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APOSTILA

FUNDAMENTOS FORMAIS
DA REPRESENTAÇÃO
VISUAL
NELSON MACEDO

2016
INTRODUÇÃO
M ACE DO / A PO S T I L A FU NDAM E N T O S FO R M A I S DA R E PR E S E N TA Ç Ã O V I S UA L

O ato de desenhar não se resume a aspectos de natureza puramente técni-


ca, mas compreende um processo que, apesar de envolver aspectos técnicos,
vai muito além destes últimos. Desde um primeiro momento, é importante
compreender que o Desenho é um fato visual autônomo e independente do
objeto que está nele representado, que a forma visual realizada sobre uma
superfície é também objeto ela mesma. Nesse sentido, diante de um desenho
representativo, de uma representação visual, temos que saber reconhecer
que estamos diante de dois objetos, de duas realidades distintas: a do objeto
representado (figura humana, paisagem, etc.) e a da forma visualmente con-
figurada, ou seja, o próprio Desenho. Se assim não fosse, os retratos de um
determinado personagem, mesmo quando pintados por diferentes pintores,
teriam necessariamente que ser todos iguais, e o “melhor” retrato seria jus-
tamente aquele cuja configuração apresentasse o maior grau de aderência ao
modelo.
Nesse sentido, e para fins de estudo, devemos nos perguntar: qual o foco
da nossa atenção no momento em que estamos desenhando? Qual a nature-
za das referências que utilizamos no ato de desenhar? Temos duas possibili-
dades: se nos concentramos no objeto a ser representado, fatalmente vamos
buscar informações empíricas sobre o mesmo, como, p. ex., sua estrutura
anatômica, suas proporções, etc., ou seja, aquelas referências imediatas que,
na nossa vida cotidiana, possuímos como evidências na nossa experiência
com os objetos do mundo visível. Essas informações sobre o objeto nos dão
uma ilusória sensação de segurança e certeza, no entanto, elas não guardam
relação com a realidade formal do Desenho, não são referências visuais que
fundamentem sua produção. Por outro lado – e essa é a maior dificuldade no
início -, se nos fixarmos sobre a realidade do Desenho, nos sentimos insegu-
ros, sem nenhum ponto de apoio, isso porque, ao contrário do caso dos ob-
jetos reais, não possuímos nenhuma referência sobre aquilo que diz respeito
à natureza do Desenho. É senso comum que um objeto possui suas propor-

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ções, p. ex., sabemos disso intuitivamente, mas não faz parte da experiência
corrente a existência dos elementos plásticos, com os quais o desenhista tra-
balha diretamente e que são a matéria-prima da forma visual. Assim é porque
os dados sobre os objetos reais são referências intelectuais racionalizáveis
com as quais estamos familiarizados, enquanto os elementos abstratos da
forma escapam à nossa compreensão racional. Essa condição é um fato na-
tural, eles não participam e nunca são solicitados na nossa vivência cotidiana,
eles só têm importância para o artista. Temos que buscar, então, e em primei-
ro lugar, esses elementos plásticos materiais que constituem a forma visual,
que são: o ponto, a linha, o claro-escuro e a cor. Esse é o primeiro e defini-
tivo passo no estudo da forma artística, mesmo quando se está realizando
um desenho absolutamente “realista”. Não se trata, entretanto, de negar ou
ignorar o objeto representado e cair na pura abstração, é apenas uma questão
de ênfase, de hierarquia: colocamos os elementos plásticos em primeiro lu-
gar, ficando o objeto referência em segundo plano, mas não ignorado. Como
é o caso, por exemplo, do efeito de luz e sombra, quando temos que levar em
consideração a realidade física do objeto e as informações sobre ela: se ele é
esférico, como no caso de uma laranja, cilíndrico, como no de uma garrafa,
etc., pois a luz e a sombra vão se apresentar de modo diferenciado de acordo
com a forma básica de cada objeto no espaço.
Assim, o ensino artístico deve se dar a partir dos fundamentos que regem
a criação da forma e não a partir da constituição física do objeto real. Esse é
o primeiro problema da objetividade na produção da arte: não se desenha o
objeto referência, mas se desenha o próprio Desenho.
Esta é a orientação desta apostila, que visa uma introdução aos fatos bási-
cos da representação visual. Nela são tratados apenas a linha e o claro-escu-
ro, pois o ponto não tem a mesma relevância dos outros elementos e a cor
será considerada à parte. Sua simplicidade é apenas aparente, pois aqui estão
colocados os princípios mais elementares e fundamentais da forma repre-

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sentativa, como um embrião a ser posteriormente desenvolvido pelo estudo


das obras dos pintores ao longo da história.
Podemos afirmar que o estudo do desenho e da arte em geral deve se
dar pelo contato operativo com as obras dos pintores que nos antecede-
ram historicamente, ou seja, devemos desenhar sempre essas obras, pois o
entendimento na arte só acontece através da produção, através do próprio
ato de desenhar. Assim, o estudante de arte deve obrigatoriamente estudar
essas obras por meio de esboços do conjunto, de partes e de detalhes, pois
só então entrará em contato com a verdadeira natureza da forma plástica, só
assim entenderá o que é uma imagem artística, a qual não é encontrada na
natureza.

