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FACULDADE DE DIREITO
RIO DE JANEIRO
2017
A NATUREZA JURÍDICA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES
NOPROCEDIMENTO RECUPERATÓRIO DE EMPRESAS EM CRISE
Orientador: Prof. Dr. José Gabriel Lopes Pires Assis de Almeida (UERJ)
RIO DE JANEIRO
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/C
S676n
Soares, Bruno Pinto.
A natureza jurídica da assembleia geral de credores no procedimento
recuperatório de empresas em crise / Bruno Pinto Soares - 2017.
60 f.
CDU 347.736
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta monografia, desde que
citada a fonte.
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Assinatura Data
Banca Examinadora:
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AGRADECIMENTOS
A longa caminhada que termina neste momento foi marcada por diversas dificuldades e
momentos de dúvida, incerteza e insegurança. Várias foram as oportunidades que tive para
desistir, mas segui em frente em busca do que era melhor para mim, com a ajuda de muitos e
muitas que me fortaleceram e me ampararam sempre que precisei.
Devo, agora, agradecer aos amigos que fiz na faculdade. Amigos de turma, amigos de
time de basquete, amigos da Atlética e todos aqueles que se tornaram próximos de mim ao
longo dessa caminhada. As longas manhãs e noites na faculdade, além das cervejas nos finais
de semana (e também no meio da semana), foram muito mais prazerosas com vocês.
Pelos amigos de turma, representam o grupo a Bruna, o Matheus e o Henrique (que não
seguiu conosco até o final da faculdade, mas tem lugar guardado no meu coração).
Não poderia deixar de citar meu agradecimento especial à Julia, “a melhor atleta de tênis
de mesa da UERJ”, que soube ser minha fonte de energia nesse ano final e grande inspiração
para chegar até aqui sem pensar em desistir.
Por fim, agradeço ao meu orientador José Gabriel, com quem muito aprendi ao longo
dos poucos meses de estágio e de monitoria que com ele realizei, e que acolheu o meu pedido
de realizar uma monografia sobre um tema que se apresentava muito confuso na minha cabeça
no momento em que a ele propus a idéia.
Cada um dos que aqui foram citados e muitos outros fazem parte dessa caminhada.
Agradeço imensamente pela força e apoio que vocês me deram durante esses longos 7
anos. Muito obrigado.
RESUMO
This study analyses the concept and definition of the legal nature from the general meetings of
the bankruptcy protection institute, as well to realize the consequences of the way this institute
is studied for the treatment given by the judiciary for general meetings decisions. The theme is
presented in the first chapter of this study by the development of the world history and specially
the Brazilian bankruptcy protection systems history, besides a comparison between other
countries legal systems that lead to the realization of the Brazilian Law number 11.101/2005.
After that, the definition and conceptualization of the creditors’ general meetings is done,
besides also a doutrinary analysis of the legal nature from the institute. After the definition of
the attribution from general meetings as well its constitution, a comparison between the
Corporation general meetings and the creditor general meeting is done. In the main chapter of
this study, several forms of judiciary intervention related to creditor general meetings decisions
are presented, showing the differences in each possibility considering the legal nature of the
institute. At the end, a case analysis from the bankruptcy protection procedure of the Schahin
Group is made, as an examplefor the comprehension of this study.
CONCLUSÃO..................................................................................................................... 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 66
14
INTRODUÇÃO
Por esse motivo iremos demonstrar como se chegou às atuais concepções sobre o tema,
partindo da análise histórica do sistema falimentar brasileiro, começando por uma apresentação
do desenvolvimento do tema, que passa pela história do Direito Romano, as consequências da
Revolução Francesa e a necessidade de progressão frente as duas grandes guerras.
Como parte central do trabalho, estará a análise de cada um dos casos em que será
possível a intervenção do Poder Judiciário frente às decisões proferidas pela assembleia geral
dos credores, e como a definição da natureza jurídica desse instituto influencia cada uma dessas
possibilidades, tanto para mais como para menos, seja permitindo maior poder ao juiz, seja
limitando-o.
Por fim, será feita uma análise de um caso peculiar de intervenção do juiz em uma
decisão de assembleia geral de credores, o vistoso caso da recuperação judicial do Grupo
Schahin.
16
A existência de uma reunião dos credores para deliberação sobre a situação da empresa
devedora não é, nem de longe, uma novidade no direito concursal brasileiro, muito menos no
direito estrangeiro.
Logicamente, podemos perceber que o direito concursal, de uma forma mais ampla,
evoluiu bastante ao longo dos sistemas aprovados por lei e podemos ressaltar três fases que se
destacam na história, utilizadas por grande parte da doutrina. 1
A primeira fase se inicia nos estatutos das cidades italianas da Idade Média e se prolonga
até a Primeira Guerra Mundial. Nesse período, predominava o caráter punitivo e repressivo da
falência, além, é claro, da inexistência de um meio recuperatório para o devedor. As normas
visavam basicamente a composição dos conflitos entre devedor e credor e a satisfação dos
interesses dos credores, abandonando-se o devedor à sua própria sorte.
Já na segunda fase, que se inicia após a Primeira Guerra Mundial e vai até 1965 (que
contempla nossa antiga lei de falências), mantém-se a maior preocupação com a satisfação dos
créditos dos credores, mas já se começa a esboçar uma ideia de criar condições para a empresa
continuar suas atividades, através de acordos preventivos, ao invés da liquidação. Aqui começa-
se a criar uma aproximação da relação entre credor e devedor para criar condições à empresa
para recuperar-se com a prorrogação dos prazos de pagamentos e a imposição de moratórias
aos credores pelo Estado.
Na terceira fase, que se inicia em 1965 e vai até os dias de hoje, onde se encaixa nossa
lei 11.101/05, substitui-se a busca da satisfação dos direitos e interesses dos credores pelo
propósito firme do Estado de preservar a empresa em crise, partindo do princípio de que a
empresa, sobretudo devido às suas dimensões, não mais interessa apenas aos seus credores, nem
a sua crise põe em risco apenas os capitais investidos pelos sócios, mas interessa e afeta aos
1
VASCONCELOS, Ronaldo. Direito Processual Falimentar. São Paulo: Quartir Latin, 2008. p. 34.
17
2
GERARDO SANTINI, “Soluciones jurídicas al estado de crisis de la empresa em los sistemas de
economia de mercado”, artigo publicado in Reforma del Derecho de Quiebra, Madrid, E. Civitas, 1982,
pp. 35 a 42, nºs 1 a 3, e RODRIGO URIA, “Em torno a la reforma de nuestro Derecho concursal”,
idem, pp. 411 a 414.
3
LOBO, Jorge. Da Recuperação da Empresa no Direito Comparado. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1993, pp. 159-160.
4
DINIZ, Almachio. Da Fallencia. São Paulo: Editora Monteiro Lobato, 1924. p. 24.
18
com o posterior esquartejamento de seu corpo, no caso de serem muitos os credores, recebendo
cada credor a sua quota-parte.
Assim, nesse início de tratamento da situação de insolvência, a lei romana possibilitava
ao credor o poder de fazer justiça com as próprias mãos, utilizando-se dos meios mais perversos
para tanto. É verdade que há divergências quanto as reais aplicações dessas medidas, mas fato
é que a simples existência das leis, que realmente foram redigidas, já nos mostra a visão da
época quanto ao tratamento do devedor, com uma enorme rigidez.
Essa prática permitiu o surgimento de contrato de caráter costumeiro, chamado nexum5,
através do qual o devedor que não possuísse recursos para solver suas dívidas, obrigava-se
voluntariamente a prestar serviços como escravo ao credor.
Após esse primeiro momento, a evolução do Direito Romano nos trouxe a Lex Poetelia
Papiria, em idos dos anos 326 a.C., que aboliu o nexum e criou a execução em dinheiro por
meio da venditio bonorum6, em que a pessoa do devedor parou de responder com seu próprio
corpo por suas dívidas, e o direito do credor passou a ser exercido diretamente sobre os bens do
devedor. Assim, as leis romanas trouxeram um caráter meramente patrimonial à relação entre
credor e devedor, tornando a execução da dívida uma conotação muito mais humanizada.
Em seguida, e agora trazendo características similares a um direito concursal, houve o
surgimento da Lex Aebutia7, por volta do ano 150 a.C., em que o sistema de ações da lei fora
substituído pelos formulários, atraindo ao procedimento de execução maior formalismo. Assim,
o pretor Rutílio Rufo instituiu o procedimento coletivo da missio in possessionem, que consistia
na possibilidade de terceiro, nomeado pelo magistrado do caso, se imiscuir na posse dos bens
do devedor com o objetivo de induzi-lo a cumprir a ordem emanada pelo magistrado.
