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CONCEPÇÕES TEÓRICAS SOBRE O BINÔMIO APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

PROFª CRISTINA M. MADEIRA-COELHO


UNB-FE-TEF

Desenvolvidos no âmbito das ciências humanas, notadamente da psicologia,


quatro abordagens teóricas, procuram explicar a relação entre o desenvolvimento e a
aprendizagem humanos. Quer dizer, a relação entre processos que nos caracterizam e
que traduzem a relação entre o sujeito que aprende, o sujeito cognoscente, e o objeto a
ser conhecido, isto é, o objeto cognoscível. Essa relação pode ser simplificadamente
representada da seguinte forma:

Sujeito cognoscente meio cognoscível

Estas diferentes abordagens teóricas devem ser consideradas como eixos para a
reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem, já que as concepções derivadas
desses pressupostos teóricos impactam diretamente as práticas escolares.

Conhecer tais grupos teóricos e identificar suas principais linhas pode, portanto,
ajudar o professor a esclarecer bases conceituais no seu fazer cotidiano. Pode ajudá-lo a
conhecer alunos em seus processos e, dar suporte adequado a formas de avaliação.
Além disso, permite que o professor identifique concepções sobre desenvolvimento e
aprendizagem, fortemente arraigadas no senso comum, que se provam incompatíveis
com os resultados que pretende alcançar com aquela prática.

O problema está colocado pelo autor russo Davydov “muitos acadêmicos de


educação e professores não têm idéias claras em relação ensino desenvolvimental e suas
várias formas e tipos; ainda mais, eles não têm idéias claras em relação às teorias
fundamentais que, de uma forma ou de outra, procuram explicar a relação e a possível
conexão entre aprendizagem e desenvolvimento em escolares.” (Davydov, 1998:11)

O primeiro desses grupos é a abordagem do inatismo que, como o nome já


anuncia, pretende que as estruturas mentais de desenvolvimento já estejam dadas ao
nascimento. Quer dizer, ao nascer já trazemos todas nossas características pré-formadas.
No gradiente colocado acima, as concepções inatistas privilegiam o pólo do sujeito,
desconsiderando qualquer importância ao papel do meio para o processo de
desenvolvimento que está reduzido ao desenvolvimento maturacional e orgânico do
sistema nervoso central.

SUJEITO COGNOSCENTE meio cognoscível

Nessa abordagem teórica, muito embora se compreenda que o aspecto


maturacional do desenvolvimento confira a prontidão para o aprender, o aprendizado é
considerado em si mesmo um desenvolvimento. E assim, o processo de
desenvolvimento e a aprendizagem formal se constituem em um único processo.

A linguagem cotidiana capta essas concepções por meio de expressões tais como
“filho de peixe peixinho é”, “pau que nasce torto nunca se endireita”. E como a
aprendizagem não se distingue do desenvolvimento não há ação pedagógica que possa
influenciá-lo. Ao professor sobra apenas a ação de informar.

O segundo grupo de teorias se orientam para o outro extremo do gradiente, pois


aqui todo o conhecimento advém da experiência e dos estímulos que o meio impõem ao
sujeito. Ao nascer o sujeito é uma tabula rasa em que o meio vai inscrever
conhecimentos verificáveis por meio de mudanças de comportamento do organismo que
aprende.

Sujeito cognoscente MEIO COGNOSCÍVEL

Nessa abordagem, aprendizagem e desenvolvimento são processos


independentes e o foco de estudos está nas questões da aprendizagem como processos
puramente externos que nem participam do processo de desenvolvimento, nem o altera.
Aliás, aspectos de desenvolvimento por serem internos não são considerados por essa
abordagem teórica.

Nessa concepção o professor é o centro do ensino e da aprendizagem, pois toda


ação pedagógica é controlada e estabelecida por ele. Passos de aprendizagem
previamente delimitados e tarefas de memorização são as atividades preferenciais e o
conhecimento se constitui como uma cópia do modelo indicado pelo professor.
SAIBA MAIS
Desde a antiga Grécia, com a lenda de Ovídio, Pigmalião, as
concepções desses dois primeiros grupos de teorias, se constituem
em fortes dicotomia sobre o desenvolvimento humano: somos
sujeitos da natureza ou o meio nos constitui? Diversas são as obras
de arte que discutem essa dicotomia, que, em inglês tem uma
expressão com força sonora: ‘nature X nurture’. Veja no cinema
“Trocando as bolas”, “My Fair Lady”, “Uma linda mulher” entre
outros.

