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EDUCAÇÃO E INCLUSÃO:

Estudos sobre as Salas de Recursos no


Estado do Paraná
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EDUCAÇÃO E INCLUSÃO:
Estudos sobre as Salas de Recursos no
Estado do Paraná

Nerli Nonato Ribeiro Mori


Áurea Maria Paes Leme Goulart
Organizadoras

2010
Projeto gráfico e diagramação Hugo Alex da Silva
Capa Hugo Alex da Silva
Capa – arte final Hugo Alex da Silva
Ficha catalográfica Edilson Damásio (CRB 9-1123)
Fonte Franklin Gothic Book-11
Tiragem – versão impressa 500 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


(Eduem – UEM, Maringá – PR., Brasil)
E244 Educação e inclusão : estudos sobre as salas de
recursos no Estado do Paraná / Erro! Auto-
referência de indicador não válida.. -- : :
Eduem, 2010.
233 p. : il., grafs., tabs.

Vários autores.
ISBN 978-85-7628-300-3

1. Educação especial. 2. Inclusão. 3. Sala de


recursos. 4. Práticas pedagógicas. 5.
Aprendizagem. 6. Teoria histórico cultural. I.
Mori, Nerli Nonato Ribeiro, org. II. Goulart,
Áurea Maria Paes Leme, org. III. Título.

CDD 21.ed. 370.15

Copyright © para os autores.


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer
processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização,
por escrito, dos autores.
Todos os direitos reservados desta edição 2010 para Eduem.

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Site: www.eduem.uem.br – E-mail: eduem@uem.br
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................................. 7

1ª PARTE - PANORAMA HISTÓRICO E CONCEITOS BÁSICOS

CAPÍTULO 1
ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO ENSINO
REGULAR: PANORAMA NACIONAL, ESTADUAL E NO MUNICÍPIO DE
MARINGÁ
Márcia Aparecida Marussi Silva
Maria Terezinha Bellanda Galuch................................................ 13

CAPÍTULO 2
O ATENDIMENTO ESPECIALIZADO COMO UMA POSSIBILIDADE DE
EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: EM FOCO O PROJETO DE
INTEGRAÇÃO DOS ALUNOS DE CLASSE ESPECIAL E AS SALAS DE
RECURSOS
Sandra Salete de Camargo-Silva
Áurea Maria Paes Leme Goulart .................................................. 47

CAPÍTULO 3
ELABORAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS E SERVIÇOS DE APOIO A
APRENDIZAGEM
Cristina Cerezuela Jacobsen
Nerli Nonato Ribeiro Mori ............................................................ 69

CAPÍTULO 4
A AÇÃO DOCENTE E O ENSINO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS:
ALGUMAS REFLEXÕES NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL
Luciana Figueiredo Lacanallo
Rosana Aparecida Albuquerque
Nerli Nonato Ribeiro Mori ............................................................ 83
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

CAPÍTULO 5
O BRINCAR DAS CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS
ESPECIAIS NO INTERVALO ESCOLAR
Lucyanne Cecília Dias Goffi
Nerli Nonato Ribeiro Mori .............................................................97

2ª PARTE - A PRÁTICA PEDAGÓGICA NAS SALAS DE RECURSOS

CAPÍTULO 6
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO ESCOLAR: A PRÁTICA PEDAGÓGICA DA SALA
DE RECURSOS DE 5ª A 8ª SÉRIES
Rosana Aparecida Albuquerque
Nerli Nonato Ribeiro Mori ...........................................................121

CAPÍTULO 7
SALA DE RECURSOS: UM ESTUDO A RESPEITO DA APRENDIZAGEM DA
LEITURA DE ALUNOS COM DIFICULDADES ESCOLARES
Lúcia Cristina Dalago Barreto
Nilza Guidini Valentini
Áurea Maria Paes Leme Goulart.................................................145

CAPÍTULO 8
DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA EM SALA DE RECURSOS
Lucilia Vernaschi de Oliveira
Nerli Nonato Ribeiro Mori ...........................................................159

CAPÍTULO 9
MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA EM UMA SALA DE RECURSOS
Dorcely Bellanda Garcia
Aurea Maria Paes Leme Goulart.................................................185

CAPÍTULO 10
LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR: UM ESTUDO COM ALUNOS DA SALA
REGULAR E DA SALA DE RECURSOS
Sheila Rossana Fernandes Corrêa Pavesi
Nerli Nonato Ribeiro Mori ...........................................................217

SOBRE OS AUTORES .......................................................................231

6
APRESENTAÇÃO

Neste livro são apresentados estudos realizados no âmbito


do projeto Educação e Inclusão no Paraná: As Salas de
Recursos, financiado pela Fundação Araucária, por meio do
Programa de Apoio a Projetos de Pesquisa Básica e aplicada –
Chamada 1/2006, sob o protocolo 9629.
Os autores são pesquisadores docentes e discentes dos
cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá.
Os textos foram agrupados em duas temáticas: panorama
histórico e conceitos básicos e a prática pedagógica em sala de
recursos.
Cinco capítulos analisam aspectos históricos e questões
conceituais relacionados às Salas de Recursos. No primeiro,
Márcia Aparecida Marussi Silva e Maria Terezinha Bellanda
Galuch analisam o entendimento sobre pessoas com
necessidades educacionais especiais, expresso em
documentos nacionais e internacionais que tratam o assunto.
Na sequência, as autoras apresentam e discutem o
atendimento escolar especializado no Estado do Paraná e no
Município de Maringá.
O segundo capítulo apresenta a investigação realizada por
Sandra Salete de Camargo-Silva e Áurea Maria Paes Leme
Goulart acerca de um projeto de integração dos alunos de
classes especiais e das salas de recursos no Município de
Maringá, implementado pela Secretaria Municipal de Educação
de Maringá, Paraná, no período de 2001 a 2004. As autoras
demonstram que o atendimento especializado via Salas de
Recursos, e em turno contrário ao da sala comum,
proporcionava apoio e complemento educacional para que os
alunos tivessem êxito no percurso escolar.
No terceiro capítulo, Cristina Cerezuela Jacobsen e Nerli
Nonato Ribeiro Mori discutem como se apresenta o processo de
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

formação de conceitos em alunos com deficiência mental ou


dificuldades funcionais e de que modo uma intervenção
pedagógica intencionalmente organizada com vistas a avançar
em direção ao conceito científico poderia influenciar nesse
processo. Com base em pressupostos da Teoria Histórico-
Cultural, as autoras demonstram a necessidade de atividades
escolares voltadas para o pensamento conceitual.
A formação de conceitos matemáticos é o foco central do
quarto capítulo. Nele, Luciana Figueiredo Lacanallo, Rosana
Aparecida Albuquerque e Nerli Nonato Ribeiro Mori
demonstram que, no ensino da matemática, é essencial a
elaboração de atividades direcionadas, intencionais, que
possibilitem ao aluno o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, como memória, abstração.
O quinto capítulo, escrito por Lucyanne Cecília Dias Goffi e
Nerli Nonato Ribeiro Mori é dedicado ao brincar das crianças no
intervalo escolar. As pesquisadoras apresentam uma
investigação acerca dos jogos, brinquedos e brincadeiras e das
relações sociais que se estabelecem entre alunos que
freqüentam Sala de Recursos do ensino fundamental séries
iniciais, na área de deficiência mental/intelectual e transtornos
funcionais específicos e entre estes e aqueles da sala comum.
Além dos dados e hipóteses para as constatações resultantes,
são elencadas ações para que o recreio escolar também possa
ser um espaço de interação e de desenvolvimento psíquico.
Cinco capítulos são dedicados à segunda temática, a
prática pedagógica em Salas de Recursos. Assim, no sexto
capítulo, Rosana Aparecida Albuquerque e Nerli Nonato Ribeiro
Mori descrevem e analisam a proposta de Salas de Recursos
para alunos de 5ª. A 8ª. séries e de que modo ela se efetiva na
prática. Dentre as conclusões, as autoras ressaltam a
responsabilidade pela inclusão depositada no professor e a
precariedade do apoio a ele oferecido.
A leitura dos alunos que freqüentam Salas de Recursos é o
tema do sétimo capítulo, de autoria de Lúcia Cristina Dalago

8
APRESENTAÇÃO

Barreto, Nilza Guidini Valentini e Áurea Maria Paes Leme


Goulart, que apresentam um trabalho com característica de
pesquisa e intervenção pedagógica realizada com o objetivo de
compreender a aprendizagem da leitura por alunos com
dificuldades escolares identificando as mediações
pedagógicas, os caminhos alternativos e os recursos especiais
que contribuem para esse aprendizado. Os resultados
alcançados junto aos alunos indicam que eles não só
aprenderam a ler, mas se tornaram capazes de interpretar
leituras proferidas cotidianamente, com suas diversas
mensagens que perpetuam as diferenças e alimentam a
exclusão.
No oitavo capítulo, Lucília Vernaschi de Oliveira e Nerli
Nonato Ribeiro Mori relatam uma pesquisa realizada com o
objetivo de investigar como a prática pedagógica empreendida
em SR de 1ª a 4ª séries – na modalidade Deficiência Mental –
tem contribuído para o desenvolvimento da escrita em alunos
que frequentaram esse contexto escolar de apoio especializado
nos anos compreendidos entre 2003 a 2007. Os dados
colhidos e analisados são preocupantes; todavia, segundo as
autoras, é possível afirmar que a prática pedagógica
empreendida nas SR tem contribuído para avanços dos alunos
na aquisição da escrita.
No nono capítulo, Dorcely Bellanda Garcia e Aurea Maria
Paes Leme Goulart apresentam uma pesquisa qualitativa
participante desenvolvida em uma Sala de Recursos. Com base
nos dados colhidos por meio de atividades planejadas e
aplicadas pelas pesquisadoras, elas analisam os processos de
mediação e a tomada de consciência, pelos alunos, de sua
aprendizagem.
A relação da criança com o livro e o seu interesse pela
leitura é o tema do décimo e último capítulo, escrito Sheila
Rossana Fernandes Corrêa Pavesi e Nerli Nonato Ribeiro Mori.
As autoras descrevem e discutem um estudo acerca do
interesse pela leitura em alunos de 5ª. série de Sala Comum e

9
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

de Sala de Recursos. Conforme os resultados, não há diferença


entre os dois grupos quanto às manifestações de interesse pelo
livro. No entanto, quando se trata da atividade de leitura
propriamente dita, os alunos atendidos na sala de recursos,
apresentam índices significativamente inferiores. Além da
comparação entre os dois grupos, as autoras demonstram a
importância de o professor conhecer os interesses e propósitos
de leitura dos alunos. Isto pode oferecer subsídios para ele
selecionar e classificar livros, planejar grupos de leitura,
observar o nível de apropriação da leitura de seu aluno, bem
como estimular uma atividade prazerosa que possa ser
incorporada à vida cotidiana, promovendo assim, um
aprendizado substancial no desenvolvimento escolar.
No momento em que finalizamos este livro, mudanças
significativas estão ocorrendo no panorama educacional
brasileiro. Em cinco de outubro de 2009 foi publicada, no Diário
Oficial da União - Seção 1, pelo Conselho Nacional de
Educação, a Resolução n. 4, de 2 de outubro de 2009, a qual
institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional
Especializado na Educação Básica, modalidade Educação
Especial. Conforme o documento, os sistemas de ensino devem
matricular todos os alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas
classes comuns do ensino regular e no Atendimento
Educacional Especializado.
Esperamos que os textos aqui apresentados ajudem o
leitor a conhecer a organização e as práticas pedagógicas das
Salas de Recursos paranaenses e a situá-las neste novo
contexto de educação escolar inclusiva.

Nerli Nonato Ribeiro Mori


Maringá, março de 2010.

10
1ª PARTE

PANORAMA HISTÓRICO E CONCEITOS


BÁSICOS
CAPÍTULO 1

ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS


NO ENSINO REGULAR: PANORAMA NACIONAL, ESTADUAL
E NO MUNICÍPIO DE MARINGÁ

Márcia Aparecida Marussi Silva


Maria Terezinha Bellanda Galuch

Introdução

Nas últimas décadas, no Brasil, várias ações político-


pedagógicas foram implementadas em relação ao atendimento
de alunos que apresentam alguma necessidade educacional
especial. Tais ações se inserem num contexto de ampla
discussão nos âmbitos nacional e internacional, em busca da
definição de necessidades educacionais especiais, bem como
do papel das instituições educativas no atendimento a essas
pessoas que apresentam algum tipo de necessidades
educacionais especiais.
Mas, qual o entendimento sobre pessoas com
necessidades educacionais especiais expresso em documentos
nacionais e internacionais que tratam o assunto?
A Declaração de Salamanca (1994) firmou o conceito de
“necessidades educacionais especiais” na Conferência Mundial
de Educação Especial das Nações Unidas – UNESCO de 1994.
O documento, inspirado na Declaração Mundial de Educação
para todos e na Declaração Universal de Direitos Humanos
(1990), tem sido utilizado como referência na elaboração e
implementação de políticas públicas e práticas educacionais
em muitos países.
A Declaração de Salamanca firmou o entendimento de que
“[...] (a expressão) necessidades educacionais especiais se
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

refere a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades


se originam em função de deficiência ou dificuldade de
aprendizagem” (BRASIL, 1997). O documento se refere a toda
pessoa cuja necessidade decorre de sua incapacidade ou de
sua dificuldade de aprendizagem, que pode ser temporária ou
permanente, portanto, com necessidades educacionais em
algum momento de sua escolaridade.
Consta na introdução dessa Declaração que os objetivos
não devem ser pensados somente quanto ao atendimento
educacional das crianças com necessidades educacionais
especiais. Refere-se a crianças “[...] deficientes e superdotadas,
crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou
de população nômade, crianças pertencentes a minorias
lingüísticas [...]” (BRASIL, 1997).
Com este entendimento, os deficientes não são os únicos
considerados como aqueles que apresentam uma necessidade
educacional especial, compreendida como algo que todo aluno,
por algum momento e tempo de sua vida, de forma temporária
ou permanente, em maior ou menor grau, pode vir a demandar.
Seguindo as orientações da Declaração de Salamanca
(1994), a Resolução nº 02, de 11 de setembro de 2001, do
Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação, que instituiu diretrizes nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica, traz em seu artigo 5º a
caracterização de alunos com necessidades educacionais
especiais como aqueles que, durante o processo educacional,
apresentam:

I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou


limitações no processo de desenvolvimento que
dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica
específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções,
limitações ou deficiências;

14
CAPÍTULO 1

II – dificuldades de comunicação e sinalização


diferenciadas dos demais alunos, demandando a
utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de
aprendizagem que os leve a dominar rapidamente
conceitos, procedimentos e atitudes (BRASIL, 2001b, p.
2).

Nessa mesma linha e respeitando as normatizações


nacionais e internacionais, no Estado do Paraná, na
Deliberação do Conselho Estadual de Educação n. 02, de 2003,
capítulo II, art. 5º, necessidades educacionais especiais estão
assim caracterizadas: “As necessidades educacionais especiais
são definidas pelos problemas de aprendizagem apresentados
pelo aluno, em caráter temporário ou permanente, bem como
pelos recursos e apoios que a escola deverá proporcionar
objetivando a remoção das barreiras para a aprendizagem
(PARANÁ, 2003, p. 2).
De forma mais específica, o termo pessoa com deficiência
se refere aos sujeitos que apresentam impedimentos ou
barreiras de ordem intelectual, física, visual ou auditiva em
longo prazo, que dificultam sua atuação na sociedade. São
muitas as terminologias utilizadas para definir a pessoa com
necessidade educacional especial.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva, do Ministério da Educação e Cultura (MEC),
de 2008, definiu os alunos com necessidades educacionais
especiais que apresentam transtornos globais do
desenvolvimento como sendo aqueles com alterações
qualitativas das interações sociais recíprocas e na
comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito,
estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com
autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose. Já os
alunos com altas habilidades/superdotação são aqueles que
também apresentam uma necessidade educacional especial e
são incluídos nos atendimentos da educação especial, apesar

15
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

de não apresentarem deficiência. Esses alunos demonstram


potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas,
isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança,
psicomotricidade e artes, além de apresentar grande
criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de
tarefas em áreas de seu interesse.
Observamos que não há unicidade entre as normatizações,
documentos e autores da área que buscam conceituar
necessidades educacionais especiais. Mantoan (2003), por
exemplo, adota um conceito bastante abrangente. Para ela, tais
necessidades podem emergir de condições subjetivas,
orgânicas, mas também podem ser produzidas no contexto
escolar, em práticas metodológicas equivocadas. Omote (2004,
p. 9), amparando-se nos escritos de Zulian diz: “[...] o conceito
de necessidades educacionais especiais parte da premissa de
que todos os alunos, em algum momento da escolarização,
poderão necessitar de alguma ajuda pedagógica para atingir os
objetivos da educação [...]”. Ele defende ainda que o termo
necessidades educacionais especiais diz respeito aos alunos
que necessitam de ajuda no processo de aprendizagem, muitas
vezes, decorrentes do próprio contexto da escola.
A Resolução nº 02, de 11 de setembro de 2001, do
Conselho Nacional de Educação, define o termo educação
especial no artigo 3º:

Por educação especial, modalidade da educação escolar,


entende-se um processo educacional definido por uma
proposta pedagógica que assegure recursos e serviços
educacionais especiais, organizados institucionalmente
para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns
casos, substituir os serviços educacionais comuns, de
modo a garantir a educação escolar e promover o
desenvolvimento das potencialidades dos educandos
que apresentam necessidades educacionais especiais,
em todas as etapas e modalidades da educação básica
(BRASIL, 2001b, p. 1).

16
CAPÍTULO 1

A educação especial é citada, na Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional (nº 9.394/1996), como uma modalidade
escolar que permeia todos os níveis e etapas da educação.
Esta conceituação desvincula a educação especial das
instituições que oferecem exclusivamente o ensino especial.
Caracteriza a educação especial como um serviço ou apoio
pedagógico especializado, um recurso que visa complementar
ou suplementar o atendimento escolar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN
nº 9.394/1996) dedica um capítulo específico à educação
especial, deixando claro o papel e o dever das instituições de
ensino de realizarem as adequações necessárias para garantir
aos alunos com necessidades educacionais a possibilidade de
aprenderem. Todavia, algumas lacunas merecem reflexão,
como por exemplo falta clareza quanto ao uso do termo
“preferencialmente”, as condições específicas que determinam
a frequência em escolas especiais, a razão da continuidade do
investimento financeiro em instituições, entre outras.
Está, previsto na LDBEN nº 9.394/1996, a acessibilidade
por meio de adaptações curriculares, com estratégias de ensino
diversificadas e processos de avaliação diferenciados. Ao
mesmo tempo, esta Lei faz indagações acerca da qualidade
educacional, da aprendizagem efetiva e do comportamento dos
alunos com necessidades educacionais especiais, o que ainda
hoje é uma problemática que exige análise. Na perspectiva de
mudança nas instituições de ensino, as Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução
CNE/CEB nº. 2/2001, no artigo 2º, orientam e determinam “Os
sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo
às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos
com necessidades educacionais especiais, assegurando as
condições necessárias para uma educação de qualidade para
todos” (BRASIL, 2001b, p. 1).
Observamos princípios educacionais pautados no
compromisso dos sistemas de ensino de garantirem a todos os

17
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

alunos o ingresso, a permanência e a aprendizagem na rede de


ensino regular, requerendo dos gestores e professores uma
ação efetiva de observadores, avaliadores e mediadores do
processo de aprendizagem.
Segundo a Secretaria de Educação Especial, do Ministério
da Educação, os alunos com deficiência e necessidades
educacionais especiais devem ter sua escolarização em classes
comuns de escolas regulares. Concordando com essa política,
Mantoan escreve:

O radicalismo da inclusão vem do fato de exigir uma


mudança de paradigma educacional [...] Na perspectiva
inclusiva, suprime-se a subdivisão dos sistemas
escolares em modalidades de ensino especial e de
ensino regular. As escolas atendem às diferenças sem
discriminar, sem trabalhar à parte com alguns alunos,
sem estabelecer regras específicas para se planejar,
para aprender, para avaliar (currículos, atividades,
avaliação da aprendizagem para alunos com deficiência
e com necessidades educacionais especiais) (MANTOAN,
2003, p. 25).

Essa autora destaca, também, que o aluno com


necessidades educacionais especiais acaba sendo vitimado
pela falta de clareza sobre o seu direito de matrícula e
permanência na rede regular de ensino, com devidas
adaptações no currículo escolar. “A exclusão escolar manifesta-
se das mais diversas e perversas maneiras e, quase sempre, o
que está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões
de cientificidade do saber escolar” (MANTOAN, 2003, p. 18).
Nas orientações legais da Secretaria de Educação Especial
do Ministério da Educação e Cultura são chamados de
adaptações curriculares os ajustes ou modificações que se
realizam nos objetivos, conteúdos, critérios e procedimentos de
avaliação, atividades e metodologias para atender às
diferenças individuais dos alunos. As adaptações curriculares

18
CAPÍTULO 1

não se referem a um novo currículo, mas a um currículo


dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que realmente
atenda a todos os educandos. Elas devem permitir que o
professor atue pedagogicamente frente às dificuldades de
aprendizagem dos alunos, possibilitando-lhes a expansão de
suas relações sociais e a prática da cidadania (MEC/SEESP,
2004).
Por compreender que as medidas para a efetiva inclusão
ultrapassam as adaptações no currículo escolar, para Garcia
(2008), não estamos diante de uma escola satisfatória, que
necessita apenas de algumas adaptações. Segundo ele, nossa
escola precisa de uma reflexão sobre os processos escolares
na perspectiva de mudanças que envolvam as instâncias
colegiadas, os professores, os espaços físicos, enfim,
mudanças atitudinais, arquitetônicas curriculares,
principalmente alterações que incluam práticas de ensino e
aprendizagem interativas. “As discussões curriculares que
acompanham as políticas de educação inclusiva no Brasil
orientam para uma reflexão dos processos escolares na
perspectiva de transformar a escola [...]” (GARCIA, 2008, p.
584).
Com relação à construção de novas práticas interativas, o
material para formação docente elaborado pela Secretaria de
Educação Especial do MEC intitulado Educar na Diversidade
(2005), aponta:

Na abordagem inclusiva o apoio constitui um elemento


significativo do processo escolar, particularmente nas
atividades realizadas em sala de aula. Aprender e
resolver tarefas pode gerar tensão, a qual pode se tornar
uma barreira à aprendizagem. O apoio entre os pares
ajuda a combater a tensão e cria um ambiente mais
responsivo à aprendizagem e sucesso (BRASIL, 2005, p.
25).

19
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

No trecho acima, observa-se a defesa da necessidade de


novas formas de pensar e agir em situações de ensino, de
organização do currículo e da gestão escolar objetivando a
interação entre os alunos com e sem necessidades
educacionais especiais. Assim, a escola incorpora ao seu
projeto político-pedagógico os princípios interativos
preconizados para a implementação da escola inclusiva.
Na seqüência, apresentaremos indicadores de matrícula e
a participação dos alunos com necessidades educacionais
especiais na rede de ensino, objetivando analisar a seguinte
questão: Como as orientações legais têm-se efetivado nas
escolas em termos de matrícula?

Panorama nacional, dispositivos legais do atendimento e dados


a respeito dos alunos com necessidades educacionais
especiais

Nas Diretrizes Curriculares para a Construção de Currículos


Inclusivos, consta: “A cidadania que se busca para todas as
pessoas, apresentem ou não deficiências ou superdotação,
sustenta-se na possibilidade de acesso e participação plenos
nas relações sociais” (PARANÁ, 2006, p. 35).
Acompanhando esse processo de mudanças, em 2007 foi
lançado pelo MEC o Plano de Desenvolvimento da Educação –
PDE. Para regulamentar a implementação desse Plano, foi
publicado o decreto nº. 6.094/2007, que estabelece, no título
Compromisso Todos pela Educação, a garantia do acesso e
permanência dos alunos com necessidades educacionais
especiais no ensino regular e o atendimento às suas
necessidades educacionais especiais. Portanto, as
normatizações legais caminham no sentido de as escolas
receberem, indiscriminadamente, a todos os alunos. No
entanto, observa-se que mesmo com uma perspectiva
conceitual voltada para a organização de sistemas
educacionais inclusivos, que garantam o acesso de todos os

20
CAPÍTULO 1

alunos e os apoios necessários para sua participação e


aprendizagem, as políticas implementadas pelos sistemas de
ensino ainda não proporcionaram o alcance pleno desse
objetivo.
Na perspectiva da educação inclusiva, evidenciada nas
políticas educacionais públicas no Brasil, o ensino especial
passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular,
promovendo o atendimento às necessidades educacionais
especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, e ainda
alunos com transtornos funcionais específicos. Isso implica a
atuação da educação especial de forma integrada e articulada
com o ensino comum, orientando para o atendimento às
necessidades educacionais especiais desses alunos.
No âmbito de uma atuação mais ampla na escola, a
educação especial passaria, então, a orientar a ação do
professor do ensino regular no desenvolvimento de adaptações
curriculares e práticas colaborativas, contribuindo com a
organização de redes de apoio e com a identificação/avaliação
dos alunos que precisam ser encaminhados aos serviços e
apoios devidos, para que obtenham sucesso no processo de
aprendizagem. Cabe lembrar que as ações ainda são
direcionadas quase que exclusivamente à questão da inserção
do aluno no ambiente escolar evidenciando uma leitura
equivocada de que a inclusão dar-se-ia apenas no contexto
escolar.
O Censo Escolar/MEC/INEP, realizado anualmente em
todas as escolas de educação básica, possibilita o
acompanhamento dos indicadores da educação especial:
acesso à educação básica, matrícula na rede pública, ingresso
nas classes comuns e oferta de atendimento educacional
especializado.
Na tabela a seguir, podemos observar a evolução dos
números de matrículas de alunos no ensino fundamental no
Brasil, de 1998 a 2006, tanto referente ao total de alunos

21
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

quanto, especificamente, aos alunos com necessidades


educacionais especiais:
Tabela 01: Matrículas de alunos no Ensino Fundamental: Classes comuns e
Especiais

MATRÍCULAS DE ALUNOS COM


ALUNOS MATRICULADOS NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS
EM
ANO ALUNOS COM EM CLASSE COMUM CLASSE
NECESSIDADES ESPECIAL
TOTAL EDUCACIONAIS
ESPECIAIS COM APOIO SEM APOIO
PEDAGÓGICO PEDAGÓGIC TOTAL
ESPECIAL O ESPECIAL
1998 35.792.554 337.326 18.488 25.435 43.923 293.403
1999 36.059.742 374.699 24.665 38.680 63.345 311.354
2000 35.717.948 382.215 30.334 51.361 81.695 300.520
2001 35.298.089 404.743 37.679 43.665 81.344 323.399
2002 54.716.609 448.601 49.512 61.192 110.704 337.897
2003 56.265.848 504.039 63.766 81.375 145.141 358.898
2004 56.174.997 566.753 99.178 96.192 195.370 371.383
2005 56.471.622 640.317 114.834 147.409 262.243 378.074
2006 55.942.047 700.624 136.431 188.705 325.136 375.488

Fonte: http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Sinopse/sinopse.asp. Acesso em


15.nov.2008

Com relação aos dados da educação especial no Brasil,


verifica-se uma evolução no número total de matrículas, de
337.326, em 1998, para 700.624 em 2006, expressando um
crescimento de 107%. Esse crescimento é ainda mais
significativo quando se considera que no mesmo período o total
de matrículas no ensino fundamental cresceu apenas 56,29%,
passando de 35.792.554 para 55.942.047.
Além disso, verifica-se que o número de alunos com
necessidades educacionais especiais matriculados no ensino
fundamental manteve-se em crescimento, enquanto o número

22
CAPÍTULO 1

total de matrículas no ensino fundamental teve um crescimento


significativo apenas em 2002, mantendo-se a partir desse ano
no mesmo patamar e, inclusive, com decréscimo em 2006.
Esses dados respondem aos acordos internacionais
firmados entre países, onde o Brasil participou como signatário
se comprometendo a fomentar o processo educacional
inclusivo. O gráfico a seguir permite a visualização desta
afirmativa.
Gráfico 01: Variação percentual de matrículas de alunos com necessidades
educacionais especiais em relação ao total de matrículas no período de 1999 a 2006.

Variação percentual do número de matrículas no


período

120
100
80
60
40
20
0
-20 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Variação percentual do número total de alunos matriculados


Variação percentual do número de alunos NEE matriculados

Fonte: http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Sinopse/sinopse.asp. Acesso em


17.nov.2008.

Observamos que o processo de inclusão educacional vem


evoluindo. Esse crescimento do número de alunos com
necessidades educacionais especiais matriculados no ensino
fundamental é reflexo, basicamente, do aumento de matrículas
desses alunos nas classes regulares do ensino comum, que
passou de 43.923, em 1998, para 325.316, em 2006, numa

23
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

majoração da ordem de 640%. Nesse mesmo período, o


número de alunos com necessidades educacionais especiais
matriculados em escolas especializadas ou em classes
especiais cresceu apenas 28%, passando de 293.403, em
1998, para 375.488, em 2006. O gráfico a seguir demonstra a
evolução do número de alunos com necessidades educacionais
especiais matriculados no ensino fundamental.
Gráfico 02: Matriculas de alunos com necessidades educacionais especiais no período
de 1998 a 2006 no ensino fundamental em salas comuns e em salas especiais.

Alunos com NEE matriculados

800.000
700.000
600.000
500.000
400.000
300.000
200.000
100.000
-
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

matriculas totais matriculas em classes especiais


matriculas em classes comuns

Fonte: http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Sinopse/sinopse.asp. Acesso em


17. nov. 2008.

Os dados do Censo Escolar/MEC/INEP revelam, ainda, que


a participação de alunos com necessidades educacionais
especiais no ensino fundamental teve um crescimento de
32,9%, passando de 0,94% em 1998 para 1,25% em 2006.
Outro dado significativo para compreendermos o processo
de inclusão de crianças com necessidades educacionais
especiais é o número de matrículas desses alunos em escolas
especializadas e no ensino regular. Analisando-se as matrículas

24
CAPÍTULO 1

de alunos com necessidades educacionais especiais em


classes especiais ou em escolas exclusivamente especializadas
percebemos uma diminuição da ordem de 18,1%. Em 1998,
representavam 0,82% do total de matrículas no ensino
fundamental; em 2006, caiu para 0,67%. Por outro lado,
consideradas as matrículas em classes comuns, a inclusão dos
alunos com necessidades educacionais especiais aumentou
em 373,6%, passando de 0,12% em 1998 para 0,58% em
2006.
Esses dados apontam para o incremento da inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais em classes
comuns de ensino regular. Dessa forma, observa-se que o
ensino regular está sendo desafiado a promover uma educação
voltada para o atendimento das necessidades educacionais de
todos os alunos.
Hoje, o Censo Escolar/MEC/INEP acompanha todas as
escolas que ofertam a educação básica, verificando o número
de matrícula nas escolas públicas, a inclusão dos alunos com
necessidades educacionais especiais nas classes regulares de
ensino, a existência do atendimento educacional especializado,
a organização e a acessibilidade na rede física escolar. Dessa
forma, pode-se analisar como vem ocorrendo as mudanças
culturais e estruturais nas escolas para que todos os alunos
com necessidades educacionais especiais possam ser
atendidos em suas especificidades e, mais do que isto, que
tenham garantida a permanência em uma instituição escolar
que efetivamente lhes oportunize a apropriação do
conhecimento.
Na perspectiva de incluir progressivamente um número
crescente de alunos, a educação especial passa a constituir a
proposta pedagógica da escola, trabalha com o currículo
inclusivo e tem definido como seu público-alvo os alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação e alunos com transtornos funcionais
específicos, dentre outros. À educação especial cabe a tarefa

25
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

de atuar de forma articulada com o ensino comum, orientando


para o atendimento das necessidades educacionais especiais
desses alunos.
E no Estado do Paraná, que atendimento escolar vem
sendo oferecido às crianças com necessidades educacionais
especiais?

A educação de alunos com necessidades educacionais


especiais no Estado do Paraná

A inclusão de alunos com necessidades educacionais


especiais é um processo cíclico e complexo, que se configura
no território nacional de diferentes maneiras, transformando
cada região em um caso singular, não sendo possível, por
vezes, a utilização de um único referencial de atendimento
pedagógico aos alunos com necessidades educacionais
especiais.
Embora não haja uniformidade no atendimento
educacional às pessoas com necessidades educacionais
especiais em nosso país, verifica-se que no Estado do Paraná
os dados quantitativos repetem o estabelecido no quadro
nacional.
No Paraná, a proposta de educação, na perspectiva da
educação inclusiva, está organizada pela Secretaria de Estado
da Educação, por intermédio do Departamento de Educação
Especial e Inclusão (DEEIN), com o respaldo do Conselho
Estadual de Educação (CEE).
A proposta preconiza o atendimento escolar, com ênfase
ao respeito à diversidade. Orienta os estabelecimentos de
ensino, por meio de um documento intitulado Diretrizes
Curriculares da Educação Especial para a Construção de
Currículos Inclusivos, a buscarem, de forma processual, o
redimensionamento das concepções de práticas educacionais.
Objetiva-se a criação de uma rede de apoio escolar que
contemple a diversidade dos alunos que apresentam

26
CAPÍTULO 1

necessidades educacionais especiais, salientando que a


proposta de educação inclusiva, denominada de inclusão
responsável, deve estar registrada nos Projetos Políticos
Pedagógicos de todas as escolas. Consta nas Diretrizes
Curriculares da educação especial para a construção de
currículos inclusivos:

Assim decorre uma nova concepção de atendimento


especializado que se estende à diversificada rede de
apoio dos recursos humanos, técnicos, tecnológicos e
materiais que são oferecidos de modo a apoiar e
complementar as práticas realizadas no ensino comum,
rompendo com a idéia engessada de que os serviços
especializados resumiam-se apenas às classes e escolas
especiais (PARANÁ, 2006, p. 20).

Para registrar os principais fatos que marcam os


atendimentos aos alunos com necessidades educacionais
especiais no Estado do Paraná, foram consultados os dados
fornecidos pelo Censo Escolar/MEC/INEP e os documentos
oficiais da Secretaria de Estado da Educação: Constituição do
Estado do Paraná (PARANÁ, 1989); Deliberação 013/2008 do
Conselho Estadual do Paraná (CEE); Diretrizes Curriculares da
Educação Especial para a construção de currículos inclusivos –
Documento Preliminar (PARANÁ, 2006); Matiskei (2004).
O Censo Escolar/MEC/INEP apurou os seguintes números
referentes ao Estado do Paraná:
Como podemos observar, no Estado do Paraná houve uma
evolução da ordem de 77,93% no número de matrículas de
alunos com necessidades educacionais especiais, passando de
43.393, em 1998, para 77.207, em 2006. No mesmo período,
o número total de alunos matriculados no ensino fundamental
cresceu 54,28%, passando de 1.808.149 para 2.789.527. Tal
como ocorreu na esfera nacional, no âmbito estadual constata-
se que o número de alunos com necessidades educacionais
especiais matriculados no ensino fundamental teve um

27
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

crescimento praticamente constante, enquanto o número total


de alunos matriculados no ensino fundamental cresceu
substancialmente apenas em 2002, mantendo-se estável nos
demais anos.

Tabela 02: Matrículas de alunos com NEE no Ensino Fundamental no Paraná:


Classes Comuns e Classes Especiais

LOCALIZAÇÃO DAS MATRÍCULAS DE ALUNOS COM


MATRICULAS
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS
EM CLASSE
ANO ALUNOS COM EM CLASSE COMUM
NECESSIDADES ESPECIAL
TOTAL EDUCACIONAIS COM APOIO SEM APOIO
ESPECIAIS PEDAGÓGICO PEDAGÓGICO TOTAL
ESPECIAL ESPECIAL
1998 1.808.149 43.393 1.869 1.435 3.304 40.089
1999 1.732.395 48.373 2.578 1.554 4.132 44.241
2000 1.692.648 47.947 3.814 1.711 5.525 42.422
2001 1.691.131 50.874 4.384 2.191 6.575 44.299
2002 2.670.969 54.139 6.796 3.044 9.840 44.299
2003 2.707.176 59.171 9.246 3.244 12.490 46.681
2004 2.813.853 63.303 11.457 2.555 14.012 49.291
2005 2.768.408 68.158 13.216 4.176 17.392 50.766
2006 2.789.527 77.207 18.542 7.460 26.002 51.205

Fonte: http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Sinopse/sinopse.asp. Acesso em


17.nov.2008.

Como aconteceu no Brasil, também no Paraná, o


crescimento de alunos com necessidades educacionais
especiais matriculados no ensino fundamental está ligado ao
aumento das matrículas em classes comuns, que passou de
3.304 alunos, em 1998, para 26.002, em 2006, ou seja, um
crescimento de 687%. Nesse mesmo período, o número de
alunos com necessidades educacionais especiais matriculados
em escolas exclusivamente especializadas ou em classes
especiais subiu apenas 27%, passando de 40.089, em 1998,
para 51.205, em 2006. Vejamos:

28
CAPÍTULO 1

Gráfico 03: Variação percentual de matrículas de alunos com NEE em relação


ao total de matrículas no período de 1999 a 2006, no Paraná.

Variação percentual do número de matrículas no período

100
80

60
40
20

0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
-20

Variação percentual do número total de alunos matriculados


variação percentual do número de alunos NEE matriculados

Fonte: http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Sinopse/sinopse.asp. Acesso em


17.nov. 2008.

Gráfico 04: Evolução das matrículas de alunos com NEE, de 1998 a 2006, no ensino
fundamental em salas comuns e em salas especiais, no Paraná

Total de alunos com NEE matriculados no Paraná

100.000

80.000

60.000

40.000

20.000

-
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

matriculas totais matriculas em classes especiais


matriculas em classes comuns

Fonte: http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Sinopse/sinopse.asp. Acesso em


15.nov.2008.

29
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Também no Estado do Paraná, verifica-se que apesar de a


participação do número de alunos com necessidades
educacionais especiais em relação ao total de alunos
matriculados no ensino fundamental ter passado de 2,4%, em
1998, para 2,77%, em 2006, a participação desses alunos em
classes comuns aumentou em 510%, passando de 0,18% em
1998 para 0,93% em 2006. Contrariamente, o número de
alunos matriculados em classes especiais ou em escolas
exclusivamente especializadas em relação ao total de
matriculados no ensino fundamental sofreu uma redução da
ordem de 17%, passando de 2,22% em 1998 para 1,84% em
2006.
Portanto, os dados do Censo Escolar demonstram que no
Paraná, tal como no Brasil, houve um aumento significativo de
matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais
no ensino fundamental, e que esse aumento se deve à inclusão
de alunos com necessidades educacionais especiais nas
classes comuns.
Hoje, segundo dados da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná, há cerca de 38 mil alunos com algum tipo de
necessidade educacional especial incluídos na rede pública,
atendidos em classes comuns do ensino regular com rede de
apoio e 42 mil nas escolas de educação especial da rede
conveniada.
No Paraná, a proposta de uma política de inclusão
responsável, apresentada pela Secretaria de Estado da
Educação, para o Atendimento Educacional Especializado (AEE)
aos alunos com necessidades educacionais especiais no
ensino regular, contempla programas de serviços e apoios
especializados que objetivam a integração entre o ensino
regular e o ensino especial, oferecendo aos alunos com
necessidades educacionais especiais uma efetiva
acessibilidade curricular: adaptações físicas, metodológicas,
avaliativas, etc. (PARANA, 2008a, 2008b, 2008c).

30
CAPÍTULO 1

Tabela 03: Matrículas de alunos com NEE no Ensino Fundamental no Paraná:

REDE DE APOIO - 2008 SERV/APOIO ALUNOS

ÁREA DA DEFICIÊNCIA MENTAL


Classe Especial – DM 1124 10.710
Sala de Recursos 1ª a 4ª séries 892 11758
Sala de Recursos 5ª a 8ª séries 812 7655
ÁREA DA DEFICIÊNCIA VISUAL
Centro de Atendimento Especializado CAE 1959
320
atividades com plementares (baixa visão adquirida/ cegueira adquirida) 1946
Centro de Apoio Pedagógico apara Atendim ento às Pessoas com Deficiência Visual 5
ÁREA DA SURDEZ
Centro de Atendimento Especializado CAE 202 1508
Programa de Ensino Regular com Atendimento Especializado - PERAE 9 63
Professor Interprete 234 929
Centro de Apoio aos Professionais da Educação 1
ÁREA DA DEFICIÊNCIA FÍSICA
Centro de Atendimento Especializado CAE 3 13
Professor de Apoio Permanente 118 124
ÁREA DAS CONDUTAS TÍPICAS
Classe Especial – CT 31 134
Sala de Recursos 1ª a 4ª séries 4 14
Sala de Recursos 5ª a 8ª séries 9 65
ÁREA DE ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO
Sala de Recursos 1ª a 4ª séries 6 89
Sala de Recursos 5ª a 8ª séries 7 119
Núcleo de Atividades para Altas Habilidades/Superdotação 1
TOTAL 37.086

Fonte: Secretaria de Estado da Educação do Paraná

Os programas de serviços e apoios pedagógicos


especializados são ofertados por meio de ações distribuídas
em: a) centro de atendimento especializado (área visual e da
surdez); b) sala de recursos (área mental/intelectual e das altas
habilidades/superdotação); c) apoio de intérpretes de língua de
sinais (alunos surdos); d) professor de apoio permanente em
sala de aula regular (atende alunos com grave
comprometimento físico-motor e na fala - área física); e)
professor de apoio em sala de aula (alunos com transtorno
global do desenvolvimento); f) classe especial (área mental); g)
escola especial. No estudo realizado, por vezes, encontramos o

31
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

termo retardo mental1 para caracterizar crianças com déficit


cognitivo. Essas crianças frequentam o ensino comum, as salas
de recursos, classes ou escolas especiais.
Tais programas, também denominados de Atendimentos
Educacionais Especializados (AEEs) tornam-se fundamentais
como meios didático-pedagógicos que se utilizam de recursos e
estratégias diferenciadas e específicas, quando se pretende
uma escola em uma dimensão inclusiva, que se preocupa com
as condições estruturais e pedagógicas disponibilizadas para
todos os alunos. Citamos alguns programas de apoio
especializado ofertados pela Secretaria de Estado da Educação
(SEED), Departamento de Educação Especial e Inclusão
Educacional:
Salas de Recursos de 5ª a 8ª séries na área da Deficiência
Mental2/Intelectual e/ou Transtornos Funcionais Específicos.
Este programa é definido como um serviço de apoio
especializado de natureza pedagógica que complementa o
atendimento educacional em classes comuns do Ensino
Fundamental. Os alunos contemplados são os regularmente
matriculados que frequentam o ensino fundamental nas séries
finais e que apresentam dificuldades acentuadas de
aprendizagem com atraso significativo, decorrentes da
Deficiência Mental/Intelectual e/ou Transtornos Funcionais

1A American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD) é uma


entidade destinada à investigação dos conceitos e das práticas relacionadas ao que
ela denominava de 2007 de retardo mental. A definição de retardo mental diz respeito
a uma perspectiva funcional e dinâmica, que entende essa deficiência mais pelo
aspecto do desempenho do que pelos traços clínicos. Para a caracterização do retardo
mental, são analisadas cinco dimensões: habilidades intelectuais, comportamento
adaptativo, interações e papéis sociais, saúde e contexto, o que pode ser interpretado
como uma transformação no entendimento do conceito. A AAIDD deixou de empregar o
termo retardo mental em 2007 e passou a usar a designação deficiência intelectual
(PAN, 2008, p.5).
2 “Funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação

antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades


adaptativas: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos
recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e
trabalho” (BRASIL, 2007c, p. 39).

