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CAMILA VOLUPTAS

Uma história de amor, sexo e violência de uma mulher livre de paradigmas e


tabus, fundadora da maior sociedade secreta swinger do Brasil.
SECRET PRESS
Todos os direitos reservados © 2021 por Camila Voluptas

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada, copiada, transcrita, plagiada,
transmitida ou reproduzida sob quaisquer meios existentes e/ou utilizada
como inspiração para quaisquer outros fins sem autorização por escrito da
autora.

Música citada no capítulo 12: "Whole Lotta Rosie", de Angus Young, Bon
Scott, Malcolm Young © 1977 - Autora faz referência a música do álbum:
Live At River Plate, ACDC, (2012) © Columbia Records

Música citada no capítulo 19: "All Souls Night", de Loreena McKennitt ©


1991 - Autora faz referência a música do álbum: The Visit - Music Publisher:
Quinlan Road Music

Crônica citada no capítulo 23: "Se Eu Fosse Eu", de Clarice Lispector,


publicada em 30 de novembro de 1968 no Jornal do Brasil.
Revisão: Sergio Bandeira
Projeto Gráfico e Diagramação: Secret Press
Capa: Eduardo Tardiolli
Impresso: ISBN 978-65-00-27206-2
e-Book: ISBN 978-65-00-27404-2
Secret Press
Avenida Paulista, 1636 – Cj 4. 01310-200 - São Paulo – SP
www.editorasecretpress.com
COM AMOR

Para meu “lieb”, que me inspira a cada nova manhã. Meu amor
que está ao meu lado em tantos desafios inimagináveis. Fez-me
duvidar da matemática com a prova de que meio e meio são dois.
Mais que um parceiro de jornada, a minha Alma Gêmea. Deu-me
asas para voar para onde quis e me ensinou que a única pessoa da
qual eu não poderia desistir era de mim.
EM MEMÓRIA DE LAN

“A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em


os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade
para especial libertação.”
Fernando Pessoa
AGRADECIMENTOS

Ao Criador de todo universo pela oportunidade incrível de estar


vivendo esse tempo e nessa era!
À minha amada mãe por me incentivar e permitir ser o que sempre
quis.
Ao meu avô querido que só esteve com uma única mulher em toda
vida e foi feliz assim!
Ao meu pai que quis ser livre a vida toda e não conseguiu!
Aos meus tios Pedro e Luciane que foram os primeiros a saber e a
me apoiar.
Aos meus amigos Sergio e Bruna que nos ensinaram como deve
ser uma amizade recíproca e verdadeira.
Aos meus queridos Kapivarot: “Todá rabá shabes scholeinu” (risos)
À toda equipe eSapiens pelo apoio e incentivo.
Aos meus amigos que ficaram e aos que se foram!
Aos membros da minha sociedade que tornaram real uma obra de
arte da minha imaginação. A vida é a tela, a Voluptas a tinta e foi de
todos, com suas mais diversas jornadas e peculiaridades, que
alcancei minha inspiração.
Eterna Gratidão!
Sumário

INTRODUÇÃO

Capítulo 1 A primeira festa da Dama

Capítulo 2 Lua de mel dos sonhos?

Capítulo 3 As duas grandes perdas

Capítulo 4 Atos libidinosos

Capítulo 5 Segredos

Capítulo 6 Terror nas Montanhas

Capítulo 7 Libélula

Capítulo 8 Caça às Bruxas

Capítulo 9 Em busca da Liberdade

Capítulo 10 Um universo chamado swing

Capítulo 11 O primeiro ménage à trois

Capítulo 12 Nós, vós, eles!

Capítulo 13 Deus do vinho

Capítulo 14 Um casal de solteiros


Capítulo 15 Nosso arco-íris

Capítulo 16 Identidade

Capítulo 17 Ela, Hotwife?

Capítulo 18 Tirando a máscara

Capítulo 19 A sociedade da Dama

Capítulo 20 Primeiro fim de festa

Capítulo 21 Entre poderosos e ressentidos

Capítulo 22 Presente de casamento

Capítulo 23 Quem você seria se você fosse você?