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A CONFIGURAÇÃO
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A primeira noção a ser apreendida no estudo do desenho é a da natureza


da configuração.
Configuração é qualquer área delimitada sobre uma superfície – no caso,
o papel sobre o qual se desenha -, seja através da linha, dos valores de claro-
-escuro ou da cor:

Todas as configurações acima foram traçadas através da linha de contor-


no, mas todas poderiam ter sido realizadas como áreas de cinzas (valores) ou
mesmo de cor. A linha, o claro-escuro (escala de cinzas) e a cor são, pois, os
elementos plásticos com os quais são produzidas as imagens.
Uma configuração pode representar ou não um objeto real. Exemplo:
(A) Configuração abstrata, i.e., não representativa. Nela não re-
conhecemos algo determinado, apenas a própria configuração em si mesma;
(B) Configuração representativa. Nesta, reconhecemos um deter-
minado objeto, no caso, um jarro:

A B

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Os aspectos visíveis de um objeto, projetados por sua aparência externa


e que variam segundo o ponto de vista a partir do qual o observamos, cor-
respondem a configurações. Portanto, ao traçarmos o contorno dos objetos
estamos traçando configurações no papel:

Ao desenhar um objeto devemos nos concentrar no seu aspecto visível e


esquecer as partes não diretamente visíveis. Importa, pois, ao artista, desde
um primeiro momento, apenas a aparência dos objetos. O objeto será repre-
sentado por uma configuração, a qual corresponderá a apenas um aspecto de
sua aparência externa.
Assim, quando a configuração representa um objeto, ela nunca representa
esse objeto inteiramente. Ela sempre mostrará algumas partes e ocultará ou-
tras. Existem, pois, graus variáveis de representatividade na relação entre as
configurações que traçamos e os objetos que representamos. Nesse sentido,
um jarro, por exemplo, quando desenhado de perfil será percebido como
jarro (fig. A), mas não será identificado como tal quando observado a partir
de cima (fig. B).

A B

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Essas variações dependem do ângulo ou ponto de vista a partir do qual


observamos e desenhamos o objeto. Quando um mesmo objeto é represen-
tado a partir de vários pontos diferentes os desenhos resultantes apresenta-
rão um número correspondente de configurações. Nenhuma delas apresen-
tará o objeto em sua totalidade.
Ao desenhar do natural, esses graus de representatividade aparecerão, ou
seja, em um grupo de objetos, alguns serão vistos mais plenamente do que
outros. Na verdade, desenhamos sempre fragmentos da realidade objetiva,
desenhamos a infinidade de aspectos que os objetos apresentam aos nossos
olhos, nunca os objetos em si mesmos, mas apenas sua aparência, nunca o
objeto total.

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A LINHA
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Quando traçamos a configuração de um objeto devemos levar em con-


sideração a natureza do elemento plástico que estamos empregando para
produzi-la. Nos exemplos abaixo esse elemento é a linha.
Como escreveu KandinsKy, “a linha é o rastro do ponto em movimen-
to” e todo movimento implica em uma direção, daí que a natureza da linha
é definir direções no campo visual, essa é a sua definição e seu fundamento
operativo. A linha possui apenas uma dimensão: ela pertence ao plano básico
sobre o qual se desenha.

Desenhar uma linha é, então, desenhar uma direção no campo visual. Daí
que, ao traçar qualquer linha, devemos estar conscientes da direção que ela
define, do seu percurso no papel. É por essa razão que Delacroix afirmou
que, antes de colocar o lápis no papel, o pintor tem que se dar conta das dire-
ções principais do modelo. O desenho surge da combinação dessas direções
e o resultado final é um efeito geral criado pelo conjunto dinâmico das linhas
traçadas sobre o papel. A consciência dessas direções é um componente fun-
damental do ato de desenhar. Assim é tanto para uma configuração abstrata
(fig. A) como para uma representativa (fig. B). Num primeiro momento, as
linhas devem ser traçadas uma a uma e de forma independente umas das
outras:

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B
Devemos ter em mente que existe uma hierarquia entre as linhas que
constituem o desenho. Algumas linhas serão sempre mais importantes que
outras, e o desenhista deve identificar e selecionar estas linhas. Nesse sentido,
devemos traçar as que julgamos mais importantes em primeiro lugar e de-
pois completar com as secundárias. Esse julgamento é subjetivo, é de ordem
particular a cada um, não há regras a serem seguidas. Nesse âmbito, as no-
ções de “certo” e “errado” devem desaparecer da mente do artista. Normal-
mente, entretanto, aquelas linhas mais abrangentes tendem a ser vistas como
mais essenciais para o conjunto. Essa seleção, essa escolha, não é, portanto,

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um ato racional, pelo contrário, é totalmente intuitiva, e a eleição desta ou


daquela linha varia de pessoa para pessoa, cada desenhista seleciona as linhas
que lhe parecerem mais importantes.