32
CAPÍTULO 1

Específicos. Dentre os transtornos funcionais específicos estão:


distúrbios de aprendizagem (dislexia, disortografia, disgrafia,
discalculia); transtorno de atenção e hiperatividade (PARANÁ,
2008d, p. 1).
Sala de Recursos na área de Altas
Habilidades/Superdotação3. É um Serviço de Apoio
Especializado, de natureza pedagógica, que suplementa o
atendimento educacional realizado em classes comuns da
Educação Básica. Destina-se a alunos regularmente
matriculados que frequentam o ensino fundamental ou ensino
médio e que apresentam altas habilidades/superdotação
(PARANÁ, 2008d, p. 1).
Classe Especial. É uma sala de aula em escola de ensino
regular, em espaço físico e modulação adequados, com
professor especializado na Educação Especial, que utiliza
métodos, técnicas, procedimentos didáticos e recursos
pedagógicos especializados e, quando necessário,
equipamentos e materiais didáticos específicos, conforme
série/ciclo, do ensino fundamental, visando o acesso ao
currículo da base nacional comum. Destina-se a alunos
regularmente matriculados nas séries iniciais do ensino
fundamental, com Transtornos Globais de Desenvolvimento,
que apresentam: alterações qualitativas das interações sociais
recíprocas, na comunicação, um repertório restrito de
interesses e atividades, estereotipado e repetitivo. Incluem-se
nesse grupo alunos com Autismo, Síndromes do Espectro do
Autismo e Psicose Infantil, que apresentam dificuldades de
adaptação escolar e de aprendizagem, associados ou não a
limitações no processo de desenvolvimento biopsicossocial,
com dificuldades de acompanhar as atividades curriculares em

3São considerados sujeitos com altas habilidades aqueles que revelam “[...] grande
facilidade de aprendizagem que os levem a dominar rapidamente os conceitos, os
procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer
conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de
recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para
concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar” (BRASIL, 2001a, p. 18).

33
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

classe comum que requeiram apoio e atendimento


especializados intensos e contínuos (PARANÁ, 2008c, p. 1).
Professor de Apoio em Sala de Aula. Profissional da
educação especial de apoio especializado que trabalha no
contexto da sala de aula com alunos com Transtornos Globais
do Desenvolvimento no Ensino Fundamental, Ensino Médio e
Educação de Jovens e Adultos. São atendidos pelo professor de
apoio em sala de aula alunos com Transtornos Globais do
Desenvolvimento que requeiram apoio e atendimento
especializado intenso e contínuo por demonstrarem em seu
comportamento alterações qualitativas das interações sociais,
na comunicação, um repertório de interesses e atividades
restrito, atitudes estereotipadas e repetitivas. Nesse quadro,
incluem-se alunos com síndromes do espectro de autismo,
autismo e psicose infantil, que apresentam dificuldades de
aprendizagem e também de adaptação escolar e, associados
ou não a limitações no processo de desenvolvimento
biopsicossocial (PARANÁ, 2008a, p. 1);
Profissional Intérprete de libras/língua portuguesa para
surdos. Profissional bilíngue que atua no ensino regular onde
existem alunos surdos matriculados, usuários da língua de
sinais (LIBRAS), nos diferentes níveis e modalidades da
educação básica;
Instrutor surdo de libras. Atua no centro de apoio
especializado à surdez, em escolas especiais e/ou núcleos
regionais de educação, difundindo a língua brasileira de sinais
(LIBRAS). Apresenta e oportuniza a apropriação da Libras como
primeira língua no currículo escolar;
Professor de apoio permanente para alunos com
deficiência física neuromotora, com graves comprometimentos
na comunicação e locomoção. Atua no contexto escolar, em
sala de aula, em estabelecimentos que ofertam o ensino
fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos,
como mediador e interlocutor no apoio à comunicação entre o
aluno, o grupo social e o processo de ensino e aprendizagem.

34
CAPÍTULO 1

Atende a alunos com deficiência física neuromotora acentuada,


com limitação na fala e na escrita, por meio da comunicação
alternativa e aumentativa. Este profissional trabalha nos níveis
de ensino fundamental, médio e na modalidade de educação
de jovens e adultos (PARANÁ, 2004, p. 1);
Centro de Atendimento Especializado (CAE), nas áreas da
surdez e deficiência visual. Serviço de apoio especializado de
natureza pedagógica. O professor especialista atende nas
áreas da deficiência física, visual e da surdez. O CAE tem como
um dos objetivos complementar a escolarização de alunos no
ensino regular desde a educação infantil até o ensino médio,
incluindo a modalidade educação de jovens e adultos, podendo
atender, ainda, de acordo com o número de vagas, pessoas
que não pertencem à rede escolar, como bebês e idosos.
Centro de Apoio Pedagógico para atendimento às pessoas
com deficiência visual (CAP). Este O Centro é responsável pela
transcrição em braile, para alunos cegos, e ampliação para
alunos com baixa visão, do material pedagógico. Atualmente, o
Paraná oferta cinco unidades desse serviço.
Os Atendimentos Educacionais Especializados (AEEs)
fazem parte de um processo mais amplo de complementação e
enriquecimento curricular. Referindo-se à necessidade de
pensarmos os processos relacionados à aprendizagem das
pessoas com necessidades educacionais especiais, levando em
conta a complexidade de tais processos, Bueno (2007) escreve
que essa complexidade demanda uma formação específica por
parte do professor. Assim, uma das exigências, seja na rede
pública de ensino ou na rede conveniada, para que o professor
possa atuar nesses serviços, é que tenha habilitação em
educação especial, que pode ser em nível médio (Estudos
Adicionais) ou superior (Graduação, Especialização, Mestrado
ou Doutorado).
É certo que a existência de diversos programas de
atendimento especializado contribui para o atendimento
educacional e a aprendizagem de muitos alunos com

35
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

necessidades educacionais especiais, com ou sem algum tipo


de deficiência. Entretanto, apesar da importância da
consolidação dos programas de serviços e apoios pedagógicos
implantados pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná,
esses programas, por si, não são capazes de resolver os
problemas de ensino e aprendizagem. Somente a oferta de
suportes que põem em prática o cumprimento das leis não
garante um atendimento de qualidade aos alunos. Tais
programas demandam atuação conjunta com outros setores
como as áreas da saúde, transporte, assistência social, lazer,
área jurídica, entre outras, para que sejam otimizados o acesso
e permanência dos alunos nos programas de serviços e apoios
pedagógicos.
A Deliberação nº 02 de 2003, do Conselho Estadual de
Educação do Paraná, estabelece em seu art. 14 que “os
serviços especializados serão assegurados pelo Estado, que
também firmará parceria ou convênios com as áreas de
educação, saúde, assistência social, trabalho, transporte,
esporte, lazer e outros, incluindo apoio e orientação à família, à
comunidade e a escola” (PARANÁ, 2003, p. 4). No entanto, não
existem ainda esses convênios intersetoriais, segundo o Núcleo
Regional de Educação de Maringá.
A melhoria na qualidade dos programas de serviços e
apoios pedagógicos demanda ajustes e implementação de
políticas públicas que subsidiem as práticas docentes.
Demanda, também,a retomada de discussões e estudos sobre
metodologias concernentes ao atendimento nos apoios
pedagógicos, a fim de rever os processos de intervenção
realizados na sala de aula e refletir sobre a prática pedagógica
estabelecida na relação professor-aluno, além de viabilizar a
oferta de cursos de formação continuada que venham ao
encontro das necessidades pedagógicas dos professores e a
concretização de uma escola plural, aberta e flexível a todos.

36
CAPÍTULO 1

Vejamos agora no município de Maringá como se encontra


o atendimento aos alunos com necessidades educacionais
especiais.

A educação de alunos com necessidades educacionais


especiais no município de Maringá

O Ministério da Educação e Cultura (MEC), amparando-se


em princípios da educação inclusiva com vistas a combater a
exclusão e garantir o acesso e a permanência de alunos com
necessidades educacionais especiais na escola regular, a partir
de 1997, passou a incentivar os municípios a ampliarem o
atendimento educacional a todos os alunos, tendo esses ou
não algum tipo de diferença ou deficiência, em escolas de
ensino regular próximas às suas casas.
Essa proposta, coerente com as recomendações
internacionais, nacionais e estaduais, fez com que a Secretaria
de Educação do município de Maringá elaborasse planos e
metas para a estruturação do atendimento aos alunos com
necessidades educacionais especiais na rede regular do
ensino. Uma das metas colocadas em prática em 1997 foi o
projeto intitulado “Projeto de Integração de Crianças de Classes
Especiais no Ensino Regular”, cujo principal objetivo foi
repensar o trabalho do professor da classe especial, que
deveria passar a trabalhar conjuntamente com o professor da
classe regular e com toda a equipe da escola, atendendo aos
alunos de forma a promover a integração entre o ensino regular
e o ensino especial.
Os Centros de Educação Infantil (CEI) seguiram essa
mesma proposta de atendimento, com o objetivo de incluir os
alunos com necessidades educacionais especiais nas creches e
pré-escolas, que ainda hoje continuam propiciando a inclusão
de crianças com necessidades educacionais especiais.
Vejamos o número de alunos com necessidades educacionais

37
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

especiais matriculados nos Centros Municipais de Educação


Infantil nos dois últimos anos:
Gráfico 05: Alunos com NEE, matriculados na educação infantil, nos anos de 2008 e
2009, no município de Maringá.

Fonte: Secretaria de Educação de Maringá - jul/2009. Arquivo pessoal Coordenadora da


Educação Especial na cidade de Maringá-Pr.

Atualmente, na rede municipal de educação do município


de Maringá estão matriculados, na educação infantil, no ensino
fundamental, e na educação de jovens e adultos, 26.500
alunos. O atendimento educacional especializado é ofertado a
aproximadamente 380 alunos com necessidades educacionais
especiais em classes comuns do ensino regular, sendo que 44
alunos recebem atendimento em horário contrário ao do ensino
regular, nos centros municipais de atendimento ao deficiente
visual, e 226 são atendidos nas salas de recursos (área de
deficiência intelectual). Os demais alunos são atendidos nos
programas para alunos com transtorno global do
desenvolvimento, atendimento educacional especializado com
professores de apoio em sala de aula (área física), professores
intérpretes (área de deficiência auditiva e surdez) e nas classes
e escolas especiais do município.

38
CAPÍTULO 1

As escolas especiais são conveniadas com o município e


com o estado, refletindo historicamente a ausência de ações
conjuntas e efetivas das duas esferas de governo, no sentido
de assumir, integralmente, o atendimento pedagógico
especializado na rede pública de ensino.
Atualmente, o município de Maringá conta com quatro
escolas especiais conveniadas com o município e o estado e
uma escola especial da rede particular de ensino que atendem
pessoas com deficiência nas diferentes áreas: mental, auditiva,
visual e física. As escolas são:
1- Escola Especial Albert Sabin, cuja mantenedora é a
Associação Norte Paranaense de Reabilitação (ANPR). Esta
instituição inicialmente tinha o objetivo de atender a crianças
vitimadas pela paralisia infantil. Daí o nome, mantido até os
dias atuais: “Escola Especial Albert Sabin”. A paralisia infantil,
hoje, está erradicada, porém, outras deficiências passaram a
ser o foco do trabalho dessa instituição, que atende a alunos
que apresentam deficiência física, decorrente de má formação
congênita, distrofia muscular progressiva, paralisia cerebral,
síndromes, traumatismos cranianos, dentre outros.
A escola atende a alunos com deficiência física desde o
nascimento até as séries iniciais do ensino fundamental. O
currículo é o da base nacional comum. Se necessário for, em
período contrário, o aluno recebe os atendimentos da saúde.
Tais atendimentos são realizados por uma equipe
multiprofissional, envolvendo psicólogos, assistentes sociais,
fonoaudiólogos e fisioterapeutas.
2- Escola Especial Diogo Zuliani, cuja mantenedora é a
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Esta
associação foi fundada em 1963 pelo Lions Club de Maringá,
em decorrência do movimento apaeano de expansão do
atendimento ao deficiente mental. No ano seguinte, foi
inaugurada a Escola Modelo Companheiro Diogo Zuliani, que
hoje conta com uma subsede para atendimento específico a
alunos maiores de 14 anos. O currículo trabalhado na

39
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

instituição é flexível, com adequações específicas, mas


totalmente norteado pelas diretrizes nacionais e estaduais,
com conteúdos da base nacional comum.
3-Colégio Modelo de Maringá – Ensino Médio e
Fundamental. Sua mantenedora é a Associação Norte
Paranaense de Áudio Comunicação Infantil (ANPACIN). Esta
escola oferece ensino regular, desde a educação infantil até o
ensino médio. Trabalha na perspectiva do bilinguismo, ou seja,
adota, para os surdos, a língua brasileira de sinais (LIBRAS)
como primeira língua e a língua portuguesa, como segunda
língua.
4- Escola de Educação Especial Leo Kanner, cuja
mantenedora é a Associação Maringaense dos Autistas (AMA).
Esta instituição atende a alunos com transtornos globais do
desenvolvimento, como o autismo ou o espectro de autismo.
São atendidos todos os dias em torno de sessenta alunos de
Maringá e região.
5- Escola Dinâmica. É a única escola especial da rede
particular que atende pedagogicamente a todos os tipos de
deficiências. Suas ações são integradas com o setor da
Educação Especial e Inclusão Educacional do Núcleo Regional
de Educação de Maringá. Isso faz com que a escola desenvolva
ações pedagógicas norteadas pelas diretrizes estaduais de
educação.
O conjunto dessas escolas e, mais especificamente, o
importante trabalho que desenvolvem contribui para que a
educação especial em Maringá seja uma referência para a
região, visto que os muitos municípios que a compõem enviam
alunos com necessidades educacionais especiais para os
programas e apoios especializados ofertados nas escolas
especiais e também na rede municipal e estadual de ensino.
Quanto às políticas educacionais voltadas aos alunos que
apresentam alguma deficiência ou necessidades educacionais
especiais, deduz-se que estas são fundamentadas e possuem
pressupostos teóricos com base nos princípios atuais da

40
CAPÍTULO 1

educação inclusiva, com o crescente aumento de alunos com


necessidades educacionais especiais na rede municipal de
ensino regular.
No entanto, resta saber se houve repercussão da atual
política educacional inclusiva na busca de práticas pedagógicas
interativas em sala de aula.

Considerações Finais

Mediante os dados coletados, especialmente os referentes


às matrículas, identificamos que alunos com necessidades
educacionais especiais estão gradativamente sendo inseridos
no ensino regular. Buscamos compreender e analisar as
mudanças, ao longo dos anos, no número de matrículas em
escolas regulares e especiais no Brasil.
A legislação referente à educação especial mostra que as
discussões a respeito das políticas públicas educacionais
brasileiras destinadas aos alunos com necessidades
educacionais especiais, desencadearam-se, com mais
profundidade, a partir da década de 1970, ano em que foi
promulgado o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001a).
Tal plano estabeleceu os objetivos e metas para, a
implementação de políticas públicas federais, estaduais e
municipais em todas as áreas da educação brasileira.
No presente estudo, procuramos saber quem e quantos
são os alunos com necessidades educacionais especiais
inseridos no ensino regular. A sistematização e análise dos
dados coletados permitiram-nos perceber que nos documentos
oficiais está explícita a preocupação com a exclusão
educacional. Tais documentos preconizam a necessidade de se
consolidar a inclusão escolar de crianças com necessidades
educacionais especiais nas classes comuns do ensino regular
como forma de diminuir a discriminação e de fomentar a
interação entre alunos em caráter social, solidário, e de
tolerância.

41
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

No entanto, em uma proposta de ensino voltada a atender


uma política de inclusão responsável, busca-se também, de
forma processual, o redimensionamento das concepções e
práticas educacionais com o intuito de atender e contemplar à
diversidade dos alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais, sejam elas decorrentes ou não de
deficiência.
Pressupomos que a proposta de inclusão escolar das
crianças com deficiência ou necessidades educacionais
especiais tem procurado evitar os maus efeitos do isolamento
social desses alunos, criando oportunidades para a interação
como forma de diminuir o preconceito. Todavia, esse processo
demonstra estar ainda longe de superar a problemática do
ensino e da aprendizagem dessas crianças; isso porque as
ações ainda são direcionadas quase que exclusivamente à
questão da inserção do aluno no ambiente escolar. Além disso,
o aluno com necessidades educacionais especiais acaba sendo
vitimado pela falta de clareza sobre o seu direito de matrícula e
permanência na rede regular de ensino, com devidas
adaptações no currículo escolar.
A comunidade escolar e, especialmente, os professores,
necessitam, cada vez mais, se prepararem para os desafios de
ensinar no contexto da diversidade, atuando como
instrumentos mediadores no processo de ensino, visando à
promoção da aprendizagem dos alunos e, consequentemente,
o desenvolvimento humano, tendo claro que a inserção dessa
clientela na rede regular de ensino é apenas uma das ações
necessárias para sua real inclusão no grupo social.
A mudança no contexto das escolas brasileiras, com a
efetivação de um atendimento escolar devidamente
estruturado aos alunos com necessidades educacionais
especiais, visa receber e atender, com qualidade, a todos os
alunos, com elementos que contribuam para a apropriação de
conceitos científicos, que são vias efetivas de transformações

42
CAPÍTULO 1

cognitivas do aluno com e sem necessidades educacionais


especiais e de desenvolvimento humano.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, LDB. Brasília, DF: MEC, 1996.
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de ação sobre necessidades educativas especiais, de 1994.
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Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva, Brasília: MEC/SEESP, 2008.
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educação especial na educação básica. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB). Brasília, DF:
MEC, 2001a.
______. Resolução n. 02/01 – Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB). Brasília, DF:
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______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Especial. Educar na Diversidade: material de formação docente.
Brasília: DF: MEC/SEESP, 2005.
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educação. Decreto no. 6094/2007. Brasília: MEC/, 2007.
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história, política, sociedade (PUC/SP) no campo dos processos
de escolarização, desigualdades sociais e deficiências. In:
JESUS, D. M. et al (Org.). Inclusão, práticas pedagógicas e
trajetórias de pesquisa. Porto Alegre: Mediação, 2007. p. 199-
209.

43
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA (1994). Disponível em


http://www.mec.gov.br/seesp/pdf/declaracao.pdf, acesso em
15/11/2008.
DECLARAÇÃO MUNDIAL SORE EDUCAÇÃO PARA TODOS (1990).
Disponível em
http://www.mec.gov.br/seesp/ftp/declaracao.pdf, acesso em
15/11/2008
GARCIA, R. M. C. Políticas de inclusão e currículo:
transformação ou adaptação da escola? Trajetórias e processos
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Alegre: In: Anais do XIV Encontro Nacional de Didática e Prática
de Ensino – ENDIPE. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
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qualidade. São Paulo: Moderna, 2001.
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Documento Preliminar. Curitiba, 2006.

44
CAPÍTULO 1

______. Secretaria de Estado da Educação. Departamento da


Educação Especial, Deliberação n° 02/03. Curitiba: SEED,
2003.
______. Secretaria de Estado da Educação. Departamento da
Educação Especial. Instrução nº 01/2004. Curitiba:
SUED/SEED, 2004.
______. Secretaria de Estado da Educação. Departamento da
Educação Especial. Instrução nº 010/2008. Curitiba:
SUED/SEED, 2008a.
______. Secretaria de Estado da Educação. Departamento da
Educação Especial. Instrução nº 013/2008. Curitiba:
SUED/SEED, 2008b.
______. Secretaria de Estado da Educação. Departamento da
Educação Especial. Instrução nº 014/2008. Curitiba:
SUED/SEED, 2008c.
______. Secretaria de Estado da Educação. Departamento da
Educação Especial. Instrução nº 016/2008. Curitiba:
SUED/SEED, 2008d.

45
CAPÍTULO 2

O ATENDIMENTO ESPECIALIZADO COMO UMA


POSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
EM FOCO O PROJETO DE INTEGRAÇÃO DOS ALUNOS DE
CLASSE ESPECIAL E AS SALAS DE RECURSOS

Sandra Salete de Camargo-Silva


Áurea Maria Paes Leme Goulart

Introdução

Neste texto, referimo-nos ao atendimento especializado


como um dos desafios da educação para, e com todos, ao
mesmo tempo em que reconhecemos as salas de recursos
como uma possibilidade para a efetivação de propostas
inclusivas no atendimento às crianças com necessidades
educacionais especiais.
Procuramos com a compreensão de parte do percurso
realizado pela Educação Especial, na História da Educação,
discutir o sentido da inserção de um trabalho especializado nas
escolas para atender às especificidades de cada aluno, quando
possível e preferencialmente em salas de aula do ensino
regular.
Entendemos que nessa perspectiva, as Salas de Recursos
consistem em uma das possibilidades de atendimento
especializado no âmbito de uma proposta inclusiva, como
suporte complementar ao atendimento educacional
especializado no ambiente escolar, em horário contrário ao da
classe regular.
Recorremos a um estudo realizado nos arquivo da
Secretaria Municipal de Educação de Maringá, no período de
2001 a 2004, no qual, evidenciamos na Proposta Pedagógica
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

da Rede Municipal (MARINGÁ, 2000), o compromisso político e


social para a democratização da educação na escola pública,
em relação ao acesso, garantia da permanência e da qualidade
no processo ensino e aprendizagem.
Essa proposta consiste em assegurar a todas as crianças,
jovens e adultos, o direito constitucional de participarem do
processo educativo formal, atendendo suas necessidades
específicas e possibilitando-lhes a apropriação de bens
culturais historicamente produzidos, inclusive com a
implantação do Projeto de Integração dos Alunos de Classe
Especial e as Salas de Recursos.
Ressaltamos que no desafio do atendimento especializado,
de qualidade social, em Salas de Recursos pode-se vislumbrar
uma possibilidade de efetivação de uma proposta de Educação
Inclusiva.

Educação Especial e Educação Inclusiva: uma questão em


processo

No panorama das relações sociais contemporâneas o


paradoxo da inclusão e exclusão apresenta-se da mesma forma
que propõe uma escola inclusiva.
No final da década de 1980, as discussões envolvendo o
processo de inclusão de todas as crianças, jovens e adultos no
contexto educacional brasileiro evidenciam-se por meio de
documentos normativos e orientadores, decorrentes da
presença do Brasil como signatário em movimentos
internacionais.
Nesse sentido, uma proposta de educação inclusiva,
desvela no cenário educativo a necessidade de amplo debate e
aprofundamento teórico, pois conduz à proposição de um
trabalho especializado nas escolas para atender às
especificidades de cada aluno, quando possível e
preferencialmente em salas de aula do ensino regular.

48
CAPÍTULO 2

No percurso realizado pela Educação Especial, na História


da Educação, evidencia-se, inicialmente, uma tendência ao
abandono e à segregação daqueles indivíduos que de alguma
forma diferenciavam-se dos demais. No período que antecede
e, mesmo durante a Idade Média, são poucos os registros sobre
a vida de pessoas com deficiências. Durante esse período as
pessoas com deficiência física ou mental recebiam tratamento
desumano. No entender de Pessotti (1984) justificado pela
busca por padrões estéticos atléticos, resultando muitas vezes
na morte ou abandono dessas pessoas.
Com a propagação do cristianismo na Europa, as famílias
consideraram a possibilidade de decisão sobre a manutenção
da vida das crianças com deficiência, período em que, essas
pessoas passam a ser consideradas criaturas com alma. Em
decorrência da compaixão ou caridade das famílias, muitas
pessoas com deficiência deixam de ser eliminadas e recebem
assistência cristã.
Mazzotta (1996) afirma que o primeiro registro sobre
educação especial de pessoas com deficiência ocorreu na
França, por Jean-Paul Bonet, em 1620, intitulado Redação das
Letras e Artes de Ensinar os Surdos a Falar. Destaca ainda, a
fundação da primeira instituição especializada para cegos, em
1784, em Paris, onde já existia desde 1770 uma instituição
para surdos.
Em 1832, as pessoas com deficiência física passaram a
ser atendidas institucionalmente na Alemanha. E, a primeira
instituição para deficientes mentais foi o internato público de
Massachusetts, em 1848 (CAMARGO-SILVA, 2006).
Bueno (1993) destaca que no final do século XVIII, as
pessoas com deficiência e os mendigos passaram por um
processo de exclusão velada, improdutivos aos interesses do
sistema capitalista, permaneciam isolados em instituições-
asilos, denominados de escola residencial, pública e com o
princípio de atendimento para todos. “Ao longo da história,
pode-se constatar que as pessoas com deficiência receberam

49
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

tratamento diferenciado, foram selecionadas e eliminadas,


encaradas com medo e crendices, dotadas de alma e dignas de
piedade, segregadas e exploradas pelo capital. Busca-se então
a inclusão” (CAMARGO-SILVA, 2006, p.33).
Mazzotta (1996) relata que apoiados em experiências da
Europa e Estados Unidos da América do Norte, alguns
brasileiros, no século XIX iniciaram o atendimento
sistematizado a cegos, surdos, deficientes mentais e
deficientes físicos, mas a efetivação da educação especial na
política pública ocorre em meados do século XX.
A Educação Especial vai se expandindo, de forma lenta
após a Proclamação da República. A deficiência mental assume
primazia, tanto pelo número de instituições, como pela
preocupação com a saúde dos alunos e com o fracasso escolar
(BUENO,1993). Este autor pondera que a rede pública dedicou-
se à deficiência mental considerando a influência da psicologia
na determinação dos processos de ensino.
Para Bueno (1993) um relevante marco para o
entendimento da trajetória da Educação Especial no Brasil,
ocorre a partir de 1913, com a organização das primeiras
entidades privadas de atendimento aos deficientes. Essas
instituições marcam a inclusão da educação especial no âmbito
das instituições filantrópicas assistencialistas e a sua
privatização, o que se destaca em relação ao rumo das políticas
educacionais e também a quantidade de atendimentos
oferecidos.
Mazzotta (1996) enfatiza que foi no início da década de
1960, do século XX, que ocorre a inclusão da educação
especial na política educacional brasileira. Bueno (1993)
esclarece que a Educação Especial ao longo da história, ao lado
da democratização do acesso à escola, atende a interesses
como a privatização dos atendimentos oferecidos, a imputação
do fracasso escolar às características pessoais da criança.
A educação especial origina-se fundamentada na
possibilidade de oportunizar a permanência educacional aos

50
CAPÍTULO 2

que não se enquadram na suposta normalidade; no entanto,


considerando que essa indicação de atendimento
especializado, não evidencia os determinantes sócio-
econômico-culturais que subjazem às dificuldades de
integração do aluno diferente, na escola e na sociedade, muitas
vezes funciona como instrumento para a manutenção e
legitimação da segregação dessas pessoas.
Nesse sentido, pode tal proposta disfarçar uma forma de
discriminação partindo da falsa promessa de uma escola
inclusiva. Favorece assim, outra forma de segregação e
resistência, oriunda da tolerância - e não a aceitação - às
pessoas com deficiência, incluídas na escola, evidenciando a
necessidade de maior comprometimento profissional em
relação ao processo de ensino e aprendizagem desses alunos
(CAMARGO-SILVA, 2006).
Nessa conjuntura a escola, enquanto formadora do
homem, não se encontra alheia ao processo de manutenção da
sociedade atual. Sociedade esta, conhecida aqui, a partir da
forma de organização social utilizada pelos homens na
produção de sua vida material.
Nessa perspectiva, a inclusão de todas as crianças, no
ensino regular, como possibilidade de atendimento de suas
necessidades, consiste em promover condições de combate à
tendência segregadora de algumas propostas educacionais.
Uma educação inclusiva decorre da necessidade da
efetivação de políticas públicas, de uma educação de qualidade
contribuindo para a inclusão social e escolar para todos.
Consiste no direito de todas as crianças participarem do
processo educativo, por meio de uma proposta de mudança
estrutural no ensino regular e na efetivação das determinações
legais.
Ao analisarmos as políticas públicas educacionais, tanto
em âmbito nacional quanto internacional, encontramos
direcionamentos em relação à uma proposta de inclusão de
todas as crianças, jovens e adultos no ensino regular. Essa

51
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

tendência inclusiva adentra as escolas brasileiras,


especialmente no ensino fundamental, conformando os direitos
fundamentais dos educandos como cidadãos.
As orientações firmadas em encontros mundiais resultaram
em documentos que acordam e conclamam a universalização
do ensino e da educação inclusiva dentre as quais a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos, aprovada pela
Conferência Mundial sobre Educação para Todos - Satisfação
das Necessidades Básicas de Aprendizagem, realizada em
Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990; a Declaração
de Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994; a
Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as
formas de Discriminação contra as pessoas portadoras de
deficiência, na Guatemala, em 1999; o Fórum Mundial de
Educação, em Dakar, em 2000, dentre outros.
Na Constituição Federativa do Brasil de 1988 a Educação
configura-se como um dos direitos sociais de todas as crianças.
Decorre daí, o direito educacional de crianças com
necessidades especiais ao ensino regular. O artigo 208, da
Constituição Federal assegura atendimento educacional
especializado aos alunos com deficiência, preferencialmente na
rede regular de ensino (BRASIL, 2001).
A Lei nº 8069/90, denominada Estatuto da Criança e do
Adolescente, consiste em um dos instrumentos coletivos
fundamentais para a efetivação de uma proposta inclusiva.
Representa um dos meios de garantia do princípio
constitucional da proteção integral das crianças e adolescentes
como cidadãs de direitos, consubstanciado pelo Artigo 277, da
atual Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1990).
Destacamos que a Política Nacional de Educação Especial,
de 1994, consiste em um dos documentos orientadores no
processo de integração das pessoas com necessidades
educacionais especiais no âmbito instrucional. Como
perspectiva de integração, o acesso às classes comuns do
ensino regular está condicionado àqueles que conseguem

52
CAPÍTULO 2

acompanhar e desenvolver as atividades curriculares


programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos
ditos normais (BRASIL, 1994).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vigente,
nº. 9394/96 (BRASIL, 1996), reconhece o direito a educação,
que abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
No artigo 55, encontramos reforço ao principio inclusivo, ao
determinar que os pais ou responsáveis têm a obrigação de
matricular seus filhos ou os de sua responsabilidade na rede
regular de ensino.
Em relação à Educação Especial como modalidade de
educação escolar, oferecida, preferencialmente, na rede
regular de ensino para alunos com necessidades especiais, o
Artigo 4º, inciso III, garante atendimento educacional
especializado às pessoas com deficiência, primordialmente na
rede regular de ensino.
Esse documento normativo estabelece ao atendimento
especializado possibilidades da efetivação em classes comuns,
mas também em classes, escolas ou serviços especializados,
com o objetivo de apoio, complemento, suplemento ou
substituição ao atendimento em classes comuns (BRASIL,
1996).
O Decreto nº 3.298, de 1999, sobre a Política Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,
regulamenta a Lei nº 7.853/89 e define a educação especial
como uma modalidade transversal a todos os níveis e
modalidades de ensino, o caráter complementar da educação
especial ao ensino regular (BRASIL, 2006).
Nesse sentido, as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001,
determinam que caiba aos sistemas de ensino a matrícula de
todos os alunos, e às escolas organizar-se para o atendimento

53
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

aos educandos com necessidades educacionais especiais,


assegurando as condições necessárias para uma educação de
qualidade para todos (BRASIL, 2006).
Em direção a uma proposta de educação inclusiva,
ressaltamos a importância da democratização do
conhecimento, por meio de sua apropriação por todos os
alunos envolvidos no processo educativo.
Assim, recorremos a Saviani (1991) que destaca que esse
conhecimento ocorre na escola com o trabalho educativo direto
e intencional, destinado a cada indivíduo, promovendo-lhe a
humanidade, produto histórico e coletivo dos homens.
Para alcançar essa proposta, Cury (1992, p.128) alerta
para uma escola com função social e igualitária, que embora
presa à ideologia dominante, procure a “apropriação coletiva do
saber”. Em Frigotto (1995, p.48), encontramos a advertência
de que a “privatização do conhecimento” reforça a
concentração de riqueza e poder nas mãos de minorias
privilegiadas e põe em risco a vida humana.
Destacamos que conjunturalmente, as políticas públicas
que integram o contexto de uma sociedade que se organiza em
função dos interesses do mercado vislumbram a efetivação da
educação para todos, com a inclusão de todos na escola, mas
concretamente, exercem violenta exclusão.
Em 2007, o Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Especial seleciona um grupo de trabalho, nomeado
por portaria ministerial, para elaborar um documento
denominado a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, que pretende evidenciar os
avanços do conhecimento e das lutas sociais, na busca de
políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade
para todos os alunos. Nesse documento, a educação inclusiva
constitui-se como “[...] um paradigma educacional
fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga
igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que
avança em relação à idéia de eqüidade formal ao contextualizar

54
CAPÍTULO 2

as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e


fora da escola”.
E define o movimento mundial pela inclusão como “[...]
uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada
em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos,
aprendendo e participando, sem nenhum tipo de
discriminação” (BRASIL, 2008b, p.5).
Para a educação especial, a formação, inicial e continuada
do professor precisa basear-se em conhecimentos gerais para o
exercício da docência e conhecimentos específicos da área.
Considera-se que essa formação qualifica a atuação
docente no atendimento educacional especializado
possibilitando o aprofundamento do caráter interativo e
interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular,
nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional
especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de
educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes
domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação
especial (BRASIL, 2008b).

Salas de Recursos: uma possibilidade de inclusão

Uma possibilidade de atendimento especializado em uma


proposta inclusiva ocorreu com a criação de salas de recursos
multifuncionais como suporte complementar e suplementar ao
atendimento educacional especializado no ambiente escolar.
Serviço de natureza pedagógica que pode ser realizado
individualmente ou em pequenos grupos, configura-se em
ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais
didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento
educacional especializado1.

1Em 2008 o DECRETO Nº 6.571, DE 17 DE SETEMBRO DE 2008. Dispõe sobre o


atendimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da
Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto no
6.253, de 13 de novembro de 2007.

55
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Durante o período dessa investigação, no Paraná, a política


de Educação Especial, em respeito às diferenças individuais
dos alunos com necessidades educacionais especiais, prevê a
oferta de atendimento especializado, em contexto inclusivo,
tanto em escolas regulares quanto em escolas especiais para
aquela parcela de alunos que, em função de seus graves
comprometimentos ou necessidade de comunicação
diferenciada, requerem atenção individualizada e/ou
adaptações curriculares significativas. No entanto, os dados de
matrículas de alunos da Educação Especial revelam que 70%
continuam atendidos em instituições especializadas (PARANÁ,
s/d, p. 1).
A possibilidade de mudanças importantes em direção à
educação para todos os alunos decorre da elaboração de um
planejamento, segundo as características de cada aluno, com o
objetivo de atendimento individualizado, promovendo a
discussão e adaptação curricular, metodologia e as estratégias
de ensino, envolvendo os professores do atendimento
especializado e da sala regular.
A classe especial, no atendimento de crianças com
deficiência mental, consiste em sala de aula em escola do
ensino regular, em espaço físico e modulação adequados, onde
o professor especializado na área utiliza métodos, técnicas,
procedimentos didáticos e recursos pedagógicos especializados
e, quando necessário, equipamentos e materiais didáticos
específicos, conforme série, ciclo, etapas iniciais do Ensino
Fundamental (1ª a 4ª séries). Em classes especiais, a criança
encaminhada fica suspensa, excluída do sistema regular até
obter avanço necessário para voltar a frequentar a classe
comum.
A ação pedagógica da Classe Especial visa o acesso ao
currículo da base nacional comum, a ser complementada em
cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma
parte diversificada, promovendo avaliação pedagógica contínua

56
CAPÍTULO 2

para a tomada de decisão quanto retorno do aluno ao Ensino


Regular.
Contraditoriamente, o atendimento educacional às crianças
com necessidades especiais, nas classes comuns do ensino
regular, por meio do conhecimento acumulado pela educação
especial, possibilita a melhoria na qualidade do processo
(PRIETO, 1998).
Um dos serviços de apoio especializados encontra-se na
Sala de Recursos, com atendimento à deficiência mental,
condutas típicas e superdotação e altas habilidades, de 1ª a 8ª
séries, ofertado no período contrário daquele em que o aluno
freqüenta a sala regular, com professor da Educação Especial,
em espaço físico adequado.
O atendimento pedagógico específico é ofertado
individualmente ou em pequenos grupos, com cronograma de
atendimento, com vistas ao progresso global dos alunos que
apresentam dificuldade no processo de aprendizagem, com
utilização de programações específicas, métodos, estratégias,
atividades diversificadas e extracurriculares.
Conforme Vygotsky (1989), para alcançar o
desenvolvimento pleno enquanto ser humano faz-se necessário
inserir essas crianças na cultura, capacitando-as a participar
ativamente da sociedade. Compreende que as deficiências
conduzem o organismo à necessidade de superá-las. A
deficiência representa em certo ponto uma fonte de
manifestação das capacidades, de força. O sucesso do
processo de ensino e aprendizagem para criança com
deficiência relaciona-se às possibilidades de acesso a métodos
e recursos específicos às suas necessidades.
Em 2003, nos documentos da Secretaria do Município de
Maringá encontramos instrução normativa da Secretaria de
Estado da Educação do Paraná (PARANÁ, SEED, s/d2) com
orientações para o funcionamento das Salas de Recursos em
estabelecimentos de ensino, público ou privado, no
atendimento de crianças com necessidades educacionais

57
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

especiais nas modalidades de deficiência mental e distúrbios


de aprendizagem.
Como requisito para solicitar o atendimento nessas salas
são exigidos: um professor especializado, alunos avaliados e
espaço físico adequado e disponível. Comprovada a demanda
de alunos pelo diretor do estabelecimento faz-se necessário
comprovar a especialização do professor na educação especial
(ou por curso adicional ou curso de pós-graduação), nesse caso
precisam ainda, Magistério ou adicionais em educação
especial; vínculo empregatício com o município; lotação do
professor com a instituição onde funcionará a Sala de Recursos
(PARANÁ, SEED, s/d2).
O estabelecimento precisa informar a carga horária
semanal da modalidade de atendimento da Sala de Recursos, e
comprovar experiência mínima de 02 anos no ensino regular. O
cronograma deverá ser organizado de maneira a atender
individualmente ou grupos de 10 alunos, de acordo com a faixa
etária, programa a ser desenvolvido de acordo com a série e
nível de escolaridade. Os alunos que frequentam o ensino
regular não podem ultrapassar duas horas de atendimento.
Na Sala de Recursos, o professor especificará a
programação a ser desenvolvida observando os processos
básicos envolvidos na socialização compreendendo o uso da
linguagem oral e escrita, cálculos matemáticos, atenção,
raciocínio, memória, percepção, formação de conceitos entre
outros em consonância com o currículo da classe comum
(PARANÁ, SEED,s/d1).

Projeto de Integração dos alunos de classe especial e as salas


de recursos: Rede Municipal de Ensino de Maringá, 2002 a
2004

Em pesquisa realizada nos arquivos da Secretaria


Municipal de Educação de Maringá, no período de 2002 a
2004, evidenciamos na Proposta Pedagógica (MARINGÁ, 2000)

58
CAPÍTULO 2

o compromisso político e social com a democratização da


educação na escola pública, implantando uma proposta de
trabalho em Educação Especial voltada para a integração, em
que se combate a exclusão, o preconceito e se reconhecem as
diferenças.
Essa proposta apresenta-se na política educacional do
município de Maringá, no período de 2001 a 2004, que passa a
ser constituída e reafirmada nos encontros, estudos e eventos
coletivos de formação em serviço de seus profissionais, e
encontra-se fundamentada em pensadores como Dermeval
Saviani, Paulo Freire, Celestin Freinet e Lev Semyonovitch
Vygotsky (MARINGÁ, 2000).
A partir de 1993, o Projeto de Atualização dos Profissionais
da Educação propõe a realização de cursos, reuniões
pedagógicas, seminários e fóruns com temas de
democratização da educação e qualidade no processo ensino
aprendizagem com base na Teoria Histórico-Cultural.
Compreende-se a escola como espaço de reflexão sobre a
prática social (MARINGÁ, 2000, p. 29):

Para entender a escola, é necessário entender a


sociedade que a produziu. [...] a aprendizagem
impulsiona o processo de desenvolvimento, não é
preciso esperar o educando se desenvolver para
somente depois fazê-lo aprender. O ensino deve se
adiantar ao desenvolvimento, ou seja, dirigir-se às
funções psicológicas que estão em via de se
completarem.

A Secretaria do Município segue as políticas públicas


determinadas pelo Ministério da Educação e Cultura pela
Secretaria de Estado da Educação, com encaminhamentos
teóricos e metodológicos próprios: “O professor comprometido
politicamente com a aprendizagem do aluno da escola pública,
em cada etapa curricular, planeja seu trabalho em função dos
fins pretendidos e da realidade concreta que os determina.

59
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Toda ação deve ser acompanhada de reflexão” (MARINGÁ,


2000, p. 30).
O referido documento evidencia sua fundamentação
baseada na Teoria Histórico-Cultural ao destacar que o
professor precisa ser mediador do processo ensino e
aprendizagem de maneira contextualizada, possibilitando aos
alunos a compreensão crítica da sociedade. Reconhece o
documento (MARINGÁ, 2000, p. 30) que:

[...] o professor, com esta postura, tem papel de extrema


relevância, pois é ele que vai mediar o processo de
ensino/aprendizagem e organizá-lo de forma que a
prática não se torne descontextualizada. Cabe a ele
auxiliar o aluno na compreensão da realidade social
contraditória que se apresenta. Por isso, precisa ter
maior experiência, informação, domínio dos conteúdos a
serem ministrados, das técnicas e metodologias
pertinentes, do sujeito social que se pretende e a
incumbência, entre outras funções, de tornar acessível
ao aluno o patrimônio cultural produzido pela
humanidade, promovendo a interação entre os alunos e
destes com o conhecimento e a realidade.

Conforme documentos oficiais, as Classes Especiais e


Salas de Recursos das escolas municipais de Maringá são
formadas por alunos com dificuldades de aprendizagem, após
passarem por um processo de Avaliação Psicoeducacional, por
pedagogo e psicólogo.
O encaminhamento para a Avaliação se efetiva após
investigação e exaustivo investimento pedagógico na classe
regular, discussões e análise do caso pela equipe diretiva da
escola e membros da Secretaria.
Essas Classes Especiais são formadas de, no máximo,
quinze alunos, com idade de doze anos em média. As Salas de
Recursos formadas com cinco alunos, em atendimento
especializado, no horário contrário à sala comum. Após dois
anos no atendimento especializado, os alunos podem passar

60
CAPÍTULO 2

por um processo de Classificação e retornarem para a classe


regular (MARINGÁ, 2004a).
Reconhecendo o princípio de que todos os alunos, sempre
que possível, devam aprender juntos, mesmo que exijam apoio
adicional, adaptações, ou equipamentos específicos, a
Secretaria passou a desenvolver, em 1997, o Projeto
Integração dos Alunos de Classe Especial e as Salas de
Recursos, em quatro escolas com classes especiais. Como
avaliação do Projeto, recorremos a Miranda (2001, p. 265) uma
das coordenadoras e pesquisadora do projeto, que considera
que a

[...] experiência de implantação dos projetos de inclusão,


na rede municipal, representa ganho de recursos
pedagógicos e melhoria no atendimento, para as escolas
envolvidas. Visto que, com o Projeto de Integração das
Crianças de Classes Especiais, as escolas têm
conseguido oportunizar atendimento diferenciado e
especializado ao grupo de alunos que apresenta
dificuldade de aprendizagem no ensino regular,
beneficiando outras crianças que não tem deficiência.

Complementa a autora, em relação ao número de alunos


atendidos no Projeto de Integração,

Os dados obtidos mostram que, no momento da


pesquisa, estavam matriculados nos 17 programas da
educação especial em torno de 127 alunos na área da
deficiência mental. Desse total, participam do Projeto de
Integração no ensino regular apenas 09 alunos
considerados deficientes metais leves e 45 alunos do
ensino regular que apresentam dificuldade na sala de
aula comum (MIRANDA, 2001, p. 268).

