de dois gumes, uma vez você
pode machucar os outros com ela, mas vai ter momentos em que será o contrário.

- Dolores ? Dolores!? – Escuto mamãe me chamar de uma forma exasperada enquanto entra
com tudo no quarto, eu arregalo os olhos pois a impressão que eu tenho é que aconteceu
alguma coisa, e aconteceu.

-Mãe o que houve ? – me viro para observa-la da cama e noto que ela está eufórica, eu a
convido para que se sente ao meu lado e explique melhor o motivo de estar tão desinquieta;

-Nós acabamos de ganhar uma bela cesta básica, então você pode levar os sessenta reais- diz
ela me abraçando, consigo sentir sua emoção ao expressa-las.

- É mesmo? Quem deu mãe? – Pergunto com brilho nos olhos ao perceber que ela não vai
precisar se preocupar com o que comer nos amanhãs enquanto eu estiver procurando
emprego, já calculei tudo, se eu conseguir alguma coisa lá até o fim desse mês, eu vou poder
mandar dinheiro logo, nem que eu possa emprestado à minha tia até eu receber.
- O pessoal da igreja Matriz, por causa da chegada da semana santa, não sei o que aconteceu
pra eles darem uma cesta tão aprumada desse jeito – Um milagre, eu digo silenciosamente pra
mim mesma – Vem ver, diz ela já de pé fazendo menção para que eu a acompanhe.

Ao chegar na pequena cozinha com piso de cimento e paredes de cor azul marinho , me
deparo com muitos mantimentos aglomerados no chão, ao pé do armário de madeira
ensopada de tanta umidade e mofo, há muita coisa ali, desde ovos até um pacote de biscoito
recheado , coisa que é muito rara de a gente comprar por aqui, me abaixo para toca-lo e por
um instante tenho flashes de memórias de quando eu era pequena e meu tio Jonas me
enchia de bolinhas quase todos os dias, guloseimas estas que paguei muito caro pra prova-las
com frequência, acho que fico algum tempo presa nesse pensamento porquê mamãe estala os
dedos na minha cara, levanto a cabeça rapidamente para observa-la:

-Fica com o biscoito se você quiser – Sugere ela - Pensei em fazer uma certinha pra você
levar, não quero que você chegue na casa da Lili de mãos abanando -No mesmo instante
minha boca se abre pra dizer “não”, mas conhecendo minha mãe, ela jamais se sentiria
confortável com a situação, então eu apenas concordo ao mesmo tempo em que me levanto
para abraça-la.

- Realmente é uma bela cesta básica mãe, vocês vão ter uma semana santa incrível – afirmo
sentindo uma vontade terrível de desaguar ali mesmo nos braços de minha mãe, da minha
melhor amiga, meu porto seguro, mas respiro fundo e me afasto dela.

-Já é amanhã, preciso fazer logo a certinha pra você, porquê não vai chamar o Miguel pra
almoçar, ele já chegou da escola, estava perguntando se a irmã dele já tinha ido embora, deve
estar no quarto agora brincando com aquele carrinho que sua amiga deu a ele, não desgruda
mais daquilo por nada -Anuncia com a voz embargada, forçando um leve sorriso e me dando
leves tapinhas nas costas. Sei que ela quer ficar sozinha pra chorar, então eu faço o que ela me
pede.

A casa onde moramos é bem pequena, mas aconchegante e bem limpinha, não, não é
de pau a pique, mas fora construída por várias mãos ao longo de 2 anos, erguida pelos
pedreiros da nossa família, quando eu digo que é pequena, não me refiro ao tamanho dos
cômodos, mas sim a quantidade.

A casa onde passei a maior parte da minha vida tem a sala e a cozinha divididas por um
balcão onde geralmente fica o cantinho do café, um jarro com flores amarelas perto da parede
e bem ao centro a nosso rádio, todas essas coisas ficam sob paninhos de crochê rosa choque
feitos pela minha mãe.