No terceiro grupo de teorias, estão as teorias cognitivistas que procuram superar


a relação dicotômica dos dois primeiros grupos. Aqui, considera-se que o conhecimento
advenha da relação que se estabelece entre o sujeito e o meio.

ação
SUJEITO COGNOSCENTE MEIO COGNOSCÍVEL

assimilação/acomodação

Para Piaget, o mais conhecido teórico dessa abordagem, o conhecimento resulta


da ação do sujeito sobre o meio. Nessa ação contínua, por meio dos processos de
assimilação e acomodação, o sujeito epistêmico constrói (daí, construtivismo) as
estruturas mentais que geram processos adaptativos, na tendência dos organismos vivos
em buscar o equilíbrio. O conhecimento é contínuo e segue uma linha ascendente, de
estruturas mais simples para as mais complexas.

Na abordagem piagetiana, o desenvolvimento comanda a aprendizagem, pois só


a partir do desenvolvimento de estruturas mentais o sujeito será capaz de ter
aprendizagens específicas.

Dois grandes avanços podem ser identificados no impacto que o aporte teórico
piagetiano traz para a compreensão dos processos de ensino-aprendizagem. O primeiro
diz respeito à concepção do processo de desenvolvimento como uma construção. E o
segundo, diz respeito à transformação da concepção de erro como falta, para uma
concepção de erro como hipótese falha no processo de construção de conhecimento.

Por outro lado, tendo em vista sua formação original como biólogo, Piaget
centra suas atenções em processos individuais de desenvolvimento, tomados a partir de
uma perspectiva orgânica que o impele a estabelecer etapas etárias delimitadas e
universais para o processo de desenvolvimento. A idéia de quantificação do
desenvolvimento, que indica para a exclusão de quem não está pronto para aprender, é
mantida para as ações pedagógicas derivadas desse construto teórico.

Herdeiro direto das idéias filosóficas de Emanuel Kant, Piaget reifica a ‘razão’
como elemento do humano e, portanto, todo o desenvolvimento humano se relaciona ao
desenvolvimento cognitivo formalizado em detrimento, por exemplo, dos aspectos
afetivos que participam nas relações de ensino-aprendizagem. O sujeito epistêmico daí
derivado é um sujeito universal e abstrato, para o qual desenvolvimento e aprendizagem
se tornam independentes de processos sociais, históricos e culturais que caracterizam o
ambiente educacional.

Um quarto grupo de teorias se organiza a partir da abordagem teórica histórico-


cultural desenvolvida por Vigotski nas primeiras décadas do século passado. Nessa
construção teórica, há uma unidade entre o desenvolvimento e o ensino formal, mas não
há identidade entre os dois processos. O autor enfatiza duas questões: a primeira,
“processos de desenvolvimento não coincidem com processos de aprendizado formal, o
primeiro segue o segundo, criando zonas de desenvolvimento proximal” (Vigotski apud
Davydov, 1998:15). E a segunda, “a idéia de que, embora a aprendizagem formal esteja
relacionada ao desenvolvimento, não há paralelismo e uniformidade entre os dois
processos. Dependências extremamente complexas são estabelecidas entre os dois e
essas dependências não podem ser explicadas por uma única fórmula especulativa e
apriorística.” ( Vigotski apud Davydov, 1998:15).

Nessa abordagem, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores


caracteristicamente humanas (percepção, memória lógica, atenção concentrada,
pensamento verbal, linguagem, etc.) é singularizado pela experiência da mediação
simbólica. Desta forma, o outro social é parte integrante dos processos de
desenvolvimento mediados pela unidade cognição-afeto e a fonte do desenvolvimento,
portanto, é a aprendizagem formal mais a comunicação e a cooperação com o adulto ou
parceiro mais experiente.
SAIBA MAIS

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal é definido como

... a distância ente o nível de desenvolvimento que se costuma


determinar através da solução independente de problemas, e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado através da
solução de problemas sob a orientação de um adulto ou de
companheirso mais capazes. (Vigotski, 1989, p:97)

Uma possível simplificação gráfica seria:

D esenvolvim ento e aprendizagem

O conceito d e
Z ona de ZD P M ediação sim bólica

D esenvolvim ento
Proxim al de ZD R

V igotski

Ao resolver uma operação concreta ao mesmo tempo em que se chega a um


resultado específico, certo princípio geral é assimilado. Essa aquisição se amplia para
além daquela operação particular, quer dizer, as estruturas de pensamento para a
resolução de uma tarefa específica facilitarão o desenvolvimento de funções mais gerais
para a resolução operações em outras áreas. A ação do professor, portanto, não se reduz
ao ensino de meros conteúdos, mas se amplia na compreensão de que no processo de
ensino-aprendizagem são continuamente geradas novas formas de desenvolvimento.

