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1 INTRODUÇÃO
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Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Maringá.
criscerezuela@seed.pr.gov.br.
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Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. nnrmori@uem.br.
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De acordo com Menchinskaia; Shemiakin e Smirnov (1969) a generalização e
abstração são operações racionais do pensamento que determinam a formação de conceitos.
Com base nos estudos de Vigotski (2000), os conceitos é um sistema de relações objetivas
que se formou no processo de desenvolvimento social e em coletivo da palavra. Os conceitos
científicos se constituem em formas de categorização e generalização avançadas, são
assimilados por meio da colaboração sistemática, organizada entre os indivíduos, em especial,
entre o professor e o aluno no contexto escolar.
Diante destes pressupostos parece-nos importante responder a seguinte problemática:
de que modo se apresenta o processo de formação de conceitos em alunos com necessidades
especiais e como uma intervenção pedagógica sistematizada e intencionalmente organizada
com vistas a avançar em direção ao conceito científico poderia influenciar nesse processo?
Esta temática também tem envolvido estudos de vários pesquisadores na área da Educação
Especial, entre eles podemos citar: Batista (2005); Luz (1999); Oliveira e Oliveira (1999);
Torres e Mori (2003).
A necessidade de organizar processos metodológicos mais adequados para atender
alunos com necessidades educacionais especiais, em específico, estudantes atendidos pelos
pesquisadores, é a motivação pessoal que envolve a realização desta pesquisa que apresenta
como objetivo geral investigar o processo mental de generalização e abstração em alunos com
necessidades educacionais especiais que freqüentam serviços de apoio à aprendizagem em
uma escola da rede estadual da região noroeste do Paraná.
Podemos compreender, com base nos estudos de Vigotski (2000) que os conceitos, o
significado das palavras, é um sistema de relações objetivas que se formou no processo de
desenvolvimento social e coletivo da palavra. O significado desta relaciona-se ao singular,
composto pelas relações que a palavra tem com os contextos de uso para o indivíduo, suas
vivências particulares.
Os estudos de Vigotski (2000, p. 246) vêm ao encontro dos nossos anseios, quando
pontua que conceito “é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido
por meio de simples memorização, só podendo ser realizado quando o próprio
desenvolvimento mental da criança já houver atingido o seu nível mais elevado”. Há dois
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tipos de conceitos: o espontâneo e o científico.
Os conceitos espontâneos são formas rudimentares de construção de significados que
foram assimilados na vida cotidiana do indivíduo, caracterizando-se pela ausência de uma
percepção consciente de suas relações, sendo orientados pelas semelhanças concretas e por
generalizações isoladas. Também conhecidos como conceitos cotidianos, eles são a base dos
conceitos científicos e permitem a formação de novos conceitos espontâneos.
Os conceitos científicos se constituem em formas de categorização e generalização
avançadas. São assimilados por meio da colaboração sistemática, organizada entre os
indivíduos, em essência, entre o professor e o aluno, no contexto escolar. Apropriados com a
formalização de regras lógicas, sua assimilação envolve análise, que se inicia com uma
definição verbal e operações mentais de abstração e generalização. Os conceitos científicos
apóiam-se em conceitos espontâneos já apropriados, mas o seu desenvolvimento não repete o
mesmo caminho. O processo de desenvolvimento dos conceitos requer: atenção arbitrária,
memória lógica, generalização e abstração, comparação e discriminação.
3 GENERALIZAÇÃO E ABSTRAÇÃO
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(1969) a generalização se sustenta em diferentes aspectos ou qualidades de objetos ou
fenômenos semelhantes. Entretanto, sua propriedade mais importante é estabelecida na
separação dos aspectos que, apesar de ser comuns entre determinados objetos ou fenômenos,
são essenciais para sua categorização. Esta operação racional é que determina a formação de
conceitos.
A classificação de um objeto ou um fenômeno implica um pensamento verbal-lógico
que abrange muitos elementos e que percorre toda a possibilidade da linguagem em formular
abstrações e generalizações. Em resumo, quando separamos mentalmente um ou mais
elementos de um objeto ou fenômeno, os quais só mentalmente podem manter-se fora dessa
totalidade, estamos abstraindo. E generalizamos quando reconhecemos caracteres comuns a
vários objetos singulares, formando assim um novo conceito ou ideia.
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séries – Área Mental é do Departamento de Educação Especial e Inclusão (DEEI) por meio da
Deliberação 02/03 do Conselho Estadual de Educação (PARANÁ, 2003) e pela Instrução
05/04 do Departamento de Educação Especial e Inclusão (PARANÁ, 2004); a Sala de Apoio
é do Departamento de Ensino Fundamental regulamentada pela Resolução 371/08 (PARANÁ,
2008b) da Secretaria de Estado da Educação e pela Instrução 01/08 (PARANÁ, 2008a).
