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Daniel Buren - OS ESCRITOS, 1969

Texto escrito para exposição


Konzeption/Conception
Sua edição continha numerosos
erros. Foi republicado em 1969.

Advertência:

O conceito pode ser entendido como sendo a “representação mental,


geral e abstrata de um objeto” (dicionário Le Petiti Robert). Ainda que essa
palavra seja material para discussão filosófica, seu sentido é bem cercado,
sem maiores embaraços ou complicações. Por outro lado, vendo o sucesso
que essa palavra alcança no mundo das artes e, ainda, o que é e será
agrupado sob a mesma, parece necessário explicar aqui o que se entende
por conceito na linguagem artística.
Podemos distinguir três sentidos diferentes que encontraremos nas
diversas manifestações “conceituais”, e faremos três reflexões que serão, na
verdade, uma advertência.

1. Conceito = Projeto
Trabalhos que eram considerados esboços ou rascunhos a serem
realizados num outro plano, ficam elevados a categoria de conceito. O que
era um meio, pelo milagre de uma palavra, transforma-se num fim. Não se
trata de um conceito qualquer, mas simplesmente de um objeto que não pode
ser realizado no tamanho natural por falta de espaço, de meios técnicos ou
financeiros.
2. Conceito = Maneirismo
Com o pretexto de “conceito”, o anedótico refloresce e com ele a arte
acadêmica. Não se trata mais de representar, numa túnica de soldado, os
botões dourados, nem de nos fazer sentir o frêmito de um bosque, mas de
nos fazer pensar na quantidade de passos necessários para andar um
quilômetro, as férias de M.X. Popocatepetl...
Os artistas realistas, como os pintores do Realismo Socialista, ou os
artistas Pop, não agiram de maneira diferente para se amarrar a realidade. O

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artista tem que mostrar seus dotes de ilusionista. O campo de ação é
ilimitado. De qualquer jeito, o conceito vago da palavra “conceito” nos leva de
volta ao Romantismo.
3. Conceito = Idéia = Arte
É muito sedutora a tentação de se pegar uma idéia e fazer dela arte,
chamando-a de conceito. Esse caminho nos parece o mais perigoso, o mais
difícil de desvelar, porque muito sedutor. Levanta um problema bastante
atual: como se desfazer do objeto? Vamos esclarecer a noção “objeto”. Expor
um “conceito”, ou entender a palavra conceito como arte, é como botar o
objeto e o conceito no mesmo nível. Expor um “conceito”, então, significa que
se trata de um “conceito-objeto”, o que é uma aberração.

Qual é o Trabalho?
São apresentados papéis listrados verticalmente com faixas de 8,7cm
de largura, cada uma, brancas e coloridas, cobrindo (coladas) superfícies
internas ou externas – paredes, vitrines, etc. – ou tecidos/telas/suportes,
também listrados verticalmente, de faixas brancas e coloridas e cujas duas
extremidades são recobertas de tinta branca fosca. Constato que, por quatro
anos, esse foi meu trabalho, sem nenhuma evolução ou escapatória. Isso é
passado, o que não implica que não possa durar mais 10 ou 15 anos ou que
acabe amanhã.
O recuo que começamos a ter com esses quatro anos de trabalho nos
faz refletir sobre as consequências diretas ou indiretas que isso implica na
concepção da arte. Essa parada aparente oferece uma plataforma que
situaremos ao nível zero de onde as observações, tanto internas
(transformação conceitual em relação a ação/praxis de uma mesma forma)
quanto externas (trabalho/produção apresentado pelos outros) são
numerosas e não participarão dos movimentos diversos em volta, mas serão
feitas pela sua ausência.
Todo ato é político e, sejamos conscientes ou não, pelo fato de
apresentarmos nosso trabalho/produção, não escapamos a essa regra. Toda
produção, toda obra de arte é social, tem um significado político.
Não abordaremos o fator social por falta de espaço.

