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Barbara Campiteli
Prof. Paulo César Antonini de Souza
Estética e Teoria da Arte I
Introdução
A arte da ideia
Buscando encontrar essa tal liberdade do homem tão falada por Kant, na qual o
homem se tornaria livre de um corpo de carne, estaria livre desse corpo que ainda necessita
da materialidade dos objetos para realizar uma experiência sensível. E para ele só assim
conseguiria elevar-se essa experiência sensorial a um ideal total, só assim, era possível um
raciocínio estético “total e liberto”. Quero encontrar aqui a resposta da dúvida que tanto me
aperta a garganta, conseguir traçar um limite nessas coisas invisíveis e estéticas. Investigar o
quão ideal e não sensível pode ser uma ideia, ver o quanto que o raciocínio precisa de um
olho e o quanto que um olho precisa do raciocínio.
Tentarei nomear com símbolos gráficos esse "ideal vazio”, tentarei do mesmo modo
de como os homens dão nome ao: infinito, divino e o tempo. Nomear as coisas e fenômenos
vazios de matéria, porém fundidos de ideias e pensamentos concretos, do qual só imaginam e
isso compõe essas coisas que o homem nunca viu, nunca vivera e no final a resultou em
“algo” nomeado. Algo não físico, porém real. Seguindo esse fio de raciocínio, a ideia se
torna uma máquina criadora do fazer arte, algo não visual, uma arte não visual, algo do que
se necessita fé para crer e não olhos para olhar. Algo que cegos e surdos possam nomear, algo
que não necessita da atividade passiva de sensibilidade.
O vazio em si da obra, a sua não presença, sua transparência invisível sozinha é o que
apresenta todos problemas de interpretação, ela não somente apresenta os problemas das
teorias de significação artística, como se torna e atinge o âmago das artes como um todo, em
geral.
Quando (SCHILLER 1794) diz em uma de suas cartas que “ um pensamento necessita
de um corpo” é colocado a ideia que uma experiência estética só existiria e nasceria nesse
conjunto, nessa relação ativa e passiva, de carne e ideais, corpo e psique. Gênese dessa
relação duo, todo conhecimento, toda experiência e toda memória se formaria dessa relação.
Aqui pensaremos em uma duo possibilidade de uma materialidade do “Vazio”. Algo
que a escultura invisível foi e é capaz de criar. A primeira (1) se situa como algo, um vazio do
qual existem na sua total ausência de materialidade física, e (2) como uma matéria mínima,
que seria capaz de expressar e dar corpo ao vazio, tornando ele seu principal conteúdo. Friso
o segundo caminho, onde a escultura invisível, além de viver somente na relação entre o
artista e o comprador, obra e espectador, a escultura tornaria a ter um estado mínimo de
matéria, uma matéria ideal, capaz de dar dimensões e linhas para esse invisível.
O quão físico e material pode se pesar uma ideia? Quão ideal e imaterial pode se
tornar uma expressão artística? Pensaremos primeiro então, como que essa ideia, que antes
para nós era imaterial, se materializou em algo não tão etéreo assim, é pois cabível de pensar
que uma ideia e um pensamento sempre terá o peso da carne que está por detrás dela,
(SCHILLER 1794) “pois um pensamento necessita de um corpo” no nosso caso, esse
pensamento (essa ideia) é uma escultura invisível, e esse corpo é de um artista italiano,
Salvatore Garau, logo tentarei ironicamente pesar sua ideia como algo de 80/70 quilos de
carne sensível e mais alguns litros de sangue.
Arte da ação
Voltando em Duchamp (1887-1968), podemos ver o porquê da desmaterialização e o
porquê do imaterial se tornarem fatores que devem ser levantados e distinguidos. A
desmaterialização é entendida por ser um processo que tem ação contrária da materialização,
é um processo no qual o artista dá ênfase aos processos e aspectos não visuais da obra, a
palavra escreve o ato dela mesma, se torna algo que não forma matéria.É, na verdade a ação
contrária da materialidade. E o imaterial percorre por outro lado, o lado IMATERIAL das
coisas, associadas a um grau de pureza; liberdade; idealismo; invisível; espiritual. O imaterial
negaria a matéria, e se torna algo ideal (liberto do homem) pois essa mesma não teria
existência palpável, existiria somente no mundo das ideias, assim como nossa escultura.