No período de 2001 a 2004, encontramos registros de que


o Projeto de Integração retomado, alterado e ampliado com
abrangência em todas as escolas com classes especiais (14) e

61
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

salas de recursos (02), com o objetivo de oportunizar a


gradativa educação integrada no ensino regular a estes alunos
da rede municipal de ensino de Maringá (MARINGÁ, 2004b).
Com esse atendimento pretende-se garantir atendimento
pedagógico aos que apresentam dificuldades de aprendizagem
e contribuir para repensar o funcionamento das classes
especiais. Do projeto participam os alunos das classes
especiais, e alunos com dificuldades de aprendizagem da rede
municipal de ensino, após discussão e análise psicopedagógica
(CAMARGO-SILVA, 2003).
Quanto à organização do atendimento, para os alunos da
zona rural, ocorrem no mesmo horário em que freqüentam o
ensino regular, e aos alunos da zona urbana, em período
contrário ao ensino regular, como nas Salas de Recursos.
No período investigado, os alunos da classe especial,
frequentam o ensino regular e continuam em atendimento
especializado nas áreas de menor domínio, podendo ocorrer da
mesma forma com o aluno do regular. O tempo de permanência
vai depender das necessidades do aluno e da organização da
escola, considerando as condições do professor e a
aprendizagem do aluno (MARINGÁ, 2004b).
A professora da Classe Especial atende a pequenos grupos
compostos por alunos do regular e da classe especial,
favorecendo assim a interação e a aprendizagem. A avaliação
do Projeto é realizada no cotidiano das atividades, pela equipe
escolar com a participação conjunta dos professores do ensino
especial e do ensino regular, nos Conselhos de Classe
(CAMARGO-SILVA, 2003).
Os alunos das classes especiais encontram-se também
integrados nas aulas de Educação Física e nos ambientes
informatizados. Conforme documentos oficiais (MARINGÁ,
2004a):

A partir de 2002, o Projeto de Integração foi ampliado à


todas as escolas com classes especiais, com o objetivo
de oportunizar educação integrada no ensino regular a

62
CAPÍTULO 2

estes alunos da rede municipal de ensino de Maringá,


garantindo atendimento pedagógico aos que apresentam
dificuldades de aprendizagem e contribuindo para o
repensar do funcionamento das classes especiais.

No ano de 2004, o documento apresenta avaliação no


sentido de:

Incluir os alunos com deficiência no cotidiano das


classes regulares não é tarefa das mais difíceis, mas
garantir sua integração no processo
ensino/aprendizagem com estrutura teórica, física,
humana e financeira é uma meta e um desafio.
Contamos hoje com 138 alunos em classe especial, 05
alunos freqüentando salas de recursos em período
contrário e 60 alunos em projeto de integração
(MARINGÁ, 2004a).

Nos documentos pesquisados a rede municipal apresenta


demanda, de 73 alunos com possibilidade de encaminhamento
para o Projeto de Integração. E a possibilidade de solicitar,
junto ao Núcleo Regional de Educação, a abertura ou
transformação das salas especiais em salas de recursos
(MARINGÁ, 2004b).

A guisa de considerações finais: Atendimento Especializado um


dos desafios da Educação Inclusiva

A política de Educação Especial está direcionada ao


respeito às diferenças individuais dos alunos com
necessidades educacionais especiais e prevê a oferta de
atendimento especializado, em contexto inclusivo, tanto em
escolas regulares quanto em escolas especiais para aquela
parcela de alunos que, em função de seus graves
comprometimentos ou necessidade de comunicação
diferenciada, requerem atenção individualizada e/ou
adaptações curriculares significativas.

63
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Os serviços de apoio especializados, como a Sala de


Recursos, durante o período investigado, atendem alunos no
período contrário daquele em que o aluno freqüenta na Classe
Comum, com professor especializado, em espaço físico
adequado, nas modalidades deficiência mental, condutas
típicas e superdotação e altas habilidades, de 1ª a 8ª séries
ofertado.
Para alcançar êxito no processo ensino e aprendizagem o
atendimento pedagógico específico se dá individualmente ou
em pequenos grupos, com cronograma de atendimento, com
vistas ao progresso global dos alunos que apresentam
dificuldade no processo de aprendizagem, com utilização de
programações específicas, métodos, estratégias, atividades
diversificadas e extracurriculares.
Para proporcionar tais mudanças, a formação dos
profissionais da educação, necessita de aporte fundamentado
em um referencial teórico metodológico direcionado à uma
proposta inclusiva.
Em se tratando do atendimento a crianças com
necessidades educacionais especiais e da importância da
aprendizagem para o desenvolvimento dessas crianças faz-se
necessário, uma prática docente, que evidencie a importância
da educação da criança com deficiência, junto às demais
crianças, destacando a relevância da ação educativa e
interação social para seu desenvolvimento (VYGOTSKY, 1989).
Em relação à educação de crianças com necessidades
educacionais especiais, a formação em serviço do professor
permite compreendê-la sob a perspectiva de uma educação
social, que, pela mediação docente, com conhecimento e meios
adequados ao processo de aprendizagem, pode contribuir para
alterar o curso do desenvolvimento dos efeitos biológicos dessa
necessidade.
Semeghini (1998, p. 21) ressalta que

[...] a importância atribuída às interações sociais é um


dos fundamentos básicos da escola inclusiva. A

64
CAPÍTULO 2

perspectiva histórico-cultural dá ênfase à intervenção do


professor, pois se admite que o aprendizado
adequadamente organizado resulta em desenvolvimento
dos processo cognitivos.

O atendimento especializado, na perspectiva das Salas de


Recursos proporciona apoio e complemento educacional ao
aluno que freqüenta em horário contrário o ensino regular.
Possibilitando assim, condições necessárias para acompanhar,
com êxito, o processo ensino e aprendizagem.
Destacamos ainda, a relevância de uma proposta
pedagógica que reconheça a necessária intervenção
pedagógica e a interação social, na organização da
aprendizagem para o desenvolvimento das crianças com
necessidades educacionais especiais, junto às demais
crianças.
Nesse sentido, uma educação inclusiva consiste num
instrumento de luta por garantia de direitos, um espaço
democrático, de qualidade social, com alternativas para uma
aprendizagem competente, no atendimento às necessidades
de todas as crianças.

Referências

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8.069, de 13 de julho de 1990.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, LDB 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
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Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília:
MEC/SEESP, 1994.
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Especial. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na

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EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Educação Básica. Secretaria de Educação Especial -


MEC/SEESP, 2001.
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Especial. Direito à educação: subsídios para a gestão dos
sistemas educacionais – orientações gerais e marcos legais.
Brasília: MEC/SEESP, 2006.
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Especial. Política nacional de educação especial na perspectiva
da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008b.
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Federativa do Brasil de 1988, Brasília: Senado Federal, 2008a.
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integração segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC,
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CAMARGO-SILVA, Sandra Salete de. Educação Infantil Inclusiva:
das política públicas à formação docente na rede municipal de
Maringá. Dissertação [mestrado] – Universidade Estadual de
Maringá. Programa de Pós-Graduação em Educação, 2006.
CAMARGO-SILVA, Sandra Salete de. Integração dos alunos de
classe especial na rede municipal de ensino de Maringá. I
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CURY, C. R. J. A. Educação e contradição. São Paulo: Cortez:
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FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real.
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MARINGÁ. Secretaria de Educação e Cultura. Avaliação Anual
da Coordenadoria de Apoio aos Serviços Especializados –
Educação Especial. Gerência de Apoio à Ação Educativa.
Maringá: Prefeitura do Município de Maringá; Secretaria da
Educação, mimeo. 2004b.

66
CAPÍTULO 2

MARINGÁ. Secretaria de Educação e Cultura. Pressupostos e


princípios que norteiam as propostas pedagógicas das escola
municipais. Maringá: SEDUC, 2000.
MARINGÁ. Secretaria de Educação e Cultura. Projeto de
Integração das Crianças de Classe Especiais - Gerência de
Apoio à Ação Educativa. Maringá: Prefeitura do Município de
Maringá; Secretaria da Educação, 2004a, mimeo.
MAZZOTTA, Marcos José Silveira. Educação especial no Brasil:
história e políticas públicas. São Paulo: Cortez,v. 23, 1996.
MIRANDA, Maria de Jesus Cano. Educação, deficiência e
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PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Autorização para
funcionamento de modalidade de atendimento – CE Classe
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PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Subsídios para a
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na Educação Básica. Curitiba, mineo. s/d1.
PESSOTTI, Isaias. Deficiência mental: da superação à ciência.
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SEMEGHINI, I. A escola inclusiva investe nas potencialidades do
aluno: tópicos para a reflexão com a comunidade. In ROCHA, R.,

67
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

BAUMEL, C.; SEMEGHINI (Org.). Integrar/Incluir: desafio para a


escola atual. São Paulo:FEUSP, 1998. p.13-32.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Fundamentos de defectologia.
Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1989.

68
CAPÍTULO 3

ELABORAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS E SERVIÇOS DE


APOIO A APRENDIZAGEM

Cristina Cerezuela Jacobsen


Nerli Nonato Ribeiro Mori

Introdução

Em seus estudos acerca da psicologia e da pedagogia das


deficiências, Vygotski (1983) defende que todas as crianças
apresentam possibilidades de desenvolvimento, desde que
recebam mediações adequadas, por meio das quais podem
compensar socialmente a deficiência e se desenvolver, e, por
conseguinte, se apropriarem dos conhecimentos
historicamente elaborados.
Para o efetivo processo de apropriação dos conhecimentos,
a generalização e abstração são operações fundamentais.
Conforme Menchinskaia, Shemiakin e Smirnov (1969), são elas
que determinam a formação de conceitos. Diante destes
pressupostos parece-nos importante responder a seguinte
problemática: de que modo se apresenta o processo de
formação de conceitos em alunos com deficiência mental ou
dificuldades funcionais e como uma intervenção pedagógica
intencionalmente organizada com vistas a avançar em direção
ao conceito científico poderia influenciar nesse processo?
Para responder a esta questão, realizamos uma pesquisa
com alunos que frequentam serviços de apoio à aprendizagem
em uma escola da rede estadual da região noroeste do Paraná.
Apresentamos na sequência uma síntese dos estudos
teóricos realizados.
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Os conceitos espontâneos e científicos e as operações


racionais de generalização e abstração

Os conceitos estão relacionados ao sistema de relações


objetivas formadas no processo de desenvolvimento social e
coletivo da palavra. Eles podem ser classificados como
espontâneos ou científicos.
Os conceitos espontâneos – também conhecidos como
cotidianos – são formas rudimentares de elaboração de
significados assimilados na vida cotidiana do indivíduo.
Caracterizam-se pela ausência de uma percepção consciente
de suas relações e são orientados pelas semelhanças
concretas e por generalizações isoladas.
Os conceitos científicos, por sua vez, se constituem em
formas de categorização e generalização avançadas. São
formados por meio da colaboração sistemática, organizada
entre os indivíduos; em essência, entre o professor e o aluno,
no contexto escolar. E, apesar de tomarem como base
conceitos espontâneos ou cotidianos, a formação de conceitos
científicos requer: atenção arbitrária, memória lógica,
generalização e abstração, comparação e discriminação.
Nesta pesquisa destacamos a generalização e a abstração.
A generalização é apontada por Luria (1994) como a principal
função da linguagem, sem a qual seria impossível adquirir
experiência das gerações anteriores. Toda palavra tem um
significado complexo que é formado por componentes figurado-
diretos e por componentes abstratos e generalizados. Isto nos
permite usar a palavra em qualquer um dos significados
citados: concreto, figurado, abstrato ou generalizado. Ao
generalizarmos uma palavra tomamos o seu conceito particular
e atribuímos ao geral.
O significado da palavra está relacionado à abstração e
generalização, porque é por meio da separação mental dos
traços essenciais (abstração) que podemos atribuí-lo a um
grupo com certa categoria idêntica (generalização). Para

70
CAPÍTULO 3

Menchinskaia; Shemiakin; Smirnov (1969) a generalização se


sustenta em diferentes aspectos ou qualidades de objetos, ou
ainda, fenômenos semelhantes. Entretanto, sua propriedade
mais importante é estabelecida na separação dos aspectos
que, apesar de comuns entre determinados objetos ou
fenômenos, são essenciais para sua categorização. Esta
operação racional determina a formação de conceitos.
A classificação de um objeto ou um fenômeno implica um
pensamento verbal-lógico que abrange muitos elementos e
percorre toda a possibilidade da linguagem em formular
abstrações e generalizações. Em síntese, ao separarmos
mentalmente um ou mais elementos de um objeto ou
fenômeno, os quais só mentalmente podem manter-se fora
dessa totalidade, estamos abstraindo. E generalizamos ao
reconhecermos caracteres comuns a vários objetos singulares.
Assim, formamos um novo conceito ou ideia.

Procedimentos metodológicos

De acordo com Severino (2007), trata-se de uma pesquisa


de campo do tipo exploratória. Em relação à técnica de
investigação, colhemos as informações por meio de entrevistas,
gravadas e transcritas em notas de campo. Participaram deste
estudo 35 alunos com idade entre 8 e 17 anos e que
frequentam Salas de Recursos de 5ª a 8ª séries e Serviço de
Apoio à Aprendizagem de uma escola da rede pública de uma
cidade do norte paranaense. A caracterização do grupo de
pesquisa pode ser visualizada no quadro a seguir:
Foram realizados testes com os alunos, conforme protocolo
estabelecido em Luria (1990). Os testes – Agrupamentos e
Classificação e sua variação e Detecção de Semelhança –
foram aplicados individualmente no contexto escolar, em
período contrário da matrícula, em uma sala reservada de
modo a oferecer condições de concentração e foco na
atividade.

71
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Quadro 1 – Caracterização dos participantes do estudo (N=35).

Diagnóstico Reprovação
Programa de Nº Egresso de Distúrbio Dificuldades de
atendimento alunos D. I. Classe TDAH aprendizagem Sim
de Leitura Não
Especial ou Escrita
Classe
6 6 0 0 0 0 6 0
Especial
Sala de Apoio
5 0 0 0 0 5 3 2
1ª a 4ª séries
Sala de Apoio
9 0 0 0 0 9 4 5
5ª série
Sala de
Recursos de 15 4 6 3 2 0 15 0
5ª a 8ª s.

Legenda: D. I.: Desenvolvimento intelectual abaixo da média; TDHA: Transtorno de


Déficit de Atenção por Hiperatividade.

Foram confeccionados pelos pesquisadores dois grupos de


quatro figuras e um grupo de duas figuras. As figuras,
confeccionadas em cartolina, eram coloridas e tinham as
mesmas dimensões. A execução da atividade se deu pela
apresentação das figuras e por questionamentos, explicitados
na apresentação e discussão dos dados. O Quadro 2 apresenta
a categoria taxonômica e situacional das figuras apresentadas.

Quadro 2 – Classificação Taxonômica e Classificação Situacional das Figuras


apresentadas

Teste de Agrupamentos e Classificação


Classificação
Classificação Situacional
Grupo Figuras Taxonômica
(situação prática)
(critério abstrato)
Gato. Cachorro. Animais Relaciona o aquário à moradia do
1
Peixe. Aquário peixe
Lápis. Livro Didático. Materiais Escolares Relaciona a professora à
2 Professora. Caderno. mediação no uso dos materiais
escolares.
Teste de Detecção de Semelhança
Cachorro. Peixe Animais Difícil de estabelecer uma
1
situação prática

72
CAPÍTULO 3

O pensamento dos alunos

Os resultados indicam que, dos trinta e cinco sujeitos de


pesquisa, apenas cinco alunos empregaram o pensamento
abstrato para selecionar o grupo, no momento do primeiro
teste. Desses, três são alunos que apresentam dificuldades de
aprendizagem. Nunca reprovaram uma série e recebem o
atendimento no Apoio à Aprendizagem. Os outros dois que
perceberam corretamente a classificação recebem
atendimento na Sala de Recursos, por dois anos letivos
consecutivos, ambos apresentam 15 anos e frequentam 7ª e 8ª
séries.
Tabela 1: Agrupamentos e Classificação

Categorização
Números
Classificação Classificação após a
Grupos de Estudantes de
categorial situacional intervenção do
sujeitos
pesquisador
Classe Especial 06 00 06 06
Sala de Apoio 1ª a 4ª
05 00 05 05
séries
Sala de Apoio 5ª série 09 03 06 06
Sala de Recursos 5ª a
15 02 13 13
8ª s.
Total 35 05 30 30

Uma das características dos conceitos espontâneos é a


ausência da percepção consciente de suas relações. A pessoa
se orienta pelas semelhanças concretas e por generalizações
isoladas. Os trinta sujeitos que indicaram a situação prática
como a forma adequada de classificar as figuras não
demonstraram clareza, em primeiro momento, de que o
agrupamento estava relacionado ao conceito abstrato que cada
figura representava.
A tendência à classificação de acordo com a funcionalidade
só era interrompida após a intervenção do pesquisador. A ideia
sobre o que a figura representa concretamente era mais
significativa do que a interpretação de uma categoria distinta,

73
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

formada por elementos diferentes, mas, que possuem uma


identidade única. A referência à mesma categoria taxonômica
levou vinte dos trinta e cinco sujeitos a uma análise diferente à
primeira resposta. Com os outros dez alunos, foi necessário
sugerir que um colega já havia respondido de outra maneira, e,
aproximar as figuras da mesma categoria abstrata. Esta
condição visual e declarada do conceito abstrato determinava a
identificação das figuras pertencentes à mesma classe lógica.
Por meio da mediação, os alunos superaram o pensamento
concreto em relação à situação em que as figuras remetiam e
demonstraram pensamento taxonômico conceitual.
Este processo pode ser verificado no exemplo descrito no
Quadro 3:

Quadro 3 – Excertos da transcrição do diálogo do Sujeito R. 13 anos

Sujeito (S): R. 13 anos, cursa a 5ª série do Ensino Fundamental e recebe


atendimento na Sala de Recursos.
Pesquisador (P): Se eu pedisse que você formasse um grupo com apenas três
destas quatro figuras: lápis, caderno, livros didáticos e professora. Como você
organizaria?
S: Eu tiro o livro.
P: Estas três figuras que ficaram formam um grupo com características
semelhantes?
S: Sim.
P: Se você tivesse que determinar este grupo com uma única palavra que definisse
todas as figuras, qual você utilizaria?
S: Eu não sei.
P: O que o lápis tem de semelhante à professora?
S: A professora usa o lápis para escrever.
O aluno emprega o princípio da utilidade para agrupar as figuras em situações
práticas. Ao partir desse raciocínio questionamos os demais objetos apresentados:
P: E o caderno?
S: A professora usa também.
P: E os livros didáticos, você excluiu desta sua formação, eles não são usados pela
professora?
S: São usados também. Posso mudar?
O aluno exclui o caderno. Ao formar o grupo com o lápis, os livros e a professora ele
aplica o mesmo critério anterior das situações extraídas do cotidiano.
P: Agora com estas três figuras que você agrupou é possível com uma única
palavra classificar em uma categoria?
S: Eu não sei como. É preciso a professora para ensinar.
P: Um colega seu formou o seguinte grupo: lápis, caderno e livros didáticos. Que

74
CAPÍTULO 3

grupo você acha que ele formou?


S: Não sei.
P: Tente me explicar o que é um lápis. Qual é a característica principal dele?
S: Material escolar.
Ao mostrar as demais figuras, questionamos da mesma forma e obtivemos em
respostas isoladas que cada um deles era material escolar.
P: Então, o que todos eles são?
S: São materiais escolares?
P: Qual palavra agora você utilizaria para classificar estes três objetos em uma
única categoria?
S: Material escolar.

Menchinskaia; Shemiakin; Smirnov (1969) e Vigotski


(2000) afirmam que o pensamento conceitual é apropriado
pelo ser humano na experiência compartilhada da sociedade
transmitida pelo seu sistema linguístico. A passagem do
conceito espontâneo para o conceito científico está relacionada
com o tipo de atividade em que a criança está envolvida e as
mediações vivenciadas. O pensamento científico se apóia em
conhecimentos espontâneos já apropriados e, para sua
transformação em conceito científico, a mediação é essencial.
Comprovamos isto com a variação do teste. Dos trinta sujeitos
que não apresentaram o conceito científico na primeira
resposta, vinte e seis transpuseram os conhecimentos do
primeiro teste em sua variação. Apenas quatro estudantes
necessitaram de intervenção para que chegassem à resposta
adequada.
A tabela 2 compara os resultados do primeiro teste com
sua variação.
A predominância do pensamento conceitual, que é uma
das características do conhecimento científico, foi uma
consequência da relação mediada e intencional. No teste de
detecção de semelhança, no entanto, o resultado não foi tão
satisfatório. Ao solicitar que identificassem semelhanças entre
o cachorro e o peixe, um número significativo – vinte e seis
sujeitos – retomou o pensamento situacional e descreveu cada
um dos animais, e ao detalhar as características físicas,
estabeleceu alguma conexão situacional entre eles.

75
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Tabela 2 – Comparação entre o Teste de Agrupamentos e Classificação e sua


Variação
Apresentava Após a Na variação
Na variação
Grupos de Números de m intervenção
do teste
do teste
Estudantes sujeitos Classificaçã do com
categorização
o categorial pesquisador mediação
Classe Especial 06 00 06 03 03
Sala de Apoio 1ª a 4ª 05 00 05 04 01
Sala de Apoio 5ª série 09 03 06 08 01
Sala de Recursos 5ª a 8ª 15 02 13 15 00
Total 35 05 30 30 05

Quadro 4 – Excertos da transcrição do diálogo dos sujeitos J. 13 anos e M. 15


anos.

Sujeito J. 13 anos, cursa a 6ª série e há dois anos recebe atendimento na Sala de


Recursos.
P: O que o cachorro e o peixe têm em comum?
S: O peixe gosta de água e o cachorro não gosta muito.
P: Mas, esta é uma diferença entre eles.
S: O cachorro cuida do gato para ele não comer o peixe.
P: Esta é uma condição prática. Eu quero que você identifique uma característica
que é igual tanto para o peixe quanto para o cachorro.
S: Os olhos.
P: Pense bem.
S: Os olhos e a boca.
Predominam as características físicas dos animais.
P: Tente me explicar o que é o peixe?
S: O peixe é um animal.
P: E o que é o cachorro?
S: O cachorro é um mamífero porque ele mama na mãe dele.

Outro sujeito de pesquisa, M. 15 anos, que cursa a 5ª série, há 6 meses em


atendimento na Sala de Recursos.
S: O peixe é peixe... É um aquático.
P: O que é um cachorro?
S: O cachorro é um canino... Um mamífero? ...sei lá! Um animal.

As respostas demonstram que eles generalizam o conceito


de cachorro em sua longitude. Ao analisar a estrutura
semântica de uma palavra, Luria (1994, p. 36), explica:

A palavra que significa o seu conceito implica uma série


de imagens com ela coordenadas bem como várias

76
CAPÍTULO 3

imagens subordinadas, ou seja, cada palavra


generalizada tem segundo expressão de Vigotsky, sua
‘amplitude’ e sua ‘longitude’ (ou profundidade). [...]
Deste modo, ao mencionar determinada palavra, o
homem não apenas reproduz certo conceito direto mas
sucinta praticamente todo um sistema de ligações que
vão muito além dos limites de uma situação
imediatamente perceptível e têm caráter de matriz
complexa de significados, situados num sistema lógico.
É natural que esse sistema de relações semânticas,
implícito na palavra que expressa um conceito, permita
ao pensamento movimentar-se em muitos sentidos, que
são determinados pela ‘amplitude’ e a ‘profundidade’
desse sistema de relações. Por isto a palavra que forma
conceito pode ser considerada, com todo fundamento, o
mais importante mecanismo que serve de base ao
movimento do pensamento (LURIA, 1994, p. 36, grifo do
autor).

Luria (1994) esclarece que nas etapas iniciais do


desenvolvimento predominam as relações direto-figuradas e
nas etapas mais avançadas prevalecem os conceitos por
complexos, pautados em relações lógicas.
A maioria dos alunos iniciou suas respostas afirmando que
os dois animais não tinham nada em comum, que eram muito
diferentes. Após o desenvolvimento de estratégias para instigar
uma nova forma de raciocínio, eles conseguiram estabelecer o
conceito animal para o cachorro e para o peixe, e os definiram
em uma categoria geral.
O Quadro 5 ilustra as possibilidades de movimento do
pensamento de acordo com essa teoria:

77
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Quadro 5 – Movimento do Pensamento

Fonte: Adaptado de Luria (1994).

No Teste de Detecção de Semelhança, os resultados são


muito parecidos.

Tabela 3 – Teste de Detecção de Semelhança

Classificaç
Númer
ão Estabeleceram
os Estabeleceram a
Grupos de categorial a semelhança
de semelhança com
Estudantes no final após a
sujeito autonomia
dos dois mediação
s
testes
Classe Especial 06 06 00 06
Sala de Apoio 1ª
05 05 01 04
a 4ª
Sala de Apoio 5ª
09 09 04 05
série
Sala de Recursos
15 15 04 11
5ª a 8ª
Total 35 35 09 26

O melhor índice de desempenho – quatro do total de nove


sujeitos que estabeleceram a semelhança – ocorreu no grupo
de alunos que apresentam menores dificuldades de
aprendizagem.

78
CAPÍTULO 3

Conforme Luria (1990, p. 108), “é muito mais difícil


estabelecer uma semelhança entre os objetos (particularmente
quando ela não é perceptível a partir das impressões
imediatas). Na medida em que isso implica uma capacidade de
isolar e comparar atributos [...]”.
Os entrevistados se concentraram nas semelhanças
físicas; foram apontados detalhes como os olhos, a boca, nariz
e orelhas. Ao dirigir os sujeitos a se concentrarem nas
semelhanças, alguns retomavam a ênfase nas diferenças. Com
exceção dos nove que indicaram a semelhança, os demais
apresentaram possibilidades que não categorizam o cachorro e
o peixe em uma única situação.
Frente a tais constatações podemos afirmar que para
ocorrer a mediação de forma efetiva, é necessário conhecer e
identificar o nível de desenvolvimento que cada educando se
encontra.
De acordo com Vygotski (1993), são dois os níveis de
desenvolvimento e aprendizagem do ser humano: nível de
desenvolvimento atual e a zona de desenvolvimento próximo. O
primeiro é aquele em que a pessoa consegue realizar a
atividade pretendida com autonomia, ela se apropriou do
conhecimento; o segundo compreende as atividades que o
aluno só realiza com auxílio, isto é, com a colaboração de
outras pessoas, em especial, adultos.

A guisa de conclusão

Esta investigação se baseou nos métodos de estudos


psicológicos dos conceitos realizados por Luria (1994). Os
dados revelados exibem que dos trinta e cinco sujeitos
entrevistados apenas cinco realizaram com autonomia a
classificação categorial na aplicação do primeiro teste; os
demais só a apresentaram após a mediação do pesquisador.
Na variação do teste, o resultado foi o inverso do obtido na
primeira versão: trinta sujeitos realizaram a classificação

79
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

categorial (cinco mantiveram o bom êxito da primeira aplicação


e vinte e cinco transpuseram os conhecimentos apropriados
pela atividade anterior). Apenas cinco sujeitos do total
necessitaram, uma vez mais, de intercessão do pesquisador
para alcançar o resultado desejado.
No teste de detecção de semelhança, vinte e seis sujeitos
retomaram o pensamento situacional e descreveram cada uma
das figuras; eles estabeleciam alguma conexão entre elas ou
detalhavam as características físicas dos elementos. Não
obstante, a intervenção pontuada impulsionou o alcance do
resultado desejado.
Podemos concluir, portanto, que a ação intencional e
organizada do professor promove a formação dos conceitos.
Como já afirmamos , para que a mediação ocorra de forma
efetiva, é necessário conhecermos em que nível de
desenvolvimento cada educando se encontra. Os dados
indicam que a maioria dos participantes da pesquisa pode ser
situada na zona de desenvolvimento próximo em relação
generalização e abstração.
A ausência de conceitos sistematizados evidenciados por
alguns dos entrevistados é um fator que fomenta a discussão
sobre o processo de ensino e aprendizagem da atualidade.
Historicamente percebemos a educação brasileira como um
dos principais instrumentos de manutenção da sociedade
capitalista, ou seja, a escola é estruturalmente fragmentada,
elitista e excludente. Apesar de todo discurso em favor da
educação de qualidade para todos, percebemos que muito
ainda precisa ser feito para que esta prática se consolide.
Ao tomar a temática da inclusão como foco do nosso
estudo, percebemos a necessidade de evidenciar que a escola
de qualidade que se espera para todos, não pode ser a mesma
escola para todos. Incluir um aluno exige os atendimentos
especializados para que o acesso ao currículo se consolide.
Cada educando é único em suas especificidades no apropriar
dos conhecimentos científicos existentes e no modo de se

80
CAPÍTULO 3

desenvolver histórica e socialmente. A acessibilidade de todos


os indivíduos ao currículo educacional seria uma revolução na
realidade social. De acordo com Rossler (2004, p. 81), quem
pode mudar a realidade social são os homens, e para isso, é
preciso querer e saber fazer, “isto é, possuir as condições
objetivas, as ferramentas prático-intelectuais concretas para
realizar essa transformação”.
A inclusão provoca investimentos de diferentes ordens: na
capacitação docente e na adequação da estrutura escolar, ou
seja, na concretização desse objetivo, além da necessária
formação para atuar na perspectiva aqui discutida, a menor
quantidade de alunos em sala de aula, o trabalho pautado na
diversidade e pluralidade, planejado e executado de forma
interdisciplinar, são elementos imprescindíveis ao processo.
É neste contexto que a escola pode dar sua contribuição,
promovendo uma educação voltada para o pensamento
conceitual, que ajude o aluno a estabelecer relações teóricas
entre os objetos, fatos e fenômenos.
Nesse sentido, é necessário que na sala de aula o
professor realize em seu cotidiano, atividades voltadas para o
pensamento conceitual. Nas palavras de Luria (1994, p. 70):

Não há dúvida que a transição do pensamento


situacional para o pensamento taxonômico conceitual
está relacionada a uma mudança básica no tipo de
atividade em que o indivíduo está envolvido. Enquanto a
atividade está enraizada em operações gráficas, práticas,
o pensamento conceitual depende das operações
teóricas que a criança aprende a realizar na escola.

As mediações estabelecidas no contexto escolar


engendram a passagem dos conceitos espontâneos aos
conceitos científicos. A escola é o meio sistematizado e
organizado para a transmissão dos conhecimentos
historicamente elaborados e acumulados pela sociedade.
Dessa forma, é na instituição escolar por meio do ensino

81
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

organizado e direcionado para as especificidades de cada


educando que o mesmo se desenvolve culturalmente. Ao ter
acesso aos saberes elaborados e eruditos, o escolar
revoluciona seu pensamento e sua consciência e tem
condições de se apropriar e participar do mundo a sua volta. A
aprendizagem promove o desenvolvimento dos seres humanos,
mas esse processo dialético não pode ser entendido alijado da
instituição educacional.

Referências

LURIA, A. R. A palavra e o conceito. In: ______. Curso de


psicologia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1994. Vol. IV, p. 17-51.
LURIA, A. R. Generalização e abstração. In: ______.
Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos culturais e
sociais. São Paulo: Ícone, 1990. p. 65-133.
MENCHINSKAIA, A. N.; SHEMIAKIN, F. N; SMIRNOV, A. A. El
pensamiento. In: SMIRNOV, A. A.; LEONTIEV, S. L. R.; TIEPLOV,
B. M. (Org.). Psicologia. México: Grijalbo, 1969, p. 232-275.
ROSSLER, J. H. A Educação como aliada na luta revolucionária
pela superação da sociedade alienada. In: DUARTE, N. (Org.).
Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas, SP: Autores
Associados, 2004, p. 75-98.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev.
e atual. São Paulo: Cortez, 2007.
VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem.
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VYGOTSKI, L. S. Fundamentos de defectología. Madrid: Visor,
1983. (Obras Escogidas. v. 5).
______. Obras escogidas II. Madrid: Visor, 1993. (Obras
Escogidas. v. 2).

82
CAPÍTULO 4

A AÇÃO DOCENTE E O ENSINO DE CONCEITOS


MATEMÁTICOS: ALGUMAS REFLEXÕES NUMA
PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Luciana Figueiredo Lacanallo


Rosana Aparecida Albuquerque
Nerli Nonato Ribeiro Mori

Questões iniciais

Ainda hoje, é frequente entre educadores e educandos


queixas e insatisfações em relação ao ensino da matemática.
“Eu não gosto de matemática”; “É muito difícil”; “Eu não
entendo nada”. Trabalhando com o ensino superior e em
cursos de formação de docentes, vemos que muitas vezes
estes descontentamentos já são evidentes durante o próprio
processo de formação dos professores, seja no momento inicial
ou numa esfera continuada. Estes e tantos outros discursos
são frequentes ainda em salas do Ensino Fundamental, pois
mesmo com possibilidades de dinamizar o ensino, as
reclamações dos alunos sobre as aulas de matemática são
constantes.
Essa realidade colabora com a produção do baixo
desempenho dos alunos, em relação aos conteúdos mínimos
esperados para as séries escolares. Os dados obtidos por meio
de avaliações institucionais nacionais (SAEB, Prova Brasil, INAF)
e internacionais (PISA) são preocupantes e reforçam a urgência
de se repensar e se reformular a educação matemática,
buscando novas estratégias de intervenção com vistas à
melhoria da qualidade do ensino ministrado nas escolas
brasileiras.
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Todavia, as críticas e descontentamentos ao ensino da


matemática não podem ser entendidos de forma isolada. São
resultantes de um processo pedagógico muito maior que traz
em si uma rede de elementos que não podem ser
desconsiderados. Muitas vezes, buscamos elaborar práticas
educacionais desvinculadas da compreensão dos pressupostos
teóricos que deveriam subsidiá-las.
Devemos nos preocupar em discutir a situação do ensino
de matemática aliados a preocupação em entender o processo
de desenvolvimento como um todo. Nos estudos sobre o
processo de desenvolvimento do ser humano, os paradigmas
se sucedem e novas explicações substituem e/ou completam
as anteriores, sempre na busca de uma compreensão que
favoreça não apenas o entendimento sobre o tema, mas
também a intervenção nesse processo. Os teóricos se
apropriam desses paradigmas e tentam desenvolver
estratégias de ação neles fundadas que possibilitem à escola,
instância formal decisiva para o desenvolvimento de crianças e
jovens, intervenções efetivas com a finalidade de assegurar
não só o desenvolvimento como a aprendizagem.
Porém, muitas vezes, tais estratégias não levam para o
professor o fundamento teórico capaz de orientar de fato sua
prática pedagógica, o que faz com que esta prática não seja
resultado de um processo crítico de reflexão e aproximação
entre teoria e prática. Reduzir o fosso existente entre teoria e
prática constituiria em uma visão mais ampla do próprio
processo de desenvolvimento humano e educacional.
Nesse intuito, é essencial analisar os conceitos
fundamentais das teorias, buscando viabilizar a compreensão
do próprio processo ensino-aprendizagem. Isso evitaria que se
discutissem estratégias didáticas e fundamentos teóricos de
forma desconectada e desvinculada entre si. Sabemos da
necessidade de que os professores se motivem a agirem em
suas práticas pedagógicas como pesquisadores, aproximando-

84
CAPÍTULO 4

se dos fundamentos, entendendo o como e o porquê


transformá-los em ação docente.
Diante disso, o objetivo deste trabalho é refletir sobre o
ensino da matemática pensando não de forma isolada. Ainda
que muito venha sendo modificado nas aulas e apesar das
incontáveis inovações pelas quais têm passado o ensino
escolar em nosso país, a prioridade da escola tem sido a de
proporcionar às crianças e jovens que a freqüentam, um
acúmulo de conhecimentos, ou seja, um amontoado de
conteúdos que reproduzidos representam a aprendizagem, ou
poderíamos denominar de pseudoaprendizagem.
Para tanto, inicialmente discutiremos alguns importantes
conceitos a toda e qualquer ação docente independente da
área de conhecimento e posteriormente as relações e
implicações ao ensino da matemática. Dentre as teorias,
basearemos nossa reflexão na perspectiva Histórico-Cultural,
isso porque perante a necessidade de um trabalho baseado
numa pedagogia mais ativa e desafiadora capaz de mobilizar os
conhecimentos dos alunos, esta vem se destacando no meio
acadêmico trazendo contribuições relevantes.
Ao considerar dentre seus princípios que o psiquismo
humano deve ser entendido como um fenômeno histórico-
cultural, que ensino, aprendizagem e desenvolvimento não
podem mais ser compreendidos de modo dicotomizados como
a Escola Tradicional acreditava, a perspectiva Histórico-Cultural
mostra a natureza e a singularidade da relação entre a história
individual e social. De acordo com Vygotsky (1998, p. 102), um
dos maiores representantes desta perspectiva, “existem
relações dinâmicas altamente complexas entre processos de
desenvolvimento e aprendizado, as quais não podem ser
englobadas por uma formulação hipotética imutável”. Deve-se
então estruturar as práticas educativas entendendo que os
conhecimentos se formam em interação entre os fatores
biológicos e sociais, num movimento dialético constante.

85
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Ao compreender o sujeito a partir dessa visão dialética da


interação, concebe a ele não mais um papel passivo, mas um
papel atuante, um papel daquele que interage com o meio e
com os outros, atuando sobre eles, transformando-os e dando
origem a condições únicas, de caráter essencialmente histórico
e cultural.
Assim, nos propomos a refletir sobre a ação docente e o
ensino de conceitos matemáticos a partir da perspectiva
histórico-cultural, objetivando ampliar nosso entendimento
sobre a aprendizagem e o desenvolvimento, a educação e a
sociedade, o aluno e o professor entendendo-os como
elementos que se completam e interpenetram em toda prática
escolar.

Aprendizagem, desenvolvimento e escolarização

O aprendizado e o desenvolvimento estão intimamente


inter-relacionados desde a mais tenra idade; com isso, torna-se
evidente que o aprendizado deve ser combinado, de alguma
forma com o desenvolvimento da criança.
Vygotsky (1998) pontua três diferentes vertentes teóricas
que concebem a aprendizagem e o desenvolvimento de forma
peculiar. A primeira posição teórica entende que o
desenvolvimento independe da aprendizagem, sendo esta um
processo externo que não interfere no desenvolvimento. Piaget
representa este princípio teórico ao compreender que toda
criança precisa se desenvolver para em seguida ter
possibilidade de aprender.
A segunda abordagem defende que aprendizagem é
desenvolvimento. O desenvolvimento é compreendido como o
domínio dos reflexos condicionados, atividades como ler,
escrever e contar fazem parte de determinada fase de
desenvolvimento, isto porque os processos de desenvolvimento
e de aprendizagem estão completos, são inseparáveis e se

86
CAPÍTULO 4

coincidem. Esta abordagem reduz a aprendizagem à formação


de hábitos.
A terceira posição tem como premissa a superação das
teorias anteriores quanto à relação entre aprendizagem e
desenvolvimento, combinando-as. Koffka desenvolveu uma
teoria de desenvolvimento pautada em dois processos opostos,
no primeiro, o desenvolvimento depende da maturação do
sistema nervoso e, no segundo, a aprendizagem é considerada,
também, como processo de desenvolvimento. Diferente da
categoria anterior, aprendizagem e desenvolvimento não
coincidem, o desenvolvimento se encontra um pouco à frente
da aprendizagem.
Vygotsky (1998) rejeita tais concepções teóricas e, a partir
da análise das mesmas, estabelece uma nova compreensão da
relação entre aprendizagem e desenvolvimento e dos aspectos
peculiares desta relação em idade escolar. A fim de explicar a
grandeza da aprendizagem escolar para o desenvolvimento
mental da criança, o autor introduz o conceito de zona de
desenvolvimento proximal. Desta forma, busca compreender as
relações entre processo de desenvolvimento e a capacidade de
aprendizagem da criança. Este desenvolvimento se apresenta
em dois níveis, o nível de desenvolvimento real e o de
desenvolvimento potencial, ou proximal, o primeiro é o
resultado do desenvolvimento das funções mentais em
determinados ciclos de desenvolvimento já concluídos.
De acordo com Vygotsky (1998), as soluções de problemas
pelas crianças com ajuda de adultos ou de crianças mais
experientes não eram consideradas indicativos de
desenvolvimento mental. Esta concepção permaneceu por
décadas não sendo questionadas, nem mesmo pelos
pensadores mais audaciosos. Para o autor, tais soluções são
indicativas de desenvolvimento mental, mais do que as
atividades realizadas sozinhas. Partindo deste pressuposto
estabeleceu o conceito de zona de desenvolvimento proximal,
caracterizada pela distância entre o nível de desenvolvimento

87
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

real, que é a resolução independente de problemas, e o nível


de desenvolvimento potencial, em que a criança, ao ser
orientada por adultos ou pela cooperação de pares mais
experientes, realiza e propõem soluções às atividades.
Enquanto o nível de desenvolvimento real se constitui por
funções já “amadurecidas”, produtos finais de
desenvolvimento, a zona de desenvolvimento proximal se
define pelas funções que estão por “amadurecer”.

Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou


“flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do
desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real
caracteriza o desenvolvimento mental
retrospectivamente, enquanto a zona de
desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento
mental prospectivamente (VYGOTSKY, 1998, p. 113).

O conceito de zona de desenvolvimento proximal, quando


compreendido pelo professor, contribui para o desenvolvimento
de atividades que ultrapassem o desenvolvimento real do
aluno, voltando à prática pedagógica para o desenvolvimento
prospectivo da criança. Pode, ainda, ser utilizada como forma
de entender o curso interno do desenvolvimento, de explorar as
funções ainda não amadurecidas, oferecendo não apenas o
que já foi atingido pelo desenvolvimento mental dos alunos,
mas propiciando situações ricas que contribuam para seu
processo de maturação.
Ao insistir em atividades e conteúdos já dominados pelas
crianças, o professor não contribui para enriquecer o
desenvolvimento mental, ao contrário, poderá estacionar o
desenvolvimento global destas. Com base nessa premissa
Vygotsky (1998, p.17) deixa claro “[...] que o ‘bom aprendizado’
é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.
Um aspecto especial do aprendizado é que ele cria a zona
de desenvolvimento proximal, ou seja, o aprendizado propicia o
desenvolvimento de vários processos internos, que são

88
CAPÍTULO 4

colocados em prática com a interação entre as pessoas ou em


cooperação com seus companheiros.
Desta forma, Vygotsky (1998) entende que o aprendizado
não é desenvolvimento, mas, quando o professor oferece
situações de aprendizagens desafiadoras e o aluno as vence,
pouco a pouco, provoca o desenvolvimento mental,
movimentando os processos de desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. Conclui que o aprendizado é
indispensável para o desenvolvimento de tais funções,
culturalmente organizadas e tipicamente humanas. E que “[...]
o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e
atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação
resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal”
(VYGOTSKY, 1998, p. 118).
O autor considera a importância do aparato biológico,
porém não reduz a ele a possibilidade desenvolvimento mental
do homem, enfatiza e torna centro de suas discussões o papel
da aprendizagem e as mudanças que provoca no processo de
desenvolvimento. As práticas estabelecidas historicamente e as
relações sociais são indispensáveis ao homem, sendo estas o
ponto de partida para a especificidade humana.

A trajetória do desenvolvimento humano se dá, portanto,


“de fora para dentro”, por meio da internalização de
processo interpsicológicos. As metas e os processos de
desenvolvimento do indivíduo humano, o qual jamais
existe enquanto tal fora de um grupo cultural específico,
são sempre definidas culturalmente (OLIVEIRA, 1995, p.
11).

O conteúdo da leitura, da escrita e da matemática, por


exemplo, é definido e apropriado com base nas relações sociais
estabelecidas entre os homens, as quais possibilitam a
aprendizagem do que é considerado tipicamente humano.
Neste sentido, o homem apresenta todo aparato biológico
necessário para falar, escrever, contar, no entanto, o processo

89
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

de desenvolvimento só ocorre mediante a aprendizagem e não


espontaneamente.
A criança, inicialmente, utiliza-se dos signos externos e, ao
longo de seu desenvolvimento, com o auxílio de atividades
mediadas, como, por exemplo, a memória, torna internas as
operações anteriormente externas, no intuito de reconstruí-las,
desse modo, o processo interpessoal (nível social) é
transformado em intrapessoal (nível individual). Esta
transformação se dá mediante inúmeros acontecimentos no
decorrer do desenvolvimento humano. Isto indica, segundo
Vygotsky (1998), a complexidade do processo de internalização
dos signos externos em internos e as transformações ocorridas
no desenvolvimento psicológico humano. As funções
psicológicas não são apriorísticas, elas têm origem sócio-
histórica, desenvolvendo-se a partir da relação entre os
homens. Estas relações, ao serem mediadas pelo uso de signos
ou pelo professor, promovem mudanças significativas no
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Compreender e analisar o processo educacional com base
neste pressuposto revela ao professor como os processos de
desenvolvimento são possibilitados pelo aprendizado escolar.
Existe uma relação dinâmica entre aprendizado e
desenvolvimento, o que nos leva a pensar acerca dos
conteúdos ensinados na escola. Nas discussões é necessário
estabelecer relações específicas com o conceito e saberes que
a criança possui para que se proporcione o desenvolvimento
global. Para tanto, são necessárias atividades que privilegiem a
zona de desenvolvimento proximal.
Saviani (2003) reforça o papel da escola como espaço para
a aquisição de instrumentos que conduzam ao acesso e à
apropriação do saber elaborado. Neste sentido, a escola básica
deve se organizar para atender a estes aspectos, o currículo
deve ser elaborado com base no saber sistematizado, o que
inclui o acesso à cultura erudita e ao mundo letrado.

