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PREFÁ CIO
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Boris Vian

VOU CUSPIR
NO SEU TÚMULO

Traduçã o: Mauro Pinheiro


Título do original: J’irai cracher sur vos tombes

EDIOURO
PREFÁCIO
Foi por volta de julho de 1946, que Jean d’Halluin encontrou Sullivan numa espécie de
reuniã o franco-americana. Dois dias depois, Sullivan lhe entregou seu manuscrito.
Nessa ocasiã o, ele lhe disse considerar-se mais um negro do que um branco, apesar de ter
passado dos limites. É do conhecimento geral que, todos os anos, milhares de “negros”
(assim reconhecidos pela lei) desaparecem das listas do recenseamento demográ fico e
passam para o campo oposto; sua preferência pelos negros inspirou em Sullivan uma
espécie de desprezo pelos “bons negros”, aqueles nos quais, na literatura, os brancos dã o
tapinhas afetuosos nas costas. Em sua opiniã o, podemos imaginar e mesmo encontrar
negros tã o “duros” quanto os brancos. Foi isso que ele tentou demonstrar pessoalmente
neste breve romance, cujos direitos foram adquiridos por Jean d’Halluin para publicaçã o,
tã o logo tomou conhecimento do livro por intermédio de um amigo. Sullivan nã o hesitou
em deixar seu manuscrito na França, já que os contatos que mantivera com editores
americanos lhe mostraram como eram vã s quaisquer tentativas de publicaçã o em seu
pró prio país.
Aqui, nossos bem conhecidos moralistas censurarã o em certas pá ginas seu... realismo um
pouco impetuoso. Parece-nos interessante destacar a diferença fundamental entre essa
narrativa e as de Miller; este ú ltimo costuma lançar mã o de um vocabulá rio mais vivaz; ao
{1}

contrá rio, parece que Sullivan procura insinuar mais por meio do estilo e das construçõ es
verbais do que empregando o termo cru. Neste ponto, ele se aproxima de uma tradiçã o
eró tica mais latina.
Encontramos, também, nestas pá ginas, a influência extremamente nítida de Cain (ainda
{2}

que o autor nã o procure justificar por um artifício, manuscrito ou nã o, o emprego da


primeira pessoa, o que o romancista acima citado proclama como necessá rio no curioso
prefá cio de Three of a Kind, uma coletâ nea de três novelas reunidas recentemente na
América num mesmo volume e traduzidas na França por Sabine Berritz) e igualmente das
obras mais recentes de Chase e de outros adeptos do horrível. A este respeito, devemos
{3}

reconhecer que Sullivan se mostra realmente mais sá dico do que esses ilustres
predecessores. Nã o surpreende que sua obra tenha sido recusada na América. Imaginamos
que seria proibida um dia apó s sua publicaçã o. Quanto ao pró prio conteú do, é preciso ver
aí uma manifestaçã o do gosto da vingança de uma raça ainda, apesar do que dizem,
oprimida e aterrorizada, uma espécie de tentativa de exorcismo da dominaçã o dos brancos
“verdadeiros”, do mesmo modo que os homens paleolíticos pintavam bisõ es feridos por
flechas, para atrair suas presas para as armadilhas, um desprezo considerá vel pela
verossimilhança e também pelas concessõ es ao gosto do pú blico.
Enfim, a América, país da abundâ ncia, é também a terra escolhida pelos puritanos e
alcoó latras, terra da lavagem cerebral. E se nos esforçamos, na França, para conseguir um
pouco mais de originalidade, além-mar eles nã o sentem o menor embaraço ao explorar sem
vergonha uma fó rmula que demonstrou seus resultados. Que se há de fazer, é uma maneira,
como outra qualquer, de vender seu peixe....

Boris Vian
1
Ninguém me conhecia em Buckton. Clem escolhera aquela cidade por causa disso. E, de
qualquer forma, mesmo que isso me contrariasse, nã o restava mais gasolina para continuar
subindo rumo ao norte. Somente cinco litros. Meus poucos dó lares e a carta de Clem, era
tudo o que eu possuía. Sobre minha valise nem convém falar, tendo em vista seu conteú do.
Esqueci: havia na mala do carro o pequeno revó lver do garoto, um maldito 6,35 barato; a
arma ainda estava no seu bolso quando o xerife veio nos dizer que devíamos levar o corpo
até nossa casa para enterrá -lo. Convém assinalar que eu contava mais com a carta de Clem
do que com todo o resto. Aquilo devia funcionar, tinha que funcionar. Observei minhas
mã os sobre o volante, meus dedos, minhas unhas. Realmente, ninguém poderia perceber
nada. Nenhum risco, quanto a isso. Talvez eu conseguisse me safar...
Meu irmã o Tom conhecera Clem na universidade. Clem nã o se comportava com ele da
mesma forma que os outros estudantes. Ele lhe falava com boa-vontade; bebiam juntos,
saíam no Caddy de Clem. Era graças a Clem que toleravam Tom. Quando ele foi ocupar o
{4}

lugar de seu pai na direçã o da fá brica da família, Tom teve que pensar em partir também.
Entã o voltou a viver conosco. Tinha aprendido um bocado de coisas e nã o teve dificuldades
para ser nomeado professor na nova escola. E depois, a histó ria do garoto acabou mal. Eu
era suficientemente hipó crita para nã o dizer nada, mas o garoto nã o. Ele nã o via mal algum
naquilo. O pai e o irmã o da menina deram um jeito nele.
Foi assim que meu irmã o escreveu uma carta para Clem. Eu nã o podia mais ficar naquela
regiã o e ele pedia a Clem que achasse alguma coisa para mim.
Nã o muito longe, para que pudesse me ver de vez em quando, mas longe o bastante para
que ninguém nos conhecesse. Ele pensava que com meu aspecto e meu cará ter, nã o haveria
absolutamente risco algum. Talvez tivesse razã o, mas nem assim eu conseguia esquecer o
garoto. Gerente de livraria em Buckton, era este meu novo emprego. Eu precisava entrar
em contato com o antigo gerente e me inteirar do trabalho em três dias. Ele estava
assumindo outra gerência, subia de posiçã o e queria alcançar rapidamente suas metas.
O sol brilhava. A rua se chamava agora Pearl Harbor Street. Clem provavelmente nã o sabia
disso. Dava para ler o nome antigo nas placas. No nú mero 270, eu vi a loja e estacionei meu
Nash diante da porta. O gerente estava anotando nú meros nos livros contá beis, sentado
atrá s da caixa registradora. Era um homem de meia-idade, com olhos azuis e severos, e
cabelos de um louro pá lido, como pude observar ao abrir a porta. Disse-lhe bom-dia.
— Bom-dia. Você está procurando alguma coisa?
— Tenho esta carta para você.
— Ah! É você que vai me substituir. Deixe-me ver essa carta.
Ele apanhou a carta, leu e me devolveu em seguida.
— Nã o é nada complicado — disse ele. — Aqui está o estoque. (Ele fez um gesto circular
com a mã o.) As contas ficarã o prontas hoje à noite. Quanto à venda, à publicidade e ao
resto, siga as indicaçõ es dos inspetores da firma e dos papéis que você receberá .
— É uma rede?
— É . Com suas sucursais.
— Certo — aquiesci. — O que é que vende mais?
— Oh!, romances. Romances ruins, mas isso nã o é problema nosso. Livros religiosos saem
bem, e livros escolares também. Nã o muitos livros infantis, e tampouco livros sérios. Nunca
tentei explorar essa á rea.
— Os livros de religiã o, para você, nã o sã o sérios?
Ele passou a língua sobre os lá bios.
— Nã o ponha palavras na minha boca.
Sua reaçã o me fez rir.
— Nã o leve a mal, eu tampouco acho que o sejam.
— Pois bem, vou lhe dar um conselho: nã o deixe ninguém perceber isso, e vá à igreja ouvir
o pastor todos os domingos, porque senã o vai perder o emprego.
— Ok, tudo bem. Eu irei ouvir o pastor.
— Tome — disse ele, me estendendo uma folha. — Verifique isso. É a contabilidade do mês
passado. É muito simples. Recebemos todos os livros da matriz. Basta manter o controle
das entradas e saídas, em três vias. Eles passam para apanhar o dinheiro a cada 15 dias.
Você será pago em cheque, com uma pequena percentagem.
— Deixe-me ver isso — eu disse.
Apanhei a folha e me sentei sobre um balcã o baixo, atulhado de livros que tinham sido
retirados das prateleiras pelos clientes, e que ele provavelmente nã o tivera tempo para
recolocar no lugar.
— O que há para se fazer nesta regiã o? — perguntei-lhe ainda.
— Nada — respondeu. — Tem umas meninas na loja aí na frente, e bourbon no bar do
Ricardo, a dois quarteirõ es daqui.
Nã o era um cara desagradá vel, com seus modos bruscos.
— Há quanto tempo você está aqui?
— Cinco anos. E ainda restam cinco.
— E depois?
— Você é curioso.
— A culpa é sua. Por que disse que ainda restam cinco? Eu nã o perguntei nada.
Sua boca pareceu relaxar e seus olhos se franziram.
— Tem razã o. Pois bem, ainda faltam cinco anos para eu sair daqui.
— Para ir fazer o quê?
— Escrever. Escrever uns best-sellers. Só best-sellers. Romances histó ricos, romances em
que os negros dormirã o com as brancas e nã o serã o linchados, romances com moças puras
que conseguirã o crescer intactas no meio da corja só rdida dos subú rbios.
Ele riu com desdém e prosseguiu.
— Isso, best-sellers! E depois, romances extremamente audaciosos e originais. É fá cil ser
audacioso neste país; basta dizer aquilo que todo mundo pode ver se quiser se dar ao
trabalho.
— Você vai conseguir — eu disse.
— Com certeza, vou conseguir. Já tenho seis deles prontos.
— Nunca tentou publicá -los?
— Eu nã o sou amigo ou amiga de nenhum editor e nã o tenho dinheiro suficiente para
bancar a publicaçã o.
— E aí?
— E aí que, em cinco anos, terei o bastante.
— Você conseguirá , tenho certeza — concluí.
Nos dois dias que se seguiram, nã o faltou trabalho, apesar da simplicidade do
funcionamento da loja. Era preciso atualizar a lista de encomendas, e depois Hansen —
esse era o nome do gerente — me deu vá rias dicas sobre os clientes, dos quais alguns
passavam regularmente para vê-lo e conversar sobre literatura. O conhecimento deles era
limitado ao que conseguiam descobrir no Saturday Review ou na pá gina literá ria do jornal
local, que tinha uma tiragem considerá vel de sessenta mil exemplares. Por ora, eu me
contentava em ouvi-los conversar com Hansen, buscando decorar seus nomes e me
lembrar de suas aparências, pois uma coisa que conta muito nas livrarias, mais do que em
outros tipos de comércio, é chamar o cliente pelo nome assim que ele põ e os pés na loja.
No que dizia respeito a um lugar para eu morar, tínhamos feito um acordo. Eu ficaria com o
apartamento de dois cô modos que ele ocupava na sobreloja do comércio do outro lado da
rua. Ele me adiantou alguns dó lares por um tempo, para eu pagar uns três dias de hotel, e
teve a gentileza de me convidar a fazer a maior parte das refeiçõ es diá rias em sua
companhia, evitando assim que minha dívida com ele aumentasse. Era um cara bacana.
Pena que ele estivesse envolvido naquela histó ria de best-seller; nã o se escreve um best-
seller assim, mesmo com dinheiro. Talvez tivesse talento. Eu esperava que sim.
No terceiro dia, Hansen me levou até o bar do Ricardo para tomar um trago antes do
almoço. Eram dez horas e ele devia ir embora naquela tarde.
Era a ú ltima refeiçã o que faríamos juntos. Depois, eu ficaria sozinho diante dos clientes,
diante da cidade. Eu precisava conseguir. Já havia sido um bocado de sorte encontrar o
Hansen. Com a grana que eu tinha, teria podido viver três dias, vendendo umas bugigangas;
mas agora eu estava em ó timas condiçõ es. Recomeçava com o pé direito.
O bar do Ricardo nada tinha de inabitual, era limpo e feio. Cheirava à cebola frita e roscas.
Um cara de aparência comum, atrá s do balcã o, lia distraidamente o jornal.
— O que eu sirvo para vocês? — perguntou ele.
— Dois bourbons — pediu Hansen, me interrogando com o olhar.
Eu concordei.
O homem nos serviu em dois copos grandes, com gelo e canudos.
— É assim que eu tomo, sempre — explicou Hansen. — Mas nã o se sinta obrigado...
— Tudo bem — eu disse.
Se você nunca bebeu um bourbon gelado com canudo, nã o pode saber o efeito que isso
produz. É como um jato de fogo que atinge o céu da boca. Um fogo brando, é incrível.
— Excelente! — eu disse.
Meus olhos bateram com meu rosto no espelho. Eu estava com uma aparência totalmente
aturdida. Já fazia um bom tempo que nã o bebia. Hansen começou a rir.
— Nã o se preocupe — disse ele. — Logo você se acostuma, infelizmente. É isso —
prosseguiu ele —, vai ser preciso que eu ensine minhas manias no pró ximo bar que
encontrar para saciar minha sede.
— Pena que você vá embora — eu lhe disse.
Aquilo o fez rir.
— Se eu ficasse, você nã o estaria aqui!... Nã o — continuou ele —, é melhor que eu parta. Só
mais cinco anos pela frente, caramba!
Ele terminou seu copo de uma só vez e pediu outro.
— Mas você vai se acostumar rapidamente. (Ele me olhou da cabeça aos pés.) Você é um
cara simpá tico. Mas tem alguma coisa em você que nã o dá para entender. Sua voz.
Eu sorri sem responder. O cara era diabó lico.
— Você tem uma voz bastante encorpada. Você nã o é cantor?
— Nã o! Mas eu canto de vez em quando para me distrair.
Eu já nã o cantava mais. Antes, sim, antes da histó ria do garoto. Eu cantava e ele me
acompanhava com o violã o. Cantava os blues do Handy e os velhos refrõ es de New Orleans,
e outros que eu compunha no violã o, mas eu tinha perdido a vontade de tocar violã o. Eu
precisava de dinheiro. Muito. Para conseguir o resto.
— Você vai conseguir qualquer mulher, com essa voz — disse Hansen.
Eu dei com os ombros.
— Isso nã o interessa?
Ele me deu um tapa nas costas.
— Vá dar uma volta na loja de conveniências em frente da livraria. Estã o todas lá . Elas têm
um clube na cidade. Um clube de adolescentes com meias três quartos. Sabe, as meninas
que usam meias vermelhas e um pulô ver listrado, e que escrevem para Frankie Sinatra.
Aquela loja de conveniências é o quartel-general delas. Você já deve ter reparado, nã o? Nã o,
é verdade, você ficou dentro da loja todos esses dias.
Eu também pedi um segundo bourbon. A bebida circulava a toda velocidade pelos meus
braços, minhas pernas e pelo corpo inteiro.
Era isso que nos faltava ali, umas adolescentes daquelas. Eu estava a fim. Meninas de 15 e
16 anos, com os seios bem pontudos sob o pulô ver apertado, elas fazem de propó sito, as
safadas, sabem tudo. E as meias. Meias de um amarelo vivo ou verde vivo, bem esticadas
dentro de sapatos sem saltos; e saias amplas, joelhos redondos; sempre sentadas no chã o,
com as pernas afastadas, deixando expostas suas calcinhas brancas. É , eu adorava essas
adolescentes.
Hansen me observava.
— Elas topam tudo, todas elas — disse ele. — Nã o tem risco nenhum. Elas conhecem um
monte de lugares aonde podem levar você.
— Nã o pense que eu sou um cara devasso — eu disse.
— Que nada — respondeu ele —, eu queria dizer: levar você para dançar e beber.
Ele sorriu. Sem dú vida, eu tinha o ar de alguém interessado.
— Elas sã o engraçadas. Vã o acabar aparecendo na livraria para ver você — acrescentou
Hansen.
— O que elas vã o fazer lá ?
— Comprar fotos de atores e, assim por acaso, todos os livros de psicaná lise. Livros
médicos, eu quero dizer. Todas elas estudam medicina.
— Está certo — sussurrei mal-humorado. — Veremos.
Eu devo ter fingido muito bem minha indiferença, desta vez, pois Hansen começou a falar
de outro assunto. Depois, fomos almoçar e ele partiu por volta das duas da tarde. Fiquei
sozinho diante da loja.
2
Acho que fazia 15 dias que estava lá quando comecei a me entediar. Durante todo esse
tempo nã o saíra da loja. As vendas iam bem. Os livros saíam rapidamente e, quanto à
publicidade, tudo era feito de modo antecipado. Toda semana, a firma enviava, com os
livros em consignaçã o, informes ilustrados e folhetos para serem colocados bem expostos
nas prateleiras. A maior parte do tempo, bastava eu ler o resumo promocional e abrir o
livro em quatro ou cinco pá ginas diferentes para ter uma ideia geral de seu conteú do — o
suficiente ao menos para dar algumas réplicas ao infeliz que se deixava enganar por tais
artifícios: a ilustraçã o da capa, o folheto informativo e a foto do autor com uma pequena
nota biográ fica. Os livros sã o caríssimos, e esses detalhes têm sua parcela de culpa. É uma
prova de que as pessoas nã o estã o preocupadas em comprar boa literatura; elas querem ter
lido o livro recomendado pelo clube, aquele do qual todos falam, e nã o dã o a mínima para o
que tem lá dentro.
Certos livros eu recebia em grande quantidade, com a recomendaçã o de expô -los na vitrine
e com um bocado de impressos a serem distribuídos. Eu empilhava os livros ao lado da
caixa registradora e colocava um impresso dentro de cada livro. As pessoas nunca recusam
um impresso em papel acetinado, e as frases que nele estã o escritas sã o exatamente o que é
preciso para agradar à clientela dessa cidade. A matriz utilizava esse sistema para todos os
livros um pouco escandalosos — e esses eram vendidos logo no primeiro dia.
Para dizer a verdade, eu nã o me entediava realmente. Mas começava a me virar de um
modo mecâ nico dentro da rotina comercial, e assim tinha tempo para pensar no resto. O
que me deixava nervoso. Aquilo estava funcionando bem demais.
Fazia uns dias lindos. O verã o chegava ao fim. Um cheiro de poeira tomava conta da cidade.
Nas margens do rio, mais abaixo, devia ser agradá vel ficar sentado sob as á rvores. Eu ainda
nã o tinha saído desde a minha chegada, e nã o conhecia nada do campo que cercava a
cidade. Sentia necessidade de renovar o ar. Mas era sobretudo outra necessidade que me
atormentava. Eu precisava de mulher.
Depois de fechar a cortina de ferro, à s cinco horas, naquele dia, nã o entrei de novo na loja
para trabalhar como de costume, na claridade das lâ mpadas de mercú rio. Peguei meu
chapéu e, com o casaco sobre o braço, fui diretamente para a loja de conveniências, no
outro lado da rua. Eu morava bem em cima. Havia três clientes. Um menino de seus 15 anos
e duas meninas com aproximadamente a mesma idade. Eles me olharam com uma
expressã o ausente e voltaram a beber seus copos de leite batido. Só a visã o daquele líquido
me deixava enjoado. Felizmente, eu tinha um antídoto no bolso do meu casaco.
Sentei-me em uma das mesas, pró ximo da menina que parecia mais velha. A garçonete, uma
morena feiosa, ergueu ligeiramente a cabeça ao me ver.
— O que você tem aqui que nã o leva leite? — perguntei.
— Limonada? — propô s ela. — Grapefruit? Suco de tomate? Coca-Cola?
— Grapefruit — eu disse. — Nã o precisa encher o copo.
Apanhei minha garrafa no casaco e a abri.
— Nada de bebida alcoó lica aqui — protestou sem entusiasmo a garçonete.
— Tudo bem, é meu remédio! — respondi rindo. — Nã o se preocupe com sua licença...
Estendi-lhe uma nota de um dó lar. Tinha recebido meu cheque pela manhã . Noventa
dó lares por semana. Clem conhecia gente importante. Ela me deu o troco e lhe deixei uma
boa gorjeta.
Grapefruit com bourbon nã o é nada maravilhoso, mas é melhor do que puro. Comecei a me
sentir melhor. Eu ia me recuperar. Já estava me recuperando. Os três jovens me olhavam.
Para eles, um cara de 26 anos é um velho; dei um sorriso para a lourinha mais jovem; ela
vestia um pulô ver azul celeste com listras brancas, sem gola e com as mangas arregaçadas
até os cotovelos. Suas meias brancas sumiam dentro dos sapatos com grossas solas de
borracha. Ela pareceu simpá tica. O corpo já bem definido. Sua pele devia ser firme como
ameixas bem maduras. Nã o usava sutiã e os bicos dos seios se desenhavam através do
tecido de lã . Ela me sorriu também.
— Calor, né? — arrisquei.
— Mortal! — respondeu ela, se espreguiçando.
Sob suas axilas viam-se duas manchas de suor. Aquilo mexeu comigo. Levantei e coloquei
uma moeda na jukebox que havia contra a parede.
— Tem coragem de dançar? — perguntei, me aproximando dela.
— Oh! Você vai me matar! — disse ela.
Ela se colou ao meu corpo deixando-me quase sem ar. Seu cheiro era o de um bebê depois
do banho. Ela era magra e pude alcançar seu ombro direito com minha mã o direita.
Levantei meu braço e deslizei os dedos sob seu seio. Os dois outros jovens nos olharam e
começaram a dançar também. Tocava um sucesso do rá dio, Shoo Fly Pie, cantado por Dinah
Shore. Ela cantarolava a mú sica ao mesmo tempo. A garçonete erguera os olhos da revista
ao nos ver dançar e, depois de um instante, retomou sua leitura.
A menina nã o usava nada sob o pulô ver, deu para sentir imediatamente. Fiquei contente
quando o disco acabou, mais dois minutos e eu nã o estaria mais apresentá vel. Ela me
largou, voltou para seu lugar e continuou me observando.
— Você nã o dança nada mal, para um adulto... — disse ela.
— Foi meu avô que me ensinou.
— Dá pra ver — zombou a garota. — Você nã o é nem um pouco hep ...
{5}

— O jive você conhece melhor do que eu, mas posso ensinar outras coisas.
{6}

Ela fechou parcialmente os olhos.


— Coisas de gente grande?
— Depende, se você estiver a fim.
— Estou entendendo... — disse ela.
— Você nã o está me entendendo nem um pouco. Algum de vocês tem um violã o?
— Você toca violã o? — perguntou o rapaz.
Parecia que ele acordara de repente.
— Eu toco um pouco... — respondi.
— Entã o você canta também — disse a outra menina.
— Eu canto um pouco.
— Ele tem a voz igual à de Cab Calloway — provocou a outra.
Ela parecia envergonhada, vendo os outros dois falando comigo. Lentamente, eu ia
lançando a isca.
— Se você me levar a um lugar onde tem um violã o — disse-lhe, olhando-a nos olhos —, eu
mostro o que sei fazer. Nã o sou um W.C. Handy, mas sei tocar um blues.
Ela sustentou meu olhar.
— Entã o vamos à casa de B.J.
— Ele tem um violã o?
— Ela tem um violã o. Betty Jane.
— Poderia ser Baruch Junior — disse eu, de brincadeira.
{7}

— Claro! — disse a menina. — Ele mora por aqui. Vamos.