Sobre a autora Camila Voluptas


Introdução

“Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a


verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência.”
Léon Tolstoi
Através de desconstrução e ressignificação descobri o amor-
próprio e a importância dos amores recíprocos. Desejo a todos que
sofrem qualquer tipo de abuso, violência física e psicológica, que
esta história seja um alerta e uma ajuda para a libertação, uma
motivação talvez, e que possa servir também como uma direção para
aqueles que buscam a liberdade de expressar e realizar desejos
íntimos, profundos e reprimidos. Uma forma de aprender uma
sexualidade livre.
Me sabotei por muito tempo, pois minha carência e minha baixa
autoestima não me deixavam enxergar meus pontos fortes e minhas
virtudes. Deixei uma religião e seus dogmas impostos me dominarem
a tal ponto que, até mesmo quando eu estava certa, acreditava estar
errada.
Fui casada com um homem que quase me destruiu como mulher e
sofri violência doméstica calada em nome de um futuro que só existia
em minhas convicções. Traumatizada e ferida emocionalmente,
encontrei forças no amor e na verdade para me reerguer construindo
uma nova história para mim. Meus traumas foram ressignificados e
consegui me reinventar. Foram inúmeras guerras emocionais
interiores e exteriores até me tornar uma mulher forte e livre.
Aprendi que viver uma vida em certo desequilíbrio faz parte de um
equilíbrio natural. Reconquistei meu amor próprio e decidi que só
viveria daquilo que fosse recíproco. Amar alguém é mais que dividir
uma vida a dois, se relacionar bem com a família por simples laço
consanguíneo ou compartilhar dívidas e prosperidades. É bem mais
que ter alguém “só seu”.
Quando acreditamos cegamente em um ideal e nos agarramos a
isso, não imaginamos a quantidade de mudanças boas que podem
acontecer se nos livrarmos de tabus e preconceitos.
Tive meus momentos de dúvidas e autoafirmação, mas todas as
minhas permissões, ainda que algumas me levassem a pequenos
erros, fizeram com que me tornasse a pessoa que tanto amo hoje; e
que ainda está em evolução. Conheci, nesta jornada, pessoas
maravilhosas com incríveis diferenças e pude sentir na pele o
significado real do preconceito e seu impacto.
Espero contribuir para que, assim como eu, você ache a paz
interior e a paz real rumo a verdadeira liberdade, e que consiga,
libertar-se de amores ilusórios e amigos imaginários.
Viver livremente sem me importar com o peso de punições
espirituais me fez descobrir um lifestyle sustentável repleto de ética
e consciência.
O amor-próprio é a chave para a felicidade e lhe dará respostas
mostrando qual caminho seguir, pois através dele você descobre até
onde ir e até quando permanecer.
Tomar as rédeas da própria vida pode não ser tão fácil. Buscamos
muitas vezes uma falsa sensação de estar incluídos em uma
sociedade “do bom e do aceitável”. Viver ou fazer algo fora dos
padrões normativos da moralidade e dos bons costumes pode
realmente chocar uma sociedade inteira, mas traz também uma
sensação única de liberdade, que merece ser descoberta por todos.
Substituí alguns nomes reais por fictícios e mantive outros por ene
motivos. Tudo o que escrevi faz parte integral da minha vida; a pior e
a melhor parte dela!
Essa é a minha história e de várias outras pessoas que cruzaram
meu caminho, fazendo parte desta incrível e intensa jornada. É
principalmente sobre uma mulher e um homem, que descobriram e
aceitaram o verdadeiro significado do amor, libertando-se de medos
e preconceitos. Abraçaram a própria liberdade e, ao descobrirem
juntos uma nova sexualidade, fundaram a maior sociedade secreta
swinger do Brasil, onde o sexo é livre, mas não mais importante que
o diálogo, o respeito e o autoconhecimento.
Nos conhecemos sexualmente e aprendemos a amar nossos
corpos da forma que eles são, passando a realizar juntos fantasias
que nunca imaginaríamos. Em nossas aventuras sexuais eu
desaprendi o ciúme afetivo e parei de viver a vida baseada na
opinião de outras pessoas. Eu escrevi minha própria história sem
medo do que pensariam dela.
Ajudei a libertar algumas pessoas até aqui.
Desejo que as mulheres de todo o mundo, cada dia mais,
entendam o quanto é importante empoderar-se; que minha história
as ajude tomar a decisão certa, pois ser abusada, independente da
forma ou intensidade, nunca pode ser uma opção. Espero que,
homens e mulheres, possam se inspirar em minha história no
caminho da própria liberdade.
Que esse livro faça você enxergar o que realmente ama e por qual
motivo deseja viver. E que nada, nem ninguém, lhe impeça de amar e
vivenciar todas as experiências que farão você feliz!
Capítulo 1

A primeira festa da Dama

“A palavra é meu domínio sobre o mundo.”