Com essa nova regra, dava-se publicidade a todos os eventuais credores daquele devedor
para que também pudessem se habilitar no procedimento. Transcorrido o prazo de 30 (trinta)
dias sem que o devedor cumprisse com suas obrigações, seus bens eram alienados (bonorum
venditio) para o melhor ofertante, que passava a assumir a posição do devedor, tanto com
relação aos bens, quanto para cumprimento das dívidas.
Esse ofertante que assume a posição do devedor deveria realizar o pagamento, em
primeiro lugar, dos credores que possuíssem alguma forma de privilégio, sendo o saldo final
5
VASCONCELOS, Ronaldo. Ob. Cit. p. 41.
6
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Atlas,
2008. 4ª ed., p 7.
7
VASCONCELOS, Ronaldo. Ob. Cit. p. 41.
19
8
VASCONCELOS, Ronaldo. Ob. Cit. p. 43.
9
BUZAID, Alfredo. Do concurso de credores no processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1952. p.
93.
10
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 31.
20
11
Instituto bastante semelhante à concordata, em que diante da sucessão decorrente da morte do devedor,
havia uma reunião entre os herdeiros e os credores com a finalidade de se encontrar um acordo a ser
homologado pelo magistrado. Dessa forma, os credores deveriam manifestar sua adesão ao pacto perante
o magistrado e a validade do acordo era dependida necessariamente da homologação pelo magistrado,
atingindo, assim, tanto os credores quirografários como aqueles que possuíam alguma forma de
privilegium exigendi. Esta era uma forma de não marcar a conduta ilibada do falecido com a fama de
insolvente. V. José Candido Sampaio de Lacerda. Manual de Direito Falimentar: com a adaptação ao
novo código de processo civil, de 1973, pela Lei nº 6.014, de 27-12-1973, p. 222.
12
Nesse caso, era concedida pelo próprio Imperador ao devedor de boa-fé, a possibilidade de alongar o
vencimento de suas dívidas, de forma a obter um maior prazo para pagamento que, contudo, não poderia
ser superior a cinco anos. V. MENDES, Alexandre Romualdo. O instituto da concordata e sua aplicação
doutrinária. CONSULTOR JURÍDICO. 24/06/1999. Disponível em: http://www.conjur.com.br/1999-
jun-24/consideracoes_preliminares_3. Acesso em 01/11/2017.
13
Importante ressaltar que o Código Napoleônico foi a primeira compilação a dividir os temas em três
principais pilares: (i) a pessoas; (ii) a propriedade; e (iii) a aquisição da propriedade, dando origem a
dualidade entre o direito civil e o direito comercial. Por conta disso, a promulgação do Código
Napoleônico representou verdadeiro marco para o direito comercial.
14
VASCONCELOS, Ronaldo. Op. cit. p. 45.
21
vencimento dos débitos para possibilitar o seu pagamento e garantir a manutenção da empresa
no mercado.
Nesse momento, portanto, é que começa a surgir uma mentalidade um pouco mais
protetiva dos negócios do credor, principalmente, com relação à manutenção da empresa, sendo
somente no período pós-Segunda Guerra que surgiu a preocupação em distinguir o organismo
formado pelo estabelecimento comercial dos atos praticados pelo mau gestor.
Dessa forma, possibilitou-se, nesse período o afastamento do empresário em prol da
preservação da empresa, garantindo assim a manutenção das atividades desenvolvidas e todos
os demais benefícios gerados ao ambiente em que se encontra inserida.
virtude das moratórias geradas de abusos entre credores e devedores. Entretanto, o objetivo que
se fora perquirido não foi alcançado satisfatoriamente, em razão da fragilidade procedimental
do diploma. 15
Deve-se ressaltar que outra importante inovação dessa lei foi a nomeação do síndico
pelo próprio magistrado, observada a lista organizada pelas Juntas Comerciais dos Estados.
Em sequência, e agora tomando por base e inspirada no Decreto de 1890, foi promulgada
a Lei nº 2024/1908, que pormenorizou os procedimentos relativos à falência. Esse novo
dispositivo estabeleceu que a falência não suspende as execuções individuais decorrentes de
contratos sinalagmáticos em virtude da quebra, além de estabelecer a classificação dos
créditos.16
Posteriormente, a Lei nº 5746/1929 foi promulgada, inovando em relação a diminuição
do número de síndicos, que passou a ser apenas um, bem como instituiu porcentagem sobre os
créditos, dificultando bastante a possibilidade de recuperação do devedor.
Somente em junho de 1945 foi editado o Decreto-Lei nº 7661/1945, que instituiu a Lei
de falências e esteve vigente durante 60 (sessenta) anos, momento em que a atual Lei
11.101/2005 foi promulgada.
Sobre essa lei, devemos destacar importantes modificações por ela trazidas, como a
abolição da assembleia de credores, bem como a alteração da natureza jurídica da concordata,
afastando-se da natureza contratual, passando a ser utilizado como um benefício concedido pelo
Estado, através do Poder Judiciário, ao devedor que comprovadamente se revelasse honesto.
É possível concluir que esse Decreto reforçou os poderes do Magistrado sobre o
processo falimentar e frente a coletividade dos credores, permitindo a prevalência de aspectos
subjetivos pertinentes à figura do devedor.
Conforme nos esclarece Waldo Fazzio Júnior 17, o Decreto-Lei 7661/1945 concebia um
modelo de empresa próprio da economia nacional defasada que refletia as coordenadas da
15
THOME, Georgina Maria; MARCO, Carla Fernanda de et. al. Falência e sua evolução. Revista Jus
Navegandi, Teresina, ano 5, nº 41, 1 de maio de 2000. Disponível em
http://jus.com.br/artigos/760/falencia-e-sua-evolucao Acesso em 27/09/2017.
16
Art. 47. Os contractos synallagmaticos não serão resolvidos pela fallencia e poderão ser executados
pelos syndicos e liquidatarios, si o acharem de conveniencia para a massa.
§ 1º A não execução integral desses contractos por parte da massa dará ao contractante o direito de exigir
desta a devida indemnização pelas perdas e damnos.
§ 2º Nas vendas a entregar em prazo certo, tendo por objecto valores ou mercadorias, cuja cotação, curso
ou preço corrente possa ser annotado, a liquidação, si não puder realizar-se pela effectiva entrega dos
valores ou mercadorias e pagamento do preço, far-se-ha pela prestação da differença entre a cotação do
dia do contracto e a da época da liquidação.
17
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Ob. Cit. p.1.
23
ordem capitalista instaurada em 1944, através da Conferência de Bretton Woods, já que fora
produzido logo após o término da Segunda Guerra Mundial.
Nesse sentido, a visão que esse dispositivo trouxe ao crédito era de mais uma espécie
de relação obrigacional, desconsiderando a repercussão da insolvência no mercado e
concentrando-se no ajustamento das relações entre credores e o ativo do devedor.
Com o passar dos anos e com o avanço das relações comerciais e empresariais, tornou-
se necessário rever o modelo jurídico falimentar de que dispúnhamos, já que seria, agora,
imperioso contemplar amplamente as questões mais sinuosas que envolvem a empresa que
passa por dificuldades econômicas.
Isto se dá, basicamente, pela ideia de que a falência corresponde a um procedimento
bastante gravoso não apenas para o devedor, mas também para todos os agentes envolvidos no
mercado, já que se perde o negócio produtivo, os empregos gerados, bem como os bens
materiais e imateriais que compõem aquela determinada empresa.
O Decreto-Lei 7661/1945 se mostrou ser um sistema legislativo de cunho altamente
processualista, baseado no binômio “credor-devedor”, sem levar em conta todas as novas
exigências trazidas pela economia daquele momento.
O professor Ronaldo de Vasconcelos já alertava pela “inconveniência de se manter um
direito falimentar centrado apenas na ideia tradicional de disciplinador da função anormal do
crédito para adotar um sistema que preservasse o interesse social dos bens de produção previsto
na Constituição Federal”18.
Essa crítica não era voz vencida no mundo jurídico dos idos dos anos 90. Tanto assim
foi, que em 1992 foi constituída uma comissão com a finalidade de elaborar um novo projeto
de lei de falências e concordatas, submetido ao crivo dos especialistas sobre o tema,
notadamente com grande e profícua participação da ordem dos advogados do Brasil.