Perto da cozinha fica o meu quarto, a cortina de retalhos de diferentes cores também
feita à mão é o que mais gosto nele, na parede da sala fica o quarto do meu irmão, mamãe
dorme com ele, a única desvantagem da casa é o banheiro que fica do lado de fora porque ele
foi um projeto de governo, mas não é tão afastado assim, da porta da cozinha é possível tocar
na parede da frente, é só um pouquinho pra lá.

Só agora que estou perto de viajar que olho com mais cuidado os detalhes, tentando
guarda-los na memória como uma foto em que é possível rever cada parte quando estiver com
saudade de casa, como se eu pudesse estar aqui de volta na hora que eu quiser.

Ao chegar na porta do quarto de Miguel, eu o vejo chorando baixinho, não entendo a


razão, ele parece estar bem, fisicamente claro, então entro pra descobrir o que é:
- Oi Miguelito? Não está com fome? -Ele não responde, está sentindo na cama com a cabeça
entre os joelhos, fungando, me aproximo e começo a fazer carinho nele

- Por quê está chorando maninho? Não vai dizer que é porque eu estou indo viajar amanhã –
Ele assente. Me encosto perto dele e o abraço, ele chora ainda mais, isso me parte o coração
de uma forma tão ruim que preciso respirar fundo pra não desabar também.

Miguel e eu somos muito apegados, sei que vai ser difícil pra ele, por isso dói tanto em
mim vê-lo chorar dessa forma e ter que deixa-lo , meu irmão não conheceu nosso pai, quando
ele morreu mamãe estava grávida de dois meses dele, por isso que digo que sei o que a gente
passou depois que ficamos só nós três.

Naquela época a gente passava muita necessidade, vivíamos de doações porquê o


dinheiro do Bolsa família não dava pra nada, igual agora. Eu ficava com Miguel para que a
nossa mãe fizesse faxina nas casas, levasse roupas dos outros no finais de semana, então na
cabecinha dele, eu sou sua segunda mãe e não é pra menos, até pra dormi ele só sentia
conforto nos meus braços, sou sua adulta favorita.

Miguel se desvencilha do meu abraço, vejo muitas lágrimas caindo, ele tenta barra-las com
a costa da pequena mãozinha enquanto me diz :

- Você vai demorar pra voltar lorili? - Sorrio quando ele pronuncia meu nome, sempre soou
bonito pra mim esse apelido.

Quero prometer que voltarei em breve, mas me sinto irresponsável demais pra fazer isso
então digo apenas:

-Quando eu ver que as coisas estão mais ajeitadas por aqui eu vou voltar Miguelito, não se
preocupe, não precisa ficar triste, eu vou ligar pra você todos os dias!

- Promete ? – Essa eu posso cumprir , assinto – Não está com fome? A mamãe fez macarrão
pro almoço - Na hora que comento sobre o seu prato favorito, ele se alegra, imediatamente se
levanta da cama e corre em direção a porta, vou logo em seguida. Preciso aproveitar esse
almoço com eles antes que chegue amanhã e eu precise dizer adeus. Eu odeio despedidas,
mas essa será necessária e eu preciso ser forte.

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O dia passa rápido e praticamente se resumiu em terminar de arrumar as malas, fazer um


bolo pra levar e ensinar as atividades escolares de Miguel. A noite comemos macarronada, o
meu prato preferido, minha mãe sabe como se despedir com estilo, estamos os três sentados
à mesa quando de repente sinto sua vontade absurda de chorar, engulo em seco, mas não
adianta nada, o nó que se forma em minha garganta chega a doer ao ponto de eu abandonar o
prato na metade, é claro que percebem que não estou bem, até uma criança se 2 anos veria o
meu desconforto com a situação.

Mamãe não diz nada, apenas se levanta e vem ao meu encontro, desabo ali mesmo. Ela
acaricia meu cabelo crespo e diz:

- Não precisa ir se não quiser!