Além disso, essas direções gerais não são ainda o contorno definitivo da
configuração do objeto. As linhas de contorno só aparecem num segundo
momento da produção do desenho. Elas são definidas pelo percurso que
descrevem e pelos acidentes que apresentam neste percurso. Por exemplo, o
perfil de uma montanha:
1º momento: marcação das direções.

2º momento: linha de contorno.

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As recomendações acima não são regras fixas, pois não há regras a se-
rem seguidas no ato de desenhar. Elas dizem respeito a um modo de ser da
imagem visual. O aluno não pode esquecer que o desenho que ele faz é uma
imagem e que esta possui uma realidade própria, distinta e à parte da realida-
de da natureza. Podemos definir o desenhista como alguém que compreen-
deu a natureza do desenho e trabalha sobre ela e a partir dela.

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O CLARO-ESCURO
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Depois da linha, o segundo elemento a ser estudado é o claro-escuro.


Quais os critérios que devemos ter em mente ao trabalhar com as relações
de claro-escuro?
Em primeiro lugar, devemos considerar que, entre os extremos de preto
e branco existe uma escala de cinzas com infinitos graus de claridade e de
obscuridade:

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AS DUAS DIMENSÕES DO CLARO-ESCURO


Vimos como a linha define essencialmente direções no papel: este é o seu
atributo primário. O claro-escuro, por sua vez, acontece simultaneamente
sobre duas dimensões distintas e opostas: a dimensão plana do papel e a di-
mensão espacial dos volumes dos objetos no espaço.
Portanto, quando trabalhamos com os valores de claro-escuro, devemos
ter em mente que eles podem ser relacionados segundo duas direções dis-
tintas, podem ter duas funções, correspondentes às duas dimensões citadas:
1) A ordenação abstrata dos valores no desenho (que trabalha sobre a
distribuição dos cinzas na dimensão plana do campo visual).
2) O efeito de luz e sombra (que trabalha com os fatores que definem
o espaço e o volume dos objetos).

Esses dois aspectos são encontrados convivendo num mesmo desenho:

Alguns motivos se predispõem mais a um ou outro aspecto: as paisagens


tendem a se mostrar predominantemente como áreas planas, afirmando o
campo visual abstrato (A), enquanto os objetos sólidos tendem a aparecer
sobre a relação de luz e sombra, afirmando o espaço (B).

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A ORDENAÇÃO ABSTRATA DOS VALORES NO DESENHO


A distribuição dos cinzas (valores) sobre o papel define de imediato um
campo abstrato que exige receber uma ordenação, pois é um fato plástico es-
sencial e inevitável no desenho com claro-escuro. Assim, todo desenho com
esse elemento plástico vai ostentar a presença de áreas abstratas de valores.
Estas não são conscientizadas pelo olhar desinteressado do leigo, porém de-
vem estar evidentes ao olhar interessado do artista.
Em toda fotografia, quadro ou desenho com claro-escuro, existirá sempre
uma distribuição abstrata de valores no campo visual, com seus correspon-
dentes graus de cinzas, os quais podem ser assinalados sobre a escala desses
mesmos valores:

Essas áreas abstratas são definidas pelos diferentes grupos de cinzas que
subdividem o campo visual selecionado, seja ele qual for:

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É possível realizar um desenho com claro-escuro sem o efeito de luz e


sombra, mas é impossível um desenho com claro-escuro sem a ordenação
abstrata dos valores no campo. Como exemplo, na figura abaixo, temos a
foto de um quadro de Poussin que foi progressivamente desfocalizada, a tal
ponto que os objetos representados desapareceram, ficando apenas áreas
abstratas. Isso pode ser feito com qualquer fotografia e demonstra que a
presença dessa ordem abstrata de valores é um fato visual anterior ao efeito
de luz e sombra, e que, na experiência de apreensão visual da realidade, as
relações abstratas são recebidas pelo olhar antes mesmo da percepção dos
objetos concretos.