a) O Objeto – o Real, a Ilusão

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Toda arte tenta decifrar o mundo, visualizar uma emoção, a natureza, o
subconsciente, etc. Pode se fazer uma pergunta em vez de sempre
responder a seus próprios fantasmas? Essa pergunta seria : pode se criar
uma coisa real/não ilusão? Portanto, não criar um objeto de arte? Pode se
responder que isso seria tentador para um artista imediatista e primário, que
cairia imediatamente numa armadilha como a levantada no parágrafo 1, ou
seja, pensar que o problema está resolvido porque levantado e não
apresentar nenhum objeto, mas um conceito. Isso é ir rápido, é tomar um
desejo por uma realidade e ser um artista.
Efetivamente, em vez de questionar ou de conhecer o problema posto,
dá-se uma solução, e que solução! Escamoteia-se o problema definitivamente
e continua-se em frente, para o assunto seguinte. Assim a arte evolui de
forma em forma, de um problema para o outro, uns escondendo os outros...
Abolir o objeto como sendo uma ilusão-problema real – substituindo-o por um
“conceito” – resposta utópica ou ideal – é trocar lanternas por balões e
conseguir um milagre pelo qual a arte do séc.XX é tão faminta. Pode se
afirmar, sem medo de errar, que no momento em que um conceito é
anunciado e, sobretudo, explicado como arte, com a vontade de abolir o
objeto, ele é substituido de fato. O conceito exposto vira objeto-ideal, o que
nos leva mais uma vez à arte tal como é, quer dizer, ilusão de uma coisa e
não esta coisa. Da mesma forma que a escrita é, cada vez menos,
transcrição da palavra, a pintura não deveria mais ser uma visão/ilusão
qualquer, mesmo mental de um fenômeno (natureza, geométrica,
subconsciente), mas VISUALIADDE da pintura mesma. Chega-se a uma
noção que se aparenta mais a um método e não a uma inspiração qualquer,
método este que quer que a pintura crie um modo, um sistema específico que
nãos seria ditado pelo olhar, mas produzido para o olhar.

b) A Forma
Quanto a estrutura interna da proposição, as contradições não existem
mais. Não há nenhum drama na superfície de leitura – nenhuma linha
horizontal, por exemplo, vem cortar uma linha vertical. Somente a linha
horizontal imaginária de delimitação da obra, em cima e em baixo, “existe”
mas, da mesma forma que “existe”, pela reconstrução mental, igual e

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imediatamente, desconstrói-se, porque sabemos que o tamanho exterior não
é fixo, o que explicaremos mais adiante.
A sucessão das bandas verticais faz-se igualmente, sem nenhum
acidente, sempre idênticas (1-2, 1-2, 1-2...), não se criando, assim, nenhuma
composição no interior da superfície a ser examinada ou, se preferirmos, uma
composição mínima, ou zero, ou neutra. Essas noções são evidentes em
relação a obra artística em geral. Pois, essa pintura neutra não fica isenta
mas, pelo contrário, pela sua neutralidade ou falta de estilo, extremamente
rica em explicações sobre ela mesma (sua posição exata em relação ao
resto) e, principalmente, sobre as outras produções, deixa todo o seu vigor ao
pensamento graças a ausência de problema formal.
Pode se dizer, também, que essa pintura não tem caráter plástico, mas
que é indicativa ou crítica de seu próprio desenvolvimento. Por pintura neutra
não se entende pintura indiferente. Enfim, essa neutralidade formal não
existiria se a estrutura interna (faixas verticais brancas e coloridas) fosse
ligada a forma externa (tamanho da superfície que se vê). A estrutura interna
e a forma externa, sendo ambas imutáveis chega-se, rapidamente, a um
arquétipo quase religioso que, em vez de ser neutro, se encarregaria
prontamente de todo um significado que seria a imagem idealizada da
neutralidade. Em compensação, a variação contínua da forma externa nos faz
descobrir que ela não tem nenhuma incidência interna, que fica sempre a
mesma. A estrutura interna fica sem conflito. Se, ao contrário, a forma externa
não variasse, criaria-se um conflito, qual seja, a criação de uma combinação
ou de uma relação fixa entre o tamanho das faixas e a distância – estrutura
interna – e o tamanho geral da obra. Esta relação entraria em contradição
com a ambição de não se criar nenhuma ilusão, porque teríamos a imagem
congelada de um problema, aqui o da neutralidade, do grau zero e, não mais,
o objeto propondo suas próprias perguntas.
Achamos que se deveria ter um suporte/obra questionando a sua
própria existência, produzido para o olhar, suporte que acabamos de analisar,
essa forma, que de fato, não tem nenhuma importância. Está no nível zero,
nível mínimo mas essencial. Quer dizer: OS PROBLEMAS FORMAIS
DEIXARAM DE NOS INTERESSAR. Essa afirmação é a