Clarice Lispector
Me olhei em um grande espelho dentro do lavabo daquela mansão
antiga e senti o cheiro que vinha da madeira de uma penteadeira
provavelmente do século 20. Passei os dedos nos detalhes
entalhados em sua decoração, tentando imaginar que pessoa teria
escolhido aquele móvel para estar ali. Uma mansão rústica com um
leve ar sombrio, mas que possui toques modernos de quem possui a
propriedade atualmente.
Com uma maquiagem discreta, a máscara que eu escolhi brilhava
refletindo a luz dos antigos lustres através de suas pedras; uma
máscara preta cheia de brilho com uma pena preta macia e muito
delicada fixada na lateral. De vestido longo preto com uma fenda que
ia até o alto da coxa, um decote discreto e um sapato de salto
prateado, respirei fundo para aliviar o frio na barriga que sentia
naquele momento. Já podia ouvir a música vindo da sala da lareira
onde iria acontecer o primeiro encontro de máscaras da sociedade
secreta swinger que eu idealizei como um sonho e que estava
prestes a se tornar real. Acima da lareira em letras serifadas pretas,
estava o nome da sociedade para que todos lessem de onde
estivessem.
Os membros da sociedade receberam o endereço da mansão com
apenas 24 horas de antecedência para o início da festa. Enviamos
às nove da noite na sexta feira um e-mail com a exata localização e a
senha: a carta Q do naipe de espadas do baralho.
Descendo as escadas deslizando minhas mãos pelo corrimão,
avistei o segurança, que me acenou para me informar que tudo
estava pronto; o chefe de cozinha também sorriu me tranquilizando
que todo o menu estava sob controle. Eles sabiam da minha
angústia, afinal, tudo o que aconteceria naquela noite era também
uma grande novidade para eles; foi muito tempo de treinamento e
conversa para que tudo saísse perfeito.
Logo ao descer as escadas, conseguia ver uma grande sala de
estar e de uma imponente janela de vidro, vi a piscina rodeada por
tochas acesas que refletiam na água. Naquela noite não muito fria,
via-se o céu limpo sem nenhuma nuvem, típico do início da
primavera. O clima era muito agradável e tudo conspirava para que
aquela noite ficasse na memória.
Planejamos um jantar finger food, afinal eu não queria ninguém
segurando pratos e talheres — vão jantar enquanto conversam; só
pode ser bom! — Pensei, tentando me convencer que tinha feito uma
boa escolha.
Todos os profissionais estavam vestidos de forma muito elegante;
calça social preta, camisa branca e gravata borboleta, enquanto os
seguranças trajavam ternos pretos. No canto da sala posicionamos
um bar para os drinques da noite que seriam preparados por um
barman elegante e muito simpático que também acenou com a
cabeça dizendo que tudo estava pronto.
Por um segundo eu hesitei — não acredito que estou fazendo isso
— comecei a sentir uma leve falta de ar e precisei ir para os
arredores da piscina para me tranquilizar. Meu coração estava
acelerado e eu podia senti-lo na garganta. Era uma mistura de medo
e excitação.
— Camila? — Escutei meio distante. — Camila?
Me virei tentando enxergar através da máscara preta que vestia;
ficar sem meus óculos estava realmente difícil.
— Sim? — Olhei para meu esposo que estava perto da lareira e
voltei os olhos para o garçom.
— Trouxe uma taça de champagne para você. Vai te fazer bem! —
Sorriu, entregando-me nas mãos.
— Sim, tem razão, muito obrigada! — Relaxei minhas expressões.
Um gole tímido e já pude sentir refrescar minha garganta, que
estava seca de um misto de pavor e ansiedade. Fiquei alguns
segundos olhando o desenho dos meus lábios que se formou por
causa do batom vermelho na taça fina de cristal e finalmente me
excitei imaginando todas as coisas boas que poderiam acontecer
naquela noite.
Uma música sensual não muito alta já invadia os ambientes quando
os casais começaram a entrar, todos muito bem-vestidos com trajes
de gala adornados pelas máscaras brilhantes muito bem trabalhadas
que combinavam com o tema da noite. Algumas cobriam somente a