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Na distribuição dos valores no desenho, uma área de cinzas pode conter


vários objetos ou partes de objetos, ou seja, essas áreas subdividem o campo
geral em setores que se distinguem entre si, não pelos objetos que os ocu-
pam, mas pelos cinzas que contém. Por outras palavras, o desenho dessa
ordenação ou estrutura abstrata de valores no campo é um fato visual inde-
pendente da configuração dos objetos representados.
Essas áreas não se identificam à configuração dos objetos, não coincidem
com elas, mas definem configurações abstratas próprias. Temos, pois, em um
mesmo desenho (A), dois sistemas de configurações como dois fatos visuais
autônomos: as configurações dos objetos (B) e as das áreas abstratas (C).

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Um exemplo específico da independência entre a configuração abstrata e


a dos objetos é o quadro de Chardin, “A Benção”:

Num desenho de observação, é particularmente importante a atenção a


esta ordenação abstrata dos valores no campo visual porque eles são relativos,

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dependem do contexto. O fato, por exemplo, de um objeto ser totalmente


branco em si mesmo não significa que ele apareça branco no contexto de luz
e sombra em que está inserido. Dois objetos brancos poderão ser assinalados
por graus diferentes de cinzas, de acordo com a sua posição no contexto e a
sua relação com o foco de luz.

EXEMPLOS
Para que fique mais evidente a importância desse fato formal e da ênfa-
se que os pintores sempre deram à estrutura abstrata dos cinzas no campo
visual, tornando-a um elemento ativo da composição, apresentamos abaixo
quatro exemplos ilustrativos. Neles podemos observar a presença de uma
intencionalidade sobre as áreas abstratas, as quais são também desenhadas,
possuem suas configurações específicas e um desenho próprio e indepen-
dente dos objetos representados:
1. Um estudo que Poussin realizou para o quadro que serviu mais acima
como exemplo demonstra o interesse específico do pintor sobre esse plano
de realidade da forma visual;
2. Quadro de Delacroix e sua respectiva estrutura abstrata de valores de
claro-escuro;
3. Uma paisagem de Turner com seus valores abstratos, onde se observa
que o pintor trabalhou com as fusões, ao contrário de
4. Cotman, que trabalhou com os recortes, separando o campo visual em
áreas abstratas.

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1. Poussin

2. Delacroix

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3.Turner

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4.Cotman
É fácil observar que em Turner e Cotman a ordenação abstrata dos va-
lores praticamente resume a composição, tal é a ênfase que os dois artistas
conferem a ela, ficando os objetos representados sugeridos pelo contexto.
Não há o efeito de luz e sombra, tudo se dá sobre a ordenação abstrata do
campo visual.

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O EFEITO DE LUZ E SOMBRA


Nos exemplos acima a ênfase incide sobre o aspecto abstrato do claro-
-escuro. Agora veremos a relação de luz e sombra. Nesse caso, a estrutura
concreta dos objetos representados ganha importância, pois a luz vai incidir
sobre o objeto e produzirá áreas de claro-escuro de acordo com sua forma
real no espaço, ou seja, se ele é esférico, triangular, etc. Enquanto a estrutura
abstrata afirma o plano, o efeito de luz e sombra define a estrutura física do
objeto e o espaço à sua volta.
Os elementos que constituem a relação de luz e sombra são quatro: luz
natural, sombra natural, sombra projetada e luz refletida. Esses elementos
são invariáveis, o que varia é a forma física dos objetos.

1/ 2: Luz natural e sombra natural:


Quando o foco de luz, a fonte luminosa, é direcionada sobre um objeto,
este último fica subdividido em áreas iluminadas e áreas de sombra. Essas
áreas são definidas de acordo com a direção do foco de luz que incide sobre
os objetos. Elas são chamadas de luz natural e sombra natural.

A transição dos cinzas entre uma e outra depende da estrutura concreta

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do objeto: há recortes e modulações (estas correspondem a passagens de um


grau de cinza para outro).

3. Sombra projetada:
A sombra que o objeto lança sobre o plano em que está apoiado ou sobre
outro objeto a seu lado é chamada sombra projetada.

Nota: O desenho destas sombras projetadas depende da forma do objeto


que a projeta. Esta sombra, portanto, terá uma configuração que refletirá, em
um certo grau, aquela forma. Assim sendo, essa configuração não necessita
ser uma projeção geométrica exata da forma do objeto, o que importa no
desenho são as relações entre os elementos em jogo e não uma hipotética
correspondência a uma “verdade” anterior e exterior a ele. Assim, se, por

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exemplo, a sombra projetada de uma esfera corresponde a uma elipse, que


é a circunferência em perspectiva, isso não significa que essa elipse deva ser
geometricamente “perfeita”. Tudo depende das relações no contexto. As
sombras projetadas, como tudo no desenho, não guardam um compromisso
rigoroso com os objetos que as projetam. A arte não é uma ciência, não se
pode confundir essas duas naturezas. Nesse sentido, não só a sombra proje-
tada de um objeto geométrico, como a de uma esfera, p. ex., mas mesmo a
de um ser humano, podem existir apenas por aproximação, apenas indicada
sua presença:

4. Luz refletida:
A luz que atinge os objetos atinge também o ambiente e o plano em que
estão apoiados e, ao atingir esse plano, ela se irradia em torno e ilumina suas
áreas de sombra natural. Daí a presença de uma claridade suave no interior
das áreas de sombra natural. As sombras projetadas também recebem essa
irradiação de luz refletida, só que com menor intensidade. Essa luz no inte-
rior das sombras é chamada de luz refletida.