— Nó s vamos agora mesmo? — disse o rapaz.
— Por que nã o? — respondi. — Vocês vã o ver só .
— OK. Eu me chamo Dick. Ela é a Jicky — disse ele, apontando para a menina com quem eu
estava dançando.
— Eu sou Judy — apresentou-se a outra jovem.
— Meu nome é Lee Anderson. Trabalho na livraria do outro lado da rua.
— Nó s sabemos — disse Jicky. — Faz 15 dias que sabemos.
— Isso interessa tanto assim para vocês?
— Claro — emendou Judy. — Falta homem por aqui.
Saímos todos os quatro, apesar dos protestos de Dick. Eles pareciam bastante excitados. Eu
ainda tinha uma quantidade suficiente de bourbon para os excitar um pouco mais, quando
fosse necessá rio.
— Vou com vocês — eu disse, ao chegarmos na rua.
O conversível de Dick era um Chrysler, modelo antigo, e estava estacionado em frente à
porta. Ele fez as duas meninas entrarem na frente, e eu sentei atrá s.
— O que vocês fazem na vida, meus jovens? — perguntei.
O carro arrancou e Jicky se ajoelhou no banco, o rosto virado na minha direçã o, para me
responder.
— A gente trabalha — disse.
— Estuda? — sugeri.
— Isso, além de outras coisas...
— Se você vier para trá s — eu disse, forçando um pouco a voz por causa do vento — vai
ficar mais fá cil conversar.
— A maior parte do tempo... — murmurou ela.
Seus olhos se fecharam pela metade. Ela devia ter aprendido aquilo num filme qualquer.
— Você nã o quer se comprometer, é isso?
— É isso! — respondeu.
Eu a segurei pelos ombros e fiz com que passasse para trá s.
— Cuidado aí, vocês dois! — interveio Judy, virando-se para nó s. — Você tem um modo
especial de falar...
Ao passar Jicky para minha esquerda, dei um jeito de apalpá -la nos bons lugares.
Realmente, ela nã o era nada mal. Pela sua expressã o, parecia ter entendido a brincadeira.
Quando ela sentou no assento de couro, passei meu braço em volta do seu pescoço.
— Agora fique quieta — eu disse —, ou entã o vai ganhar umas palmadas.
— O que tem aí nessa garrafa? — perguntou ela.
Meu casaco estava sobre minhas pernas. Ela deslizou a mã o sob o tecido e, nã o sei se foi de
propó sito, mas tocou no lugar certo.
— Espere um pouco — eu disse, removendo sua mã o. — Eu sirvo.
Tirei a tampa metá lica e lhe estendi a garrafa. Ela tomou um bom gole.
— Nã o acabe com tudo! — protestou Dick.
Ele nos vigiava pelo retrovisor.
— Passe um pouco pra mim, Lee, seu macaco velho...
— Fique tranquilo, tem mais.
Com uma mã o ele segurava o volante e com a outra alcançou a garrafa.
— Sem brincadeira! — aconselhou Judy. — Vai pegar mal pra gente!
— Você é a cabeça fria do grupo — eu lhe disse. — Nunca perde o controle?
— Nunca — ela confirmou.
Num gesto rá pido, ela interceptou a garrafa no momento em que Dick ia devolvê-la.
Quando me entregou, estava vazia.
— Muito bem — aprovei. — Assim é melhor.
— Oh, nã o é lá essas coisas... — disse ela.
Pude ver as lá grimas nos seus olhos, mas a menina manteve-se sob controle. Sua voz soou
um pouco abafada.
— Agora — reclamou Jicky — nã o sobrou para mim...
— Vamos apanhar mais — propus. — Vamos buscar o violã o e depois passamos no
Ricardo.
— Você tem sorte — disse o rapaz. — Ninguém nos vende á lcool.
— É isso o que dá , ter a aparência assim tã o jovem — lancei, zombando deles.
— Nem tã o jovem assim — resmungou Jicky.
Ela começou a se mexer e se instalou de tal modo que bastava eu fechar os dedos para tocar
no seu corpo. O conversível parou de repente e eu deixei minha mã o deslizar
negligentemente ao longo de seu braço.
— Já volto — anunciou Dick.
Saltou do carro e correu em direçã o à casa. Esta fazia parte de um conjunto que
visivelmente havia sido construído pela mesma empresa que construíra todo o loteamento.
Dick reapareceu sob o pó rtico. Trazia um violã o num estojo de couro envernizado. Depois
de bater a porta, voltou para o carro com passos rá pidos.
— B.J. nã o está — disse ele. — O que vamos fazer?
— Depois devolvemos — sugeri. — Vamos. Passe pelo bar do Ricardo, que vou encher esse
negó cio.
— Você vai ganhar uma bela reputaçã o — disse Judy.
— Ora — tranquilizei-a —, todos vã o entender que foram vocês que me arrastaram para
uma só rdida orgia.
Refizemos o trajeto no sentido contrá rio, mas o violã o estava me atrapalhando. Disse ao
rapaz para estacionar um pouco antes do bar e desci para reabastecer. Comprei mais uma
garrafa e voltei para o carro. Dick e Judy, ajoelhados no banco da frente, discutiam
energicamente com a loura.
— O que você acha, Lee — indagou o rapaz. — Vamos dar um mergulho?
— Tudo bem — respondi. — Você me empresta um calçã o? Eu nã o trouxe o meu...
— Ora, a gente dá um jeito.
Ele arrancou e saímos do limite da cidade. Quase imediatamente, ele tomou um caminho
transversal, com espaço para um carro apenas e pessimamente conservado. Na verdade,
nem um pouco conservado.
— A gente conhece um lugar incrível para tomar banho — disse ele. — Nunca tem
ninguém! E a á gua é uma delícia!
— Um rio de trutas?
— É . Com pedras e areia branca. Ninguém costuma ir lá . Só nó s usamos esse caminho.
— Dá para ver! — exclamei, segurando meu queixo, que parecia querer se deslocar a cada
solavanco. — Você devia trocar este conversível por um trator.
— Faz parte da aventura — explicou ele. — Assim ninguém vem meter o nariz no pedaço.
Ele acelerou e eu encomendei minha alma ao Criador. O caminho fazia uma curva brusca e,
150 metros à frente, ele parou. Está vamos no meio de um matagal. O Chrysler ficou
estacionado diante de uma enorme á rvore, e Dick e Judy saltaram. Eu saí primeiro e peguei
Jicky no salto. Dick apanhou o violã o e seguiu na frente. Nó s o seguimos. Havia uma
passagem estreita sob os galhos das á rvores e, de repente, está vamos diante de um rio de
á gua fresca e transparente como um copo de gim. O sol já baixara, o calor porém seguia
intenso. De um lado do rio, a á gua fremia na sombra, do outro, ela brilhava suavemente sob
os raios oblíquos. Um gramado denso, seco e poeirento descia até a margem.
— Nada mal, este lugar — aprovei. — Vocês o acharam sozinhos?
— A gente nã o é tã o burra assim — lançou Jicky.
E fui atingido no pescoço por uma quantidade enorme de terra seca.
— Se você nã o se comportar, nã o bebe mais nada — ameacei a menina, batendo com a mã o
no bolso de meu casaco para acentuar o alcance das minhas palavras.
— Eh! Nã o fique zangado, seu velho cantor de blues — disse ela. — Em vez disso, mostra
para gente o que você sabe tocar.
— E o calçã o? — perguntei ao Dick.
— Nã o esquente — respondeu. — Nã o tem ninguém aqui.
Quando me virei, Judy já havia retirado seu suéter de malha. Por baixo ela nã o tinha nada.
Sua saia deslizou ao longo das pernas e, num segundo, ela se livrou dos sapatos e das meias.
Completamente nua, ela se deitou na grama. Eu devia estar com uma expressã o bem
estú pida, pois ela riu na minha cara com tanto desdém que, por pouco, nã o perdi a
compostura. Dick e Jicky, despidos também, se deitaram ao seu lado. Era o cú mulo do
ridículo que logo eu parecesse embaraçado. Notei, contudo, a magreza do rapaz, com as
costelas sobressaindo sob a pele bronzeada pelo sol.
— Ok — eu disse. — Nã o há por que fazer cerimô nia.
De propó sito, fui devagar. Eu sei muito bem o que vale meu corpo quando estou pelado, e
posso garantir que eles tiveram tempo para se dar conta disso, enquanto eu me despia.
Estalei meus ossos, me espreguiçando com vontade, e me sentei perto deles. Ainda nã o
tinha me acalmado totalmente, depois do contato com o corpo de Jicky, mas nã o tentei
dissimular o que quer que fosse. Acho que eles tinham pensado que eu ia ficar
constrangido.
Apanhei o violã o. Era um Ediphone excelente, mas nã o era nada cô modo tocar daquele
jeito, sentado na grama, e entã o eu disse ao Dick:
— Você se importa se eu for buscar uma almofada do carro?
— Vou com você — disse Jicky, disparando como uma enguia através dos arbustos.
Tive uma sensaçã o estranha, ao ver aquele corpo de menina com sua cabeça de estrela de
cinema, correndo no meio do mato sob a sombra. Larguei o violã o e a segui. Ela estava
adiantada e, quando alcancei o carro, já voltava, carregando uma pesada almofada de
couro.
— Deixe eu levar!
— Pode deixar comigo, Tarzan — gritou ela.
Nã o dei atençã o a seus protestos e a agarrei com força por trá s. Ela largou a almofada e se
deixou levar. Aquilo me excitou. Ela deve ter percebido e se debateu como pô de. Comecei a
rir. Era agradá vel. A grama alta naquele local era macia como um colchã o. Jicky deitou-se
no chã o e eu saltei sobre ela. Lutamos como dois selvagens. Sua pele estava bronzeada até o
bico dos seios, sem aquela marca de sutiã que desfigura as mulheres nuas. E lisa como um
pêssego, nua como veio ao mundo, mas no momento em que consegui segurá -la sob o meu
corpo, percebi que ela sabia das coisas. Ela me ofereceu a mais bela demonstraçã o técnica
que eu tivera havia muitos meses. Sob meus dedos, eu sentia suas costas macias e cô ncavas
e, mais abaixo, sua bunda, dura como um melã o. Aquilo durou apenas uns dez minutos. Ela
fingiu adormecer e, no instante em que comecei a me entregar a fundo, me empurrou para
o lado e saiu correndo na direçã o do rio. Apanhei a almofada e parti atrá s dela. Na margem
do rio, Jicky tomou impulso e deu um mergulho perfeito.
— Já vai para a á gua?
Era a voz de Judy. Mastigava uma haste de capim, deitada de costas, a cabeça apoiada sobre
as mã os. Dick, estendido a seu lado, lhe acariciava as pernas. Uma das garrafas estava
jogada no chã o. Ela notou meu olhar.
— É ... está vazia — disse, rindo. — Mas deixamos uma para vocês.
Jicky brincava dentro da á gua. Apanhei a outra garrafa no casaco e depois mergulhei. A
á gua estava morna. Eu me sentia em plena forma. Nadei bem rá pido e a alcancei no meio do
rio. Havia talvez dois metros de profundidade e uma correnteza muito fraca.
— Está com sede? — perguntei-lhe, agitando um dos braços para manter-me à superfície.
— Claro! — respondeu. — Sabe, você é irritante com seus ares de campeã o do rodeio!
— Venha — eu lhe disse. — Tente flutuar de costas.
Ela relaxou e eu deslizei um braço sob seu corpo. Entreguei-lhe a garrafa com a outra mã o.
Depois deixei meus dedos descerem ao longo das suas coxas. Afastei levemente suas pernas
e, mais uma vez, a penetrei. Ela se acoplou a meu corpo. Está vamos quase em pé e nos
mexíamos só o bastante para nã o ir ao fundo.
3
Assim seguiram-se os dias, até setembro. O grupo de jovens contava com uns cinco ou seis
meninas e meninos: B.J., a quem pertencia o violã o, era sem graça, mas sua pele tinha um
cheiro extraordiná rio; Susie Ann, uma outra loura, mais roliça que Jicky, e uma menina
morena insignificante que dançava o tempo todo. Os rapazes eram tã o bobos quanto eu
podia desejar. Nã o me arrisquei mais em sair na cidade com eles: aquilo me teria dado uma
má reputaçã o na comunidade. Nos encontrá vamos perto do rio, e eles guardavam segredo
sobre isso, pois eu era uma fonte segura de bourbon e de gim.
Eu transava com todas elas, uma depois da outra, mas era simples demais, um pouco
enjoativo. Elas se entregavam com a mesma facilidade com que se escova os dentes, por
higiene. Pareciam um bando de macacos, despreocupados, gulosos, barulhentos e
perversos; era o que me bastava por ora. Com frequência, eu tocava violã o; só isso me teria
bastado, mesmo se eu nã o pudesse dar uma surra em todos os rapazes ao mesmo tempo.
Eles me ensinavam o jitterbug e o jive; logo eu estava dançando melhor do que eles. Mas
{8}

nã o era culpa deles.


Enquanto isso, recomecei a pensar no garoto, e aquilo me prejudicava o sono. Voltei a ver
Tom duas vezes. Ele estava conseguindo se segurar. Nã o falavam mais daquela histó ria na
regiã o. As pessoas o deixavam tranquilo, na sua escola, e quanto a mim, de qualquer modo
elas quase nunca me viam. O pai de Anne Moran tinha mandado a filha para a universidade.
O filho continuava morando com ele. Tom me perguntou se tudo estava indo bem e eu lhe
disse que já tinha 120 dó lares na minha conta bancá ria. Eu economizava em tudo, menos
no á lcool, e a venda dos livros ia bem. Com o fim do verã o, eu esperava que os negó cios
crescessem. Ele me aconselhou a nã o negligenciar meus deveres religiosos. Mas disso eu
tinha conseguido me desembaraçar, dando um jeito para que ninguém notasse. Tom
acreditava em Deus. Eu, eu ia à missa aos domingos, como Hansen, mas acho que nã o dá
para se manter lú cido e acreditar em Deus ao mesmo tempo, e era preciso que eu
conservasse minha lucidez.
Depois da igreja, nos reencontrá vamos no rio e fazíamos sexo com as meninas com o
mesmo pudor de um bando de macacos no cio; e éramos exatamente isso, posso garantir.
Depois, o verã o acabou sem que o sentíssemos, e começou a época das chuvas.
Passei a frequentar mais o bar do Ricardo. De vez em quando, eu ia até a loja de
conveniências para sacudir os ossos com o grupo; na verdade eu começava a falar em jive
melhor do que eles, tinha também uma maior disposiçã o natural para isso. Um bocado de
gente começou a voltar para Buckton, depois das férias. Eram os mais ricos, que vinham da
Fló rida e de Santa Mô nica e nã o sei mais de onde. Todos eles bronzeados, bem louros,
porém, nã o mais do que nó s, que tínhamos aproveitado o rio. A livraria acabou virando um
ponto de encontro para todos.
Os recém-chegados ainda nã o me conheciam, mas havia tempo para isso, e eu nã o tinha
pressa.
4
E em seguida, o Dexter voltou também. O grupo nã o parava de falar desse cara. Ele morava
numa das casas mais belas do melhor bairro da cidade. Seus pais ficavam em Nova York, e
ele todos os anos passava uma temporada em Buckton, pois tinha os pulmõ es frá geis. A
família era originá ria de Buckton, uma cidade onde se pode estudar tã o bem quanto em
qualquer outro lugar. Eu já conhecia o Packard de Dexter, seus tacos de golfe, seu rá dio, sua
adega e seu bar como se eu tivesse passado a vida inteira na sua casa. Nã o fiquei
decepcionado ao vê-lo. Era exatamente o crá pula imundo que se esperava. Um cara magro,
moreno, traços de índio, com os olhos negros fingidos, cabelos encrespados e uma boca fina
sob um grande nariz curvado. Suas mã os eram horríveis, verdadeiras patas com as unhas
tortas, mais largas que longas e intumescidas como as de alguém adoentado.
Todos ficavam atrá s de Dexter, como cã es atacando um pedaço de fígado. Perdi um pouco
da minha importâ ncia como provedor de bebida alcoó lica, mas ainda me restava o violã o, e
eu lhes reservara algo que nem sequer poderiam imaginar. Nã o havia pressa. Eu precisava
conseguir uma boa presa e, no grupo de Dexter, eu certamente acharia o que buscava,
desde que comecei a sonhar com o garoto todas as noites. Acho que Dexter gostou de mim.
Talvez me detestasse por causa dos meus mú sculos e da minha estatura, e ainda por causa
do meu violã o, mas isso também o atraía. Eu possuía tudo o que lhe faltava. De sua parte,
ele tinha a grana. Tínhamos sido feitos para nos entendermos. Além disso, ele percebera
desde o início que eu estava disposto a fazer um bocado de coisas. Dex nã o tinha dú vida
alguma sobre minhas intençõ es. Nã o, nã o chegava a esse ponto. Como poderia ele ter
imaginado mais do que os outros? Ele pensava apenas, acho, que, com meu auxílio,
faríamos umas orgias particularmente intensas. E nesse ponto, nã o estava enganado.
A cidade estava quase cheia, agora. Comecei a vender apostilas de ciências naturais,
geologia e física, e de um monte de outras coisas deste gênero. Eles me mandavam todos os
seus colegas. As meninas eram terríveis. Quatorze anos e já arrumavam um jeito para se
deixarem bolinar, e olhe que é preciso caprichar se quiser achar um pretexto para ser
acariciada comprando um livro... Mas, o tempo todo, isso funcionava: elas me faziam tocar
seus bíceps para constatar o resultado das férias, e depois, uma coisa levando à outra,
passá vamos para as coxas. Elas eram demais. Ainda assim, havia alguns clientes sérios e eu
tomava cuidado. Mas, pouco importava a hora do dia, as meninas estavam quentes como
cabras, e ú midas a escorrer pelo chã o. Nã o deve ser um trabalho repousante o de professor
numa universidade, a julgar pelo que acontecia com um simples comerciante de livros.
Quando as aulas recomeçaram, fiquei um pouco mais tranquilo. Elas só apareciam na parte
da tarde. O mais incrível é que os rapazes também gostavam de mim. Nã o eram machos
nem fêmeas aquelas criaturas; exceto alguns que já ganhavam as formas de homens, todos
os outros sentiam tanto prazer quanto as meninas ao cair nas minhas garras. E sempre
aquela mania de dançar em todo lugar. Nã o me lembro de ter visto cinco deles reunidos
sem que começassem a cantarolar alguma coisa e se sacudir no mesmo ritmo. Aquilo me
fazia bem. Era algo que vinha do meu povo.
O meu físico nã o me preocupava mais. Acho que era impossível suspeitar. Dexter, porém,
me assustou numa das vezes em que está vamos no rio. Eu estava de brincadeira, pelado,
com uma das meninas, que eu lançava para o alto fazendo seu corpo girar sobre meus
braços, como uma boneca. Ele nos observava por trá s, deitado de bruços. Eram um triste
espetá culo suas costas esqueléticas cheias de cicatrizes de punçõ es; já tinha sofrido duas
pleurisias.
Ele estava me olhando de baixo, e me disse:
— Seu corpo nã o tem a mesma forma dos outros, Lee, seus ombros sã o inclinados como os
de um boxeador negro.
Deixei a menina de lado e me coloquei em guarda. Depois dancei em volta dele, cantando
uma de minhas composiçõ es, e todos acharam muita graça, mas eu fiquei chateado. Dexter
nã o estava rindo. Apenas continuou olhando para mim.
À noite, olhando-me no espelho acima da pia, foi minha vez de rir. Com aqueles cabelos
louros e aquela pele branca e rosada, realmente eu nã o corria risco algum. Enganaria a
todos. Quanto ao Dexter, era a inveja que o levava a falar aquelas coisas. E depois, eu tinha
mesmo os ombros inclinados. E daí? Naquela noite eu dormi como raramente me acontecia.
Dois dias depois, eles organizaram uma festa de fim de semana na casa de Dexter. Traje a
rigor. Fui alugar um smoking, e o vendedor fez uns rá pidos ajustes; o cara que o vestiu
antes de mim devia ter mais ou menos a minha altura, e me caiu muito bem.
Voltei a pensar no garoto naquela noite.
5
Quando cheguei na casa de Dexter, entendi o motivo do traje a rigor: nosso grupo estava
imerso no meio de um monte de “gente de bem”. Reconheci alguns imediatamente: o
médico, o pastor e outras figuras do gênero. Um empregado negro veio apanhar meu
chapéu e percebi que havia mais dois outros por ali. Em seguida, Dexter me segurou pelo
braço e me apresentou a seus pais. Compreendi entã o que era seu aniversá rio. Sua mã e se
parecia com ele, uma mulher baixa, magra, de cabelos pretos, com os olhos turvos, e seu pai
era do tipo desses homens que dá vontade de sufocar lentamente com um travesseiro, por
conta do jeito que têm de nos ignorar. B.J., Judy, Jicky e as outras, com seus vestidos longos,
se mostravam muito simpá ticas. Eu nã o conseguia evitar e pensava em seus sexos, vendo-
as com aqueles trejeitos todos para beber um coquetel e se deixar convidar a dançar por
sujeitos de ó culos com uma expressã o séria nos rostos. De vez em quando trocá vamos
piscadelas, para nã o perder contato. Tudo parecia tã o deplorá vel.
Havia de fato muita bebida. Dexter sabia muito bem receber os amigos. Apresentei-me
sozinho a uma ou duas moças, dançamos rumbas, e eu bebia, nã o havia muita coisa a se
fazer. Um bom blues com Judy me fez sentir melhor; ela era uma daquelas com quem eu
menos fazia sexo. Em geral, parecia me evitar, e eu nã o procurava por ela mais do que por
outras; contudo, acreditei naquela noite que eu nã o sairia vivo de dentro de suas coxas.
Meu Deus! Que calor! Ela quis que subíssemos para o quarto de Dexter, mas achei que nã o
ficaríamos tranquilos ali e a levei para beber um pouco, como compensaçã o, e, em seguida,
senti um soco entre os olhos ao ver o grupo que acabava de chegar.
Havia três mulheres — duas jovens e uma de aproximadamente 40 anos — e um homem —
mas deixemos este de lado. Sim, eu soube que tinha enfim encontrado. Eram aquelas duas
ali — e o garoto se regozijaria dentro de seu tú mulo. Apertei o braço de Judy, e ela deve ter
pensado que eu a estava desejando pois se aproximou mais de mim. Eu colocaria muito
bem aquelas duas na minha cama. Afastei-me um pouco de Judy e deixei cair meu braço,
acariciando sua bunda discretamente.
— Quem sã o aquelas duas bonecas ali, Judy?
— Está interessado, hein, seu velho vendedor de catá logos.
— Sério. Onde o Dexter pô de encontrar essas maravilhas?
— É gente da alta sociedade, nada de adolescentes rebeldes do subú rbio como nó s,
entende, Lee? Nem pensar em se banhar no rio com elas.
— É mesmo lamentá vel! Se fosse preciso, eu traçaria até mesmo a mais velha para poder
ter as outras duas.
— Nã o fique tã o excitado, rapaz. Elas nã o sã o daqui.
— E de onde vêm?
— Prixville. Uns 150 quilô metros daqui. Sã o velhos amigos do pai de Dexter.
— Todas as duas?
— É . Por quê? Você está meio sonso esta noite, meu caro Joe Louis. Sã o duas irmã s, a mã e e
o pai. Lou Asquith, Jean Asquith. Jean é a loura. A mais velha. Lou tem cinco anos a menos.
— Deve ter uns 16 anos — eu disse.
— Quinze. Lee Anderson, você vai abandonar o grupo para correr atrá s das filhinhas do
papai Asquith?
— Nã o seja boba, Judy. Elas nã o te atraem, essas meninas?
— Eu prefiro os rapazes; me desculpe, mas estou muito normal hoje. Dança comigo, Lee.
— Você me apresenta a elas?
— Peça ao Dexter.
— Tudo bem — eu disse.
Dancei com ela os dois ú ltimos compassos do disco que terminava e me afastei. Dexter
estava conversando no canto da sala com uma desconhecida qualquer. Eu o abordei.
— Oi, Dexter!
— Oi.
Ele se virou. Parecia estar rindo da minha cara, mas eu nã o me importei nem um pouco.
— Aquelas meninas... Asquith... eu acho. Pode me apresentar a elas?
— Claro que sim, meu velho. Venha comigo.
De bem perto, elas superavam o que eu vira do bar. Eram sensacionais. Eu lhes disse
qualquer coisa e convidei a morena, Lou, para dançar a mú sica lenta que o cara que cuidava
dos discos encontrara numa pilha. Minha nossa! Agradeci aos céus e ao cara que fizera
aquele smoking perfeito para mim. Eu a mantinha um pouco mais perto do que se costuma
fazer, mas, assim mesmo, nã o ousei tocá -la com meu corpo, como fazíamos entre nó s do
grupo, quando dava vontade. Seu perfume era complexo, certamente caríssimo;
provavelmente francês. Ela tinha os cabelos castanhos penteados para um lado da cabeça,
os olhos amarelos de gato selvagem num rosto triangular bastante pá lido; e seu corpo —
melhor nem pensar. Seu vestido parecia ficar no lugar por si mesmo, nã o sei como, pois nã o
havia nada para o prender, nem aos ombros e nem ao pescoço, nada, apenas seus seios, e
tenho de dizer que, com seios duros e pontudos como aqueles, ela poderia colocar duas
dú zias de vestidos com o mesmo peso. Fiz com que ela se aproximasse um pouco mais e,
pela abertura de meu smoking, pude sentir seu mamilo tocar meu peito através da minha
camisa de seda. Nas outras, via-se logo a calcinha sobressaindo por trá s do tecido, sobre as
coxas, mas ela devia ter dado outro jeito, porque das axilas aos calcanhares, sua silhueta era
tã o lisa quanto um jato de leite. Tentei lhe falar qualquer coisa. E o fiz assim que recuperei
o fô lego.
— Como é que pode nã o vermos nunca você por aqui?
— Eu estou aqui, está vendo?
Ela se afastou um pouco para me observar. Eu era uns 20 centímetros mais alto do que ela.
— Quero dizer, na cidade...
— Você me veria se fosse a Prixville.
— Entã o acho que vou alugar alguma coisa em Prixville...
Eu tinha hesitado antes de lhe lançar aquilo. Nã o queria ir rá pido demais, porém, com essas
meninas, nunca se sabe. É preciso correr certos riscos. Mas ela nã o pareceu impressionada.
Sorriu um pouco, mas os olhos continuavam frios.
— Ainda assim, você nã o me veria muito.
— Imagino que exista um bocado de admiradores...
Decididamente, eu estava indo longe demais. Nã o se pode vestir-se daquela maneira
quando se tem olhos tã o frios.
— Oh — disse ela. — Nã o tem muita gente interessante em Prixville.
— Tudo bem — eu disse. — Entã o tenho chances?
— Nã o sei se você é interessante.
Segura essa. Afinal, eu mesmo tinha procurado. Mas nã o desisti facilmente.
— O que lhe interessa?
— Você nã o é nada mal. Mas posso estar enganada. Nã o conheço você.
— Sou amigo de Dexter, de Dick Page e dos outros...
— Conheço o Dick. Mas o Dexter é um cara estranho...
— Ele tem dinheiro demais para ser um cara interessante — eu disse.
— Entã o eu acho que você nã o vai gostar nem um pouco da minha família. Sabe, nó s
também temos muito dinheiro.
— Dá para perceber... — respondi, aproximando meu rosto de seus cabelos.
Ela sorriu outra vez.
— Você gosta do meu perfume?
— Adoro.
— Curioso... — disse ela. — Eu poderia jurar que você preferia o cheiro dos cavalos, da
graxa das armas e do unguento.
— Nã o coloque um ró tulo em mim... — reagi. — A culpa nã o é minha se tenho este físico e
me falta uma cara de anjo.
— Detesto os anjos — disse ela. — Mas detesto ainda mais os homens que gostam de
cavalos.
— Nunca cheguei perto desses animais. Quando posso ver você outra vez?
— Ora... ainda nã o fui embora — respondeu ela. — Você tem toda a noite pela frente.
— Nã o é o bastante.
— Depende de você.
E ela me deixou ali, pois a mú sica acabava de chegar ao fim. Olhei-a deslizando entre os
casais, e ela virou-se para rir de mim, mas nã o riu de um modo desencorajador. Ela tinha
um corpo capaz de acordar um membro do Congresso.
Voltei para o bar, onde encontrei Dick e Jicky. Estavam bebericando um Martini. Pareciam
estar bastante entediados.
— Oh, Dick! — eu lhe disse. — Nã o ria tanto assim, vai acabar deformando seu rosto...
— É mesmo, homem dos pelos longos? — interveio Jicky. — O que você acabou de fazer?
Trepou com uma negra? Ou caçou uma galinha de luxo?
— Para um cara de pelos longos, estou começando a me excitar um pouco. Vamos embora
daqui com algumas pessoas simpá ticas e vou mostrar do que sou capaz.
— Pessoas simpá ticas com olhos de gato e vestido sem alças, nã o é?
— Jicky, minha boneca — eu lhe disse, me aproximando dela e segurando suas mã os —,
você nã o vai me censurar por gostar de meninas bonitas.
Eu a apertei um pouco contra meu corpo, olhando bem nos seus olhos. Ela morreu de rir.
— Você é um chato, Lee. Está cansado de nossa turma? Afinal, sabe, eu também nã o sou um
mau partido; meu pai ganha pelo menos vinte mil por ano...
— Mas, enfim, vocês estã o se divertindo aqui? Isso está mortal. Vamos apanhar umas
garrafas e sair fora. Esse ambiente está me sufocando.
— Você acha que Dexter vai gostar?
— Suponho que Dexter tenha outra coisa a fazer do que se preocupar conosco.
— E suas beldades? Você acha que elas vã o vir assim tã o facilmente?
— Dick as conhece... — afirmei, olhando para ele de soslaio.
Dick, menos parvo que de costume, bateu nas pró prias pernas.
— Lee, você nã o é mole. Nunca perde a direçã o!
— Pensei que eu era um cara de pelos longos.
— Deve ser uma peruca.
— Vá procurar aquelas duas criaturas — eu disse. — Traga elas aqui. Ou melhor, faça com
que entrem no meu carro. Ou no seu, se preferir.
— Mas sob que pretexto?
— Ora, Dick! — eu o tranquilizei. — Vocês e essas donzelas têm certamente um monte de
recordaçõ es de infâ ncia em comum...
Ele se foi, pouco entusiasmado, mas rindo. Jicky escutava tudo e ria da minha cara. Fiz-lhe
um sinal. Ela se aproximou.
— Você — eu lhe disse — vá procurar a Judy e o Bill, e apanhe umas sete ou oito garrafas.
— Aonde vamos?
— Aonde podemos ir?
— Meus pais nã o estã o em casa — respondeu Jicky. — Só meu irmã ozinho. Deve estar
dormindo. Vamos para lá .
— Você é o má ximo, Jicky. Palavra de índio.
Ela abaixou a voz.
— Você faz aquilo comigo?
— O quê?
— Você vai fazer comigo, Lee?
— Ah! Claro que vou — respondi.
Apesar de eu já estar habituado com a Jicky, acho que poderia fazer com ela naquele exato
momento. Era muito excitante vê-la de vestido longo, com seus cabelos lisos escorrendo
como uma onda ao longo de sua face esquerda, seu olhar um pouco oblíquo e sua boca
inocente. Ela estava ofegante e suas faces ficaram rosadas.
— É estú pido, Lee, sei que a gente faz isso o tempo todo... Mas eu adoro!
— Tudo bem, Jicky — eu disse, acariciando seu ombro. — Vamos fazer ainda muitas vezes
antes de morrermos...
Ela apertou com força minha mã o e se afastou antes que eu pudesse retê-la. Eu queria lhe
dizer agora o que eu era; queria dizer, para ver sua reaçã o... mas Jicky nã o era uma presa à
minha altura. Eu me sentia forte como John Henry, e meu coraçã o nã o corria o risco de ser
{9}