região dos olhos, enquanto outras ocultavam totalmente a identidade
deles, fazendo com que eu me sentisse em um filme de Hollywood.
Os casais e singles1 estavam sendo recepcionados e identificados
através do cartão de membro da sociedade secreta, uma maneira
que desenvolvi para proteger o anonimato de cada um. Na sociedade
há aqueles que revelam suas verdadeiras identidades e outros que
optam por se apresentar através de seus codinomes.
Tão ansiosos e apreensivos como eu, todos sabiam exatamente
qual era o real propósito da noite: uma festa onde teriam liberdade
para realizar suas fantasias sexuais sem tabus, preconceitos ou
julgamentos. Uns observadores e silenciosos, outros mais
comunicativos, mas todos com suas mais diversas características
dando forma àquela noite que estava somente começando.
— Então você é a nossa Dama de Espadas? — Ouvi uma voz
delicada e ao mesmo tempo animada. Antes que pudesse me virar
senti o leve toque de mãos femininas em meu ombro e um perfume
doce, muito agradável. Me virei sorrindo e avistei um lindo casal.
— Sim, sou eu. E eu sei quem vocês são! Bem-vindos! — Falei
sorrindo de forma tímida.
Eles se olharam surpresos.
— Como você sabe? — Perguntou ela.
— Decorei o olhar e o sorriso de alguns de vocês. — Valeu a pena
estudar o cadastro de todos! — Vocês estão lindíssimos! Parabéns!
— Obrigada! — Ela olhou ao redor — eu realmente estou
encantada. Nunca vi tantos casais e singles elegantes em um só
lugar. Somos iniciantes nesse universo e, como deve saber, viemos
de muito longe.
Eles vieram de Paris para a festa e eu mal conseguia acreditar —
como eles me encontraram?
Meu esposo chegou até mim e passou a mão em torno do meu
quadril, me deu um delicado beijo na nuca e cumprimentou o casal
vindo de tão longe.
— Bem-vindos! Que noite agradável, não é mesmo? Estão
gostando?
— Muito! — Eles responderam juntos. Seu marido continuou —
parabéns! Vocês cuidaram de muitos detalhes…
— Obrigada! Meu lema é que se não tiver sexo, pelo menos
haverá boa comida! — Havia acabado de inventar um lema?
Todos rimos e me senti mais calma. Um casal muito gracioso e
elegante que conseguiu me deixar muito mais à vontade.
Um garçom se aproximou e falou ao meu ouvido:
— Camila, você pode vir na copa um instante?
— Com licença, volto já — sorri passando minha mão sobre a mão
dela.
— Claro! Vamos dar uma espiada nas áreas reservadas; estamos
ansiosos! — Disse ela.
— Façam isso... É um ótimo momento! Aproveitem que ainda não
tem muitas pessoas explorando essas áreas.
Chegando na copa, analisei todos os canapés e suas decorações
e instruí-los quanto ao caviar. Repassamos os últimos detalhes e
deixei o serviço daquela noite por conta deles, pois eu realmente
precisava confiar na minha equipe.
Quando retornei para a sala da lareira reconheci outro casal que
entrava de mãos dadas. Já havia conversado virtualmente com eles
algumas vezes e logo peguei nas mãos um presente que havia lhes
separado. — Acho que vão gostar desse par de máscaras.
— Camila, que prazer em conhecer você! — Falou o homem, me
abraçando enquanto segurava a mão de sua esposa.
— O prazer é todo meu! — Dei neles um abraço.
— Estávamos tão ansiosos! Estou muito feliz em conhecê-la! Você
tinha razão, pois essa festa é muito diferente de tudo o que
conhecemos até hoje... — sorriu.
— Fico feliz que gostaram. Espero que estejam sempre conosco a
partir de hoje! Separei esse presente para vocês.
Me encantei com o Rodrigo e a Paula logo no primeiro olhar. Eles
são incríveis nos quesitos empolgação e felicidade. Ele é o tipo de
homem que fala alto, brinca com tudo e está sempre envolvendo as
pessoas em suas conversas. Já ela é uma mulher muito sedutora e
extremamente inteligente. São amorosos e dedicados a uma
amizade, o que explica porque se tornaram meus grandes amigos.
Passado duas horas me dispus a caminhar pela mansão. Em cada
cômodo havia pessoas interagindo de alguma forma, socialmente ou
sexualmente. A mansão que escolhemos para a festa é realmente
incrível e todos os quartos são muito bem decorados e