-Lorili vai ficar com a gente? – Pergunta Miguel se levantando e batendo palminhas, com as
bochechas grandes por causa da boca que está cheia de macarrão
- Miguel nós já conversamos sobre isso! – Eu o lembro e imediatamente ele se senta
com uma cara de decepção tão grande que quase desisto da viagem, porém seco as lágrimas e
me afasto de mamãe- Está tudo bem mãe, só estou emocionada com a despedida, eu já tomei
minha decisão.

Mamãe volta para o seu lugar na ponta da mesa, enquanto eu tento me recompor
mexendo na comida, fingindo estar interessada no prato. Ao pegar um punhado da macarrão,
escuto batidas na porta, todos nós olhamos em direção a ela e antes que qualquer um de nós
se levante para abri-la, uma voz muito familiar soa lá de fora:

- Sou eu, a Ana Lua!

- E o Paulinho!

O som sai abafado, mas eu reconheceria essas vozes em qualquer lugar, eu nem achava que
eles viriam se despedir de mim porquê Ana Lua odeia despedida, ela tem dificuldade em lidar
com isso desde que a mãe dela ficou doente.

Um dia antes dela ir para o hospital ela se despediu de Lua dizendo que ficaria tudo bem e
que voltaria no dia seguinte, acontece que esse dia nunca mais chegou, dona Gisa faleceu no
dia seguinte com uma parada cardíaca, minha amiga só tinha 8 anos.

Paulinho trabalha como zelador do pequeno posto da cidade e hoje com certeza foi puxado
pra ele, o plantão de lá só encerra às onze da noite e eu nem sei como ele conseguiu vir pra cá
faltando quatro horas pra fechar o expediente. Meu coração acelera ao perceber que
realmente vou ficar longe deles, dos meus melhores amigos de infância, então demoro alguns
segundos até me levantar e ir em direção aos quatro pares de olhos que, com certeza estarão
marejados, eu sei disso porquê conheço a sensibilidade guardada naqueles corações.

Ao abrir a porta vejo exatamente aquilo que imaginei, só que Paulinho tenta disfarçar o
melhor que pode, enquanto Ana Lua se derrama em lágrimas, eu os convido a entrar e jantar
conosco, mas ninguém aceita, apenas me abraçam e agora quem precisa se segurar pra não
chorar sou eu.

- Paulinho como você conseguiu vir essa hora cara? -Pergunto a ele dando uma piscadela,
ele entende o que quero dizer, porquê sei do caso que tem com o chefe dele. Ele ri, e eu dou
um tapa nele, sem acreditar no que ele foi capaz de fazer, fico séria a minha desaprovação
desse namoro é forte demais pra ser disfarçada em um sorriso de cumplicidade.

Sei que essa história de Paulinho ter se envolvido Com o diretor de um hospital não vai
acabar bem, já dissemos várias vezes que a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. A
coisa menos pior que pode acontecer é ele levar uma surra da mulher do cara, claro que, ela
jamais sujaria suas mãos pra fazer isso, pagaria pra fazer e convenhamos que para uma chefe
de polícia nada é impossível.

Paulinho e Ana Lua notam de imediato minha preocupação, então se afastam e ficam me
observando, com muito desconforto eu os convido pra entrar, então eles me seguem até a
cozinha.

Mamãe e Miguel já terminaram de comer e o que restou na mesa foi só a travessa de


vidro com muito macarrão ainda, e meu prato com a comida pela metade, eu peço para que
se sentem e ofereço mais uma vez a comida, agora eles aceitam.
Mamãe está na pia próxima ao armário de cozinha, então vem em nossa direção com os
pratos:

- Boa noite jovens, como vão as coisas? Pensem que não iam entrar. Eles sorriem e pela
primeira vez em quase 15 anos de amizade , percebo que os dois estão tímidos e
desconfortáveis, o clima fica pesado, então eu tusso propositadamente pra quebrar o gelo.

- Aaaaa gente qual é? Isso não é um velório,eu não estou indo embora pra sempre caramba,
é só um tempo – Digo jogando o talher dentro do prato.