partido.
Eu me virei para o bar e pedi um martini duplo ao cara atrá s do balcã o. Entornei tudo de
uma vez e fui ver se podia ajudar o Dick em alguma coisa.
A mais velha das filhas de Asquith apareceu na sala. Conversava com Dexter. Este me
desagradava mais ainda do que de costume, com sua mecha de cabelo preto pendendo
sobre a testa. Seu smoking lhe caía realmente bem. Parecia até um cara forte, e seu rosto
bronzeado com aquela camisa branca parecia anunciar: “Passe suas férias no Splendid, em
Miami”.
Eu me aproximei deles sem constrangimento.
— Dex — eu disse —, você vai me matar se eu convidar a senhorita Asquith para dançar
esta mú sica lenta?
— Você é forte demais para mim, Lee — respondeu ele. — Nã o vou brigar com você.
De fato, acho que ele nã o se importava, mas era difícil saber o que ele queria dizer com
aquele tom. Jean Asquith já estava nos meus braços.
Acho que eu preferia ainda assim a sua irmã , Lou. Mas nunca teria lhes dado cinco anos de
diferença. Jean Asquith tinha quase a minha altura. Era bem mais alta que sua irmã . Seu
vestido era de duas peças, um tecido preto transparente de sete ou oito camadas para a
saia, com um sutiã todo enfeitado, mas que ocupava pouco espaço. Sua pele tinha a cor do
â mbar, com alguns sinais de nascença sobre os ombros e as têmporas, e seus cabelos
cortados bem curtos e cacheados davam à sua cabeça uma forma arredondada. Seu rosto
era também mais cheio do que o de Lou.
— Você acha que dá para se divertir aqui? — perguntei.
— Essas festas sã o sempre iguais. Hoje nã o está pior do que as outras noites.
— Neste instante — eu disse — prefiro esta à s outras.
Ela sabia dançar. Eu nã o tinha muito trabalho. E, além disso, sentia-me à vontade para me
aproximar dela mais do que de sua irmã , pois ela podia falar comigo sem me olhar de baixo.
Ela encostou sua face na minha; abaixando os olhos, eu podia ver uma orelha bem
delineada sob seus cabelos e a curva de seu ombro. Seu cheiro me lembrava a salva e as
ervas selvagens.
— Que perfume você está usando? — continuei, já que ela nã o me respondia.
— Nunca ponho perfume — disse ela.
Nã o insisti naquele assunto. Arrisquei o tudo ou nada.
— O que você acha de irmos para um lugar onde poderemos nos divertir de verdade?
— Ou seja...
Sua voz era indolente e, com a cabeça baixa, parecia vir de algum lugar atrá s de mim.
— Ou seja, um lugar onde poderemos beber bastante, fumar bastante e dançar bastante
com muito espaço.
— O contrá rio disso aqui — sussurrou. — Mas parece mais uma dança tribal do que outra
coisa.
Na verdade, fazia cinco minutos que nã o conseguíamos sair daquele lugar, e nos mexíamos
cadenciadamente sem avançar nem recuar. Afrouxei meu enlace e, sem soltar sua cintura, a
guiei na direçã o da saída.
— Vamos entã o — eu lhe disse. — Vou levar você na casa de uns amigos.
— Ó timo — aquiesceu ela.
Virei-me para ela no momento em que me respondia, e seu há lito me atingiu em pleno
rosto. Duvido que já nã o tivesse bebido sua meia-garrafa de gim.
— Quem sã o esses seus amigos?
— Sã o pessoas simpá ticas — eu a tranquilizei.
Atravessamos o vestíbulo sem obstá culos. Nã o me preocupei em buscar seu agasalho. A
noite estava quente e perfumada pelos jasmins da varanda.
— Mas, vem cá — disse Jean Asquith, parando na porta —, eu nã o conheço você nem um
pouco.
— Claro que conhece! — eu lhe disse puxando seu braço. — Eu sou o velho Lee Anderson.
Ela começou a rir e se inclinou para trá s.
— Mas claro... Lee Anderson... Vamos, Lee, estã o nos esperando.
Agora, era eu que tinha dificuldades de acompanhá -la. Ela desceu os cinco degraus em 1
segundo e eu a alcancei 10 metros à frente.
— Ei! Nã o precisa correr tanto — eu lhe disse.
Segurei-a pelo braço e apontei para o carro. Judy e Bill nos aguardavam dentro do Nash.
— Já nos abastecemos de bebida — disse Judy. — O Dick foi na frente, com os outros.
— E Lou Asquith? — perguntei.
— Também, Don Juan. Vamos embora.
Jean Asquith sentou no meu carro, apoiou a cabeça sobre o encosto do assento, estendeu
uma mã o frouxa para Bill.
— Oi! Como vai?... Está chovendo?
— Nã o! — respondeu Bill. — O barô metro registrou uma queda, mas o tempo só deve
mudar amanhã .
— Oh! Esse carro nã o consegue subir essa colina.
— Nã o fale mal do meu Duesenberg — protestei. — Você nã o está com frio?
Eu me inclinei para trá s, buscando uma capota hipotética e, sem querer, o botã o da manga
da minha camisa se prendeu no seu vestido e acabei descobrindo seus joelhos. Nossa
Senhora! Que par de pernas!...
— Estou morrendo de calor — respondeu Jean, com a voz hesitante.
Passei a primeira e segui o carro de Dick, que acabara de arrancar. Havia uma fila de carros
de todos os tipos diante da casa de Dexter. Eu teria muito bem apanhado um deles para
substituir meu velho Nash. Mas nã o precisava de um carro novo.
Jicky nã o morava muito longe, era uma casa no estilo Virginia. O jardim, cercado por
arbustos bem altos, a distinguia das residências vizinhas.
As luzes de freio do carro de Dick acenderam e depois se apagaram; eu parei atrá s e ouvi
baterem as portas do conversível. Quatro pessoas desceram do carro: Dick, Jicky, Lou e um
outro cara. Reconheci-o pelo seu modo de subir as escadas da casa, era o pequeno Nicholas.
Dick e ele carregavam, cada um, duas garrafas. Notei que Judy e Bill também levavam
algumas. Jean Asquith nã o dava a impressã o de querer saltar do Nash, e eu dei a volta pelo
carro. Abri a porta e coloquei um braço sob sua perna e outro em torno do pescoço. Ela já
estava de cara cheia. Judy parou atrá s de mim.
— Ela está grogue, sua amiguinha, Lee. Você deu um soco nela?
— Nã o sei se fui eu ou o gim que ela bebeu — resmunguei. — Mas este sono nã o tem nada
de inocente.
— É hora de aproveitar, meu caro. Vai.
— Nã o me aborreça. É muito fá cil com uma mulher embriagada.
— Vocês estã o fazendo o quê?
Era a voz suave de Jean, que acordava.
— Vocês vã o parar de me balançar?
Quando eu vi que ela ia vomitar, dei um salto no jardim de Jicky. Judy fechou a porta do
carro e eu segurei Jean pela cabeça, enquanto ela se esvaziava. Estava limpo. Nada além de
gim puro. Ela pesava como um cavalo. Totalmente largada. Segurei-a com uma mã o apenas.
— Arregace minha manga — pedi a Judy.
Ela ajudou a puxar a manga do meu smoking ao longo do braço e a retirá -lo, e eu mudei de
lado para continuar segurando a filha mais velha dos Asquith.
— Pode deixar — disse Judy, quando a operaçã o terminou. — Eu guardo para você. Nã o
tenha pressa.
Bill, enquanto isso, tinha se afastado com as garrafas.
— Onde tem á gua por aqui? — perguntei a Judy.
— Dentro de casa. Venha, vamos passar pelos fundos.
Eu a segui pelo jardim, arrastando Jean que tropeçava no cascalho do caminho. Caramba!
Como ela era pesada! Precisei usar as duas mã os. Judy foi na frente, subindo a escada que
conduzia ao andar superior. Os outros já estavam fazendo um tremendo barulho na sala,
cujas portas fechadas, felizmente, abafavam seus gritos. Subi tateando no escuro, me
guiando pela sombra clara de Judy. No alto, ela achou enfim um interruptor e entramos no
banheiro. Havia um grande tapete de borracha alveolada diante da banheira.
— Ponha ela aí em cima — sugeriu Judy.
— Sem brincadeira — respondi. — Retire a saia dela.
Manipulando o fecho lateral, ela arrancou o leve tecido num piscar de olhos. Depois enrolou
as meias até os calcanhares. Realmente, eu nã o sabia o que era uma menina bem feita antes
de ver Jean Asquith nua, sobre aquele tapete de banheiro. Um sonho. Ela estava com os
olhos fechados e babava um pouco. Enxuguei sua boca com uma toalha. Nã o era por ela,
mas por mim. Judy vasculhava o armá rio de remédios.
— Achei exatamente o que ela precisa, Lee. Faça ela beber isso.
— Ela nã o pode beber agora. Está dormindo. Seu estô mago está vazio.
— Entã o, vá nessa, Lee. Nã o se incomode comigo. Quando ela acordar, talvez nã o esteja a
fim.
— Nã o pegue pesado, Judy.
— Incomoda a você que eu esteja vestida?
Ela foi até a porta e girou a chave na fechadura. Em seguida, retirou seu vestido e seu sutiã .
Ficou só com as meias.
— É com você agora, Lee.
Ela sentou-se na banheira, as pernas afastadas, e me observou. Eu nã o pude esperar mais.
Arranquei toda a minha roupa.
— Coma ela, Lee. Rá pido.
— Judy — eu disse. — Você nã o presta.
— Por quê? Acho divertido ver você em cima dela. Vá , Lee, vá ...
Deixei meu corpo cair sobre o da menina, mas aquela danada da Judy tinha me deixado
surpreso. Eu nã o estava conseguindo. Continuei ajoelhado, ela entre minhas pernas. Judy se
aproximou.
— Vou ajudar, Lee. Deite-se sobre ela.
Obedeci e a Judy chegou ainda mais perto. Senti sua mã o me tocando e me orientando para
onde ir. Mas ela nã o me soltou. Quase dei um berro de tã o excitado que estava. Jean Asquith
permanecia imó vel e, depois, meus olhos se fixaram no seu rosto, ela babava ainda. Seus
olhos se abriram parcialmente e depois fecharam-se, e eu senti que ela começava a se
mover um pouco — remexendo na altura dos rins — e Judy continuou enquanto isso, sua
outra mã o acariciava minhas pernas.
Judy levantou-se entã o. Deu alguns passos e a luz se apagou. Ela nã o ousava também fazer
aquilo tudo à s claras. Quando voltou, pensei que ia recomeçar, mas ela se inclinou sobre
mim e me apalpou. Eu ainda estava em posiçã o, e ela se estendeu ao meu lado, em sentido
contrá rio, e, em vez de sua mã o, agora, era sua boca que eu sentia.
6
Mas eu acabei me dando conta, depois de um tempo, que os outros iam achar aquilo
estranho, e consegui me livrar das duas. Nã o sei mais exatamente em que lugar do banheiro
está vamos.
Minha cabeça girava um pouco e eu sentia dor nas costas. Meus quadris tinham sido
lacerados pelas garras incontrolá veis de Jean Asquith. Arrastei-me e me apoiei na parede
até encontrar o interruptor. Ouvi Judy se mexendo. Quando a luz acendeu eu a vi sentada
no chã o, esfregando os olhos. Jean Asquith estava deitada de bruços sobre o tapete de
borracha, a cabeça sobre o braço, parecia estar dormindo. Meu Deus, que lombo tinha
aquela menina! Vesti rapidamente minha camisa e minha calça. Judy retocou seu rosto no
espelho sobre a pia. Em seguida, apanhei uma toalha de banho e a encharquei de á gua.
Levantei a cabeça de Jean Asquith para acordá -la — seus olhos estavam bem abertos — e,
palavra, ela começou a rir. Segurei-a pela cintura e fiz com que sentasse na borda da
banheira.
— Uma ducha vai lhe fazer bem.
— Estou tã o cansada — disse ela. — Acho que bebi muito.
— Eu também acho — acrescentou Judy.
— Nem tanto — eu a tranquilizei. — Você só estava precisando de uma soneca.
Entã o, ela se ergueu agarrando meu pescoço, e ela sabia beijar também. Afastei-a com
cuidado e a coloquei dentro da banheira.
— Feche os olhos e levante a cabeça...
Abri as duas torneiras e a á gua caiu sobre ela. Sob a á gua morna, seu corpo se contraiu e vi
os bicos dos seus seios escurecerem e crescerem lentamente.
— Isso é bom...
Judy colocava as meias.
— Vamos rá pido, vocês dois. Se a gente descer logo, talvez ainda tenha alguma coisa para
beber.
Apanhei um roupã o. Jean fechou as torneiras e eu a envolvi com o tecido esponjoso. Com
certeza, ela gostou daquilo.
— Onde estamos? — perguntou. — Na casa do Dexter?
— Nã o, na casa de outros amigos — respondi. — Estava muito chato na casa de Dexter.
— Vocês fizeram bem em me trazer para cá — disse ela. — Aqui é mais agradá vel.
Ela estava bem seca. Passei-lhe seu vestido de duas peças.
— Ponha isso. Dê um jeito no seu rosto e venha.
Dirigi-me até a porta. Abri-a antes de Judy, que desceu correndo a escada. Preparei-me para
segui-la.
— Espere por mim, Lee.
Jean se virou para que eu fechasse seu sutiã . Mordi-lhe levemente a nuca. Ela deixou a
cabeça pender para trá s.
— Você ainda vai fazer sexo comigo?
— Com muita boa vontade — respondi. — Quando você quiser.
— Agora mesmo?
— Sua irmã vai se perguntar por onde você anda.
— A Lou está aqui?
— Claro!
— Oh! É melhor assim — disse Jean. — Vou poder vigiá -la.
— Tenho certeza de que isso vai ser muito ú til para ela.
— O que você acha da Lou?
— Eu faria sexo com ela também — eu disse.
Ela riu de novo.
— Eu acho que ela é formidá vel. Queria ser como ela. Se você a visse nua...
— É tudo o que eu queria — respondi.
— Nossa! Você é um tremendo patife!
— Me desculpe. Nã o tive tempo para aprender os bons modos.
— Eu gosto de seus modos — disse ela, me olhando com um ar afetuoso.
Passei meu braço por sua cintura e a empurrei para a porta.
— Está na hora de descermos.
— Eu também gosto da sua voz.
— Venha.
— Quer casar comigo?
— Nã o fale besteira.
Comecei a descer a escada.
— Nã o estou falando besteira. Você devia se casar comigo, agora.
Ela parecia perfeitamente calma, e segura do que dizia.
— Nã o posso me casar com você.
— Por quê?
— Acho que prefiro sua irmã .
Ela riu novamente.
— Lee, eu adoro você!
— Agradeço — eu disse.
Eles estavam todos na sala, na maior algazarra. Empurrei a porta e deixei Jean passar.
Nossa chegada foi saudada por um concerto de grunhidos. Tinham aberto latas de frango
semipronto e comiam como um bando de suínos. Bill, Dick e Nicholas estavam só de camisa
e sujos de molho. Lou tinha uma enorme mancha de maionese no vestido, de cima a baixo.
Quanto a Judy e Jicky, elas se empanturravam totalmente inconscientes. Percebi que cinco
garrafas estavam em vias de extinçã o.
O rá dio tocava em surdina um concerto de mú sica para dançar.
Ao ver o frango, Jean Asquith soltou um grito de guerra e atacou com as mã os um bom
pedaço, que ela mordeu imediatamente. Eu entã o servi um prato para mim.
Nã o havia dú vida, as coisas começavam bem.
7
À s três da madrugada, Dexter telefonou. Jean continuava aplicada a confeccionar um
segundo porre ainda mais bonito que o primeiro, e eu aproveitei para deixar que Nicholas
aproveitasse. Eu nã o largava a Lou, fazendo com que bebesse o má ximo possível, mas ela
nã o se deixava levar e foi preciso que eu usasse um bocado de astú cia. Dexter nos prevenia
de que os Asquith começavam a estranhar a ausência das filhas. Perguntei a ele como havia
descoberto nosso local de reuniã o, e ele morreu de rir do outro lado da linha. Expliquei
entã o por que tínhamos ido embora.
— Tudo bem, Lee — disse ele. — Eu sei que, aqui em casa, nã o tinha nada com que se
divertir esta noite. Cheio de gente muito séria.
— Venha para cá , Dex — eu propus.
— Acabou a bebida?
Como sempre, o cara se mostrava mordaz e, como sempre, sua voz tinha um tom
totalmente inocente.
— Nã o é isso — retruquei. — Você deveria vir para se distrair um pouco.
— Nã o posso sair daqui — respondeu. — Se pudesse, eu iria. O que eu digo aos pais das
meninas?
— Diga que a gente vai entregar as mocinhas em domicílio.
— Nã o sei se vã o gostar disso, Lee.
— Elas já estã o na idade de se virarem sozinhas.
— Está certo, Lee, mas eles sabem muito bem que elas nã o estã o sozinhas.
— Dê um jeito entã o, meu velho Dexter. Conto contigo.
— Ok, Lee. Vou dar um jeito. Até mais.
— Até mais.
Ele desligou e eu fiz o mesmo, voltando à s minhas ocupaçõ es. Jicky e Bill começavam a
fazer alguns exercícios nã o recomendá veis para meninas de boas famílias, e fiquei curioso
para ver a reaçã o de Lou. Finalmente, ela começou a beber um pouco. Aquilo nã o parecia
lhe impressionar, mesmo quando Bill começou a retirar o vestido de Jicky.
— O que eu posso te servir para beber?
— Uísque.
— Beba isso rá pido e depois vamos dançar.
Eu enlacei sua cintura e tentei levá -la para a outra sala.
— O que a gente vai fazer lá ?
— Tem muito barulho aqui.
Ela me seguiu calada. Sem protestar, Lou sentou-se no sofá ao meu lado, mas quando
comecei a fazer uns carinhos, ganhei um desses tapas que marcam a vida de um homem.
Fiquei muito furioso, mas consegui manter o sorriso.
— Tire as mã os daí — disse Lou.
— Você está pegando pesado — eu falei.
— Nã o fui eu que comecei.
— Mas isso nã o é um motivo. Você esperava que isso fosse uma reuniã o dominical da
escola? Ou que tivéssemos vindo aqui para jogar bingo?
— Nã o estou a fim de ser o grande prêmio.
— Queira ou nã o, você é o grande prêmio.
— Está pensando na grana do meu pai?
— Nã o. Estou pensando nisso — respondi.
Derrubei-a em cima do sofá e retirei a parte da frente de seu vestido. Ela se debateu como
um demô nio. Seus seios saltaram da seda clara.
— Me deixe! Você é um grosso!
— Nã o. Eu sou um homem.
— Você me dá nojo — disse ela, tentando se soltar. — O que você fez com a Jean lá em cima
durante uma hora?
— Eu nã o fiz nada... Você viu que a Judy estava conosco.
— Estou começando a entender que tipo de gente vocês sã o, Lee Anderson, e com que tipo
de gente vocês andam.
— Lou, eu juro que nã o toquei na sua irmã , a nã o ser para deixá -la só bria.
— Você está mentindo. Nã o viu a cara dela quando vocês desceram?
— Palavra — insisti. — Parece que você está é com ciú mes.
— Mas, quem é você? Quem pensa que é?
— Você acha que, se eu tivesse... tocado na sua irmã , ainda estaria com vontade de transar
com você?
— Ela nã o é melhor do que eu!
Eu ainda a mantinha presa sobre o sofá . Mas ela parara de se debater. Ergueu-se um pouco
e, inclinado sobre seu corpo, beijei seus seios lentamente, um apó s o outro, acariciando os
bicos com minha língua. Em seguida, me levantei.
— Nã o, Lou — eu lhe disse. — Ela nã o é melhor do que você.
Deixei-a deitada e me afastei bruscamente, temendo uma reaçã o violenta. Entã o ela se
virou para o outro lado e começou a chorar.
8
Depois disso, eu retomei meu trabalho de todos os dias. A isca tinha sido lançada, esperaria
agora que as coisas acontecessem por si mesmas. Eu tinha certeza de que voltaria a vê-las.
Jean, eu nã o acreditava que pudesse me esquecer, depois de ver aquele jeito de ela me
olhar; e Lou, bem, eu contava um pouco com sua idade e também com o que eu lhe dissera e
fizera na casa de Jicky.
Na semana seguinte, recebi um grande carregamento de livros que me anunciou o fim do
outono e o início do inverno; continuei trabalhando e economizando meus dó lares. Agora,
eu já tinha uma boa grana. Uma miséria, na verdade, mas aquilo me bastava. Precisei fazer
algumas despesas com roupas novas e o conserto do carro. Eu tinha substituído, vá rias
vezes, o guitarrista da ú nica orquestra local aceitá vel, que tocava no Stork Club. Acho que
aquele Stork Club nã o tinha nada a ver com o outro, de Nova York, mas os jovens de ó culos
vinham aos montes com as filhas dos corretores de seguro e comerciantes de trator da
regiã o. Com isso, eu arrumava mais algum dinheiro e conseguia vender livros para as
pessoas que eu acabava conhecendo por lá . O pessoal do grupo aparecia também, de vez em
quando. Eu continuava a vê-los regularmente e estava sempre indo para cama com Judy e
Jicky. Nã o conseguia me livrar de Jicky. Mas, felizmente, havia aquelas duas, pois eu estava
em ó tima forma. Fora isso, eu fazia giná stica e ganhava mú sculos de lutador de boxe.
Entã o, certa noite, uma semana apó s a festa na casa de Dexter, recebi uma carta de Tom. Ele
me pedia para ir vê-lo assim que fosse possível. Aproveitei o sá bado para ir visitá -lo. Sabia
que, se me escrevera, era porque havia uma boa razã o, e eu suspeitava de que a coisa fosse
séria.
Por causa das eleiçõ es, os caras tinham sabotado a votaçã o, seguindo as ordens do senador,
o crá pula mais desgraçado que se podia encontrar em todo o país, Balbo. Depois que os
{10}