aconchegantes. As camas eram grandes com lençóis de excelente
qualidade e traziam um conforto diferente daquilo que pessoas
liberais estão acostumadas no universo do swing. Para trazer ainda
mais sensualidade à noite, todas as luzes foram substituídas por
velas deixando o contorno dos corpos aparente a meia luz.
No quarto principal, um esposo estava sentado em uma das
poltronas pretas de couro assistindo dois homens solteiros muito
elegantes passarem a mão no corpo de sua bela esposa, enquanto
ela o olhava com ar provocador. Entre um olhar e outro, ela virou seu
rosto em minha direção e piscou; eu estava eufórica por dentro.
Parei alguns segundos para observar a forma como aqueles dois
homens passavam a mão pelo corpo dela e fiquei excitada. Enquanto
um, de frente para ela, percorria a mão pela cintura a beijando de
forma suave e desejosa, o outro, que estava atrás dela, deslizava os
dedos em seus seios enquanto beijava seu pescoço subindo a boca
até sua orelha.
A respiração dos três ofegava e despertou alguns espectadores
curiosos e excitados ao redor.
Seu esposo sentado na sombra do quarto com as pernas cruzadas
mal se fazia perceber. Segurando uma taça de champagne, ele a
levantou, acenando a cabeça para mim como se brindasse a noite
que eles finalmente puderam realizar essa fantasia reprimida por
anos. — Um brinde a tudo isso! — Sorri e abaixei a cabeça
constrangida com seu agradecimento, mas comecei a entender qual
era o meu papel em tudo aquilo.
A festa transcorria bem e já estávamos no início da madrugada.
Em outro quarto acontecia uma troca de casais2; os esposos
deitados e suas esposas sobre eles, enquanto elas se beijavam de
forma suave e delicada tocando seus parceiros, que as acariciavam
mutuamente. Parada, observando, mordi o lábio e senti uma mão
quente entre minhas coxas por cima do meu vestido longo.
— Você me assustou — sussurrei no ouvido de meu esposo —
que delícia vê-los assim, livres...
— Você quer ir comigo para um quarto? — Perguntou ele dando
uma leve mordida na minha orelha.
— Você sabe que eu não consigo, amor. Preciso acompanhar o
andamento da festa e ter certeza de que tudo vai dar certo. Vamos
descer no piso térreo para ver o que está acontecendo por lá — o
puxei pela mão para fora do quarto.
Enquanto caminhava delicadamente para que meu salto não
fizesse muito barulho, percebia os sons vindos dos quartos: eram
gemidos suaves e tímidos de pessoas intensas aproveitando aquela
noite que tanto desejaram. Lá não havia pessoas performáticas e
tampouco uma legião de mulheres subservientes aos prazeres de
homens ricos e exigentes. Eram pessoas reais e diferentes, se
descobrindo sexualmente com respeito e intensidade.
O que mais me encantava era que, entre sexos e olhares, havia
muita conversa e muitos risos nas áreas sociais; pessoas
genuinamente encontrando alguém com quem compartilhar suas
fantasias secretas sem medo de serem julgadas por isso. Entre nós
havia muitos casais, a maioria com filhos e uma vida social de muito
respeito para preservar.
Uns falavam sobre mais detalhes de sua vida pessoal e
profissional e outros fingiam ser um personagem, mas todos, sem
exceção, se conheciam de alguma forma. Idealizei tudo isso para
que as pessoas pudessem ouvir antes de interagir e tudo o que
aconteceu naquela noite incandescente superou minhas melhores
expectativas!
Os ambientes cheiravam a lenha queimando junto com um suave
perfume de lírios que decoravam o ambiente. Estava com as mãos
apoiadas sobre uma grande mesa de vidro em uma belíssima sala
de jantar, quando meu esposo levantou delicadamente minha
máscara e enxugou uma lágrima emocionada que escorria no canto
do meu olho.
— Você é incrível sabia? — Sussurrou no meu ouvido.
— Essa mágica é real, querido! — Me olhei em um espelho que
estava posicionado em cima de um aparador de madeira antigo.
Naquele momento fiz uma viagem de anos em fração de segundos.
— Quem é a Dama de Espadas, essa personagem que eu criei?
Capítulo 2