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A luz refletida é um elemento importante para a representação do espaço


no desenho. A impressão de solidez aparente dos objetos se deve em grande
parte à presença dessa luz suave no interior das sombras.
A visão plana que temos da lua crescente no céu, p. ex., deriva, em gran-
de parte, da ausência de luz na sua parte sombria. Se existisse algum corpo
celeste junto à lua capaz de refletir a luz do sol de volta em sua direção, ilu-
minando sua parte sombria, então a visão da lua crescente no céu seria a de
uma esfera flutuando no espaço.
Se a impressão visual de peso, da realidade concreta dos objetos, é uma
consequência do efeito de luz e sombra, então quanto maior a ênfase sobre
os aspectos descritos acima, mais se intensificará a impressão de presença
física dos objetos representados.

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Assim, o esquema geral da relação de luz e sombra nos objetos está com-
posto por quatro elementos: luz natural (LN), sombra natural (SN), sombra
projetada (SP) e luz refletida (LR):

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Para que o efeito de luz e sombra se produza plenamente, é necessário a


presença simultânea desses quatro aspectos. É preciso também que exista
apenas um foco de luz, do contrário os outros elementos se dissolverão: na
presença de várias fontes luminosas não haverá, por exemplo, a sombra na-
tural. Basta lembrarmos do efeito das fotos com luzes incidindo por todos
os lados: o resultado é que não há quase espacialidade e o modelo retratado
parece plano.
Devemos, portanto, determinar e orientar os graus de cinzas e, principal-
mente, os extremos de preto e branco, que são os dois polos da escala de
valores. Deve ser dada uma atenção especial aos pontos ou áreas (geralmente
pequenas) onde vão ser situados esses extremos. Os brancos, particularmen-
te, não podem ser distribuídos à vontade no campo, sob pena de se perder
ou prejudicar a representação do espaço no desenho. Assim acontece por-
que o olho “entende” que os pontos com a mesma claridade estão todos à
mesma distância do observador e, consequentemente, todo o campo será
visto como sem profundidade. Daí que outro aspecto importante para a re-
presentação do espaço é a seleção das luzes mais intensas, a hierarquia das
luzes no campo, ou seja, no interior das áreas de luz natural, principalmente,
a fonte luminosa iluminará com mais intensidade aqueles pontos do objeto
que ela alcança mais diretamente e que estão mais próximos e voltados para
ela. Assim, a área de luz natural contém variações: alguns pontos aparecem
mais claros do que outros. Este é outro motivo pelo qual vemos a lua plana
no céu: a intensidade da luz do sol que incide sobre ela faz com que toda a
área iluminada apareça com o mesmo grau de claridade, sem variações. Nes-
se sentido, se observarmos um grupo de objetos sobre os quais incida um
foco de luz, verificaremos que alguns pontos do contexto geral aparecem
mais claros do que outros, e que os pontos verdadeiramente “brancos” são
mais raros (ver figuras abaixo: Velázquez e Pedro Alexandrino)). Há, pois,
luzes “altas”, que correspondem aos pontos mais luminosos, com claridade

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mais intensa, no conjunto observado.


O ato de desenhar é intencional, carrega uma intencionalidade e essa in-
tencionalidade tem a sua especificidade, a qual decorre da natureza do pró-
prio desenho, que não se reduz à simples noção de “imitação” do que está
diante dos olhos. Consequentemente, o puro registro de caráter mecânico do
real, a intenção imitativa, não corresponde àquela intencionalidade, não é su-
ficiente, pois não carrega uma intenção plástica. Em princípio, o desenhista
tem que pensar num efeito geral e trabalhar com ele; deve ter clareza de que
o resultado final, a forma final, não se reduz à simples relação com o modelo,
mas possui outras causalidades internas que não partiram do modelo. Isso
significa que não se julga um desenho pela simples comparação com o mo-
delo retratado, pois o desenho não tem origem no modelo, mas no próprio
desenho. Em conclusão, podemos dizer que não se desenha o modelo, mas
desenha-se o próprio desenho.