Compreende-se, assim, como o meio social, cultural e histórico são constitutivos


do desenvolvimento humano e as dicotomias individual/social, natureza/cultura e
biológico/social são superadas.

O gradiente que nos acompanha toma a seguinte forma:

mediação simbólica

SUJEITO COGNOSCENTE MEIO COGNOSCÍVEL

outro social
O ensino formal, nessa perspectiva, antecipa-se ao desenvolvimento e, portanto,
as interações em sala de aula devem ser re-significadas, pois o sujeito que aprende é
interativo, singular e ativo no seu processo de construção de conhecimento.

As práticas pedagógicas, nessa concepção, tornam-se prospectivas, direcionadas


não para o que os alunos já conseguem fazer sozinhos, mas para o que ainda está para
ser desenvolvido com a ajuda de outros. A heterogeneidade característica dos grupos
humanos passa a ser compreendida como essencial para as interações de sala de aula.

Como marco inédito e inovador, as concepções teóricas diferenciadas da


perspectiva histórico-cultural inauguram novas formas de produção do conhecimento
para as diferentes que abordam a questão do desenvolvimento humano. Consideram-se
particularmente relevantes para os propósitos deste estudo, os seguintes aspectos:

1) a concepção dos fenômenos de desenvolvimento e aprendizagem como


constituídos/construídos na interação do homem com a história, a cultura e a
sociedade;

2) a orientação da linguagem como um dos eixos noteadores do


desenvolvimento humano, pelo estabelecimento da relação entre linguagem,
fala e pensamento;

3) a coordenação, de forma característica, desenvolvimento e aprendizagem, por


meio de conceitos teóricos com grande valor heurístico como zona de
desenvolvimento proximal e situação social de desenvolvimento;
SAIBA MAIS
4) a modificação da compreensão da deficiência, ao Situação social de desenvolvimento é
definida como “aquela combinação
assumir a relação dialética entre o biológico e o
especial dos processos internos do
social; desenvolvimento e das condições
externas, que é característica de cada
5) a orientação para a unidade da natureza etapa e que condiciona também a
dinâmica do desenvolvimento psíquico
cognitivo - afetiva do pensamento, pois apontam durante o correspondente período e as
para a mediação de processos afetivos no novas formações psicológicas,
qualitativamente peculiares, que
desenvolvimento de novas formas de pensamento surgem ao final da referida etapa.”
lógico-conceitual; (Bozhovich, 1985, apud Rey, 2003:70)
6) a organização da categoria sentido – uma unidade de aspectos psicológicos que
surgem à consciência diante de uma palavra (Vygotsky, 1998) -, para a unidade
dialética e complexa do pensamento.

Esse conjunto de aspectos estabelece as condições para o retorno do sujeito


concreto e histórico, marcado pelo sistema “ontológico, dialético e complexo” (Rey,
2000:31) da subjetividade como objeto dos estudos psicológicos e seus
desdobramentos e impactos na área dos estudos dos processos de ensino-
aprendizagem. E, nessa dinâmica, orienta a emergência do paradigma teórico da
subjetividade na perspectiva histórico-cultural, uma abordagem atual desenvolvida a
partir dos estudos do início do século passado.

Uma teoria da complexidade em que os aspectos do desenvolvimento humano


em suas multi-diversificadas e dinâmicas relações orientam tendências para o processo
de ensino aprendizagem, em contexto de uma rede complexa representada tal como no
gráfico sobre o comércio exterior.
Uma hipotética representação da subjetividade individual de
sujeito com dificuldades de aprendizagem

motivação

motivaçãomenosvalia

Orientação
Crença
menosvalia para na
dificuldades incapacidade
Orientação
para
dificuldades
Relação
com
colegas

Relação com
professores
Relação
com profes Figura
família sores paterna

avó

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