Lua de mel dos sonhos?

“A única obscenidade que conheço é a violência.”


Jim Morrison
Era manhã do dia seguinte após a cerimônia de casamento que
realizamos para pouco mais de trezentas pessoas. Estávamos em
um hotel em meio às montanhas e ficaríamos alguns dias no interior
antes de ir para o litoral. Um descanso merecido após a exaustiva
correria na organização do evento. Olhava pela enorme janela de
vidro daquele quarto e me sentia como uma personagem de algum
romance. Nosso quarto tinha uma janela que ocupava toda a parede
com vista para as montanhas, e dele se via uma singela neblina que
cobria as árvores da floresta.
Fred e eu estávamos juntos há onze meses entre namoro e
noivado, e o passo correto parecia ser o casamento. Nos
conhecemos na igreja que eu frequentava há mais de cinco anos
através de uma amiga que nos apresentou. Já ele sempre esteve em
meio a essa comunidade, pois desde seu nascimento sua família já
era adepta dessa religião.
Conheci Fred depois de duas dolorosas perdas. Quando ele me
pediu em casamento, após apenas três meses de namoro, fiquei
muito feliz, afinal, foram anos esperando o companheiro ideal para
que finalmente pudesse construir minha própria família.
Vi nele a religiosidade que buscava em um homem. Oito anos mais
jovem que eu, sempre aparentou ser muito solícito e simpático com
todos, e passaria a ser muito mais do que eu imaginara conseguir.
Fred é mais alto que eu e possui traços fortes e marcantes, é
também, dono de um olhar penetrante e um sorriso levemente
malicioso. Sua pele dourada, contrastava com a minha, nos fazendo
chamar atenção onde quer que entrássemos.
Ele sempre soube que eu não havia crescido na igreja e sabia que
eu não era mais virgem, mas, apesar de não parecer se importar,
sempre me questionava sobre meus poucos relacionamentos
passados.
Nessa época já estava estabilizada profissionalmente e era
independente financeiramente, ao passo que ele ainda começava sua
construção profissional, não sabendo ao certo o que estudar ou qual
carreira seguir, o que gerava um contraste entre nós. Mesmo Fred
se mostrando calmo, sempre vi nele uma certa ambição exagerada e
um desmedido gosto pelo poder. Ele sempre deixava claro a vontade
que tinha de seguir carreira militar onde ele pudesse ostentar alguma
autoridade.
Minha ansiedade de casar me fez ignorar os sinais que ele me
mostrava dia após dia. Durante todo o namoro e noivado não tivemos
grandes brigas, mas nas poucas que tivemos ele foi bastante
agressivo com gritos e chantagens. Houve vezes em que ele me
deixou sozinha e só voltou a falar comigo quando eu fui atrás dele
implorando por perdão. Sem que eu percebesse, Fred já ganhava
autoridade em nossa relação.
Seus parentes queriam controlar nossa vida sexual e espiritual me
lembrando periodicamente que ele era um jovem inexperiente,
imaturo e que precisava se abster de sexo até o casamento. Faziam
sermões intermináveis e uma exposição vexatória totalmente
desnecessária pelo simples fato de termos dormido na mesma casa
algumas vezes durante o noivado. O sexo era visto por eles como um
erro ao invés de um caminho, porém como nunca tive esse dogma
durante minha criação, tive experiências sexuais antes do casamento
sem culpa, mas, estava naquele momento empenhada em seguir a
doutrina da igreja. O pouco contato físico que tivemos sempre era
estimulado por ele, que se culpava e me culpava depois.
Foi uma linda festa e finalmente realizei um grande sonho. Ainda na
noite do casamento tivemos nossa tão sonhada primeira transa, que
durou apenas alguns minutos e não teve nenhuma grande surpresa.
Cheguei até mesmo a questionar a virgindade de Fred que não
parecia ser tão inexperiente como dizia ser — sexo é sempre
intuitivo. Deve ser por isso.
Como toda mulher que está vivendo o sonho da lua de mel, na
manhã seguinte, já no hotel, fui em busca de sexo novamente. O
quarto tinha uma decoração provençal e os lençóis brancos daquela
cama muito bem arrumada, faziam com que minhas pernas
deslizassem pela maciez do tecido em direção às pernas dele.
Suavemente passei a mão por baixo de sua calça fina de pijama
na intenção de instigá-lo. Estava sedenta de desejos e vontades
depois de tanta espera, mas Fred sequer demonstrava qualquer
vontade. Comecei a perceber que ele não estava com a mesma
empolgação e desejo da noite anterior. — Será o cansaço? Ou será
que ele não gostou de transar comigo? — Afastando-se de mim
colocou os braços atrás da cabeça deitado com a barriga para cima.
A irritação começou tomar conta de seu rosto e eu acabei
perguntando o que o estava incomodando:
— Você parece não estar tão empolgado… Que se passa nessa
sua cabeça, hein? — Olhei com carinho para Fred.
— Porque você acha que eu sou como você, Camila? — Falou
arrogante olhando-me com um certo ar de deboche. — Pode me
deixar quieto?
Surpresa com a resposta, questionei se havia feito algo. Com
intolerância e pouca paciência ele respondeu:
— Ontem a noite nós já transamos. Por que hoje você quer
novamente? Agora vai ser isso? Toda hora que você quiser eu terei
que transar? — Fez uma pausa — não tenho tanto apetite sexual
como você. Só porque você já fez sexo com outras pessoas antes
de mim, pensa que eu gosto tanto assim de sexo como você? Se
você casou comigo esperando mais do que isso, deu um passo
errado! Nós acabamos de casar e temos uma vida toda pela frente.
Precisamos realmente transar tudo de uma vez?
— Eu não acho que temos que transar, amor! Apenas sugeri
achando que você quisesse.
