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ELABORAÇÃO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS E INCLUSÃO EDUCACIONAL

Cristina Cerezuela Jacobsen, Universidade Estadual de Maringá1.


Nerli Nonato Ribeiro Mori, Universidade Estadual de Maringá2.

Palavras-chave: Educação. Inclusão. Conceitos Espontâneos e Conceitos Científicos.

1 INTRODUÇÃO

Os discursos políticos e os documentos legais em defesa da inclusão são, de fato, um


produto do final do século XX. As discussões de Góes (2002, p. 108) trazem que “a inclusão
social está explicitamente em pauta”; Capellini e Mendes (2003, p. 143) afirmam que “a
inclusão é um processo mundial que se apresenta para a sociedade [...]”. Todavia, seria um
grande equívoco desconhecer a presença desta temática já no início do século passado nos
estudos do pesquisador russo L. S. Vygotski (1896-1934).
Vygotski (1983) em seus estudos acerca da psicologia e da pedagogia das deficiências
defendia que todas as crianças apresentam possibilidades de desenvolvimento, diferenciando
apenas no modo em que se desenvolvem. Com efeito, sua teoria mesmo que anacrônica, já
especificava a necessidade de se discutir e compreender a deficiência infantil como um
assunto não só da psicologia e da pedagogia, mas também, como uma temática social. A ideia
fundamental pautava-se que por meio de mediações adequadas a criança poderia compensar
socialmente a deficiência e se desenvolver, e, por conseguinte, se apropriar dos
conhecimentos historicamente elaborados pela humanidade.
Na contemporaneidade inclusiva, a escola está inserida não como a principal
instituição deste momento histórico e social, mas, como um coadjuvante deste processo. Para
garantir que a escola seja inclusiva e que não seja a mesma escola para todos é indispensável
compreender as especificidades do aluno incluso, para assim, oferecer as condições
diferenciadas para o seu desenvolvimento e educação (GÓES, 2002; TORRES-GONZÁLEZ,
2002; MANTOAN, 2008).

1
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Maringá.
criscerezuela@seed.pr.gov.br.
2
Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. nnrmori@uem.br.

1
De acordo com Menchinskaia; Shemiakin e Smirnov (1969) a generalização e
abstração são operações racionais do pensamento que determinam a formação de conceitos.
Com base nos estudos de Vigotski (2000), os conceitos é um sistema de relações objetivas
que se formou no processo de desenvolvimento social e em coletivo da palavra. Os conceitos
científicos se constituem em formas de categorização e generalização avançadas, são
assimilados por meio da colaboração sistemática, organizada entre os indivíduos, em especial,
entre o professor e o aluno no contexto escolar.
Diante destes pressupostos parece-nos importante responder a seguinte problemática:
de que modo se apresenta o processo de formação de conceitos em alunos com necessidades
especiais e como uma intervenção pedagógica sistematizada e intencionalmente organizada
com vistas a avançar em direção ao conceito científico poderia influenciar nesse processo?
Esta temática também tem envolvido estudos de vários pesquisadores na área da Educação
Especial, entre eles podemos citar: Batista (2005); Luz (1999); Oliveira e Oliveira (1999);
Torres e Mori (2003).
A necessidade de organizar processos metodológicos mais adequados para atender
alunos com necessidades educacionais especiais, em específico, estudantes atendidos pelos
pesquisadores, é a motivação pessoal que envolve a realização desta pesquisa que apresenta
como objetivo geral investigar o processo mental de generalização e abstração em alunos com
necessidades educacionais especiais que freqüentam serviços de apoio à aprendizagem em
uma escola da rede estadual da região noroeste do Paraná.