A Sala de Apoio à Aprendizagem atende somente alunos da 5ª série e a Sala de
Recursos – Área Mental atende alunos de 5ª a 8ª séries denotando uma maior amplitude e a
continuidade do programa. O atendimento da primeira é destinado a alunos com dificuldades
de aprendizagem na leitura, na escrita e/ou cálculos essenciais, enquanto que na segunda, o
atendimento compreende o aluno com deficiência intelectual, distúrbios de aprendizagem e
atraso acadêmico significativo.
Os alunos atendidos pela Classe Especial e pela Sala de Recursos são avaliados por
uma equipe multiprofissional e diagnosticados que a necessidade do atendimento diferenciado
é originária de causas endógenas. Em contrapartida, os alunos atendidos pela Sala de Apoio à
Aprendizagem têm suas especificidades oriundas de causas exógenas.
5 METODOLOGIA
5.1 SUJEITOS
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selecionados.
Apresentam
Diagnóstico
Número reprova
Programa de atendimento de Egresso Distúrbio Dificuldades de
alunos D. I. de Classe TDAH de Leitura aprendizagem Sim Não
Especial ou Escrita
Classe Especial 6 6 0 0 0 0 6 0
Sala de Apoio 1ª a 4ª séries 5 0 0 0 0 5 3 2
Sala de Apoio 5ª série 9 0 0 0 0 9 4 5
Sala de Recursos de 5ª a 8ª s. 15 4 6 3 2 0 15 0
Legenda: D. I.: Desenvolvimento intelectual abaixo da média; TDHA: Transtorno de déficit de Atenção por
Hiperatividade.
Quadro 1 – Caracterização dos participantes do estudo (N=35).
5.2 LOCAL
O estudo foi desenvolvido em uma escola da Rede Estadual do Estado do Paraná, que
atende alunos oriundos da região central e da periferia da cidade de Maringá. Os testes foram
aplicados individualmente no contexto escolar, em período contrário da matrícula, em uma
sala reservada de modo a oferecer condições de concentração e foco na atividade.
A pesquisa se baseia nos testes desenvolvidos pelos estudos de Luria (1990): o Teste
de Agrupamentos e Classificação e sua variação, e, o Teste de Detecção de Semelhança,
adaptando as categorias ao contexto dos alunos.
Foram confeccionados pelos pesquisadores dois grupos de 4 figuras e um grupo de 2
figuras. O material utilizado foi cartolina. As figuras eram coloridas e com as mesmas
dimensões. A execução da atividade se deu pela apresentação das figuras e por
questionamentos, explicitados na apresentação e discussão dos dados. O Quadro 2 apresenta a
categoria taxonômica e situacional das figuras apresentadas.
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Professora. Caderno. dos materiais escolares.
Teste de Detecção de Semelhança
1 Cachorro. Peixe Animais Difícil de estabelecer uma situação prática
Os resultados indicam que, dos trinta e cinco sujeitos de pesquisa, apenas cinco alunos
empregaram o pensamento abstrato para selecionar o grupo, no momento do primeiro teste.
Destes, três são alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Nunca reprovaram uma
série e recebem o atendimento no Apoio à Aprendizagem. Os outros dois que perceberam
corretamente a classificação são alunos da Sala de Recursos, ambos com 15 anos e
freqüentando 7ª e 8ª séries.
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respondido de outra maneira, aproximando as figuras da mesma categoria abstrata. Esta
condição visual e declarada do conceito abstrato determinava a identificação das figuras
sendo pertencentes à mesma classe lógica. Por meio da mediação os alunos superaram o
pensamento concreto em relação à situação em que as figuras remetiam e concordavam com o
pensamento taxonômico conceitual.
Este processo pode ser verificado no exemplo descrito no Quadro 3:
Sujeito (S): R. 13 anos, cursa a 5ª série do Ensino Fundamental e recebe atendimento na Sala de Recursos.
Pesquisador (P): Se eu pedisse que você formasse um grupo com apenas três destas quatro figuras: lápis,
caderno, livros didáticos e professora. Como você organizaria?
S: Eu tiro o livro.
P: Estas três figuras que ficaram formam um grupo com características semelhantes?
S: Sim.
P: Se você tivesse que determinar este grupo com uma única palavra que definisse todas as figuras, qual você
utilizaria?
S: Eu não sei.
P: O que o lápis tem de semelhante à professora?
S: A professora usa o lápis para escrever.
O aluno emprega o princípio da utilidade para agrupar as figuras em situações práticas. Partindo deste
raciocínio questionamos os demais objetos apresentados:
P: E o caderno?
S: A professora usa também.
P: E os livros didáticos, você excluiu desta sua formação, eles não são usados pela professora?
S: São usados também. Posso mudar?
O aluno exclui o caderno. Ao formar o grupo com o lápis, os livros e a professora ele aplica o mesmo critério
anterior das situações extraídas do cotidiano.