- A gente não está triste Lore, a gente só não concorda em você ir pra um lugar que não
conhece ninguém – Diz Lua enfiando uma garfada de macarrão na boca.

Eu a interrompo:

- Conheço minha tia Liliana – Digo isso de uma forma tão rispida que ninguém diz mais
nada. Mamãe me fuzila com olhos e sai em direção ao quarto de Miguel, que com certeza já
está dormindo a essas horas.

Não entendo o porquê eles implicam tanto com essa viajem, a impressão que tenho é que
vieram aqui somente para me convencer a ficar e isso eu sei que foi ideia de Paulinho, Ana
Lua não tem pique pra essas coisas, ela nem sabe dar concelhos, às vezes até brinco dizendo
que ela é fria demais pra pouca idade, muito na dela.

Paulinho aguenta:

- Você conviveu com ela? Sei lá quando a esmola é demais o santo desconfia – Não lembro
de ter convivido com tia Liliana, mas eu sei que ela tem feito tanto por mim nos últimos dias
que não aceito qualquer crítica a ela, então eu digo sem pensar

- Vocês são meus amigos ou não? Porquê até agora eu não entendi a porra da lógica de
estarem contra essa viagem, se era pra vocês ficarem falando um monte de besteira era
melhor terem ficado em casa- Ao terminar de dizer isso, eu percebo que exagerei, mas não
vou pedir desculpas por uma coisa que não faz sentido eles estarem chateados. Eu também
vou sentir falta deles, pra mim também estar sendo difícil, mas se fosse eles no meu lugar,eu
aguentaria firme e daria todo o apoio que precisarem.

Eles sabem que tia Liliana me ajudou com a passagem e ficaram felizes, se é que não
estavam fingindo também e só agora um dia antes de eu viajar, resolvemos que eu confiei na
pessoa errada, sim porquê é isso que dar a entender, e sinceramente eu estou magoada
demais com a falta de empatia. Paulinho se levanta de forma abrupta e diz:

- Quer saber? Você é uma pessoa maravilhosa Dolores mas, você é impulsiva demais,
explosiva demais, e eu não vou ficar aqui escutando besteira, eu não disse nada demais pra
você surtar desse jeito, eu só estou preocupado com você, talvez eu só seja muito pé no chão
mesmo e às vezes eu veja problema em tudo, mas eu nunca quis o seu mal e não aceito ser
tratado assim – Ele diz tudo isso tão calmamente que me irrita. Ele se levanta e diz- Boa
viagem Dolores- Sei que por dentro ele está gritando pela forma que pronuncia o mru nome.

Ana Lua não diz nada apenas se levanta também segue Paulinho que já está na porta. Tenho
a impressão de que acabei de perder meus dois melhores amigos e isso me quebra por dentro,
mas com eles ou não eu preciso seguir a minha vida, buscar um futuro melhor pra minha
família.
Para tentar digerir o que acabou de acontecer, vou para o quarto e pego meu caderno, tipo
um diário onde escrevo poesias sobre as coisas que passo, é uma das formas que encontrei
para lidar com a vida, igual a vez em que sofri bulling na escola, tem um trecho que fala disso,
mas faz tanto tempo que escrevi, nem consigo mais identificar qual foi deles, e é disso que
gosto, é como falar sobre a dor para que ela possa ser esquecida depois.

Então, pego uma bolsa de apoio para colocar o caderno em cima (já há uma caneta dentro
pra essas ocasiões imprevistas mesmo), sento sobre a cama, respiro fundo e começo a
escrever como se eu fosse levada pelas palavras.

Eu ainda contemplava aquele afeto


Como quem contempla o sol banhando as nuvens de laranja e  prateado
Numa tarde de domingo, que é o dia que mais se sente saudade...
Queria que não se perdesse em meio as palavras ditas de uma forma tão  exasperada e fria como acontece depois
que o sol se vai...

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