negros começaram a votar, ele multiplicou suas provocaçõ es. Ele era tã o safado que, dois
dias antes da votaçã o, seus homens dispersaram uma reuniã o da comunidade negra e
deixaram dois no chã o.
Meu irmã o, na qualidade de professor da escola para os negros, protestara publicamente
por meio de uma carta e, por conta disso, fora espancado no dia seguinte. Ele me escreveu
pedindo que fosse buscá -lo de carro para levá -lo a outro lugar.
Ele me aguardava em casa, sozinho numa sala escura. Estava sentado numa cadeira. Suas
costas largas curvadas e sua cabeça dentro das mã os me fizeram mal. Eu sentia o sangue da
có lera, meu bom sangue negro, explodindo nas minhas veias e zunindo nos meus ouvidos.
Ele se levantou e me segurou pelos ombros. Sua boca estava inchada e ele tinha
dificuldades para falar. Quando eu ia bater nas suas costas a fim de o consolar, ele
interrompeu meu gesto.
— Eles me bateram com chicote — disse ele.
— Quem fez isso?
— Os homens de Balbo e o filho de Moran.
— Ele, de novo?
Nã o pude impedir meus punhos de se crisparem. Uma raiva á spera me invadia pouco a
pouco.
— Você quer que a gente acabe com ele, Tom?
— Nã o, Lee. Nã o podemos fazer isso. Sua vida estará acabada. Você tem uma chance, você
nã o tem as marcas.
— Mas você é melhor do que eu, Tom.
— Olhe minhas mã os, Lee. Olhe minhas unhas. Olhe meus cabelos e meus lá bios. Eu sou
negro, Lee. Nã o posso escapar. Você...
Ele se calou, me observava. Aquele cara realmente gostava de mim.
— Você, Lee, você pode escapar. Deus o ajudará . Ele o ajudará a conseguir, Lee.
— Deus nã o está se importando nem um pouco — eu disse.
Ele sorriu. Conhecia minha falta de convicçã o.
— Lee, você saiu da cidade ainda muito jovem e perdeu sua religiã o, mas Deus o perdoará
quando chegar a hora. É dos homens que temos que fugir. Mas você deve se entregar a Ele
com as mã os e o coraçã o abertos.
— Para onde você vai, Tom? Está precisando de dinheiro?
— Nã o, eu tenho dinheiro, Lee. Queria sair de casa com você. Eu quero...
Ele se calou um instante. As palavras saíam com dificuldade da sua boca deformada.
— Eu quero queimar esta casa, Lee. Nosso pai a construiu. Nó s devemos a ele tudo o que
somos. Ele era quase branco de pele, Lee. Mas lembre-se de que ele nunca renegou sua raça.
Nosso irmã o está morto, e ninguém ficará com a casa que nosso pai construiu com suas
mã os de negro.
Nã o havia mais nada a dizer. Ajudei Tom a fazer suas malas e colocamos tudo sobre a
capota do meu Nash. Nossa casa ficava bastante isolada, na periferia da cidade. Enquanto
Tom acabava de arrumar suas coisas, saí para amarrar sua bagagem sobre o carro.
Depois de alguns minutos, ele saiu.
— Vamos — disse ele. — Vamos embora, porque ainda nã o chegou o tempo em que a
justiça reinará sobre esta terra para os homens negros.
Uma claridade vermelha cintilava na cozinha, e ela se expandiu de repente. Houve a
explosã o surda de um tambor de gasolina, e as chamas ganharam as janelas do cô modo
vizinho. Depois, uma flama devorou as pranchas das paredes, e o vento atiçou o incêndio. O
clarã o tomou conta de tudo, e o rosto de Tom, em meio à quela luz vermelha, brilhava de
suor. Duas lá grimas grossas escorreram de seus olhos. Entã o ele colocou a mã o sobre meu
ombro e nos viramos para ir embora.
Acho que Tom poderia ter vendido a casa; com o dinheiro seria possível causar alguns
aborrecimentos para a família Moran, talvez acabar com um deles, mas eu nã o queria
impedi-lo de agir segundo suas ideias. Eu agia a meu modo. Ele tinha um bocado desses
preconceitos de bondade e de divindade na cabeça. Era honesto demais, o Tom, e isso o
prejudicava. Ele acreditava que, fazendo o bem, colhia-se o bem, ora, quando isso acontece
é apenas uma coincidência. Só há uma coisa que conta, se vingar, e se vingar da maneira
mais completa possível. Eu pensei no garoto, que era ainda mais branco do que eu. Quando
o pai de Anne Moran soube que ele flertava com sua filha e que eles saíam juntos, aquilo
nã o se arrastou por muito tempo.
Mas o garoto nunca tinha saído da cidade; eu tinha passado mais de dez anos afastado e, em
contato com pessoas que nã o conheciam minha origem, consegui perder aquela humildade
abjeta que nos deram pouco a pouco, como um reflexo, aquela humildade odiosa, que fazia
os lá bios feridos de Tom proferirem palavras de piedade, aquele terror que levava nossos
irmã os a se esconderem ao ouvir os passos do homem branco. Mas eu sabia muito bem que,
tomando sua pele, o subjugaríamos, pois ele fala demais e se trai diante daqueles que julga
seus semelhantes.
Com Bill, com Dick, com Judy, eu já havia conseguido meus pontos. Mas dizer para eles que
acabavam de ser ludibriados por um negro, isso nã o me ajudaria em nada. Com Lou e Jean
Asquith eu teria minha revanche sobre os Moran e sobre todos os outros. Dois por um. E
eles nã o acabariam comigo como haviam feito com meu irmã o.
Tom cochilava no carro. Eu acelerei. Devia levá -lo até o entroncamento da Murchison
Junction, de onde ele tomaria o expresso para o Norte. Ele decidira ir para Nova York. Era
um cara de coragem, o Tom. Um cara corajoso demasiadamente sentimental.
Demasiadamente humilde.
9
No dia seguinte voltei para Buckton e fui trabalhar sem ter dormido. Estava sem sono.
Continuei esperando. Aconteceu perto de onze horas, na forma de um telefonema. Jean
Asquith me convidava e a Dexter, além de outros amigos dela, para a visitarmos no fim de
semana. Eu aceitei, naturalmente, porém, sem afobaçã o.
— Vou fazer o possível...
— Tente vir — disse ela ao telefone.
— Nã o estã o lhe faltando cavalheiros a esse ponto — brinquei. — Ou entã o, você mora
mesmo num buraco.
— Os homens daqui nã o sabem lidar com uma mulher que bebeu demais.
Fiquei frio e ela percebeu, pois ouvi um riso do outro lado.
— Venha. Realmente, estou a fim de ver você, Lee Anderson. E Lou também vai gostar.
— Mande um beijo para ela de minha parte. E diga a ela para fazer o mesmo com você.
Retomei o trabalho com mais entusiasmo. Sentia-me bem outra vez. À noite, eu iria
encontrar o pessoal na loja de conveniências e levaria Judy e Jicky para passear no meu
Nash. Nã o é muito cô modo num carro, mas podemos encontrar â ngulos inéditos. Mais uma
noite bem dormida.
Para completar meu guarda-roupa, no dia seguinte eu ia comprar uma espécie de estojo de
toalete e uma valise pequena; um par de pijamas novos e outras coisas sem grande
importâ ncia, mas que me faziam falta. Nã o queria passar por um mendigo no meio daquela
gente, e eu sabia mais ou menos o que é preciso para nã o ser visto como um mendigo.
No fim da tarde de quinta-feira, eu acabava de atualizar meu caixa e preencher a papelada
quando, lá pelas cinco e meia, vi o carro de Dexter parar em frente à loja. Abri a porta, pois
a loja já estava fechada, e ele entrou.
— Salve, Lee — ele disse. — Os negó cios vã o bem?
— Nada mal, Dex. E os estudos?
— Oh... Vou levando. O beisebol e o hó quei nã o me interessam o bastante para fazer de mim
um estudante notá vel, sabe?
— E o que o traz até aqui?
— Passei aqui para irmos juntos jantar em algum lugar e, depois, vou mostrar para você
uma das minhas distraçõ es favoritas.
— Está ó timo, Dex. Só preciso de cinco minutos.
— Estou esperando no carro.
Enfiei as folhas e o dinheiro dentro da caixa e fechei a porta de ferro, depois saí pelos
fundos, carregando meu casaco. A temperatura estava alta, quente demais para a época. O
ar estava ú mido e pegajoso, e as coisas ficavam grudadas nos dedos.
— Vamos levar o violã o? — perguntei ao Dexter.
— Nã o precisa. Esta noite, eu cuido das distraçõ es.
— Entã o vamos.
Sentei ao seu lado. Seu Packard era bem diferente do meu Nash, mas o cara nã o sabia
dirigir direito. Para fazer o motor de uma má quina como aquela engasgar duas vezes
seguidas, é preciso se esforçar.
— Aonde você vai me levar, Dex?
— Primeiro, vamos jantar no Stork, depois, vou levá -lo lá aonde a gente vai.
— Você vai sá bado na casa dos Asquith?
— Vou. Posso levá -lo comigo, se quiser.
Era um modo de eu nã o chegar lá no meu Nash. Valia a pena ir junto com ele.
— Obrigado. Eu aceito.
— Você sabe jogar golfe, Lee?
— Eu só tentei uma vez na vida.
— Você tem a roupa adequada e os tacos?
— Nunca tive! Está pensando que sou o Kaiser? {11}

— Os Asquith têm um campo de golfe. Eu o aconselho a dizer que seu médico o proibiu de
jogar.
— Será que vai colar...
— E bridge, você joga?
— Jogo... jogo.
— Mas joga bem?
— Jogo.
— Entã o, sugiro igualmente que você diga que uma partida de bridge nã o lhe interessa nem
um pouco.
— Espere aí — insisti —, eu sei jogar.
— Você pode perder quinhentos dó lares sem reclamar?
— Isso me incomodaria.
— Entã o siga também este conselho.
— Você está cheio de gentilezas hoje, Dex — eu lhe disse. — Se você me convidou para me
dizer que eu sou muito duro para frequentar essa gente, diga logo de uma vez e tchau.
— Você deveria era me agradecer, Lee. Estou lhe dando os meios de poder se garantir
diante dessa gente, como você diz.
— Eu me pergunto qual é seu interesse nisso.
— Tenho meus interesses.
Ele se calou por um instante e freou bruscamente para respeitar um sinal vermelho. O
Packard se acomodou em seu molejo dianteiro e ficou imó vel.
— Nã o vejo quais sã o.
— Queria saber onde pretende chegar com essas meninas.
— Todas as meninas bonitas precisam de atençã o.
— Você tem nas mã os uma dú zia delas que sã o também bonitas e muito mais fá ceis.
— Nã o acho que a primeira parte de sua frase seja inteiramente verdadeira — respondi —,
e tampouco a ú ltima.
Ele me olhou com segundas intençõ es. Eu preferia que ele se concentrasse na direçã o.
— Você me surpreende, Lee.
— Francamente — eu disse —, acho que essas duas meninas me agradam.
— Eu sei que você gosta disso — concordou Dexter.
Certamente, nã o era esse o assunto que ele queria tratar comigo.
— Nã o acho que seja mais difícil ir para a cama com elas do que com a Judy ou a Jicky.
— Mas nã o é apenas isso que você está procurando, Lee.
— É apenas isso, sim.
— Entã o, tome cuidado. Nã o sei o que você fez com a Jean mas, cinco minutos no telefone,
ela conseguiu pronunciar quatro vezes seu nome.
— Fico feliz de ter-lhe causado uma boa impressã o.
— Nã o sã o do tipo de moça com quem você pode ir para a cama sem se casar de algum
modo. Pelo menos, é o que eu acho. Sabe, Lee, eu as conheço desde quando eu tinha 10
anos.
— Entã o eu tive sorte — afirmei. — Porque eu nã o estou pensando em me casar com
nenhuma das duas, mas pretendo ir para a cama com as duas.
Dexter nã o respondeu e continuou olhando para mim. Será que Judy tinha lhe contado
sobre nossa sessã o na casa de Jicky, ou será que ele nã o sabia de nada? Acho que aquele
cara era capaz de adivinhar a maior parte das coisas, mesmo que ninguém lhe contasse
nada.
— Chegamos — disse ele.
Percebi que o carro já estava estacionado na frente do Stork Club e desci.
Ao entrarmos, segui na frente de Dexter e foi ele quem deu a gorjeta para a morena no
balcã o. Um garçom que eu conhecia nos conduziu à mesa que nos tinha sido reservada.
Nesses lugares, eles tentavam imitar os ambientes sofisticados e o efeito era cô mico.
Cumprimentei Blackie, o maestro, ao passar por ele. Estava na hora do coquetel, e a
orquestra tocava mú sicas dançantes. Eu conhecia a maior parte dos clientes, de vista. Mas
costumava vê-los de cima do palco e é sempre estranho se encontrar bruscamente com os
inimigos no lado da audiência.
Sentamos e Dexter pediu martinis triplos.
— Lee — me disse ele —, nã o vou mais falar sobre isso, mas tome cuidado com aquelas
meninas.
— Eu sempre tomo cuidado — respondi. — Nã o sei o que você está querendo sugerir mas,
em geral, tenho consciência do que faço.
Ele nã o disse mais nada e, dois minutos depois, falou de outra coisa. Quando ele deixava de
lado aquele ar superior, era capaz de dizer coisas interessantes.
10
Quando saímos, já tínhamos bebido um bocado e eu tomei o volante, apesar dos protestos
de Dexter.
— Nã o quero que você estrague o carro antes de sá bado. Você nunca olha para frente
quando está dirigindo e isso me dá a impressã o de que vou morrer.
— Mas você nã o conhece o caminho, Lee.
— Nã o tem problema! — disse a ele. — Você me mostra.
— É um bairro da cidade que você nã o conhece, vai ser complicado.
— Nã o me aborreça, Dex. Qual é a rua?
— Pois bem, vá até o nú mero 300 da Stephen’s Street.
— É naquela direçã o? — perguntei, apontando o indicador vagamente para o bairro que
ficava a oeste da cidade.
— É . Você sabe onde fica?
— Eu conheço tudo — tranquilizei-o. — E vamos nessa.
Era uma delícia dirigir aquele Packard. Dexter nã o gostava dele. Preferia o Cadillac de seus
pais; mas em comparaçã o ao meu Nash, era um espetá culo.
— É para a Stephen’s Street que nó s vamos?
— Ao lado — respondeu Dexter.
Apesar da quantidade de á lcool que tinha nas tripas, ele se mantinha só lido. Parecia nã o ter
bebido nada.
Chegamos no meio do bairro pobre da cidade. A Stephen’s Street começava bem mas, a
partir do nú mero 200, só havia nela residências baratas e depois umas casas de andar
ú nico, cada vez mais miserá veis. O nú mero 300 ainda estava de pé. Havia alguns carros
velhos diante das casas, uns modelos do tempo do Ford T. Estacionei o carro de Dexter
onde ele me indicou.
— Venha, Lee — disse ele. — Vamos andar um pouco.
Ele fechou as portas e saímos andando. Viramos numa rua transversal e avançamos uns
100 metros. Havia á rvores e tapumes destroçados. Dex parou diante de uma construçã o de
dois andares, cuja parte superior era feita de pranchas de madeira. Por milagre, a cerca de
arame, em torno de um monte de detritos que constituía o jardim, estava mais ou menos
em bom estado. Ele entrou sem bater. A noite caía e os desvã os fervilhavam com sombras
bizarras.
— Venha, Lee. É aqui.
— Estou indo.
Havia uma roseira na frente da casa, uma só , mas seu odor bastava para cobrir os bafios das
imundices que se acumulavam em todo canto. Uma negra gorda veio abrir a porta,
atendendo a campainha. Sem dizer nada, ela deu as costas para o Dexter, que a seguiu.
Fechei a porta atrá s de mim.
Ela se afastou para nos deixar passar. Num pequeno quarto, havia um sofá , uma garrafa e
dois copos, e duas meninas de 11 a 12 anos. Uma era ruiva e gorda, coberta de sardas; a
outra era uma negra, mais velha do que a primeira, ao que parecia.
Estavam comportadamente sentadas no sofá , vestidas com camisetas e saias curtas demais.
— Pronto, esses moços trouxeram uns dó lares para vocês — disse a negra que nos
recebera. — Comportem-se direitinho com eles.
Ela saiu e nos deixou. Eu olhei para o Dexter.
— Tire a roupa, Lee — disse ele. — Está muito quente aqui.
Depois se dirigiu à ruiva.
— Venha me ajudar, Jo.
— Eu me chamo Polly — disse a criança. — Você vai me dar uns dó lares?
— Claro — respondeu Dexter.
Ele retirou do bolso uma nota amassada de dez e deu à menina.
— Venha, me ajude a tirar minha calça.
Eu ainda estava imó vel. Observei a ruiva se levantar. Talvez tivesse um pouco mais de 12
anos. Sua bunda bem firme se escondia atrá s de uma saia curtíssima. Eu sabia que Dexter
estava olhando para mim.
— Vou ficar com a ruiva — disse ele.
— Você sabe que podemos ir em cana por causa disso?
— É a cor que o incomoda? — proferiu ele, de modo brutal.
Entã o era isso que tinha preparado para mim. Ele continuava me olhando com a mecha de
seus cabelos sobre o olho. Sem pressa. Acho que nã o demonstrei nenhum embaraço. As
duas garotas nã o se mexiam mais, um pouco amedrontadas...
— Venha, Polly — chamou Dex. — Você quer beber um gole?
— É melhor nã o — respondeu ela. — Posso ajudar sem beber.
Em menos de um minuto ele estava despido, e colocou a menina sobre suas pernas,
levantando sua saia. Seu rosto foi ficando sinistro e ele começou a ofegar.
— Você nã o vai me machucar? — indagou ela.
— Deixe comigo — respondeu Dexter. — Senã o, nada de dó lar.
Ele lhe enfiou a mã o entre as pernas, e ela começou a chorar.
— Cale a boca! — repreendeu Dex. — Vou falar para Anna bater em você.
Ele se virou para mim. Eu ainda nã o tinha saído do lugar.
— É a cor da pele dela que o incomoda? — repetiu ele. — Você prefere a minha?
— Nã o, está tudo bem — respondi.
Olhei para a outra menina. Ela coçava a cabeça, absolutamente indiferente a tudo aquilo.
Parecia mais experiente.
— Venha — eu lhe disse.
— Pode ir tranquilo, Lee — disse o Dex —, elas sã o limpas. Você vai parar de chorar?
Polly parou de soluçar e respirou fundo.
— Você é muito grande... — protestou ela. — Está doendo!
— Cale a boca — disse Dexter. — Vou dar mais 5 dó lares para você.
Ele arfava como um cã o. E depois, ele a agarrou pelas coxas e começou a se agitar na
cadeira.
As lá grimas de Polly escorriam agora em silêncio. A menina negra me olhava.
— Tire sua roupa — eu lhe disse. — Deite naquele sofá .
Retirei meu casaco e abri o cinto. Ela soltou um leve grito quando a penetrei. E estava
ardente como o inferno.
11
No sá bado à noite, eu ainda nã o tinha voltado a ver o Dexter. Resolvi apanhar meu Nash e ir
a sua casa. Se ele ainda fosse para a casa dos Asquith, eu deixaria meu carro na sua
garagem. Caso contrá rio, partiria diretamente.
Eu o deixara passando muito mal na noite precedente. Ele devia estar muito mais bêbado
do que eu pensava, e começou a fazer umas brincadeiras estranhas. A pequena Polly
guardaria por conta disso uma marca no seio esquerdo, pois aquele imbecil decidiu mordê-
la como um cã o raivoso. Ele achava que seus dó lares a acalmariam, mas a mulher negra
apareceu rapidamente no quarto e o ameaçou de nunca mais recebê-lo. Com certeza, nã o
era a primeira vez que ele ia ali. Dex nã o queria deixar Polly ir embora, seu cheiro de ruiva
devia agradá -lo. Anna fez uma espécie de curativo e deu a Polly um sonífero, mas foi
obrigada a deixá -la ali, com Dex, que lambeu todo o seu corpo, fazendo um barulho nojento
com a boca.
Eu me dei conta do que ele devia sentir, porque, de minha parte, eu nã o conseguia largar
aquela menina negra, mas ao menos eu tomava cuidado para nã o a machucar, se bem que
ela nã o tenha se queixado nenhuma vez. Apenas mantinha os olhos fechados.
Por isso eu me perguntava se Dexter estaria em forma para passar o fim de semana na casa
dos Asquith. Eu mesmo acordara num estado estranho na véspera, e Ricardo pô de
confirmá -lo: à s nove da manhã ele me serviu um coquetel de frutas e rum triplo, e nã o
conheço outra coisa capaz de curar uma ressaca. Na verdade, eu nã o bebia nada antes de
vir para Buckton e agora me dava conta do meu erro. Desde que se beba o suficiente, nã o há
nada melhor para clarear as ideias. Naquela manhã eu estava melhor e, quando estacionei
diante da casa de Dex, sentia-me em plena forma.
Ele já me aguardava, contrariando minha suposiçã o, barbeado e dentro de um terno de
gabardina bege e uma camisa de duas cores, cinza e rosa.
— Já comeu, Lee? Eu detesto parar na estrada, entã o tomo minhas precauçõ es.
Aquele Dexter na minha frente era distinto, simples e asseado como um garoto. Um garoto
mais velho do que sua idade, no entanto. Eram aqueles olhos.
— Eu comeria um pouco de presunto e geleia — respondi.
O criado da casa me serviu copiosamente. Detesto que as pessoas ponham as patas no que
eu como, mas aquilo parecia ser habitual na casa de Dexter.
Logo em seguida, partimos. Transferi minha bagagem do Nash para o Packard, e Dexter
sentou-se à direita.
— Dirija, Lee. É melhor assim.
Ele me olhou de soslaio. E foi a ú nica alusã o à noite na Stephen’s Street. O resto do caminho,
ele mostrou-se de bom humor e me contou um monte de histó rias sobre os Asquith, dois
safados que tinham começado a vida com um capital confortá vel, o que é correto, mas
também com o há bito de explorar as pessoas cujo ú nico erro era ter a pele de uma cor
diferente da deles. Tinham plantaçõ es de cana na Jamaica ou no Haiti, e Dex afirmava que,
na casa deles, bebia-se um rum sagrado.
— Muito melhor do que o coquetel do Ricardo, sabe, Lee?
— Está ó timo para mim!
E eu acelerei com vontade.
Fizemos 160 quilô metros em um pouco mais de uma hora. Ao chegarmos em Prixville, ele
me indicou a direçã o. Era uma cidadezinha muito menor do que Buckton, mas as casas
pareciam mais luxuosas e os jardins maiores. Existem lugares assim, onde todo mundo
parece ter um bocado de grana.
O portã o dos Asquith estava aberto e subimos a rampa de acesso à garagem, mas, comigo, o
motor nã o engasgava. Estacionei o carro atrá s de dois outros automó veis.
— Alguns clientes já chegaram — eu disse.
— Nã o — observou Dexter. — Sã o os carros deles. Acho que somos os ú nicos. Além de nó s,
vêm alguns caras daqui mesmo. Eles sã o convidados alternadamente, porque quando estã o
aqui, incomodam demais. A verdade é que nã o vêm com muita frequência aqui.
— Entendo — eu disse. — Gente deplorá vel, resumindo.
Ele riu e saltou do carro. Cada um pegou sua bagagem, e demos de cara com Jean Asquith.
Ela carregava uma raquete de tênis. Usava um short branco e acabara de vestir, apó s uma
partida, um pulô ver azul esverdeado que modelava seu corpo de um modo extraordiná rio.
— Ora! Até que enfim chegaram — exclamou ela.
Parecia contente de nos ver.
— Venham, vamos beber alguma coisa.
Eu olhei para Dexter, ele olhou para mim, e assentimos juntos com um movimento de
cabeça.
— Onde está a Lou? — perguntou Dex.
— Já subiu — respondeu Jean. — Foi trocar de roupa.
— Ah é? — eu disse, desconfiado. — Aqui vocês se vestem para jogar bridge?
Jean morreu de rir.
— Eu quis dizer, retirar o short. Venham, vistam alguma coisa mais confortá vel. Vou levá -
los a seus quartos.
— Espero que você troque o short também — eu provoquei. — Já faz pelo menos uma hora
que você está usando esse.
Recebi uma raquetada na mã o.
— Eu nã o transpiro! — afirmou Jean. — Já passei da idade.
— E deve ter perdido o jogo, aposto.
— Perdi!
Ela riu novamente. Conhecia o poder da sua risada.
— Entã o posso propor uma partida — disse Dex. — Claro que nã o é agora. Amanhã de
manhã .
— Está combinado — concordou ela.
Posso estar enganado, mas tive a impressã o de que ela preferia jogar comigo.
— Bem — eu disse. — Se tem duas quadras, eu jogarei com a Lou, e os dois perdedores
jogarã o um contra o outro. Faça um esforço para perder, Jean. Assim jogaremos juntos.
— Ok — disse Jean.
— Está certo — concluiu Dex —, já que todo mundo trapaceia, sou eu que vou perder.
Começamos a rir todos os três. Nã o era engraçado, mas as coisas iam ficando um pouco
tensas e era preciso dar um jeito. Em seguida, Dex e eu seguimos Jean na direçã o da casa, e
ela nos colocou nas mã os de uma empregada negra, com um boné branco engomado.
12
Eu me troquei no meu quarto e encontrei Dex e os outros lá embaixo. Havia mais dois
rapazes e duas outras moças, um nú mero redondo, e Jean jogava bridge com uma das
moças e os dois rapazes. Lou estava lá . Deixei Dex fazendo companhia à outra jovem e
liguei o rá dio para que tocasse alguma mú sica dançante. Sintonizei Stan Kenton e deixei.
Era melhor do que nada. Lou exalava um novo perfume que eu preferia à quele do outro dia,
mas queria implicar com ela.
— Mudou de perfume, Lou?
— Mudei. Você nã o gosta deste?
— Sim, gosto. Mas você sabe que isso nã o se faz?
— O quê?
— Nã o faz parte das regras mudar de perfume. Uma mulher verdadeiramente elegante se
mantém fiel ao seu perfume.
— Onde você descobriu isso?
— Todo mundo sabe. É uma antiga regra francesa.
— Nó s nã o estamos na França.
— Entã o por que você usa um perfume francês?
— Sã o os melhores.
— Certamente, mas se você respeita uma regra, é preciso respeitar todas.
— Mas, me diga uma coisa, Lee Anderson, de onde você tirou essa histó ria?
— Sã o os benefícios da instruçã o — eu disse, zombando dela.
— Em que colégios você estudou?
— Nenhum que você conheça.
— Ou seja...
— Estudei na Inglaterra e na Irlanda, antes de voltar para os Estados Unidos.
— Por que entã o você tem que trabalhar naquele emprego? Você poderia ganhar mais
dinheiro.
— Eu ganho o bastante para fazer o que quero — respondi.
— E sua família?
— Eu tinha dois irmã os.
— E?
— O mais jovem morreu. Num acidente.
— E o outro?
— Está vivo. Mora em Nova York...
— Gostaria de conhecê-lo... — disse ela.
Lou parecia ter perdido aqueles modos bruscos que mostrara na casa de Dexter e de Jicky,
e também ter se esquecido do que eu fizera com ela na ocasiã o.
— Eu prefiro que você nã o o conheça...
Era o que eu achava. Mas me enganava, pensando que ela tivesse se esquecido.
— Seus amigos sã o engraçados — disse ela, passando de repente a um outro assunto.
Está vamos dançando. Nã o havia praticamente interrupçã o entre uma faixa e outra, e eu
queria evitar aquele assunto.
— O que você fez com a Jean, na ú ltima vez? — perguntou. — Ela nã o é mais a mesma.
— Nã o fiz nada. Só ajudei a curar sua bebedeira. Existe uma técnica muito conhecida.
— Nã o sei se está me contando a verdade. É difícil saber, com você.
— Sou um cara transparente como o cristal... — tranquilizei-a.
Desta vez, foi ela que evitou o assunto, se concentrando inteiramente na dança por alguns
minutos. Sentia-a relaxada dentro dos meus braços, e ela parecia nã o pensar em nada.
— Eu queria ter estado lá — concluiu ela.
— Eu também — eu disse. — Você estaria mais tranquila agora.
Minha frase fez crescer em mim mesmo uma onda de calor que esquentou minhas orelhas.
Lembrei-me do corpo de Jean. Poder possuir todas as duas, e suprimi-las ao mesmo tempo,
depois de lhes ter contado. Isso nã o seria possível.
— Acho que você fala as coisas sem pensar — lançou Lou.
— Nã o sei o que seria preciso eu dizer para você acreditar em mim.
Ela protestou com vigor, me tratou de pedante e me acusou de falar como um psiquiatra
austríaco. Foi um pouco forte.
— Eu quero dizer — tentei explicar —, em que momentos você acha que eu digo a verdade?
— Prefiro quando você nã o diz nada.
— E quando eu nã o faço nada também?
Apertei-a com um pouco mais de força. Ela se lembrou sem dú vida do que eu estava falando
e abaixou os olhos. Mas eu nã o ia desistir assim facilmente. Por sinal, ela disse:
— Depende do que você faz.
— Você nã o aprova tudo o que eu faço?
— Isso nã o tem mais nenhum interesse se você faz com todo mundo.
Senti que eu estava quase lá . Ela estava quase madura. Ainda um pouco mais de empenho.
Queria ver se ela estava realmente pronta.
— Você fala através de enigmas — eu lhe disse. — Do que você está falando?
Desta vez, ela nã o só abaixou os olhos, como também a cabeça. Lou era de fato bem menor
do que eu. Nos seus cabelos havia um grande cravo branco. Mas ela respondeu:
— Você sabe muito bem do que eu estou falando. Daquilo que você fez comigo outro dia
sobre o sofá .
— E daí?
— Você faz isso com todas as mulheres que encontra?
Eu ri bem forte e ela me beliscou no braço.
— Nã o faça pouco de mim. Nã o sou nenhuma idiota.
— Claro que nã o.
— Responda à minha pergunta.
— Nã o — eu disse. — Nã o faço isso com todas as mulheres. E francamente, existem muito
poucas mulheres com quem sinto vontade.
— Você está me enrolando. Eu vi muito bem como se comportavam seus amigos.
— Nã o sã o amigos, apenas camaradas.
— Nã o me venha com evasivas — disse Lou. — Você faz aquilo com suas camaradas?
— Você acredita que seja possível sentir vontade de fazer isso com meninas como aquelas?
— Acredito... — murmurou ela. — Há momentos em que poderíamos fazer um bocado de
coisas com um bocado de gente.
Achei que devia aproveitar aquela frase para cerrá -la mais ainda contra meu corpo. Ao
mesmo tempo, tentei acariciar seu peito. Tinha me precipitado. Ela se afastou suavemente,
mas com firmeza.
— No outro dia, sabe — disse ela —, eu tinha bebido.
— Acho que nã o — respondi.
— Oh! Você acha que eu deixaria você fazer aquilo, se eu nã o tivesse bebido?
— Claro.
Ela abaixou a cabeça de novo, depois reergueu-a e me disse:
— Você nã o acha que eu teria dançado com qualquer um?
— Eu sou qualquer um.
— Você sabe muito bem que nã o.
Era raro eu manter uma conversa assim tã o extenuante. Aquela menina me deslizava entre
os dedos feito uma enguia. Uma hora parecia aceitar plenamente o jogo e, logo em seguida,
se insurgia ao menor contato. Continuei assim mesmo.
— O que eu tenho de diferente?
— Nã o sei. Você tem um bom físico, mas existe outra coisa. Sua voz, por exemplo.
— O que tem minha voz?
— Nã o é uma voz comum.
Ri com vontade.
— Nã o — insistiu ela. — É uma voz mais grave... e mais... Nã o sei como dizer... mais
ritmada.
— É o há bito de tocar violã o e cantar.
— Nã o — contestou ela. — Nunca ouvi cantores ou mú sicos cantarem como você. Já ouvi
vozes que me lembram a sua, isso, foi no... Haiti. Os negros.
— É um elogio que você me faz. Sã o os melhores mú sicos que se pode encontrar.
— Nã o fale besteira.
— Toda a mú sica americana vem deles — insisti.
— Nã o acho. Todas as grandes orquestras dançantes sã o formadas por brancos.
— É claro, os brancos estã o em melhor posiçã o para explorar as descobertas dos negros.
— Nã o acho que você tenha razã o.
— Todos os grandes compositores sã o negros. Duke Ellington, por exemplo.
— Que nada! E Gershwin, Kern e os outros?
— Sã o todos emigrantes europeus — afirmei. — Esses sã o sem dú vida os maiores
exploradores. Nã o acho que seja possível encontrar em Gershwin uma passagem original
que nã o tenha sido copiada, plagiada ou reproduzida. Desafio você a encontrar uma na
Rhapsody in Blue.
— Você é estranho — disse ela. — Eu detesto os negros.
Era bom demais. Pensei em Tom e quase cheguei a agradecer ao Senhor. Mas eu estava
muito a fim daquela menina para dar lugar à có lera naquele momento. E nã o precisava do
Senhor para fazer um bom trabalho.
— Você é como os outros — eu disse para ela. — Vocês gostam de se gabar das coisas que
outras pessoas descobriram.
— Nã o entendo o que você quer dizer.
— Você deveria viajar — sugeri. — Sabe, nã o sã o os americanos brancos que inventaram
sozinhos o cinema, nem o automó vel, nem as meias de seda, nem as corridas de cavalo.
Nem o jazz.
— Vamos falar de outra coisa — disse Lou. — Você lê livros demais, é esse o problema.
Os outros continuavam jogando bridge na mesa ao lado e, realmente, eu nã o conseguiria
nada se nã o fizesse aquela menina beber alguma coisa. Era preciso perseverar.
— Dex me falou do seu rum — continuei. — É um mito ou é acessível aos simples mortais?
— Você pode provar, é claro — exclamou Lou. — Eu devia ter pensado que você podia estar
com sede.
Eu a larguei e ela sumiu na direçã o de um bar que havia na sala.
— Misturado? — perguntou ela. — Rum branco e rum tinto?
— Pode ser. Se puder acrescentar um pouco de suco de laranja... Estou morrendo de sede.
— Nã o tem problema! — concordou Lou.
Os que estavam em volta da mesa, no outro lado da sala, se manifestaram aos gritos.
— Ei, Lou, faz para todo mundo!
— Está bem, mas vocês vã o vir apanhar aqui.
Gostei de ver aquela menina se inclinando para frente. Estava usando uma espécie de jérsei
colante com um decote arredondado que lhe descobria o início dos seios e, desta vez, seus
cabelos estavam penteados para um só lado, como no dia em que a vi, mas para a esquerda.
Estava muito menos maquiada e, sem brincadeira, dava vontade de morder.
— Você é uma menina realmente bonita — eu disse a ela.
Ela olhou para mim, uma garrafa de rum na mã o.
— Nã o comece...
— Eu nã o começo. Eu continuo.
— Entã o, nã o continue. Você vai rá pido demais. A gente perde todo o prazer.
— Nã o é preciso que as coisas durem tempo demais.
— Sim. As coisas agradá veis, isso deveria durar o tempo todo.
— E você sabe o que é uma coisa agradá vel?
— Sei. Falar com você, por exemplo.
— O prazer é seu. Isso é egoísta.
— Você é um patife. Dizer que minha conversa é chata...
— Nã o posso olhar para você sem pensar que você é feita para outra coisa, além de falar, e,
para mim, é difícil falar com você sem olhar para você. Mas gostaria de continuar
conversando. Enquanto isso, nã o preciso jogar bridge.
— Você nã o gosta de jogar bridge?
Ela havia enchido um copo e me entregou. Apanhei-o e bebi a metade.
— Gosto disso — indiquei o copo. — E gosto também que tenha sido preparado por você.
Ela ficou vermelha.
— É tã o agradá vel quando você age assim.
— Posso garantir que sei ser agradá vel de um monte de maneiras diferentes.
— Você é um pretensioso. Tem um corpo forte e acha que todas as mulheres gostam disso.
— Do quê?
— Das coisas físicas.
— Aquelas que nã o têm vontade — afirmei — nunca experimentaram.
— Nã o é verdade.
— Você já experimentou?
Ela nã o respondeu, contorceu os dedos e, depois, decidida:
— O que você fez comigo, na ú ltima vez...
— Sim...
— Nã o foi agradá vel. Foi... Foi terrível!
— Mas nã o desagradá vel?
— Nã o — respondeu em voz baixa.
Nã o insisti. Terminei meu copo. Tinha recuperado o terreno perdido. Minha nossa, como
era difícil aquela menina. Alguns tipos de trutas também dã o essa impressã o.
Jean tinha se levantado e veio apanhar os copos.
— Você nã o está se entediando com a Lou?
— Você é muito gentil! — reagiu sua irmã .
— Lou é muito simpá tica — eu disse. — Gosto muito dela. Posso pedir a mã o dela a você?
— Nunca! — reagiu Jean. — Eu tenho prioridade.
— E entã o, o que eu faço nessa histó ria? — indagou Lou. — Fico abandonada?
— Você é jovem — disse Jean. — Tem tempo. Eu...
Eu ri, pois Jean nã o parecia de fato ter mais de dois anos de idade do que sua irmã .
— Nã o ria como um imbecil — disse Lou. — Você nã o acha que ela já perdeu o frescor?
Decididamente, eu gostava das duas. Elas pareciam se entender também.
— Se você nã o piorar com a idade — falei para Lou —, concordo em casar com as duas.
— Você é terrível — protestou Jean. — Vou voltar ao meu bridge. Daqui a pouco nó s vamos
dançar.
— Essa agora! — exclamou Lou. — Desta vez, sou eu que tenho a prioridade. Volta para seu
jogo imundo.
Recomeçamos a dançar, mas o programa de rá dio logo terminou e eu propus a Lou um
passeio lá fora para esticar as pernas.
— Nã o sei se devo ficar sozinha com você — ela disse.
— Você nã o está se arriscando a nada. Qualquer coisa, pode chamar os outros.
— É isso. Para passar por uma idiota!
— Tudo bem — eu disse. — Entã o quero beber um pouco se você nã o se incomoda.
Fui até o bar e preparei uma bebida estimulante. Lou tinha ficado no mesmo lugar em que
eu a deixara.
— Você quer um?
Ela fez que nã o com a cabeça, fechando seus olhos amarelos. Deixei-a onde estava e
atravessei a sala para observar o jogo de Jean.
— Vim te trazer sorte — eu lhe disse.
— A hora é essa!
Ela se virou ligeiramente para mim com um sorriso radiante.
— Estou perdendo 130 dó lares. Você acha isso divertido?
— Tudo depende da porcentagem exata da sua fortuna que esta soma representa.
— E se nó s pará ssemos de jogar? — propô s ela. Os três outros, que nã o pareciam estar com
vontade de continuar, se levantaram juntos. Quanto ao Dexter, já fazia um bom tempo que
ele levara a quarta menina para o jardim.
— Só tem isso? — disse Jean, apontando com desdém para o rá dio. — Vou achar coisa
melhor.
Ela manipulou os botõ es e sintonizou alguma coisa de fato dançá vel. Um dos rapazes
convidou Lou a dançar. Os dois outros dançaram juntos e eu levei Jean para beber alguma
coisa, antes de começar. Para ela, eu sabia o que era preciso.
13
Depois daquela longa conversa, praticamente nã o dirigi mais a palavra à Lou, até Dexter e
eu subirmos para dormir. Nossos quartos ficavam no primeiro andar, do mesmo lado dos
quartos das meninas. Os pais ocupavam a outra ala. Os outros convidados tinham ido
embora. Eu disse que os pais ocupavam a outra ala, mas naquele momento eles estavam em
Nova York ou Haiti, um lugar desses. Na ordem, havia o meu quarto, o de Dexter, o de Jean e
o de Lou. Eu estava mal posicionado para qualquer incursã o.
Tirei a roupa, tomei um bom banho de chuveiro e me esfreguei energicamente com uma
luva de crina. Ouvi Dexter se mexer vagamente dentro de seu quarto. Ele saiu e voltou cinco
minutos depois, e percebi o ruído de um copo sendo servido. Ele fizera uma pequena
expediçã o de aprovisionamento, e eu achei que nã o tinha sido uma má ideia. Bati devagar
na porta de comunicaçã o entre seu quarto e o banheiro que nos separava. Ele respondeu
logo em seguida.
— Ei, Dex — sussurrei através da porta. — Estou sonhando ou ouvi mesmo um barulho de
garrafas?
— Eu passo uma para você. Tenho duas aqui.
Era rum. Nada melhor para dormir ou ficar acordado, dependendo da hora. Eu pretendia
ficar acordado, mas pude ouvir Dex se deitar logo depois. Ele escolhera a outra opçã o.
Esperei meia hora e saí do meu quarto em silêncio. Vestia apenas minha cueca com a
camisa do pijama. Nã o suporto o contato com a calça de pijama. Impossível me adaptar.
O corredor estava sombrio, mas eu sabia o caminho. Avancei sem precauçõ es, pois os
tapetes bastavam para sufocar o barulho de uma partida de beisebol, e bati na porta de Lou.
Ouvi-a se aproximando, ou melhor, senti-a se aproximando, e a chave girou na fechadura.
Penetrei no seu quarto e fechei imediatamente a porta.
Lou estava com um penhoar branco deslumbrante que devia ter roubado de uma das
Vargas Girls. Por baixo, trajava igualmente um sutiã de renda e uma calcinha no mesmo
{12}