2 CONCEITOS ESPONTÂNEOS E CONCEITOS CIENTÍFICOS

Podemos compreender, com base nos estudos de Vigotski (2000) que os conceitos, o
significado das palavras, é um sistema de relações objetivas que se formou no processo de
desenvolvimento social e coletivo da palavra. O significado desta relaciona-se ao singular,
composto pelas relações que a palavra tem com os contextos de uso para o indivíduo, suas
vivências particulares.
Os estudos de Vigotski (2000, p. 246) vêm ao encontro dos nossos anseios, quando
pontua que conceito “é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido
por meio de simples memorização, só podendo ser realizado quando o próprio
desenvolvimento mental da criança já houver atingido o seu nível mais elevado”. Há dois

2
tipos de conceitos: o espontâneo e o científico.
Os conceitos espontâneos são formas rudimentares de construção de significados que
foram assimilados na vida cotidiana do indivíduo, caracterizando-se pela ausência de uma
percepção consciente de suas relações, sendo orientados pelas semelhanças concretas e por
generalizações isoladas. Também conhecidos como conceitos cotidianos, eles são a base dos
conceitos científicos e permitem a formação de novos conceitos espontâneos.
Os conceitos científicos se constituem em formas de categorização e generalização
avançadas. São assimilados por meio da colaboração sistemática, organizada entre os
indivíduos, em essência, entre o professor e o aluno, no contexto escolar. Apropriados com a
formalização de regras lógicas, sua assimilação envolve análise, que se inicia com uma
definição verbal e operações mentais de abstração e generalização. Os conceitos científicos
apóiam-se em conceitos espontâneos já apropriados, mas o seu desenvolvimento não repete o
mesmo caminho. O processo de desenvolvimento dos conceitos requer: atenção arbitrária,
memória lógica, generalização e abstração, comparação e discriminação.

3 GENERALIZAÇÃO E ABSTRAÇÃO

A generalização e abstração é uma das operações racionais do pensamento.


Menchinskaia; Shemiakin; Smirnov (1969, p. 239, tradução nossa) sinalizam que a
generalização “é a separação mental do geral nos objetos e fenômenos da realidade, e,
baseando-se nelas, a sua unificação mental”. A generalização tem em seu processamento a
comparação na compreensão da realidade. Relacionando suas características individuais
unificam mentalmente como semelhantes.
A generalização é também apontada por Luria (1994) a principal função da linguagem,
sem a qual seria impossível adquirir experiência das gerações anteriores. Toda palavra tem
um significado complexo que é formado por componentes figurado-diretos e por
componentes abstratos e generalizados. Isto nos permite usar a palavra em qualquer um dos
significados citados: concreto, figurado, abstrato ou generalizado. Quando generalizamos uma
palavra tomamos o seu conceito particular e atribuímos ao geral.
O significado da palavra está relacionado à abstração e generalização, porque é por
meio da separação mental dos traços essenciais (abstração) que podemos atribuí-lo a um
grupo com certa categoria idêntica (generalização). Para Menchinskaia; Shemiakin; Smirnov

3
(1969) a generalização se sustenta em diferentes aspectos ou qualidades de objetos ou
fenômenos semelhantes. Entretanto, sua propriedade mais importante é estabelecida na
separação dos aspectos que, apesar de ser comuns entre determinados objetos ou fenômenos,
são essenciais para sua categorização. Esta operação racional é que determina a formação de
conceitos.
A classificação de um objeto ou um fenômeno implica um pensamento verbal-lógico
que abrange muitos elementos e que percorre toda a possibilidade da linguagem em formular
abstrações e generalizações. Em resumo, quando separamos mentalmente um ou mais
elementos de um objeto ou fenômeno, os quais só mentalmente podem manter-se fora dessa
totalidade, estamos abstraindo. E generalizamos quando reconhecemos caracteres comuns a
vários objetos singulares, formando assim um novo conceito ou ideia.