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O ATO DE DESENHAR COMO
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA IMAGEM
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Realizar um desenho é realizar uma imagem, ou seja, um artefato com


realidade própria, independente daquilo a que chamamos de “real” no nosso
cotidiano.
O processo de produção de uma imagem não se resume a um simples
problema técnico, mas implica uma disciplina de trabalho cujo produto fi-
nal, o desenho pronto, não é um dado fixo e previamente estabelecido, mas,
pelo contrário, é algo imprevisível. Quando o problema da produção é algo
exclusivamente técnico, os resultados podem ser repetidos à vontade. Po-
de-se, por exemplo, fazer objetos utilitários em série, iguais, mesmo quando
se trata de objetos manufaturados, como os de marcenaria, etc. Entretanto,
ainda que as condições em que um desenho tenha sido produzido sejam as
mesmas, nunca um mesmo artista repetirá esse mesmo desenho.
As indicações a seguir não constituem, portanto, regras, elas se destinam
a despertar no aluno a compreensão de que existe uma lógica inerente ao ato
de desenhar, a qual está relacionada à natureza da imagem, da forma visual
configurada. Esta última, por definir um campo particular de realidade, pede,
por isso mesmo, uma abordagem específica, em oposição à noção dissemi-
nada no senso comum, que interpreta e reduz todos os problemas da produ-
ção da arte aos conceitos de “imitação” objetiva ou de “expressão” subjetiva
Uma característica fundamental das imagens que produzimos quando de-
senhamos é a presença de vários fatos visuais distintos em seu interior, mas
que se apresentam ao olhar como um todo unitário e simultâneo. A imagem
pode ser considerada como um fato visual complexo formado por um con-
junto de fatos visuais particulares em superposição.
Esses vários aspectos que convivem na forma da imagem permitem – e,
ao mesmo tempo, impõem – que o ato de produção de um desenho possa
e deva se dar por estágios, por momentos diferenciados que se superpõem
na forma e que serão todos vistos ao mesmo tempo ao final. O processo de

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produção pressupõe, pois, uma estratégia, uma disciplina, devido justamente


ao fato de que a imagem que construímos no papel possui elementos em
sua estrutura que pedem, cada um, uma abordagem em separado. Podemos,
então, considerar a Forma artística como um todo resultante e composto por
vários “desenhos” parciais, um de cada aspecto individual da imagem.
É importante definir cada passo ou estágio na construção de um desenho,
mesmo no caso de um desenho de observação, pois não se trata de algo sin-
gelo ou ingênuo, não é algo de imediata compreensão e utilização, não resul-
ta da simples intenção imitativa, mas um fato visual complexo e constituído
por outros fatos visuais, os quais à primeira vista não estão evidentes.
Nesse sentido, e com a finalidade de realizar um desenho de observação
de um modelo do natural, realizar uma forma representativa de objetos re-
ais, vamos identificar os elementos essenciais que constituem essa imagem
e que determinam os passos do processo de produção de um desenho com
claro-escuro.
Tomando como exemplo uma imagem representando um conjunto de
objetos iluminados por apenas um foco de luz direta, podemos observar os
seguintes fatos visuais (ver figuras abaixo):

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1,. O enquadramento da configuração geral do conjunto e dos objetos


individuais, relacionando as alturas e as larguras dos objetos entre si e na
sua relação com o campo geral;
2. O desenho linear dos contornos;

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3. A seleção das luzes mais intensas (que são os pontos e áreas mais
claras do desenho);
4. As áreas de sombra natural, de luz natural e de sombra projetada
dos objetos;
5. A distribuição das áreas abstratas de valores, as modulações e o mo-
vimento dos cinzas no campo inteiro do desenho;
6. As luzes refletidas (no interior da sombra natural dos objetos);
7. O desenho final, contendo todos os fatos visuais de 1 a 6, aonde
eles aparecem superpostos, sendo percebidos simultaneamente;
Cada passo da sequência trabalha e constitui um elemento formador do
desenho, e o resultado é como um somatório de todos eles, que ficam super-
postos na forma do desenho:


7
Devemos ter sempre em mente que, na representação visual de um objeto
do natural, estamos simultaneamente afirmando: (1) o plano (do papel onde
corre o lápis) e (2) o espaço (onde esse objeto tem sua existência e que lhe é
constituinte). Nesse sentido, os fatos visuais presentes na forma configurada