90
CAPÍTULO 4

Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de


saber seja aprender a ler e escrever. Além disso, é
preciso conhecer a linguagem dos números, a linguagem
da natureza e a linguagem da sociedade. E esta aí o
conteúdo fundamental da escola elementar: ler,
escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e
das ciências sociais (história e geografia humanas)
(SAVIANI, 2003, p. 15).

Em relação aos métodos pedagógicos, Saviani (2000)


enfatiza que os mesmos deverão estimular a criatividade e
iniciativa dos alunos valorizando a iniciativa do professor. Neste
sentido, entendemos como indispensável a valorização do
diálogo entre professor e aluno, destacando a necessidade do
domínio dos conteúdos científicos, a sistematização e
ordenação dos mesmos por parte do professor, apresentando-
se como mediador entre o conhecimento e o aluno no processo
de ensino-aprendizagem.

Implicações do ensino na formação de conceitos matemáticos

No ensino da matemática, a elaboração de atividades


direcionadas, intencionais, que possibilitem ao aluno o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como
memória, abstração, são indispensáveis à formação de
conceitos.
A utilização de métodos pedagógicos pelo professor,
direcionados à criatividade, autonomia e à iniciativa dos alunos
com ou sem deficiência, indica o desenvolvimento de
atividades direcionadas e intencionais. Essas atividades, unidas
a mediações significativas, promovem o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores, contribuindo para a
generalização, reflexão, abstração e assimilação dos conceitos
científicos, aspectos fundamentais quando se prioriza a
aprendizagem com vista ao desenvolvimento humano.

91
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Frente a esta realidade tanto do ponto de vista prático


quanto teórico, esta educação precisa estar organizada a fim
de conduzir e direcionar o processo de desenvolvimento,
promovendo a reflexão e a criticidade diante os conceitos
matemáticos. Para Davídov (1988, p.3), os professores
precisam compreender que a escola contemporânea não deve
se preocupar “em dar as crianças uma ou outra soma de feitos
conhecidos (...) deve ensinar os alunos a pensar, ou seja,
desenvolver ativamente neles o pensamento contemporâneo,
para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o
desenvolvimento”.
Parece que a escola quer fazer com que os alunos pensem
matemática sempre de maneira correta, exata ainda que sendo
em certas situações destituído de sentidos e significado. Ensino
abstrato demais, regras e procedimentos desconexos,
memorização, falta ou mal uso de recursos, professores
despreparados e alunos desinteressados, são alguns dos
problemas apontados e debatidos junto aos educadores ao se
considerar a realidade do ensino da matemática. Pensando nas
razões que conduzem a escola atual e com os índices
apresentados pelo MEC (BRASIL, 2007), temos que lembrar
que o mercado como regulador das relações de produção exige
um exército de consumidores e não homens pensantes, para
tanto, não é necessário o desenvolvimento da consciência
crítica. O que é considerado como o básico nas séries iniciais
(ler, escrever e contar) está cada vez mais precário, sendo
necessária a implantação de medidas paliativas no interior na
escola para afirmar o caráter “democrático” da educação.
Segundo Moysés (1997, p.76), a escola precisa voltar sua
a atenção para a questão da contextualização, objetivando
estabelecer relação direta com o contexto seja por meio de
“diagramas, esquemas, descrições verbais mais evocativas,
gestos, simulações (...) favorece à articulação das variáveis em
jogo e contribui para o sucesso do processo de resolução de
problemas matemáticos.” Fórmulas, equações, regras e todo

92
CAPÍTULO 4

tipo de representações trabalhadas de forma contextualizada


evidencia as relações fundamentais, evitando o uso de certos
procedimentos de resolução sem sentido. Direcionar o ensino e
as ações pedagógicas aquilo que é de fato essencial possibilita
que se atribua a educação um caráter mais flexível e
socialmente eficaz, o que consequentemente revaloriza o
indivíduo como um todo enquanto um ser capaz de promover
as transformações (social, cognitiva, emocional, cultural....)
necessárias por meio do acesso ao conhecimento científico e
da estruturação de um ensino qualificado.
De modo geral, pode-se dizer que caso isso não aconteça a
desqualificação do ensino ou a descaracterização da função
clássica da escola de ensinar, torna-se visível, como escreve
Moraes (2001) representando uma época de “recuo da teoria”,
ou a formação de professores sobrantes, como destaca
Kuenzer (1999).
Percebemos o quanto a lógica do mercado direciona as
políticas públicas e educacionais, como evidencia Kuenzer
(1999), não há porque investir em uma formação de qualidade
aos professores, priorizar uma educação científico-tecnológica
e sócio-histórica aos sobrantes. A estes basta uma educação
fundamental, que lhes possibilite alcançar um grau mínimo de
civilidade, para que não sejam violentos, mesmo usando drogas
e comprando armas que favoreçam o narcotráfico, para que
não matem, não abusem de crianças, não abandonem os
idosos à sua própria sorte, que não proliferem doenças infectos
contagiosas, como a AIDS, que não poluam rios, destruam a
natureza, que deixem isso para que o sistema capitalista
institucionalizado o faça, em prol do chamado
“desenvolvimento”.
Diante destas considerações, ao refletirmos sobre a ação
docente e o ensino de conceitos matemáticos a partir de uma
perspectiva histórico-cultural percebemos que as práticas
pedagógicas devem ter subjacente, como destaca Grando e
Marasini (2008) o desafio, a necessidade de busca, de

93
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

interação, a fim de que os processos de ensino e de


aprendizagem formem entre si uma unidade que potencialize o
desenvolvimento e a criação de significados e sentidos nos
conteúdos aprendidos. O bom ensino precisa estar direcionado
às funções psicológicas superiores que ainda estão por se
completar, cabendo ao professor, não se prender ao nível de
maturação da criança, mas sim antecipar-se ao
desenvolvimento.
Conduzir as ações educativas na matemática de forma
intencional e planejada tendo claros os objetivos a serem
alcançados, permite ao professor estabelecer melhor
estratégias e procedimentos capazes de assegurar a
aprendizagem e proporcionar o desenvolvimento do
pensamento. É preciso ampliar as possibilidades de trabalho
com os conceitos matemáticos, buscando a compreensão, o
questionamento, a resolução de problemas e a investigação em
torno dos porquês contribuindo para que o sujeito adquira
novas e diferentes formas de conceber a realidade
reconhecendo as regularidades, as relações e encadeamentos
lógicos de raciocínio que os caracterizam com sentido e
significado.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Disponível em:


http://portal.mec.gov.br/seesp/index.php. Acesso em: 10 nov.
2007, 16:40.
DAVÍDOV, Vasili. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico.
Investigación psicológica teórica y experimental. Editorial
Progresso, Moscu, 1988.
GRANDO, Neiva Ignês e MARASINI, Sandra Maria. A sala de aula
com espaço de pesquisa. Passo Fundo: Editora da Universidade
de Passo Fundo, 2008.

94
CAPÍTULO 4

KUENZER, Acácia Zeneida. As políticas de formação: A


constituição da identidade do professor sobrante. Revista
Educação e Sociedade. Campinas, v. 22, n. 68, p. 163-183,
1999.
MORAES, Maria Célia M. Recuo da teoria: Dilemas nas pesquisa
em educação. Revista Portuguesa de Educação, Portugal, v. 14,
n. 1, p. 7-25, 2001.
MOYSÉS, Lucia. Aplicações de Vygotsky à educação
matemática. Campinas: Papirus, 1997.
OLIVEIRA, Marta, Khol de. O pensamento de Vygotsky como
fonte de reflexão sobre educação. Caderno CEDES, Campinas,
v. 27, n. 35, p. 9-14, 1995.
SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. São Paulo: Autores
Associados, 2000.
SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras
aproximações. 8. ed. Revista ampliada. Campinas: Autores
Associados, 2003.
VYGOTSKY, Lev Semiónovich. Formação social da mente. 6. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.

95
CAPÍTULO 5

O BRINCAR DAS CRIANÇAS COM NECESSIDADES


EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO INTERVALO ESCOLAR1

Lucyanne Cecília Dias Goffi


Nerli Nonato Ribeiro Mori

Introdução

Nesse estudo, com a finalidade de compreender


cientificamente as relações sociais que se estabelecem no
contexto escolar, dos alunos que frequentam Sala de Recursos
do ensino fundamental séries iniciais, na área de deficiência
mental/intelectual e transtornos funcionais específicos,
analisamos, com base em pressupostos da teoria histórico-
cultural, as seguintes questões: “Quais são os jogos,
brinquedos e brincadeiras dos alunos, que freqüentam as salas
de recursos de 1ª a 4ª séries, no intervalo de suas aulas? Como
se estabelecem as interações entre esses sujeitos no decorrer
dos jogos e brincadeiras? Como é a participação dos alunos
nessas atividades?”
Para responder tais questões nos pautamos nos seguintes
objetivos:
 Investigar quais são os jogos, brinquedos e
brincadeiras, no intervalo de aulas, de alunos que freqüentam
as salas de recursos do ensino fundamental séries iniciais de
uma escola pública da região noroeste do estado do Paraná.

1Esse artigo tem como base a dissertação defendida em 2009, intitulada “Jogos,
brinquedos e brincadeiras: um estudo sobre a interação de alunos do ensino regular e
os que frequentam sala de recursos”, no Programa de Pós-Graduação em Educação –
Mestrado da Universidade Estadual de Maringá, que teve como orientadora a Profª.
Drª. Nerli Nonato Ribeiro Mori.
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

 Estudar como são as interações entre os alunos no


decorrer dos jogos, brinquedos e brincadeiras.
 Analisar a participação desses sujeitos nos jogos,
brinquedos e brincadeiras.
A pesquisa foi realizada em uma escola pública da rede
Estadual de Ensino, localizada na região noroeste do estado do
Paraná. Segundo dados obtidos junto à secretaria da escola,
em março de 2008, esse estabelecimento de ensino contava
com 2.681 alunos, que estavam matriculados e divididos em
três turnos de funcionamento: matutino, vespertino e noturno.
Dentre esses alunos, 87 considerados com necessidades
educacionais especiais frequentam turmas do ensino especial.
O atendimento desse alunado estava dividido em cinco
modalidades: Programa de Educação Profissional, que atende
uma turma no período da manhã, com 13 alunos adultos; Sala
de Recursos – Deficiência Mental e Distúrbios de
Aprendizagem, que atende 35 alunos divididos em três turmas,
duas de manhã e uma no período da tarde; Sala de Recursos -
Altas Habilidades/Superdotação, que tem uma turma de
manhã, com 17 alunos; Classe Especial - DM, que atende 17
alunos, divididos em três turmas, uma de manhã e duas à
tarde; Centro de Atendimento Especializado para o Deficiente
Visual, que possui uma turma com 5 alunos e funciona no
período da manhã.
A escola, onde realizamos nossa pesquisa, não conta com
atividades dirigidas aos alunos no horário de recreio. Possui
duas quadras, uma de basquete e uma de voleibol, que ficam
livres no recreio, mas que não são utilizadas pelos alunos de 2ª
a 4ª séries, pois os alunos do ensino fundamental séries finais
e os alunos do ensino médio, as ocupam nesse horário. A
instituição conta, ainda, com: um pátio grande; um local
coberto, que possui 10 mesas de concreto, com tabuleiros fixos
para a utilização de jogos de xadrez e um espaço localizado
próximo às salas de recursos e classe especial, onde
funcionava a educação infantil e que possui uma caixa de

98
CAPÍTULO 5

areia. O ginásio de esportes, que é coberto, se mantém fechado


durante o recreio. O espaço para atividades lúdicas na hora do
recreio é diferenciado entre os turnos da manhã e tarde. De
manhã, existem duas turmas de ensino fundamental séries
iniciais, uma 3ª e uma 4ª séries. Os demais alunos do ensino
regular são os que freqüentam o ensino médio e que,
geralmente, não realizam atividades lúdicas de correr e brincar
pelo pátio na hora do recreio. Esse alunado pratica atividades
esportivas nas quadras disponíveis, participam de grupos de
conversas ou de grupos que ouvem música e tocam violão.
Sendo assim, o espaço para correr e brincar é mais disponível
aos alunos do ensino fundamental séries iniciais. Nesse
período e, também, no período da tarde, funciona o
atendimento à educação especial, como já descrevemos
anteriormente.
À tarde, o espaço para atividades lúdicas é mais restrito,
pois funcionam 9 turmas de 2ª a 4ª séries, 20 turmas de 5ª a
8ª e 3 turmas de atendimento à educação especial. O alunado
da tarde é diferenciado do alunado da manhã, pois no período
vespertino os alunos do ensino fundamental, principalmente os
de 5ª e 6ª séries divertem-se ainda com atividades
semelhantes aos alunos da 1ª a 4ª séries, isto é, gostam de
correr e brincar pelo pátio.
O estudo que realizamos foi teórico e prático. Pautamo-nos
nas investigações teóricas referentes à temática dessa
pesquisa e que se disponibilizam em forma de capítulos na
dissertação defendida em março de 2009 e intitulada: “Jogos,
brinquedos e brincadeiras: um estudo sobre a interação de
alunos do ensino regular e os que frequentam sala de
recursos”, como parte do programa de Pós-Graduação em
Educação – Mestrado, da Universidade Estadual de Maringá. A
parte prática, relatada nesse artigo, envolveu observações em
campo, realizadas por meio de imagens gravadas e,
posteriormente, transcritas; anotações em diários de campo e
análise das fichas de avaliações dos sujeitos da pesquisa.

99
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Para iniciarmos a investigação, solicitamos a autorização


da escola, a qual consentiu nossa pesquisa a partir de fevereiro
de 2008. Após autorização da instituição escolar, a equipe
pedagógica responsável pelo ensino fundamental séries
iniciais, convocou no dia 08/04/2008, às 14:00 horas, uma
reunião com os pais desses alunos, para que a presente
pesquisa pudesse ser apresentada. Compareceram à reunião,
nove pais, a professora coordenadora de 1ª a 4ª séries e a
professora pesquisadora. Durante a reunião foram
apresentados os objetivos da investigação. Apenas um dos pais
presentes não permitiu a participação de seu filho nesse
estudo. Portanto a pesquisa teve início com 8 sujeitos.
Em junho foram iniciadas as observações e filmagens, que
foram interrompidas no mês de julho, em função das férias. Ao
retornar à escola, no mês de agosto para dar seqüência à
pesquisa, uma nova instrução legal, que determina o
funcionamento das salas de recursos, havia sido efetivada pelo
Governo do Paraná, esta instrução, de nº. 015/08 está descrita
no capítulo 3 desse estudo. Devido a esse fato, dos 8 sujeitos
participantes de nossa pesquisa, apenas 3 continuaram a
freqüentar as salas de recursos, por possuírem as
características para esse atendimento, no moldes da nova
instrução. Outros alunos foram matriculados.
Dessa forma, no mês de agosto enviamos 11 termos de
consentimento, livre e esclarecido, aos pais ou responsáveis
dos alunos que ingressaram no segundo semestre deste ano
nas salas de recursos, solicitando permissão para filmagens de
seus filhos. Dos 11 termos enviados, 10 foram devolvidos e
assinados com a autorização dos pais ou responsáveis e um
dos pais não autorizou a participação de seu filho. Portanto,
ficamos com 13 sujeitos em nossa pesquisa.
Iniciamos as filmagens, no final do mês de agosto e
continuamos por dois meses. A freqüência era de três vezes por
semana, sem dias pré-estabelecidos, no horário do recreio, que
tem duração de 15 minutos, em dois turnos: de manhã – das

100
CAPÍTULO 5

10:00 às 10:15 hs e à tarde – das 15:45 às 16:00 hs. Os


sujeitos que seriam filmados em determinados dias, não eram
pré-estipulados. Cada dia de filmagem conta com,
aproximadamente 5 minutos de imagens para cada sujeito.
Além das filmagens, analisamos alguns documentos, referente
às avaliações desse alunado.
Esses documentos relacionados às avaliações
psicopedagógicas, necessárias para a matrícula dos alunos em
sala de recursos e as avaliações das professoras dessas salas,
foram consultados junto à secretaria da escola.
Em seguida, iniciamos as observações das atividades dos
alunos, registradas por meio de filmagens. Para analisarmos as
imagens e as anotações do diário de campo, nos pautamos na
observação dos seguintes aspectos: tipos de atividades
utilizadas no recreio escolar e as interações desses alunos com
os demais colegas e com a própria atividade. A análise foi feita
individualmente. Observamos seis tipos de brincadeiras mais
frequentes e duas atividades diferenciadas.

 Jogo do par-ou-ímpar e joão-quem-por: jogos


caracterizados como de sorte ou azar, utilizados para
sortear o início de algumas brincadeiras e a ordem das
jogadas.
 Jogo de esconde-esconde, brincadeira tradicional de
perseguição, onde o “pegador” era estabelecido por
meio de sorteio prévio (jogo de sorte ou azar), entre os
componentes dessa atividade. O perdedor do sorteio
seria o contador e os demais iriam se esconder.
 Jogo do latão, uma atividade realizada em local com
areia e “inventada” pelos próprios alunos. Vence aquele
que conseguir chegar a um ponto determinado pelos
participantes, andando por cima de um latão redondo,
fazendo-o rolar, por aproximadamente 15 metros de
distância. A ordem de andar no latão era feita
considerando àquele que chegasse primeiro no local

101
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

onde a brincadeira é realizada e assim por diante, até o


último a chegar, conseqüentemente o último na
brincadeira.
 Jogos de “lutas”, uma espécie de atividade, na qual os
jogadores tentam derrubar uns aos outros no chão,
utilizando-se, para isso, de golpes corporais como na
luta livre.
 Outros jogos de perseguição, como pega-pega e barata-
no-ar, jogos conhecidos por exigirem agilidade,
velocidade, orientação espacial e por apresentarem um
pegador (perseguidor) e os corredores (fugitivos).
 Outros jogos como: Verdade e conseqüência, e Uno.
 Conversas informais e passeios pelo pátio.

Para realizar a análise dos dados, fundamentamo-nos nos


autores, Caillois (1994) e Elkonin (1987), que dividiram os
jogos em categorias. Caillois (1994) definiu as seguintes
tipologias de jogos: Agon (jogos de competição), Ilinx (a busca
de vertigem – jogos de aventura); Mimicry (o gosto pela
personalidade alheia – jogos de imitação, dramatização, entre
outros) e Alea (Jogos de sorte ou azar). Para esse autor, os
jogos aparecem sempre permeados pela organização da
sociedade. Nesse sentido, uma analogia dessas formas de
jogos ocorre no sistema social da seguinte forma – Agon
(competência comercial, exames em concursos), Ilinx (as
profissões que exigem domínio da vertigem), Mimicry (os
uniformes, os cerimoniais, os ofícios de representação) e Alea
(a especulação). Segundo Caillois (1994), a deturpação de
agon, alea, mimicry e ilinx, corresponde nessa ordem, à
violência, desejo de poder e astúcia, superstição e astrologia,
ao desdobramento da personalidade e, ao alcoolismo e drogas.
Elkonin (1987, p. 86) fez, também, investigações a respeito
dos jogos dinâmicos praticados nas pré-escolas. Em sua
pesquisa, o autor dividiu esses jogos em quatro grupos. O
primeiro se caracteriza pelos jogos de imitação, em que as

102
CAPÍTULO 5

ações das crianças pequenas limitam-se à simples imitação de


determinadas ações, segundo um modelo preestabelecido; o
segundo grupo é formado pelos jogos de dramatização de
acordo com um tema; o terceiro grupo é o de jogos de regras
simples, também de acordo com um tema; e por último, o
quarto grupo é o dos jogos de regras sem tema e dos jogos
desportivos elementares. Os quatro grupos de jogos foram
analisados em três grupos de crianças, divididos por idade: o
primeiro grupo era formado por crianças de três a quatro anos;
o segundo grupo, por crianças de cinco a seis anos; e o terceiro
grupo, por crianças de sete anos. Após análise da investigação,
o autor conclui que o desenvolvimento do jogo na idade pré-
escolar vai dos jogos processuais imitativos para os jogos de
dramatização com regras implícitas e aos jogos com regras
explícitas sem tema. E ainda destaca:

A análise do desenvolvimento dos jogos de movimento


nos leva a concluir que o principal, por sua significação
na idade pré-escolar, é a relação peculiar que se
estabelece entre a criança e o papel que assume e que
contém as regras vigentes no processo do jogo
(ELKONIN, 1987, p, 87-88, tradução nossa) 2.

Para analisarmos os dados de nossa pesquisa, pautamo-


nos nas categorizações de jogos utilizadas por Caillois (1994) e
Elkonin (1987) e elaboramos nossa própria categoria de
análise, na qual destacamos os seguintes aspectos:

1. Jogos com instrumentos;


2. Jogos sem instrumentos;
3. Jogos individuais;
4. Jogos em grupos;

2El analisis del desarrollo de los juegos de movimiento nos lleva a concluir que lo
central, por su sgnificación en la edad preescolar, es la relación peculiar que se
estabelece entre el niño y el rol que asume y que contiene las reglas vigentes en el
proceso del juego (ELKONIN, p. 87-8).

103
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

5. Jogos competitivos;
6. Jogos não competitivos;
7. Jogos com regras não determinadas (implícitas);
8. Jogos com regras determinadas (explícitas);
9. Jogos de imitação;
10. Jogos que exigem habilidades físicas (equilíbrio,
coordenação motora, velocidade, agilidade,
organização espacial e temporal, força);
11. Jogos de sorte ou azar;
12. Jogos desportivos.

Por meio dessas categorias de jogos, analisamos as


imagens dos alunos que compuseram nossa pesquisa.
Baseados em Shimazaki (2006), com a finalidade de
sintetizar os dados referentes aos participantes dessa
pesquisa, que em sua íntegra se encontram na dissertação
mencionada anteriormente, elaboramos um quadro
demonstrativo - Quadro I.
Com o intuito de facilitar a visualização dos resultados
obtidos por meio das imagens gravadas dos sujeitos, optamos
por elaborar dois quadros demonstrativos – Quadro II e III.

Quadro 1: Sujeitos dados referentes aos sujeitos da pesquisa

Série
Participantes Idade Sexo Avaliação Psicológica
Regular
Sujeito “1” 10 M 2ª Egresso da classe especial DM*
Sujeito “2” 09 M 2ª Distúrbio de aprendizagem
Sujeito “3” 09 M 3ª Distúrbio de aprendizagem
Sujeito “4” 10 M 3ª Egresso da classe especial-DM*
Sujeito “5” 14 M 3ª Egresso da classe especial-DM*
Sujeito “6” 10 M 4ª Possui TDAH**
Sujeito “7” 11 M 4ª Distúrbios de Aprendizagem
Sujeito “8” 11 M 4ª Distúrbios de Aprendizagem

Legenda: * DM - Deficiência Mental; ** TDAH - Transtorno do déficit de Atenção e


Hiperatividade

104
CAPÍTULO 5

Quadro 2 – Análise das características dos jogos ocorridos durante o recreio.

Característica Jogos ocorridos no recreio


s dos jogos
Outros
Par-ou- Outros
Jogos de
ímpar e Escond Jogos Outros Jogos
Jogos Perseguiçã
João- e- do Jogos (verdade e
de o (barata-
quem- Esconde Latão (Uno) conse
Lutas no-ar;
por quência)
pega-pega)
1-Com
X X
instrumento
2-Sem
X X X X X
instrumento
3- Individuais
4- Em grupos X X X X X X X
5- Competitivos X X X X X X
6- Não
X
competitivos
7- C/regras
X X X X X
determinadas
8- S/ regras
X X
determinadas
9- De imitação X
10-Que exigem
habilidades X X X X
físicas
11- De sorte ou
X X X
azar
12- Desportivos

De acordo com o quadro III, observamos que 100% dos


jogos que apareceram durante as filmagens no recreio são
realizados em grupos, 86% foram caracterizados como
competitivos e 14% como não competitivos; 57 % exigiam
habilidades físicas como: agilidade, velocidade, equilíbrio, força,
coordenação motora, entre outras e 43% não necessitavam
dessas habilidades; 72% dos jogos não utilizavam instrumentos
e possuíam regras determinadas; 28% dos jogos não possuíam
regras determinadas e utilizava-se de instrumentos (baralho,
garrafa, latão); 14% foram considerados como jogos de
imitação e 86% não tiveram essa característica; 43% eram

105
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

jogos de sorte ou azar e 57% não pertenciam a essa categoria;


não ocorreram jogos individuais e desportivos.
A análise das imagens dos sujeitos brincando durante o
recreio vai ao encontro do que Elkonin (1969) e Caillois (1994)
afirmam em relação à predominância de jogos competitivos,
coletivos (em grupo) e que exigem força, agilidade, velocidade,
entre outras capacidades físicas na idade escolar primária ou
ensino fundamental séries iniciais.
Quadro 3: Mostra, em cada imagem, os principais jogos ocorridos e a interação dos
sujeitos

Interage
com
TIPOS DE JOGOS E ATIVIDADES Alunos do
Ensino
Regular?
Outros
Jogos de Outra
Outros jogos/ Jogos
Jogo Jogo sorte ou atividade
Sujeitos/ Esconde- Perseguição (Uno;Ver
de do azar (par/ (conversar; Sim Não
Imagens esconde (barata-no-ar; dade-
Luta Latão ímpar; João- andar pelo
pega-pega) Conseqü
quem-por) pátio)
ência)
S1 / I1 X X
S1 / I2 X X
S1 / I3 X X
S2 / I1 X X
S2 / I2 X X
S2 / I3 X X
S3 / I1 X X X
S3 / I2 X X X
S3 / I3 X X X
S4 / I1 X X
S4 / I2 X X
S4 / I3 X X
S5 / I1 X X
S5 / I2 X X
S5 / I3 X X X
S6 / I1 X X
S6 / I2 X X X
S6 / I3 X X X
S7 / I1 X X
S7 / I2 X X
S7 / I3 X X
S8 / I1 X X
S8 / I2 X X
S8 / I3 X X

106
CAPÍTULO 5

Além da identificação das atividades predominantes


durante o recreio dos sujeitos pesquisados, constatamos,
também, os aspectos relacionados à interação desses sujeitos
com os demais colegas do ensino regular e como ocorria sua
participação nessas brincadeiras e jogos. Alguns desses dados
estão sintetizados no quadro a seguir – quadro IV.
Falta o quadroIV?
Pela análise do quadro IV constatamos a freqüência das
atividades para cada sujeito no decorrer de três imagens
gravadas e transcritas. Dessa forma, os “jogos de luta”
ocorreram em 67% das imagens do sujeito “1”, predominaram
em 100% das imagens do sujeito “2” e apareceram em 67%
das imagens do sujeito “4”; o “jogo de esconde-esconde” para
o sujeito “5” teve predominância de 100% e para os sujeitos:
“1” e “3”, de 33%; o “jogo do latão” teve freqüência de 67%
para o sujeito “8” e 33% para os sujeitos: “6” e “7”. Outros
jogos de perseguição (barata-no-ar e pega-pega) ocorreram na
porcentagem de 33% para os sujeitos “3”, “6” e “8”; outros
jogos (Uno; verdade e conseqüência) ocorreram em 33% das
brincadeiras dos sujeitos “3” e “6”; outras atividades como
conversas informais e passeios pelo pátio apareceram em 33%
das imagens do sujeito “4” e do sujeito “7”; os jogos de sorte
ou azar foram utilizados em 100% das brincadeiras do sujeito
“3”, 33% nas brincadeiras do sujeito “5” e em 67% das
brincadeiras do sujeito “6”. Quanto à análise da interação entre
os sujeitos, verificamos que 38% dos sujeitos pesquisados (os
sujeitos 1, 2 e 4) não interagiram, durante as brincadeiras, com
os colegas do ensino regular e 62% interagiram. Todavia,
dentre os 62% que interagiram com os colegas do ensino
regular, observamos que dois sujeitos (24%): o sujeito 3 e o
sujeito 5, em análises de suas imagens, obtidas anteriormente,
não participavam de forma efetiva das brincadeiras, ou seja, os
sujeitos estavam presentes na brincadeira, estavam na
companhia dos colegas, mas não pareciam interagir nem com
um, nem com outro. Quanto aos sujeitos 6, 7 e 8 (38%), esses

107
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

interagiram tanto com os colegas do ensino regular, quanto


com as brincadeiras.
Outros aspectos foram constatados no decorrer da
pesquisa, tais como a falta de local apropriado para os alunos
realizarem as brincadeiras, pois o espaço para essas
atividades, além de restrito, possuía obstáculos que poderiam
causar acidentes: tais como pedras, árvores, terreno
cimentado, terreno com elevações e/ou depressões. Dentre os
materiais utilizados para a realização dos jogos com
instrumentos (jogo de latão, uno e verdade/conseqüência),
apenas o “uno” era trazido de fora da escola pelos alunos, a
garrafa e o latão estavam disponíveis na própria instituição.
Sendo que o latão era uma velha lata de lixo circular,
enferrujada, com as bordas expondo estilhaços de lata
quebrada, que fora deixada na caixa de areia, onde funcionava
o parque da educação infantil. Esse fato nos chamou a
atenção, pela possibilidade desse instrumento provocar
acidentes nos alunos. No entanto, constatamos que nenhum
acidente ocorreu com as crianças, tendo o instrumento do latão
como causa. A garrafa utilizada pelas crianças para brincarem
de “verdade ou conseqüência” era plastificada e, também, fora
encontrada no pátio da escola. A ausência de um ambiente
adequado para a prática de atividades lúdicas pode ser um
fator que dificulte a interação entre os sujeitos.
Pelas análises das avaliações escolares dos sujeitos
pesquisados, identificamos que 100% deles tiveram como
queixa principal, a falta de concentração e de atenção para
realização das atividades acadêmicas propostas pela escola e
em 50% dos alunos, a agressividade era, também, fator
preocupante. Dentre os que foram avaliados como com
atitudes agressivas, 75% dos sujeitos estudam no período da
tarde e 25% no turno da manhã. Como já mencionamos
anteriormente, talvez a restrição do espaço escolar para as
brincadeiras no recreio, no turno vespertino, seja um fator que
corrobore para as atitudes agressivas dos sujeitos, pois o

108
CAPÍTULO 5

aglomerado de alunos que correm pelo pátio e o barulho


excessivo no intervalo de aulas parecem deixá-los inquietos e
ansiosos.
As professoras das salas de recursos colocam em suas
avaliações, em relação às sugestões de trabalho com esses
alunos, a utilização de jogos para auxiliar na contenção dos
aspectos mencionados anteriormente. Porém, durante o recreio
escolar, não observamos nenhuma atividade com jogos e
brincadeiras, dirigidos aos alunos. Vigotski (2003, p.135)
afirma que “A criança desenvolve-se, essencialmente, através
da atividade de brinquedo”. Os autores Jukoviskaia (1978),
Ekonin (1998), Leontiev (2006) e Vigotski (2003) apontam a
importância dos jogos e brincadeiras para o desenvolvimento
de funções psicológicas superiores como memória, atenção,
percepção, pensamento e linguagem. Todavia, para Elkonin
(1998), o brincar livre e espontâneo das crianças, na visão
naturalista de concepções biologizantes sobre o jogo infantil,
como já foi mencionado anteriormente, é criticado. Em suas
pesquisas, esse autor constata que a mediação de outros
sujeitos, pertencentes ao contexto social e cultural no qual a
criança está inserida, é responsável direta pelas ações que ela
realiza. Nesse sentido, deveria haver por parte da escola, uma
maior preocupação com o brincar das crianças, principalmente
com o brincar das crianças que freqüentam as salas de
recursos e que necessitam desenvolver as funções psicológicas
superiores como atenção, percepção e memória, como parece
ser o caso dos sujeitos de nossa pesquisa.
Em relação à interação com os sujeitos do ensino regular,
por meio dos resultados obtidos constatamos que 38% dos
sujeitos interagem com colegas do ensino regular, 38% não
interagem com os colegas da classe comum e 24% interagem
com os colegas de maneira não efetiva. Por meio da análise da
participação dos sujeitos na atividade, verificamos que 76% dos
sujeitos brincam de maneira efetiva e 24% dos sujeitos não
interagem na brincadeira.

109
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Podemos afirmar que apesar de estarem incluídos no


ensino regular, 62% dos sujeitos pesquisados, não parecem
vivenciar efetivamente a inclusão durante as atividades no
recreio escolar, ou seja, alguns sujeitos formam grupos isolados
para brincarem (38%) e outros sujeitos (24%) não interagem
efetivamente nem com os colegas e nem com as atividades.

Considerações Finais

Com o objetivo de investigar os jogos e as brincadeiras, que


ocorrem durante o recreio escolar de alunos que freqüentam
sala de recursos do ensino fundamental séries iniciais na área
de deficiência mental/intelectual e transtornos funcionais
específicos, a presente pesquisa pretendeu identificar quais os
jogos e brincadeiras utilizados por esses sujeitos durante o
recreio; verificar como aconteciam as interações entre eles
durante essas atividades e analisar, também, a maneira como
participavam nas brincadeiras e jogos.
Para tanto, investigamos uma escola pertencente à região
noroeste do estado do Paraná e que atende essa modalidade
de ensino. Após autorização da instituição e dos responsáveis
pelos sujeitos a serem pesquisados, iniciamos nossa pesquisa.
Foram observados oito sujeitos, sendo que quatro deles
estudavam no turno da manhã e outros quatro, no turno da
tarde. Por meio das imagens gravadas dos alunos brincando
durante o recreio, das anotações em diário de campo e da
análise das avaliações escolares desses sujeitos, obtivemos
resultados que apontam para algumas reflexões acerca da
temática pesquisada e sobre as quais discorreremos a seguir.
O pátio escolar, onde ocorriam os jogos e brincadeiras dos
sujeitos, embora fosse o mesmo nos dois turnos,
diferenciavam-se em relação ao espaço disponível, pois o turno
da tarde contava com mais alunos que se utilizavam do pátio,
do que o turno da manhã. O aglomerado de alunos em um
mesmo período e local pode ter sido um dos fatores, mas não o

110
CAPÍTULO 5

único, que influenciaram no processo de interação entre os


sujeitos, pois os resultados apontaram que 75 % dos alunos do
turno da tarde demonstraram não interagirem com os colegas
do ensino regular e 25% interagiram de forma não efetiva. No
período da manhã, os resultados foram diferentes, 75% dos
sujeitos interagiram com os colegas do ensino regular e 25%
não interagiram efetivamente com esses sujeitos. Todavia,
outros fatores possivelmente corroboraram para a não
efetivação da interação entre os alunos, tais como: história de
vida e histórico escolar dos sujeitos pesquisados; o estigma
elaborado pela sociedade em torno dos sujeitos que
freqüentam sala de recursos por fazer parte de uma
modalidade do ensino especial; o possível desconhecimento
dos envolvidos com a educação dos sujeitos, em relação à
importância do brincar para o estabelecimento de relações
sociais e para o desenvolvimento infantil; a aparente
dificuldade da escola em lidar com os aspectos relacionados à
efetivação da inclusão escolar, não como obrigação
documental, mas como necessidade de mudar os paradigmas
sociais, educacionais, curriculares e pedagógicos que envolvem
essa temática. Vale ressaltar que a inclusão a que nos
aludimos, em concordância com Barroco (2004), refere-se a
uma sociedade que respeite as diferenças em relação não
apenas aos alunos considerados como com necessidades
educacionais especiais, mas, também, aos sujeitos
pertencentes à chamada diversidade cultural e sócio-
econômica que abrange diferenças de raça, religião, cultura,
orientação sexual e classe social.
Por meio dessa pesquisa, levantamos alguns aspectos que
consideramos importantes para reflexões acerca das
temáticas: jogos e brincadeiras, interação social e
desenvolvimento infantil. Em relação ao espaço disponível para
a realização das atividades lúdicas durante o intervalo de aulas
dos alunos, elencamos duas hipóteses: uma delas é de que a
escola investigada aparenta não considerar ou não reconhecer,

111
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

que jogos e brincadeiras sejam mediadores do processo de


apropriação do conhecimento, da cultura e do desenvolvimento
infantil, pois a estrutura física da instituição não possui
ambientes adequados para as brincadeiras que ocorrem no
intervalo de aulas. Outra hipótese, é que a escola sendo
pública, depende financeiramente de verbas do estado para
realização de investimentos; como é uma escola que atende
2.681 alunos, provavelmente, existam prioridades para atender
outros setores da instituição (salas de aula, materiais
pedagógicos, biblioteca, entre outros) em detrimento da
construção de um espaço adequado para a realização de
atividades lúdicas no recreio escolar, mesmo reconhecendo sua
importância.
Quanto aos jogos e brincadeiras realizados pelos sujeitos
dessa pesquisa, durante o recreio, constatamos pela análise
dos resultados que 100% deles pertenciam à categoria de
jogos em grupo, não aparecendo em nenhuma das imagens
dos sujeitos, jogos caracterizados como, individuais. Dentre
esses jogos de grupo, 86% deles eram competitivos e 14% não
eram. Esses resultados vão ao encontro do pensamento de
Elkonin (1969) e Caillois (1994) ao afirmarem que no ensino
fundamental séries iniciais, há a predominância de jogos
coletivos (em grupo) e competitivos.
Os jogos de sorte ou azar, geralmente utilizados para
definir quem inicia o jogo, apareceram nas imagens de 38% dos
sujeitos, sendo que 62% dos sujeitos não utilizaram essa forma
de jogo para dar início as suas brincadeiras. As categorias - jogo
de imitação e jogo com regras não determinadas, apareceram
em 14% dos jogos, sendo que a maioria, 86% foram
considerados como jogos com regras determinadas e não eram
caracterizados como jogo de imitação. Em relação aos jogos
competitivos e de grupo, 57% deles exigiam habilidades físicas
como: equilíbrio, força, velocidade, agilidade e coordenação
motora, e, 43%, não exigiam essas habilidades. O percentual de
jogos que não utilizou instrumentos para sua realização foi de

112
CAPÍTULO 5

71%, sendo que 29% utilizaram instrumentos durante as


brincadeiras. Não houve aparecimento de jogos desportivos no
decorrer das filmagens dos sujeitos.
Essa maior ocorrência de jogos competitivos, em grupo e
com regras determinadas, no ensino fundamental séries iniciais
está de acordo com os estudos de Vigotski (2003), Leontiev
(2006) e Elkonin (1969;1998) sobre a existência de um
processo evolutivo do jogo. Para esses autores, o jogo evolui,
do jogo de faz-de-conta ou jogo protagonizado (de imitação)
com papéis explícitos e regras ocultas e que são comuns em
crianças pré-escolares, para o jogo com regras explícitas e
situação imaginária oculta ou latente, e, que ocorre em
crianças na fase escolar. Portanto, no processo de
desenvolvimento infantil, há um declínio dos jogos de imitação
e o aparecimento dos jogos de regras, que não negam a
existência dos jogos de papéis, mas, absorvem os elementos
dessa atividade anterior, promovendo dessa forma,
transformações no processo de desenvolvimento psicológico da
criança.
Quanto à participação dos alunos na atividade e a
interação com os colegas do ensino regular, constatamos que
76% dos sujeitos participaram de forma efetiva nas
brincadeiras, algumas vezes, inclusive, liderando a atividade.
Destes sujeitos 38% interagiam com os alunos do ensino
regular e 38% não interagiam com esses sujeitos, formando
grupos próprios. Os outros sujeitos da pesquisa referentes a
24%, embora estivessem durante as atividades lúdicas, na
companhia dos colegas do ensino regular e presentes nos jogos
e brincadeiras, não demonstraram interagir de forma efetiva
nessas situações. Podemos afirmar que, a maior parte dos
sujeitos pesquisados interage nos jogos e brincadeiras de
forma efetiva. Todavia, esse resultado modifica-se quando
tratamos da interação com os colegas da classe comum, onde
constatamos que 38% dos sujeitos não interagiram com os

113
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

alunos do ensino regular, 24% interagiram de maneira não


efetiva e 38% interagiram com esses sujeitos.
Isso pode estar demonstrando que, não exista, na prática,
a inclusão desses sujeitos; embora eles estejam presentes na
escola. Vale ressaltar os estudos de Barroco (2004) que afirma
ser necessário entendermos o contexto que produz a escola, e,
que embora pretendamos que ela seja mais inclusiva temos
que reconhecer o aumento da exclusão social que se
estabelece a cada dia. De acordo com essa autora, esse
quadro de exclusão social não pode se modificado se
considerarmos apenas o nível das idéias, ou a educação
escolar. Todavia, isso não descarta a importância de se ter uma
escola de qualidade, ou seja, que seja de fato para todos e que
contemple os conteúdos “de modo condizente, reconhecendo
que mediações significativas levam às aprendizagens que
movimentam o desenvolvimento” (BARROCO, 2004, p. 10). De
acordo com a teoria histórico-cultural, além de proporcionar
aprendizagens que propulsionam o desenvolvimento, as
mediações provocam a interação entre os sujeitos e esse é o
foco de nossa investigação.
Nesse sentido, após análise das relações entre os alunos
durante as brincadeiras no recreio, levantamos algumas
hipóteses que apontam para a não interação entre o alunado
do ensino regular e os que freqüentam as salas de recursos,
que são as seguintes: é provável que o comportamento
agressivo de alguns sujeitos seja um fator que prejudique a
relação entre os colegas; ser egresso da classe especial na
área de deficiência mental pode ser um dos motivos para que
os alunos do ensino regular não interajam com esses sujeitos,
possivelmente por ser um estigma social apreendido histórica e
culturalmente sobre as pessoas com necessidades
educacionais especiais em relação à desvalorização de suas
possibilidades e ênfase em suas limitações; provavelmente a
falta de atenção e concentração presentes na maioria das
avaliações dos sujeitos, prejudique a participação desses

114
CAPÍTULO 5

alunos em jogos competitivos e de grupo preferidos na fase


escolar em que eles se encontram e, por fim, as brincadeiras,
aparentemente de caráter livre, utilizadas pelos sujeitos,
podem estar reproduzindo características de nossa sociedade,
que é fundamentada na desigualdade, tornando-se dessa
forma uma brincadeira excludente e não, inclusiva.
Concordamos com Leontiev (2006) quando afirma que
para analisarmos a atividade lúdica da criança, é preciso
entender o verdadeiro sentido que o jogo tem para ela e, não
simplesmente listar os jogos e brincadeiras de que elas se
utilizam. O significado que os jogos e brincadeiras têm para as
crianças é que nos possibilita entendermos o desenvolvimento
dessas atividades.
Pelas hipóteses levantadas, elencamos algumas ações
com o intuito de contribuir com o processo de interação social e
de desenvolvimento psíquico infantil no espaço escolar do
recreio, quais sejam: investigar junto à comunidade escolar
(professores, diretores, pais, alunos, funcionários, entre outros)
qual o conhecimento que possuem sobre a temática de jogos e
brincadeiras; proporcionar aos sujeitos referidos anteriormente,
a oportunidade de conhecer a importância da temática de jogos
e brincadeiras no enfoque da teoria histórico-cultural; elaborar
atividades lúdicas, fundamentadas na referida corrente teórica,
vendo nesses pressupostos a possibilidade de contribuir para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores: atenção,
percepção e memória, apontadas como problemática nos
documentos escolares dos 100% dos sujeitos pesquisados;
proporcionar aos alunos a vivência dessas atividades, por meio
do recreio mediado, dessa forma podendo auxiliar nas
interações entre os sujeitos.
Com essa pesquisa pretendemos contribuir com novos
estudos sobre jogos e brincadeiras e entendemos que o
conhecimento acerca da importância dessa temática, aliados à
finalidade das salas de recursos em promover o
desenvolvimento da aprendizagem em alunos que não

115
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

alcançam o sucesso escolar, mostram a necessidade de um


trabalho coletivo para a elaboração do conhecimento científico
e da interação social.