— Pois é, não quero. Algum problema?
— Fred, o que deu em você? — Olhei confusa para ele.
— Pronto, agora eu tenho que me explicar por não querer transar!
— Falou já levantando o tom da voz.
— Já expliquei, entenda. Só estou estranhando o tom que está
falando comigo.
Ele olhava estático para o teto. Como as cortinas estavam
abertas, olhando para a paisagem, tentava entender sua reação —
será que ele não gostou do meu corpo? — Sempre fui uma mulher
gorda: sou ruiva, tenho olhos azuis e gosto muito do meu rosto, mas
nunca tive boa autoestima por causa do meu peso, altura e do
bullying que sofri durante minha infância e adolescência.
Fiquei magoada por Fred jogar na minha cara minhas experiências
sexuais anteriores, pois não é o argumento que esperamos no
primeiro dia de alguns que deveriam ser mágicos. Ele não descobriu
que eu não era virgem naquele momento e isso foi algo que
conversamos todo o tempo durante o noivado, mas acredito que até
mesmo por conta da criação que teve, se questionou os motivos que
o levou a casar-se com uma mulher mais velha e que não foi
“exclusivamente dele”, afinal, ele afirmava com categoria que era
virgem — ostentação da virgindade. É sério isso?
Toquei em seu braço de forma suave tentando uma nova
reaproximação. Fred empurrou meu braço para longe:
— É possível você parar de me irritar?
— Amor, eu não quero transar... só quero que fiquemos bem.
— Você é muito melosa. Que saco! — Gritou.
Já irritada respondi de forma áspera:
— Quem você pensa que é para me responder dessa maneira em
plena lua de mel? Caramba Fred, eu estou sendo legal, querendo lhe
entender para que cheguemos em um acordo. Custa ser mais
respeitoso e compreensivo?
Fred torceu a boca me olhando com desdém e falou aos gritos:
— Vai se masturbar! Você está precisando. É um fogo que não
acaba!
— Você é algum “santo” puritano e eu não estou sabendo? Devo
lembrar que foi você que me pediu em casamento e que durante todo
o namoro só falava em sexo? — Apontei para Fred — esqueceu dos
amassos e das centenas de vezes que eu tive que te conter para
evitar que não chegássemos nos finalmentes?
Com raiva ele levantou-se da cama após eu lembrá-lo dos
“pecados” que havíamos cometido durante o noivado.
— Acho que cometi um grande erro me casando com você! Minha
família sempre me disse que eu deveria esperar mais. Arrume suas
coisas que vamos embora e chegando em São Paulo podemos
anular nosso casamento se preferir. Não dou a mínima! Não viverei
esse inferno pelo resto da vida ao seu lado.
O desespero tomou conta de mim — como assim ir embora? Que
loucura é essa? Perdi alguma parte da discussão?
— Fred, realizamos um casamento para trezentas pessoas, juras
de amor e planos de futuro. Isso não significa nada para você? —
Suas lágrimas de emoção durante a cerimônia eram mentira?
Tentava impedir que ele guardasse nossas coisas enquanto um
silêncio de raiva e disputa por poder nos dominava. Sentia uma
pressão horrível na cabeça que subia desde meu peito, enquanto
Fred jogava as minhas roupas na mala junto com sapatos e frascos
abertos. Enquanto tentava tirar o frasco de xampu das mãos de
Fred, ele apertava os meus dedos para me fazer largar. Em minha
última tentativa de detê-lo tentando não deixar que ele destruísse
minhas roupas com aquela bagunça, tentei afastá-lo com as mãos e
gritei:
— Para com isso, amor!
Fred se virou e me deu um tapa no rosto, que me fez perder o
equilíbrio e cair no chão. Com força ele me segurou pelos braços e
me levantou da pior maneira possível ordenando aos gritos que eu
me vestisse; seus dedos ficaram marcados em meu braço e em
minha bochecha.
Tirei o pijama e enrolei-me rapidamente na toalha com os olhos
arregalados. Enquanto procurava uma roupa limpa em meio à
bagunça que ele havia feito, senti um chute no quadril e, de
empurrões em empurrões, Fred me colocou para fora do quarto em
meio aos muitos gritos e ofensas; palavras ininteligíveis. Estava em
plena lua de mel seminua batendo na porta e praticamente
sussurrando para que ninguém ouvisse:
— Fred, abre a porta! Você ficou louco? — Ainda bem que
ficamos na parte mais afastada do hotel — estava desesperada —
Fred, por favor, vamos resolver essa situação — chorava olhando
para os lados.
Como a toalha era pequena para meu tamanho, algumas partes do
meu corpo ficaram descobertas, o que me fazia sentir ainda mais
humilhada, por ter sido colocada por ele, nessa situação. Estava
aflita que alguém aparecesse e me visse naquele estado enquanto
implorava para que Fred me deixasse entrar. Sem falar, mordia meus
lábios com força, enquanto minhas mãos trêmulas de medo,
vergonha e insegurança batiam incansavelmente na porta na
esperança que Fred abrisse.
Depois de minutos intermináveis em pé do lado de fora do quarto e
já com os dedos doendo, ele resolveu abrir. Me olhou sério, mandou
eu me calar e entrar no quarto.
— Preste atenção no que vou te dizer, Camila — ele passou a
mão em seu cabelo preto e, encostando o indicador na ponta do meu
nariz disse:
— Vou sair para arejar e você vai ficar aqui. Se eu chegar e você
não estiver no quarto mudo de ideia e acabo por aqui nosso
casamento.
Empurrou meu nariz com o dedo enquanto arregalava os olhos de
pouca compaixão pelo meu choro e saiu batendo a porta,
estremecendo os quadros na parede.
Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Não
era uma cena de novela e não era algum relato rotineiramente
encontrado na internet; aquilo tudo era real! Meu rosto ardia com o
tapa e meu corpo estava dolorido com os chutes e os empurrões