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possuem duas fontes: os que dizem respeito à dimensão plana do papel e os


que pertencem à dimensão espacial do objeto representado. Essa relação en-
tre plano e espaço é a mais imediata e, ao mesmo tempo, a mais importante
por sua abrangência: se, por um lado, o objeto representado está situado no
espaço, por outro, o desenho é realizado no plano do papel, é uma película
visual sobre ele. É assim que, na sequência dos estágios acima, há uma alter-
nância proposital entre aqueles que pertencem à dimensão plana do papel e
que implicam em uma abordagem do desenho como campo visual (passos 1,
3 e 5), e os que pertencem à dimensão espacial dos objetos (passos 2, 4 e 6).
Essa alternância e mesmo essa sequência não é um dado obrigatório, ela
cumpre aqui um papel didático apenas. O importante é que o estudante
tenha consciência de que cada aspecto da forma pode ser considerado em
separado, como um fato em si mesmo.
Há ainda um aspecto técnico a ser considerado com relação ao terceiro
passo da sequência, o qual diz respeito à seleção dos pontos mais claros do
desenho: é a diferença existente no processo quando utilizamos um papel
branco ou de meio tom, também chamado “meia tinta”. Este último corres-
ponde a um papel – colorido ou não – com qualquer grau de cinza médio,
mas não branco ou preto.
No caso do papel branco, as notas mais claras corresponderão a áreas
brancas do próprio papel, ou seja, nenhum cinza será aplicado sobre elas.
Portanto, após a marcação linear, o claro-escuro poderá se iniciar com um
cinza médio claro no campo inteiro do desenho, deixando abertos alguns
pontos ou pequenas áreas que corresponderão às luzes mais intensas.
No papel de meio tom, por sua vez, já existe em cinza geral dado pelo
próprio papel, daí que os cinzas mais claros e os brancos são acrescentados
através de notas claras feitas com pastel, crayon ou mesmo giz branco co-
mum. Aqui a ordem dos passos muda: a seleção das luzes mais intensas, que

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corresponde ao passo nº 3, passa a ser feita no final do processo, pois o tom


médio do fundo dispensa a aplicação do cinza geral, necessário quando o
desenho é feito sobre papel branco. Assim, no papel de meio tom, as áreas
onde serão aplicadas as notas e nuanças mais claras deverão permanecer
intocadas para serem depois trabalhadas com o branco para definir e hierar-
quizar as luzes mais intensas do campo, como pode ser visto abaixo:

O branco aplicado sobre o cinza do fundo completa os graus dos valo-


res deste mesmo cinza até o branco total. Pode-se observar, na escala de
valores abaixo, sobre um papel de meio tom, que o cinza do papel corres-
ponde a apenas um dos graus da escala:

Por outro lado, dada a importância da relação de polaridade entre os ex-

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tremos de preto e branco para a organização visual da imagem, a seleção das


luzes mais intensas, quando feita ao final, possibilita uma experiência mais
direta com aquela ordenação intencional do campo visual, inerente à pro-
dução da imagem artística, já que o desenhista pode escolher e relacionar à
vontade os pontos mais claros do desenho, relacionando-os com o contexto
inteiro, visando um efeito geral e com os outros elementos correspondentes
aos outros passos do processo e que deverão estar já realizados.
Esse caráter organizador das polaridades fica evidente nos estudos pre-
liminares feitos pelos artistas sobre papel de meio tom, com a finalidade de
antecipar uma visão de conjunto da pintura a ser realizada. Nos exemplos a
seguir, pode ser observado que nem sempre todos os passos da sequência
aqui exposta foram realizados, pelo contrário, às vezes o branco é aplicado
de imediato sem as outras nuanças de cinzas.

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APÊNDICE

A TÉCNICA DO BICO-DE-PENA
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O desenho com bico-de-pena e nanquim segue a mesma lógica do dese-


nho a lápis ou carvão, a diferença é apenas técnica e o que muda é o efeito
geral. Em princípio, qualquer desenho a lápis ou carvão pode ser transfor-
mado ou “traduzido” para a técnica do bico-de-pena. É mesmo possível – e
conveniente -, pois, realizar um esboço geral com grafite ou carvão definin-
do as áreas de valores e também as direções das linhas antes do trabalho a
pena. Esse esboço servirá como estudo-guia à parte para a realização do
desenho a pena, ajudando a controlar melhor os graus de cinza. Toda técnica
gráfica corresponde sempre e um tratamento da superfície, daí a necessidade
da atenção às áreas abstratas do campo visual e, no caso particular do bico-
-de-pena, da consideração do desenho como uma teia de linhas e pontos
sobre o papel.
O suporte para essa técnica deve ser um papel de superfície lisa para que
a pena possa deslizar sobre ela. Os papéis de superfície rugosa podem criar
problemas ao movimento da mão, devido à resistência ocasionada pelo atrito
da pena com a textura do papel.
As linhas podem ser traçadas mantendo a mesma espessura (A) ou com
modulações, variações na espessura, ao longo do seu percurso (B).