Voltemos então para o ponto interior, onde a arte do vazio seria aquela que existe somente na
sua completa ausência de materialidade. Assim, será compreendida como uma obra de arte
que procura expressar o vazio como seu principal conteúdo. A completa falta de
materialidade faz com que essas obras ocorram somente na ausência de matéria que poderia
ser recebida pelos sentidos. A matéria é ideal, e aqui, vazio é o próprio trabalho. Voltemos ao
nosso caso, em uma escultura sem vestígios de pedra, madeira, argila ou outros materiais. A
escultura invisível é construída de um vazio deliberado de silêncio, a obra que o artista busca
é essa que existe somente na sua própria ausência de uma obra material, essa espécie ideal e
não sensível. Esse vazio é algo que nunca vimos, nunca vivenciamos, passaremos então ao
contrário do que realmente é, para entendê-lo melhor, pensaremos o vazio e o silêncio, na
presença exagerada de barulho e símbolos, nomeando espaços, tempos e limites com
palavras. Quando nomeamos o vazio, o nada e a falta de tudo, não existe um começo, meio
ou fim para identificar esse processo. Desse modo, o tempo, o silêncio e a escultura invisível
se perpetuam em um espaço imaginativo do nosso cérebro, onde ficam as coisas que para nós
são inexistentes aos olhos.
Lembro também que a obra não está completamente vazia, pois ainda tem o peso de
uma matéria (a finalidade e as ideias concretas do artista) mínima. Por meio dessa mínima
materialidade que considera a escultura um trabalho, pensamos em um vazio, mesmo que
nunca tenhamos visto um vazio antes e isso se torna conteúdo. O vazio e o silêncio existem
somente como criações imaginárias nossas, são noções gerais que nos limitamos com signos,
nossas noções de vazio e silêncio são, portanto, estabelecidas por hábitos e palavras, e
provavelmente é assim também que se dá com as artes do vazio. Aceitar ou não a escultura
invisível é uma grande questão artística para nós. Assim como vazio, o nada e o silêncio que
apenas “existem” no nosso imaginário, e a escultura invisível que vive dentro da cabeça de
Salvatore Garau todos atingem o mesmo grau de questionamento dentro de mim.
Para debater esse fato, vou relacionar a outra artista e sua obra, na tentativa de dar
formato visual e concreto para o que foi e como já foi exposto o vazio através da história da
arte, Le Vide (1958), Yves Klein. Há 63 anos, o artista abriu uma exposição e mandou
convites onde estava escrito que ele mostraria uma “manifestação de síntese perspectiva”.
Klen afirmava como objetivo da exposição: "criar, estabelecer e apresentar ao público um
estado pictórico palpável, dentro dos limites de uma galeria''. A exposição durou 17 dias, e
na abertura, onde grupos de dez pessoas deveriam entrar por vez em uma sala onde poderiam
ficar por cerca de três minutos, somente com um guardanapo e um coquetel azuis na mão,
isso era tudo que as pessoas veriam l:uma pequena mesa e uma vitrine vazia. O que o mesmo
disse que representaria como uma imagem pictórica do vazio.
Figura 1- La spécialisation de la sensibilité à l’état matière première en sensibilité picturale stabilisée, Le Vide,
Yves Klein Exposição de Vide, (Maio 1958) Galerie Iris Clert, 3, rua de Beaux-Arts, Paris, France 530 x 310
x 280 cm
Fonte: http://www.yvesklein.com/
Considerações
Ainda assim, em si mesmos, o vazio e o silêncio não podem ser a própria criação
artística. Podemos concluir, por exemplo, que a arte do século XX, a expressão do vazio se
tornou de maneira curiosa cada vez mais realista, insolitamente procurada no seu “concreto e
material”, isto é, obras apresentadas ao público como um vazio completo, ou como uma
materialidade do vazio. Vários artistas contemporâneos procuraram isso, (CAUQUELIN,
2006) "[...] perseguir o invisível, visar ao inefável, desejar o nada, pretender-se transparente,
apagar os próprios rastros, não ser nada". Esse vai se tornar um dos principais objetivos dos
artistas.
“O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada. Foi o que
escreveu Flaubert a uma sua amiga em 1852. Li nas Cartas exemplares
organizadas por Duda Machado. Ali se vê que o nada de Flaubert não seria o
nada existencial, o nada metafísico. Ele queria o livro que não tem quase
tema e se sustente só pelo estilo. Mas o nada de meu livro é nada mesmo. É
coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de
amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc. etc. O
que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas mais úteis.
O nada mesmo. Tudo que use o abandono por dentro e por fora.”
(BARROS, 1996, p.9).
REFERÊNCIAS:
ADES, Dawn. Dadá e surrealismo. In: STANGOS, Nikos (org). Conceitos da arte moderna.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000 (trad. Álvaro Cabral).
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Editora Record, 1996. 3 ed.
LOUISE, Victoria. A escultura invisível. ARTSoul. 11 Jun 2021. POR ARTSOUL EM JUNHO
11, 2021 POR ARTSOUL EM JUNHO 11, 2021
SONTAG, Susan. A estética do silêncio. In.: SONTAG, Susan. A vontade radical. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987 (tradução. João Roberto Martins Filho).