Referências

BARROCO, Sonia Mari Shima Considerações sobre uma


proposta educacional inclusiva em tempos de prática social
excludente. In: Prefeitura do Município de Sarandi – Secretaria
de Educação, Cultura, Esporte e Lazer. Proposta Curricular para
a Educação Especial – Norteadores Teóricos. Sarandi, 2004.
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escolar e deficiência mental: análise da interação social entre
companheiros. Estudos de Psicologia (Natal), Natal, v. 9, n. 1, p.
101-111, jan./abr. 2004, ISSN 1413-294X. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/epsic/v9n1/22386.pdf>. Acesso
em: 13 ago. 2008.
CAILLOIS, Roger. Los Juegos Y Los Hombres: lá máscara y el
vértigo. México: Fondo da Cultura Económica, 1994.
ELKONIN, D. Desarrollo psíquico del niño desde el nacimiento
hasta el ingreso en la escuela. In: Psicologia, Editorial Grijalbo,
México, 1969, p. 504-559.
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1998.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da
cultura. São Paulo: Perspectiva, 1980.
JUKOVSKAIA, R. I. La educación del niño en el juego. Habana:
Pueblo y Educación, 1978.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). Jogo, brinquedo,
brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2005.
LEONTIEV, Alexis N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa:
Livros Horizonte, 1978.

116
CAPÍTULO 5

LEONTIEV, Alexis N. Os princípios psicológicos da brincadeira


pré-escolar. In: VYGOTSKY, Lev Semenovick; LURIA, Alexander
Romanovich; LEONTIEV, Alex N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. Tradução Maria da Penha Villalobos. São Paulo:
Ícone, 2006, p. 119-142.
MANSON, Michel. História do Brinquedo e dos Jogos: brincar
através dos tempos. Tradução Carlos Correia Monteiro de
Oliveira. Lisboa: Teorema, 2002.
MARTINS, Edna; SZYMANSKI, Heloisa. Brincando de casinha:
significado de família para crianças institucionalizadas. Estudos
de Psicologia (Natal), Natal, v. 9, n. 1, p. 177-187, jan./abr.
2004, ISSN 1413-294X. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/epsic/v9n1/22386.pdf>. Acesso
em: 13 Ago. 2008.
PARANÁ. Deliberação nº. 02/03. Curitiba: Conselho Estadual de
Educação do Paraná, 2003.
PARANÁ. Deliberação nº. 020/86. Curitiba: Conselho Estadual
de Educação do Paraná, 1986.
PARANÁ. Instrução nº. 015/08. Curitiba: Secretaria de Estado
da Educação. Governo do Paraná, 2008.
PARANÁ. Instrução nº. 04/04. Curitiba: Secretaria de Estado da
Educação. Governo do Paraná, 2004.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes
curriculares de Educação Física para os anos finais do ensino
fundamental e para o ensino médio. 2007.
PESSOTTI, Isaias. Deficiência mental: da superstição à ciência.
São Paulo: USP, 1984.
SHIMAZAKI, Elsa Midori. Letramento em jovens e adultos com
deficiência mental. 2006. Tese (Doutorado em Educação),
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

117
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

VYGOTSKY, Lev Semenovick. A formação social da mente. São


Paulo: Martins Fontes, 2003b.
VYGOTSKY, Lev Semenovick. La imaginación y el arte en la
infância. Madrid: Akal, 2003a.
VYGOTSKY, Lev Semenovick. Obras Escogidas. Madri: Visor,
1983. v. 3.

118
2ª Parte

A PRÁTICA PEDAGÓGICA NAS SALAS DE


RECURSOS
CAPÍTULO 6

EDUCAÇÃO E INCLUSÃO ESCOLAR: A PRÁTICA


PEDAGÓGICA DA SALA DE RECURSOS DE 5ª A 8ª SÉRIES

Rosana Aparecida Albuquerque


Nerli Nonato Ribeiro Mori

Introdução

As discussões acerca da inclusão estão se tornando mais


constantes, sistemáticas e sentidas por muitos como algo
recente, entretanto tais discussões, há tempo, vêm norteando
reflexões referentes à construção de uma sociedade inclusiva.
Ao considerarmos a inclusão como um tema complexo, que
envolve a sociedade como um todo, as mudanças de atitude
devem ocorrer em todas as instâncias, escola, trabalho, lazer,
arquitetura, oportunizando a todas as pessoas o acesso aos
bens coletivos.
A sociedade capitalista em sua forma mais excludente
apresenta, como aponta Barroco (2004), a proposta de
sociedade e educação inclusiva, revelando em si as
contradições e a distância existentes entre o discurso
democrático e a prática social.
A inclusão, como uma proposta da sociedade, visa o
respeito às diferenças socioeconômicas, de cor, raça, credo,
sexo, deficiência ou necessidades especiais, solicitando da
escola o preparo necessário ao atendimento dos “indivíduos
diferenciados”. Neste sentido, a escola é chamada a contribuir
para o processo de inclusão, como indicado na Constituição
Federal (BRASIL, 1988), Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL, 1990) Leis de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996),
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e demais
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

documentos. Porém é preciso ter cuidado para não cair nas


armadilhas do sistema capitalista e visualizar a escola como a
única responsável pelas mudanças sociais e pela inclusão. Ao
pensar assim, estaríamos ingenuamente compreendendo-a
como redentora dos problemas sociais, como se fosse o
principal instrumento para o fim da marginalização, como
propunham as teorias não-críticas1.
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica, em sua resolução CNE/CEB nº 02/2001,
ratificam que o atendimento às necessidades educacionais
especiais deve ser organizado pelas escolas, possibilitando
uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001). Porém
há muito que se avançar para que o sistema educacional
consiga ser capaz de oportunizar a todos os seus alunos,
considerando as especificidades de cada um, uma educação de
qualidade.
Desta forma, a política de inclusão dos alunos com
necessidades educacionais especiais2 no ensino regular não
consiste apenas na adaptação do espaço físico, mas na
elaboração da proposta pedagógica, adaptação do currículo,
formação de professores, ou seja, em práticas que contemplem
o respeito á diversidade e a possibilidade de construir um

1 Saviani (2003) em seu livro Escola e Democracia apresenta, as teorias pedagógicas


dividindo-as em dois blocos: no primeiro se encontram as teorias não-críticas, nas
quais estão incluídas a pedagogia tradicional, pedagogia nova e a pedagogia
tecnicista. A característica principal dessas teorias está em não considerar o contexto
socioeconômico em que a escola se encontra inserida. No segundo bloco, encontram-
se as teorias crítico-reprodutivistas, caracterizadas pelas teorias dualistas (Establet),
escola como aparelho ideológico do estado (Althusser) e a teoria do ensino como
violência simbólica (Bordieu e Passeron), as quais concebem a escola como
reprodutora da ideologia da classe dominante, sendo instrumento de exploração e
manutenção do poder pela burguesia, contribuindo para a marginalização social.
2 Encontramos na literatura, inúmeros termos para denominar as pessoas com

deficiência, como por exemplo, portadores de deficiência, excepcionais, deficientes,


prejudicados ou diminuídos, as mesmas aparecerão no decorrer do trabalho a fim de
preservar a definição adotada pelos autores, porém optamos pela denominação aluno,
ou pessoa com necessidades educacionais especiais, como consta CNE/CEB nº.
02/2001.

122
CAPÍTULO 6

espaço escolar que vise a inclusão e não a exclusão, como


acontece em sua grande maioria.
Ao pensar nos serviços de apoio oferecidos na escola como
suplementação e complementação da educação regular,
surgem algumas indagações mediante a implantação da Sala
de Recursos (SR) de 5ª a 8ª séries. Seria este serviço de apoio
uma estratégia para a inclusão do aluno no contexto escolar?
Por que estender este atendimento, anteriormente só realizado
às séries iniciais? Qual a proposta da Sala de Recursos? Qual o
envolvimento dos professores das disciplinas específicas e da
escola com este serviço oferecido? Como se dá a prática
pedagógica? Questões que fizeram parte da pesquisa de
mestrado em educação realizada em 2007 e que ao longo do
trajeto buscamos esclarecê-las.
De 2002, período de implantação da Sala de Recursos, até
2005, o número de salas aumentou em torno de 30%. No
Estado do Paraná, segundo Matiskei (2006), chefe do
Departamento de Educação Especial do Estado do Paraná, a
possibilidade da escola ser realmente inclusiva depende do
redimensionamento dos projetos políticos pedagógicos das
escolas e da expansão de serviços de apoio na escola regular. A
partir dessa premissa, o Estado justifica o aumento do número
de Salas de Recursos e sua relação com a chamada política de
inclusão.
É urgente compreendermos a extensão deste atendimento
e de que modo ele pode contribuir para a compreensão das
questões práticas referentes ao processo de inclusão no
contexto escolar. Frente a este cenário, surgiu o interesse e a
necessidade em compreender como vem se efetivando a Sala
de Recursos de 5ª a 8ª séries e sua prática pedagógica e de
que modo se configura como serviço especializado de apoio à
inclusão. Nossa intenção é reafirmar a necessidade de uma
prática sistematizada e intencional, voltada para a
aprendizagem e para o desenvolvimento mental da criança.

123
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Com intuito de organizar nossas discussões acerca do


atendimento especializado aos alunos com necessidades
educacionais especiais em Sala de Recursos de 5ª a 8ª séries,
dividimos em três momentos nosso trabalho. No primeiro
momento apresentamos a Sala de Recursos como proposta de
inclusão e a organização dessas salas no município de Maringá.
No segundo momento descrevemos a metodologia adotada
para a realização da pesquisa de campo. Em seguida
apresentamos os encontros e desencontros entre a prática
pedagógica e a instrução 05/04 (PARANÁ, SEED, 2004). Por
último, não menos importante, as conclusões referentes à
pesquisa realizada.

A Sala de Recursos e a proposta de inclusão

A Sala de Recursos só se torna possível quando o


atendimento às pessoas com deficiência ganha caráter oficial,
laico e educacional e se apresenta como proposta quando o
fracasso ganha proporções assustadoras. F. C. Silva (2003)
aponta que, no Brasil, estas salas começaram a surgir em
meados da década de 1970, seguindo as referências
americanas, em consonância às discussões acerca da
segregação das pessoas com deficiência. Sua proposta era
diminuir a distância entre educação especial e ensino regular,
apresentando-se como estratégia para a integração desse
alunado, considerando suas necessidades, contrapondo-se aos
pressupostos segregacionista, postos pelas classes especiais.
Ao mesmo tempo, este apoio apontava para a normalização
das condições de escolarização das pessoas consideradas
diferentes.
Segundo Aranha (2001), o movimento de
desinstitucionalização, vivido pelos países ocidentais
caracterizou-se por interesses diversos. O estado buscou
diminuir as despesas nos cofres públicos cortando gastos com
uma população improdutiva e onerosa. Para o modelo sócio-

124
CAPÍTULO 6

político-econômico proposto pelo capitalismo, era mais


interessante desenvolver meios para que esta população
retornasse ao sistema produtivo, tornando-se responsáveis por
sua subsistência, justificando esta necessidade, cria-se o
conceito de integração, baseado na ideologia da normalização.
Até então, falava-se e divulgava-se a necessidade de
integração da pessoa com deficiência no ambiente escolar,
com a intenção de possibilitar as mesmas condições de
desenvolvimento pessoal e profissional. O termo “integração”
foi bastante utilizado nas décadas de 1960 e 1970, com o
objetivo de integrar, no sistema educacional, os alunos com
deficiência, reivindicando, segundo Marchesi e Martín (1995),
condições educacionais satisfatórias na rede regular de ensino
e sensibilizando, em relação a esta questão, pais, professores e
autoridades civis. Esta “integração”, fundamentada nos
critérios de justiça e igualdade, enfatiza o direito de todos, as
possibilidades educacionais mais normalizadoras possíveis.
O movimento em torno da integração foi bastante criticado,
porque se pautava na integração do aluno com deficiência ao
ensino regular, sem considerar suas diferenças, o aluno deveria
se adaptar à escola para se aproximar da “normalidade”. As
classes especiais inseridas nas escolas serviriam para
“preparar” o aluno para ingressar no ensino comum.
Somente em 1980, o termo “inclusão” passa a ser
utilizado, ganhando força a partir da década de 1990, com a
Declaração de Salamanca.
A Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994, p. 5), item 10º,
preconiza

O encaminhamento de crianças a escolas especiais ou a


classes especiais ou a sessões especiais dentro da
escola em caráter permanente deveria constituir
exceções, a ser recomendado somente naqueles casos
infreqüentes onde fica claramente demonstrado que a
educação na classe regular seja incapaz de atender às
necessidades educacionais e sociais da criança [...].

125
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

O que indica a necessidade de elaborar e implantar, no


interior da escola, atendimentos de apoio à inclusão, a fim de
apoiar, complementar ou suplementar os serviços oferecidos
na educação regular, aos alunos com dificuldades de
aprendizagem e necessidades educacionais, alguns destes
anteriormente atendidos em escolas ou classes especiais.
Como apoio ao processo de inclusão escolar, a Deliberação n.
02/03 do Conselho Estadual de Educação do Paraná, ao se
referir, no capítulo I, sobre a Educação Especial, em seu art.1,
estabelece o atendimento no ensino básico a alunos que
apresentam necessidades educacionais. Esta mesma
deliberação em seu capítulo II art. 5º, define, de forma clara, as
necessidades especiais como sendo “[...] dificuldades de
aprendizagem apresentadas pelo aluno, em caráter temporário
ou permanente, bem como, pelos recursos e apoios que a
escola deverá proporcionar objetivando a remoção das
barreiras a aprendizagem” (PARANÁ, 2003, p. 2).
Desta forma, a proposta da Sala de Recursos (SR), já
efetivada de 1ª a 4ª séries no ensino básico, é estendida de 5ª
a 8ª séries, sendo implantada no Município de Maringá, Região
Noroeste do Estado do Paraná, no ano de 2004, sob a
Instrução nº. 05/04; com o objetivo de oferecer apoio
especializado aos alunos devidamente matriculados no ensino
regular. A legislação, em consonância com as Diretrizes
Curriculares Nacionais, define-a como:

Serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor


especializado, que suplementa (no caso dos
superdotados) e complementa (para os demais alunos) o
atendimento educacional realizado em classes comuns
da rede regular de ensino. Esse serviço realiza-se em
escolas, em local dotado de equipamentos e recursos
pedagógicos adequados às necessidades especiais dos
alunos, podendo estender-se a alunos de escolas
próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento.

126
CAPÍTULO 6

Pode ser realizado individualmente ou em pequenos


grupos, para alunos que apresentem necessidades
educacionais especiais semelhantes, em horário
diferente daquele em que freqüentam a classe comum
(PARANÁ, 2003, p. 50).

A Instrução 05/04 estabelece critérios de funcionamento


das SR de 5ª a 8ª séries, definindo-a como serviço
especializado de natureza pedagógica, cujo objetivo é apoiar ou
complementar o atendimento realizado nas Classes Comuns de
Ensino. O trabalho realizado na Sala de Recursos deverá
priorizar os interesses, necessidades e dificuldades de
aprendizagem de cada aluno, oferecendo aos mesmos
subsídios pedagógicos que favoreçam a aprendizagem dos
conteúdos trabalhados na Classe Comum. Neste sentido, toda
programação deverá focalizar as áreas de desenvolvimento
cognitivo, motor, social e emocional.
Segundo informações do Núcleo Regional de Educação de
Maringá, no período em que foi desenvolvida a pesquisa,
existiam oitenta e oito Salas de Recursos de 5ª a 8ª séries nas
escolas a ele jurisdicionadas. O município de Maringá contava
com 33 destas salas distribuídas em vinte e cinco escolas
estaduais, em período matutino e/ou vespertino.
Após a avaliação pedagógica realizada pelo professor da
SR e equipe pedagógica, os grupos são formados tendo como
critérios as séries que cursam e as dificuldades apresentadas
pelos alunos encaminhados, assim como prevê a Instrução nº.
05/04.
Essa a avaliação pedagógica deve ser realizada em
contexto escolar pelo professor da classe comum, pelo
professor especializado e pela equipe técnico-pedagógica da
Escola, contando com o assessoramento de uma equipe
multiprofissional, no caso, o NRE e/ou a Secretaria Municipal
de Educação (SME), quando necessário. A avaliação
pedagógica deve ser registrada em relatório e indicar

127
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

procedimentos de intervenção e encaminhamento, como


propõe a Instrução.
Geralmente, o que se encontra nas avaliações de
encaminhamento à Sala de Recursos são as áreas que
precisam ser trabalhadas pelo professor, interpretação de
textos, ortografia, operações, etc., não se encontra especificado
na avaliação as facilidades apresentadas pelos alunos,
limitando o professor a trabalhar com a falta. Vygotsky em seus
trabalhos deixa clara a necessidade em valorizar a força e não
a deficiência. Focalizar as possibilidades dos alunos é
imprescindível ao professor seja ele da Sala de Recursos ou
Classe Comum.
Em relação à organização, a sala com 20 horas semanais
deve atender, no máximo, a trinta alunos individualmente, ou
em grupo de dez, com cronograma previamente definido. Das
escolas pesquisadas, apenas uma oferta a Sala de Recursos
nos períodos da manhã e da tarde, o cronograma é elaborado
pelo professor, mas não conta com a participação da equipe
pedagógica, nem do professor da classe comum, como
determina a instrução. É importante considerarmos que a
atuação colaborativa, isto é a parceria entre professores
especializados que atendem em salas de recursos e
professores do ensino regular é uma das principais diretrizes na
orientação de ações escolares na perspectiva inclusiva. O
planejamento conjunto e a discussão de ações comuns
contribuiriam para evitar a redundância/repetição, ou as
lacunas encontradas na exploração dos conteúdos em ambos
os ambientes além da coerência de atitudes dos referidos
professores frente a determinados comportamentos ou
necessidades específicas apresentadas pelos educandos.
A elaboração do cronograma envolve a organização dos
alunos e dos horários para o atendimento, período destinado à
hora atividade, contato com os professores do ensino regular,
equipe pedagógica e pais. Nas escolas observadas, o
atendimento a uma carga horária de 20 horas contempla em

128
CAPÍTULO 6

média 20 alunos, os mesmos são organizados por horário e


dificuldades, e freqüentam a SR duas vezes por semana
durante, uma hora e trinta minutos. Em alguns casos os alunos
são atendidos até quatro vezes por semana, como pudemos
verificar na fala da professora de Sala de Recursos 2 (PSR2), e
está de acordo com o previsto na instrução.
De acordo com a Instrução, o acompanhamento ao
professor da SR pelo Núcleo Regional de Educação (NRE) deve
acontecer semestralmente, enquanto que o contato com a
equipe pedagógica deve ser freqüente.
A Instrução determina que o desligamento deva ser
formalizado via relatório pedagógico, sendo elaborado pelo
professor responsável pela sala, juntamente com a equipe
pedagógica e, sempre que possível ou necessário, contar com a
participação dos professores do ensino comum.
Tomando como base os dados coletados nas entrevistas, o
desligamento do aluno acontece de forma diferenciada nas três
escolas; via relatório semestral elaborado pelo professor da SR;
mediante avaliação para verificação da aprendizagem, como
acontece quando a criança ingressa no programa ou parecer
reconhecendo que o aluno está apto a freqüentar o ensino
regular sem apoio.
A atuação na SR exige do professor, segundo a Deliberação
n°02/03 – CEE, art. 33 e 34 (PARANÁ, 2003) especialização
na área específica ou licenciatura Plena em Educação Especial
ou habilitação específica em Nível Médio, recomendando
experiência de, no mínimo, dois anos no ensino fundamental.
Todas as professoras atendem aos critérios exigidos pela
Instrução, no que se refere à formação.

O Processo e suas diretrizes

Delimitamos como campo de pesquisa três Escolas da


Rede Pública Estadual de Ensino do Município de Maringá, que
implantaram Salas de Recursos (SR) de 5ª a 8ª séries como

129
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

serviço de apoio no ano de 2004. Os dados foram coletados


por meio de documentos, observações em sala e entrevistas
com os professores das Salas de Recursos selecionadas, e, na
sequência, foi feita a análise e a interpretação dos dados.
Em um primeiro momento, realizamos leituras e estudos
dos documentos oficiais referentes à implantação destas salas
no Estado do Paraná com o intuito de conhecer a proposta
oficial, assim como os critérios que regem seu funcionamento.
Levantamos algumas informações sobre a história escolar dos
alunos, tendo como fonte de pesquisa as fichas de
encaminhamento dos mesmos à Sala de Recursos, segundo a
Instrução 05/04, que normatiza os critérios de funcionamento
estabelecidos pela Secretaria de Estado da Educação do
Paraná. Desta Instrução, priorizamos os seguintes aspectos: o
alunado, o ingresso do aluno e a organização da sala, a fim de
compreendermos não só o percurso escolar do aluno até a Sala
de Recursos, mas a realidade e as contribuições deste serviço.
Por ser relativamente nova a implantação das Salas de
Recursos de 5ª a 8ª séries, definimos como critério, selecionar
as primeiras escolas do município que implantaram este
serviço.
As SR funcionam no período matutino e vespertino, de
segunda, terça, quinta e sexta-feira; a quarta-feira, por
determinação do Núcleo Regional de Educação de Maringá,
constitui-se dia livre e a hora atividade é realizada na primeira
ou última aula, de acordo com a opção do professor.
Para facilitar a observação da prática pedagógica,
definimos como pontos norteadores:
 Modo de apresentação do conteúdo: planejamento
diário, mensal, bimestral ou semestral, intencionalidade
e organização;
 Atividades propostas: conteúdo, dialogicidade e
textualidade;

130
CAPÍTULO 6

 Dinâmica do trabalho: participação e interesse dos


alunos, orientação das atividades pelo professor;
valorização dos conceitos espontâneos;
 Promoção do desenvolvimento conceitual;
 Recursos materiais: envolvendo espaço físico, materiais
pedagógicos e de apoio.
 Resultado atingido: atividades (produção de textos
desenhos, atividades escritas, leitura);

Foram realizadas vinte e quatro observações no período de


17 de maio a 11 de setembro de 2007, cada observação teve
duas horas de duração, perfazendo um total de 46 horas. Além
das observações, destinamos para a coleta de dados referentes
ao trajeto escolar dos alunos, três dias a cada escola, com um
período de três horas cada, totalizado 27 horas. Realizamos
ainda, entrevistas com as professoras das Salas de Recursos
abordando aspectos contidos na instrução 05/04 referentes ao
funcionamento da sala, encaminhamento, prática pedagógica,
acompanhamento dos professores pela equipe pedagógica e
Núcleo Regional de educação e o desligamento do aluno desse
atendimento.

A Prática Pedagógica da Sala de Recursos: Encontros e


Desencontros

Os discursos sobre igualdade se fazem em coro e, no


momento, a palavra de ordem é a inclusão. Incluir o negro, o
índio, o pobre, as pessoas com necessidades educacionais
especiais, o homossexual, ou seja, o “diferente”, a fim de
“atender” à chamada política de inclusão, preconizada na
Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994). Por que tanta
ênfase na inclusão? Uma resposta possível é que, seguindo a
lógica capitalista, as legislações apontam em sua
funcionalidade para a (re) criação de mecanismos no interior da
escola para atender aos fracassados que ela própria produz,

131
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

cumprindo as imposições do mercado. Como Rossi (1980)


destaca, a ênfase do sucesso ou do fracasso recai sobre o
indivíduo, cabe a ele aproveitar as oportunidades oferecidas a
todos sem distinção.
Buscamos, neste cenário, compreender a extensão das SR
de 5ª a 8ª séries não apenas como mais um serviço de
atendimento especializado no interior da escola. Nossa
intenção foi focalizar a totalidade deste serviço, optando por
uma reflexão crítica dos aspectos econômicos, sociais e
políticos que permeiam esta prática. A existência desse
programa não é garantia de inclusão escolar, considerando a
amplitude destas discussões pretendemos em nossas análises
apontar alguns encontros e desencontros entre a prática
pedagógica das Salas de Recursos e a Instrução 05/04 que
direciona esta prática.
Como apontamos inicialmente, selecionamos alguns
pontos norteadores para nossas observações e, com base
neles, teceremos nossas análises acerca da prática
pedagógica, recorrendo a Teoria Histórico-Cultural.
A apresentação dos conteúdos aconteceu de forma similar
nas três salas observadas, o planejamento era semanal, a
professora iniciava uma atividade com os alunos que a
concluíam na aula posterior. Em algumas observações, os
professores deixavam de lado o planejamento, buscando
atender às solicitações dos alunos que muitas vezes, se
referiam aos conteúdos de prova, trabalhos e tarefas escolares.
Esta prática se tornou recorrente e aceita entre os
professores, todas se justificaram pontuando a necessidade de
lidar com imprevistos, e deixar o conteúdo de lado para
trabalhar com as necessidades trazidas pelos alunos, como
estudar para a prova ou realização de trabalhos, para, em
seguida, retomar ao planejado.
Vigotski (1998) enfatiza que o aprendizado, quando bem
organizado pelo professor, promove o desenvolvimento mental.
O professor, ao atuar como mediador entre o aluno e o

132
CAPÍTULO 6

conhecimento culturalmente acumulado, de forma intencional,


proporciona o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores, levando ao desenvolvimento global. Quanto mais
intencional e organizado o ensino, maior será o movimento
provocado no desenvolvimento mental da criança. Saber o
porquê e para quê das atividades apresentadas aos alunos
torna-se aspecto indispensável ao professor na relação ensino-
aprendizagem. Problematizar, instigar, fornecer “pistas” aos
alunos é oferecer-lhes recursos para, em um primeiro
momento, com a ajuda do professor, resolver a tarefa e,
posteriormente, ser capaz de dar suas respostas de forma
independente. Neste sentido, privilegiar a zona de
desenvolvimento proximal não se reduz a uma mera
participação ou acompanhamento do professor, mas sim a uma
mediação direcionada, organizada e intencional. Não é dar as
respostas aos alunos, mas levar o aluno a pensar, interpretar,
estabelecer relações e associações, possibilitando o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Ao se apropriar dos conceitos científicos, o aluno
ultrapassa os conceitos espontâneos, supera a análise
imediata dos fenômenos vinculada ao senso comum e
estabelece abstrações, associações e generalizações do mundo
e objetos que o cerca.
O conteúdo apresentado aos alunos nas de SR seguiu um
planejamento semanal, observamos que a intencionalidade e a
organização oscilavam de aula para aula. A seleção das
atividades, segundo as professoras, teve como ponto de partida
as dificuldades apresentadas pelos alunos, seguindo o
conteúdo proposto nas séries em que os mesmos freqüentam
no ensino regular. A ênfase se encontrava em conteúdos da
língua portuguesa, tais como, interpretação e produção de
texto, ortografia, acentuação, concordância nominal,
concordância verbal; e, na matemática, conteúdos referentes a
potenciação, fração, divisão, multiplicação, raciocínio lógico e
abstração.

133
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

As atividades, em sua maioria, caracterizaram-se por


repetição de conteúdos da sala de aula regular, contrapondo-se
ao previsto na Instrução nº. 05/04 (PARANÁ, 2004, p.5): “Os
conteúdos pedagógicos defasados, das séries iniciais, deverão
ser trabalhados com metodologias e estratégias diferenciadas
[...] O trabalho desenvolvido na Sala de recursos não deve ser
confundido com reforço escolar (repetição de conteúdo da
prática educativa da sala de aula)”.
Outro aspecto observado nas três SR foi o número
excessivo de atividades propostas, os alunos terminavam uma
atividade e logo iniciavam outra, o que comprometia a
discussão e a exploração dos exercícios. A correção era feita
rapidamente sem aproveitar as idéias dos alunos, e sem
investigar a forma como o aluno chegou à determinada
resolução, qual o caminho utilizado à aprendizagem. No fim do
período, os alunos se apresentavam cansados e sem ânimo
para concluírem as atividades, dando na maioria das vezes,
qualquer resposta para terminarem o mais rápido possível as
atividades.
Ao tomarmos como referência a Teoria Histórico-Cultural,
destacamos a necessidade de se valorizar os conceitos
espontâneos, como apontam Vygotsky, Elkonin e Menchiskaia.
Estes contribuem, significativamente, para o aprendizado
escolar, ao serem ampliados, sobretudo pelo ensino, alcançam
o status de conceito científico.
Muitas vezes, conceitos científicos, se chocam com os
conceitos espontâneos, o antagonismo existente entre os dois,
dificulta a assimilação dos conceitos científicos pela criança.
Para Menchiskaia (1969), a superação desta dificuldade é
possível quando esta nova experiência é organizada de forma
diferenciada, e utiliza-se de experiências sensoriais. Quando o
aluno se apóia em recursos sensoriais, torna-se mais fácil a
apropriação dos conceitos, porque ao aproveitar da percepção
imediata dos objetos e fenômenos, tem a oportunidade de
recordar o percebido anteriormente.

134
CAPÍTULO 6

Cabe ao professor valorizar o conhecimento adquirido pela


criança antes da sua entrada na escola explorando os
conceitos espontâneos, conhecimentos que contribuem
significativamente para o aprendizado escolar. Elkonin (1969)
enfatiza a importância do professor na organização de
atividades que vão das mais simples às mais complexas,
ampliando o interesse dos alunos e propiciando experiências
de estudo que conduzem a um esforço mental cada vez maior.
Quando as atividades eram organizadas de forma
intencional e diferenciadas, os alunos participavam e se
envolviam, demonstrando interesse nas discussões e na
resolução das mesmas. Atividades que envolviam jogos eram
solicitadas pelos alunos de forma constante, todavia não
apareceram com muita intensidade nas observações.
O professor ocupa um papel essencial neste processo
quando ele, por meio da linguagem, problematiza o conteúdo,
levanta questões, promove generalizações e comparações,
provoca o movimento de conceitos já assimilados, viabilizando
aos alunos recursos para a formulação de novos conceitos e a
reformulação de conceitos anteriores. Essas questões são
fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, visto que o
nível mais elevado do pensamento se encontra no campo dos
conhecimentos científicos e não nos conceitos espontâneos.
Ressaltamos a importância da aprendizagem escolar para
o desenvolvimento humano e a necessidade de priorizarmos
um ensino de qualidade a todos, independente de suas
diferenças, oportunizando o acesso ao conhecimento científico,
ao trabalho, à cultura, ao lazer e à tecnologia. Uma educação
que possibilite, como aponta Frigotto (1999), a passagem de
um trabalhador adestrado para um trabalhador polivante, com
maior poder de abstração, capaz de reconhecer as
contradições do capitalismo, propondo alternativas para
romper com práticas de exploração e com as desigualdades
sociais.

135
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Referimos-nos a uma educação onilateral, como ênfase em


um homem onilateral, defendido por Marx; homem completo,
consciente do processo que desenvolve, dominando-o e não
sendo dominado por este. Uma educação básica unitária e de
qualidade como destacam Manacorda (1991), Ross (1998) e
Frigotto (1999), que focalize a emancipação humana, o
desenvolvimento crítico, a abstração, a reflexão, a interpretação
e a intervenção em sua prática.

Recursos Materiais: Espaço Físico, Materiais Pedagógicos e de


Apoio

Os materiais disponíveis nas SR são poucos. No geral,


encontramos alguns jogos confeccionados pelo professor e
alunos, outros comprados, muitas vezes, pelo mesmo e
materiais pedagógicos como, regra numérica, livros didáticos
antigos, material dourado, são os recursos disponíveis nas
salas.
Os recursos são mínimos, as escolas não fornecem
materiais básicos, como papel, sulfite, xerox com atividades,
lápis de escrever, borracha e jogos, muitas vezes, é utilizado
livros didáticos antigos. A escassez de materiais, evidenciada
nas observações, limita as atividades do professor ao uso de
quadro de giz e caderno, reproduzindo o ambiente de sala de
aula, estando longe de ser um espaço diferenciado para a
aprendizagem. Em duas das três escolas observadas, o espaço
físico da sala é mínimo, a escola Ipê, em especial, apresenta
condições precárias para o atendimento. A sala é um espaço
cedido no camarim do salão nobre, a porta é voltada ao pátio,
onde, constantemente, os alunos permaneciam quando a aula
era vaga, ou quando há aulas de educação física. Não era bem
ventilada e estava localizada próxima a uma sala de aula. O
barulho tanto das apresentações no salão nobre, pátio e sala
de aula prejudicavam o desenvolvimento das atividades,
dispersando os alunos e tirando sua concentração. A SR da

136
CAPÍTULO 6

escola “Ingá” também era bem pequena, as carteiras ficavam


dispostas em fila na maioria das observações; a professora
evitava o trabalho em grupo pela falta de espaço para os
alunos se organizarem. A Instrução no, 05/04 (PARANÀ. 2004)
deixa explícito que o espaço físico das SR deve apresentar
tamanho, localização, salubridade, iluminação e ventilação
adequados, seguindo os padrões estabelecidos pela
Associação de Normas Técnicas. De acordo com as
observações, duas das três escolas pesquisadas não atendiam
tais critérios.
As atividades, em sua maioria, caracterizaram-se por
atividades escritas, resolução de exercícios, tanto copiados do
quadro quanto digitados, leitura e interpretação de textos. A
produção textual apareceu como atividade em duas das 23
observações realizadas. O número excessivo de atividades
pareceu interferir negativamente na resolução e na organização
do pensamento do aluno, uma vez que muitas vezes a emissão
de respostas superficiais, denotava um único objetivo: o de
concluir o exercício proposto pela professora. Em alguns
episódios, percebemos a pouca valorização dos conceitos
espontâneos e a falta de planejamento na formulação de
questões pelas professoras, as quais eram respondidas por
elas mesmas, devido ao curto tempo de que dispunham em
função do excesso de atividades para o dia. Muitas vezes as
professoras perdiam a oportunidade de explorar a atividade,
tornando-a cansativa e desinteressante, mera repetição do que
já havia sido explorado em sala de aula. As atividades em sua
maioria representavam exercícios de sala de aula regular, nas
SR1 e SR2, as mesmas eram registradas em cadernos que
permaneciam na sala, já na SR3, eram realizadas em folhas de
sulfite e arquivadas em pastas individuais mantidas na sala.
Nas SR2 e SR3, as professoras fizeram uso do computador
para atividades de transcrição e correção de texto e, em
especial na SR3, este recurso foi utilizado para jogos de
passatempo.

137
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Conclusão

Consideramos que algumas questões como: a SR seria


mais um mecanismo de exclusão no interior da escola,
reforçando, ideologicamente, a chamada igualdade abstrata,
presente nos documentos oficiais, a fim de encobrir a
desigualdade real? ou seria uma alternativa para respeitar as
diferenças, oferecendo mais oportunidades para que o aluno se
aproprie dos conteúdos, efetivando a tão desejada igualdade
real e, conseqüentemente, a inclusão escolar? Estes
questionamentos nos proporcionaram, durante a pesquisa,
reflexões acerca da chamada inclusão escolar, auxiliando-nos a
compreender como vem ocorrendo a prática pedagógica da
Sala de Recursos de 5ª a 8ª séries e de que forma contribui
para o processo de inclusão.
Acreditar que a forma como vem sendo desenvolvida a
prática pedagógica desta sala atende às políticas de inclusão
escolar, é aceitar a igualdade no plano abstrato, como aponta
Ross (1998), eximindo toda a responsabilidade da sociedade
quanto à socialização do homem à produção material, aos
serviços, e ao progresso técnico e antropológico. É delegar mais
uma vez à escola e ao professor a missão de incluir o
“diferente” em uma sociedade em que todos estão (são)
incluídos e excluídos direta ou indiretamente.
Incluir implica em um trabalho coletivo (escola, família e o
grupo social no qual se insere a instituição escolar), pautado na
análise das condições, das contradições presentes no interior
da escola, nas relações de trabalho, na (falta de) vontade
política, na realidade social, econômica e histórica e não
somente no esforço do professor, que se vê solitário e
abandonado, excluído da dinâmica escolar. O
acompanhamento ao professor, como previsto na instrução nº.
05/04, vem acontecendo de forma precária, tanto por parte da
equipe pedagógica, quanto do Núcleo Regional de Educação.

138
CAPÍTULO 6

Encontramos não apenas alunos excluídos do espaço


escolar, como também professores. A responsabilidade pela
aprendizagem do aluno é depositada exclusivamente no
professor da SR, assim como, na classe especial, a ênfase está
no indivíduo. O aluno entendido como “portador” de dificuldade
e o professor especializado, como mentor exclusivo deste
alunado. Por ser preciso identificar as causas do fracasso
escolar, o aluno é o principal suspeito. Deparamo-nos com uma
escola real, com limitações, com falta de recursos físicos,
materiais, de suporte pedagógico, uma SR diferente da
indicada pela Instrução 05/04 (PARANÁ, 2004). Predomina um
programa muito mais direcionado ‘às defasagens de conteúdo
apresentadas pelos alunos, em detrimento do atendimento das
necessidades específicas de cada um deles.
A equipe pedagógica e os professores do ensino regular
pouco participam do processo de avaliação pedagógica.
Identificamos ainda que, não há uma forma sistematizada para
a realização do desligamento dos alunos, assim como ocorre na
avaliação de entrada.
Apenas uma, das três escolas, oferece a Sala de Apoio (SA)
especificamente à 5ª série nas áreas de língua portuguesa e
matemática. Desta forma, os alunos da 6ª, 7ª e 8ª séries,
quando apresentam dificuldades temporárias, são
encaminhados à SR, o que descaracteriza o atendimento desta
sala. As professoras têm clara a diferença quanto aos dois tipos
de atendimento, SR e SA, mas acabam incluindo esses alunos
no atendimento para evitar que eles fiquem desassistidos na
escola, o que poderá comprometer a aprendizagem futura,
tornando-se fortes candidatos ao fracasso escolar.
Nesta perspectiva acreditamos que a inclusão escolar só
se torna possível quando o aluno se apropria dos
conhecimentos científicos elaborados historicamente pela
humanidade, servindo de instrumento para sua emancipação,
ampliando as possibilidades de intervenções em sua realidade.
Entretanto, o que aponta nossa pesquisa é que a Sala de

139
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Recursos, como serviço especializado, atende,


majoritariamente, crianças sem deficiência, ou dificuldades
específicas, ou seja, alunos vítimas de uma escola deficitária.
A forma como a escola se apresenta demonstra
dificuldades em atender aos alunos independentemente de
suas diferenças. A universalização de um ensino aligeirado não
oferece condições à inclusão escolar, ao contrário, aponta para
o restrito acesso de uma minoria ao conhecimento sócio-
histórico e científico-tecnológico, em detrimento de uma
maioria excluída não só do sistema educacional como também
do sistema produtivo.
As discussões sobre este tema não se esgotam nesta
pesquisa, visto as suas limitações, ao contrário, torna-se cada
vez mais pertinente ampliar nosso olhar aos atendimentos
oferecidos no interior da escola. Não podemos, de forma
alguma, menosprezar ou repudiar o atendimento das Salas de
Recursos de 5ª a 8ª séries, já que, em meio ao caos, esta é
uma alternativa para aqueles que pedem socorro. Todavia seria
um engodo acreditarmos que a forma como vêm sendo
implantadas estas salas represente um serviço de apoio à
inclusão escolar, eficiente e salvo de alterações.

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CAPÍTULO 6

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143
CAPÍTULO 7

SALA DE RECURSOS: UM ESTUDO A RESPEITO DA


APRENDIZAGEM DA LEITURA DE ALUNOS COM
DIFICULDADES ESCOLARES

Lúcia Cristina Dalago Barreto


Nilza Guidini Valentini
Áurea Maria Paes Leme Goulart

Introdução

Com o objetivo de garantir a dignidade, o respeito e os


direitos individuais e coletivos elencados pela Constituição
Federal, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica propõem a inclusão de alunos
com necessidades especiais, com o auxílio de alguns recursos
e serviços educacionais especiais, dentre eles, a Sala de
Recursos de 5ª à 8ª séries, implementada no ano de 2005, no
Estado do Paraná, sob a instrução nº 05/04.
Suplementando a proposta curricular, no caso dos
superdotados e complementando-a, no caso dos alunos
egressos de classes especiais ou Salas de Recursos de 1ª à 4ª
série, esse serviço educacional tem sido implantado em quase
todas as escolas públicas do Estado. Acompanhar a sua
implementação, regulamentação e principalmente,
compreender e analisar o processo de aprendizagem da leitura
em alunos freqüentadores desse serviço foi nossa meta
principal com o desenvolvimento dessa pesquisa.
O conhecimento a respeito da aprendizagem e do domínio
da habilidade de leitura é de fundamental importância a todos
os profissionais da educação, especialmente aos que
trabalham com alunos que apresentam dificuldades escolares
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

e conseqüentemente, freqüentam as Salas de Recursos


organizadas para esse fim (há aquelas também que atendem
altas habilidades/superdotação).
Os registros e estudos a respeito da leitura, aqui concebida
como um signo interiorizado historicamente por meio das
relações sócio-históricas do homem com seus pares, desde os
primeiros registros nas cavernas na pré-história até as leituras
virtuais da contemporaneidade demonstram,
concomitantemente mudanças na concepção dessa habilidade
ao longo de toda a história.
Afinal, o que é ler em uma sociedade contemporânea? Que
leitor queremos formar? Qual o papel do professor como
mediador da aprendizagem de atribuição de sentidos a
determinados signos? Esses e outros questionamentos
perpassam todo o desenvolvimento de nossa pesquisa,
inquietando-nos à busca de respostas por meio de mediações e
atividades práticas de sala de aula que sustentaram nossas
investigações.
A leitura, sob a perspectiva Histórico-Cultural, constitui-se
em ato formador de indivíduos capazes de pensar
autonomamente e principalmente, capazes de compreender as
informações emitidas cotidianamente pela sociedade (SILVA,
1986). Nesse sentido, acreditamos que a formação de leitores
críticos, maduros, possibilitará o rompimento da dicotomia
alienante, existente entre as diferentes classes sociais, uma
vez que “[...] leitor maduro é aquele para quem cada nova
leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu,
tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das
gentes e da vida” (LAJOLO, 1991, p. 53).
A linguagem compreendida como um signo elaborado pelo
meio social permite a atribuição de significação à atividade
mental dos homens, a formação da consciência e o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores (Luria,
1979). Elaborada no decorrer da filogênese, possibilita a
acumulação, transmissão, generalização e abstração dos

146
CAPÍTULO 7

conhecimentos elaborados historicamente. Oriunda das


relações entre os homens,

[...] a linguagem não desempenha apenas o papel de


meio de comunicação entre os homens, ela é também
um meio, uma forma da consciência e do pensamento
humanos, não destacado ainda da produção material.
Torna-se a forma e o suporte da generalização
consciente da realidade. Por isso, quando,
posteriormente, a palavra e a linguagem se separam da
atividade prática imediata, as significações verbais são
abstraídas do objeto real e só podem portanto existir
como facto de consciência, isto é, como pensamento
(LEONTIEV, 2004, p. 93-94).

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores1,


dentre elas, a atenção, a percepção e a memória, relacionadas
à aprendizagem da leitura, especificamente, em alunos com
dificuldades escolares, foi um dos focos de nossa pesquisa. O
entendimento a respeito da formação e da manifestação
prática dessas funções permitiu-nos o planejamento de
estratégias que podem corroborar a aprendizagem dessa
habilidade.
Assim, o empenho em compreender a aprendizagem da
leitura por alunos com dificuldades escolares identificando as
mediações pedagógicas, os caminhos alternativos e os
recursos especiais que contribuem para esse aprendizado,
permeou os objetivos e todo o desenvolvimento dessa
pesquisa.
Conforme Vigotski (1998, p. 9-10),”[...] a internalização dos
sistemas de signos produzidos culturalmente provoca
transformações comportamentais e estabelece um elo de
ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento

1 Vigotski esclarece que as funções psicológicas superiores são formadas por meio de
um processo dialético e de uma transformação qualitativa de fatores externos e
internos, resultando em relações interiorizadas de ordem social (VYGOTSKY, 1983).