A)

B)

As penas mais rígidas são mais propícias para as linhas sem modulação,
enquanto as mais maleáveis facilitam as modulações. Nesses casos, as varia-
ções na espessura acontecem pela simples variação na pressão sobre a pena,
a qual, afastando as duas metades em que se divide a ponta, produz esse
efeito:

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O claro-escuro no desenho a pena: nesta técnica os valores de cinza são


conseguidos pela maior ou menor quantidade de linhas e pontos sobre a su-
perfície trabalhada. Quanto mais se cobre, mais escura será a área. A pena só
produz linhas e pontos que, trabalhados em conjunto, com maior ou menor
concentração, produzem áreas e escalas de valores:

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Os elementos lineares ou pontos que compõem essas áreas podem variar


à vontade, sendo que essas variações corresponderão sempre e tipos diver-
sificados de texturas, de acordo com o elemento que se repete e do modo
como se repete:

Assim, ao produzir uma área qualquer com o bico-de-pena, estamos si-


multaneamente produzindo uma área com uma textura determinada. Toda
área de valor nesta técnica corresponde sempre a uma textura:

Um dado fundamental aqui é o fato de que estamos trabalhando basica-


mente sobre a relação entre o preto do nanquim e o branco do papel (o que
não significa que não possam ser usados tinta e papel coloridos), daí que,
quanto aos modos como se aplicam os traços no papel, podemos distinguir

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duas possibilidades: cruzando as linhas por superposição (A) ou justapondo,


sem cruzar, as linhas (B):

Em (B), como se pode ver, o efeito é diferente, principalmente nas áreas


mais escuras (nas quais as linhas são mais grossas). Nelas os intervalos bran-
cos aparecem como se fossem traços brancos sobre o negro. Por sua vez,
quando as linhas são superpostas umas sobre as outras, o efeito de preto
sobre branco permanece em toda a extensão do desenho.
Os desenhos a seguir são exemplos da utilização de algumas possibilida-
des do bico-de-pena:
1. Desenho só com linhas (Percy Lau);
2. Desenho com predominância de textura de linhas que se cruzam;
3. Com predominância de linhas que não se cruzam;
4. Combinação de linhas de contorno e áreas de claro-escuro (Percy
Lau);
5. Com variações de texturas (Percy Lau);
Os desenhos 2 e 3 foram realizados a partir de fotografias e ambas estão
aqui para comparação.

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O ato produtor da imagem artística é como um jogo e, à medida em que


o trabalho se desenvolve, alguns imprevistos acontecem. Portanto, durante a
produção do desenho deve-se contar com eles porque os acidentes também
fazem parte do desenho. O produto final incorpora dados acidentais que
não estavam antes na mente do artista e, a não ser quando comprometem
o resultado, esses elementos que surgem acidentalmente não necessitam ser
“consertados”, mas devem ser incorporados ao efeito geral.
As linhas variam naturalmente, e essas variações são parte do processo.
Vários fatores intervêm quando se traça uma simples linha, como, por exem-
plo, as alterações no peso e as vacilações da mão, a maior e menor rigidez
da pena usada, a quantidade de tinta na pena no momento em que se traça a
linha, o tipo e a qualidade do papel, etc. Um exemplo simples: o acúmulo de
tinta ao final da linha abaixo, bem como as oscilações no seu percurso, não
são “erros” que necessitam ser evitados ou corrigidos, mas algo que faz parte
do caráter e identidade da própria técnica:

Pelo contrário, justamente por serem intrínsecas ao processo em ques-


tão, por constituírem o repertório de possibilidades gráficas que o distingue,
podemos – ou mesmo devemos – acentuar intencionalmente essas carac-
terísticas em lugar de dissimulá-las. Em todo processo de criação existem
sempre dados acidentais que devem ser levados em consideração como fatos
positivos e não negativos. Por outro lado, é também natural uma variação
nos valores de uma textura, assim como podem ocorrer manchas pela con-
centração de tinta quando os traços se cruzam (ver os dois exemplos abaixo),
interferindo no efeito geral da área trabalhada. Nestes casos, se o resultado
for indesejável, podemos fazer retoques com um pincel fino e tinta bran-
ca opaca à base de água, como guache, acrílico, nanquim branco ou ecoline

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branca.

O artista não trabalha como uma máquina que se define por sua efici-
ência em atingir determinados objetivos previamente estabelecidos, daí que
o aluno não deve projetar o resultado final como algo fixo, mas procurar
entender e se concentrar no processo de produção do desenho. As noções
de “perfeição”, “eficiência”, etc. não têm lugar aqui. Elas só servem para
conferir ao ato de desenhar a ao próprio artista um caráter mecânico, como
se tudo dependesse de um adestramento e nada mais. Para um resultado
mecânico usam-se instrumentos e meios mecânicos, e não a mão livre com
suas variações naturais. Não há nenhum mérito artístico no fato de alguém
conseguir traçar à mão livre um círculo perfeito ou uma linha absolutamente
reta, pois para isso existem o compasso e a régua. O estudo do desenho não
corresponde a um “adestramento da mão”, mas a uma compreensão dos
problemas que constituem o ato de produção de uma imagem.

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