4 AS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Os sujeitos envolvidos nesta pesquisa apresentam necessidades educacionais especiais,


sendo dois grupos com dificuldades significativas e um grupo com dificuldades menos
acentuadas. Estas, são caracterizadas pela legislação como problemas de aprendizagem
apresentados pelo aluno de forma permanente ou temporária, e também pelos recursos e
apoios que podem ser oferecidos para superar as dificuldades da aprendizagem. No Estado do
Paraná a lei que fixa as normas para a Educação Especial é a Deliberação 02/03 aprovada em
02 de junho de 2003 (PARANÁ, 2003). Como a própria lei denomina, Educação Especial é
uma modalidade da Educação Básica, para atender alunos que apresentem necessidades
educacionais especiais.
A Educação Especial entre outros serviços contempla: o Serviço Especializado –
Classe Especial, que é uma sala do Ensino Regular na modalidade do Ensino Especial,
destinada a atender os casos mais significativos de déficit intelectual; e, os Serviços de
Apoios Especializados, como a Sala de Recursos, que se caracteriza pelo atendimento
especializado, paralelo ao ensino regular. Os alunos que não contemplam as especificidades
previstas na lei e que apresentam dificuldades de aprendizagem são atendidos na Sala de
Apoio à Aprendizagem.
A distinção entre a Sala de Recursos e Sala de Apoio à Aprendizagem inicia-se pelos
departamentos de educação e a legislação que os instituem: a Sala de Recursos de 5ª a 8ª

4
séries – Área Mental é do Departamento de Educação Especial e Inclusão (DEEI) por meio da
Deliberação 02/03 do Conselho Estadual de Educação (PARANÁ, 2003) e pela Instrução
05/04 do Departamento de Educação Especial e Inclusão (PARANÁ, 2004); a Sala de Apoio
é do Departamento de Ensino Fundamental regulamentada pela Resolução 371/08 (PARANÁ,
2008b) da Secretaria de Estado da Educação e pela Instrução 01/08 (PARANÁ, 2008a).
A Sala de Apoio à Aprendizagem atende somente alunos da 5ª série e a Sala de
Recursos – Área Mental atende alunos de 5ª a 8ª séries denotando uma maior amplitude e a
continuidade do programa. O atendimento da primeira é destinado a alunos com dificuldades
de aprendizagem na leitura, na escrita e/ou cálculos essenciais, enquanto que na segunda, o
atendimento compreende o aluno com deficiência intelectual, distúrbios de aprendizagem e
atraso acadêmico significativo.
Os alunos atendidos pela Classe Especial e pela Sala de Recursos são avaliados por
uma equipe multiprofissional e diagnosticados que a necessidade do atendimento diferenciado
é originária de causas endógenas. Em contrapartida, os alunos atendidos pela Sala de Apoio à
Aprendizagem têm suas especificidades oriundas de causas exógenas.

5 METODOLOGIA

De acordo com Severino (2007) trata-se de uma pesquisa de campo do tipo


exploratória. Em relação à técnica de investigação colhemos as informações por meio de
entrevista, que foram gravadas e transcritas em notas de campo. A orientação das perguntas
seguiu uma ordem estabelecida fundamentada nos registros da pesquisa original de Luria
(1990).

5.1 SUJEITOS

Participaram deste estudo 35 alunos do Ensino Fundamental, com idade entre 8 e 17


anos. Foram selecionados os participantes que são atendidos pelos programas de apoio à
aprendizagem desenvolvido na unidade escolar. Estes programas de apoio referem-se a:
Serviço Especializado – Classe Especial (PARANÁ, 2003); Serviço de Apoio Especializado –
Sala de Recursos de 5ª a 8ª séries, Área Mental (PARANÁ, 2004); e Serviço de Apoio à
Aprendizagem (PARANÁ, 2008). O Quadro 1 apresenta a caracterização dos alunos

5
selecionados.