estilo.
— Vim ver se você ainda está zangada comigo — eu lhe disse.
— Você nã o pode ficar aqui — protestou Lou.
— Por que entã o você me abriu a porta? Pensou que fosse quem?
— Nã o sei... a Susie, talvez...
— Susie já foi se deitar. As outras empregadas também. Você sabe muito bem disso.
— O que você quer?
— Isso.
Agarrei-a e beijei-a de maneira realmente consequente. Nã o sei o que estava fazendo minha
mã o esquerda naquele momento. Mas Lou se debatia e eu recebi na orelha um dos murros
mais incríveis que já tomei até hoje. Larguei-a.
— Você é um selvagem... — bradou ela.
Seus cabelos estavam penteados normalmente, soltos, com uma divisã o no meio, estava
linda. Mas mantive a calma. O rum me ajudava.
— Você está fazendo muito barulho — adverti. — Jean vai ouvir tudo.
— Há um banheiro entre nossos quartos.
— Perfeito.
Reincidi e abri seu penhoar. Consegui arrancar sua calcinha, antes que pudesse me acertar
de novo. Interceptei seu soco e segurei suas mã os nas costas. Elas cabiam facilmente na
palma da minha mã o direita. Ela lutava em silêncio, porém furiosa, e tentou me atingir com
seus joelhos, mas deslizei minha mã o esquerda sobre seus quadris e a apertei contra meu
corpo. Ela tentou me morder sobre o pijama. Eu precisava de mais uma mã o. Senti seu sexo
crespo contra minha coxa direita e a ergui um pouco do chã o. Mas nã o conseguia me livrar
da minha cueca. Larguei-a bruscamente e a empurrei sobre sua cama.
— Finalmente — lhe disse — você conseguiu se virar sozinha até agora. Seria besteira
minha me cansar por tã o pouco.
Ela estava a ponto de chorar, mas seus olhos brilhavam de ó dio. Nem sequer tentou se
vestir, e eu me deleitei com a visã o. Ela tinha os pelos pubianos negros e espessos,
brilhantes como astracã .
Eu me virei e andei até a porta.
— Durma bem — disse a ela. — Desculpe por amassar um pouco suas roupas. Nã o seria
capaz de comprar outras para substituí-las, mas pode me mandar a conta.
Era difícil ser mais patife do que aquilo, e no entanto nã o me faltava disposiçã o. Lou nã o
respondeu, mas vi seus punhos crispados e ela se mordia os lá bios. Bruscamente, virou-se
para a parede e eu permaneci por um segundo admirando-a daquele â ngulo. De fato, era
uma pena. Saí do seu quarto me sentindo estranho.
Sem constrangimento, abri a porta seguinte, a do quarto de Jean. Ela nã o a fechara à chave.
Dirigi-me com calma até o banheiro e tranquei a que dava para o outro quarto.
Depois, retirei meu pijama e minha cueca. Uma luz suave clareava o quarto e as paredes
alaranjadas suavizavam ainda mais a atmosfera. Jean, completamente nua, fazia as unhas,
de bruços sobre sua cama. Ela ergueu a cabeça quando me viu entrar e seus olhos me
seguiram enquanto eu trancava as portas.
— Você é folgado — disse ela.
— Sou — respondi. — E você estava me esperando.
Ela riu e se virou sobre a cama. Sentei ao seu lado e acariciei suas coxas. Ela era impudica
como uma menina de 10 anos. Sentando-se, começou a afagar meus bíceps.
— Você é forte.
— Sou fraco como um cordeiro que acabou de nascer — disse para tranquilizá -la.
Ela se esfregou contra meu corpo e me beijou, mas logo se afastou, esfregando os lá bios.
— Você veio do quarto de Lou. Sinto o seu perfume.
Eu nã o tinha lembrado daquele maldito detalhe. Sua voz tremia e ela evitava olhar para
mim. Segurei-a pelos ombros.
— Você nã o está sendo sensata, Jean.
— Você tem o cheiro do perfume dela.
— Eu entrei no quarto dela.
— Está vendo!
— Queria me desculpar — eu disse. — Eu a magoei mais cedo.
Pensei que Lou talvez ainda estivesse em pé, quase completamente nua, no meio do seu
quarto, e aquilo me excitou ainda mais. Jean percebeu e ficou vermelha.
— Isso te incomoda? — perguntei.
— Nã o — murmurou ela. — Posso tocar em você?
Estendi-me ao seu lado e fiz com que se deitasse bem perto. Suas mã os percorreram
timidamente meu corpo.
— Você é muito forte — disse com a voz baixa.
Está vamos agora de lado, um em frente do outro. Afastei-a um pouco e fiz com que se
virasse, depois me aproximei.
Ela abriu levemente as pernas para me dar passagem.
— Você vai me machucar.
— De maneira alguma — sussurrei.
Fiquei passeando meus dedos pelos seus seios, deslizando-os da base até o bico, e a senti
vibrar contra mim. Sua bunda redonda e quente se acoplou no alto das minhas coxas e ela
respirava rapidamente.
— Quer que eu apague a luz? — perguntei.
— Nã o — respondeu. — Prefiro assim.
Removi minha mã o esquerda que estava sob seu corpo e afastei seus cabelos sobre a orelha
direita. Muitos ignoram o que se pode fazer com uma mulher, beijando e mordiscando sua
orelha, é um excelente ardil. Jean se contorcia como uma enguia.
— Nã o faça isso comigo.
Parei imediatamente, mas ela segurou minha mã o e me apertou com uma força
extraordiná ria.
— Faça mais.
Recomecei com mais vagar e a senti se retesar de repente, depois relaxar e deixar pender a
cabeça para o lado. Minha mã o percorreu seu ventre e percebi que ela sentira alguma coisa.
Passei a cobrir seu pescoço de beijos rá pidos que apenas resvalavam no seu corpo. Podia
ver sua pele ficando tensa à medida que meus beijos se intensificavam. E depois, bem
devagar, segurei meu sexo e a penetrei, tã o facilmente que nã o sei se notou antes de eu
começar a mexer. É uma questã o de preparaçã o. Mas ela se afastou com um leve
movimento dos quadris.
— Estou incomodando? — perguntei.
— Continue me fazendo carinho. A noite toda.
— É o que eu quero — respondi.
Possui-a de novo, brutalmente desta vez. Mas me afastei antes de satisfazê-la.
— Você vai me deixar louca! — murmurou ela.
E virando-se de bruços, escondeu a cabeça com seus braços. Beijei suas costas e sua bunda,
depois me ajoelhei ao lado dela.
— Abra suas pernas — pedi.
Ela nã o disse nada e abriu-as lentamente. Enfiei minha mã o entre suas coxas e guiei meu
sexo outra vez, mas me enganei de caminho. Ela ficou tensa novamente, e eu insisti.
— Nã o, eu nã o quero — sussurrou Jean.
— Fique de joelhos — eu disse a ela.
— Nã o quero.
Mas em seguida, ela se curvou ligeiramente, apoiando-se nos joelhos. Continuava com a
cabeça escondida sob os braços e, com vagar, alcancei meus fins. Ela nã o dizia nada, mas eu
sentia seu ventre ir e vir, de baixo para cima, e sua respiraçã o acelerada. Sem soltá -la, caí
para o lado, apertando-a contra meu corpo e, quando tentei ver seu rosto, lá grimas
escorriam de seus olhos fechados, mas ela pedia para eu ficar.
14
Voltei para o meu quarto à s cinco da manhã . Jean nã o se mexeu; quando eu a deixei, estava
realmente exausta. Meus joelhos tremiam um pouco, mas consegui sair da cama à s dez
horas da manhã . Acho que o rum do Dexter me ajudou bastante. Meti-me sob a ducha fria e
o chamei para vir lutar boxe comigo. Ele bateu sem dó e aquilo me deixou em forma. Pensei
no estado em que devia se encontrar Jean. Dex, por sua vez, tinha bebido um bocado de
rum; a 2 metros, seu há lito já era insuportá vel. Aconselhei-o a beber três litros de leite e
dar uma caminhada pelo campo de golfe. Ele achou que encontraria Jean na quadra de
tênis, mas ela ainda nã o se levantara. Desci para tomar o café da manhã . Lou estava sozinha
na mesa; trajava uma pequena saia plissada e uma blusa de seda clara sob um casaco de
camurça. Realmente, eu estava a fim daquela menina. Mas naquela manhã me sentia bem
calmo. Dei-lhe bom-dia.
— Bom-dia.
Seu tom foi seco. Nã o, foi triste.
— Está aborrecida comigo? Peço desculpas por ontem à noite.
— Suponho que você nã o possa fazer nada — disse ela. — Você nasceu assim.
— Nã o, eu me tornei assim.
— Suas histó rias nã o me interessam.
— Você nã o tem idade suficiente para se interessar pelas minhas histó rias.
— Você vai se arrepender do que acabou de dizer, Lee.
— Nã o sei como.
— Nã o vamos falar mais nisso. Quer jogar uma partida comigo?
— Com prazer — respondi. — Estou precisando relaxar.
Ela nã o conseguiu impedir um sorriso e, assim que terminamos o café da manhã , segui-a
até a quadra. Aquela menina nã o conseguia ficar com raiva por muito tempo.
Jogamos tênis até perto de meio-dia. Eu nã o sentia mais minhas pernas e começava a ver
tudo turvado quando Jean chegou por um lado e Dex pelo outro.
— Salve! — eu disse para Jean. — Você parece em forma.
— Já se olhou no espelho? — ela disse.
— É culpa da Lou! — me defendi.
— E é minha culpa também que Dex esteja nesse estado deplorá vel? — protestou ela. —
Vocês beberam demais, só isso. Oh! Dex, sinto seu bafo de rum a 5 metros.
— Lee me disse 2 metros! — reagiu Dexter, com vigor.
— Eu disse isso?
— Lou — chamou Dex —, venha jogar uma partida comigo.
— Nã o é justo — disse ela. — Você deveria jogar com a Jean.
— Nem pensar — descartou Jean. — Lee, me leve para passear antes do almoço.
— Mas a que horas se almoça aqui? — indagou Dex.
— Nã o tem hora certa — respondeu Jean.
Ela me deu o braço e me conduziu até a garagem.
— Vamos pegar o carro de Dex? — sugeri. — Está na frente e será mais prá tico.
Ela nã o respondeu. Apertava meu braço com força e se aproximou de mim ainda mais. Eu
me esforçava para falar de coisas triviais e ela continuava sem responder. Jean largou meu
braço para entrar no carro, mas, assim que me instalei, ela se colou a mim novamente, o
mais perto possível sem me impedir de dirigir. Saí em marcha a ré e desci pela alameda. O
portã o estava aberto e eu virei à direita. Nã o tinha a menor ideia de onde levava aquele
caminho.
— Como a gente faz para sair da cidade? — perguntei-lhe.
— Só seguir em frente... — murmurou Jean.
Olhei para ela no retrovisor. Seus olhos estavam fechados.
— Caramba, você dormiu demais e ficou meio imbecil.
Ela se recompô s rapidamente e segurou meu rosto com as duas mã os para me beijar. Freei
com cuidado, pois perdera consideravelmente a visibilidade.
— Me beije, Lee...
— Espere pelo menos até a gente sair da cidade.
— Nã o importam essas pessoas. Deixe que todos fiquem sabendo.
— E sua reputaçã o?
— Nã o se preocupe com isso. Me beije.
Beijá -la por 5 minutos tudo bem, mas nã o podia fazer isso o tempo todo. Ir para a cama
com ela, virá -la para tudo que é lado, tudo bem. Mas beijar, nã o. Afastei-me.
— Comporte-se.
— Me beije, Lee. Por favor.
Acelerei novamente e virei na primeira rua à direita, depois entrei à esquerda; fiz o carro
sacudir bastante para que ela me soltasse e se segurasse em outro lugar; mas o Packard nã o
ajudava. Nã o atendia ao meu comando. Ela aproveitou para colocar os braços de novo em
volta do meu pescoço.
— Pode ter certeza de que vã o contar umas histó rias estranhas sobre você aqui na regiã o.
— Por mim podem contar o que quiserem. Depois vã o ficar envergonhados...
— Depois, quando?
— Quando souberem que nó s vamos nos casar.
Minha nossa, nã o é que ela tinha acreditado em mim? Existem mulheres para as quais o
efeito é o mesmo do que o de um peixe para os gatos, ou um sapo morto para um fox-
terrier. Agarram e nã o querem mais soltar.
— Nó s vamos nos casar?
Ela inclinou a cabeça e beijou minha mã o direita.
— Claro.
— Quando?
— Agora.
— Nã o num domingo.
— Por quê? — quis saber.
— Nã o, nã o faz sentido. Seus pais nã o vã o concordar.
— Nã o faz diferença para mim.
— Eu nã o tenho dinheiro.
— Tem o bastante para nó s dois.
— Mal dá para mim — eu disse.
— Meus pais me darã o dinheiro.
— Acho que nã o. Seus pais nã o me conhecem. Você também nã o, já pensou nisso?
Ela ficou vermelha e escondeu o rosto no meu ombro.
— Sim, eu conheço você — murmurou. — Poderia descrevê-lo de memó ria, inteirinho.
Eu quis ver até onde ela queria chegar e lhe disse:
— Muitas mulheres podem me descrever desse modo.
Jean nã o reagiu.
— Nã o me importo. Agora, acabou para elas.
— Mas você nã o sabe nada de mim.
— Eu nã o sabia nada sobre você.
Ela começou a cantarolar a mú sica de Duke que tem esse título.{13}

— E ainda nã o sabe — afirmei.


