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Thierry de Duve
Contudo, por sua natureza indicial, o signo fotográfico não permite ser
teorizado em semiologia sem que se leve em conta o fenomenológico e o
existencial, que estão como que colados à sua pele.
Uma certa reciprocidade une, portanto, o instantâneo e a pose, porém ela não
se faz por simetria: o instantâneo não pode deter (restituir) a vida que voa; a
pose detém uma vida que jamais teve. A pose envolve um ganho e uma perda.
Uma vida se perde na série referencial que é a vida como processo, evolução
diacrônica, aquela que o instantâneo, ao contrário, produz dentro dessa série.
Uma outra vida se ganha na série superficial que a vida como continuidade,
ciclo, oferenda de um tempo reversível, a que o instantâneo, ao contrário,
aniquila dentro daquela série.
O paradoxo fotográfico conhece duas vidas e duas mortes: uma vida de
profundidade que é aquela do instantâneo, importada pela figura do tempo
vivido, do presente que passa; uma vida de superfície que é aquela da pose,
animada pela figura do tempo cíclico em sístole (contração) e diástole
(dilatação); uma morte de profundeza que é aquela da pose, designada como o
gel do tempo, sua defecção, sua marca zero absoluta; uma morte de superfície
que é aquela do instantâneo, que estanca sobre o estupor de um instante
bífido (fendido). O quiasma fotográfico será, em definitivo, a forma de uma
temporalidade duas vezes bífida (fendida).
Pelo instantâneo, aqui começa por designar a série superficial como se ela
tivesse um lugar, a superfície de caça do acontecimento fotográfico. O
instantâneo apreende-se como um espaço, porém um espaço inabitável, onde
o acontecimento, privado de duração, não pudesse se efetuar jamais.
Aferrolhada na série superficial, o instantâneo não se desloca na série
referencial, onde outrora designa o tempo do referente como um imperfeito
comprimido no invólucro do presente.
Do mesmo modo, os dois termos temporais não podem ser unificados por uma
mesma concepção de tempo: agora não significa o presente em ato, mas o
irreal poder da re-presentação; outrora designa um passado acabado, mas cujo
presente em ato habita o ponto de fuga imaginário.
Será que o que o senso comum fará, e cometerá dois erros subseqüentes. Seja
ao cortar o paradoxo na horizontal - realizando a oposição que não é real mas
teórica, de duas séries, que amalgamam os aspectos fenomenológicos do
instantâneo e da pose, seja ao cortar pela vertical, retificando a divisão, que é
só prática, entre a pose e o instantâneo, e ignorando a distinção das duas
séries.
O primeiro erro negligencia a natureza indicial do signo fotográfico, separa a
superfície do referente e recompõe o quiasma como uma simples oposição
entre imagem e realidade. É insensível ao paradoxo ontológico que coloca a
fotografia a parte de outras imagens e percebe o espaço-tempo da fotografia
como um aqui-agora, e aquele do real como outrora-ali.
O segundo erro esquece de distinguir o signo da coisa, atribui um estado
ontológico aos aspectos sob os quais a imagem se apreende e redireciona o
quiasma para o conformar às expectativas de uma fenomenologia ordinária
onde o legitima o hic et nuc.
O INCONSCIENTE FOTOGRÁFICO
O TRAUMA
O LUTO