Apresentam
Diagnóstico
Número reprova
Programa de atendimento de Egresso Distúrbio Dificuldades de
alunos D. I. de Classe TDAH de Leitura aprendizagem Sim Não
Especial ou Escrita
Classe Especial 6 6 0 0 0 0 6 0
Sala de Apoio 1ª a 4ª séries 5 0 0 0 0 5 3 2
Sala de Apoio 5ª série 9 0 0 0 0 9 4 5
Sala de Recursos de 5ª a 8ª s. 15 4 6 3 2 0 15 0

Legenda: D. I.: Desenvolvimento intelectual abaixo da média; TDHA: Transtorno de déficit de Atenção por
Hiperatividade.
Quadro 1 – Caracterização dos participantes do estudo (N=35).

5.2 LOCAL

O estudo foi desenvolvido em uma escola da Rede Estadual do Estado do Paraná, que
atende alunos oriundos da região central e da periferia da cidade de Maringá. Os testes foram
aplicados individualmente no contexto escolar, em período contrário da matrícula, em uma
sala reservada de modo a oferecer condições de concentração e foco na atividade.

5.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE ESTUDO

A pesquisa se baseia nos testes desenvolvidos pelos estudos de Luria (1990): o Teste
de Agrupamentos e Classificação e sua variação, e, o Teste de Detecção de Semelhança,
adaptando as categorias ao contexto dos alunos.
Foram confeccionados pelos pesquisadores dois grupos de 4 figuras e um grupo de 2
figuras. O material utilizado foi cartolina. As figuras eram coloridas e com as mesmas
dimensões. A execução da atividade se deu pela apresentação das figuras e por
questionamentos, explicitados na apresentação e discussão dos dados. O Quadro 2 apresenta a
categoria taxonômica e situacional das figuras apresentadas.

Teste de Agrupamentos e Classificação


Classificação Taxonômica Classificação Situacional
Grupo Figuras
(critério abstrato) (situação prática)
Gato. Cachorro. Animais Relaciona o aquário à moradia do peixe
1
Peixe. Aquário
2 Lápis. Livro Didático. Materiais Escolares Relaciona a professora à mediação no uso

6
Professora. Caderno. dos materiais escolares.
Teste de Detecção de Semelhança
1 Cachorro. Peixe Animais Difícil de estabelecer uma situação prática

Quadro 2 – Classificação Taxonômica e Classificação Situacional das Figuras apresentadas

6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados indicam que, dos trinta e cinco sujeitos de pesquisa, apenas cinco alunos
empregaram o pensamento abstrato para selecionar o grupo, no momento do primeiro teste.
Destes, três são alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Nunca reprovaram uma
série e recebem o atendimento no Apoio à Aprendizagem. Os outros dois que perceberam
corretamente a classificação são alunos da Sala de Recursos, ambos com 15 anos e
freqüentando 7ª e 8ª séries.

Tabela 1: Agrupamentos e Classificação


Categorização após
Números Classificação Classificação
Grupos de Estudantes a intervenção do
de sujeitos categorial situacional
pesquisador
Classe Especial 06 00 06 06
Sala de Apoio 1ª a 4ª série 05 00 05 05
Sala de Apoio 5ª série 09 03 06 06
Sala de Recursos 5ª a 8ª s. 15 02 13 13
Total 35 05 30 30

Uma das características dos conceitos espontâneos é a ausência da percepção


consciente de suas relações. A pessoa se orienta pelas semelhanças concretas e por
generalizações isoladas. Os trinta sujeitos que indicaram a situação prática como a forma
adequada de classificar as figuras são alunos com necessidades educacionais significativas.
Não demonstrando clareza em primeiro momento que o agrupamento estava relacionado ao
conceito abstrato que cada figura representava.
A tendência à classificação de acordo com a funcionalidade só era interrompida após a
intervenção do pesquisador. A ideia sobre o que a figura representa concretamente era mais
significativa do que a interpretação de uma categoria distinta, formada por elementos
diferentes, mas, que possuem uma identidade única. A referência à mesma categoria
taxonômica levou vinte dos sujeitos a uma análise diferente à primeira resposta. Com os
outros dez alunos, foi necessário como último recurso, sugerir que um colega já havia