147
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

individual”. Desse modo, a internalização de signos, e, portanto,


a aprendizagem da leitura, ocorre primeiramente no plano
social (interpsíquico) por meio das relações sociais entre as
pessoas, e posteriormente no plano psicológico (intrapsíquico)
no qual o aprendiz estabelece significados e se apropria do
conhecimento veiculado socialmente.
Como afirma o autor anteriormente citado, “[...] o
aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica
e um processo através do qual as crianças penetram na vida
intelectual daquelas que a cercam“ (VIGOTSKI, 1998, p. 115).
A aquisição do conhecimento é, desse modo, inicialmente
exterior ou social e posteriormente, interior ou individual.
Segundo Vigotski (1983) as funções psicológicas superiores,
antes de se tornarem internas foram externas, por serem
oriundas das relações sociais. Nesse sentido, acreditamos que
a aprendizagem da leitura como um ato de compreensão,
necessita fundamentalmente do desenvolvimento das funções
psicológicas superiores e da interação entre os alunos e a
mediação do professor.
Para que essas reflexões atingissem o objetivo proposto,
consideramos necessária a realização de uma pesquisa ação
que nos auxiliasse na compreensão das relações sociais que
permeavam a sala de aula e na ponderação a respeito da
mudança de atitudes e comportamentos dos alunos, uma vez
que consideramos ocorrer, nesse processo investigatório “[...]
um constante vaivém entre as fases, que é determinado pela
dinâmica do grupo de pesquisadores em seu relacionamento
com a situação pesquisada” (GIL, 2002, p. 143).
Os participantes desta pesquisa, compunham um grupo de
4 (quatro) alunos, freqüentadores no inicio da pesquisa em
2006, da 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, de um colégio
estadual de um município do Norte do Paraná, nos anos de
2006 e 2007. As idades dos alunos variavam entre 12 e 15
anos, sendo três do gênero masculino e um do gênero
feminino, os quais eram atendidos na Sala de Recursos, em

148
CAPÍTULO 7

período contrário ao qual freqüentavam a sala regular, em


grupos organizados por série e dificuldades escolares
semelhantes, previamente avaliadas pela professora e equipe
pedagógica.
A pesquisa se configurou como pesquisa-ação, estruturada
em duas fases. A primeira de cunho teórico, amparada nas
obras de Vigotski, Leontiev, Luria, Rubinstein e outros. Por meio
desse estudo procuramos subsidiar nossa investigação e o
plano de intervenção sistemática junto aos discentes
participantes da mesma. E na segunda fase, teórico-prática
investigamos as dificuldades escolares, por eles apresentados,
em especial no campo da leitura, por meio da realização de
ações e atividades práticas, planejadas e aplicadas com base
no material coletado.
A avaliação inicial dos alunos indicados pelos professores
do ensino regular, para o ingresso na Sala de Recursos deu-se
por meio dos resultados da leitura, escrita e aritmética obtidos
no Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein, 1994)
juntamente à análise dos dados fornecidos pelos professores
de Língua Portuguesa e Matemática desses alunos e a
anamnese de cada um, realizada unto aos pais. Ao final da
intervenção aplicamos novamente o Teste de Desempenho
Escolar (TDE), além da análise de todo o processo de
participação e modificação do comportamento dos
participantes frente às atividades desenvolvidas no decorrer da
investigação.
Para a apresentação dos níveis de leitura, escrita e
aritmética manifestos nos testes (TDE), verificados inicialmente
nos participantes, utilizamos diferentes abreviaturas com o
objetivo de preservar sua identidade. Os resultados foram os
seguintes:
JV: 13 anos, freqüentador da quinta série, apresentou um
resultado inferior nas áreas de matemática e escrita e
classificação no nível médio, correspondentes à idade de 12
anos ou mais conforme a tabela referente à idade.

149
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

F: 15 anos, da sexta série, obteve um resultado inferior na


área de matemática e classificação no nível médio nas áreas
de escrita e leitura, correspondentes à idade de 12 anos
conforme a tabela referente à idade.
FR: 12 anos, da sexta série, alcançou resultado inferior na
área da matemática e uma classificação no nível médio nas
áreas da escrita e leitura, correspondentes à idade de 12 anos,
conforme a tabela referente à idade.
AM: 13 anos, apresentou um resultado inferior na área da
escrita e uma classificação no nível médio nas áreas de
matemática e leitura, correspondentes a idade de 12 anos,
conforme a tabela referente à idade.
Cabe-nos salientar, que os alunos acima citados fazem
parte de um grupo de vinte e um (21) alunos freqüentadores da
Sala de Recursos e foram selecionados por apresentarem
dificuldades escolares acentuadas em relação ao nosso objeto
de pesquisa.
A intervenção foi objetivada por meio de conversações
orais, gravadas, posteriormente transcritas e analisadas e/ou
atividades escritas nas quais os alunos realizavam a leitura e,
logo em seguida, escreviam o que haviam compreendido da
mesma. As aulas de Língua Portuguesa eram realizadas uma
vez por semana, compreendendo um período de 2 horas/aula.
Privilegiamos em nosso planejamento, a diversidade das
fontes e a qualidade dos textos. Assim, utilizamo-nos de jornais,
revistas, propagandas e do próprio livro didático com algumas
adequações e adaptações.
Nos primeiros encontros, o pouco domínio e a falta de
hábitos de leitura dos alunos ficou bastante evidente.
Realizavam uma leitura fragmentada, pautada em elementos
isolados do texto, que pouco ou nada contribuíam à sua
compreensão.
Esses alunos, na maioria das vezes não teciam
comentários ou argumentavam a respeito da leitura realizada.
Quando solicitados, respondiam com as palavras “boa”, “legal”

150
CAPÍTULO 7

ou “não sei”. Entendemos que a falta de argumentação e,


consequentemente, a ausência de posicionamento pessoal
pode indicar que o leitor, além do pouco conhecimento anterior
a respeito do tema abordado, não tenha conseguido apreender
elementos significativos para emitir alguma opinião.
A cogitação consciente do aluno a respeito do conteúdo em
discussão caracteriza-se por uma relação interna entre o
sentido e a significação, o que permite a generalização e a
reflexão (Leontiev, 2004). Essa relação, quando alcançada, é
exteriorizada por meio da fala, permitindo o estabelecimento de
relações entre as novas informações e as diferentes
experiências anteriormente vivenciadas, assim como, um elo de
comunicação dos participantes, entre si e com a professora.
No decorrer das aulas, percebemos a mudança nesse elo
de ligação, uma vez que, sentidos e significações
depreendidos das leituras passaram a ser expressos por meio
da linguagem. Os alunos, quando solicitados a emitir sua
opinião, o faziam estabelecendo relações entre os textos
explorados em sala de aula e suas experiências pessoais ou
ainda, experiências sociais, políticas e econômicas
presenciadas por eles, fato este que, no inicio da pesquisa não
ocorria.
Faz-se necessário salientarmos que as mediações
previamente planejadas, subsidiadas pelo estudo das
dificuldades escolares dos alunos (primeira fase da pesquisa)
foram fundamentais para a consecução dos resultados.
Procuramos em todas as atividades, promover o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores: a
atenção, para que os alunos aprendessem a se concentrar no
texto e nas discussões; a memória, para que aprendessem a
resgatar seus conhecimentos a respeito do tema discutido
relacionando-os às informações enfatizadas e o constante
estabelecimento de relações com situações do cotidiano para
oportunizar diferentes generalizações. A mediação constituiu-se

151
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

em um dos elementos fundamentais à aprendizagem. Em


outras palavras:

A mediação do outro desperta na mente da criança um


sistema de processos complexos de compreensão ativa e
responsiva, sujeitos às experiências e habilidades que
ela já domina. Mesmo que ela não elabore ou não
apreenda conceitualmente a palavra do adulto, é na
margem dessas palavras que passa a organizar seu
processo de elaboração mental, seja para assumi-las ou
para recusá-las (FONTANA, 1996, p. 19).

E finalmente, com o auxilio do desenvolvimento da


percepção, memória e atenção, foi possível contribuir para que
se tornassem melhor capacitados a estabelecer relações entre
os conteúdos científicos e cotidianos, alcançassem a abstração
e generalização, compreendendo e não apenas decodificando
as informações socialmente divulgadas pelos meios de
comunicação. Enfim, primamos em todos os momentos por
discussões que garantissem a formação de leitores conscientes
e voltados à busca da compreensão dos fatos sociais e da
realidade na qual encontravam-se inseridos.

E mais do que isso, é a consciência que permite ao


homem distanciar-se (ou colocar entre parênteses) o
conteúdo de suas experiências e de suas representações
a fim de proceder à análise e à transformação desse
conteúdo. Consequentemente, o processo de
conscientização, na íntegra do seu movimento, faz com
que o homem dialeticamente direcione-se para
determinados fatos e relações contidos na realidade
circundante e tome distância desses fatos e relações, a
fim de refleti-los, questioná-los e se, necessário,
transformá-los (SILVA, 1986, p. 19).

As palavras opinativas, já citadas anteriormente, como


“boa” e “legal” desapareceram do vocabulário dos alunos, os

152
CAPÍTULO 7

quais passaram a discutir os fatos utilizando-se de conceitos


mais elaborados apreendidos nos textos e aulas, e de exemplos
próprios das suas realidades como confirmadores da opinião
exposta.
Conforme afirma Bortoli (2002) o sentido não é elaborado
exclusivamente pelo autor do texto, mas também pelo leitor, à
medida que interage, compreende e busca seu próprio sentido
reconhecendo “[...] os mecanismos de funcionamento do
discurso, de um processo de significação para chegar a uma
leitura polissêmica, ou seja, de muitos sentidos (p. 90).
A leitura como um processo de produção de sentidos, não
ocorre de forma natural e não-intencional, muito pelo contrário,
constitui-se de uma ideologia produzida historicamente, repleta
de um emaranhado de sentidos produzidos pelas relações de
poder que permeiam nossa sociedade e que, muitas vezes, não
são transmitidos pela própria escola. Daí a importância de o
ensino priorizar significativamente a participação do leitor na
construção de sentidos.
O posicionamento interpretativo do leitor permite a
compreensão da riqueza dos signos elaborados socialmente e
que perpassam historicamente a humanidade. Essa interação
dialética permite que a leitura não represente uma
interpretação pautada em “achismos”, mas uma relação
interpretativa e compreensiva da obra, fundamentada pelo
conhecimento.
Assim, o professor como mediador dessa aprendizagem
pode priorizar momentos de debates e confrontações,
encorajando seus alunos a realizarem interpretações a respeito
do que estão lendo e, ao mesmo tempo, respaldá-los nos
momentos de dificuldade, ambigüidades e tropeços no texto.
Essa mediação, embasada pelo conceito de zona de
desenvolvimento proximal (ZDP)29 de Vigotski, salienta a

29De acordo com Vigotski a zona de desenvolvimento proximal se constitui no espaço


entre o desenvolvimento real (o que a criança já faz sozinha) e o desenvolvimento
potencial ou próximo (o que ela conseguirá fazer com a mediação de outra pessoa).

153
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

necessidade de mediação (ação do professor) num momento


em que o aluno não é capaz de realizar a compreensão do texto
sozinho.
Bortoli (2002) utiliza-se do conceito de Vigotski por
entender que o professor deve sim interferir nas zonas de
desenvolvimento proximal dos alunos, por meio de estratégias
que possibilitem “[...] avanços, reestruturação e ampliação do
conhecimento já estabelecido pelo grupo” (BORTOLI, 2002, p.
93) e, finalmente, a compreensão dos elementos implícitos no
texto. Para isso, necessita conhecer o desenvolvimento real dos
alunos, ou seja, a capacidade de compreensão que os alunos já
possuem.
Ler passa a ser uma prática social desenvolvida e
apreendida pelo indivíduo de forma programada, intencional e
organizada, capacitando-o a interpretar, compreender e sentir
prazer em compartilhar o que leu. No momento em que nos
posicionamos a respeito de nossas escolhas, estamos
possibilitando, além de uma referência como leitor ativo, a
possibilidade e, em particular, a liberdade de escolha,
fundamental a qualquer indivíduo e leitor.
Silva e Zilberman (2005) corroboram com tal
posicionamento quando referem-se à importância da
concepção de leitura veiculada pelas escolas e pelos
professores, na medida em que adotam o desafio de ensinar a
ler e a gostar de ler. Se esta for a postura incorporada pelos
mesmos, a leitura poderá ser entendida dialeticamente, ou
seja, não apenas como um instrumento de manipulação,
utilizado pelas classes dominantes para “conservar” sua
ideologia, mas como um instrumento de conscientização e
conhecimento.
Enfim, ler para quê? Para que a leitura nos faça pensar
com autonomia e criticidade, compreender e dar sentido à
nossa própria vida, de modo que possamos construir nossa
história pessoal e nossa identidade: “[...] a leitura se constitui
uma forma de encontro entre o homem e a realidade sócio-

154
CAPÍTULO 7

cultural, cujo resultado é um situar-se constante frente aos


dados dessa realidade, expressos e interpretados através da
linguagem” (SILVA, 1986, p. 20).

Considerações finais

Para a realização desta pesquisa, partimos do pressuposto


de que a leitura, como instrumento mediador, poderia promover
o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, dentre
elas, a atenção, a memória e a percepção, contribuindo para o
estabelecimento da abstração e da generalização, na
organização do pensamento de adolescentes freqüentadores
de uma Sala de Recursos, com acentuadas dificuldades
escolares em linguagem oral e escrita.
Assim, foi-nos necessário primeiramente, entender a Sala
de Recursos como um serviço especializado de cunho
pedagógico e objeto menor da Educação Especial por meio de
um elemento maior – a Educação. E, consequentemente,
buscar subsídios na relação dialética: inclusão/exclusão para
compreendê-la como um elemento específico que visa amparar
e subsidiar uma luta maior- a inclusão. Infelizmente, o que
constatamos é que em muitas situações, a Sala de Recursos
deixa de ser um componente menor para tornar-se um
componente maior ou, muitas vezes, o único dentro das
instituições escolares, responsável pela inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais e/ou dificuldades
escolares. Desse modo, muitas vezes, deixa de servir como
suporte e apoio especializado, para transformar-se em mais um
elemento dissimulador da exclusão.
Para que isso não ocorra e nem mesmo a Sala de Recursos
deixe de fazer parte da Educação, elencamos um dos pontos
que foram essenciais à nossa pesquisa e ao trabalho cotidiano
em sala de aula, visto que nos encontramos numa posição de
professora-pesquisadora. É a relação estabelecida entre o
professor da Sala de Recursos e os professores da classe

155
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

comum, principalmente, os responsáveis pelas disciplinas de


Língua Portuguesa e Matemática. São eles, que fornecem ao
professor da educação especial os principais indicadores que
direcionam o planejamento das mediações e, finalmente, são
eles que identificam e certificam os avanços ou não obtidos em
relação ao trabalho realizado.

Os resultados, baseados em uma segunda aplicação dos


testes de desempenho escolar, além da avaliação continuada
do desempenho dos jovens por meio da aplicação de diferentes
atividades relacionadas à leitura, demonstraram uma mudança
significativa no processo de compreensão, interpretação e
postura desses alunos em relação aos dados iniciais.
Um dos aspectos que merecem destaque é a ampliação do
sentimento de confiança em si próprio, nos professores e
colegas, visto que todos os alunos pesquisados apresentavam
características como o isolamento, a baixa auto-estima, a
quietude e o medo de errar. Características estas que
gradativamente foram modificadas e substituídas por outros
comportamentos como a maior participação, exposição das
dúvidas, interesse em realizar as atividades e compreender os
conteúdos discutidos, iniciativa, independência e maior
sociabilidade.
Considerar, portanto, o ritmo, o tempo, as limitações e
necessidades, e principalmente, desenvolver a sensibilidade de
identificar os avanços desses alunos, têm sido um dos maiores
desafios da Educação Especial. Afinal, não desejamos com o
nosso trabalho de pesquisadora, nem mesmo de professora,
que todos se tornem iguais, mais sim, que possam ser
conhecidos pelas suas características próprias e únicas de
cada ser humano.
Enfim, mais do que sanar as dificuldades escolares
apresentadas por esses alunos, nosso objetivo maior se pautou
na formação de pessoas, conscientes e atuantes em relação às
diversas leituras emitidas cotidianamente pelo ambiente no

156
CAPÍTULO 7

qual convivem. Ambiente este, repleto de leituras por textos,


mensagens e comportamentos que emitem ou muitas vezes
omitem intenções, valores e interesses.
Acreditamos que os resultados dessa pesquisa
contribuíram não apenas para o desenvolvimento da
aprendizagem da leitura de alunos com dificuldades escolares,
mas colaboraram principalmente, para aprimorar a formação
de indivíduos, mais habilitados para interpretar as inúmeras
leituras proferidas cotidianamente, com suas diversas
mensagens que perpetuam as diferenças e alimentam a
exclusão.
Entendemos que esse avanço alcançado pelos educandos
não vai eliminar a exclusão social existente, no entanto, a
discussão desse estudo pode alertar aos professores a respeito
da importância e necessidade de formar pessoas capazes de
compreender o ambiente no qual estão inseridos, as
mensagens aí veiculadas, de modo a realizar suas próprias
escolhas e discernir entre os diversos tipos de leituras e
informações que circundam nossa sociedade com objetivos
implícitos e voltados a interesses de uma minoria.

Referências

BORTOLI, Lúcia Helena de. Leitura: os nós da compreensão.


Passo Fundo : UPF, 2002.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Fundamental. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica. Brasília: 2001.
FONTANA, Roseli A. Cação. Mediação pedagógica na sala de
aula. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1996.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2002.

157
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina


et al (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do
professor. 10. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991.
LEONTIEV, Aléxis. O desenvolvimento do psiquismo. 2. ed. São
Paulo: Centauro, 2004.
LURIA, Alexandr Romanovich. Cap. III-A atividade Consciente do
Homem e Suas Raízes Histórico-Sociais. In: Curso de psicologia
geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
SILVA, Ezequiel T. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas,
SP: Papirus, 1986.
STEIN, L.M. TDE: teste de desempenho escolar: manual para
aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Obras escogidas. Madri: Visor,
1983. v. 3.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação da mente. 6. ed. São
Paulo: Fontes, 1998.

158
CAPÍTULO 8

DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA EM SALA DE RECURSOS1

Lucilia Vernaschi de Oliveira


Nerli Nonato Ribeiro Mori

Introdução

O presente texto diz respeito à sistematização e análise de


dados sobre o papel da sala de Recursos (SR) de 1ª a 4ª séries,
quanto ao desempenho da linguagem escrita do aluno. A
pesquisa foi realizada em duas escolas estaduais do Município
de Maringá, com 02 (duas) turmas de alunos de SR, nelas
ingressos no ano de 2003.
O critério utilizado para a seleção dos locais em que
ocorreria a investigação foi o tempo em que o programa de
apoio especializado estava sendo ofertado: mais de cinco anos.
O primeiro local foi intitulado Escola A-SR e o segundo, Escola
B-SR. Os alunos da primeira instituição foram caracterizados de
A1 até A26; da segunda, de B1 a B22.
Com isso, com base na aplicação de instrumento de
avaliação da escrita dos alunos, à época do estudo (2008),
analisou-se o desenvolvimento na aprendizagem da linguagem
escrita em relação à avaliação psicoeducacional inicial (2003),
os aspectos ortográficos, em contraponto aos aspectos de
Língua Portuguesa, conforme constam em documento de
encaminhamento dessas crianças para o programa de apoio.
Selecionou-se para análise, por amostragem, a escrita de
quatro alunos que participaram da SR por cinco anos, e

1Opresente artigo é parte da pesquisa de mestrado intitulada: Sala de Recursos e


Desenvolvimento da Linguagem Escrita – Universidade Estadual de Maringá/Pr.
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

encontravam-se matriculados no ER (ensino regular). Para isso,


elaborou-se um roteiro para o primeiro contato com a escrita
desses alunos.
Como ponto de partida, procedeu-se à análise da escrita
dos alunos, situando as dificuldades de escrita descrita e
transcrita da avaliação de ingresso na sala de recursos, em
contraponto com as hipóteses/transgressões realizadas na
produção de escrita no decorrer da pesquisa (2008), levando
em consideração que os desvios da língua escrita padrão, não
são aleatórios, mas possíveis de reflexões. A seguir, foi
analisado e discutido o desenvolvimento da escrita dos alunos:
A4, A5, A23 e B22. Na coleta de dados foram encontrados seis
(6) sujeitos que participaram por cinco anos das SR,porém
foram selecionados apenas quatro uma vez que dos outros dois
alunos não havia dados suficientes.

Análise dos relatórios de Avaliação Psicopedagógica em


contraponto com escrita apresentada à época da pesquisa

Para efeito de acompanhamento da análise estabelecida


entre os relatórios da Avaliação Psicopedagógica (2003)
realizada nos estabelecimentos em que os alunos se
encontravam e a escrita por eles apresentada no processo de
investigação (2008), optou-se por apresentar as informações
de cada educando separadamente. Os relatórios
psicopedagógicos são transcritos na íntegra. Para a produção
do texto solicitada aos alunos a pesquisadora apresentou um
roteiro para servir de subsídio à escrita. Nas reflexões a
respeito da escrita dos alunos houve o cuidado em descrever
as dificuldades por eles apresentadas e, após, a análise de
cada uma das situações.

160
CAPÍTULO 8

Aluno A4

No que diz respeito aos domínios dos conteúdos em Língua


Portuguesa (2003):

Leitura: Em situação de leitura demonstrou empenho e


interesse, às vezes revelou-se tímida e envergonhada,
alegando não saber, mas colaborou, expressando uma
leitura lenta e soletrada, que compromete a
compreensão do conteúdo. Necessita de auxílio para
melhorar o ritmo e a fluência. Diante de textos simples
sua compreensão é boa, fato observado através de
expressão verbal oral. Escrita: Em atividade de escrita
revelou motivação, iniciativa e criatividade,
demonstrando capacidade de organização do
pensamento em seqüência espaço temporal, com
sentido. Observou-se erros ortográficos, dificuldades
quanto a estrutura formal (parágrafo, pontuação,
travessão...), trocas e omissões de letras.

Figura 1: Escrita do aluno (2008), produzida por meio de instrumento de avaliação


organizado pela pesquisadora

161
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

A escrita (2008) do aluno A4, em contraponto com a


síntese em Língua Portuguesa (2003), do relatório de avaliação
que o encaminhou à SR, verifica-se quanto:

Erros ortográficos

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Sonorização do “t” e inversão
das letras “i” e “r”.
Matéria “madeira” (linha 7) (L) Substituição do “t” pelo “d”,
visto que são produzidos no
mesmo ponto articulatório.
Ao grafar a palavra “nunca”,
evidencia-se a não
necessidade de marcar, na
escrita, a qualidade nasal da
vogal.
Justifica-se, também, pela
incidência do mesmo grafema
na palavra; pois, com apoio na
“nuca” - omissão do fala, há, possivelmente, o
Nunca
grafema “n”. (1inha 9) prolongamento do fonema
nasal.
Observa-se que tal dificuldade
encontra-se em processo
assistemático, ou seja, em
vias de se consolidar, pois
grafou corretamente:
“estudando, quando, atenta,
consigo e conversa”.

No texto apresentado anteriormente, observa-se que houve


uma aproximação de sua escrita atual à escrita ortográfica
convencional. A queixa inicial de “erros ortográficos”, como
trocas e omissões de letras, foi evidenciado em sua produção
textual apenas em duas hipóteses, demonstrando que o aluno
já internalizou grande parte dos processos de sistematização
ortográfica da linguagem escrita. Realizou uma autocorreção na
primeira linha: “estudando”, o que caracteriza reflexão quanto
aos processos cognitivos da escrita. Omitiu o acento da palavra
“difícil” (linha 5).

162
CAPÍTULO 8

Hipóteses ortográficas quanto à realização da nasalidade

Palavra
Hipótese/transgr
alvo/con Reflexão
essão
vencional
Nunca “nuca” - omissão Ao grafar a palavra “nunca”, evidencia-se a não
do grafema “n”. necessidade de marcar, na escrita, a qualidade
(L 9) nasal da vogal.
Justifica-se, também, pela incidência do mesmo
grafema na palavra; pois, com apoio na fala, há,
possivelmente, o prolongamento do fonema
nasal.

Hipóteses ortográficas quanto ao traço de sonoridade

Palavra
Hipótese/tra
alvo/conven Reflexão
nsgressão
cional
Matéria “madeira” (L Sonorização do “t” e inversão das letras “i” e “r”.
7) Substituição do “t” pelo “d”, visto que são
produzidos no mesmo ponto articulatório.

ALUNO A5

De acordo com a ficha de acompanhamento semestral do


aluno, no Ciclo Básico de Alfabetização, apresentou nos dois
semestres de 2003, em Língua Portuguesa:

Oralidade: Relata histórias vivenciadas, experiências


pessoais, filmes e passeios. Identifica rótulos, legendas,
cartazes. Representa através de desenhos situações
apresentadas. Lê por escolha própria, livros só com
desenhos. Escrita: Reconhece e escreve o próprio nome
e o nome de alguns colegas. Identifica letras em
qualquer material escrito. Reproduz através de desenhos
e histórias contadas, fatos vivenciados e passeios.

163
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Figura 2: Escrita atual do aluno, produzida a partir de instrumento de avaliação.

Conforme dados do relatório de avaliação descrito


anteriormente, o aluno A5 encontrava-se em processo inicial de
alfabetização, apenas “identificando letras”. No entanto, na sua
escrita atual, evidencia-se que, apesar da dificuldade no
traçado da letra cursiva, principalmente do grafema “v” e da
vogal “a” no final de palavras, e de outras hipóteses
ortográficas e estruturais apresentadas, conseguiu se
expressar por meio dela.

164
CAPÍTULO 8

Quanto às hipóteses ortográficas, apresentou:

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Faço “fasso” (linha 1) (L) Confusão no uso do “ç” ou dois “s”
Recursos “recurço” (título) para grafar o som de “s” forte no
final da palavra.
Desde “vês” (L 1) Variedade lingüística
Problema “pobrema” (L 10)
para mim “pramen” (L 2) Dificuldade na segmentação -
a sala “Asala” (L 2 e 9) Hipossegmentação. Essa hipótese
de recursos “derecurço” ( L 9) evidencia apoio na oralidade ao
ter fé “terfe” (L 11) escrever.
Amigo “a maigos” (L 10) Dificuldade na segmentação das
Ajudo “a judô” (L 11) palavras, ocorrendo a
Hipersegmentação. Essa hipótese
evidencia reflexão e generalização
de regras na escrita.
Muito “nuito” (L 2) Apresentou confusão no uso do
mais “nais” (L 6) “m” e “n”, que graficamente são
importante “inportante” (L 2) letras semelhantes, tanto no
sempre “senpre” (L 11) traçado quanto na emissão nasal.
bagunça “baguancar” (L 5)
Bagunça “baguancar” (L 5) Omissão da cedilha/ desatenção.
Estudar “estodar” (L 6) Realizou troca da vogal “u” por “o”.

Hipóteses ortográficas quanto à segmentação das palavras

Palavra Hipótese/transgressã Reflexão


alvo/convencional o
para mim “pramen”(L 2) Dificuldade na segmentação -
a sala “asala” (L 2 e 9) hipossegmentação. Essa
de recursos “derecurço” ( L 9) hipótese evidencia apoio na
ter fé “terfe” (L 11) oralidade ao escrever.
Amigo “a maigos” (L 10) Dificuldade na segmentação -
ajudo “a judô” (L 11) hiper-segmentação. Essa
hipótese evidencia reflexão e
generalização de regras na
escrita.

165
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Hipóteses ortográficas quanto à nasalidade e a confusão de


letras com traçado parecido

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Muito “nuito” (L 2) Apresentou confusão no uso
mais “nais” (L 6) do “m” e “n”, que
importante “inportante”(L 2) graficamente são letras
sempre “senpre” (L 11) semelhantes, tanto no
bagunça “baguancar” (L 5) traçado quanto na emissão
nasal.

Hipóteses ortográficas quanto ao uso do “s”

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Faço “fasso” (L) Confusão no uso do “ç” ou
recursos “recurço” (título) dois “s” para grafar o som
de “s” forte no final da
palavra.

Hipóteses ortográficas quanto à variedade lingüística e apoio


na oralidade

Palavra
alvo/convenciona Hipótese/transgressão Reflexão
l
Desde “vês” (L 1) Variedade lingüística
problema “pobrema” (L 10)

Estudar “estodar” (L 6) Realizou troca da vogal “u” por


“o”.

ALUNO A23

No que diz respeito aos domínios dos conteúdos de Língua


Portuguesa esse aprendiz manifestou as seguintes
características:

166
CAPÍTULO 8

[...] Oralmente responde e explica o que é pedido, mas na


escrita não copia, não tem seqüência nas folhas do
caderno, recusa-se a registrar os conteúdos. Consegue
fazer interpretações, mas tem dificuldade na produção
de textos.

Figura 3: Escrita atual do aluno, produzida a partir de instrumento de avaliação.

De acordo com a queixa constante na avaliação, o aluno


apresentava, naquele momento, rejeição no que se referia à
escrita, e, possivelmente, não compreendia o mecanismo de
uso das “folhas do caderno”, o que pode revelar a não
aquisição de questões elementares da escrita, como: escrever
da esquerda para a direita e de cima para baixo. Assim, torna-
se importante compreender, naquela etapa, o seu
desenvolvimento cognitivo, a sua dificuldade em se apropriar

167
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

da representação simbólica da escrita. No decorrer da


investigação, observou-se o seguinte:

Hipóteses ortográficas e hipóteses quanto ao uso do “s”

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
interessante “desintereçante” (linha 4) Apresentou refacção e,
escreveu, em seguida,
três vezes de forma
correta essa mesma
palavra.

Apesar de apresentar bom domínio do código linguístico, o


aluno A23 limitou-se a responder o roteiro que serviu de
subsídio à escrita, mas mesmo assim revelou dificuldades em
segmentar o texto em parágrafos. No entanto, foi coerente com
o tema proposto, embora não fizesse uso de recursos da língua
escrita para articular e encadear as idéias.

ALUNO B22

Quanto ao domínio dos conteúdos de Língua Portuguesa:

[...] É destra, preensão correta, pressão um pouco forte,


folha em vertical, letra de imprensa maiúscula. No
desenho da figura humana, iniciou pelo braço esquerdo,
direito e cabeça, continuando o corpo, sem base. A
pedido desenhou à volta, chão, flores e casa.
Extremamente lenta, fica muito tempo para escrever
cada letra, inquieta e sempre se movimentando mexendo
na correntinha do pescoço. Fornece dados sobre a
família, mantém diálogo simples, apresenta boa
linguagem expressiva. Leitura não convencional, acerta
algumas letras em sílabas, dominando o L e B, mas pelas
trocas, é instável, costuma ir falando: F(éfe) com A... e
não diz “fa” ou outra sílaba com coerência. Aproxima os
olhos para ver letra pequena. Na escrita, mistura nível
pré-silábico com algumas tentativas configurando o nível

168
CAPÍTULO 8

silábico com trocas de letras. Na construção da escrita


pedida fica olhando para a avaliadora sem compreender,
não sabe pontuação. Escreveu as palavras com muita
dificuldade na definição tanto ao escrever como ao ler o
que escreveu, não conseguiu escrever frase. Escreve só o
prenome. Na tentativa de letra cursiva, não consegui
traçar com facilidade, mesmo copiando. Da letra de
imprensa maiúscula, consegue copiar, na seqüência das
letras das palavras, demonstrando boa coordenação.
Não identifica todo o alfabeto.

Figura 4: Escrita do aluno, produzida com apoio de instrumento de avaliação (2008).

169
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Na escrita verificada pela pesquisadora, em contraponto à


queixa inicial, quanto aos aspectos ortográficos apresentou:

Processo inicial de alfabetização/aquisição do código


linguístico

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão da Pesquisadora
alvo/convencional
Mas “mais” (linha 2, 11,13 e
três 15) (L) Generalização de regra e
estudar “trêis” (L4) apoio na fala.
“estuda” (L10 e 16)
Caça “cassa” (L7)
Dificuldade no uso do “s”
comecei “comessei” (L 15 e 16)
duplo, “c” e “ç”.
ensinando “enssinando” (L26)
Coisa Dificuldade no uso do “s”
“coiza” (L12)
fazer entre vogais com som de
“fazer” (L 18)
quase “z” ou do próprio “z”.
“quaze” (L12)
Generalização de regra.
Então Dificuldade na
“em tão” (21) segmentação –hiper-
segmentação.
por isso Dificuldade na
“porisso” (L 26) segmentação -
hipossegmentação.
Gosto Dificuldade quanto ao
“costo” (L27)
traço de sonoridade.
Mesma Substituição do grafema
“messa” (L 12)
“m” por “s”.
Nada
“na do” (L 29) Omissão de sílaba átona.

Hipóteses ortográficas quanto à segmentação das palavras

Palavra Hipótese/transgressão Reflexão


alvo/convencional
Então “em tão” (L 21) Dificuldade na segmentação
– hiper-segmentação.
por isso “porisso” (L 26) Dificuldade na segmentação

hipossegmentação.

170
CAPÍTULO 8

Hipóteses ortográficas quanto ao traço de sonoridade


Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Gosto “costo” (L 27) Dificuldade quanto ao
traço de sonoridade.

Hipóteses ortográficas quanto ao uso do “s”

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Caça “cassa” (L7) Dificuldade no uso do “s”
comece “comessei” (L 15 e 16) duplo, “c” e “ç”.
ensinando “enssinando” (L 26)
Coisa “coiza” (L 12) Dificuldade no uso do “s” entre
fazer “faser” (L 18) vogais com som de “z” ou do
quase “quaze” (L 12) “z”. Generalização de regra.

As trocas de ordem de transcrição fonética dão indício de


que o aprendiz da linguagem escrita está se apoiando nos sons
da fala ao escrever. Considerando, conforme hipóteses acima
indicadas, que a diferença entre os elementos fonéticos “t” por
“d” (aluno A4) houve a sonorização e “k” por “g” (aluno B 22)
ocorreu a dessonorização, pois ambos são marcados pelo traço
de sonoridade, ou seja, com vibração ou não de pregas vocais
no momento de emissão dos sons da fala, pois: “[...] ao
escrever pautado na articulação ou no sussurro desses
elementos, o aprendiz pode chegar a conclusões “equivocadas”
na medida em que fica sem pistas para representar, na escrita,
a diferença entre consoantes surdas e sonoras” (MASSI, 2007,
p. 94).
Nesse sentido, ao se apoiar nos sons da fala para escrever,
o aprendiz tem nos mesmos pontos articulatórios a produção
de tais fonemas, o que pode gerar uma “troca” desses, já que a
sua distinção mais evidente é o traço de sonoridade. Então,
temos nessa produção uma dificuldade fonológica e não
ortográfica. Um som é sonoro quando na sua emissão
articulatória ocorrem vibrações das pregas vocais. Ao passo

171
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

que, um som é surdo quando, na sua produção articulatória, as


pregas vocais permanecem abertas, sem vibração.

Hipóteses ortográficas quanto à variedade linguística e apoio


na oralidade

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Mas “mais” (L 2, 11,13 e Generalização de regra, apoio
três 15) na fala e variedade linguística.
estudar “trêis” (L 4)
“estuda” (L 10 e 16)

Hipóteses ortográficas quanto à substituição e omissão de


sílaba

Palavra
Hipótese/transgressão Reflexão
alvo/convencional
Mesma “messa” (L 12) Substituição do grafema “m”
por “s”.
Nada “na do” (L 29) Omissão de sílaba átona

Discussão dos Resultados Obtidos na Análise da Escrita Atual

Constatou-se que, os dados de Língua Portuguesa, da


avaliação inicial de encaminhamentos à SR se referem,
predominantemente, à ortografia das palavras, os quais serão
discutidos a seguir.

Aspectos ortográficos da escrita

Aspectos ortográficos dizem respeito às características da


representação gráfica da linguagem escrita, em consonância
com as respectivas regras ortográficas convencionais. Nesse
sentido, as hipóteses realizadas nos textos analisados são
quanto: à segmentação das palavras; confusão quanto à

172
CAPÍTULO 8

nasalidade; dificuldade quanto ao traço de sonoridade de


fonemas; dificuldade quanto ao uso do “s” em diferentes
posições da sílaba; uso da variedade linguística/apoio na
oralidade e, quanto a omissão e substituição de letras/sílaba
na escrita.

Hipóteses ortográficas quanto à segmentação das palavras

No processo de apropriação da escrita, muitas vezes, a


criança ao escrever, se baseia no contínuo da fala e, por isso,
aparece, em seu texto, marcas de hipossegmentação.
Conforme vai se familiarizando com a escrita, observa que há
espaços para separar as palavras e que, ora uma letra pode ser
uma sílaba, uma letra de uma sílaba ou uma palavra. Com isso,
ao escrever, pode separar palavras desnecessariamente, pois:

Quanto à segmentação considerada indevida de objetos


escritos, os autores nos mostram que o aprendiz constrói
hipóteses resultantes de ações sobre, com e da
linguagem, as quais podem levá-los, em alguns casos, a
hipossegmentações e, em outros, a hipersegmentações.
No primeiro caso, os alunos – de uma forma geral – se
embasam no contínuo da oralidade, apresentando
junturas vocabulares, como quando escrevem “eu fui”
para “eu fui” ou “ainsima” para “aí em cima”. No
segundo caso, os alunos apresentam separações
supostamente impróprias de palavras pelo fato de
intuírem sobre a segmentação de enunciados escritos,
porque já têm algum conhecimento sobre convenções da
escrita. Percebendo, por exemplo a ocorrência de
unidades como “o”, “a”, “em”, “de”, “com”, os
aprendizes, tornando evidente a manipulação que fazem
da linguagem, escrevem “a gora” em vez de “agora”,
“com tente” para “contente”. Além disso, casos de
hipersegmentações podem decorrer da necessidade que
o aluno tem de interromper a escrita quando precisa

173
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

decidir sobre a adequação de um símbolo ou forma


gráfica de determinado vocábulo (MASSI, 2007, p. 95).

Ao se referir sobre a hipo e hiper-segmentação na escrita


espontânea de alunos em processo de apropriação da
linguagem escrita, Silva (1994) afirma que os critérios para
marcar a escrita em espaços em branco não são convencionais
e “idiossincráticos”, o que nesse tipo de escrita as hipóteses de
hipossegmentação são mais comuns. Acrescenta que, muitas
das segmentações adequadas resultam do modelo escolar que
o aluno já se apropriou, como também propõe soluções para
cada caso.
A esse respeito, Smolka (2001) afirma que, no processo
inicial da aquisição da linguagem escrita, o discurso interior se
materializa na produção da criança. A autora afirma também:
“Essa escrita inicial não pode ser analisada apenas segundo as
regras lógicas, ortográficas e gramaticais”. Ao discorrer sobre a
análise da escrita inicial da criança, a autora supracitada,
afirma ainda que: “Uma análise, então, dos processos e das
circunstâncias de produção de textos pode revelar, além de
condições do cotidiano da criança, aspectos da sua atividade
mental, discursiva, bem como a revelação que ela vai
desenvolvendo com a própria escrita [...]” (SMOLKA, 2001, p.
79).
Nesse sentido, a criança, por assumir, em sua escrita,
características e marcas do movimento discursivo interno,
percebe também que pode escrever de tudo, com isso, ela
realiza as mais diferentes hipóteses, sendo que, aglutina,
separa, omite, acrescenta, repete, inverte e, nesse processo de
elaboração e reelaboração vai se familiarizando com a nova
modalidade da linguagem: a escrita.
No entanto, muitas vezes, a escola não considera os
processos inerentes ao conhecimento e apropriação da escrita,
pelos quais a criança passa e, “dita” e “impõe” um único modo
de escrever, o que contribui, sobremaneira, para o fracasso
escolar.

174
CAPÍTULO 8

Hipóteses ortográficas quanto à realização da nasalidade

A não realização da nasal observou-se em apenas um


momento e somente na produção do aluno A4, embora ele
tenha realizado graficamente, de acordo com a norma culta, as
situações: “estudando” ( L1); “mim” (L 2); “quando” (L 3);
“atenta” (L 4); “consigo” (L 4); “conversa/” (L 10); e “quem” (L
12), o que mostra que, provavelmente, pelo prolongamento da
primeira nasal “n” com apoio na fala “nunca”, fonologicamente
não percebeu a necessidade de marcá-lo na escrita. Nesse
sentido:
Essa variedade de alternativas (no sistema alfabético)
explica por que, a princípio, as crianças têm tanta dificuldade
de adotar as formas corretas. No entanto, se olharmos bem,
veremos que o uso dessas diferentes alternativas para marcar
a nasalização em português está completamente definido por
regras (e não só o uso do M e do N em posição final de sílaba).
Veja-se, por exemplo, que as palavras terminadas em /ã/ se
escrevem com til, que as palavras terminadas em /ei/ - como
“jovem” e “também” – se escrevem sempre com M, etc.
sempre há regras para cada contexto específico, regras que o
aprendiz pode vir a compreender cedo, sobretudo se a escola o
ajudar (MORAIS, 2003, p. 31).
A respeito da nasalidade, o autor ainda acrescenta que,
essa pode ser marcada com o “m” ou “n” no final de sílaba; uso
do diacrítico til (~); uso do dígrafo “nh” e nos casos de
nasalização ‘por contiguidade’, ou seja, quando uma sílaba
seguinte inicia com uma consoante nasal, no caso /ama/.

Hipóteses ortográficas quanto à nasalidade e a confusão de


letras com traçado parecido

Quanto ao uso do grafema “m”, o aluno A5 comete


transgressões com o “n” ao invés do “m”, tanto antes da
consoante “p” quanto ao grafar palavras que iniciam com o

175
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

grafema “m” que, de acordo com a convenção ortográfica,


ambas marcam a nasalidade. Cagliari (1991, p140) explica
essa hipótese ortográfica como “uso indevido de letras” e essa
se dá “pelo fato do aluno escolher uma letra possível para
representar um som de uma palavra quando a ortografia usa
outra letra” .

Hipóteses ortográficas quanto ao uso do “s”

As trocas de ordem de transcrição fonética dão indício de


que o aprendiz da linguagem escrita está se apoiando nos sons
da fala ao escrever. Considerando, conforme hipóteses acima
indicadas, que a diferença entre os elementos fonéticos “t” por
“d” (aluno A4) houve a sonorização e “k” por “g” (aluno B 22)
ocorreu a dessonorização, pois ambos são marcados pelo traço
de sonoridade, ou seja, com vibração ou não de pregas vocais
no momento de emissão dos sons da fala, pois: “[...] ao
escrever pautado na articulação ou no sussurro desses
elementos, o aprendiz pode chegar a conclusões “equivocadas”
na medida em que fica sem pistas para representar, na escrita,
a diferença entre consoantes surdas e sonoras” (MASSI, 2007,
p. 94).
Nesse sentido, ao se apoiar nos sons da fala para escrever,
o aprendiz tem nos mesmos pontos articulatórios a produção
de tais fonemas, o que pode gerar uma “troca” desses, já que a
sua distinção mais evidente é o traço de sonoridade. Então,
temos nessa produção uma dificuldade fonológica e não
ortográfica. Um som é sonoro quando na sua emissão
articulatória ocorrem vibrações das pregas vocais. Ao passo
que, um som é surdo quando, na sua produção articulatória, as
pregas vocais permanecem abertas, sem vibração.
O sistema de escrita do português é predominantemente
alfabético, ou seja, para cada som (fonema) emitido há uma
representação na escrita, um código (letra ou grafema). No
entanto, há fonemas que são representados por mais de uma

176
CAPÍTULO 8

forma, e, no caso em análise, situa-se o uso do “s”. De acordo


com as normas ortográficas convencionais, para o fonema /s/
concorre o uso dos grafemas “c”, “ç”, “x”, “sc”, “sç” além de
concorrer com as variações do uso do “s” como: “s” no início da
palavra assume som forte; “s” entre vogais toma a sonoridade
do /z/; “ss” entre vogais assume a sonoridade forte, como
quando é usado um “s” no início da palavra; e “s” entre
consoante e vogal, também apresenta sonoridade forte.
Ainda nessa análise, pela irregularidade da escrita do “s”,
percebe-se nas hipóteses ortográficas apresentadas pelos
alunos A5 – “fasso” para faço e B22 – “cassa” para caça e
“comessei” para comecei que, apesar de não grafarem de
acordo com as normas ortográficas convencionais, já
interiorizaram, possivelmente que, entre vogais, para marcar o
som forte do /s/ deve-se dobrá-lo, o contrário assumiria o som
de /z/, o qual, mesmo não ortograficamente correto, na leitura,
produz-se foneticamente correto. O aluno B 22 grafou
“desintereçante” para desinteressante e o aluno A4 “recurço”
para recursos, o que evidencia a irregularidade no uso do “s”, já
que o grafema “ç” marca a sonoridade do /s/ forte. Ainda
quanto à sonoridade do /s/ forte, o aluno B22 grafou
“enssinando” para ensinando, o que mostra que ainda não
assimilou a ortografia de que entre consoante e vogal, usa-se
apenas um “s” para marcar a sonoridade forte desse grafema.
Outra hipótese apresentada quanto ao uso do “s” é quando
esse concorre com o fonema e grafema “z”. O aluno B22, em
sua produção apresentou hipóteses quanto ao uso do “s” com
som de /z/ e o próprio /z/ com sua sonoridade. Embora “coiza”
para coisa e “quaze” para quase tenham na sonoridade o som
de /z/, na convenção ortográfica são grafados com “s”. Ainda
com a dúvida ao se usar “s” ou “z” para grafar a sonoridade de
/z/, esse aluno grafou “faser” para fazer.
Nesse sentido, ao analisar a complexidade da convenção
ortográfica, o autor abaixo referenciado explica:

177
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Dada a sua natureza de convenção social, o


conhecimento ortográfico é algo que a criança não pode
descobrir sozinha, sem ajuda. Quando compreende a
escrita alfabética e consegue ler e escrever seus
primeiros textos, a criança já aprendeu o funcionamento
do sistema de escrita alfabética, mas ainda desconhece
a norma ortográfica. Essa é uma distinção importante
para entendermos por que os alunos principiantes
cometem tantos erros ao escrever seus textos e por que
temos que ajudá-los na tarefa de aprender a “escrever
segundo a norma” (MORAIS, 2003, p. 20).

