Você está na página 1de 3

TRANSFIGURAÇÃO DO BANAL – ARTHUR DANTO

Arthur Danto, a partir do primeiro contato com as "Brillo Boxes" de Andy Warhol,
teria tido o insight de que, naquele momento, a arte estava passando para a esfera
da filosofia. Ele vai escrever o artigo “Artworld” em 1964, que vai cunhar o termo
“mundo da arte”, e que vai ter como consequência a elaboração da teoria
institucional da arte.

No início do livro, Danto apresenta um conjunto de quadrados vermelhos, os


quais são considerados obras de arte, e um mero objeto, porém muito parecido
com os quadros, com o intuito de refletir do porque alguns objetos são
considerados obras de arte, enquanto objetos idênticos, não o são. Qual a
diferença entre obras de arte e meras coisas?
Qual a diferença das caixas de sabão em pó de Andy Warhol para as caixas de
sabão em pó nas prateleiras do supermercado? Qual a diferença da fonte de
Marcel Duchamp para um mictório? Deve haver uma definição de arte que
permita que digamos que uma coisa é obra de arte, enquanto outra semelhante
ou até idêntica não.

Danto vai dizer que a explicação não pode estar somente no fato de quem fez foi
um artista, já que nem tudo que um artista põe a mão se torna arte.

Esse questionamento pode ser construído em outras áreas da filosofia, quando


não em todas. Como exemplo, ele vai aproximar a questão da “filosofia da ação”,
quando ele usa como exemplo o fato/ato de levantar o braço. “O braço levantado
não somente subdetermina as diferenças entre abençoar e admoestar, mas
também entre um tipo qualquer de ação e um mero reflexo, um tique ou um
espasmo”. Então, o braço levantando pode comunicar/sugerir diversas coisas,
assim como pode ser um mero espasmo. Danto assim indaga: “o que resta quando
se subtrai do fato de que você levanta seu braço o fato de que seu braço se ergue?”
Ele conclui que, a diferença entre uma ação básica e um mero movimento
corporal é comparável em muitos aspectos às diferenças entre uma obra de arte
e uma simples coisa. Então, voltando para o exemplo anterior dos quadros
vermelhos, a questão é saber o que resta quando se subtrai o quadrado vermelho
de tela da obra intitulada Quadrado vermelho.

Ele entende que um mero objeto passa a ser uma obra de arte quando “o mundo
da arte” assim passa a considera-lo, mas a explicação não é satisfatória para ele.

“A teoria institucional da arte não explica, embora permita justificar, por que a
Fonte de Duchamp passou de mera coisa a obra de arte, por que aquele urinol
específico mereceu tão impressionante promoção, enquanto outros urinóis
obviamente idênticos a ele continuaram relegados a uma categoria
ontologicamente degradada. A teoria deixa ainda em aberto o problema de outros
objetos indiscerníveis, dos quais um é uma obra de arte e o outro não.”

CONFRONTAÇÕES COM AS TEORIAS DAS ARTES

Danto assinala que já predominaram teorias sobre a diferença entre obras de arte
e meras coisas. Como, por exemplo, a teoria que diz: “uma obra de arte é um
objeto apropriadamente chamado de expressão porque sua causa é um
sentimento ou uma emoção particular de quem a realizou e que ela efetivamente
expressa.” Ou seja, que a obra de arte é produto de um sentimento/expressão.
Sobre isso, Danto vai comentar que:

“A teoria certamente terá dificuldades para diferenciar obras de arte do caso


paradigmático de coisas que expressam sentimentos sem ser obras de arte —
lágrimas, gritos, caretas, por exemplo.”
Ele reconhece que, apesar de a simples ocorrência de um sentimento não permite
discriminar entre obras de arte e soluços, compreende-se a importância de buscar
uma marca externa.
Danto também vai contrastar a teoria tradicional da imitação em que afirma que
“a arte é um espelho da realidade”, com as obras de arte contemporâneas. Sobre
isso ele comenta, “Se nada mais que isso fosse exigido para definir uma obra de
arte, não haveria critério algum para diferenciar imagens refletidas no espelho,
que na opinião geral nem sempre são obras de arte, de exemplos mais rotineiros
de mimese.”
No caso, Danto verificou que a teoria mimética da arte se apresentou, por um
lado, extremamente convincente, capaz de explicar muitos fenômenos
relacionados com a produção e a avaliação das obras de arte, mas, por outro lado,
revelou-se inadequado para conceituar as obras de arte da vanguarda e aquelas
obras de arte decorrentes da fotografia e da filmagem. Isso ocorreu porque as
obras de arte da vanguarda “[...] não são, pois, imitações, mas novas entidades”,
o que não era concebível pela teoria tradicional da imitação que considerava estas
obras de arte como meros objetos.

Para ele, deve haver uma definição de arte que permita que digamos que as "Brillo
Boxes" de Warhol são arte e as caixas de sabão em pó no supermercado não o são.
Só que essa definição de arte não pode se basear em nenhuma característica
percebida nos objetos e, portanto, não é uma definição que dependa da
experiência estética proporcionada pelos objetos em jogo, pois não existe
diferença estética entre dois objetos aparentemente indiscerníveis.

Isso não significa que as obras não proporcionem uma experiência estética, mas
simplesmente que a noção de estética esteve ligada por muito tempo à ideia de
um sentimento do belo, ou de algo apreendido pelos sentidos, quando responder
esteticamente a algo pode ser uma ação intelectual, como ocorre quando um
objeto extraído do cotidiano é experimentado como arte.

A solução para discernir qual, dentre os objetos idênticos, é obra de arte e qual
não é, consiste em reconhecer que dentre estes dois objetos um é sobre algo, e o
outro, não. Então, é a interpretação aquilo que faz de uma mera coisa uma obra
de arte. É a interpretação a operação que transfigura uma mera coisa em arte.

Além da interpretação, é possível explicar por que, dentre dois objetos


aparentemente idênticos, um pode ser uma obra de arte e o outro não, em grande
parte por meio da história. Nesse sentido, Danto afirma: em arte, "nem tudo é
possível em todos os períodos".

Daí a necessidade da história, pois se a obra só existe acompanhada da


interpretação, como um objeto poderia ser acolhido como obra de arte em um
contexto no qual não existisse um conceito para abrigá-lo? Como poderíamos
interpretar as pinturas de pinceladas ("Brushstroke Paintings") de Roy
Lichtenstein sem situá-las em relação ao expressionismo abstrato, por exemplo?

O que Danto quer nos mostrar é que essa realização não se esgota nas obras, mas
precisa da interpretação e que ela, necessariamente, é histórica.

Você também pode gostar