Assim sendo, em 1993 surgiu o projeto de Lei para nova lei de falências, que possuía
como preocupação efetiva a situação da empresa que enfrentava dificuldades de ordem
econômico-financeira, com o intuito de delimitar os meios de recuperação quando se mostrava
viável e importante para o mercado.
Entretanto, vale ressaltar que nem tudo foram flores para o desenvolvimento da lei com
tais premissas de defesa às empresas em dificuldade.
No início dos anos 2000, houve grande pressão do setor bancário contra determinadas
pretensões do projeto de lei, principalmente com relação à defesa dos créditos originados de
18
VASCONCELOS, Ronaldo. Op. cit. p. 50.
24
19
“Esta disposição foi o ponto que mais diretamente contribuiu para que a Lei deixasse de ser conhecida
como “lei de recuperação de empresas” e passasse a ser conhecida como “lei de recuperação do
crédito bancário”, ou “crédito financeiro”, ao estabelecer que tais bens não são atingidos pelos efeitos
da recuperação judicial. Ou seja, praticamente todos os bens da empresa que forem objeto de alienação
fiduciária, arrendamento ou reserva de domínio, não estarão englobados pela recuperação. Ficará
extremamente dificultada qualquer recuperação, se os maquinários, veículos, ferramentas etc, com os
quais a empresa trabalha e dos quais depende para seu funcionamento, forem retirados.” BEZERRA
FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências: Lei 11.101/2005: comentada
artigo por artigo. 8 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 136.
20
Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do
empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.
Art. 2o Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de
previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade
seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Art. 3o É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação
judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de
empresa que tenha sede fora do Brasil.
25
empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada21, muito antes de pensarmos
em uma satisfação dos interesses dos credores.
Sendo assim, atualmente temos que o processo de recuperação judicial visa a uma
finalidade: a aprovação por parte do devedor e seus credores de uma proposta destinada a
viabilizar a empresa, tendo o juiz a função de verificação das disposições legais aplicáveis ao
plano22.
O momento em que há a intervenção principal dos credores no processo é o da
assembleia geral de credores, onde, dentre outras funções, deverá ser decidida a aprovação ou
não do plano de recuperação judicial, o documento de índole contratual, que conterá as dívidas
negociadas com os credores e as formas de soerguimento que serão perseguidas pelos
administradores da empresa em dificuldade.
A evolução histórica do direito concursal nos mostra que a relação entre credores e
devedor tem se pautado pelo princípio da preservação da empresa, em detrimento de quaisquer
outros princípios do procedimento de recuperação judicial, e entendemos que tanto o
funcionamento dos órgãos processuais, principalmente a assembleia geral de credores, como as
intervenções judiciais devem caminhar nesse sentido, buscando a recuperação da empresa em
crise.
Por fim, devemos ressaltar que a Lei 11.101/05 propiciou uma maior possibilidade de
intervenção dos credores frente ao procedimento de avaliação da situação de crise da empresa
devedora. Esse fato, de certa forma, delegou grande poder aos credores, que poderão, agora,
decidir pela continuidade ou não da empresa, o que não ocorria na concordata23. Analisaremos,
portanto, se essa decisão está livre de controles e limitações ou não.
21
CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, pp. 10-11.
22
CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 12.
23
COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da macro-empresa. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1970. p. 99.
26
Os princípios e valores que foram fundamentos basilares para a realização desse novo
sistema normativo falimentar possuem como grande influenciador os direitos norte-americano
e francês.
Com relação ao direito norte-americano, podemos observar que a ideia de preservação
da empresa com o objetivo de se estar fazendo prevalecer o interesse público é bastante presente
nas decisões, por exemplo, da Suprema Corte Norte-Americana.
Ao comentar uma dessas decisões, Ivo Waisberg24 traz uma importante visão sobre
como foi influenciada a política da concorrência em função da preservação do interesse público:
24
WAISBERG, Ivo. Direito e Política da Concorrência para os países em desenvolvimento. São Paulo:
Lex Editora, 2006. p. 42-45 apud DE LUCCA E DOMINGUES, Newton e Alessandra de Azevedo.
Direito Recuperacional – Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2009 p. 135.
27
25
LOBO, Otto Eduardo Fonseca. World insolvency systems: a comparative study. Rio de Janeiro:
Carswell, 2009. p. 773-774.
28
by the law; (v) any payment under the plan requiring court approval,
such as professional fees, remains subject to court approval after
confirmation; (vi) the proponent of the plan has disclosed the identity
and affiliation of any person who will serve as a director, officer or
trustee of the postconfirmation entity, and the employment of such
person will be consistent with the interests of creditors; (vii) the
proponent has disclosed the identity and compensation of any insider
who will be employed by the postconfirmation entity; (viii) confirmation
of the plan is not likely to be followed by liquidation or other insolvency
proceedings; and (ix) the principle purpose of the plan is not the
avoidance of taxes.26
26
“Um plano deve atender a vários padrões legais estritos para confirmação, incluindo: (i) que está de
acordo com o Código Falimentar; (ii) que o proponente do plano está de acordo com o Código
Falimentar; (iii) que o plano foi proposto de boa-fé; (iv) que o plano não é proibido por lei; (v) qualquer
pagamento ao abrigo do plano requer aprovação do tribunal, tais como honorários profissionais, e
permanecem sujeitos à aprovação do tribunal após sua estipulação; (vi) o proponente do plano deve
revelar a identidade e filiação de qualquer pessoa que vai servir como diretor, gerente ou administrador
da empresa em recuperação, e o trabalho desta pessoa será coerente com os interesses dos credores; (vii)
o proponente não deve revelar a identidade e a compensação de qualquer informação privilegiada que
será empregada pela empresa em recuperação; (viii) a confirmação de que o plano não é suscetível de
ser seguido pela falência ou outros processos de insolvência; e (ix) o principal objeto do plano não deve
ser a evasão de impostos.”
27
Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de
60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob
pena de convolação em falência, e deverá conter:
I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta
Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional
legalmente habilitado ou empresa especializada.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento
do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art.
55 desta Lei.
28
Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento
dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a
data do pedido de recuperação judicial.
29
Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento,
até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial
vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.
29
NEGRÃO, Ricardo. A eficiência do processo de recuperação judicial na recuperação de empresa.
São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 94
30
NEGRÃO, Ricardo. Ob. Cit., p. 95.
31
NEGRÃO, Ricardo. Ob. Cit., p. 94.
30
devedor não se mostre capaz de cumprir com as disposições constantes do plano, o Tribunal
poderá decretar a falência ou liquidação 32.
O terceiro e último procedimento de prevenção, chamado redressement judiciaire, se
assemelha à forma clássica do instituto de recuperação judicial e tem como objetivo permitir
que a empresa com dificuldades financeiras possa se reorganizar e permanecer ativa no
mercado.
Para tanto, elabora-se um plano de recuperação que será oferecido pelo administrador
em conjunto com o devedor, a ser aprovado pelos credores, em que são previstas formas de
reorganização societária, bem como as causas da crise e meios futuros de liquidação do passivo
do devedor, não podendo exceder o prazo máximo de 10 (dez) anos33. O descumprimento deste
plano de recuperação representa a abertura do processo de falência do devedor.
Já quanto aos procedimentos de liquidação, temos o procédure de liquidation, que
ocorre quando o devedor insolvente não possui mais meios de permanecer no mercado e,
portanto, o objetivo não é mais proteger a empresa e a manutenção de sua atividade econômica,
mas liquidar o ativo em função do pagamento do passivo, de modo a evitar maiores prejuízos,
seja por meio da alienação total ou parcial da empresa através de um plano de venda, seja pela
alienação isolada dos ativos34. Assim, a empresa encerra suas atividades e o devedor é retirado
da administração.
Além desse primeiro procedimento de liquidação, temos o procedimento de liquidação
simplificado que “prevê celeridade na realização do ativo de pequenas empresas que não
disponham de bens imóveis e que o número de trabalhadores nos seis meses anteriores ao
procedimento e o seu faturamento não superem valores definidos por decreto”.35
Apesar das influências, podemos perceber também algumas diferenças do direito
francês para o direito brasileiro quanto ao sistema falimentar. Uma das diferenças mais
marcantes é a possibilidade mais ampla de partes que possuem legitimidade ativa para requerer
o procedimento recuperatório e falimentar, em que são possíveis as recuperações e falências de
pessoas naturais, jurídicas, profissionais liberais e, até mesmo, consumidores, enquanto que no
ordenamento brasileiro somente o empresário ou a sociedade empresária podem requerer os
32
MARCHETTO, Patricia Borba. MIRANDA, Adriana Augusta Telles. Considerações da lei
falimentar no direito brasileiro em comparação ao direito francês. Scientia Iuris, Londrina, v.18, n.1,
p.45-59, jul. 2014. DOI: 10.5433/2178-8189.2014v18n1. p. 55.