Concordando com a referência acima, nas hipóteses


ortográficas quanto ao uso do “s” em diferentes posições nas
sílabas e palavras, ficou evidente nas produções analisadas
que, essas hipóteses estão em via de se consolidarem, pois no
nível fonológico, há uma única forma de serem marcadas e a
assimilação da norma ortográfica convencional, depende, do
seu uso funcional e da consciência por parte do escrevente,
dos conceitos que cada regra da escrita encerra.

Hipóteses ortográficas quanto à variedade linguística e apoio


na oralidade

É muito comum encontrar na escrita de alunos que se


encontram em processo de apropriação dessa modalidade de
linguagem, aspectos da oralidade do dialeto a que pertencem.
A esse respeito, observamos que:

Quanto aos problemas decorrentes de variedade


lingüística, é preciso entender, de saída, que diferentes
formas de falar constituem-se em virtude de
características peculiares de cada grupo social, tornando-
se necessário contrapor-se àquela perspectiva que
concebe, de acordo com uma falsa visão da realidade, a
existência de um único modo de falar correto. Antes de
aprender a escrever, qualquer sujeito – seja criança,

178
CAPÍTULO 8

jovem ou adulto – já domina uma das diferentes


variedades de sua língua materna. Utilizando-se desse
domínio, o aprendiz pode, influenciado por sua variedade
lingüística, escrever “pidir” para “pedir”, “cadera” para
“cadeira”, “fazenu” em vez de “fazendo”, “homi” no lugar
de “homem”, “poblema” por “problema”, “craro” para
“claro”, entre inúmeras outras variações (MASSI, 2007,
p. 94).

A autora acima citada adverte para os “preconceitos


linguísticos” e a patologização acerca dos aspectos que
“espontaneamente acompanham a apropriação e o uso da
escrita. Acrescenta que tais inadequações podem ser
superadas:

[...] à medida que o aluno, em conjunto com o outro,


perceber, por um lado, as variedades dialetais e os
diferentes valores que a sociedade atribui a elas; e, por
outro, as relações variáveis entre sons e letras, bem
como o fato de a escrita vincular-se à fala por meio de
uma relação arbitrária de símbolos (MASSI, 2007, p. 95).

Hipóteses ortográficas quanto à substituição e omissão de


sílaba

No que se refere à omissão ou substituição de grafemas,


mais que omitir ou substituir, é necessário analisar o motivo
que levou o aluno a estabelecer tais hipóteses. O aluno B22, ao
grafar a palavra “mesma” realizou, possivelmente, com apoio
na fala, na produção do fonema /s/ e o grafou no lugar do
grafema “m”. A segunda transgressão se refere à omissão da
sílaba átona “da” da palavra “nada”. É interessante observar
que após a palavra “nada” o aluno grafou o elemento de
ligação “do”. “[...] eu não ia saber na do que sei” (L 29). O que
revela não apenas desatenção, mas uma supressão com apoio
na fala.

179
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Conclusão

A presente pesquisa teve como objetivo investigar como a


prática pedagógica empreendida em SR de 1ª a 4ª séries – na
modalidade Deficiência Mental – tem contribuído para o
desenvolvimento da escrita em alunos que frequentaram esse
contexto escolar de apoio especializado nos anos
compreendidos entre 2003 a 2007.
Do total geral de alunos ingressos em SR, foram
selecionados quatro deles que frequentaram essa modalidade
de ensino no período de cinco anos e analisou-se a escrita
atual em contraponto com a queixa da escrita inicial, de
ingresso no serviço de apoio pedagógico especializado.
O aluno A4 apresentava como queixa inicial, as
dificuldades ortográficas e dificuldades quanto à organização
estrutural do texto. Por meio de sua produção textual no
decorrer da pesquisa, observou-se que tais dificuldades não
foram tão frequentes, evidenciando processo de superação,
uma vez que, em seu texto, houve poucas hipóteses
ortográficas e conseguiu se expressar e se posicionar por meio
da linguagem escrita.
Ao estabelecer-se a comparação entre a escrita inicial e a
manifestada na investigação pelo aluno A5, conforme dados da
avaliação psicopedagógica, já descritos, esse aluno encontrava-
se em processo inicial de alfabetização, apenas “identificava
letras”, o que, possivelmente, eram letras do seu nome, dos
colegas e de material de sua prática social. Observou-se em
sua escrita atual, de maneira geral, quanto aos aspectos
ortográficos da escrita, que apresentou hipóteses na
segmentação das palavras, dificuldades no uso do grafema “s”
e suas variações, confusão no traçado do “m” e no seu uso
convencional antes dos grafemas “p” e “b”.
Quanto aos aspectos de estrutura textual, o aluno ainda
não havia se apropriado dos conceitos de coesão textual,
pontuação e paragrafação, o que poderia ser superado com

180
CAPÍTULO 8

ensino sistemático e direcionado às suas dificuldades, como a


elaboração de conceitos pelo próprio aprendiz. O contrário
resultaria no que Massi (2007) adverte: “vários pesquisadores
teimaram, por muito tempo, em ver as produções escritas
infantis como simples manifestações imperfeitas de um modelo
adulto” (p. 91). Ou, como afirma Geraldi (1995), que é no texto
que a língua se manifesta. O autor coloca que uma das
explicações para produções textuais lacunares como a
produzida pelos alunos A5 e A23 está intimamente relacionada
a um ensino centrado em uma metalinguagem gramatical, ao
invés de reflexões sobre o funcionamento efetivo da língua em
textos. Em decorrência dessa visão fragmentada da linguagem
escrita, há no contexto educacional a ênfase a processos
mecânicos, desconsiderando a escrita em situação de
interlocução, o que leva o aprendiz, sujeito a esse ensino, a não
compreender a funcionalidade dessa linguagem, nem os
diversos usos e valores atribuídos social e convencionalmente a
ela.
O aluno A23, também com queixa de dificuldades
acentuadas quanto à aquisição da escrita, e com aversão ao
registro de conteúdos, conforme dados do ato da avaliação
inicial, já descritos anteriormente, além da dificuldade em
produzir textos, verificou-se que, em sua escrita atual, esse
aluno apresenta um bom domínio do código linguístico, no que
se refere ao uso convencional da ortografia das palavras, mas
revelou dificuldades em paragrafar o texto, de estabelecer o
encadeamento e a articulação das ideias que promovem a
textualidade do discurso escrito.
Quanto ao aluno B22, pela síntese dos dados da avaliação
inicial de ingresso em SR, conclui-se que esse se encontrava
em processo inicial da aquisição da escrita, no nível “pré-
silábico”. A partir da produção textual a ele proposta, pode-se
observar um salto qualitativo no desenvolvimento de sua
escrita. Apresentou hipóteses ortográficas em seu texto, porém,
muito pertinentes ao processo dessa modalidade de linguagem.

181
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Se considerarmos que os sujeitos pesquisados há mais de


cinco anos estão inseridos no contexto escolar e, portanto,
formalmente em contato com a escrita, os resultados
apresentados são preocupantes. No entanto, comparados com
os dados iniciais, é possível afirmar que a prática pedagógica
empreendida nas SR tem contribuído para avanços dos alunos
na aquisição da escrita.
Ler e escrever são condições para a participação social.
Cabe à escola e ao poder público oferecer a garantia não só de
acesso a esse bem cultural, mas, sobretudo, de sucesso, com
respostas melhor definidas na formação continuada do
professor, no fazer pedagógico, no entendimento de como o
aluno aprende e se desenvolve, dentre outras. Assim, com base
nos resultados alcançados, conclui-se que a continuidade deste
tipo de apoio especializado em SR pode contribuir de forma
significativa para a efetivação de uma educação realmente
inclusiva no contexto paranaense.

Referências

CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione,


1991.
______. Alfabetização sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo:
Scipione, 1998.
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perspectivas para o ensino de língua materna. 6 ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
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Fontes, 1995.
______. O texto em sala de aula. 3 ed. Ática: São Paulo, 2004.
LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In:
VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem,

182
CAPÍTULO 8

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p.143-189.
MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. São Paulo: Ática,
1986.
______. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 6
ed. São Paulo: Cortez, 2005.
MASSI. G. A dislexia em questão. São Paulo: Plexus Editora,
2007.
MORAIS, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática,
2003.
PARANÁ. Instrução nº. 015/08. SUED/SEED. Curitiba, 2008.
SMOLKA. A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a
alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez,
2001.
SILVA. A. Alfabetização: a escrita espontânea. São Paulo:
Contexto, 1994.
VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000a.
______. A construção do pensamento e da linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 2000b.

183
CAPÍTULO 9

MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA EM UMA SALA DE RECURSOS1

Dorcely Bellanda Garcia


Aurea Maria Paes Leme Goulart

Introdução

Nesse texto descrevemos e analisamos a intervenção


pedagógica proposta em uma pesquisa, realizada na Sala de
Recursos de uma escola pública estadual localizada no centro
de Maringá-PR. O intuito foi verificar as implicações da
mediação docente em situações de ensino junto a crianças que
apresentam dificuldades escolares.
Trata-se, de uma pesquisa qualitativa participante, voltada
para uma análise compreensiva dos processos de mediação, e
a tomada de consciência, pelos alunos, de sua aprendizagem,
ao longo de uma série de atividades planejadas e aplicadas
pelas pesquisadoras.
Conforme Triviños (1987), diferentes autores compartilham
a idéia de que a pesquisa qualitativa possui suas raízes em
práticas desenvolvidas por antropólogos e, posteriormente, por
sociólogos que se ocuparam com estudos referentes à vida em
comunidade. Só mais tarde esse tipo de pesquisa começou a
ser utilizado em investigações na área educacional.
O enfoque qualitativo depende do referencial teórico no
qual se fundamenta a pesquisa. Neste trabalho buscamos
sustentação no materialismo dialético, uma vez que esse é o
método que subsidia a Abordagem Histórico-Cultural e não se
contrapõe à Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural

1O presente artigo é parte da pesquisa de mestrado intitulada:


EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

(FEUERSTEIN, 1980). No materialismo dialético, matéria,


consciência e prática social são categorias essenciais, sendo a
prática condição primeira para se refletir sobre um objeto,
compreendendo-o no movimento que o constitui e o
transforma.
A Sala de Recursos em que foram realizadas as observações
e aplicados os instrumentos do Programa de Enriquecimento
Instrumental2 (PEI) atendia, em 2003, a sete alunos de 3as e 4as
séries, do ensino fundamental, duas vezes por semana, durante
duas horas em cada um dos encontros. No ano de 2004, cinco
alunos estavam sendo atendidos nessa mesma sala e horário. Em
muitos dos encontros, as aplicações dos instrumentos do PEI
eram seguidas de atividades lúdicas.
Alun Série Série
Sexo Idade Ano letivo Dificuldades apresentadas
o anterior atual
Leitura, escrita – produção de
A 3ª 4ª M 13 2003/2004
texto; impulsividade; agitação.
Leitura, escrita – produção de
B 3ª 4ª M 12 2003/2004
texto.
Português, matemática, história,
C 3ª 4ª M 14 2003/2004 geografia, iniciação à ciência (aluno
egresso da Classe Especial).
Leitura, escrita – produção de
D 2ª 3ª M 10 2003/2004
texto; matemática;
Leitura, escrita – produção de
E 2ª 3ª M 9 2003/2004 texto; matemática; dificuldade de
atenção.
Leitura, escrita – produção de
texto; dependência;
F 2ª 3ª M 9 2003/2004
insegurança; baixa tolerância à
frustração.
Leitura, escrita – produção de
G 2ª 3ª M 14 2003/2004 texto (aluno egresso da Classe
Especial).
Quadro 1 – Relação dos participantes da pesquisa3

2 A Teoria da Modificabilidade Cognitiva de autoria de Reuven Feuerstein ( 1980),


apoia-se no tripé: Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem; Programa de
enriquecimento Instrumental (organização de atividades didáticas) e Experiências de
Aprendizagem Mediada.
3Todos os alunos participantes da pesquisa em 2003,foram promovidos para a série

seguinte em 2004. È importante esclarecer que embora os dados sejam de 2003 e


2004 novas análises e reflexões foram realizadas em 2008/2009, com o objetivo de

186
CAPÍTULO 9

No primeiro encontro com as crianças foram-lhes dadas


explicações sobre a intervenção a ser realizada e a importância
da participação de todos. A freqüência, o empenho, a
persistência e a colaboração com os colegas do grupo foram
atitudes solicitadas, e explicitadas como indispensáveis para o
êxito do trabalho.
Entre observações em sala de aula do ensino regular e
intervenção na Sala de Recursos foram realizados 50 encontros
com as crianças e os professores.
Dos 14 instrumentos que compõem o Programa de
Enriquecimento Instrumental (PEI) foram utilizados cinco:
Orientação Espacial I, Organização de Pontos, Ilustrações,
Comparações e Percepção Analítica. O primeiro e o segundo
instrumentos foram utilizados integralmente, considerando-se a
faixa etária das crianças e as orientações do guia de orientação
didática. O terceiro, o quarto e o quinto foram explorados
parcialmente, em razão do tempo disponível. Traremos
algumas discussões a respeito de dois instrumentos:
organização de pontos e ilustrações.
O objetivo foi averiguar o desempenho dos alunos em
situação de aprendizagem no ensino regular, na companhia dos
demais colegas, e completar os dados necessários para a
análise do desempenho dos alunos no início da pesquisa,
durante e após a intervenção pedagógica. Os contatos e as
visitas à Sala de Recursos continuaram até o mês de dezembro
de 2004.
A intervenção, a princípio, era realizada duas vezes por
semana, com duração de uma hora. Para melhor aproveitamento,
os encontros passaram a acontecer uma vez por semana, com
duração de duas horas. Nesse dia as atividades ficavam sob a
responsabilidade da pesquisadora, com a participação da
professora.

aprofundamento teórico com base em novas leituras de obras de outros autores da


abordagem Histórico-Cultural.

187
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

O ritmo de trabalho atendeu às necessidades do grupo de


alunos e as atividades foram realizadas de forma cooperativa. A
mediação foi efetivada levando-se em consideração aspectos
como: a forma de apresentação das tarefas, as explicações dos
termos e dos conceitos utilizados e o incentivo ao processo de
raciocínio interiorizado e reflexivo. As tarefas foram estimuladas
por meio de desafios apresentados aos alunos, cujo propósito
era o de modificar as funções cognitivas deficientes
manifestadas por eles.
As atividades seguiram uma ordem seqüencial e
progressiva de complexidade, possibilitando que o sentimento
de competência fosse incitado nos alunos. A pesquisadora, a
professora da Sala de Recursos, a orientadora educacional da
escola e a professora do ensino regular dos alunos
participantes da intervenção mantiveram-se em constante
contato, para que se pudesse desenvolver um trabalho
integrado. As famílias tomaram ciência e acompanharam a
intervenção realizada pela pesquisadora na Sala de Recursos,
autorizando, por meio de consentimento informado, de acordo
com as normas do comitê de ética da UEM, o trabalho a ser
realizado com as crianças. Foram organizadas reuniões com os
pais e atendimentos individuais. Quando necessário os pais
dirigiam-se à escola, entrando em contato com os professores.
É importante ressaltar que diferentes elementos estão
envolvidos nos resultados alcançados, dentre eles o
envolvimento da família, a assiduidade da criança, a
intercorrência de problemas de saúde e estrutura escolar. Para
a análise dos dados obtidos foram privilegiadas algumas
categorias, com o propósito de identificar as mudanças
ocorridas no processo de desenvolvimento das funções
intelectuais dos alunos. Nas análises foram utilizadas as
seguintes categorias: auto-regulação, percepção, sentimento e
compartilhamento. Ao privilegiar tais categorias não houve a
preocupação de focalizar minuciosamente as mudanças em
cada uma das funções intelectivas, mas sim estabelecer uma

188
CAPÍTULO 9

reflexão que levasse em conta as mudanças ocorridas no


desempenho global do aluno, observar em que medida a
mediação do professor, incidindo diretamente sobre tais
funções, por meio de instrumentos específicos (PEI), contribui
para um maior envolvimento.
Na categoria intitulada auto-regulação, envolvendo
necessariamente pensamento e linguagem, concorrem para o
desempenho dos alunos as seguintes funções cognitivas:
controle da impulsividade; comportamento exploratório,
sistemático e planejado; estabelecimento de relações com
situações do cotidiano e compreensão do que é solicitado.
Nessas funções, os alunos da pesquisa apresentaram, no início
da intervenção, grandes dificuldades, o que, para a Teoria da
Modificabilidade Cognitiva Estrutural, significa a presença de
funções cognitivas deficientes, ou seja, funções ainda não
desenvolvidas.
Em relação à percepção4, categoria para a qual a
linguagem é elemento indispensável, foram observadas e
analisadas as seguintes funções: percepção clara e precisa;
conservação e constância; transporte visual; conduta somativa
e necessidade de precisão.No que concerne à categoria
sentimento e compartilhamento, foram consideradas na
pesquisa as funções cognitivas referentes à forma de
relacionamento estabelecido com o professor e com os colegas,
preferencialmente na Sala de Recursos.
Dois quadros foram organizados com os resultados da
análise. No primeiro registramos a manifestação inicial das
funções intelectuais das crianças que fizeram parte do
trabalho. No segundo, as mudanças observadas nas funções
cognitivas, no decorrer do processo.

4 A percepção é destacada por Vygotsky como uma das funções psicológicas


superiores.

189
A

E
B

D
A

E
C
Identificação das crianças

N=
Identificação das crianças

190
Controle da
D/I

Legenda:
Legenda:
impulsividade Controle da impulsividade
Comportamento
Comportamento explora-
D/I exploratório, sistemático
tório,
e planejado

não AV =
sistematico e planejado

N=
AV=
Estabelecimento de
Estabelecimento de relações com
D/I
relações

Auto-regulação
situações do
Auto-regulação

cotidiano
Compreensão do que Compreensão do

Quadro 2: Categorias de análise

Não
D/I
foi solicitado que foi solicitado

às vezes

Às Vezes
Percepção clara e
Percepção clara e
D/I precisa

F=
precisa
Conservação e
constância

Quadro 3 – Quadro das categorias de análise


Conservação e
D/I
constância Transporte visual

F=
Percepção

Conduta somativa
D/I Transporte visual
SITUAÇÃO INICIAL DOS ALUNOS

Percepção
Necessidade de

SITUAÇÃO FINAL DOS ALUNOS


precisão
D/I
Conduta somativa frequentemente
Necessidade de Relacionamento
D/I satisfatório
precisão
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

com o professor

D/I= Depois do Intervalo


Relacionamento

Frequentemente
D/I satisfatório com o
professor Relacionamento
Sentimento e

satisfatório
compartilhamento

Relacionamento com os colegas


Sentimento e

D/I satisfatório com os


compartilhamento

colegas
CAPÍTULO 9

O processo de intervenção

A intervenção teve início com a aplicação dos seguintes


instrumentos: Organização de Pontos, Orientação Espacial I e
Ilustrações. Ao término dos dois primeiros instrumentos o
trabalho prosseguiu com a aplicação parcial dos instrumentos
de Comparações, Percepção Analítica, e Ilustrações. No início
da aplicação de cada um dos instrumentos procurou-se explorá-
los ao máximo, criando pistas para possíveis relações com o
cotidiano dos alunos. A apresentação de cada um dos
instrumentos (primeiro o de Organização de Pontos) começou
pela página de rosto, chamando-se a atenção para o emblema,
o lema e o símbolo do PEI, cujos objetivos específicos são:
estimular a expressão oral e o interesse pelo PEI e ampliar os
conceitos e o vocabulário das crianças. Todos os instrumentos
do PEI possuem, na sua página de rosto, alguns elementos
comuns, ou seja, o emblema no canto superior direito, a figura
de uma pessoa; no canto inferior esquerdo, o logotipo com o
nome do instituto do Professor Reuven Feuerstein e os dizeres:
Hadassah-Wizo-Canada-Research Institute, Jerusalém,
Enriquecimento Instrumental. Nessa página há também o nome
do instrumento, um desenho correlacionado com o respectivo
nome e o lema do PEI: “Um momento... Deixe-me pensar!” Ao
explorar a página de rosto foram estabelecidas correlações com
situações do cotidiano, introduzindo-se os conceitos de
organização e de símbolo, representados pelas estrelas
presentes na referida página. Foram feitas as seguintes
observações:
Mediadora: No céu podemos ver uma infinidade de
estrelas, muitas delas organizadas e ordenadas pelo homem
em diferentes constelações. Uma dessas constelações é a
“Ursa Maior” (conjunto de estrelas que, se desenharmos uma
linha imaginária ligando-as entre si, teremos uma figura cuja
forma lembra a de um urso).

191
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Nesse momento o aluno D, observando a página de rosto


do instrumento de organização de pontos, diz:
Aluno D: Professora, quando olhei esse desenho achei parecido
com um carrinho de bebê.
Percebemos que as crianças estabelecem relações desde
que as possibilidades lhes sejam criadas. No exemplo dado
pelo aluno D, suas relações são baseadas na sua experiência
cotidiana. A mediadora, por sua vez, ampliou com explicações
esses conhecimentos, lembrando às crianças que não é só no
espaço e por meio de linhas imaginárias que se organizam
coisas. Separam-se produtos no supermercado; roupas em um
armário; palavras no dicionário; notícias no jornal; tempo em
horas, dias, semanas e anos; idéias em poemas, contos, jogos
e conferências, dentre outros.
As crianças foram instigadas a refletirem sobre os outros
elementos da página de rosto, como, por exemplo, a falarem o
que pensavam que a pessoa do desenho estaria fazendo. As
crianças participavam com entusiasmo das atividades, sendo-
lhes esclarecido que toda atividade envolve várias funções
cognitivas. Procurou-se, com essas explicações, estabelecer
relações com situações vivenciadas pelas crianças, que,
incentivadas à participação, contribuíram com exemplos a
respeito de lemas, emblemas e logotipos. O aluno A falou sobre
as sinalizações de trânsito que indicam estacionamento
proibido e pediu permissão para, no próximo encontro, trazer
um jogo sobre placas de sinalização.
O lema do PEI: “Um momento... Deixe-me pensar”, presente
nas páginas de capa de todos os instrumentos, trouxe
subsídios para se trabalhar com as crianças a importância da
reflexão no momento de se tomar uma decisão, nas escolhas e
na execução de atividades. A categoria de auto-regulação foi
essencial para verificar se foram alcançados pelas crianças
objetivos como: controle da impulsividade, instituição de
condutas básicas e iniciais para o comportamento exploratório,

192
CAPÍTULO 9

sistemático e planejado; estabelecimento de relações que


permitissem às crianças condições de ir além do senso comum.
Ao término da intervenção constatamos que nem todas as
crianças haviam modificado significativamente suas funções
cognitivas deficientes; todavia, o passo inicial tinha sido dado
para que a função cognitiva, se desenvolvida, fizesse parte do
processo de pensamento das crianças. Após alguns meses de
intervenção, as crianças passaram a apresentar algumas
manifestações referentes à auto-regulação quando estavam em
atividade. A atitude do aluno E, é um exemplo:

Aluno E: Calma, prô. “Um momento... Deixe-me pensar!”

Segundo a professora da Sala de Recursos, o lema do PEI


passou a fazer parte, também, do seu trabalho diário com os
alunos, uma vez que observou benefícios para o pensamento
reflexivo.

Discutindo as categorias utilizadas na análise

Autocontrole ou autoregulação

As dificuldades encontradas foram trabalhadas com todo o


grupo, conscientizando-se os alunos dos benefícios que essa
intervenção com os instrumentos que compõem o PEI poderia
trazer para o desenvolvimento e o aprimoramento das funções
cognitivas. A maioria dos alunos tinha dificuldades para
controlar a impulsividade e para compreender o que lhe era
solicitado; não apresentava comportamento exploratório
sistemático e planejado; manifestava falta de percepção clara e
precisa; tinha dificuldade na compreensão dos conceitos de
conservação e constância das características das formas, do
tamanho das figuras e orientação espacial; manifestava
transporte visual deficitário; raramente apresentava conduta

193
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

somatória e necessidade de precisão; com freqüência realizava


as atividades por meio do ensaio e erro.
O autocontrole ou a auto-regulação leva a criança a refletir
sobre sua maneira de pensar (metacognição) e sobre sua
conduta, dando condições para maior autonomia e
automonitoramento. Colabora, ainda, para que a criança
analise a tarefa e tenha o comportamento adequado. Revela a
importância de controlar a ansiedade, decorrente do
sentimento de insucesso, bem como a impulsividade. Sobre
essa questão Mentis diz:

A mediação da auto-regulação e do controle do


comportamento pode ser comparada à instalação de um
semáforo auto-regulador na criança. A luz vermelha impede
que ela saia correndo impulsivamente para realizar uma
tarefa, luz amarela a alerta para que passe a usar o
pensamento reflexivo na tarefa e a luz verde a encorajar a ir
em frente para realizar a atividade de maneira sistemática e
adequada (MENTIS, 2002, p. 50).

Tomando-se como categoria de análise a auto-regulação,


com base na Teoria Histórico-Cultural, percebe-se a relação
entre o fazer e o pensar. Segundo Vygotsky, nas relações
sociais, ou seja, por meio da atividade interpessoal, os homens
produzem, apropriam-se e transformam atividades práticas e
simbólicas, do meio em que vivem, em ação pessoal, ou seja,
em atividade intrapessoal. Para esse autor, internalização
significa reconstrução, no plano individual, de uma operação
externa. Fontana (1996) explica:

Na internalização o processo inter-pessoal inicial


transforma-se em intra-pessoal. Essa re-construção tem
como base a mediação semiótica (particularmente a
linguagem), e envolve as ações do sujeito, as estratégias
e conhecimentos por ele já dominados, as ações, as
estratégias e conhecimentos do(s) outro(s) e as
condições sociais reais de produção da(s) interação(ões).

194
CAPÍTULO 9

Ao serem internalizados, os modos de ação, papéis e


funções sociais (na interação) passam para o controle do
sujeito, possibilitando-lhe dirigir o próprio
comportamento. A possibilidade de auto-regulação é um
dos aspectos essenciais do desenvolvimento, uma vez
que redimensiona e re-organiza a atividade mental. As
funções psicológicas elementares (conceito utilizado por
Vygotsky para se referir às funções psicológicas que vêm
do capital genético da espécie, da maturação biológica)
vão sendo transformadas em funções mediadas,
conscientes, deliberadas (FONTANA, 1996, p. 11-12).

Portanto, as idéias defendidas por autores da teoria


Histórico-Cultural dão suporte para a afirmação de que o
desenvolvimento de toda função psicológica ocorre, primeiro,
na relação com outros homens e, após, no próprio indivíduo. As
formas de pensar e agir resultam da apropriação da cultura,
que traz implícita a forma de ação e de pensamento. Na
intervenção desenvolvida nesta pesquisa, esses postulados se
confirmavam à medida que as crianças iam demonstrando uma
atitude reflexiva diante das tarefas realizadas.
Nas formas superiores de ação consciente encontram-se a
elaboração de conceitos e a maneira do homem organizar
cognitivamente suas experiências. Essa elaboração é fruto de
análise e síntese, ou melhor, de generalização de informações
sensoriais, mediadas e presentes na palavra. Pela mediação
dos indivíduos, gestos, ações e palavras a criança vai
incorporando, dinamicamente, as formas de ser e agir dos
homens de uma época. Para a Teoria Histórico-Cultural esse
processo de individuação, quer dizer de apropriação, pelo
indivíduo, de conhecimentos, valores, atitudes dentre outros,
produzidos socialmente, é fundamental para a auto-regulação.
“A palavra, com suas funções designativa, analítica e
generalizadora é mediadora de todo o processo de elaboração
da criança objetivando-o, integrando e direcionando as
operações mentais envolvidas” (FONTANA, 1996, p. 15).

195
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

A mediação do outro, quando intencional e planejada ativa


na criança vários processos complexos de pensamento que
podem estar relacionados às experiências e habilidades já
apropriadas por ela. Caso não elabore ou não se aproprie, sob a
forma de conceitos da palavra do adulto, é por meio dela que a
criança passará a elaborar os conceitos mentalmente,
assumindo ou recusando as palavras que os designam.
A linguagem desempenha papel central no processo de
individuação da consciência humana. É considerada o sistema
de sinais mais importante. Possui condições, como elemento
simbólico, de trazer para o momento presente, pessoas ou
situações distantes.
Como bem explicou Palangana (1995), a linguagem se
embrenha no psiquismo humano e organiza todas as suas
áreas, exercendo função essencial nas mudanças e na sua
formação. É responsável tanto por formar como por manifestar
os sentimentos e as habilidades. A linguagem possibilita a
formação e a elaboração das funções psicológicas superiores,
com o auxílio dos signos e significados que fazem parte da
cultura. A linguagem, portanto, dá forma e possibilita a
existência do pensamento.
Por intermédio da linguagem a pessoa se apropria de
conhecimentos produzidos historicamente. A escola deve, com
o auxílio da linguagem, mediar um conteúdo que promova o
desenvolvimento do pensamento crítico. Dessa forma, estará
possibilitando à criança a formação da consciência necessária
em nossos dias.
Vygotsky (1989) aponta diferenças entre aprendizado e
desenvolvimento, considerando-os processos que caminham
concomitantes, embora o primeiro impulsione o segundo.
Dessa forma, reitera Vygotsky, o conhecimento do mundo
ocorre por meio do outro. Se é no contato com o outro que o
sujeito se individualiza, a educação é um fator decisivo no
desenvolvimento da criança, reestruturando suas funções
cognitivas. Segundo a análise vygotskyana, o aprendizado –

196
CAPÍTULO 9

uma atividade interpessoal – antecipa e estimula o


desenvolvimento, gerando o que o autor chamou de zona de
desenvolvimento proximal. Olhar a atividade compartilhada da
criança no presente significa enxergar o seu futuro, pois: “[...]
aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje, será o
nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que
uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de
fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 1989, p. 98).
No decorrer das intervenções realizadas nesta pesquisa,
esse princípio foi evidenciado. A conduta do aluno A, de reler
seu texto e corrigi-lo, é um bom exemplo. Enquanto no início da
intervenção a pesquisadora corrigia os textos com ele,
gradativamente passou a fazer a tentativa de corrigi-los
sozinho. Comparando-se a aprendizagem e o desenvolvimento
final e inicial dos alunos, percebem-se muitos avanços. Assim,
confirmam-se os postulados de Vygotsky a respeito dos níveis
potencial e real de desenvolvimento e da zona de
desenvolvimento proximal.
A zona de desenvolvimento proximal requer o
compartilhamento de sujeitos mais experientes no processo de
aprendizagem da criança. A mediação do outro é necessária
para que ela, ao se apropriar do conhecimento, passe a realizar
de maneira autônoma atividades e operações culturais.
Segundo Vygotsky, ‘“[...] o bom aprendizado’ é somente aquele
que se adianta ao desenvolvimento” (VYGOTSKY 1989, p. 101).
Os enunciados de Vygotsky sobre a forma de conceber e
analisar o desenvolvimento humano destacam a importância
da escolarização nesse processo. A criança, ao ingressar na
escola, carrega consigo inúmeros conhecimentos e inúmeras
formas de pensar que devem ser levados em consideração e
que serão importantes na apropriação dos conhecimentos
científicos.
No ambiente escolar, as relações concernentes ao
conhecimento são planejadas e intencionais. A criança tem
consciência de que está na escola para se apropriar do

197
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

conhecimento elaborado, de formas científicas de pensar e


explicar o mundo.
Como mediador, cabe ao professor orientar a atenção da
criança, apontando aspectos relevantes. Ele “[...] analisa as
situações para e com a criança e leva-a a comparar, classificar,
estabelecer relações lógicas; demonstra como usar
determinados procedimentos da matemática e da escrita;
ensina a utilizar o mapa, os equipamentos de laboratório, etc”
(FONTANA;CRUZ, 1997, p. 66).
Com a utilização dos instrumentos do PEI nas intervenções
realizadas nesta pesquisa (Organização de Pontos, Orientação
Espacial I, Ilustrações, Comparações e Percepção Analítica)
pôde-se constatar que, realizando as atividades juntamente
com a criança, demonstrando-lhe e oferecendo-lhe instruções e
orientações para transcender, bem como havendo colaboração
do colega, é possível atuar na sua zona de desenvolvimento
proximal, possibilitando-lhe processos de elaboração e de
desenvolvimento que, provavelmente, não aconteceriam
espontaneamente.

A escola, possibilitando o contato sistemático e intenso


dos indivíduos com os sistemas organizados de
conhecimento e fornecendo a eles instrumentos para
elaborá-los, mediatiza seu processo de desenvolvimento
(FONTANA; CRUZ, 1997, p. 66).

A intervenção teve início com o instrumento Organização de


Pontos, baseando-se em uma tarefa criada por André-Rey, com
o qual se requer a identificação e o desenho de formas dadas
em um campo de pontos desorganizados, diante da projeção
de relações. Na tarefa, pode-se observar a combinação de
fatores de atividades perceptivas, cognitivas e operacionais.
Para a resolução da atividade é necessário que a criança ative
funções cognitivas. Nessa atividade, o aluno deve apresentar
precisão em relação à percepção do modelo dado e
interiorização da figura, para que consiga fazer seu transporte

198
CAPÍTULO 9

visual. As funções cognitivas essenciais exigidas na


Organização de Pontos, já explicitadas no capítulo dois, são:
percepção clara, organização do espaço, conservação e
constância, precisão e exatidão, transporte visual, conduta
somativa, restrição da impulsividade e eliminação do ensaio e
erro. Embora no início da apresentação desse instrumento os
alunos tenham encontrado muitas dificuldades, elas foram
sendo minimizadas à medida que os alunos foram nomeando
as figuras e sua caracterização e, desse modo, interiorizando-
as. Diante das dificuldades houve a preocupação de que a
intervenção, ao invés de trazer benefícios, desencadeasse
sentimentos de desvalorização e de diminuição da auto-estima.
Nesse sentido, foram selecionadas e utilizadas mediações
específicas para auxiliar os alunos a focalizar sua atenção.
Embora com dificuldades, eles demonstraram reciprocidade e
envolvimento nas atividades e confiança nas orientações
recebidas. Sobre esse processo as palavras de Mentis são
esclarecedoras:

Para que possamos aprender, precisamos ser capazes


de criar significado a partir de uma grande quantidade de
estímulos que impactam continuamente nossos sentidos.
Precisamos isolar estímulos em particular e interagir com
eles. Isso é alcançado pelo relacionamento do mediador
com o mediado. O mediador isola e interpreta os
estímulos (intencionalidade) e os apresenta de uma
maneira que resulta numa resposta (reciprocidade) do
mediado (MENTIS, 2002, p. 26).

Para alcançar esse propósito discutiu-se com o grupo a


importância de cada atividade, explicitando o motivo para a sua
realização com exemplos variados e sempre solicitando a
contribuição dos alunos por meio de fatos relacionados às suas
vivências. A mediação contribui para auxiliar a se apropriarem
dos conceitos e a desenvolverem a autoconfiança necessária
para a obtenção do êxito. O aluno C apresentou grandes

199
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

dificuldades na Organização de Pontos. Quando não conseguia


encontrar as figuras mais complexas, demonstrava impaciência
e irritabilidade, sendo, então, encorajado por meio de pistas
para que realizasse a atividade e transpusesse os obstáculos.
Para Mentis (2002), no processo de individualização as
atividades desenvolvidas com outros mais experientes
encorajam a autonomia e a independência. A ajuda e a
intervenção junto às crianças eram realizadas por meio de
pistas para que obtivessem pequenos sucessos, de forma a
não desenvolverem sentimentos de fracasso e desânimo. Os
alunos eram sempre incentivados a colaborar com os colegas,
durante a realização das atividades, quando se prontificavam a
ajudar, eram orientados a fornecer pistas mas nunca a dar
respostas prontas. Agindo de acordo com essas orientações
estariam auxiliando o colega a pensar reflexivamente. Aos
poucos, foram sendo constatados, como demonstra o quadro,
modificações nas funções cognitivas de alguns dos alunos, os
quais passaram a realizar as atividades com maior
desenvoltura, principalmente os que freqüentaram a Sala de
Recursos com assiduidade, como os alunos A, D e E. O aluno C,
que demonstrava bastante dificuldade de compreensão nas
atividades que lhe eram solicitadas, faltava muito.
Em relação ao instrumento Ilustrações, esclarecemos aos
alunos que as diferentes situações, demonstradas
pictoriamente no instrumento, representam problemas que o
aluno deve delimitar e resolver por meio da reflexão. Para o
reconhecimento de um problema é necessário se perceber
detalhes, utilizar simultaneamente diversas fontes de
informação, comportamento comparativo e, principalmente,
tomar consciência das transformações. A orientação do
mediador é imprescindível para que o aluno compreenda as
representações simbólicas que fazem parte das ilustrações.
Dentre os objetivos desse instrumento, estão a análise na
definição do problema, a percepção das mudanças que
ocorrem em cada quadro, o transporte dos fatos ocorridos nas

200
CAPÍTULO 9

histórias para situações cotidianas e a expressão oral. Das


vinte páginas que compõem esse instrumento, foram
trabalhadas oito histórias, após a exploração das quais buscou-
se atingir os referidos objetivos. Posteriormente, os alunos
foram incentivados a relatar suas histórias por meio de
pequenos textos.
Os alunos, inicialmente, tiveram muitas dificuldades na
produção do texto escrito. Solicitavam freqüentemente a
ajuda da pesquisadora e, muitas vezes, eram orientados
para que recorressem ao dicionário. A mediadora percebeu
que escrever algumas palavras no quadro sobre a ilustração
com a qual estava trabalhando possibilitava que os alunos
as usassem nas suas histórias, e, assim, alcançavam maior
desenvoltura na construção dos textos. Pode exemplificar tal
situação com a exploração da página do instrumento
Ilustrações sobre o cachorro e o gato. Com a ajuda das
crianças foram anotadas, no quadro negro, as seguintes
palavras:
Vocabulário:
História com soluções engenhosas

Agilidade Sem saída Catapulta Cachorro


Persistência Gato Balanço Contente
Tábua5 Cegamente Tronco

Por meio de perguntas e exemplos foram explorados


diferentes termos, o que fez com que os alunos incorporassem
alguns deles em seus textos. As histórias produzidas pelos
alunos A e E, em 18/08/2004, transcritas tal como foram
produzidas, exemplificam essa situação:

5 Essa palavra foi bastante trabalhada pela mediadora devido à dificuldade


demonstrada pelos alunos em sua articulação. Ao invés de dizerem tábua, falavam
talba.

201
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Aluno A: O Cachorro e o Gato

O cachorro correu atrás do gato para pegar. Subiu na tábua


e o cachorro escorregou da tábua e o gato arrepiou e pulou no
muro.
A tábua caiu “encima” do cachorro e latia e “mechia” as
patas, para desvirar a tábua “denovo”.
O cachorro machucou o “fucinho” e o gato deu “rizada”
porque ele machucou o nariz.

Aluno E: O Super Gato Félix

16 O cachorro “sequiu” o Félix e ele miava miau e miau ai


ele subiu na tábua.
2 E o gato pulou no balanço ai o cachorro pulou para pegar
o gato para matar o gato.
3 E o cachorro e pulou no “banço” e o gato foi “catapultato”
no muro.
4 O cachorro machucou o fucinho e o Félix ficou dando
rizada ra, ra, ra e ra.
Os textos produzidos pelos alunos, após a estratégia
utilizada pela mediadora, passaram a ter maior coerência.
Também os alunos passaram a demonstrar maior compreensão
daquilo que lhes era solicitado, bem como menor resistência
em relação à produção de textos, comparando-se às situações
anteriores. Demonstraram maior segurança na escrita, pois
tinham à disposição muitas palavras que poderiam ser
utilizadas. Não cometeram erros ortográficos em relação às
palavras dispostas no quadro, mas sim na escrita de outras
palavras, como: “rizada” e “fucinho”.
A atenção, como as demais funções psicológicas
superiores, é formada durante o desenvolvimento do indivíduo.
É essencial ao homem e dá sustentação ao desenvolvimento

6 O aluno E utilizava numeração em sua produção de textos como estratégia para


organizar seu pensamento.

202
CAPÍTULO 9

da percepção. Com o exemplo descrito acima, sobre a grafia


das palavras, confirmam-se as idéias de Luria (1991) segundo
as quais ao receber diversos estímulos o sujeito seleciona os
que considera mais significativos no momento. No caso da
intervenção, com as palavras dispostas no quadro, as crianças
selecionavam aquelas necessárias para a produção de seus
textos. Sua atenção foi focada nos elementos essenciais do
conteúdo, ou seja, na grafia de cada palavra e não na lista de
palavras em si, cuja mera cópia limitaria a atividade ao aspecto
mecânico. Sem a atenção seletiva, as informações seriam tão
numerosas que impossibilitariam o indivíduo de realizar a
atividade. Daí a importância de o professor proporcionar aos
alunos atividades que contribuam para o desenvolvimento da
atenção. No âmbito escolar, um nível de atenção satisfatório
concorre para o êxito em relação à apropriação dos conceitos,
favorecendo a memória compreensiva. Em outros textos
realizados pelas crianças ou em diálogos com os colegas os
alunos empregaram palavras exploradas nas intervenções
anteriores, o que indica a ampliação do vocabulário e a
capacidade de generalizar para outras situações. Um exemplo
disto, pode ser encontrado nos comentários dos alunos:

Aluno D: Professora, eu não falto nas aulas. Sou persistente.

A professora da sala de recursos reiterou a fala do aluno,


dizendo que os alunos D, A e E são bastante persistentes, pois
não faltam às aulas. Em relação aos alunos C e B, salientou
que precisavam melhorar nesse aspecto.

Aluno E: Prô, foi muito legal quando o gato foi catapultado no


muro.

Ao término da construção dos textos, a mediadora


solicitava aos alunos que relessem e verificassem se haviam
cometido algum erro na escrita. Em agosto de 2004, os alunos

203
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

começaram a externar sinais de auto-regulação na produção de


textos. O aluno A, que no início da intervenção tinha conduta
bastante impulsiva, demonstrou mudanças. Ao término da
produção de um texto, pediu para a pesquisadora aguardar um
pouco, para que pudesse reler e tentar melhorar sua produção.
Sua atitude recebeu o incentivo do colega E que disse:

Aluno E: Isso, A, lê novamente, igual a Prô ensinou, para você


ver se não escreveu nada errado. Tem que parar, pensar e
fazer.

No final desse encontro, os alunos pediram para jogar


varetas, o que foi feito juntamente com a pesquisadora e a
professora da Sala de Recursos. Esse jogo serviu de suporte
para o trabalho com operações numéricas. Os jogos eram
freqüentemente utilizados no final de cada encontro, por
solicitação dos alunos e, muitas vezes, por indicação da
professora da Sala de Recursos e da pesquisadora. As
professoras participavam dos jogos com as crianças, fazendo a
mediação em relação aos conteúdos. Os jogos ativam e
desenvolvem a atenção, a percepção, a memória, o
pensamento, a capacidade de observação da criança. Por meio
deles, as crianças percebem diferentes características dos
objetos: cor, forma, tamanho, peso, quantidade, operações
numéricas e as relações entre eles. São importantes, também,
para a orientação da conduta da criança, o controle da
impulsividade na representação de papéis e a formação de
sentimentos morais e estéticos.