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respondido de outra maneira, aproximando as figuras da mesma categoria abstrata. Esta
condição visual e declarada do conceito abstrato determinava a identificação das figuras
sendo pertencentes à mesma classe lógica. Por meio da mediação os alunos superaram o
pensamento concreto em relação à situação em que as figuras remetiam e concordavam com o
pensamento taxonômico conceitual.
Este processo pode ser verificado no exemplo descrito no Quadro 3:
Sujeito (S): R. 13 anos, cursa a 5ª série do Ensino Fundamental e recebe atendimento na Sala de Recursos.
Pesquisador (P): Se eu pedisse que você formasse um grupo com apenas três destas quatro figuras: lápis,
caderno, livros didáticos e professora. Como você organizaria?
S: Eu tiro o livro.
P: Estas três figuras que ficaram formam um grupo com características semelhantes?
S: Sim.
P: Se você tivesse que determinar este grupo com uma única palavra que definisse todas as figuras, qual você
utilizaria?
S: Eu não sei.
P: O que o lápis tem de semelhante à professora?
S: A professora usa o lápis para escrever.
O aluno emprega o princípio da utilidade para agrupar as figuras em situações práticas. Partindo deste
raciocínio questionamos os demais objetos apresentados:
P: E o caderno?
S: A professora usa também.
P: E os livros didáticos, você excluiu desta sua formação, eles não são usados pela professora?
S: São usados também. Posso mudar?
O aluno exclui o caderno. Ao formar o grupo com o lápis, os livros e a professora ele aplica o mesmo critério
anterior das situações extraídas do cotidiano.
P: Agora com estas três figuras que você agrupou é possível com uma única palavra classificar em uma
categoria?
S: Eu não sei como. É preciso a professora para ensinar.
P: Um colega seu formou o seguinte grupo: lápis, caderno e livros didáticos. Que grupo você acha que ele
formou?
S: Não sei.
P: Tente me explicar o que é um lápis. Qual é a característica principal dele?
S: Material escolar.
Ao mostrar as demais figuras, questionamos da mesma forma e obtivemos em respostas isoladas que cada um
deles era material escolar.
P: Então, o que todos eles são?
S: São materiais escolares?
P: Qual palavra agora você utilizaria para classificar estes três objetos em uma única categoria?
S: Material escolar.
Quadro 3 – Transcrição do diálogo Sujeito R. 13 anos

Menchinskaia; Shemiakin; Smirnov (1969) e Vigotski (2000) afirmam que o


pensamento conceitual é apropriado pelo ser humano na experiência compartilhada da
sociedade transmitida pelo seu sistema lingüístico. A passagem do conceito espontâneo para o
conceito científico está relacionada com o tipo de atividade em que a criança está envolvida e
as mediações vivenciadas. O pensamento científico se apóia em conhecimentos espontâneos
já apropriados e, para sua transformação em conceito científico, a mediação é essencial.

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Comprovamos isto com a variação do teste. Dos trinta sujeitos que não apresentaram o
conceito científico na primeira resposta, vinte e seis transpuseram os conhecimentos do
primeiro teste em sua variação. Apenas quatro estudantes necessitaram de intervenção para
que chegassem à resposta adequada.
A tabela 2 compara os resultados do primeiro teste com sua variação.

Tabela 2 – Comparação entre o Teste de Agrupamentos e Classificação e sua Variação