33
Ibid., p. 56.
34
Ibid. p. 57.
35
NEGRÃO, Ricardo. Ob. Cit., p. 95.
31
36
Art. 2o Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência
complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade
de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
37
CARVALHOSA, Modesto. Seção IV: Da Assembleia-Geral de Credores. In: CORRÊA-LIMA,
Osmar Brina; CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão (coord.). Comentários à nova Lei de Falência e
Recuperação de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 251-284, p. 253.
32
em seus votos, escolhero melhor meio recuperatório para a empresa, mas sim deliberar na exata
medida de seu interesse individual, desde que legítimo 38.
Essa situação nos leva a questionar sobre qual deve ser considerado o objetivo real de
uma assembleia geral de credores em uma recuperação judicial e o que se espera da
fundamentação de voto de cada um dos participantes, quanto a possibilidade de existência de
um critério objetivo ou se uma fundamentação pode ser considerada abusiva.
Quando nos deparamos com a leitura de clássicos do direito empresarial, podemos
perceber que há uma diferenciação clara entre uma decisão (Entschluss) tomada por um
indivíduo e uma deliberação (Beschluss) tomada por um grupo. Enquanto na primeira a
formação e expressão da vontade obedecem a um processo de natureza psicológica, na segunda
a formação e expressão da vontade coletiva obedecem a um processo de natureza jurídica, ou
seja, pautada em uma questão legal prática.39
Essa diferenciação nos leva a entender que, exatamente por sua natureza jurídica, a
deliberação dos credores deve seguir um procedimento específico e pré-estabelecido para que
seja considerado válido. Podemos falar, inclusive, de uma fiscalização dos atos desse
procedimento para que a vontade coletiva da comunhão de credores seja validamente
exprimida.
Isto, porque muito contraditório seria a existência de um órgão decisório, em um
procedimento que teria por viés único a recuperação de uma empresa, que levantasse a bandeira
da liquidação dos ativos e decretação da falência. Estaríamos, assim, diante de um retrocesso
na história do direito concursal, conforme demonstrado.
Ocorre que, na assembleia geral de credores, a perfectibilidade do acordo a ser realizado
não exige a manifestação unânime das vontades dos credores, sendo suficiente sua formação
entre o devedor e uma maioria legalmente estabelecida de credores, capaz de obrigar a minoria.
Da mesma forma, a não aprovação do plano pode ser orquestrada por essa mesma
maioria, em detrimento da possibilidade de recuperação da recuperanda e a minoria interessada
na aprovação.
A ideia de conceituação da assembleia geral de credores na doutrina atual,
portanto,passa a ser um pouco diferenciada do que fora na época da promulgação da Lei
11.101/05, apesar de ainda ser majoritário o entendimento de soberania extrema da AGC.
38
SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. Autonomia dos credores na aprovação do plano de
recuperação judicial. Direito empresarial e outros estudos em homenagem ao professor José Alexandre
Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013. P. 101-114, p. 109-110.
39
WIEDEMANN, Herbert. Direito societário (Gesellschaftsrecht), v. 1, p. 176.
33
40
SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de
Empresas e Falência. São Paulo: Almedina, 2016, p. 182-183.
34
judicial que não conclamam uma satisfação imediata de seus créditos, conforme será
demonstrado com o que ocorreu no caso da recuperação judicial da Schahin.
Além disso, vale ressaltar que esse é o único momento de soberania dos credores diante
do procedimento recuperatório, já que a satisfação de seus créditos está submetida aos ditames
da Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Esse fato torna a intenção dos credores muito
interligada à certeza de satisfação de seu próprio crédito, e não necessariamente à recuperação
da empresa em dificuldade.
Então, podemos questionar se a previsão dessa natureza jurídica de comunhão legal de
interesses não seria insuficiente, já que poderia ensejar o desvio da finalidade única do próprio
procedimento de recuperação judicial, qual seja a preservação da empresa e o estímulo à
atividade econômica.
Diz-se isso no intuito de se pensar se o órgão é um mero instrumento de satisfação dos
interesses dos credores, em última análise, ou se ele visa a efetivação da anuência dos credores
em favor do plano de recuperação apresentado, já que este deve estar pautado em uma série de
requisitos que, em sua grande maioria, não cabem aos credores julgarem estar corretos ou
errados.
Não se está querendo por aqui afirmar que os credores não devem votar na defesa e
proteção de seu legítimo interesse, muito pelo contrário. O plano de recuperação judicial deverá
conter todos os termos necessários para a satisfação também dos créditos devidos e
organizadamente negociados.
Entretanto, o motivo da existência do procedimento deve ser a base norteadora dos votos
de cada um dos participantes da assembleia geral dos credores. A existência do plano de
recuperação judicial é a garantia para o pagamento das dívidas da empresa em crise e a sua
rejeição, ao nosso entendimento, deve ser pautada em alguma ilegalidade negocial que se possa
estar cometendo com a sua realização.
Entendemos que a assembleia geral dos credores, na realidade, deva ser considerada a
comunhão não dos interesses dos credores em função de seus créditos ali contemplados
individualmente, mas sim a manifestação de anuência da massa de credores em relação ao
objetivo de recuperação dos negócios do parceiro econômico em crise.
Essa posição se justifica pela ideia de que os interesses dos credores com relação aos
seus créditos possuem um meio próprio para discussão, na impugnação de crédito, em que
singularmente se estará considerando qual será o valor devido, em qual classe o credor se
encaixa e se o crédito será contemplado na recuperação judicial.
35
41
LOBO, Jorge. Da Recuperação da Empresa no Direito Comparado. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1993, pp. 159-160.
36
O estudo da assembleia geral de credores da recuperação judicial deve ser realizado com
base na análise dos artigos que compõem o capítulo II da seção IV da Lei 11.101/2005.
Entretanto, essa não deverá ser a fonte única de referência para solucionar todas as questões
que envolvem o tema.
A recuperação judicial deve ser vista como um recurso do direito empresarial e
societário para a situação de crise de empresas, talcomo deve ser visto o instituto da falência.
Ignorar, portanto, que as diversas leis existentes sobre direito societário devam ser interpretadas
analogicamente aos casos de recuperação judicial, quando assim couber, é um erro.
Mais especificamente sobre uma assembleia, e neste caso a assembleia geral de credores
da recuperação judicial, caso o tema não seja esgotado pela lei específica, como assim não o é,
caberá o recurso a demais leis societárias, como o próprio código civil, mas principalmente a
Lei das Sociedades Anônimas.
A assembleia ordinária da sociedade anônima pode ser considerada, conforme nos
ensina a melhor doutrina42, um exemplo de assembleia a ser espelhado, quando for necessário,
pela assembleia geral de credores.
Com relação às regras de voto e principalmente às possibilidades de invalidação de
decisões, deliberações e votos de uma assembleia, a Lei 11.101/2005 deixou a desejar quanto à
enumeração das diversas hipóteses em que poderá ser questionada a validade do que fora
decidido.
A lei em questão cuida apenas em dois momentos de hipóteses de invalidade de
deliberações, presentes nos parágrafos segundo e terceiro do art. 39 do dispositivo, conforme
vê-se abaixo:
Art. 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no
quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada
pelo administrador judicial na forma do art. 7o, § 2o, desta Lei, ou, ainda, na
falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos arts.
51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105, inciso II do caput,
42
FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N..Da Assembleia-Geral de Credores in Comentários à Lei de
Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 / coordenação Francisco Satiro de Souza Junior,
Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.186.
38
desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na data da
realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por
decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias,
observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 10 desta Lei.
Podemos perceber que os dois parágrafos em questão somente indicam que (i) as
deliberações não poderão ser invalidadas por posterior decisão judicial sobre a discussão de um
crédito e, (ii) no caso de invalidação de deliberação, resguardam-se os direitos de terceiros de
boa-fé, respondendo os credores envolvidos pelo prejuízo causado.
Assim, resta-se claro que a lei de recuperação de empresas não escolheu enumerar casos
em que se pode considerar viciado um voto ou uma deliberação da assembleia, cabendo ao
interprete preencher essa lacuna.