Percepção

Para Vygostky (1996), a percepção é a primeira das


funções psicológicas superiores, cujo desenvolvimento se inicia
antes mesmo de a criança ser capaz de dirigir a atenção de
memorizar e pensar. É fundamental e difícil de ser observada

204
CAPÍTULO 9

de forma direta, no processo de desenvolvimento. O


entendimento que se tem a respeito da percepção e de demais
funções psicológicas superiores como a atenção, a memória e o
pensamento é o de que tais funções, em diferentes fases da
vida do indivíduo, passam por mudanças qualitativas, ou seja, a
percepção, a atenção, o raciocínio e a memória de um bebê e
de um adulto se parecem muito pouco.
A linguagem modifica a percepção, pois orienta a atenção
para um aspecto determinado. Nesse sentido, a conduta
adotada pela mediadora, ao realizar a intervenção por meio do
PEI, foi a de orientar a atenção dos alunos. No instrumento
Percepção Analítica, quando os orientou a utilizar a régua para
se certificarem do tamanho das figuras, conduziu sua atenção
para um ponto específico. A atividade lista de compras cumpre,
dentre outros, também esse papel. Ao ler os enunciados das
atividades para ajudar as crianças a compreendê-los, orientou
sua atenção e contribuiu para o desenvolvimento e
aprimoramento da percepção. A linguagem acionou a análise, a
atenção e a percepção, e contribuiu para a aquisição da
capacidade de síntese. Portanto, a qualidade das interações
professor/aluno, ou seja, a maneira de o professor mediar é
decisiva para o desenvolvimento e aprimoramento da
percepção na criança.
Vygotsky (1996), citando Bühler, ressalta a estreita relação
entre linguagem e pensamento, mostrando que o processo da
linguagem se transforma em pensamento. Para Bühler “[...] a
linguagem pensa pelo homem” (BÜHLER apud VYGOSTKI,
1996, p. 123, tradução nossa). É devido ao pensamento que os
objetos, separados da percepção, relacionam-se entre si,
regulam-se, e adquirem sentido, tanto no passado como para o
futuro. Esses aspectos foram verificados na categoria auto-
regulação e nas demais categorias explicitadas nesta pesquisa.
A linguagem faz o sujeito compreender o percebido, permitindo-
lhe analisar a realidade, transpondo da função elementar para
a função superior.

205
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

A percepção do adulto, se desenvolvida, readquire a


realidade por intermédio de um apanhado de categorias
lógicas, reguladoras. Consiste em uma percepção com sentido
e significados. Assim sendo, é possível entender que as funções
da percepção não se formam abruptamente e que a percepção
infantil experimenta, no processo do desenvolvimento, uma
difícil elaboração, da qual participa a linguagem. O
conhecimento, portanto, no sentido de uma percepção
ordenada, categorial, não é possível sem a linguagem.
As várias funções psicológicas superiores descritas –
percepção, atenção, memória, pensamento, emoções e
sentimentos – não se desenvolvem paralelamente, nem
mesmo se desenvolvem unidas em um único tronco. No
desenvolvimento do homem, todas essas funções formam um
complexo sistema hierárquico. Vygotsky (1996) enfatiza que na
idade de transição (adolescência) o pensamento se diferencia
das demais funções psicológicas e adquire um significado
especial, cujo papel principal é responder pela integração das
funções complexas do pensamento e pela formação de
conceitos. As outras funções se conectam a essa nova
formação, constituindo um processo complexo, que vai se
intelectualizando, vai se organizando por meio da estrutura do
pensamento, em forma de conceito.
Na teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural,
Feuerstein aposta no potencial de modificabilidade do ser
humano. Os instrumentos elaborados por ele e seus
colaboradores possibilitam intervir nas funções cognitivas, que,
nesta pesquisa, foram correlacionadas às funções psicológicas
superiores descritas por Vygotsky, explicitadas no quadro
comparativo das categorias de análise. Com os instrumentos
selecionados e aplicados por meio de uma mediação planejada
e sistematicamente reavaliada foi possível se constatarem
modificações nas funções cognitivas da maioria dos alunos que
participaram da pesquisa. Nesse processo, percebeu-se que
modificar é possível, e que a ação intencional e planejada do

206
CAPÍTULO 9

professor são imprescindíveis para a obtenção de êxito na


mediação da apropriação dos conteúdos científicos.

Sentimento de compartilhamento

Não é possível ignorar a importância das emoções e


sentimentos para a vida cognitiva do homem, embora essa
função psicológica superior não tenha recebido dos educadores
o mesmo tratamento que as demais. As funções cognitivas, no
ambiente escolar, nem sempre são entendidas como
constituídas por conteúdos emocionais. Devido a isso, cognição
e sentimentos são compreendidos e trabalhados como se
fossem processos psicológicos compartimentados. Essa
postura foi observada pela pesquisadora nas situações de sala
de aula do ensino regular. Ao atribuir a responsabilidade das
dificuldades escolares dos alunos à falta de empenho e de
comprometimento da família e da criança, o professor não tem
consciência de que o fato de não acreditar nas possibilidades
do aluno potencializa, ainda mais, suas dificuldades. Com esse
comportamento o professor acaba isentando-se de
responsabilidades e do compromisso com o aluno. Como
explica Mentis (2002), a mediação da competência colabora
para que o mediado desenvolva a auto-confiança necessária ao
comprometimento em relação a uma atividade a ser realizada
com sucesso. O mais importante não é o êxito em si, mas a
percepção do mediado de que pode consegui-lo.
Gomes (2002), reportando-se à fala de Sasson, salienta
que não podem ser esquecidos os aspectos motivacionais
afetivos, pois esses desempenham papel primordial em
qualquer situação, seja ela bem-sucedida ou não. Se a
experiência mediada é o fator principal para a aprendizagem,
não há como separar o plano afetivo do cognitivo e vice-versa.
Eles existem no indivíduo de forma dialética, embora funcionem
de maneira distinta e precisem de intervenções próprias. O
Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), apesar de

207
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

primar pelo plano cognitivo, consegue conduzir vários aspectos


do plano afetivo. Para a Teoria da Modificabilidade de
Feuerstein e colaboradores,

[...] o desenvolvimento da inteligência somente acontece


por meio de relações intensas e próximas com um outro,
chamado de mediador. Essas relações, somente pelo
fato de serem intencionais e recíprocas, estando
fundadas na transmissão de crenças e de significados, já
impõem a ativação do plano afetivo pela presença do
outro (GOMES, 2002, p. 279).

O critério de mediação intitulado Compartilhamento,


selecionado como categoria de análise juntamente com os
sentimentos, refere-se à ligação existente entre mediador e
mediado, e com as pessoas em geral, pela necessidade recíproca
de cooperação entre os níveis afetivo e cognitivo. “O ato de
compartilhar desenvolve a empatia por meio da interação social”
(Mentis, 2002, p. 55). Essa forma de mediação acontece quando
mediador e mediado, ou um grupo de alunos agem e respondem
conjuntamente em uma atividade. O mediador compartilha idéias
e sentimentos, incentivando o mediado a ter atitudes
semelhantes, nas quais o desenvolvimento da empatia é
importante. O ato de compartilhar é necessário no processo de
cooperação e se faz presente quer no nível intelectual, quer no
emocional. Requer a disponibilidade para respeitar a forma de
pensar do outro.
No início da intervenção foi observada em alguns alunos, como
consta no quadro de análise, dificuldade no controle da
impulsividade, seja em relação aos colegas, manifestando-se por
palavras ofensivas ou por comportamentos grosseiros seja, ainda
pela participação em sala de aula, quando tinham dificuldade para
aguardar sua vez de falar e pela forma de se relacionar com os
colegas no desenvolvimento das atividades. Com a intervenção,
essas atitudes foram alteradas. Sentimentos de respeito e
cooperação, bem como o controle da impulsividade foram se

208
CAPÍTULO 9

manifestando com mais freqüência, tanto na disposição para ajudar


o companheiro como na ponderação no momento de opinar e no
respeito à vez do outro. Ajudar os colegas na compreensão das
atividades exigia a reorganização dos conceitos aprendidos e,
paralelamente, contribuía para a interiorização desses conceitos,
melhorando o sentimento de competência e auto-valorização dos
alunos, porque se sentiam capazes de realizar as atividades.
A regulação da conduta teve ganhos significativos devido à
mediação estabelecida. A apresentação de situações
desafiadoras, nas quais a mediadora utilizou diversas formas de
interação e signos presentes na linguagem e nos instrumentos já
descritos, possibilitou aos alunos avanços em relação à zona de
desenvolvimento proximal – ZDP7. A atividade intelectual verbal
compreende estágios por meio dos quais as funções emocionais
e comunicativas presentes na fala aumentam em virtude de
sua função planejadora. Como conseqüência, a criança passa a
ser capaz de realizar operações complexas em um universo
temporal. Em síntese, pode-se dizer que

[...] a capacidade especificamente humana para a


linguagem habilita as crianças a providenciarem
instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a
superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para
um problema antes de sua execução e a controlar seu
próprio comportamento. Signos e palavras constituem
para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de
contato social com outras pessoas. As funções cognitivas
e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base
de uma forma nova e superior de atividade nas crianças,
distinguindo-as dos animais (VYGOSTKY, 1989, p. 31).

7 ZDP, definida por Vygotsky, “[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real,
que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível
de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”
(VYGOTSKY, 1989, p. 97, grifos do autor).

209
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Para Beyer (2001), a convivência com outros, ou seja, o


compartilhamento ocasiona mudança psicológica entre o
mediador e a criança. Refere-se, aqui, aos processos
interpsíquicos ressaltados na Teoria Histórico-Cultural. Segundo
Vygotsky, tal como as funções psicológicas superiores, a
linguagem ocorre primeiro no plano interpsíquico, isto é, no
social e posteriormente no plano individual, fazendo parte de
um processo de internalização do pensamento.
A criança, no processo de apreensão da linguagem, passa
por mudanças no pensamento e nas funções intelectivo-
afetivas nele envolvidas. A linguagem medeia a formação das
funções psicológicas superiores, dentre elas a atenção, a
percepção, a memória e o raciocínio. “As palavras – unidades
lingüísticas básicas – pontua Luria (1990), carregam, além dos
significados, os modos de operar da consciência. A linguagem
forma, organiza e expressa as funções psicológicas, logo,
também os sentimentos” (GALUCH; GOULART; PALANGANA,
2004, [s.n.]).
As autoras acima citadas, apontam que os estudos
realizados por Vygotsky (1996; 2001) e Rubinstein (1973)
evidenciam a relação entre os sentimentos e o conhecimento
do homem, como uma relação que transforma e é
transformada. Para esses estudiosos, os sentimentos na
criança colaboram para o aperfeiçoamento do conhecimento,
conduzindo-o a níveis mais complexos, uma vez que ela
compreende melhor o que está sentindo. No adulto, o
conhecimento, e a compreensão do significado social do fato e
do objeto proporcionam a direção de seus sentimentos. “Os
sentimentos marcadamente intelectualizados, tais como o
espanto, a dúvida, a indignação, a curiosidade, dentre outros,
são provas evidentes da mútua penetração entre as funções
intelectivas e do sentimento” (GALUCH; GOULART; PALANGANA,
2004, [s.n]).
Para as autoras, os sentimentos estão impregnados de
aspectos cognitivos, afetivos e emocionais, e vice-versa. Os

210
CAPÍTULO 9

sentimentos perpassam todos esses processos. As funções


psicológicas formam um todo indivisível: não se trata da soma
de partes, mas de uma unidade composta por aspectos tanto
intelectuais como afetivos. Como aponta Rubinstein (1973), o
homem se constitui e se manifesta integralmente e não
compartimentado.
Segundo Blagonadezhina (1969), os primeiros anos de vida
e o período de escolarização são responsáveis pela ampliação
dos sentimentos superiores. A experiência moral é adquirida
em trabalhos realizados pela criança, devido a sua participação
em atividades grupais. Na dramatização de histórias e jogos ela
tem oportunidade de se colocar no lugar do outro, portanto é-
lhe proporcionada a orientação de sua conduta. Outro aspecto
positivo dessas atividades é que geralmente são realizadas
com muita motivação e entusiasmo, fato observado nos alunos
da Sala de Recursos. A valorização social de suas conquistas
lhes permite formar a idéia de que tanto seu trabalho como
eles próprios têm valor. Na idade escolar, reitera o autor, o
aluno é capacitado a dominar seus sentimentos, embora não
seja um processo fácil, no início da escolarização. O aluno A, é
um exemplo de avanço em relação ao controle da
impulsividade, desempenho escolar e relacionamento com
colegas e professores. Acredita-se que as mudanças em sua
conduta foram beneficiadas pela mediação estabelecida pela
pesquisadora, por meio dos instrumentos do PEI. No ano
anterior, a queixa referente sobre o aluno era devida ao
comportamento impulsivo e à falta de empenho em relação às
atividades escolares, e no final do ano letivo de 2004 a fala da
professora do ensino regular era bem diferente: “Esse aluno
não me dá trabalho. Parece um aluno normal”. Embora a frase
da professora expresse o estigma devido às dificuldades
escolares anteriormente apresentadas, e por estar ele há
alguns anos inserido na Sala de Recursos, o comentário da
professora demonstra que o desempenho e a conduta dessa
criança, em 2004, foram satisfatórios.

211
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Para Vygotsky (2001) é importante que o professor deseje


e aceite as emoções, e considere as sensações inferiores e
egoístas como primárias. É interessante abolir a divisão dos
sentimentos em inferiores e superiores, cabendo ao educador
orientá-los em todos os sentidos. A forma como é trabalhado o
sentimento em relação a tudo que rodeia a criança pode ajudá-
la ou prejudicá-la. A fala do adulto pode tranqüilizar a criança
ou ampliar seus medos ainda mais. As emoções são recursos
valiosos para a educação das reações do aluno. Na conquista
do comportamento desejado, cabe ao professor se preocupar
com reações que deixem marcas positivas.
Durante a intervenção, muitas vezes as crianças diziam
que não conseguiam realizar as atividades. Muitas vezes
encorajando-as, outras tantas ajudando-as ou dando-lhes
pistas para transcenderem, a mediadora conseguia que fossem
adiante. No instrumento Organização de Pontos, a
perseverança e a persistência dos alunos, com o incentivo e a
intervenção da mediadora, apresentaram avanços
significativos. Em Ilustrações os alunos, muitas vezes, tinham
resistência em produzir seus textos, mas, após serem
motivados, realizavam as atividades.
Como reflete Vygotsky ( 2001), o professor deverá procurar
atingir o sentimento do aluno diariamente, em seu trabalho.
Certamente essa preocupação fará com que o professor
obtenha maior sucesso nos processos de ensino e
aprendizagem. O autor complementa: antes mesmo de
comunicar esse ou aquele sentido, o professor deve provocar a
emoção no aluno, preocupando-se se essa emoção está ligada
ao novo conhecimento que pretende transmitir.

Conclusão

Após análise dos dados, pudemos constatar que a


intervenção realizada contribuiu para maior desenvolvimento
das funções cognitivas, manifestas por: controle da

212
CAPÍTULO 9

impulsividade; comportamento exploratório, sistemático e


planejado; estabelecimento de relações; compreensão do que
era solicitado; percepção e constância; transporte visual;
conduta somatória; necessidade de precisão; e melhora no
relacionamento com o professor e os colegas.
No estudo realizado foram privilegiadas algumas das
funções psicológicas superiores, por estarem mais diretamente
relacionadas ao desenvolvimento infantil. São elas: percepção,
atenção, memória, pensamento, emoções e sentimentos. Vale
ressaltar que os processos de formação e desenvolvimento de
cada uma delas estão interligados; não ocorrem de forma
compartimentada, isolada. A linguagem, sendo o instrumento
psicológico mais importante, intermedeia cada uma; adentra e
organiza todas as áreas do psiquismo do homem. É pela
linguagem que as funções psicológicas superiores são
elaboradas e personalizadas, especialmente por intermédio dos
signos e dos significados transmitidos. A linguagem, portanto,
exerce função decisiva em relação ao pensamento,
caminhando paralelamente com ele, dando-lhe forma e
objetivando sua maneira de ser.
Ao final da intervenção, dentre outros aspectos positivos
observados na maioria das crianças destacaram-se: ampliação
do vocabulário; maior desenvoltura para o transporte visual;
necessidade de precisão; ampliação de um repertório de
estratégias de aprendizagem; aumento da motivação
intrínseca; ampliação da vontade na produção de textos e
conduta de auto-regulação, com a tentativa da correção do
próprio texto; elevação do nível de pensamento reflexivo, de
abstração e concentração; maior autonomia na realização das
atividades; saber ouvir e respeitar a vez do outro; aprender a
aceitar ajuda e compreender que colaborar com o amigo na
resolução das atividades não é fazer por ele; pesquisar no
dicionário; procurar entender o enunciado das atividades e
tentar resolvê-las. Sentimento e compartilhamento são

213
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

essenciais em todo processo de formação e humanização no


qual o infante está inserido.
Por meio dessa pesquisa, embora com um pequeno
contingente de participantes, pode-se apontar a importância do
conhecimento a respeito das funções intelectivas e da
mediação a ser estabelecida nos processos de ensino e
aprendizagem, e assim trazer pistas para a atuação do
professor junto às crianças com dificuldades escolares. Desse
modo confirma-se a hipótese deste trabalho de que, sendo o
desenvolvimento das capacidades cognitivas um processo
mediado, e a aprendizagem fator relevante nesse processo, a
mediação docente firmada nesse percurso contribui
fundamentalmente para amenizar as dificuldades escolares
apresentadas pelos alunos.
Acreditamos que as mudanças constatadas nas funções
cognitivas dos alunos devem-se não somente à intervenção
realizada com o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI)
nesse período, mas também às demais situações de atividades
em que os alunos estavam inseridos, seja no ensino regular, na
Sala de Recursos8, seja pelo compromisso assumido pela
família em relação aos afazeres escolares.

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p. 355-382.

8 A professora da Sala de recursos planejava diariamente as atividades a serem


utilizadas com os alunos, diversificava-as com auxílio de jogos, dramatizações,
músicas, vídeo e diálogo com as crianças.

214
CAPÍTULO 9

FEUERSTEIN, R. et al. Instrumental enrichment. University Park


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TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.

215
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

VYGOTSKY, L. S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins


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VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do
comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996.

216
CAPÍTULO 10

LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR: UM ESTUDO COM


ALUNOS DA SALA REGULAR E DA SALA DE RECURSOS

Sheila Rossana Fernandes Corrêa Pavesi


Nerli Nonato Ribeiro Mori

Introdução

Os caminhos da Educação no Brasil vêm sendo trilhados


por períodos e momentos históricos, marcados por projetos
políticos e econômicos, desvinculados aos interesses e
necessidades educacionais na formação do homem para a
efetiva cidadania.
As políticas públicas atuais numa perspectiva global
neoliberal impõem à sociedade mudanças sócio-culturais
significativas, levando a uma reificação das relações sociais e o
ser social. Os valores para esta sociedade são atitudes de
competência multifuncionais, competitividade, individualismo,
consumismo exacerbado, capacidade adaptativas às
transformações e resistência às adversidades. O homem se
desumaniza, perde os valores éticos e morais, a capacidade de
tomar decisões críticas com clareza, profundidade e
abrangência em busca da compreensão da realidade.
Tais reflexões são indispensáveis para o entendimento da
sociedade em que vivemos, marcada por contradições sociais.
Entendida como conseqüência das relações sociais
capitalistas, a educação é analisada como uma das instituições
que têm atuado a serviço dos interesses das classes
dominantes. A educação nesse contexto traduz o esvaziamento
do trabalho educativo escolar, transformando-o em um
processo sem conteúdo. À escola caberia a tarefa de preparar
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

os indivíduos para o processo de adaptação às alienantes


relações sociais que presidem o capitalismo contemporâneo. A
escola vem perdendo ao longo dos tempos seu foco, sua
função de socialização dos conhecimentos historicamente
construídos pela humanidade e a inserção do sujeito no
processo como produtor de conhecimento.
Neste contexto histórico, a escola tem um papel
fundamental na formação humana, no resgate de valores que
contrariem esta expectativa de homem. Conforme evidencia
Saviani (2003, p. 14), “[...] escola diz respeito ao conhecimento
elaborado e não o conhecimento espontâneo; ao saber
sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e
não à cultura popular”.
A falta de qualidade do ensino, registrada pelas Avaliações
Nacionais, que focam a leitura, a interpretação e o raciocínio
lógico-matemático, revelam pelos índices, o caos em que a
educação brasileira se encontra. Analisando a leitura, nosso
objeto de estudo, vimos que o resultado da pesquisa que avalia
alunos de 4ª e 8ª séries das escolas públicas num âmbito
nacional em Língua Portuguesa, aponta um cenário longe da
média (BRASIL/INEP, 2007).
Esse fracasso da escola acaba distanciando o aluno da
possibilidade de apropriar-se da cultura e da ciência produzida
historicamente pela humanidade, acirrando as diferenças
sociais. Para essa instituição, o fracasso escolar confirma a
reprodução dos ideários da sociedade capitalista, que se
justifica pela consolidação das péssimas condições de vida da
“mercadoria” humana.
Importa considerar que é nas relações humanas, processo
este dinâmico, histórico e social, enfim por meio da linguagem,
que o homem se reconhece humano, interage e troca
experiências, compreende a realidade em que está inserido e
percebe o seu papel como participante da sociedade.
Nesta dimensão dialógica, estão presentes todas as
modalidades e representações materiais da linguagem oral,

218
CAPÍTULO 10

escrita, imagem, imagem em movimento, gráficos dentre


outras. Sendo assim, a linguagem é o pensamento objetivado.
No processo de ensino e aprendizagem da língua,
assumem-se o texto verbal-oral e ou escrito e também as
outras linguagens, tendo em vista o multiletramento, como
unidade básica, que se manifesta em enunciações concretas,
cujas formas se estabelecem de modo dinâmico com
experiências reais de uso da língua (PARANÁ, 2006).
Pode-se entender que as práticas da linguagem, como
fenômeno de uma interlocução viva, perpassam todas as áreas
da ação humana. Desta forma, Soares (2007, p. 38) assevera
que a entrada no mundo da escrita se dá por dois meios: “Um é
a tecnologia, que é aprender a codificar e decodificar, [...]. O
outro é o uso dessa tecnologia. Apenas com um desses
passaportes não se entra no mundo da escrita”.
É importante ressaltar que o processo de ensino e
aprendizagem da linguagem é um processo longitudinal que se
inicia na alfabetização, consolida-se no decurso da vida
acadêmica e não se esgota no período escolar, mas se estende
por toda a vida (PARANÁ, 2006).
Na concepção da linguagem assumida por estas diretrizes,
a leitura é vista como co-produtora de sentidos. Tal ótica
concebe a leitura como instauradora de diálogos, propiciando
diferentes formas de ver, de avaliar o mundo e de (re)conhecer
o outro.
Numa perspectiva histórico-cultural, as interações sociais,
e o ensino sistemático constituem o principal meio através do
qual o desenvolvimento avança. A apropriação do
conhecimento manifesta-se na e pela interação social, e nessa
atividade o homem forma sua consciência individual.
Sobre a aprendizagem mediada, Vygotsky (1991) ressalta a
importância da interação estabelecida entre o adulto e a
criança. Nessas trocas, a mediação sob forma de signos e
instrumentos, as atividades individuais e relações inter-
pessoais interferem positivamente no desenvolvimento do

219
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

indivíduo, ampliando sua capacidade cognitiva e reestruturando


as funções psicológicas .
Pela via da mediação, a consciência infantil deixa de ser
guiada apenas pelo biológico e passa a ser orientada por
necessidades, que antes de serem individuais, são dos homens
de uma determinada época; assim a linguagem ganha cada vez
mais relevância. Por isso, a linguagem, nas suas diferentes
formas, adquire uma função básica na formação dos processos
mentais como atenção voluntária, memória lógica, raciocínio,
capacidade de armazenamento, análise, planificação mental,
capacidade de reflexão e abstração, ampliam as possibilidades
de compreensão e intervenção dos homens.
A realização eficaz, do ensino escolar resulta no
desenvolvimento intelectual do indivíduo, isto é, o bom ensino é
aquele que adianta os processos de desenvolvimento
(VYGOTSKY, 1991). Por conseguinte, esse processo de
transformação perpassa pela linguagem, fator imprescindível
por meio do qual se desenvolvem as capacidades superiores
como: memória lógica, atenção voluntária, análise, planificação
mental, capacidade de reflexão e abstração, ampliam as
possibilidades de compreensão e intervenção dos homens
(VYGOTSKY, 1991).
Mediado pela comunicação, o homem transmite
informações e assimila experiências acumuladas por gerações
faz relações, codifica e formula conceitos, mesmo fora do
contexto de uma ação prática imediata, desenvolvendo assim
um pensamento abstrato. Essa linguagem mediada impulsiona
o homem nas formas mais complexas do pensamento,
garantindo a transição do sensorial ao racional na
representação do mundo real.
Neste sentido, segundo Martins (2007, p. 118),

[...] para que a educação escolar desempenhe de fato


suas funções é premente o conhecimento omnilateral e
concreto sobre os indivíduos. Um conhecimento,
portanto, revelador da artificialidade e da aparência

220
CAPÍTULO 10

presentes nas supostas cisões entre


subjetividade/objetividade.

Tais reflexões permitem afirmar que é o conhecimento que


o professor alcança a respeito de seus alunos, e a
compreensão teórica a respeito dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem que irão direcionar sua
prática pedagógica e auxiliá-lo a envolver seus alunos em
situações de estudo e leitura.
Facci (2007) embasada nos estudos de Davidov, assevera
que o estudo é uma atividade em que ocorre apropriação de
novos conhecimentos e cuja direção constitui o objetivo
fundamental do ensino. Davidov (1988) traduz o
desenvolvimento do pensamento teórico em direção à
realidade, e cita que o conhecimento, “[...] permite ao homem
‘sair’ dos limites da vida cotidiana observada diretamente; o
introduz no círculo dos acontecimentos [...] e também nas
relações com as pessoas. Por isso a participação consciente do
homem [...] está ligada com seu grau de alfabetização” (apud
FACCI, 2007, p. 139).
Enfim, como afirma Kleiman (2004) a leitura é um
elemento mediador dos processos internos, impulsiona o
desenvolvimento cognitivo para um patamar superior.
Também Alliende e Condemarín (2005, p. 13) contribuem
para enriquecer essa discussão a respeito da leitura: “é a única
atividade que constitui, ao mesmo tempo, disciplina de ensino
e instrumento para o manejo das outras fases do currículo”. O
interesse pela leitura estimula a apropriação dos diferentes
conceitos, colaborando diretamente com o êxito escolar no
processo de aquisição dos conhecimentos.
No indivíduo adulto, em que tais habilidades já foram
desenvolvidas, o processo de ler e escrever é reproduzido
automaticamente por meio de técnicas já aprendidas em
estágios anteriores do desenvolvimento. Mas durante a
apropriação por parte da criança este processo não é
automático, se processa por diversos estágios que envolvem

221
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

mudanças nas funções psicológicas, que se reorganizam em


sistemas funcionais complexos, que necessitam de ser
compreendidas pelos educadores, propondo-se tarefas e
atividades planejadas e sistematizadas para que a
aprendizagem tenha sucesso (LURIA, 1994, p. 95).
Para tanto, pesquisou-se como é a relação da criança com
o livro, e qual o seu interesse pela leitura. O objetivo geral foi
investigar o interesse pelo livro dos alunos de 5ª série do
Ensino Básico. E de modo específico, buscou-se verificar se há
diferença significativa entre as manifestações a respeito do
interesse pelo livro, dos alunos que freqüentam a Sala Comum
e os alunos que freqüentam a Sala de Recursos de 5ª a 8ª
séries - Área Mental e Distúrbios de Aprendizagem.
Os resultados podem colaborar para o aprimoramento de
práticas pedagógicas de ensino e aprendizagem que favoreçam
atitudes positivas quanto ao interesse pela leitura, contribuindo
para a formação das capacidades cognitivas do educando, e
processos mais amplos para uma educação mais
humanizadora.

Desenvolvimento

O presente estudo parte de pressupostos da Teoria


Histórico-Cultural que traz em seu bojo a relação entre o
indivíduo e a sociedade, articulada pelas mediações em um
processo histórico e social da humanidade. Neste sentido, em
uma perspectiva histórico-social, o estudo proposto busca
compreender a prática do ensino da leitura junto a alunos de
sala regular e de recursos. Assim, trata-se de uma pesquisa de
caráter qualitativo objetivando buscar as contradições
existentes neste processo, em um contexto escolar.
O trabalho foi desenvolvido em dois momentos, um de
estudos teóricos e outro, de pesquisa de campo. Para o
embasamento teórico foram tomados como referência os
estudos realizados por autores da linha Histórico-Cultural,

222
CAPÍTULO 10

especialmente aqueles que discutem os conceitos linguagem,


mediação e ensino escolar.
Os participantes da investigação são alunos entre a faixa
etária de 10 e 13 anos, do período vespertino de 5ª séries do
ensino básico de um colégio de ensino público jurisdicionado
ao Núcleo Regional de Educação (NRE) do município de
Maringá-PR, somando um total de setenta alunos. Destes, oito
alunos são atendidos em contraturno ( período contrário ao
freqüentado pela criança na escola) em Sala de Recursos de 5ª
a 8ª séries- Área Mental e Distúrbios de Aprendizagem.
Para coleta de dados foram utilizados dois instrumentos, “a
escala de atitudes diante da leitura” (CONDEMARÍN; MEDINA,
2005, p. 103), que consiste em um instrumento em forma de
ícones que representa um personagem em quatro poses faciais
que são identificados respectivamente pelo significado de
“muito feliz”, “contente”, “aborrecido” e “incomodado”. Este
quadro constitui-se em sete partes, sendo que em cada uma
apresenta questões referentes a atitudes e interesses dos
alunos, pelo livro. Após a primeira atividade seguimos com o
“inventário de interesses” (CONDEMARÍN; MEDINA, 2005, p.
104), que tem por objetivo investigar os propósitos de leitura
dos alunos. Este instrumento consiste em uma lista de
afirmações incompletas e que serão completadas por escrito
pelos alunos de acordo com seu interesse e propósitos.
Os instrumentos foram aplicados coletivamente.
Inicialmente cada aluno recebeu, para registro de atitudes e
intenções, a “escala de atitudes diante da leitura”. Diante das
questões, lidas uma a uma pela investigadora, a criança
escolhia um personagem que correspondesse à sua intenção
de resposta, colorindo-o. Logo a seguir, foi entregue o
“inventário de interesses”, usando o mesmo procedimento, o
qual foi completado por escrito pelos alunos de acordo com
seus propósitos de leitura.

223
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

Resultados

Primeira atividade: “Escala de atitudes diante da leitura”.


Os resultados foram obtidos por uma média aritmética em
relação ao número de alunos de cada grupo – Classe comum e
Sala de Recursos – e respostas dadas em cada questão. Como
a intenção da pesquisa era investigar o interesse dos alunos de
5ª série pela leitura, os resultados dos ícones, “muito feliz e
contente”, foram adicionados pois ambos demonstram a
satisfação e interesse pela atividade de leitura, bem como os
resultados dos ícones “aborrecido e incomodado”, uma vez que
ambos justificam uma insatisfação e desinteresse na atividade
de leitura.

ESCALA DE ATITUDES DIANTE DA LEITURA


muito feliz aborrecido
e e
Questões contente incomodado
CLASSE SALA DE CLASSE SALA DE
COMUM RECURSOS COMUM RECURSOS

1- Como você se sente quando ganha


um livro de presente? 92,8% 100% 7,2% 0%
2- Como você se sente quando gasta 42,8%
seu tempo livre lendo? 57,2% 47,5% 52,5%
3- Você acha que vai gostar de ler
quando for maior? 57,1% 75% 42,9% 25%
4- Como você se sente quando vai à
uma livraria? 80% 62,5% 20% 37,5%
5- Como você se sente quando lêem
uma historia para você? 78,6% 100% 21,4% 0%
6- Quando vai à casa de um amigo,
gosta de ler os livros dele? 62,9% 25% 37,1% 75%
7- Como se sente quando lêem
poemas para você? 88,6% 75% 11,4% 25%

Quadro 1: Comparação de atitudes de alunos de sala regular e de recursos diante da


leitura.

Ao analisar os dados, observamos que no geral, as crianças


da 5ª série demonstram interesse pelo livro. Ao comparar os
alunos da classe comum e os alunos atendidos na sala de

224
CAPÍTULO 10

recursos, observamos que os resultados são próximos, não


apresentando muita diferença nas atitudes e interesses dos
alunos quando são: (questão 1) presenteados, (questão 3)
gostar de ler quando for maior, (questão 4) quando vão
escolher um livro na livraria ou (questão 5 e 7) quando
participam da atividade ouvindo um leitor mais proficiente. Isto
demonstra que os alunos apresentam interesses semelhantes
na aquisição dos livros e na participação como ouvintes nas
atividades que envolvem leitura. De acordo com Alliende e
Condemarín (2005, p. 42) o ato de ler para os alunos, “[...]
estabelece uma relação emotiva, que permite que as crianças
associem a leitura a um momento de comunicação agradável
com os adultos”. Neste sentido, é importante que o professor
conheça este aluno para escolher temas relacionados com sua
vida e seus interesses, optando por assuntos que torne mais
atraente a leitura. E ao estimular esta atividade, proporcionará
a essa criança avanço no seu aprendizado.
No entanto, verifica-se que o grupo de alunos da sala de
recursos, quando se trata de realizar sua própria atividade de
leitura, como exemplo: (questão 2) gastar seu tempo livre lendo
ou (questão 6) ler livros dos amigos, demonstra desinteresse,
ou seja, os índices que representam os personagens
“aborrecidos ou incomodados” são maiores. A diferença
observada permite a interpretação de que o índice,
apresentado nas atividades que envolvem o ato de ler pode ser
atribuído às dificuldades na apropriação dos símbolos gráficos
e à pouca experiência com o vocabulário, o que impede uma
leitura fluente e compreensível.
Por esta razão, segundo Carvalho (2003, p. 11), antes de
ensinar a decodificar as letras e sons, é imprescindível “mostrar
aos alunos o que se ganha, o que se obtém com a leitura: mas
isto só será possível por meio de atividades que façam sentido,
atividades de compreensão de leitura desde as etapas iniciais
da alfabetização”. Daí a necessidade de propor experiências
que contribuam para a aprendizagem dos alunos, pois caso

225
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

contrário, “muitos continuarão pensando que a leitura é uma


tarefa difícil, complicada e inútil” (CARVALHO, 2003, p. 12).
Ao sistematizar atividades que ajudem a criança a retomar
o fluxo normal da escolaridade, é possível oportunizar a esse
aluno maior sentimento de segurança auxiliando-o a vencer o
“medo de ler”, quebrando assim, um ciclo vicioso em que o
aluno “não lê ou não compreende o que lê”, o que poderia
comprometer as outras áreas do currículo e ocasionar o
fracasso escolar (CARVALHO, 2005, p. 68).
Para compreender a linguagem falada ou escrita, Alliende e
Condemarín (2005, p. 38) explicam que, “[...] as crianças
devem entender os significados das palavras individuais e das
expressões [...], devem estar familiarizadas com a estrutura das
orações e a sua significação [...] e devem conhecer o
significado dos padrões de entonação”. Porém, se não ocorrer à
apropriação destes critérios, o aluno pode apresentar
dificuldades na leitura, e consequentemente não demonstrar o
desejo e interesse nesta atividade acrescentando complicações
no desenvolvimento escolar.
Segunda atividade: “Inventário de Interesses”. Os
resultados foram os seguintes:

Inventário de Interesses Respostas


Adoro ler... A maioria dos alunos da classe comum e da sala de
recursos apresenta preferências semelhantes, em
ordem de escolhas, como: poemas, gibis, livros,
histórias interessantes, revistas, esportes, aventura,
ficção científica (a ordem de prioridade varia de acordo
com a faixa de desenvolvimento).
Para mim, os livros de Em média 65% dos alunos da classe comum e sala de
estudo são... recursos, consideram-no “importante”.
Meu programa favorito Ambos os grupos relacionaram em ordem de
na TV é... preferência: novelas, desenhos, filmes, programas de
humor, esporte.
Se tivesse de Em ambos os grupos a maioria recomendaria livros de
recomendar um livro, eu poesia e histórias infantis.
escolheria...
Quadro 2: Inventário de interesses a respeito da leitura de alunos de sala regular e de
recursos

226
CAPÍTULO 10

Constatou-se que a maioria dos alunos da classe comum e


da sala de recursos apresenta preferências semelhantes. Nos
estudos de Alliende e Condemarín (2005, p. 172) estas
preferências se confirmam, pois, de acordo com os autores,
“nas séries intermediárias, as crianças se sentem interessadas
pelos relatos sobre travessuras infantis, personagens divertidos
e valentes [...] e interessados em aventuras”. Outra questão
como “meu programa favorito na TV é”, ambos os grupos
relacionaram, novelas, desenhos e filmes. Alliende e
Condemarín (2005, p. 172) relatam que, “entre os 11 e 14
anos começa o interesse pela ficção novelesca. [...] em geral,
ambos os sexos gostam de histórias em que os personagens
enfrentam problemas similares aos que eles encontram em sua
vida diária”. Os autores destacam ainda que, existem
diferenças individuais manifestadas pelos alunos, quando se
comparam aos interesses pela leitura, no entanto, investigar
suas preferências, contribui para traçar diretrizes que possam
“[...] ser de utilidade aos educadores para expandir a amplitude
dos interesses de seus alunos e informar aos pais que solicitam
orientação sobre que tipo de livros ou revistas proporcionar a
seus filhos”. Neste sentido, conhecer o interesse de leitura dos
alunos permite-nos selecionar os materiais adequados para
que eles continuem desenvolvendo interesses permanentes no
ato de ler.

Conclusão

Ao analisar os resultados obtidos por meio da escala de


atitudes e inventário de interesses diante da leitura,
verificamos que não há diferença nas manifestações quando se
trata do interesse pelo livro entre os alunos matriculados na 5ª
série que frequentam somente a classe comum e os alunos
que são atendidos na sala de recursos. No entanto, quando se
trata da atividade de leitura propriamente dita, os alunos
atendidos na sala de recursos, apresentam índices inferiores

227
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

ao grupo de alunos que freqüentam a classe comum. Atribui-se


este desinteresse, à dificuldade apresentada na leitura dos
alunos que freqüentam a sala de recursos de 5ª a 8ª séries.
Proporcionar atividades que ajudem o aluno a retomar o
fluxo da aprendizagem escolar pela leitura, que é o elemento
mediador dos processos internos, provavelmente irá
impulsionar o desenvolvimento cognitivo para um patamar
superior. Entretanto, quando não há interesse pela leitura, a
aprendizagem escolar fica comprometida, e os processos
cognitivos que são constituídos por esta atividade são
interrompidos, e em consequência, surgem obstáculos na
aprendizagem dos conteúdos curriculares, aumentando as
dificuldades, levando do aparente desinteresse até a evasão
escolar.
Ao investigar os propósitos de leitura, observou-se que os
alunos de ambos os grupos consideram “importante” os livros
de estudo, e as preferências de leitura são semelhantes
quando comparadas às pesquisas de Alliende e Condemarín
(2005). Nesta etapa escolar, deve haver um trabalho
pedagógico intencional, gradual e contínuo de sensibilização,
aproveitando as preferências e sugestões dos alunos.
Na nossa sociedade, a atividade dominante da criança e do
jovem, é o estudo; portanto, os indivíduos que se encontram à
margem do ensino escolar, excluídos do processo educacional,
deixam de apropriar-se dos conhecimentos científicos
produzidos historicamente pela humanidade, fortalecendo
assim, a heterogeneidade cultural imposta pelas condições
econômicas e sociais.
Conclui-se, portanto que conhecer o interesse e propósitos
de leitura dos alunos, constitui um meio útil de informação para
subsidiar o professor a selecionar e classificar livros, planejar
grupos de leitura, observar o nível de apropriação da leitura de
seu aluno, bem como estimular uma atividade prazerosa que
possa ser incorporada à vida cotidiana, promovendo assim, um
aprendizado substancial no desenvolvimento escolar.

228
CAPÍTULO 10

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Martins Fontes,1991.

230
SOBRE OS AUTORES

ÁUREA MARIA PAES LEME GOULART


Graduada em Pedagogia; Especialista em Fundamentos da
Educação; Mestre e Doutora em Educação – USP. É professora
no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá – Mestrado e Doutorado. Atua na área de
educação, com ênfase em Educação Especial, Mediação
Docente, Desenvolvimento e Aprendizagem.

CRISTINA CEREZUELA JACOBSEN


Graduada em Educação Física – UEM; Especialista em Didática
e Metodologia do Ensino – UNOPAR; em Educação Especial e
em Psicopedagogia Institucional e Clínica pelo Instituto
Paranaense de Ensino e Faculdades Maringá. Mestre em
Educação – UEM. Atua na área da educação, com ênfase em
Educação Especial e Metodologia da Pesquisa Científica.

DORCELY BELLANDA GARCIA


Graduada em Psicologia – UEM; Mestre em Educação – UEM.
Atua na área da educação, com ênfase em Educação Especial e
Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento.

LÚCIA CRISTINA DALAGO BARRETO


Graduada em História – UEM; Mestre em Educação – UEM. É
professora no Ensino Fundamental.

LUCIANA FIGUEIREDO LACANALLO


Graduada em Pedagogia – UEM; Mestre em Educação – UEM;
Doutoranda em Educação – UEM. É professora do curso de
Pedagogia do Centro Universitário de Maringá – CESUMAR. Tem
experiência na área de Educação, principalmente nos seguintes
temas: Ensino Fundamental, Prática Docente, Ensino,
Aprendizagem e Desenvolvimento.
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: Estudos sobre as Salas de Recursos no Estado do Paraná

LUCILIA VERNASCHI DE OLIVEIRA


Graduada em Pedagogia – UEM e Fonoaudiologia - CESUMAR;
Mestre em Educação – UEM. É professora no Ensino
Fundamental.

LUCYANNE CECÍLIA DIAS GOFFI


Graduada em Educação Física – UEM; especialista em
Educação Especial – UFU; Mestre em Educação - UEM. É
professora no Ensino Fundamental.

MÁRCIA APARECIDA MARUSSI SILVA


Graduada em Educação Física – UEM; Especialista em
Educação Especial pelo Instituto Paranaense de Ensino e
Faculdades Maringá Mestre em Educação - UEM. Atua na
Educação Básica.

MARIA TEREZINHA BELLANDA GALUCH


Graduada em Pedagogia – UEM; Especialista em Metodologia
do Ensino – UEM; Mestre em Educação – UEM; Doutora em
Educação – PUC/SP. É professora do Departamento de Teoria e
Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá,
atua no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação
em Educação. Tem experiência na área de Educação,
principalmente nos seguintes temas: Ensino Fundamental,
Prática Docente, Ensino, Aprendizagem e Desenvolvimento.

NERLI NONATO RIBEIRO MORI


Graduada em Psicologia – PUC-PR; Especialista em
Psicopedagogia– CFP e ABPp; Especialista em Fundamentos da
Educação – UEM; Mestre em Psicologia da Educação – PUC-SP;
Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano –
USP. Professora do Departamento de Teoria e Prática da
Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação –
UEM. Autora de livros e artigos sobre Diversidade e Inclusão.

232
SOBRE OS AUTORES

NILZA GUIDINI VALENTINI


Graduada em Letras – FAFIMAN; Mestre em Educação - UEM.
Atua na Educação Básica.

ROSANA ALBUQUERQUE
Graduada em Psicologia – UEM; Mestre em Educação – UEM;
Doutoranda em Educação – UEM. É docente da Faculdade do
Noroeste Paranaense e Faculdade América do Sul e psicóloga
na Unidade de Psicologia Aplicada da UEM. Tem experiência na
área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Escolar,
Educacional e Educação Especial.

SANDRA SALETE DE CAMARGO-SILVA


Graduada em Pedagogia- UNICENTRO e Direito – UEM; Mestre
em Educação – UEM; Doutoranda em Educação – UEM. A
ênfase de seus trabalhos é a educação infantil inclusiva.

SHEILA ROSSANA FERNANDES CORRÊA PAVESI


Graduada em Ciências – UEM; Especialista em Ciências do
Meio Ambiente – UEM e Educação Especiall – FAFIJAN. É
Mestre em Educação - UEM. Atua na Educação Básica.

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