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consequência de um trabalho real, produzido desde há 4 anos, e onde o
problema real desaparece como pólo de interesse.
A arte, sendo a forma que toma, tem que se renovar sempre, a fim de
gerar o que se chama uma ART NOUVEAU. Fala-se tanto de Art Nouveau,
porque a forma mudava, que se pode pensar que na cabeça da maioria –
artistas e críticos – o fundo e a forma eram/são ligados. Logo, se alguém
parte do princípio que, em matéria de Art Nouveau – portanto literalmente
outra – se trata, de fato, da mesma coisa, mas vestido com uma outra
máscara, temos então um problema de base. E não procurar, de qualquer
jeito, uma forma nova, é tentar abandonar a história da arte como a
conhecemos, é passar do “mítico” ao histórico, da ilusão ao real.

c) A Cor
Da mesma forma que o trabalho que propomos não seria a imagem de
alguma coisa (exceto a sua própria, naturalmente) e não seria pelas razões
enunciadas acima – ter uma forma externa definida de uma vez por todas –
não se pode ter uma só e definitiva cor. A cor, se fosse fixa, mitificaria a
proposição e passaria a ser X, zero grau, como é o azul marinho, o verde
esmeralda, etc. Uma cor, uma só, repetida infinitamente, carregaria-se de
significados múltiplos e impróprios. Então, todas as cores são usadas
simultânea e sistematicamente, sem nenhuma ordem preferencial.
Constatamos que, se o problema da forma dissolve-se sozinho como
polo de interesse, o da cor, em compensação, considerado como subalterno
ou sendo evidente no princípio do trabalho pelo uso que se faz para tirar-lhe
todo o significado de ordem emocional ou anedótico, revela-se muito
importante.
Podemos simplesmente dizer que, cada vez que a proposição é dada
ao olhar, uma só cor (uma faixa sobre duas é repetida, a outra sendo branca)
é visível não tendo nenhuma relação com a estrutura interna ou a forma
externa que a suporta e, em consequência, é posto a priori que: branco =
verde = vermelho, etc.

d) A Repetição
A aplicação, quer dizer, o dado ao olhar em tempos e lugares
diferentes, assim como o trabalho pessoal, durante 4 anos, nos força a

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constatar uma repetição visual evidente à primeira vista. Dizemos à primeira
vista, porque nos parágrafos b e c aprendemos que existem diferenças entre
uma obra e outra. Mas no essencial, a estrutura interna é imutável. Tomando
certas precauções, pode se falar em repetição. Essa repetição nos leva a
duas reflexões aparentemente contraditórias: de um lado a realidade de uma
certa forma e, de outro, seu apagamento por visões sucessivas e idênticas,
quebrando o que essa forma poderia ter de original. Sabemos que um só e
único quadro, mesmo neutro, por sua unicidade mesmo, carregaria-se de
uma força simbólica que iria destruir sua vocação de neutralidade. Do mesmo
modo, a repetição de uma forma idêntica, de cor idêntica, cairia na armadilha
assinalada nos parágrafos b e c e carregaria-se também de toda uma tensão
religiosa se a atitude idealizasse uma tal proposição.
Só resta uma possibilidade: a repetição dessa forma neutra, com as
diferenças que sinalizamos. Essa repetição assim concebida, dissolve ao
máximo a eficiência, mesmo fraca, da forma proposta como tal, de revelar
que a forma externa (móvel) não tem nenhuma repercussão/incidência sobre
a estrutura interna (repetição alternada das faixas) e de deixar aparecer o
problema posto pela cor em si. Essa repetição revela também, nos fatos, que
não há visualmente nenhuma evolução formal – mesmo que haja mudança –
e que, da mesma forma que nenhum “drama” ou “tensão” é visto no quadro
definido da obra proposta ao olhar, nenhum drama ou tensão é perceptível
quanto a criação propriamente dita. As tensões abolidas da superfície mesma
do quadro o foram igualmente, até agora, no espaço/tempo desta produção.
A repetição é o meio inelutável da legibilidade da proposição.
É por isso que, se certas formas artísticas isoladas puseram o problema
da neutralidade, não foram nunca levadas até o fim do seu próprio sentido e,
ficando “únicas”, perderam a neutralidade que pensavam encontrar
(pensamos em certas telas de Cèzanne, Pollock, Mondrian...) A repetição nos
ensina também que não há perfeccionismo possível. Um trabalho está no
nível zero ou não está.
Aproximar-se disso não quer dizer nada. Nesse sentido, as telas dos
artistas que mencionamos há pouco, podem ser consideradas aproximação
empírica do problema e, por causa deste empirismo, não puderam curvar o
rumo da história da arte mas, antes, reforçar seu conjunto com (enquanto)
idealismo.