A problemática questão da invalidade da Assembleia e suas deliberações foi um infeliz
caso de imprevidência do legislador brasileiro exemplar, o que nos leva a verificar o código
civil e a lei das sociedades anônimas para tentar solucionar o imbróglio.
Ressalte-se aqui que não iremos tratar de discussões acerca da ineficácia e de vícios
formais da assembleia geral de credores, mas sim dos casos em que há uma interferência
material negativa promovida por um voto ou grupo de votos capaz de definir o futuro das
decisões da assembleia, principalmente da aprovação ou rejeição do plano de recuperação.
39
Dessa forma, estamos falando aqui das hipóteses de vício do voto, que acarretará na
invalidade do voto e, caso seja determinante para a formação da maioria, invalidará a
deliberação em questão.
O Código Civil de 2002 prevê em seu parágrafo 3º do artigo 1.010 e no parágrafo único
do artigo 1.017 hipóteses de sanção ao administrador que dispor de seu voto fundamentado em
interesse que se demonstrar contrário ao da sociedade, conforme podemos ver abaixo:
Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir
sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de
votos, contados segundo o valor das quotas de cada um.
...
§ 3o Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação
interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove
graças a seu voto.
Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar
créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los
à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se
houver prejuízo, por ele também responderá.
Entendemos que esses dois dispositivos podem ser interpretados analogicamente a uma
assembleia geral de credores, sendo os “administradores” um credor envolvido em uma votação
assemblear em que seu voto puder ser considerado explicitamente contrário ao interesse
primordial do propósito da recuperação judicial, que é o princípio da preservação da empresa
em crise.
De todo modo, o Código Civil também não deve ser o único recurso do intérprete de
uma recuperação judicial para que se possa chegar a todos os resultados possíveis de
invalidação de voto em uma assembleia.
40
O artigo 115 da lei das sociedades anônimas, lei 6.404/1976, bem como os seus
parágrafos terceiro e quarto, definem, com importante destaque, como deverá ser exercido o
direito de voto de um acionista em uma assembleia geral ordinária, bem como quais serão as
consequências de uma atitude contrária a essa disposição. Vê-se abaixo:
Esse artigo deve ser considerado a base para a análise de quaisquer votos em assembleias
gerais, exatamente porque procura cercar de ética e correção o voto de qualquer acionista da
sociedade, que não poderá, em função de interesse particular ou obscuro, votar contra os
interesses da própria sociedade.
É importante ressaltar que isso somente foi possível porque a assembleia deve ser vista
como um órgão que serve à sociedade e não aos sócios. As decisões que são tomadas naquele
41
âmbito de discussão serão voltadas à sociedade e devem ser pautadas e fundamentadas pelo
interesse da própria sociedade, que será o interesse comum dos próprios acionistas.
Pois, então, a utilização analógica deste artigo para o âmbito da assembleia geral de
credores da recuperação judicial é salutar.
E devemos isso dizer não simplesmente pela ideia de que a empresa deve se recuperar
a qualquer custo, mas sim porque, principalmente, o interesse comum dos credores consiste no
interesse que cada credor tem em, ao menos a médio prazo, minimizar os seus prejuízos,
mediante a ampliação das disponibilidades da massa em recuperação, visando conciliar os
interesses dos credores que podem esperar até que os bens da massa sejam alienados a peço
mais conveniente, com os de outros que têm necessidade de mais rápida realização do ativo 43.
43
EHRICKE, Ulrich. Münchener Kommentar zur Insolvezordnung, par. 78, n. 17, p. 1.691
42
Em primeiro lugar, devemos ressaltar que várias são as hipóteses que se encaixam nesse
tema, mas iremos tratar com maior profundidade as que saltam aos olhos de quem procura
enxergar a recuperação judicial como um procedimento que deve ser pautado com ética,
legalidade e responsabilidade negocial.
Após, iremos tratar mais especificamente sobre o caso da recuperação judicial do Grupo
Schahin, que se faz um ótimo exemplo para uma das hipóteses que iremos demonstrar.
Não mais comum se é o acúmulo de dívidas, na maioria das vezes, com bancos, que
acarretam em uma dificuldade de pagamento em um momento de dificuldade do mercado em
que se insere a sociedade empresária, principalmente quando em crise.
Devido ao modo como é organizado o poder de barganha e voto dos credores diante do
procedimento recuperatório, percebe-se que há um acúmulo de responsabilidade sobre o futuro
da empresa em crise nas mãos de grandes bancos e fundos de investimento.
Diante desse cenário, pode-se afirmar que, no final das contas, o poder decisório quanto
a aprovação ou rejeição do plano de recuperação judicial encontra-se, na grande maioria das
vezes, nas mãos desses credores.
Em outros termos, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação judicial
ou extrajudicial. Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em
maior ou menor extensão, em qualquer recuperação de empresa não derivada de solução
de mercado, o devedor que a postula deve mostrar-se digno do benefício. Deve mostrar,
em outras palavras, que tem condições de devolver à sociedade brasileira, se e quando
recuperada, pelo menos em parte o sacrifício feito para salvá-la. Essas condições
agrupam-se no conceito de viabilidade da empresa, a ser aferida no decorrer do processo
de recuperação judicial ou na homologação da recuperação extrajudicial.
44
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências: Lei 11.101/2005:
comentada artigo por artigo. 8 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013,
p. 136.
45
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010. p 175-176.
44
Nessa ordem de ideias parece razoável sustentar que uma situação semelhante ocorre
com o credor que vota na assembleia geral o plano de recuperação. É claro que ele tem
todo o direito de votar e de fazê-lo, evidentemente, contra o plano, se este for contrário
a seus legítimos interesses. Não basta, portanto, que o credor tenha interesse em votar
contra. É preciso que esse interesse seja legítimo, isto é, em consonância com a ordem
jurídica vigente. Em termos práticos, é preciso que haja uma fundamentação legítima
por parte do credor para que o plano de recuperação apresentado seja por ele rejeitado.
Assim sendo, o exame de legitimidade de voto deverá ser feito caso a caso, e
principalmente sobre aqueles credores que detém maior poder decisório dentro da assembleia
geral de credores, como é o caso corriqueiro das instituições financeiras.
46
AYOUB E CAVALLI, Luiz Roberto e Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial
de empresas. Rio de Janeiro: GEN e Editora Forense, 2013. p. 218.
45
atuação em um mesmo setor do mercado, aumentando a sua atuação. Sobre essa hipótese,
discorre Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França47:
E não faltarão hipóteses em que o direito individual de determinado credor poderá ser
substancialmente conflitante com o interesse comum dos credores, o que, em bom
Direito, exigiria a anulação da deliberação. Não é fácil, entretanto, conceituar o que seja
o interesse comum dos credores. Segundo uma autorizada opinião doutrinária, tal
interesse consistiria no interesse que tem cada credor em, ao menos a médio prazo,
minimizar seus prejuízos, mediante a ampliação das disponibilidades da massa. Outras
manifestações doutrinárias e jurisprudenciais têm sido consideradas contrárias ao
interesse comum dos credores as deliberações: (1) que causam prejuízo desproporcional,
inadequado, para uma parte dos credores; (2) que favorecem um credor em particular,
ou um grupo de credores, especialmente os credores privilegiados ou com garantia real,
ou ainda terceiros, em detrimento da comunhão de credores; (3) que não são úteis a
ninguém; (4) que favorecem o devedor ou um terceiro sem qualquer vantagem para a
massa. Como hipóteses concretas de conflito de interesses podem ser imaginadas, por
exemplo, a de uma credora, indústria automobilística, que vote contrariamente à
aprovação do plano de recuperação judicial por estar interessada na falência de seu
devedor, seu concessionário, a fim de passar a concessão a outrem; ou da credora
interessada na falência de seu agente ou distribuidor (art. 710 do CC), igualmente para
transferir a outrem a agência ou a distribuição de seus produtos; ou, ainda, da credora
que tenha interesse na falência de seu devedor simplesmente por ser sua concorrente.
Deve-se ressaltar, também, que quanto maior for o crédito de um credor, maior será a
responsabilidade deste a atuar de maneira ética, democrática e legal diante da assembleia geral
de credores.
Cada vez mais percebemos o quanto a análise da legitimidade do voto de cada um dos
credores torna-se relevante na recuperação judicial, principalmente nos casos de empresas
gigantescas cujos créditos ultrapassam a faixa dos bilhões e se está diante de decisões
47
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. A Assembleia Geral de Credores na nova Lei
Falimentar. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. RDM 138/79-80.