— Entã o, me conte — disse ela, parando de cantar.
— Além disso — tentei explicar —, nã o vejo outra maneira de impedir que você se case
comigo, a nã o ser indo embora. E nã o estou a fim de ir embora.
Nã o acrescentei “antes de possuir a Lou”, mas era isso que eu queria dizer. Jean deu aquilo
como certo. Aquela menina estava nas minhas mã os. Era preciso acelerar a manobra com a
Lou. Jean colocou a cabeça nas minhas pernas e se estendeu no banco.
— Conte para mim, Lee, por favor.
— Muito bem — eu disse.
Eu lhe contei que tinha nascido em algum canto da Califó rnia, que meu pai era de origem
sueca e era por isso que eu tinha os cabelos louros. Minha infâ ncia tinha sido difícil pois
meus pais eram muito pobres e, quando eu tinha uns 9 anos, bem na época da Depressã o,
eu tocava violã o para ganhar minha vida, depois tive a sorte de encontrar um cara que se
interessou por mim, quando eu tinha 14 anos, e ele me levou para a Europa, Inglaterra e
Irlanda, onde morei durante uns dez anos.
Era tudo mentira. Eu estivera de fato dez anos na Europa, mas nã o naquelas condiçõ es, e
tudo o que aprendi eu devia a mim mesmo, à biblioteca e ao cara que tinha me dado um
emprego de doméstico. Tampouco lhe falei da maneira como esse cara me tratava, sabendo
que eu era negro, nem o que fazia comigo quando seus amiguinhos nã o vinham visitá -lo,
nem de como eu fizera para sair de lá , apó s obrigá -lo a assinar um cheque para pagar
minha viagem de volta, em troca de algumas atençõ es especiais.
Inventei para ela um monte de fanfarrices sobre meu irmã o Tom, e sobre o garoto, como
ele morrera num acidente, achavam que era culpa dos negros, esses caras sã o uns fingidos,
uma raça de empregados domésticos, e a ideia de se aproximar de um homem de cor a
deixava doente. Assim, eu tinha voltado para descobrir que a casa de meus pais havia sido
vendida e meu irmã o Tom estava em Nova York, e o garoto enterrado sob sete palmos de
terra, entã o, eu procurei trabalho e devia meu emprego na livraria a um amigo de Tom. E
isso era verdade.
Ela me ouvia com toda a atençã o, e eu acrescentei; disse-lhe que achava que seus pais nã o
aceitariam nosso casamento, pois ela nã o tinha ainda 20 anos. Ela contestou que acabara de
os completar e podia se virar sem os pais. Mas eu ganhava pouco. Ela preferia que eu
mesmo ganhasse meu dinheiro, e honestamente, e, além do mais, seus pais com certeza
gostariam de mim e me conseguiriam um trabalho mais interessante no Haiti ou em uma de
suas fazendas. Enquanto isso, tentei me orientar e acabei voltando à estrada pela qual eu e
Dex tínhamos chegado. Por ora, eu retomaria meu trabalho e ela viria me ver durante a
semana; daríamos um jeito de ir para o sul e passaríamos alguns dias num lugar qualquer
onde ninguém nos incomodaria e, depois, voltaríamos casados e pronto.
Perguntei-lhe se ia contar para Lou. Ela respondeu que sim, mas nã o contaria o que
tínhamos feito juntos e, falando nisso, ela se excitou novamente. Por sorte, já está vamos de
volta.
15
Passamos a tarde fazendo uma coisa e outra. O dia nã o estava tã o bonito quanto na véspera,
um clima típico de outono, e eu dei um jeito de escapar de uma partida de bridge com os
amigos de Jean e Lou; me lembrei do conselho de Dex. Nã o era a hora de jogar no lixo as
poucas centenas de dó lares que eu conseguira juntar até entã o. A verdade é que aqueles
caras nã o estavam nem um pouco preocupados com 500 ou 600 dó lares a mais ou a menos,
só queriam matar o tempo.
Jean nã o parava de me olhar o tempo todo e eu lhe disse, num instante em que nos
encontramos a só s, que tomasse cuidado. Dancei outra vez com Lou, mas ela estava
desconfiada e nã o pude conduzir a conversa para um tema interessante. Eu já nã o sentia
mais nenhum efeito da noite passada e voltei a me excitar olhando seus peitos. Apesar de
tudo, ela me deixou acariciá -la enquanto dançá vamos. Como acontecera na véspera, os
amigos delas nã o se foram muito tarde, e ficamos só nó s quatro. Jean nã o estava
aguentando e queria ainda mais, e tive dificuldades para persuadi-la a esperar. Felizmente,
o cansaço começou a bater. Dex continuava bebendo rum. Subimos por volta das dez horas
e eu desci logo em seguida para apanhar um livro. Nã o estava com vontade de recomeçar
com a Jean e o sono ainda nã o era o bastante para que eu dormisse.
Quando voltei para o meu quarto, encontrei Lou sentada na minha cama. Vestia o mesmo
penhoar da véspera e uma calcinha nova. Nã o toquei nela. Fechei minha porta à chave e
também a do banheiro, depois me deitei como se ela nã o estivesse ali. Enquanto eu retirava
minha camisa, pude ouvir sua respiraçã o ficar mais forte. Estendido sobre a cama, resolvi
conversar com ela.
— Está sem sono esta noite, Lou? Posso fazer alguma coisa por você?
— Se eu ficar aqui, posso ter certeza de que você nã o vai até o quarto de Jean, esta noite —
respondeu ela.
— O que te leva a pensar que estive no quarto de Jean ontem à noite?
— Eu ouvi vocês... — disse ela.
— Você me surpreende. No entanto eu nã o fiz barulho — eu disse, para provocá -la.
— Por que você fechou as duas portas?
— Eu durmo sempre com as portas fechadas. Nã o quero acordar e encontrar alguém do
meu lado.
Ela devia ter se perfumado da cabeça aos pés. Dava para sentir a quilô metros de distâ ncia e
sua maquiagem estava impecá vel. Seus cabelos estavam penteados como na véspera,
divididos ao meio e, realmente, bastaria eu estender a mã o para a colher como uma laranja
madura, mas ainda tinha uma pequena conta a acertar com ela.
— Você foi até o quarto de Jean — afirmou Lou.
— Em todo caso, você me botou para fora — eu disse. — É tudo do que eu me lembro.
— Nã o gosto de seus modos — lançou ela.
— Acho que estou agindo corretamente esta noite — respondi. — Lamento ter sido
obrigado a me despir na sua frente mas, de qualquer maneira, tenho certeza de que você
nã o olhou.
— O que você fez com a Jean? — insistiu ela.
— Olhe — eu disse —, você vai ficar surpresa, mas nã o posso evitar. É melhor que saiba.
Outro dia eu a beijei e, depois disso, ela nã o me larga.
— Quando?
— Quando eu a curei daquele porre na casa de Jicky.
— Eu sabia.
— Ela praticamente me obrigou. Você sabe que eu também tinha bebido um pouco.
— Você a beijou de verdade?
— Como assim?
— Como me beijou... — murmurou.
— Nã o — respondi simplesmente. Com um tom de franqueza que me deixou satisfeito. —
Sua irmã é uma chata, Lou. É você que eu desejo. Eu beijei Jean como... como teria beijado
minha mã e, e ela nã o consegue mais se segurar. Nã o sei o que fazer para me livrar dela,
tenho medo de nã o conseguir. Com certeza, ela vai dizer para você que vamos nos casar. Foi
o que disse hoje de manhã no carro de Dex. Ela é bonita, mas nã o estou a fim dela. Acho que
é um pouco maluca.
— Você a beijou antes de mim.
— Foi ela que me beijou. Você sabe muito bem como ficamos agradecidos quando estamos
bêbados e alguém aparece para cuidar de nó s.
— Você lamenta tê-la beijado?
— Nã o — respondi. — A ú nica coisa que lamento é que você nã o estivesse embriagada
naquela noite, no lugar dela.
— Você pode me beijar agora — disse ela.
Lou nã o se mexeu e ficou olhando para a frente, mas aquilo deve ter sido difícil para ela.
— Nã o posso te beijar — eu disse. — Com a Jean nã o tinha importâ ncia. Mas com você, eu
me sinto mal. Nã o tocarei em você antes...
Nã o concluí minha frase. Apenas emiti um vago grunhido me virando para o outro lado da
cama.
— Antes de quê? — perguntou Lou.
Ela havia se inclinado ligeiramente e sua mã o veio pousar sobre meu braço.
— É idiota — respondi. — E nã o é possível.
— Diga...
— Eu queria dizer... antes de nos casarmos, Lou, eu e você. Mas você é muito jovem e eu
nunca vou conseguir me livrar de Jean, e ela nunca nos deixará em paz.
— Você pensa seriamente no que está dizendo?
— O quê?
— Casar comigo?
— Nã o posso pensar a sério numa coisa tã o impossível — assegurei a ela. — Mas quanto a
estar a fim, eu juro que estou seriamente a fim.
Ela se levantou da cama. Continuei virado para o outro lado. Eu a ouvi remexer-se, e ela
sentou-se ao meu lado. Nã o disse nada. Eu tampouco, apenas senti quando ela se deitou na
cama.
— Lee — disse Lou, um pouco depois.
Meu coraçã o batia tã o rapidamente que a cama retiniu um pouco. Virei-me para ela. Tinha
retirado seu penhoar e tudo mais, os olhos estavam fechados, e se encontrava estendida
sobre as costas. Pensei que Howard Hughes teria feito uma dú zia de filmes só pelos seios
{14}

daquela menina. Nã o a toquei.


— Nã o quero transar com você — eu lhe disse. — Essa histó ria com a Jean me revolta.
Antes de me conhecerem, vocês duas se entendiam bem. Nã o estou a fim de separá -las de
modo algum.
Tudo o que eu sentia naquele momento era uma vontade selvagem de transar com ela, mas
consegui me segurar.
— Jean está apaixonada por você — disse Lou. — Está na cara.
— Nã o posso fazer nada.
Ela era macia e delicada como um pêssego, e cheirosa como uma loja de perfumes. Sentei-
me e me inclinei sobre suas pernas, beijando o interior das coxas, ali onde a pele das
mulheres é tã o suave quanto as penas de um pá ssaro. Ela contraiu as pernas e, em seguida,
as afastou quase imediatamente, e eu recomecei um pouco mais acima. Sua penugem
brilhante e cacheada acariciava meu rosto e, bem devagar, passei a lambê-la com
movimentos rá pidos. Seu sexo estava ardente e ú mido, firme sob a língua, e me deu
vontade de mordê-lo, mas me contive. Ela se sentou num sobressalto e segurou meu rosto
para colocá -lo onde ela queria. Consegui me afastar um pouco.
— Nã o quero — eu disse. — Nã o enquanto essa histó ria com Jean nã o estiver terminada.
Nã o posso casar com vocês duas.
Dei umas leves mordidas nos bicos dos seus seios. Ela ainda segurava minha cabeça e
mantinha os olhos fechados.
— Jean quer casar comigo — continuei. — Por que, eu nã o sei. Mas se eu recusar, ela
certamente vai dar um jeito de impedir que continuemos nos vendo.
Ela nã o dizia nada, deixando-se contorcer pelas minhas carícias. Minha mã o direita ia e
vinha ao longo de suas coxas, e Lou se abria a cada toque mais preciso.
— Nã o vejo nenhuma soluçã o — eu lhe disse. — Posso casar com Jean e você viria conosco.
Acharíamos um jeito de nos vermos.
— Eu nã o quero — murmurou Lou.
Sua voz soava de modo irregular e eu quase podia tocá -la, como a um instrumento de
mú sica. Ela mudava de entonaçã o a cada novo contato.
— Nã o quero que você faça isso... com ela.
— Nada me obriga a fazê-lo — respondi.
— Oh! Faça comigo — sussurrou Lou. — Faça agora mesmo!
Ela se agitava e, a cada vez que minha mã o se erguia, ela encontrava seu corpo. Deslizei
minha cabeça na direçã o de suas pernas e, virando-a de lado, de costas contra mim, levantei
sua perna e introduzi meu rosto entre suas coxas. Tomei seu sexo entre meus lá bios. Ela se
retesou bruscamente, e relaxou logo em seguida. Chupei-a um pouco e me afastei. Agora
estava deitada sobre o ventre.
— Lou — murmurei. — Nã o vou transar com você. Nã o antes de podermos ficar em paz.
Vou casar com a Jean e vamos embora. Você vai me ajudar?
Ela se virou sobre as costas de repente e me beijou com uma espécie de furor. Seus dentes
se chocaram com os meus e, enquanto isso, eu acariciava seus quadris. Depois, agarrei-a
pela cintura e a coloquei em pé.
— Volte para seu quarto — disse-lhe. — Já dissemos muitas asneiras. Tenha juízo e vá se
deitar.
Eu me levantei também e beijei seus olhos. Felizmente, tinha ficado de cueca sob o pijama,
conservando assim minha dignidade.
Ajudei-a a repor seu sutiã e sua calcinha; enxuguei-lhe as coxas com meu lençol e vesti-a
com seu penhoar transparente. Ela se deixou vestir sem dizer nada, estava mole e morna
nos meus braços.
— Hora de tirar uma soneca, irmã zinha — eu lhe disse. — Vou embora amanhã cedo. Desça
para tomar o café da manhã comigo. Gosto de ficar olhando para você.
Depois, empurrei-a para fora e fechei a porta. Com certeza, as duas estavam nas minhas
mã os. Sentia-me todo feliz por dentro e, provavelmente, o garoto se virava sob seus 2
metros de terra. Estendi-lhe o braço. É uma coisa muito especial apertar a mã o de seu
irmã o.
16
Alguns dias depois, recebi uma carta de Tom. Nã o revelava muito sobre seus negó cios. Pelo
que entendi, ele encontrara algo nã o muito brilhante numa escola do Harlem, e citava as
Escrituras, dando a referência, pois duvidava de que eu estivesse a par daquelas histó rias.
Consistia numa passagem do livro de Jó que dizia: “Tomei minha carne entre meus dentes,
coloquei minha alma na minha mã o”. {15}

Acho que o cara queria dizer com isso, segundo o Tom, que ele tinha jogado sua ú ltima
carta ou arriscado no tudo ou nada, e acho que é um modo complicado de se adaptar a
coisas tã o simples. Vi entã o que Tom nã o mudara nesse ponto. Mas era um cara de fibra,
assim mesmo. Respondi-lhe que tudo ia bem comigo e lhe enviei uma nota de 50 dó lares,
porque achei que ele nã o andava se alimentando direito.
No mais, nada de novo. Só livros e mais livros. Comecei a receber exemplares para o Natal e
listas de livros que nã o haviam passado pela matriz, trazidas por uns caras que faziam suas
pesquisas por conta pró pria; mas meu contrato me proibia de entrar naquele jogo e eu nã o
queria me arriscar. Algumas vezes, eu colocava para fora da loja um outro tipo de gente,
aqueles que trabalhavam com pornografia; porém nunca violentamente. Esses caras eram
com frequência negros ou mulatos, e eu sei que a vida nã o é fá cil para essas pessoas. Em
geral, eu ficava com um ou dois produtos e os passava para o grupo; Judy, por exemplo,
gostava dessas coisas, e com ela eu nã o corria risco algum.
O grupo continuava se reunindo na loja de conveniências, vindo me visitar e me mandando
de vez em quando umas meninas, dia sim, dia nã o. Mais bobas do que pervertidas, aliá s.
Exceto Judy.
Jean e Lou deveriam passar, ambas, em Buckton antes do fim da semana. Dois encontros
marcados separadamente. Jean me telefonou e Lou nã o apareceu. Jean me convidou a ir
visitá -la no fim de semana, e tive que responder que nã o poderia fazê-lo. Nã o estava a fim
de me deixar manipular como um piã o por ela. Disse que nã o se sentia muito bem e
preferia que eu fosse vê-la, mas aleguei que estava atrasado no meu trabalho e ela
prometeu vir na segunda-feira, por volta das cinco da tarde; assim, teríamos tempo para
conversar.
Até segunda-feira, nada fiz de extraordiná rio e, sá bado à noite, substituí novamente o
violonista do Stork, o que me rendeu 15 dó lares e bebida de graça. Eles pagavam bem
naquela boate. Em casa, eu lia ou entã o tocava violã o. Tinha deixado um pouco de lado o
sapateado, nã o precisava mais disso. Recomeçaria a praticar depois de me livrar das duas
Asquith. Arrumei também cartuchos para a arma do garoto e comprei diversas drogas.
Levei meu carro à oficina para uma revisã o e o mecâ nico consertou algumas coisas que nã o
estavam funcionando.
Nenhum sinal de Dex durante todo aquele tempo; eu tentara falar com ele sá bado de
manhã , mas ele tinha acabado de sair para passar o fim de semana fora, nã o sabiam onde
exatamente. Suponho que tivesse voltado à casa da velha Anna para traçar menininhas de
10 anos, pois os outros do grupo tampouco sabiam por onde ele andava.
E na segunda-feira, à s quatro e vinte da tarde, o carro de Jean estacionou diante da porta;
ela nã o dava a menor importâ ncia ao que as pessoas pudessem pensar. Depois de sair do
carro, entrou na minha loja. Nã o havia ninguém. Ela se aproximou de mim e me lascou um
beijo daqueles. Pedi que ficasse sentada. Propositadamente, nã o fechei a loja, para que
percebesse que eu nã o aprovava sua ideia de chegar antes da hora. Sua expressã o estava
horrível, apesar da maquiagem e dos olhos pintados. Como de costume, vestia-se com o que
se pode encontrar de mais caro, e um chapéu que nã o havia sido comprado na Macy’s — {16}

ele a envelhecia, por sinal.