Números Apresentavam Após a Na variação Na variação do
Grupos de Estudantes de Classificação intervenção do do teste teste com
sujeitos categorial pesquisador categorização mediação
Classe Especial 06 00 06 03 03
Sala de Apoio 1ª a 4ª 05 00 05 04 01
Sala de Apoio 5ª série 09 03 06 08 01
Sala de Recursos 5ª a 8ª 15 02 13 15 00
Total 35 05 30 30 05
A predominância do pensamento conceitual foi uma conseqüência da relação mediada
e intencional, que é uma das características do conhecimento científico. Contudo, o resultado
não foi tão satisfatório no teste de detecção de semelhança. Quando foi solicitado para
identificar as semelhanças entre o cachorro e o peixe, uma maioria significativa, vinte e seis
sujeitos, retomou o pensamento situacional descrevendo cada um dos animais, estabelecendo
alguma conexão entre eles, ou ainda, detalhando características físicas. Para Luria (1990, p.
107) “detectar semelhanças é uma parte integral primordial do processo de classificação de
objetos”. É o tipo mais simples de abstração porque consiste em comparar dois objetos em
suas semelhanças.

Sujeito J. 13 anos, cursa a 6ª série e há dois anos recebe atendimento na Sala de Recursos.
P: O que o cachorro e o peixe têm em comum?
S: O peixe gosta de água e o cachorro não gosta muito.
P: Mas, esta é uma diferença entre eles.
S: O cachorro cuida do gato para ele não comer o peixe.
P: Esta é uma condição prática. Eu quero que você identifique uma característica que é igual tanto para o
peixe quanto para o cachorro.
S: Os olhos.
P: Pense bem.
S: Os olhos e a boca.
Predominam as características físicas dos animais.
P: Tente me explicar o que é o peixe?
S: O peixe é um animal.
P: E o que é o cachorro?
S: O cachorro é um mamífero porque ele mama na mãe dele.

Outro sujeito de pesquisa, M. 15 anos, cursando a 5ª série, há 6 meses em atendimento na Sala de Recursos.
S: O peixe é peixe... É um aquático.

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P: O que é um cachorro?
S: O cachorro é um canino... Um mamífero? ...sei lá! Um animal.

Quadro 4 – Transcrição do diálogo dos sujeitos J. 13 anos e M. 15 anos.

As respostas demonstram que eles generalizam o conceito de cachorro em sua longitude. Ao


analisar a estrutura semântica de uma palavra, Luria (1994, p. 36), explica:
A palavra que significa o seu conceito implica uma série de imagens com ela
coordenadas bem como várias imagens subordinadas, ou seja, cada palavra
generalizada tem segundo expressão de Vigotsky, sua ‘amplitude’ e sua ‘longitude’
(ou profundidade). [...]
Deste modo, ao mencionar determinada palavra, o homem não apenas reproduz
certo conceito direto mas sucinta praticamente todo um sistema de ligações que vão
muito além dos limites de uma situação imediatamente perceptível e têm caráter de
matriz complexa de significados, situados num sistema lógico.
É natural que esse sistema de relações semânticas, implícito na palavra que expressa
um conceito, permita ao pensamento movimentar-se em muitos sentidos, que são
determinados pela ‘amplitude’ e a ‘profundidade’ desse sistema de relações. Por isto
a palavra que forma conceito pode ser considerada, com todo fundamento, o mais
importante mecanismo que serve de base ao movimento do pensamento (LURIA,
1994, p. 36, grifo do autor).

O Quadro 5 ilustra as possibilidades de movimento do pensamento de acordo com essa


teoria:

Ser vivo

Animal Subordinadas (profundidade)


Medidas de generalidade
Mamífero

Canidae

peixe –– gato –– cachorro –– cavalo –– coelho –– galinha

Tobi Coordenadas
(nome do cão) Amplitude conceitual
Quadro 5 – Movimento do Pensamento
Fonte: Adaptado de Luria (1994).