46
extremamente importantes não somente no âmbito micro, mas também no âmbito macro, com
relação a uma possível crise generalizada no mercado.
Com isso, devemos reiterar que não basta o pronunciamento negativo de um credor
frente a um plano de recuperação, mas também toda uma fundamentação lógica, legal e ética,
que vá além de seu interesse particular e conforme a necessária democratização da assembleia
geral de credores.
Portanto, dessa forma, torna-se possível evitaro voto carente de legitimação, ou seja,
fruto exclusivo de exercício abusivo de direito e, assim, ver decretada a falência de empresa
viável, geradora de empregos e riquezas. Ou, pior, desqualificar tal voto com o objetivo único
de ser concedida a recuperação judicial, a qualquer custo, sem observar os objetivos e a
finalidade incutidos na LRF.
Em paralelo, a mesma lei realizou a criação de uma assembleia geral de credores mais
poderosa com relação às decisões que possam vir a ser feitas durante o procedimento
recuperacional, garantindo uma maior participação e destaque aos credores nesse instituto e,
por assim dizer, trazendo para eles tantas garantias quanto as que são oferecidas ao devedor em
crise.
Ainda dispondo sobre o tema, os doutrinadores afirmam que sobre esse chamado
controle de legalidade, deverá o juiz verificar a regularidade da deliberação ao longo das
assembleias realizadas, tendo por parâmetro de controle o direito de voto a ser exercido por
cada um dos credores, além de ter o dever de depurar do plano aprovado as cláusulas que não
observam os limites legais.
A resposta para essa pergunta está na interpretação dos dispositivos da própria Lei
11.101/2005, que revelam os limites da atuação do juiz em determinados casos.
Sendo assim, iremos analisar cada um dos casos de forma resumida para entendermos
qual seria a delimitação desse poder de controle do juiz.
48
AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. Op. Cit. p.254.
48
“Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano
para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de
acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.
Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para
o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, dos créditos de
natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de
recuperação judicial”.
Conforme pode-se perceber, o artigo dispõe de forma impositiva o prazo de 1 (um) ano
para pagamento dos créditos trabalhistas envolvidos na recuperação judicial e o de 3 (três)
meses para os créditos de até 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador vencidos nos três meses
anteriores ao pedido de recuperação, não podendo o plano de recuperação judicial ser
homologado de forma discrepante.
Confirmando a forma impositiva do dispositivo, nos ensina Luiz Inácio Vigil Neto 49:
“O devedor não poderá propor a cláusula, e se a propuser o juiz não poderá aceitá-
la, pois fere norma cogente, de interesse público, mesmo que os interessados
estivessem dispostos a com ela concordar”.
O que deverá o juiz falimentar realizar em situações como essa? Homologar o plano e
negar o acordo especial já que contra a lei? Ou homologar o plano e o acordo especial em
conjunto?
49
VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios. Porto Alegre: Livraria do
Advogados, 2008. p. 168 apud AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. Op. Cit. p.225.
49
A Justiça do Trabalho, bem como estipula o artigo 114 da Constituição Federal 50, é
competente para julgar as ações trabalhistas e, portanto, também será responsável pela apuração
e liquidação dos créditos dessa natureza, que, após definidas na justiça especializada, serão
incluídos no processo de recuperação judicial.
Nesse sentido, não há dúvidas de que o juízo recuperacional deverá homologar o plano
de recuperação judicial nos termos que forem definidos em assembleia geral de credores,
considerando as disposições da LRF, porém, incluindo, de maneira excepcional, as formas de
pagamento acordadas na Justiça do Trabalho, mesmo que fora dos parâmetros da lei de
recuperação judicial, já que não parece razoável que o juízo recuperacional possa questionar a
decisão tomada no âmbito da Justiça do Trabalho nesse caso.
O segundo caso que iremos analisar refere-se a ao controle a ser exercido pelo juiz da
recuperação no caso expresso do artigo 50, parágrafo 1º da LRF, que assim dispõe:
“Art. 50. Par. 1º. Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia
ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor
titular da respectiva garantia”.
Esse artigo constitui uma exceção a ser observada pelo juiz no momento da
homologação do plano de recuperação judicial a esse princípio e à inclusão de todos os bens a
serem submetidos ao crivo da recuperação judicial.
Isto se dá, porque a garantia real é constituída em favor do credor com o objetivo de
assegurar o cumprimento das obrigações contraídas pelo devedor, que destina parte de seu
patrimônio para essa finalidade.
50
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
50
Os credores detentores de garantia real são sujeitos à recuperação judicial tendo o seu
crédito incluído na classe II, até o montante que perfaz a quantia do bem garantidor, enquanto
o restante do valor é alocado na classe III, dos credores quirografários.
Assim sendo, com esse artigo podemos perceber mais uma forma de intervenção do juiz
no plano de recuperação judicial, já que poderá excluir do próprio plano a utilização de um
bem, caso tenha sido dado em garantia de uma obrigação. Há, contudo, a possibilidade de
negociação do credor com o devedor para permitir a disposição diversa do bem, conforme a
parte final do dispositivo nos confirma.
Similar solução está disposta no terceiro caso a ser analisado, que se refere ao parágrafo
2º do mesmo artigo 50, que dispõe o seguinte:
Art. 50. Par. 2º. Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada
como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o
credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de
recuperação judicial.
A redação do artigo é clara para entendermos qual será o controle legal a ser exercido
pelo juiz, qual seja a conservação da variação cambial como parâmetro de indexação da
correspondente obrigação. Também nesse caso, está presente a possibilidade de negociação
entre o credor e o devedor para estipularem de forma diversa no plano de recuperação judicial.
Luiz Roberto Ayoub e Cássio Cavalli nos ensinam que há somente uma exceção para
essa regra:
“O único meio de recuperação judicial arrolado no art. 50 da LRF ao qual não se aplica
a legislação extraconcursal consiste na alienação ou arrendamento de unidade produtiva
51
isolada (inciso VII do art. 50 da LRF), em razão de o tema ser expressamente disciplinado
pela Lei 11.101/2005”.
A alienação da já citada unidade produtiva isolada (UPI), figura prevista na própria Lei
de Recuperação de Empresas e Falência, conforme combinação dos art. 60, 141 e 142, tem sido
muito empregada como meio de recuperação.
De forma geral, a UPI compreende um bloco isolado formado por ativos integrantes de
unidade destinada ao desenvolvimento de determinada atividade econômica.
Para que se pudesse favorecer a utilização desse meio de recuperação, foi preciso prever
meios de blindagem desse patrimônio, objeto do instituto, de modo a propiciar maior interesse
aos eventuais adquirentes da UPI e atrair novos investimentos capazes de garantir o
soerguimento da empresa em recuperação judicial.
Assim, , por exemplo,a ausência de sucessão nas obrigações do devedor pelo adquirente
da UPI, inclusive com relação às dívidas de origem trabalhistas e tributárias.
Dessa forma, busca-se garantir que o bem será alienado livre de quaisquer ônus,
conforme previsão do art. 60 da LRF, tornando-o mais atrativo para eventuais compradores e
agentes de mercado.
Esse princípio encontra-se presente em diversos artigos da Lei 11.101/2005 (artigos 58,
§2º, 56, 83, 91, 126, 149 e 172) e se justifica pela ideia de um tratamento igualitário a ser
oferecido aos credores que estejam inseridos em uma mesma classe ou ordem de preferência.
Daí se conclui, que a limitação oferecida por esse princípio se dá pela impossibilidade
de tratamento privilegiado a um credor, em prejuízo dos demais que se encontram na mesma
situação, tanto em função da natureza do crédito, como de sua classificação. O Enunciado 57
da Primeira Jornada de Direito Comercial do Conselho de Justiça Federal também fala de
equiparação quanto aos interesses homogêneos dos credores:
52
A despeito de esse princípio ser uma das referências para o procedimento recuperatório,
há a possibilidade de se encontrar uma exceção à pars conditio creditorum, que, na realidade,
é uma forma de incentivar uma atuação mais colaborativa dos credores frente ao processo.
Nesse sentido, a exceção se dará aquele credor que, caso conceder vantagens comerciais,
empréstimos, fomentar a empresa e/ou suprimir suas garantias em prol da recuperação, em
detrimento dos demais que possuem um comportamento indiferente e até mesmo hostil em
função do sucesso da recuperação judicial, poderá vir a ter um tratamento diferenciado para a
satisfação de seus créditos.