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e) A Diferença
Podemos considerar, depois do parágrafo precedente, que a repetição
seria uma das maneiras adequadas para propor nosso trabalho na lógica de
sua própria tentativa – diligência. A repetição deveria ser encarada como um
método e não como um fim. Método que rejeita, como já vimos, toda
repetição do tipo mecânico, quer dizer, a repetição de uma mesma coisa (cor
+ forma) geométrica (superposta, cor incluída). Repetir, neste sentido, seria
provar que um só exemplar possui já uma carga que o exclui de toda
neutralidade e a repetição não poderia mudar nada. Um coelho repetido
10000 vezes não daria nenhuma noção de neutralidade ou de grau zero, mas
a imagem 10000 vezes idêntica daquele coelho. A repetição que nos
interessa é, então, fundamentalmente, a apresentação da mesma coisa mas
sob um aspecto objetivamente diferente. Para resumir, é evidente que não
seria interessante mostrar identicamente a mesma coisa e deduzir que há
repetição. A repetição que nos interessa é um método e não um fim. É uma
repetição com diferenças. Pode se mesmo dizer que são essas diferenças
que fazem a repetição e que não se trata de fazer o mesmo para dizer que é
idêntico ao precedente, o que seria uma tautologia mas, antes, uma repetição
de diferenças em vista de um mesmo...

f) O Anonimato
Dos parágrafos precedentes aparece uma semelhança que nos leva a
tecer algumas considerações: é essa semelhança que pode existir entre o
“criador” e essa proposição que tentamos definir. Primeira constatação: ele
não é mais dono do seu trabalho. Aliás, não é o seu trabalho, mas um
trabalho. Fala-se, aqui, da neutralidade do propósito – “a pintura com tema da
pintura” – de onde a ausência de estilo nos leva a constatar um certo
anonimato. Não se trata, evidentemente, do anonimato deste que propõe
esse trabalho, o que seria, mais uma vez, resolver um problema alterando-o.
Não nos importa o nome do artista da Pietá de Villeneuve-les-Avignon, mas
do anonimato do trabalho apresentado, ele mesmo. Este trabalho era
considerado como um fundo comum. Não se trata de reivindicar a
paternidade, de um jeito possessivo segundo o qual existem pinturas
autênticas de Coubert ou falsas, que não tem nenhum valor. Como no nosso

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tema a projeção do indivíduo é nula, não se vê como ele poderia reivindicar a
paternidade do trabalho. Do mesmo jeito, afirmamos que, a mesma
proposição de X ou Y é idêntica a essa, feita pela mão do signatário dessa
rubrica. Pode se dizer que a obra em questão, “neutra ou anônima”, é feita
por alguém mas esse alguém não tem nenhuma importância ou, se quiserem,
a importância que pode ter é totalmente arcaica. Assine ou não, ela será
sempre anônima.

g) O Ponto de Vista, O Lugar


Enfim, uma das consequências externas da nossa proposição é o
problema posto pelo lugar onde o trabalho é mostrado. Efetivamente a obra,
apresentando-se sem composição, nenhum acidente divertindo o olhar, é a
obra inteira que vira acidente em relação ao lugar onde é exibida.
Questionamos o espaço definido aonde esta obra é vista.
Constata-se que a proposição, qualquer que seja o lugar onde está
exposta, não incomoda esse lugar, o qual aparece tal qual é visto realmente.
Esse fenômeno acontece, em parte porque a proposição não é distrativa... O
que permite dizer, paradoxalmente: a proposição em questão “não tem lugar
próprio”.
De um certo modo, uma das características da proposição é de revelar
o “continente” que lhe serve de abrigo. Nos damos conta que a influência do
lugar é mínima quanto à significação da obra e seu conteúdo.
Essa reflexão, no decorrer do trabalho, nos leva a apresentar a
proposição em um número muito variado de lugares. Se é possível imaginar
uma relação constante entre o continente (lugar) e o conteúdo proposição em
inteiro), essa relação é sempre anulada pela apresentação seguinte. Essa
relação traz dois problemas indissolúveis, mesmo que aparentemente
contraditórios:
1- Revelação do lugar como novo espaço a decriptar.
2- Questionar a proposição, na medida em que a sua repetição em contextos
diferentes, visível de pontos de vista diferentes, nos leva ao tópico
essencial – o que é dado ao olhar? Qual é sua natureza? A multiplicidade
dos lugares aonde a proposição é visível permite constatar a persistência
da qual é capaz no momento exato em que seu aspecto/estilo se dissolve.