— Fez uma boa viagem? — perguntei.
— Nã o é longe daqui — respondeu. — Tinha me parecido mais distante.
— Você está adiantada — observei.
Ela olhou seu reló gio cravejado de brilhantes.
— Nem tanto... faltam vinte para as cinco.
— Sã o quatro e vinte e nove — protestei. — Você chegou cedo demais.
— Isso te incomoda?
Ela reagiu com um ar meigo que me irritou.
— Claro. Tenho outras coisas para fazer, além de me divertir.
— Lee — murmurou Jean —, seja mais amá vel.
— Eu sou uma pessoa amá vel quando meu trabalho está concluído.
— Seja amá vel, Lee — repetiu ela. — Eu vou ter um... estou...
Ela se calou. Eu tinha entendido, mas era preciso que ela o dissesse.
— O que você quer dizer? — insisti.
— Eu estou grá vida, Lee.
— Você — eu disse, ameaçando-a com o dedo —, você nã o tomou cuidado.
Ela riu, mas seu rosto continuou firme, tenso.
— Lee, você tem de casar comigo o mais rá pido possível, senã o vai ser um escâ ndalo
terrível.
— Que nada — tranquilizei-a. — Isso acontece todos os dias.
Assumi entã o um tom mais alegre; nã o convinha assustá -la antes da hora. Nesse estado, as
mulheres ficam frequentemente nervosas. Aproximei-me dela e acariciei seus ombros.
— Nã o se mexa — disse-lhe. — Vou fechar a loja e ficaremos mais tranquilos.
Sem dú vida, seria mais fá cil me livrar dela com um bebê. Ela agora tinha uma boa razã o
para ser suprimida. Fui até a porta e acionei o interruptor da esquerda que controlava a
porta de ferro. Desceu lentamente, sem fazer outro ruído senã o o tilintar das engrenagens
lubrificadas.
Quando me virei, Jean havia retirado seu chapéu e ajeitava seus cabelos para devolver-lhes
a elasticidade. Ela ficava melhor daquele jeito; realmente, era uma linda mulher.
— E quando vamos partir? — perguntou bruscamente. — Você precisa me levar daqui o
mais rá pido possível, agora.
— Podemos partir no fim desta semana — respondi. — Meus negó cios estã o em ordem;
mas vai ser preciso que eu encontre um trabalho lá .
— Eu vou levar dinheiro.
Eu nã o tinha a menor intençã o de ser sustentado por alguém, nem mesmo por uma mulher
que eu queria matar.
— Isso nã o muda nada para mim — eu lhe disse. — Está fora de questã o que eu gaste seu
dinheiro. Gostaria que isso ficasse bem claro, de uma vez por todas.
Ela nã o respondeu. Apenas se mexeu na cadeira, como alguém que nã o ousa dizer alguma
coisa.
— Vamos — eu disse para animá -la. — Conte tudo. O que você andou fazendo sem me
dizer?
— Eu escrevi para lá — disse ela. — Vi um endereço nos classificados, dizem que é um local
deserto, para os amantes da solidã o e para os casais apaixonados que querem passar uma
lua de mel sossegada.
— Se todos os casais apaixonados se encontrarem lá — reclamei — vai ter uma multidã o
no lugar!
Ela riu. Tinha a expressã o aliviada. Nã o era do tipo de mulher capaz de guardar as coisas
para si mesma.
— Eles me responderam — continuou Jean. — Tem uma cabana para passarmos a noite, e o
café da manhã tomamos no hotel.
— A melhor coisa a fazer é você partir na frente, e depois eu vou. Assim terei tempo de
terminar tudo o que tenho a fazer.
— Prefiro ir junto com você.
— Nã o é possível. Volte para casa para nã o despertar suspeitas e só arrume as malas no
ú ltimo instante. Nã o é necessá rio levar muita coisa. E nã o deixe nenhuma carta dizendo
para onde foi. Seus pais nã o precisam saber.
— Quando você vem?
— Segunda-feira que vem.
Sairei daqui domingo à noite. Havia poucas chances de notarem minha partida na noite de
domingo. Mas ainda havia a Lou.
— Suponho que você tenha contado para sua irmã — indaguei.
— Ainda nã o.
— Ela deve estar desconfiando. De qualquer maneira, é melhor contar para ela. Lou poderá
servir de intermediá ria. Você está entendendo o que eu digo, nã o é?
— Estou.
— Entã o, conte para ela, mas só no dia que for embora, e deixe o endereço, mas de modo
que ela só o encontre depois de sua partida.
— Como posso fazer isso?
— Coloque dentro de um envelope e o envie pelo correio quando estiver a uns 100
quilô metros de casa. Ou entã o deixe dentro de uma gaveta. Há muitas maneiras de fazer
isso.
— Nã o gosto de toda essa complicaçã o. Oh!, Lee, será que nã o podemos ir embora só nó s
dois, dizendo para todo mundo que estamos a fim de ficar sossegados?
— Nã o é possível — respondi. — Para você, tudo bem, mas eu nã o tenho dinheiro.
— Nã o me importo.
— Olhe-se no espelho. Você nã o se importa porque você tem muito.
— Nã o tenho coragem de contar para a Lou. Ela só tem 15 anos.
Aquilo me fez rir.
— Você acha que ela é um bebê de colo? Você deve saber que, numa família em que existem
duas irmã s, a mais jovem aprende as coisas mais ou menos ao mesmo tempo que a mais
velha. Se vocês tivessem uma irmã zinha de 10 anos, ela saberia tanto quanto Lou.
— Mas a Lou é apenas uma garota.
— Está certo, basta ver a maneira como se veste. Os perfumes que ela usa testemunham
também sua imensa inocência. É preciso prevenir Lou. Repito, é preciso ter alguém em sua
casa para servir de intermediá rio entre seus pais e você.
— Eu preferiria que ninguém soubesse.
Soltei a risada mais cruel de que fui capaz.
— Você nã o está tã o orgulhosa assim do cara que achou, hein?
Sua boca começou a tremer e pensei que fosse chorar.
— Por que está me dizendo essas maldades? Você gosta de me fazer sofrer? Se nã o quero
contar nada é porque estou com medo...
— Medo de quê?
— Medo de que você me abandone antes de nos casarmos.
Eu dei com os ombros.
— Você acha que o casamento me impediria, se eu quisesse te deixar?
— Se tivermos um filho, sim.
— Se tivermos um filho, nã o poderei obter o divó rcio, é claro; mas isso nã o bastará para
impedir que eu te deixe, se tiver vontade.
Desta vez, ela começou a chorar. Deixando seu corpo cair novamente na cadeira, ela
abaixou a cabeça e as lá grimas correram sobre sua face. Eu percebi que estava indo rá pido
demais e me aproximei dela. Colocando a mã o no seu pescoço, acariciei-lhe a nuca.
— Oh, Lee! — sussurrou ela. — É tã o diferente do que eu pensava. Pensei que você ficaria
feliz de me ter inteiramente.
Respondi alguma coisa idiota e, em seguida, ela começou a vomitar. Eu nã o tinha nada à
mã o, nem sequer uma toalha, e tive que correr até o fundo da loja para apanhar um pano
que a mulher da limpeza usava para a faxina. Suponho que era o bebê que a deixava
enjoada. Quando ela parou de soluçar, enxuguei-lhe o rosto com seu lenço. As lá grimas
haviam deixado seus olhos brilhando, como se tivessem sido lavados, e ela respirava com
força. Seus sapatos estavam sujos e eu os limpei com um pedaço de papel. O cheiro me
desagradava, mas me inclinei sobre ela e a beijei. Apertando meu corpo violentamente
contra o seu, ela murmurou coisas sem sentido. Eu nã o dava sorte com ela. Sempre doente,
ou por beber demais ou por trepar demais.
— Vá rá pido — eu lhe disse. — Volte para casa, cuide um pouco de você. Depois, faça sua
bagagem na quinta-feira à noite e parta. Encontrarei com você na pró xima segunda-feira. Já
dei entrada nos papéis.
De repente, ela voltou a alegrar-se e abriu um sorriso incrédula.
— Lee... é verdade?
— Claro.
— Oh, Lee, eu te adoro... Sabe, nó s seremos muito felizes.
Realmente, ela nã o guardava rancor. De costume, as mulheres sã o menos conciliadoras.
Ajudei-a a levantar-se e acariciei seus seios através do vestido. Ela ficou um pouco tensa e
depois cedeu. Queria que eu continuasse. Pessoalmente, eu preferia arejar a loja, mas Jean
se agarrou a mim e começou a me desabotoar a camisa com uma das mã os. Levantei seu
vestido e deitei-a sobre a mesa onde os clientes colocavam os livros apó s folheá -los. Com os
olhos fechados, ela parecia morta. Quando senti que se descontraia, continuei a penetrá -la
até que começasse a gemer, depois soltei tudo sobre seu vestido e entã o ela se ergueu, com
a mã o na boca, e vomitou outra vez.
Em seguida, ajudei-a a ficar em pé e fechei seu casaco. Praticamente a carreguei até seu
carro, passando pela porta dos fundos da loja, e a instalei ao volante. Ela parecia nã o estar
se sentindo muito bem, mas achou forças para me morder o lá bio inferior até tirar sangue.
Fiquei imó vel e a observei indo embora. Acho que o carro conhecia o caminho. Felizmente,
para ela.
Depois, fui para casa e tomei um banho, por causa daquele cheiro.
17
Até aquele momento, eu nã o tinha pensado em todas as complicaçõ es nas quais estava me
metendo com aquela ideia de acabar com as duas. Naquele instante, me veio a vontade de
desistir do projeto e deixar tudo para lá , continuar vendendo meus livros sem
preocupaçõ es. Mas era necessá rio que eu o fizesse, pelo garoto, pelo Tom, e por mim
também. Eu conhecia uns caras mais ou menos do meu tipo, que esqueciam o sangue que
corria em suas veias e que se punham do lado dos brancos em qualquer circunstâ ncia, e
que nã o hesitavam em bater nos negros quando a ocasiã o se apresentava. Esses caras, eu
também os mataria com certo prazer, mas era preciso fazer as coisas progressivamente.
Primeiro as irmã s Asquith. Nã o me faltariam oportunidades para liquidar os outros: os
jovens que eu via, Judy, Jicky, Bill e Betty, mas esses nã o me interessavam. Muito pouco
representativos. As duas Asquith seriam meu primeiro passo. Depois, eu acho que com jeito
eu conseguiria acabar com uma figura importante. Nã o digo um senador, mas algo desse
nível. Nã o era fá cil ficar sossegado. Mas eu precisava refletir primeiro sobre uma maneira
de dar o fora, logo depois de ter suprimido aquelas duas fêmeas.
O melhor seria dissimular tudo num acidente automobilístico. Acabariam se perguntando o
que as duas tinham ido fazer perto da fronteira, e as questõ es cessariam apó s a autó psia,
quando descobrissem que Jean estava grá vida. Lou teria simplesmente acompanhado sua
irmã . E eu, eu nã o tinha nada com isso. Só depois, tranquilo e com o caso liquidado, eu
contaria a seus pais. Eles ficariam sabendo que sua filha havia sido enganada por um negro.
Em seguida, eu precisaria mudar de ares por algum tempo e, depois, estaria pronto para
recomeçar. Um plano idiota, porém os mais idiotas sã o os que funcionam melhor. Eu tinha
certeza de que Lou estaria lá , dentro de oito dias, apó s nossa chegada; eu gostava daquela
menina. Uma saída com a irmã , Jean dirigindo, e, depois, um enjoo ao volante. Nada de mais
natural. Eu teria tempo de saltar do carro. Acharia um local propício quando chegasse. Lou
sentaria à frente com sua irmã , eu atrá s. Lou primeiro, Jean largaria o volante e o trabalho
estaria concluído.
O problema é que esse esquema automobilístico só me agradava parcialmente. Para
começar, nã o é nada original. Depois, e sobretudo, seria muito rá pido. Faltaria-me o tempo
de lhes dizer o porquê, era necessá rio que elas se vissem nas minhas garras, que se dessem
conta do que lhes esperava.
O carro... mas depois. O carro seria para terminar. Acho que tinha descoberto um meio. Em
primeiro lugar, levá -las até um local sossegado. E lá entã o, eu as abateria. Explicando o
motivo. Depois, colocaria as duas dentro do carro e... o acidente. Bem simples, e mais
satisfató rio. Sim, mas seria mesmo?
Continuei pensando em tudo isso por algum tempo. Eu estava ficando nervoso. Por fim,
abandonei todas aquelas ideias e me disse que aquilo nã o se passaria de modo algum
daquele jeito, e me lembrei do garoto. E lembrei também da ú ltima conversa que eu tivera
com Lou. Eu tinha começado alguma coisa com aquela menina, e as coisas ficavam mais
claras. E valia a pena correr o risco. O carro, se eu pudesse. Senã o, que se há de fazer? A
fronteira nã o estava longe e, no México, nã o há pena de morte. Acredito que, esse tempo
todo, eu tinha vagamente na cabeça esse outro projeto que ganhava força naquele
momento, e só agora eu percebia a que ele correspondia, de fato.
Bebi um bocado de bourbon naqueles dias. Meu cérebro trabalhava duro. Tentei conseguir
outras coisas além dos cartuchos; comprei uma pá e uma enxada, e corda. Ainda nã o sabia
se minha ú ltima ideia funcionaria. Se funcionasse, de qualquer maneira, eu precisaria dos
cartuchos. Caso contrá rio, o resto poderia me ser ú til. E a pá e a enxada traziam segurança
para uma outra ideia que acabara de atravessar minha mente. Acho que os caras que
preparam um golpe se enganam ao fixarem um plano perfeitamente definido desde o início.
Na minha opiniã o, é melhor deixar espaço para o acaso. Mas, quando chega o momento
propício, é preciso ter à s mã os tudo o que é necessá rio. Nã o sei se eu estava errado ao nã o
preparar nada de preciso mas, repensando aquela histó ria de carro e acidente, meu
entusiasmo diminuiu. Nã o tinha levado em conta um fator importante, o tempo: eu teria um
bocado de tempo à minha frente, e evitava me concentrar naquela histó ria. Ninguém
conhecia o lugar para onde iríamos, e acho que Lou nã o diria a ninguém, se nossa ú ltima
conversa tinha de fato alcançado o objetivo pretendido. Isso eu ficaria sabendo logo que
chegasse.
E depois, no ú ltimo instante, uma hora antes de partir, me veio uma espécie de terror e me
perguntei se encontraria Lou ao chegar. Foi o momento mais difícil que passei. Fiquei
sentado à minha mesa, bebendo. Nã o sei quantos copos, mas minhas ideias estavam
perfeitamente lú cidas, como se o bourbon de Ricardo tivesse se transformado em á gua, e vi
o que eu deveria fazer com a mesma nitidez com que vira o rosto de Tom, quando o galã o
de gasolina explodiu na cozinha. Desci até a loja de conveniências e me fechei na cabine de
telefone. Disquei o nú mero de interurbano e pedi que me ligassem com Prixville,
conseguindo linha imediatamente. A empregada me disse que ia chamar a Lou e, cinco
segundos depois, ela atendeu.
— Alô ?
— Aqui é o Lee Anderson. Como vai você?
— O que houve?
— Jean foi embora, nã o é?
— Foi.
— Você sabe para onde?
— Sei.
— Ela contou para você?
Pude ouvi-la rindo. Ela deixou sublinhado o anú ncio no jornal.
Lou nã o era boba. Devia ter percebido tudo desde o início.
— Vou passar para apanhar você — disse-lhe.
— Você nã o vai encontrar com ela?
— Vou. Com você.
— Eu nã o quero.
— Você sabe muito bem que deve vir.
Nã o houve resposta e eu prossegui.
— É bem mais simples se eu levar você.
— Entã o para que ir encontrar com ela?
— É preciso que ela saiba.
— Saiba o quê?
Foi minha vez de rir.
— Eu contarei tudo durante a viagem. Faça sua mala e venha.
— Onde eu devo esperar?
— Estou de saída. Em duas horas estarei aí.
— Com seu carro?
— Claro. Espere por mim no seu quarto. Vou buzinar três vezes quando chegar.
— Ok.
— Até já .
Desliguei sem esperar sua resposta. Tirei meu lenço do bolso e enxuguei minha testa. Saí da
cabine, paguei e voltei para casa. Minhas coisas já estavam dentro do carro, e meu dinheiro,
no bolso. Havia escrito uma carta para o escritó rio da firma dizendo que tinha de visitar
com urgência meu irmã o que estava doente. Tom me perdoaria por aquilo. Eu nã o sabia o
que deveria fazer com aquele trabalho de livreiro; nã o me era totalmente desagradá vel.
Nã o estava cortando nenhum laço atrá s de mim. Até agora, eu tinha vivido sem nenhuma
dificuldade e sem conhecer a incerteza, nunca, de jeito algum, mas aquela histó ria
começava a me excitar e as coisas estavam menos claras na minha cabeça do que de
costume. Eu queria poder já estar lá para resolver tudo e me ocupar com outras coisas. Nã o
posso suportar um trabalho sem conclusã o e, naquele caso, era o que estava acontecendo.
Olhei ao meu redor para ver se nã o havia esquecido nada e apanhei meu chapéu. Depois,
saí e tranquei a porta, guardando a chave no bolso. Meu Nash me aguardava um pouco mais
à frente. Liguei o carro e parti. Logo que saí dos limites da cidade, afundei o pé no
acelerador e deixei o carro deslizar.
18
Estava muito escuro na estrada e, felizmente, nã o havia muito trâ nsito. A maioria era
caminhã o de carga, seguindo no outro sentido. Quase ninguém se dirigia para o sul. Eu
estava de fato pisando fundo. O motor roncava como o de um trator, e o termô metro do
carro marcava uns 195 graus, mas eu forçava ainda mais e a má quina continuava
{17}