O último caso de controle de legalidade a ser exercido pelo juízo falimentar está
envolvido com o disposto no parágrafo 3º do artigo 56 da Lei 11.101/2005, que assim dispõe:
“Art. 56. Par. 3º. O plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações pela assembleia
geral, desde que haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem
diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes”.
Esse dispositivo determina que a assembleia geral de credores não poderá dispor sobre
uma condição no plano de recuperação judicial que implique na diminuição dos direitos dos
credores que estão ausentes, cabendo, portanto ao magistrado a função de verificar essa
condição e imediatamente anular o que fora decidido.
Assim sendo, o objetivo desse artigo é garantir uma equidade aos credores que não
puderam comparecer à assembleia geral e proteger seus direitos, diante da presunção de que
concordaram com as disposições contidas no plano.
53
O professor Fábio Ulhoa Coelho confirma a ideia desse artigo, dispondo o seguinte em
seu livro:
“O plano de recuperação judicial não pode ser alterado, na assembleia geral, quando a
alteração prejudica credor ausente. Presume-se que o credor está satisfeito com a proposta
do devedor, feita no plano por este apresentado, relativamente ao seu crédito, está tão
satisfeito, que nem se interessa por comparecer à assembleia dos credores para discutir ou
votar contrariamente à proposta do devedor. Se, contudo, no curso da assembleia, no bojo
das negociações ali encetadas, o plano de recuperação originariamente proposto é objeto
de alteração, não se pode prejudicar o tratamento dado ao crédito titulado por credores
ausentes, já que não se sabe se estes, uma vez cientificados da nova condição que se pretende
dar ao seu direito, ficariam igualmente satisfeitos.
Já que a lei proibiu tal disposição aos credores em assembleia geral, a única maneira de
se realizar um controle dessa previsão legal é a partir do magistrado quando da análise do plano
de recuperação judicial para possível homologação, cabendo ao juiz intervir quando houver
quaisquer termos que possam vir a ferir direito exclusivamente de credores ausentes.
Tendo em vista os casos acima explicitados, podemos concluir que os contornos legais
a partir dos quais o magistrado poderá intervir nas decisões da assembleia geral de credores não
são extensos, havendo poucas previsões de controle de legalidade, que puderam ser resumidas
em poucas linhas.
Isso demonstra o quanto a redação da Lei 11.101/2005 foi benevolente com relação aos
credores e permitiu de fato grande soberania de suas decisões frente a assembleia geral, cabendo
a eles dispor tudo o que for necessário quanto a satisfação de seu crédito.
deságio, deságio implícito e alongamento dos vencimentos, que são questões inerentes ao poder
negocial dos credores e do devedor.
Como pôde ser demonstrado, a única forma de limitação negocial veio quanto aos
credores trabalhistas, que exatamente por sua posição de maior atenção e proteção, possuem a
sua forma e meios de pagamento mais bem delimitadas.
Se, por um lado, a doutrina majoritária afirma ser a natureza da assembleia geral de
credores uma comunhão legal de interesses em abstrato51, aqui iremos avaliar a possibilidade
de intervenção do juiz com base nesse entendimento, mas também em uma diferente visão da
natureza jurídica da AGC, qual seja a ideia de uma manifestação de anuência da massa de
credores em relação ao objetivo de recuperação dos negócios do parceiro econômico em crise.
Como se percebe pela simples definição, haverá uma sensível diferença entre as
interpretações que daremos a essa situação, que são objeto de tratamento tanto da doutrina como
da jurisprudência com relação à validade das intervenções que poderão ser realizadas pelo juízo
falimentar em cada caso.
51
SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de
Empresas e Falência. São Paulo: Almedina, 2016, p. 182-183.
55
Levando essa interpretação dos contratos para o âmbito da recuperação judicial, nela
temos a negociação entre o devedor e os credores sobre o destino da empresa em crise.
Essa ideia da aparente natureza contratual do plano de recuperação judicial foi bem
expressa pela jurista Lídia Valério Margazão 53, que afirma que “não obstante o pedido de
recuperação judicial, estar sujeito à direção e homologação da autoridade judiciária
competente, a fundamental representatividade e participação dos credores na decisão de
aprovação do plano de recuperação da empresa imprime-lhe uma natureza contratual”.
52
TEPEDINO, Gustavo. Novos Princípios Contratuais e Teoria da Confiança: A exegese da cláusula
To the Best Knowledge of the Sellers, in Revista Forense, nº 377, pp. 242 apud TEPEDINO, Gustavo;
BARBOSA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código Civil Interpretado conforme
a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. V. II. p. 8.
53
MARZAGÃO, Ligia Valério. A Recuperação Judicial. In MACHADO, Rubens Approbato (coord.),
Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. SP: Ed. Quartier Latin, 2005 págs.
155/156 apud CERQUEIRA, Daniel da Silva Araújo. Da natureza contratual da recuperação de
empresa – uma análise sob a ótica da teoria dos jogos. Âmbito Jurídico. Disponível
emhttp://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11003&revista_caderno=8.Consulta
realizada em 26/10/2017.
56
Por essa razão, que temos a primeira diferença entre o plano de recuperação judicial e
um contrato qualquer, por exemplo. O plano deverá ser submetido a um juiz para que tenha
validade, enquanto um contrato terá sua validade imediata à concordância das partes
envolvidas.
“Não obstante o fato da lei equiparar a decisão que concede a recuperação a uma sentença
homologatória de transação, o processo de negociação entre devedor e credores afigura-se
absolutamente distintos das decisões oriundas de composições realizadas livremente
segundo as normas do direito privado, o que revela a inadequação da referida
equiparação”.
A controvérsia que existe sobre essa situação resta exatamente nessa diferença de haver,
para o plano de recuperação judicial, a necessidade de ser submetido ao crivo de um magistrado
para que tenha validade e qual seria o âmbito de atuação que esse magistrado disporia ao realizar
o controle de legalidade e a análise para a homologação.
A discussão sobre a natureza jurídica da própria assembleia geral de credores entra nesse
ponto com bastante relevância, já que será a partir da sua definição que poderemos entender se
o espaço que o juiz pode ocupar será estendido ou diminuto.
54
Brasil, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, AC 1.0126.07.008039-8/001, 15ª Câmara Cível, j.
24.05.2012, v.u., rel. Des. Antônio Bispo. Apud AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. Op. Cit.
p.254.
57
questionamento do magistrado sobre o que fora decidido pela assembleia, podendo inclusive
adentrar o âmbito do mérito do próprio plano, além das questões procedimentais.
“A matéria deve, é verdade, ser analisada com especial enfoque de seu resultado econômico,
o que não significa devam ser desprezadas as normas regulamentadoras da insolvência. Não
se justifica, mesmo em nome da salvatage de l’entreprise, o descumprimento da lei, que,
obviamente, carrega em seu bojo a busca de resultados econômicos e sociais satisfatórios.
Mediante conceitos abertos, a LRE deixa à apreciação do órgão judiciário margem
suficiente de maleabilidade para uma interpretação rentável”.
Por outro lado, há os que defendem a ideia um pouco mais conservadora da intervenção
do juiz, ou seja, de que a função do juiz na homologação do plano de recuperação judicial é
somente verificar, além das questões procedimentais, os fundamentos a que foram recorridos
para se chegar à decisão que aprovou ou rejeitou o plano.
O professor Jorge Lobo é um dos adeptos dessa tese e assim discorreu, didaticamente,
sobre o assunto:
55
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Ob. Cit. p.17.
58
Sob o pretexto de a natureza jurídica da assembleia geral de credores ser uma comunhão
de interesses legal em abstrato, autores como Luis Felipe Salomão e Paulo Penalva Santos56
acreditam que“as “leis de mercado’ norteiam o funcionamento do regime capitalista”, não se
traduzindo a recuperação judicial “na fórmula simplista da substituição da iniciativa privada
pela atividade do juiz”.
Com isso, o que eles querem dizer é que não caberá ao juiz intervir em qualquer questão
da esfera material e negocial do procedimento da recuperação judicial. Muito pelo contrário,
eles acreditam que deverá o juiz se ater a um controle de legalidade puramente dito.
“44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita
ao controle judicial de legalidade”.
Assim, de fato, nos dias de hoje, a recuperação judicial é vista dessa maneira,
prevalecendo a ideia de que os credores que ditam os rumos da empresa em crise, por mais que
haja uma voz dissonante na doutrina que acredite no poder um pouco mais reforçado do juiz
para influir nas decisões realizadas pela assembleia geral de credores.