P: Agora com estas três figuras que você agrupou é possível com uma única palavra classificar em uma
categoria?
S: Eu não sei como. É preciso a professora para ensinar.
P: Um colega seu formou o seguinte grupo: lápis, caderno e livros didáticos. Que grupo você acha que ele
formou?
S: Não sei.
P: Tente me explicar o que é um lápis. Qual é a característica principal dele?
S: Material escolar.
Ao mostrar as demais figuras, questionamos da mesma forma e obtivemos em respostas isoladas que cada um
deles era material escolar.
P: Então, o que todos eles são?
S: São materiais escolares?
P: Qual palavra agora você utilizaria para classificar estes três objetos em uma única categoria?
S: Material escolar.
Quadro 3 – Transcrição do diálogo Sujeito R. 13 anos
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Comprovamos isto com a variação do teste. Dos trinta sujeitos que não apresentaram o
conceito científico na primeira resposta, vinte e seis transpuseram os conhecimentos do
primeiro teste em sua variação. Apenas quatro estudantes necessitaram de intervenção para
que chegassem à resposta adequada.
A tabela 2 compara os resultados do primeiro teste com sua variação.
Sujeito J. 13 anos, cursa a 6ª série e há dois anos recebe atendimento na Sala de Recursos.
P: O que o cachorro e o peixe têm em comum?
S: O peixe gosta de água e o cachorro não gosta muito.
P: Mas, esta é uma diferença entre eles.
S: O cachorro cuida do gato para ele não comer o peixe.
P: Esta é uma condição prática. Eu quero que você identifique uma característica que é igual tanto para o
peixe quanto para o cachorro.
S: Os olhos.
P: Pense bem.
S: Os olhos e a boca.
Predominam as características físicas dos animais.
P: Tente me explicar o que é o peixe?
S: O peixe é um animal.
P: E o que é o cachorro?
S: O cachorro é um mamífero porque ele mama na mãe dele.
Outro sujeito de pesquisa, M. 15 anos, cursando a 5ª série, há 6 meses em atendimento na Sala de Recursos.
S: O peixe é peixe... É um aquático.
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P: O que é um cachorro?
S: O cachorro é um canino... Um mamífero? ...sei lá! Um animal.
Ser vivo
Canidae
Tobi Coordenadas
(nome do cão) Amplitude conceitual
Quadro 5 – Movimento do Pensamento
Fonte: Adaptado de Luria (1994).
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dificultou a operação lógica. Partindo de que os sujeitos em primeira hipótese elaboravam seu
pensamento de acordo com o pensamento concreto real, após a mediação os sujeitos
conseguiram estabelecer o conceito animal para o cachorro e para o peixe, colocando-os em
uma categoria geral.
A diferença entre os primeiros testes e este, pode ser atribuída pela própria dificuldade
de aprendizagem que envolve os alunos. No cotidiano escolar é necessária intervenção
pedagógica pontuada para cada atividade que se realiza. A mediação é constante. A pesquisa
foi uma atividade isolada e não foi estabelecido um tempo para retomar os conceitos
desenvolvidos no primeiro teste para depois aplicar no Teste de Detecção de Semelhança.
Acreditamos que isto pode ter determinado este resultado.
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7 CONCLUSÃO
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com Rossler (2004, p. 81) quem pode mudar a realidade social são os homens, e para isso, é
preciso querer fazer e saber fazer, “isto é, possuir as condições objetivas, as ferramentas
prático-intelectuais concretas para realizar essa transformação”. É neste contexto que a escola
pode dar sua contribuição, ou seja, promover uma educação humanizadora.
A superação da alienação, isto é, a conscientização do homem acerca da realidade em
que ele vive, desnudando a sobreposição dos interesses individuais, do consumismo e do
imediatismo capitalista, e despertando-os para o desenvolvimento de uma consciência crítica
das relações sociais de dominação, é um desafio que perpassa o campo material e político e
adentra no campo humanista e pedagógico. E é neste contexto pedagógico desafiador que
muitos educadores estão inseridos em busca de uma pedagogia emancipatória. Consoante aos
estudos de Saviani (2007) a escola só assumirá esta postura se, com efeito, ensinar.
As discussões de Sforni e Galuch (2006, p. 2) trazem que “a escola é o espaço
privilegiado para a transmissão da cultura produzida historicamente”. E é neste contexto que
justificamos por este estudo a importância de cada vez mais, em intensidade, conhecer como
se processa o desenvolvimento das crianças. Como determinou Luria (1994, p. 70):
O contexto escolar, por meio das relações que o estabelecem, promove a passagem dos
conceitos espontâneos aos conceitos científicos. O desenvolvimento destes não percorre o
mesmo caminho daqueles. A mediação ocupa o papel essencial nesta transformação como
corroboramos com os resultados alcançados por esta análise.
REFERÊNCIAS
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contribuições da abordagem histórico-cultural. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.;
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2008a.
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SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
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