aguentando.
Queria apenas acalmar meus nervos. Depois de uma hora, me senti melhor e fui mais
devagar, podendo ouvir o barulho da carroceria.
A noite estava ú mida e fria. O inverno se aproximava, mas meu casaco estava dentro da
mala. Nossa, nunca senti tanto frio. Eu prestava atençã o à s placas de sinalizaçã o, mas o
caminho nã o era complicado. Havia apenas, de vez em quando, um posto de gasolina e três
ou quatro casas, depois, a estrada novamente. Um animal selvagem, pomares, plantaçõ es
ou entã o campos vazios.
Pensei que levaria duas horas para percorrer os 150 quilô metros. Na verdade, sã o uns 160,
170, sem contar o tempo perdido para sair de Buckton e contornar o jardim ao chegar.
Depois de uma hora e meia, talvez um pouco mais, eu estava na frente da casa de Lou. Tinha
exigido do meu Nash tudo o que ele podia dar. Pensei que Lou devia estar pronta, assim,
entrei bem devagar depois de passar pelo portã o, e me aproximei o má ximo possível,
buzinando três vezes. De início, nã o ouvi nada. De onde eu estava, nã o podia ver sua janela,
mas nã o ousei sair do carro e nã o queria buzinar outra vez, para nã o acordar ninguém.
Fiquei lá esperando e notei que minhas mã os tremiam no momento em que acendi um
cigarro para me acalmar. Dois minutos depois, joguei-o fora e hesitei um bom tempo, antes
de buzinar mais três vezes seguidas. Já ia saindo do carro, quando pressenti que ela estava
chegando e, ao me virar, a vi aproximando-se do carro.
Ela estava com um casaco claro, nã o usava chapéu, e carregava uma bolsa enorme de couro
marrom que parecia a ponto de rasgar, e nada mais. Lou entrou e sentou-se ao meu lado
sem dizer palavra. Fechei a porta, me inclinando sobre seu corpo, mas nã o procurei beijá -la.
Ela estava fechada como um cofre.
Arranquei e fiz a curva para retomar a estrada. Ela olhava fixamente o caminho à sua
frente. Eu a observava de soslaio, achando que, tã o logo saíssemos da cidade, ela se sentiria
melhor. Percorri ainda uns 150 quilô metros à toda velocidade. Dava para começar a sentir
que o sul estava menos longe. O ar mais seco e a noite menos escura. Mas ainda faltavam
uns 800 ou 900 quilô metros a percorrer.
Eu nã o conseguia mais ficar ao lado de Lou sem dizer nada, e seu perfume invadia o carro.
De um certo modo, aquilo me excitava terrivelmente, pois eu a revia em pé no seu quarto,
com sua calcinha rasgada e seus olhos felinos. Suspirei bem forte para que ela notasse. Lou
pareceu acordar, recuperar a vida de alguma forma, e tentei criar um clima mais cordial,
para afastar aquele embaraço.
— Está com frio?
— Nã o — respondeu ela.
Ela sentiu um arrepio e isso piorou seu mau humor. Pensei que estivesse fazendo uma cena
de ciú mes, mas eu tinha que dirigir e nã o podia resolver o problema naquele momento só
com as palavras, se ela continuasse demonstrando tanta má -vontade. Retirei uma mã o do
volante e vasculhei o porta-luva à direita. Apanhei uma garrafa de uísque e coloquei-a
sobre as pernas. Havia ainda um copo de plá stico. Peguei e o coloquei ao lado da garrafa,
depois fechei o porta-luva e liguei o rá dio. Devia ter pensado nisso antes mas, com certeza,
eu nã o estava me sentindo à vontade.
Era a ideia de que ainda faltava fazer tudo que me atormentava, daquele jeito. Felizmente,
ela apanhou a garrafa e a destampou, servindo-se no copo e bebendo tudo num só trago.
Estendi a mã o. Lou encheu novamente o copo e o esvaziou pela segunda vez. Só entã o me
serviu um pouco. Bebi tudo sem sentir o gosto e lhe devolvi o copo. Ela colocou tudo dentro
do porta-luva, relaxou um pouco no seu assento e abriu os botõ es do seu casaco. Estava
usando um conjunto de blusa e saia bem curta. Por baixo da blusa, vestia um pulô ver verde-
limã o diretamente sobre a pele e, pensando na minha pró pria segurança, me forcei a olhar
só para a estrada.
Agora, dentro do carro havia um cheiro de perfume e á lcool, e de cigarro, um odor capaz de
lhe subir à cabeça. Mas mantive os vidros fechados. Continuamos sem nos falar; isso durou
uma meia hora e, depois, ela reabriu o porta-luva e apanhou o copo. Lou sentia calor agora
e livrou-se do seu casaco. No movimento que fez, se aproximando de mim, eu me inclinei e
beijei seu pescoço, um pouco abaixo da orelha. Ela se afastou bruscamente, se virou e, me
olhando, começou a rir. O uísque começava a fazer efeito. Dirigi ainda uns 80 quilô metros
sem dizer nada e, por fim, ataquei. Ela havia tomado outro gole de uísque.
— Você nã o está se sentindo bem?
— Estou sim — respondeu com vagar.
— Nã o está a fim de sair com o velho Lee?
— Nã o encha!
— Nã o está a fim de ir ver sua irmã zinha?
— Nã o me fale da minha irmã .
— É uma boa menina.
— É , e ela trepa muito bem, nã o é?
Aquilo me tirou o fô lego. Qualquer um poderia me dizer aquilo e eu nã o daria a menor
atençã o, Judy, Jicky, B.J., mas nã o a Lou. Ela viu meu estado de estupefaçã o e riu até nã o
poder mais. Quando ria, dava para ver que havia bebido.
— Nã o é assim que se diz?
— É — assenti. — Exatamente assim.
— E nã o é isso que ela faz?
— Nã o sei.
Ela riu novamente.
— Nã o vale a pena insistir, Lee. Você sabe que eu nã o tenho mais idade para acreditar que a
gente engravida beijando na boca.
— Quem falou de gravidez?
— A Jean está esperando um bebê.
— Você está louca.
— Eu sei de tudo, Lee. Nã o vale a pena insistir. Sei o que estou falando.
— Eu nã o fui para a cama com sua irmã .
— Foi sim.
— Nã o fui, e mesmo que tivesse ido, ela nã o está esperando um filho.
— Por que entã o ela anda o tempo todo enjoada?
— Ela estava passando mal na casa de Jicky, e no entanto eu nã o tinha lhe feito um filho.
Sua irmã tem o estô mago frá gil.
— E o resto? Nã o é tã o frá gil assim?...
Em seguida ela saltou sobre mim, dando socos. Protegi a cabeça entre os ombros e acelerei.
Lou me batia com toda a sua força, que nã o era muita, mas machucava assim mesmo. No
lugar dos mú sculos, ela tinha os nervos, e um bom treinamento de tênis. Quando parou, eu
sacudi a cabeça.
— Está se sentindo melhor?
— Estou me sentindo muito bem. E Jean, ela se sentiu bem depois?
— Depois de quê?
— Depois de vocês terem trepado.
Ela experimentava sem dú vida um prazer considerá vel repetindo aquela palavra. Se
passasse minha mã o entre suas coxas naquele momento, com certeza teria de me enxugar
com uma toalha.
— Ah! — eu disse —, ela já tinha feito isso antes.
Mais uma vez, a avalanche caiu sobre mim.
— Você é um mentiroso safado, Lee Anderson.
Ela ficou ofegante apó s aquele esforço e fixou seu olhar na estrada.
— Acho que eu preferiria trepar com você — eu disse. — Gosto mais do seu cheiro e você
tem mais pelos aí embaixo. Mas a Jean sabe trepar muito bem. Vai fazer falta, quando nos
livrarmos dela.
Ela nã o se mexeu. Absorveu aquele choque como o resto. Eu estava com um nó na garganta
e, de repente, aquilo provocou em mim uma espécie de deslumbramento, porque eu
começava a me dar conta de tudo.
— Nó s vamos fazer isso logo de uma vez — murmurou Lou — ou só depois?
— Fazer o quê? — perguntei.
Eu tinha dificuldades para falar.
— Você vai trepar comigo? — perguntou, tã o baixo que entendi o que ela queria dizer sem
de fato eu ter ouvido.
Naquele instante, me sentia excitado como um touro e chegava a doer.
— É preciso acabar com ela antes — eu disse.
Falei aquilo só para ver se ela estava de fato nas minhas mã os.
— Eu nã o quero — ela exclamou.
— Você gosta muito da sua irmã , nã o é? Você está fraquejando!
— Nã o quero esperar...
Foi entã o que vi um posto de gasolina e parei o carro. Era preciso pensar em outra coisa,
senã o eu perderia meu sangue-frio. Fiquei sentado e disse ao cara para encher o tanque.
Lou girou a maçaneta e saiu do carro. Ela murmurou alguma coisa e o homem lhe indicou
uma direçã o. Dez minutos depois, ela reapareceu. Eu tinha aproveitado para calibrar um
dos pneus e pedir ao cara que me trouxesse um sanduíche, que acabei nã o conseguindo
comer.
Lou retomou seu lugar. Paguei ao cara e ele foi dormir novamente. Arranquei com o carro e
dirigi como um louco por mais uma ou duas horas. Lou estava imó vel, parecia adormecida,
e eu me acalmara totalmente, mas de repente, ela se espreguiçou, reabriu o porta-luva e,
desta feita, bebeu três copos seguidos, retirando depois a veste de seu conjunto.
Era impossível vê-la se mexendo e nã o me excitar outra vez. Tentei continuar dirigindo,
mas 15 quilô metros à frente eu parei o carro no acostamento da estrada. Ainda era noite,
contudo, dava para sentir a alvorada no horizonte. Nã o estava ventando. Havia um aroma
de á rvores e arbustos. A ú ltima cidade nó s havíamos deixado para trá s meia hora antes,
talvez.
Puxei o freio de mã o, apanhei a garrafa, bebi um trago, depois lhe disse que saísse do carro.
Ela abriu a porta e pegou sua bagagem. Eu a segui. Lou se dirigiu até as á rvores e parou
quando chegou sob uma delas, me pedindo um cigarro. Eu os tinha deixado no carro. Disse-
lhe para me esperar; ela vasculhava sua bolsa, procurando seu maço, mas eu corri até o
carro. Apanhei também a garrafa. Estava quase vazia, porém havia outras na mala do Nash.
Quando voltei, andava com dificuldade e comecei a me desabotoar antes de alcançá -la.
Naquele momento, vi o clarã o do disparo do revó lver e, no mesmo instante, tive a
impressã o de que meu cotovelo esquerdo explodia; meu braço caiu para baixo. Por pouco
nã o me acertara os pulmõ es.
Tudo isso me ocorreu numa fraçã o de segundo; no instante seguinte eu estava sobre ela,
torcendo-lhe o pulso e, depois mandei um soco na cabeça, com toda a minha força, porque
ela tentava me morder. Mas eu estava mal, sofrendo como um condenado. Ela recebeu o
golpe e caiu no chã o sem se mexer. Apanhei a arma e a coloquei no bolso. Era apenas um
6,35, como o meu, mas a danada tinha mirado muito bem. Voltei correndo para o carro.
Segurei meu braço esquerdo com minha mã o direita e eu devia estar fazendo umas caretas
de má scara chinesa, mas estava tã o furioso que eu nã o me dava conta da dor que sentia.
Encontrei o que estava procurando, a corda, e voltei. Lou começava a se mexer. Tive que
amarrá -la com uma mã o apenas, e foi difícil, mas quando terminei, comecei a esbofeteá -la.
Arranquei sua saia e rasguei seu pulô ver, continuando com os tapas. Foi preciso imobilizá -
la com meu joelho, enquanto arrancava o pulô ver, e só consegui abri-lo na frente.
Amanhecia lentamente; uma parte de seu corpo estava na sombra mais escura da á rvore.
Naquele momento, ela tentou falar, dizendo que eu nã o conseguiria, pois acabara de
telefonar para o Dex, que ia avisar a polícia, e que ela me considerava um crá pula, desde
que eu disse que era preciso suprimir sua irmã . Eu ri, e entã o ela esboçou uma espécie de
sorriso e eu lhe desferi um murro no queixo. Seu peito estava frio e duro. Perguntei por que
ela tinha atirado em mim e procurei me acalmar. Ela me disse que eu era um negro imundo,
que o Dex havia lhe contado, e que ela viera comigo para prevenir Jean, e que me odiava
como nunca odiara ninguém.
Eu ri ainda mais. Meu coraçã o espancava meu peito como um martelo de fundiçã o, e
minhas mã os tremiam e meu braço esquerdo nã o parava de sangrar. Podia sentir o líquido
escorrer pelo meu antebraço.
Entã o lhe disse que os brancos tinham assassinado meu irmã o, e que eu nã o seria
apanhado tã o facilmente, mas que ela, de qualquer maneira, ia morrer, e apertei um de seus
seios até ela quase desmaiar, mas Lou nã o disse nada. Dei-lhe nã o sei mais quantos tapas.
Ela reabriu os olhos. O dia raiava e eu podia vê-los brilhar de lá grimas e ó dio. Inclinei-me
sobre seu corpo. Acho que eu a cheirava como se fosse um bicho e ela começou a berrar.
Mordi-a bem entre as coxas. Minha boca encheu-se de seus pelos duros e negros. Afastei-
me um pouco e, depois, ataquei mais embaixo, onde era mais macio. Eu nadava em seu
perfume, ela estava impregnada até os cabelos, e meus dentes estavam cerrados. Tentei
colocar uma mã o sobre sua boca, mas ela gritava feito um porco, um berro capaz de deixar
qualquer um arrepiado. Entã o trinquei ainda mais os dentes e fui fundo. Senti o sangue
jorrar dentro da minha boca e seu corpo continuava a se agitar, apesar da corda. Meu rosto
estava cheio de sangue e eu recuei um pouco, ajoelhado. Nunca ouvi uma mulher gritar
daquele jeito. De repente, senti uma inundaçã o na minha cueca, aquilo me fez estremecer
como nunca antes, mas tive medo de que alguém aparecesse.
Acendi um fó sforo e vi que ela estava sangrando muito. Por fim, comecei a lhe bater, só com
minha mã o direita no início, sobre o queixo, senti os dentes se partindo e continuei, eu
queria que ela parasse de berrar. Bati mais forte e depois apanhei sua saia, a coloquei sobre
sua boca e me sentei em cima da sua cabeça. Lou se mexia como um verme. Nã o imaginava
que fosse tã o resistente. Ela fez um movimento tã o violento que eu pensei que meu
antebraço esquerdo ia sair do lugar. Percebi que estava agora tomado por uma có lera tã o
grande que poderia tê-la esfolado. Entã o me ergui e passei a chutá -la, e coloquei todo o meu
peso sobre o pé que lhe esmagava o pescoço. Quando ela nã o se mexeu mais, senti
novamente aquele êxtase. Entã o, minhas pernas começaram a tremer e tive medo de
apagar também.
19
Eu deveria ter ido apanhar a pá , a enxada, e tê-la enterrado ali mesmo, mas agora estava
com medo da polícia. Nã o queria que me pegassem antes de eu liquidar também a Jean.
Com certeza, era o garoto que me guiava agora. Ajoelhei diante de Lou. Desfiz o nó da corda
que lhe prendia as mã os; havia marcas profundas nos pulsos, e seu corpo estava flá cido
como os cadá veres daqueles que acabam de morrer. Os seios estavam deformados. Nã o
retirei a saia do seu rosto. Nã o queria mais ver sua cabeça, mas apanhei seu reló gio.
Precisava guardar alguma coisa dela.
De repente, me preocupei com a minha aparência e corri até o carro. Olhando-me no
retrovisor, notei que eu nã o estava tã o mal assim. Lavei-me com um pouco de uísque. Meu
braço nã o sangrava mais. Consegui retirar a manga da camisa e o amarrei apertado,
imobilizando-o com meu lenço e a corda. Quase berrei de tanta dor, pois foi preciso dobrá -
lo. Finalmente, consegui, graças a outra garrafa de uísque que apanhei na mala do carro. Eu
tinha perdido um bocado de tempo e o sol já despontava. Peguei o casaco de Lou dentro do
carro e fui colocá -lo sobre seu corpo, nã o queria carregá -lo comigo. Eu nã o sentia mais
minhas pernas, porém minhas mã os tremiam menos.
Sentei ao volante e avancei com o carro. Eu me perguntava o que ela poderia ter dito ao
Dex. Aquela histó ria de polícia começava a me atormentar. Na verdade, eu nã o pensava
nisso. Só ao fundo, como uma trilha sonora.
Queria encontrar a Jean agora e sentir outra vez o que eu experimentara duas vezes ao
acabar com sua irmã . Acabara de achar o que sempre tinha procurado. A polícia me
inquietava, mas num plano diferente de preocupaçã o; nã o me impedia de fazer o que eu
queria. Eu estava bastante adiantado. Seria preciso que eles corressem muito para me
alcançar. Faltava um pouco menos de 500 quilô metros de chã o. Meu braço esquerdo estava
mais ou menos entorpecido e eu mandei ver.
20
Comecei entã o a me recordar de tudo, talvez uma hora antes de chegar. Lembrei-me do dia
em que peguei pela primeira vez um violã o. Foi na casa de um vizinho. Ele me dava algumas
aulas escondidas. Eu só praticava uma melodia: When the Saints Go Marching In, e acabei
aprendendo a tocá -la inteiramente, com direito a break, e ainda cantava ao mesmo tempo.
Certa noite, tomei emprestado o violã o do vizinho para fazer uma surpresa em casa. Tom se
pô s a cantar comigo. O garoto ficou louco e começou a dançar em volta da mesa como se
acompanhasse um desfile; tinha apanhado um bastã o e o rodopiava nas mã os. Naquele
instante, meu pai chegou e começou a rir, cantando conosco. Devolvi o violã o ao vizinho
mas, na manhã seguinte, encontrei um sobre minha cama. Era de segunda mã o, mas ainda
em ó timo estado. Todos os dias eu praticava um pouco. O violã o é um instrumento que nos
deixa preguiçosos. Apanhamos o violã o, tocamos uma mú sica, depois o deixamos de lado,
bocejamos um pouco, o apanhamos novamente para tocar um ou dois acordes ou para
acompanhar o assobio. Os dias passam rá pido assim.
Um solavanco do carro me trouxe ao presente. Acho que estava quase adormecendo. Nã o
sentia mais o meu braço esquerdo e tinha uma sede terrível. Tentei voltar a pensar nos
velhos tempos para espairecer, pois eu estava tã o ansioso para chegar que, tã o logo
retomava a consciência, meu coraçã o começava a dar soco nas minhas costelas e minha
mã o direita tremia no volante. Era cansativo dirigir com uma ú nica mã o. Eu me perguntei o
que o Tom estaria fazendo naquele momento. Rezava, provavelmente, ou ensinava algumas
coisas a seus alunos. Por meio de Tom, eu chegara a Clem, e à cidade de Buckton, onde
tinha ficado três meses, tomando conta de uma livraria, onde ganhava bem. Lembrei de
Jicky e daquela vez em que transamos dentro da á gua, e de como o rio estava transparente
naquele dia. Jicky, tã o jovem, suave e nua, como um bebê e, de repente, voltei a pensar na
Lou e seus pelos pubianos negros, densos e encrespados, e do gosto que senti ao mordê-la,
um gosto agradá vel, um tanto salgado, e quente, com aquele odor do perfume de suas
coxas, e pude ouvir outra vez seus gritos nos meus ouvidos. O suor me escorria pela testa e
nã o dava para soltar o volante e me enxugar.
Meu estô mago parecia inchado de gá s, pesando sobre o diafragma e esmagando os
pulmõ es, e Lou berrando nos meus ouvidos. Apertei a buzina a nã o mais poder para nã o
ouvir aqueles gritos.
Eu devia estar a uns 100 por hora, aproximadamente; o motor nã o rendia mais do que
aquilo, mas a estrada tomou um declive e vi o ponteiro avançar dois pontos, três, depois
quatro. O dia já raiara havia muito tempo. Agora havia mais carros circulando e eu
ultrapassei alguns deles. Depois de um instante, larguei a buzina, pois poderia encontrar
policiais de motocicleta e eu nã o teria como me livrar deles. Quando chegasse, pegaria o
carro de Jean mas, meu Deus, quando enfim eu chegaria?
Acho que comecei a grunhir dentro do carro, grunhir feito um porco, entre os dentes, para
ir mais rá pido, e fiz uma curva sem desacelerar, arrancando um ruído terrível dos pneus. O
Nash derrapou mas recuperou o equilíbrio, apó s quase acertar o meio-fio da esquerda.
Continuei pisando fundo e entã o comecei a rir e a me sentir feliz como o garoto, quando ele
dava voltas em torno da mesa, cantando When the Saints..., e quase nã o sentia mais medo.
21
Aquele maldito tremor recomeçou quando parei diante do hotel. Eram quase onze e meia;
Jean devia estar me esperando para almoçar, conforme tínhamos combinado. Abri a porta
da direita e saltei do carro, pois com meu braço esquerdo nã o teria conseguido fazê-lo.
O hotel era uma grande casa branca com uma varanda típica do lugar, com as persianas
arriadas. Ainda havia sol naquela regiã o, apesar de estarmos pró ximos do fim de outubro.
Na sala do térreo nã o havia ninguém. Estava longe daquele palá cio suntuoso que prometia
o anú ncio, porém, para se isolar de tudo, nã o podia ser melhor.
Deu para contar apenas uma dú zia de casas ao redor, sendo uma delas um posto de
gasolina que incluía um bar, pró ximo da estrada, destinado sem dú vida aos caminhoneiros.
Saí do carro. Pelo que eu sabia, os alojamentos dos hó spedes ficavam separados do hotel, e
pensei que eles acabavam nesse caminho, que partia transversal à estrada, cercado de
á rvores em triste estado e de um mato selvagem. Deixei o Nash e segui naquela direçã o.
Assim que fiz a curva, dei com o carro de Jean, diante de uma acomodaçã o de dois cô modos
bastante limpos. Entrei sem prevenir.
Ela estava sentada num sofá e parecia dormir. Sua expressã o nã o era das melhores, mas ela
continuava bem vestida. Quis acordá -la, mas o telefone, cuja presença eu ainda nã o
percebera, começou a tocar naquele justo instante. Aquilo me assustou e eu saltei sobre ele.
Meu coraçã o disparava outra vez. Atendi e desliguei imediatamente. Eu sabia que só podia
ser o Dexter. Dexter ou a polícia. Jean esfregava os olhos. Ela se levantou e, antes de mais
nada, eu a beijei com violência. Aquilo deixou-a mais desperta. Passei meu braço em volta
da sua cintura, levando-a para fora. Naquele momento, ela viu o meu braço esquerdo.
— O que houve, Lee?
Parecia assustada. Eu ri, mas fingia muito mal.
— Nã o é nada. Tomei um tombo estú pido saindo do carro e arrebentei o cotovelo.
— Mas sangrou muito!
— Só um arranhã o. Venha, Jean. Essa viagem me cansou. Quero ficar sozinho com você.
Entã o o telefone voltou a tocar, e foi como se a corrente elétrica passasse dentro de mim e
nã o pelo fio. Nã o consegui me segurar e peguei o aparelho para lançá -lo no chã o.
Com alguns chutes, acabei com ele. De repente, era como se eu demolisse o rosto de Lou
com meus sapatos. Eu transpirava e quase perdi os sentidos. Sabia que minha boca estava
tremendo e que eu devia estar com a aparência de um louco.
Felizmente, Jean nã o insistiu. Ela saiu pela porta e eu lhe disse para se instalar no carro.
Iríamos um pouco mais longe para ficarmos sossegados e, depois, voltaríamos para
almoçar. Já fazia tempo que era hora de almoçar, mas ela parecia apá tica. Ainda enjoada, eu
acho, por causa daquele bebê que esperava. Pisei com vontade no acelerador. O carro
arrancou, nos pressionando as costas contra o encosto. Agora, faltava pouco. O som do
motor me acalmou. Disse alguma coisa para Jean, me desculpando pelo telefone. Ela
começava a perceber que eu estava perdendo o juízo, e já estava na hora de eu recuperar o
controle. Aproximando-se de mim, Jean colocou a cabeça sobre meu ombro.
Esperei até que tivéssemos percorrido uns 30 quilô metros e procurei um lugar para
estacionar. Naquele trecho, a estrada atravessava um aterro; se eu pudesse parar no
acostamento, seria ó timo. Parei o carro e Jean saltou primeiro. Apalpei o revó lver de Lou no
meu bolso. Nã o queria usá -lo imediatamente. Mesmo com um ú nico braço eu conseguiria
dominar Jean também. Ela se abaixou para apanhar seus sapatos e eu vi suas coxas sob a
saia curta, que desenhava o contorno de suas ancas. Minha boca estava ficando seca. Ela
parou ao lado de um arbusto; havia um local de onde nã o se via a estrada se ficá ssemos
sentados.
Ela se deitou no chã o. Comecei a possuí-la novamente ali mesmo, mas sem perder o
controle. Tentava me acalmar, apesar daquele movimento louco de seus quadris. Consegui
fazer com que gozasse antes de mim. E naquele momento, lhe disse:
— Você ainda sente o mesmo prazer transando com um homem negro?
Ela nã o respondeu. Estava totalmente embrutecida. Prossegui.
— Porque, da minha parte, nã o tenho mais do que um oitavo de sangue negro.
Ela reabriu os olhos e eu ri um pouco. Jean nã o estava entendendo nada. Entã o contei tudo
para ela, quer dizer, a histó ria do garoto, como ele se apaixonara por uma menina e como o
pai e o irmã o da menina deram um jeito nele logo em seguida; expliquei o que queria fazer
com Lou e ela, seriam duas por um. Meti a mã o no meu bolso e retirei o reló gio de Lou;
mostrei a ela e disse que eu lamentava nã o lhe ter trazido também um dos olhos de sua
irmã , mas eles estavam muito danificados apó s o pequeno tratamento que eu tinha
inventado e aplicado nela.
Foi-me difícil dizer aquilo tudo. As palavras nã o vinham sozinhas. Jean permanecia imó vel,
deitada no chã o, sua saia suspensa na altura da barriga. Senti de novo aquela coisa voltar,
subindo pelas minhas costas, e minha mã o se fechou no seu pescoço, sem que eu pudesse
evitar; pronto, veio tã o forte que nã o pude mais me segurar. Seu rosto já estava azul e ela
nã o se mexia. Deixara-se estrangular sem reagir. Talvez ainda respirasse. Peguei o revó lver
de Lou no bolso e dei-lhe dois tiros no pescoço, à queima-roupa. O sangue começou a jorrar
em grandes golfadas, lentamente, espasmó dico, com um som líquido. Dos seus olhos, via-se
apenas uma linha branca atravessando as pá lpebras. Ela teve uma espécie de contraçã o e
acho que morreu naquele momento. Virei-a para nã o ver mais seu rosto e, enquanto ainda
estava quente, voltei a fazer com ela o que fizera antes no seu quarto.
Devo ter desmaiado logo em seguida. Quando recobrei minha consciência, ela estava toda
fria e era impossível mexer seu corpo. Entã o deixei-a ali e subi em direçã o ao carro. Mal
conseguia arrastar as pernas. Reflexos brilhantes atravessavam meus olhos. Quando me
sentei ao volante, lembrei-me de que o uísque havia ficado no Nash, e minha mã o voltou a
tremer.
22
O sargento Culloughs colocou seu cachimbo sobre a mesa.
— Nunca conseguiremos prendê-lo — disse ela.
Carter mexeu com a cabeça.
— Podemos tentar.
— Nã o se pode prender com duas motos um cara que roda a 150 num carro de 800 quilos!
— Podemos tentar. Estaremos arriscando a pele, mas podemos tentar.
Barrow ainda nã o dissera nada. Era um homem grande, magro e moreno, desengonçado,
com um sotaque arrastado.
— Eu estou nessa — disse ele.
— Vamos — disse Carter.
Culloughs olhou para os dois.
— Vocês estã o arriscando o pescoço, mas, se conseguirem, terã o aquela promoçã o.
— Nã o podemos deixar um negro safado incendiar e sangrar toda a regiã o — disse Carter.
Culloughs nã o respondeu, apenas olhou para seu reló gio.
— Sã o cinco horas — disse ele. — Eles telefonaram dez minutos atrá s. Ele deve passar
dentro de cinco minutos... se passar — acrescentou.
— Ele matou duas moças — disse Carter.
— E um mecâ nico — acrescentou Barrow.
Ele se certificou de que seu Colt estava no coldre e se dirigiu à porta.
— Já tem gente atrá s dele — disse Culloughs.
— Pelas ú ltimas notícias, ainda estã o o seguindo. O carro do superintendente saiu agora e
em breve virá outro.
— É melhor irmos de uma vez — intimou Carter.
— Venha na garupa, Barrow. Vamos numa ú nica motocicleta.
— O regulamento nã o permite — protestou o sargento.
— Barrow atira bem — respondeu Carter. — Um homem só nã o pode pilotar a moto e
atirar ao mesmo tempo.
— Bom, se virem — consentiu Culloughs. — Eu lavo minhas mã os.
A Indian arrancou bruscamente. Barrow encostou-se em Carter, que quase decolou com a
moto. Ele se sentara no outro sentido, suas costas contra as de Carter, presos um ao outro
por um cinturã o de couro.
— Reduza a velocidade assim que sair da cidade — disse Barrow.
— Isso nã o está no regulamento — resmungou Culloughs, mais ou menos no mesmo
instante, observando a moto de Barrow com uma expressã o melancó lica.
Depois, deu com os ombros e entrou. Mas saiu logo em seguida, a tempo de ver a traseira de
um grande Buick branco que acabara de passar pela estrada roncando como um trovã o.
Algumas sirenes soaram em seguida, antecedendo a passagem de quatro motocicletas e um
carro que as seguia de perto.
— Estrada maldita — rosnou ainda Culloughs.
Desta vez, ele ficou lá fora.
Ouviu o ruído das sirenes sendo engolido pelo silêncio.
23
Lee engoliu seco. Sua mã o direita movia-se nervosa sobre o volante, enquanto esmagava o
acelerador com todo o seu peso. Seus olhos estavam injetados e o suor grudara no rosto. Os
cabelos louros haviam ficado colados com a transpiraçã o e a poeira. Podia ouvir vagamente
o ruído das sirenes atrá s dele, se forçasse a audiçã o, mas a estrada estava num estado
muito precá rio para que conseguissem atirar nele. Bem à sua frente, viu uma motocicleta e
tentou ultrapassá -la pela esquerda, mas ela manteve a distâ ncia e, de repente, o para-brisa
se estilhaçou, lançando no seu rosto fragmentos de vidro pulverizado em pequenos
pedaços. A moto parecia quase imó vel em relaçã o ao Buick, e Barrow mirou
cuidadosamente, como se estivesse num estande de tiro ao alvo. Lee pô de ver o clarã o do
segundo e do terceiro disparos, mas as balas passaram longe. Passou a dirigir em
ziguezague ao longo da pista para evitar os projéteis, mas o para-brisa foi de novo,
espatifado, ainda mais perto do seu rosto. Dava para sentir agora a violenta corrente de ar
que se infiltrava pelo buraco perfeitamente circular deixado pelo chumbo grosso de uma
45.
Em seguida, teve a impressã o de que o Buick avançava mais rá pido, pois se aproximava da
moto, mas logo viu que era o oposto, Carter estava desacelerando. Sua boca esboçou um
vago sorriso, enquanto seu pé aliviava um pouco o acelerador. Nã o havia mais de 20 metros
entre os dois veículos, 15, 10; Lee pisou fundo novamente. Viu o rosto de Barrow bem perto
e estremeceu com o choque da bala que lhe atravessou o ombro direito. Ele ultrapassou a
moto trincando os dentes para nã o soltar o volante; assim que a deixasse para trá s nã o
haveria mais risco.
Apó s uma curva, a estrada seguia reta. Carter e Barrow continuavam colados na sua
traseira. Apesar da suspensã o do carro, Lee sentia agora nos seus membros rompidos até o
menor relevo na pista. Olhou pelo retrovisor. Só havia os dois homens à vista, ele viu Carter
desacelerar e parar no acostamento, para deixar Barrow se instalar de frente, pois agora
nã o podiam mais se arriscar numa ultrapassagem.
A estrada bifurcava 100 metros adiante. Lee percebeu uma espécie de construçã o. Sem
soltar o acelerador, avançou na direçã o do campo recentemente arado que margeava a
estrada. O Buick deu um salto e um cavalo de pau parcial, mas conseguiu retomar o
equilíbrio em meio aos gemidos de todas as peças metá licas, antes de parar na frente de um
celeiro. Sem perder tempo, Lee saiu do carro com uma expressã o de dor no rosto e
alcançou a porta. Agora, os dois braços o lancinavam sem parar; a circulaçã o começava a se
restabelecer no seu braço esquerdo, ainda atado a seu torso, arrancando-lhe suspiros de
dor. Ele se dirigiu a uma escada de madeira que levava à granja e começou a subir. Quase
perdeu o equilíbrio, recuperando-o por meio de uma contorçã o imprová vel, agarrando com
os dentes uma das barras transversais da escada em madeira rugosa. Ficou assim, ofegante,
no meio do caminho, e uma farpa lhe rasgava o lá bio. Lee se deu conta da força com que
fechara seus maxilares ao sentir de novo dentro da boca aquele gosto doce e salgado do
sangue quente, do sangue quente e salgado que bebera sobre o corpo de Lou, entre suas
coxas impregnadas de perfume francês que nã o era feito para sua idade. Viu novamente a
boca deformada de Lou e sua saia empapada de sangue e, mais uma vez, coisas brilhantes
começaram a dançar à sua frente.
Lentamente, com muito sacrifício, ele subiu um pouco mais alto e o clamor das sirenes soou
lá fora. Os berros de Lou sobre o clamor das sirenes, aquilo revolvia e revivia de novo
dentro da sua cabeça, ele recomeçava a matar Lou, e a mesma sensaçã o, o mesmo gozo o
invadiu quando atingiu a parte alta do celeiro. Do lado de fora, o barulho cessou. Com
dificuldades, sem a ajuda de seu braço direito que, com o menor movimento, lhe fazia
sofrer, ele se arrastou na direçã o da claraboia.
Diante dele, a perder de vista, se estendiam os campos de terra amarela. O sol se punha e
um leve vento agitava o mato ao longo da estrada. O sangue escorria pelo seu braço direito
e pela perna. Aos poucos esgotava toda a sua força e, entã o, começou a tremer, voltando a
sentir medo.
Agora, os policiais cercavam o celeiro. Ele os ouviu chamando e sua boca abriu-se por
inteiro. Sentia sede e transpirava, e quis xingá -los, mas sua garganta estava seca. Percebeu
que seu sangue fizera uma pequena poça ao seu lado. Tremia como uma folha de papel e
seus dentes tiritavam e, quando ouviu passos sobre a escada, começou a berrar, de início
um grito surdo, que se inflamou e cresceu. Tentou apanhar o revó lver no bolso e só
conseguiu com um tremendo esforço. Seu corpo parecia se incrustar na parede, o mais
distante possível da passagem por onde surgiriam os homens de azul. O revó lver estava em
punho, mas nã o poderia atirar.
O barulho havia cessado. Entã o ele parou de gritar e sua cabeça tombou sobre o peito. Pô de
ouvir ainda alguma coisa, vagamente; o tempo voou e em seguida as balas o atingiram na
altura do quadril; seu corpo se descontraiu e caiu devagar. Um pequeno fio de baba uniu
sua boca à s toscas pranchas do celeiro. As cordas que atavam seu braço esquerdo haviam
deixado profundas marcas azuis.
24
Os habitantes da cidade o enforcaram assim mesmo, porque era um negro. Sob a calça, seu
baixo-ventre revelava ainda uma saliência irrisó ria.

FIM
Miller, Henry (1891-1980), romancista americano instalado em Paris em 1930, bardo da
{1}

sexualidade, por exemplo em Trópico de Câncer (1934), Black Spring (1936) e Trópico de
Capricórnio (1939), cujas traduçõ es na França (1946-1947) foram atacadas pela Associaçã o
de Açã o Social e Moral (N. do E. — notas de Gilbert Pestureau para Oeuvres de Boris Vian,
volume 1, Fayard)
Cain, James (1892-1977), romancista e roteirista americano. Vian leu em inglês Three of a
{2}

Kind, cujo prefá cio contém esta frase: “Queria encontrar (...) uma histó ria na qual o
assassinato trouxesse o amor, como deve acontecer a todo homem ou mulher que tenta
cometê-lo”. (N. do E.)
Chase, James Hadley, pseudô nimo do inglês René Brabazon Raymond (1906-1985), um
{3}

dos primeiros mestres do romance policial, particularmente pelo seu No Orchids for Miss
Blandish (1938). (N. do E.)
Abreviaçã o comum do Cadillac, automó vel americano, símbolo de qualidade e conforto
{4}

desde o começo do século XX. Mesmo os americanos de nível social modesto,


particularmente os negros, compravam com frequência modelos usados nos anos 1940. (N.
do E.)
Conhecedor ou fã de jazz. (N. do E.)
{5}

Gíria dos mú sicos de jazz. (N. do T.)


{6}

Filho (imaginá rio?) do capitalista americano Bernard Baruch (1870-1965), conselheiro


{7}

de vá rios presidentes; falava-se muito dele em 1946, pois tinha um papel importante nos
projetos de controle internacional da energia nuclear. (N. do E.)
Dança com movimentos extravagantes, muito popular nos anos 1940, que acompanha
{8}

jazz ou swing. (N. do T.)


Negro americano lendá rio que, durante a perfuraçã o do tú nel Big Bend (West Virginia,
{9}

1870), desafiou seu contramestre, armado com o primeiro martelo pneumá tico, a cavar
mais rá pido do que ele, que só usava dois martelos manuais de 10 quilos. John venceu, mas
morreu de hemorragia. É um símbolo da resistência desesperada do trabalhador braçal à
invasã o da má quina. (N. do E.)
Alusã o transparente a Theodore Bilbo (1877-1947), senador no Mississippi, célebre por
{10}

seus discursos racistas. (N. do E.)


Kaiser, Henry J. (1882-1967), célebre industrial no setor de obras pú blicas e de materiais
{11}

pré-fabricados. Construiu lanchas de desembarque para o Dia D, porta-aviõ es e residências.


(N. do E.)
Vargas, Alberto, artista peruano (1896-1982), criou nos anos 1930 desenhos eró ticos e
{12}

refinados de estereó tipos femininos esplêndidos e com pouca roupa. Durante a Segunda
Guerra, a revista Esquire, que os publicava, chegou a receber uma quantidade suplementar
de papel, pois as lendá rias Vargas Girls ajudavam a manter o moral das tropas norte-
americanas. Em 1953, Vargas passou a desenhar para a Playboy. (N. do E.)
I Didn’t Know about You, cançã o de Ellington e Russel gravada em 1944. (N. do E.)
{13}

{14}
Hughes, Howard (1905-1976), milioná rio, fabricante de aviõ es e produtor
cinematográ fico que lançou vá rias vedetes, entre elas Jean Harlow e Jane Russell. (N. do E.)
A Bíblia, Jó , XIII, 14. (N. do E.)
{15}

Rede americana de lojas de departamento. (N. do E.)


{16}

Fahrenheit, evidentemente, ou seja, 90° C. (N. do E.)


{17}

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