O movimento do pensamento não é o mesmo em todas as pessoas. Conforme o


desenvolvimento cultural determinado pelo conhecimento oferecido pelas relações escolares é
que a pessoa relaciona logicamente as palavras. Esclarece Luria (1994, p. 37) “se nas etapas
inferiores de desenvolvimento predominam no homem as relações direto-figuradas, nas etapas
mais desenvolvidas de desenvolvimento cabe posição determinante aos complexos de
relações lógicas”. A maioria iniciou suas respostas afirmando que os dois animais não tinham
nada em comum, que eram muito diferentes. A desvinculação de um processo prático óbvio

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dificultou a operação lógica. Partindo de que os sujeitos em primeira hipótese elaboravam seu
pensamento de acordo com o pensamento concreto real, após a mediação os sujeitos
conseguiram estabelecer o conceito animal para o cachorro e para o peixe, colocando-os em
uma categoria geral.
A diferença entre os primeiros testes e este, pode ser atribuída pela própria dificuldade
de aprendizagem que envolve os alunos. No cotidiano escolar é necessária intervenção
pedagógica pontuada para cada atividade que se realiza. A mediação é constante. A pesquisa
foi uma atividade isolada e não foi estabelecido um tempo para retomar os conceitos
desenvolvidos no primeiro teste para depois aplicar no Teste de Detecção de Semelhança.
Acreditamos que isto pode ter determinado este resultado.

Tabela 3 – Teste de Detecção de Semelhança


Classificação
Estabeleceram a Estabeleceram a
Números categorial no
Grupos de Estudantes semelhança com semelhança após
de sujeitos final dos dois
autonomia a mediação
testes
Classe Especial 06 06 00 06
Sala de Apoio 1ª a 4ª 05 05 01 04
Sala de Apoio 5ª série 09 09 04 05
Sala de Recursos 5ª a 8ª 15 15 04 11
Total 35 35 09 26

O melhor índice de desempenho, quatro entre nove sujeitos, ocorreu no grupo de


alunos que apresentam menores dificuldades de aprendizagem. Conforme os estudos originais
de Luria (1990, p. 108) “é muito mais difícil estabelecer uma semelhança entre os objetos
(particularmente quando ela não é perceptível a partir das impressões imediatas). Na medida
em que isso implica uma capacidade de isolar e comparar atributos [...]”. A dificuldade
demonstrada pelos dados desta pesquisa consistiu em desprezar as características físicas
estigmatizadas na diferença entre eles. Houve um grande esforço dos entrevistados em atribuir
a semelhança em alguns detalhes como: os olhos, a boca, até nariz e orelhas foram citados.
Quando dirigidos a se concentrar nas semelhanças retomavam a ênfase nas diferenças, com
exceção dos nove entrevistados, os demais apresentaram uma infinidade de possibilidades que
não categorizam o cachorro e o peixe em uma única situação. Os dados revelam que a
mediação foi essencial para o bom êxito na detecção das semelhanças.

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7 CONCLUSÃO

Esta investigação se baseou nos métodos de estudos psicológicos dos conceitos


realizados por Luria (1994). Os dados revelados exibem que dos trinta e cinco sujeitos
entrevistados apenas cinco realizaram com autonomia a classificação categorial na aplicação
do primeiro teste, e os outros trinta só a obtiveram após a mediação do pesquisador.
Na variação do teste o resultado foi o inverso do obtido na primeira versão: trinta
sujeitos realizaram a classificação categorial (cinco mantiveram o bom êxito da primeira
aplicação e vinte e cinco transpuseram os conhecimentos apropriados pela atividade anterior).
Apenas cinco sujeitos do total necessitaram, uma vez mais, de intercessão do pesquisador
para alcançar o resultado desejado.
O teste de detecção de semelhança não revelou o resultado esperado. A maioria, vinte
e seis sujeitos, retomou o pensamento situacional descrevendo cada uma da figuras,
estabelecendo alguma conexão entre elas, ou ainda, detalhando características físicas dos
elementos. Não obstante, a intervenção pontuada impulsionou o alcance do resultado
desejado. Diante deste fato podemos concluir que é por meio da intencionalidade que ocorre a
apropriação dos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade.
No contexto educacional, para que a mediação ocorra de forma efetiva, é necessário
conhecermos em que nível de desenvolvimento cada educando se encontra. De acordo com
Vigotski (2000) são dois os níveis de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano: nível
de desenvolvimento real; e o nível de desenvolvimento proximal. O primeiro é aquele em que
a pessoa consegue realizar a atividade pretendida com autonomia, ela se apropriou do
conhecimento, o segundo compreende as atividades que o aluno só realiza com auxílio.
Partindo deste pressuposto podemos identificar com os dados desta pesquisa que a maioria
dos sujeitos participantes está no nível proximal de desenvolvimento intelectual em relação
generalização e abstração.
A ausência de conceitos sistematizados evidenciados por alguns dos entrevistados é
outro fator que fomenta a discussão sobre o processo de ensino e aprendizagem da atualidade.
Historicamente percebemos a educação brasileira como um dos principais instrumentos de
manutenção da sociedade capitalista, ou seja, a escola é estruturalmente fragmentada, elitista e
excludente. Apesar de todo discurso em favor da educação de qualidade para todos,
percebemos que muito ainda precisa ser feito para que esta prática se consolide. De acordo