Como já fora explicitado em subcapítulos acima, o que mais se tem sido defendido pela
doutrina em relação à possibilidade de intervenção do juiz no procedimento de recuperação
judicial é referente à limitação ao controle dos aspectos legais do processo, já que estaria como
56
SALOMÃO, Luis Felipe; PENALVA SANTOS, Paulo. Recuperação Judicial, Extrajudicial e
Falência – Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012. p. 10/12.
59
Entretanto, devemos ressaltar que a função do judiciário na prática tem sido estendida a
análise de aplicabilidade e incidência de algumas cláusulas presentes no plano de recuperação
judicial, principalmente com relação a sobreposição das normas cogentes, ou seja, de ordem
pública e que, portanto, devem ser objeto de controle do juiz, ou normas dispositivas, que não
contém um comando absoluto e inderrogável, podendo ser passível de alteração no referido
plano.
A primeira questão presente na Lei 11.101/2005 sobre essa discussão refere-se ao artigo
50, inciso I, que prevê a possibilidade de concessão de prazos e novas condições de pagamento
para as obrigações vencidas ou vincendas.
Como podemos perceber pela simples leitura do artigo, a definição sobre essa concessão
de prazo e condições para pagamento é bastante ampla e enseja, como percebe-se na prática, a
estipulação de prazos de carência, alongamento dos pagamentos, e o afastamento ou limitação
da incidência de taxa de juros sobre os créditos devidos.
de São Paulo já decidiu tanto pela intervenção 57, como pela não intervenção 58 do juiz nesses
casos.
Outra possível norma cogente para essa situação, além do pagamento de créditos
trabalhistas, é o já citado caso da aprovação do plano com cláusulas que impliquem a
diminuição do direito exclusivamente de credores ausentes, conforme prevê o artigo 56,
parágrafo 3ª da Lei 11.101/2005.
Essa norma é bastante clara por ser de ordem pública, pois preserva os direitos dos
credores que anuíram com o plano conforme fora previamente estipulado e não puderam
exercer seu direito de voto contra disposições que se demonstrassem onerosas com relação a
seus próprios direitos em benefício dos credores presentes em assmebleia.
Uma outra situação que deve ser analisada com mais atenção é a possibilidade ou não
de intervenção do juiz com relação à estipulação do prazo de carência para início do pagamento
das obrigações pelo devedor em recuperação judicial.
O artigo 61 da Lei 11.101/2005 estipula um prazo máximo de dois anos para essa
carência, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência. Entretanto, percebemos
ser bastante corriqueira a estipulação de prazo superior aos dois anos definidos em lei, com o
intuito de possibilitar uma aceleração no soerguimento da empresa em crise com a suspensão
dos pagamentos dos créditos devidos.
57
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Câmara Reservada à Falência e Recuperação,
Agravo de Instrumento nº 0137526-29.2011.8.26.0000, Des. Rel. Elliot Akel, 13/12/2011.
58
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Câmara Reservada à Falência e Recuperação,
Agravo de Instrumento nº 0136362-29.2011.9.26.0000, Des. Relator Manoel de Queiroz Pereira Calças,
28/02/2012.
59
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial
do Tribunal de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 0081342-82.2013.8.26.0000, Relator Enio Zuliane,
29/08/2013.
60
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 7ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento
nº 0471575-49.2012.8.13.0000, Des. Rel. Oliveira Firmino, 06/08/2013.
61
Outra situação que merece a atenção de nosso estudo é a estipulação genérica de bens a
serem destinados à UPI pelo plano de recuperação judicial.
Ocorre que, por diversas vezes, como no caso emblemático da recuperação judicial da
empresa Delta Construções S/A, autuada sob o nº 0214515-34.2012.8.19.0001, em trâmite
perante a 5ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro, há a estipulação de cláusula genérica
de quais serão os bens a serem destinados a tal UPI, sendo essa definição a ser realizada pelo
próprio devedor no momento da realização do meio de recuperação.
Além dessa questão, a disposição contraria o artigo 66 da Lei 11.101/2005, já que tal
artigo restringe a possibilidade de alienação ou oneração de bens ou direitos do ativo
permanente da empresa, após a distribuição do pedido de recuperação judicial, devendo, ao
menos, a questão ser proposta para análise dos credores e não ao livre arbítrio da empresa
recuperanda.
61
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades
da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa
a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de
obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo
prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e
o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei,
as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam
os animais a crueldade. § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma
da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados. § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o
Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma
da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos
recursos naturais.
§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão
ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
63
. CASO SCHAHIN
O caso da recuperação judicial requerida pelo Grupo Schahin é bastante vistoso sob o
ponto de vista do estudo de uma situação de controvérsia acerca da razão de ser de uma
assembleia geral de credores, a motivação dos votos proferidos pelos credores e a capacidade
de intervenção do juízo diante de casos de invalidade em uma assembleia geral de credores.
(i) A classe II dos credores era composta por somente um credor (“Sindicato dos
Bancos Tranche A”), que representava mais de 50% dos créditos totais da RJ;
(ii) O credor em questão requereu alterações no Plano de Recuperação Judicial que
iriam contra a viabilidade econômico-financeira, visto que a recuperanda não
possuía ativos suficientes para aceitar tais exigências;
(iii) Ainda que não houvesse cumprido todas as exigências do credor, a recuperanda
realizou grande parte das alterações que foram requisitadas na medida do possível
para que o plano pudesse ser cumprido;
(iv) A alteração de maior peso que fora proposta era referente à transferência de 80% do
fluxo gerado pela maior operação que a empresa recuperanda faria ao credor, em
caso de aprovação do plano, que, porém, inviabilizaria o cumprimento do plano;
64
(v) Mesmo após todas as alterações realizadas tanto em momento anterior como no
momento da própria assembleia, o credor decidiu ser irreversivelmente contra o
plano, o que acarretaria a sua rejeição, dada a unanimidade da classe II, o que
demonstraria a abusividade do voto.
Concordando com o que fora exposto pela recuperanda, o juiz concluiu pela abusividade
do voto do credor “Sindicato dos Bancos Tranche A”.
Em primeiro lugar, entendeu queo credor não fora propositivo para que o plano pudesse
ser aprovado, já que estava a realizar objeções ao plano que fora colocado em discussão sem
que pudesse negociar com a empresa recuperanda e os demais credores soluções para as suas
questões.
Em segundo lugar, afirmou que a rejeição do plano não era racionável economicamente,
já que o que estava sendo proposto no plano de recuperação se dispunha a arcar com uma
parcela bastante maior dos créditos totais relacionados na recuperação judicial do que se fosse
liquidar os ativos da empresa e se decretada a falência.
Como houve a desconsideração do voto abusivo da classe II, ficou aprovado por maioria
dos credores o plano de recuperação, e, portanto, a homologação do plano por parte do d.
Magistrado.
O caso em questão, assim, nos permitiu enxergar que há diversas considerações a se fazer
diante de uma decisão de não aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia geral
de credores.
CONCLUSÃO
A evolução do direito falimentar brasileiro demonstra que houve uma série de mudanças
implementadas pela Lei 11.101/2005 que ainda não foram devidamente organizadas
conceitualmente tanto pela doutrina como pela jurisprudência.
Por esse motivo que propusemos uma mudança nessa interpretação e consideramos que
a natureza jurídica da assembleia geral de credores deva ser a comunhão não dos interesses dos
credores em função de seus créditos ali contemplados individualmente, mas sim a manifestação
de anuência da massa de credores em relação ao objetivo de recuperação dos negócios do
parceiro econômico em crise.
O caso emblemático do Grupo Schahin exemplifica bastante como pode ser considerado
o instituto da assembleia geral de credores frente às múltiplas formas de se burlar o sistema
falimentar brasileiro nas decisões proferidas pelos credores.
67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Saraiva, 2012.
COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da macro-empresa. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1970.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora
Atlas, 2008. 4ª ed.
LOBO, Otto Eduardo Fonseca. World insolvency systems: a comparative study. Rio de Janeiro:
Carswell, 2009.
SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. Autonomia dos credores na aprovação do plano de
recuperação judicial. In Direito empresarial e outros estudos em homenagem ao professor José
Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013.
THOME, Georgina Maria; MARCO, Carla Fernanda de et. al. Falência e sua evolução. Revista
Jus Navegandi, Teresina, ano 5, nº 41, 1 de maio de 2000. Disponível em
http://jus.com.br/artigos/760/falencia-e-sua-evolucao.
VASCONCELOS, Ronaldo. Direito Processual Falimentar. São Paulo: Quartir Latin, 2008.
VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios. Porto Alegre: LivRaria
do Advogados, 2008.