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É muito importante mostrar que, mesmo ficando num campo cultural
(como seria de outro jeito?), é possível sair do espaço cultural no sentido
primário (galeria, museu, catálogo) sem que a proposição desmorone. Isso
reforça nossa convicção que o trabalho proposto levanta um novo problema:
o ponto de vista. Não podemos nos ater nas implicações que essa noção
revela. Mencionaremos, a título indicativo, que todas as obras que pretendem
abolir o objeto (conceitual ou outro) são particularmente tributárias, do ponto
de vista único, desde onde são visíveis. Uma quantidade considerável de
obras de arte (as mais exclusivamente idealistas, como os ready-made de
toda sorte, por exemplo) “existem” só porque o lugar onde são expostas é
como se fosse normal, natural. Desse jeito, o lugar tem uma importância
considerável pela sua fixidez, sua inevitabilidade, vira quadro, no momento
mesmo em que querem nos fazer crer que o que se passa no interior faz
estourar todos os “quadros” existentes para alcançar a pura “liberdade”. Um
olho lúcido sabe o que é a liberdade em arte, mas um olho menos educado
verá melhor do que se trata quando entender o seguinte: que o lugar (exterior
ou interior) onde é vista a obra é o quadro (lugar – limite).

Teoria, Prática, Ruptura


Podemos nos perguntar o porque de tanta precaução em vez de
apresentar a obra normalmente, sem comentários, deixando isso aos críticos
e outros profissionais?! É muito simples! Porque só uma ruptura completa
com a arte, tal como se encara, tal como se conhece, tal como se pratica, fica
possível, a voz irreversível aonde o pensamento tem que se engajar, e isso
requer algumas explicações.
Essa ruptura como primeira e essencial tarefa de rever a história da
arte que conhecemos ou, se preferirmos, de a derrubar radicalmente, e
encontrar alguns pontos (tópicos) essenciais, servindo-se disso como uma
variante a considerar.
De fato, uma verdade que já foi “encontrada” será a de questionar,
portanto a de criar. Pode se dizer que, hoje, todas as verdades que nos foram
sinalizadas, ou foram reconhecidas, não são CONHECIDAS. Reconhecer a
existência de um problema não é, certamente, o conhecer. Se alguns
problemas foram empiricamente resolvidos, não podemos dizer que os
conhecemos, porque o empirismo que preside esse gênero de descobertas

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afoga a solução num dédalo de enigmas meticulosamente preservados. Mas,
paralelamente, pelo trabalho/produção artístico temos, ao longo da arte, a
sinalização da existência de certos problemas. Esse reconhecimento da sua
existência pode ser chamado “prática”. O conhecimento exato desses
problemas será chamado “teoria” (não confundir com todas as teorias
estéticas que a história da arte já nos legou). Conhecimento, ou teoria, que
agora é indispensável quanto à perspectiva de uma ruptura, ruptura passando
então nos fatos. Não podemos nos bastar do único reconhecimento da
existência dos problemas que se colocam.
Podemos afirmar que toda arte, até os nossos dias, foi criada
empiricamente de uma parte e sobre um pensamento ideológico de outra.
Pode se repensar ou pensar e criar teoricamente/cientificamente. A ruptura
será consumada e desta forma mesmo a palavra arte terá perdido os
significados – numerosos e divergentes – que se ligam a ela até agora.
Podemos dizer que, o que precede a ruptura, se ruptura tem, não
pode/poderia ser epistemológico. Essa ruptura é/será a resultante lógica de
um trabalho teórico do momento em que a história da arte (que está por
acontecer) e sua prática, são/serão encaradas teoricamente. A teoria, e só
ela, pode permitir, de fato, uma prática revolucionária, como sabemos. De
outro lado, não somente a teoria é/será indissociável da sua própria prática,
como também pode/poderá suscitar outras práticas originais.
No que nos diz respeito, enfim, temos que entender por teoria,
enquanto produtores, somente o resultado apresentado. Pintura é teoria ou
prática teórica ou, como a define Althusser: TEORIA, UMA FORMA
ESPECÍFICA DA PRÁTICA.
Somos conscientes do que o acima exposto pode ter de didático
entretanto, pensamos que é indispensável agir assim no momento atual.

Versão: Cristina Cabus / Lucia Ventura

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Julho/Agosto de 1969

Daniel Buren

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