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com Rossler (2004, p. 81) quem pode mudar a realidade social são os homens, e para isso, é
preciso querer fazer e saber fazer, “isto é, possuir as condições objetivas, as ferramentas
prático-intelectuais concretas para realizar essa transformação”. É neste contexto que a escola
pode dar sua contribuição, ou seja, promover uma educação humanizadora.
A superação da alienação, isto é, a conscientização do homem acerca da realidade em
que ele vive, desnudando a sobreposição dos interesses individuais, do consumismo e do
imediatismo capitalista, e despertando-os para o desenvolvimento de uma consciência crítica
das relações sociais de dominação, é um desafio que perpassa o campo material e político e
adentra no campo humanista e pedagógico. E é neste contexto pedagógico desafiador que
muitos educadores estão inseridos em busca de uma pedagogia emancipatória. Consoante aos
estudos de Saviani (2007) a escola só assumirá esta postura se, com efeito, ensinar.
As discussões de Sforni e Galuch (2006, p. 2) trazem que “a escola é o espaço
privilegiado para a transmissão da cultura produzida historicamente”. E é neste contexto que
justificamos por este estudo a importância de cada vez mais, em intensidade, conhecer como
se processa o desenvolvimento das crianças. Como determinou Luria (1994, p. 70):

Não há dúvida que a transição do pensamento situacional para o pensamento


taxonômico conceitual está relacionada a uma mudança básica no tipo de atividade
em que o indivíduo está envolvido. Enquanto a atividade está enraizada em
operações gráficas, práticas, o pensamento conceitual depende das operações
teóricas que a criança aprende a realizar na escola.

O contexto escolar, por meio das relações que o estabelecem, promove a passagem dos
conceitos espontâneos aos conceitos científicos. O desenvolvimento destes não percorre o
mesmo caminho daqueles. A mediação ocupa o papel essencial nesta transformação como
corroboramos com os resultados alcançados por esta análise.

REFERÊNCIAS

BATISTA, C. G. Formação de conceitos em crianças cegas: questões teóricas e implicações


educacionais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Jan./Abr. 2005, vol. 21, n.1, p. 07-15.

CAPELLINI, V. L. M. F.; MENDES, E. G. Avaliação do rendimento acadêmico dos alunos


com deficiência mental inseridos em classes comuns. In: MARQUEZINE, M. C.; ALMEIDA,
M. A.; TANAKA, E. D. O. (Org.) Avaliação em educação especial. Londrina, Eduel, 2003.
p. 141-154. (Coleção Perspectivas Multidisciplinares em Educação Especial).

13
GÓES, M. C. R. Relações entre desenvolvimento humano, deficiência e educação:
contribuições da abordagem histórico-cultural. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.;
REGO, T. C. (Org.). Psicologia, educação e as temáticas da vida contemporânea. São
Paulo: Moderna, 2002. p. 95-114.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro, 2004.

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