brutos. Me joguei na cama e chorando em prantos, me questionei. —
O que foi que eu fiz? — Toda aquela violência gratuita fez crer que a
culpa era minha, quando na realidade o único culpado daquela
violência era Fred.
O medo e a frustração me impediam de fazer qualquer coisa; eu
estava catatônica. Por muitos anos, ao ler e ouvir relatos de
mulheres que sofreram violência, nunca cogitei que isso poderia
acontecer comigo. Depois de um longo choro me levantei e entrei na
banheira para me recompor. Longe de tudo e de todos eu não sabia
que atitude tomar.
— Como eu permiti? Em que parte da minha história eu me
perdi? — As perguntas e os pensamentos eram como um turbilhão
de incertezas dentro da minha cabeça, que me causava uma
inexplicável mistura de náusea e angústia. — Você já passou por
dias e noites difíceis. Seja racional! Eu entendi tudo errado? Fala
comigo, Deus!
Enquanto chorava na banheira, desabafando com Deus, lembrei-
me de um tempo que eu já havia me sentido perdida e só.
•••
O relógio na madrugada me lembrava o quanto minha noite estava
sendo difícil enquanto me virava de um lado para o outro na cama.
No móvel ao lado estava uma taça quase vazia e uma garrafa de
vinho praticamente cheia; um presente que ganhei na festa de fim de
ano da empresa. Meus pensamentos me faziam companhia naquela
alucinante jornada do despertador — que rádio-relógio velho
irritante! — Me levantei e, consumida por um sentimento de angústia,
caminhei sobre o gélido piso de ardósia em direção à janela.
Abruptamente abri a persiana, a forte luz do poste, ofuscou um
pouco, mas recobrei rapidamente a visão e, em prantos, arremessei
a garrafa o mais longe que consegui.
Uma angústia me dominava! — Eu não queria estar sozinha aqui!
Nunca tive a intenção de morar sozinha antes de me casar, mas a
realidade da vida encaminhou-me para isso. Minha mãe estava em
crise no seu segundo casamento com um homem que, desde minha
infância, nunca me aceitou bem, pois acreditava cegamente que eu
queria separá-los para que ela voltasse para os braços de meu pai.
Meu pai já havia reconstruído sua vida com outra pessoa e não
adiantava minha mãe tentar explicar isso ao seu atual esposo.
Conseguia vê-la raríssimas vezes e, apesar dessa situação, a
pedido dela, meu padrasto permitiu que eu morasse em uma
pequena casa que ele havia herdado de um tio. Uma ajuda que veio
em boa hora, pois eu não conseguiria pagar um aluguel com o que
recebia durante o estágio, que mal dava para suprir minhas
necessidades. Para conseguir pagar todas as contas, minha única
refeição do dia era o almoço servido na empresa, o que me causou
com o tempo uma compulsão alimentar. Foram alguns anos de
bastante privação sem pedir nada aos meus pais. Eram raras as
vezes que conseguia comer um chocolate, um pão francês ou lavar o
cabelo com xampu... Coisas tão básicas. Passava necessidade de
comida, roupa, produtos de higiene, além da própria solidão.
Alguns meses antes dessa noite que culminou na garrafa lançada
pela janela, fui assaltada às quatro da manhã a caminho do trabalho,
pois eu morava em São Paulo e, diariamente, me deslocava até
outra cidade para trabalhar. Um homem que passava de carro me
assaltou e levou os setenta reais que haviam sobrado do meu salário
e, foi nesse dia, que começou meu TOC. Eu tive um transtorno
obsessivo compulsivo pelos 4 anos seguintes.
Antes de sair de casa eu tinha que acender a luz e trancar a porta
diversas vezes, e a situação ficou tão complicada que se estendeu
ao meu trabalho. Foi então que acabei perdendo meu emprego por
isso.
Meu pai conheceu sua segunda esposa quando eu tinha 8 anos e,
apesar de sempre tentar me unir a ela, meu relacionamento com ele
foi ficando cada vez mais distante. O ciúme e a falta de diálogo entre
meus pais acabaram dificultando minhas condições materiais e
afetivas, pois só via meu pai a cada quinze dias, mas somente se ele
estivesse disposto. Devido a inúmeros ataques verbais entre eles e
alegações de que minha mãe usava o dinheiro em benefício próprio,
meu pai reduziu minha pensão, o que me forçou a estudar em colégio
público.
Minha mãe havia superado as traições do meu pai, a recente
perda do seu pai, um divórcio traumático e um tratamento contra um
câncer. Em meio a toda a desestrutura própria dos acontecimentos
teve, ainda, que lidar com os poucos recursos que meu pai nos dava
ao mesmo tempo em que perdera seu emprego; uma das
desenhistas mais brilhantes que eu conheço, perdeu o emprego para
profissionais com a minha especialização: ironicamente, a minha
profissão digital dominou a artística de minha mãe, que não
conseguiu acompanhar a evolução. Minha mãe começou um novo
relacionamento e não demorou muito para que ele viesse morar
conosco. Eu entrava na adolescência e, devido à incompatibilidade
de pensamentos entre meu padrasto e eu, fui morar com meus avós
paternos.
Voltei a estudar em colégio particular custeado por meu pai, que
ajudava meu avô com minhas despesas, porém, qualquer benefício
financeiro de meu pai deveria ficar totalmente em sigilo para que sua
esposa não soubesse. Meu pai nunca nos explicava o motivo, mas
tanto eu quanto meu avô, tínhamos que mentir sobre qualquer coisa
que envolvesse o dinheiro de meu pai, incluindo cursos e roupas.
Em alguns momentos eles pareciam se dar muito bem, já em
outros nem tanto. Meu pai nunca foi fiel em seu casamento com
minha mãe e dizia que os motivos das traições eram a falta da
paixão do início do relacionamento, pois ele necessitava permanecer
em estado de conquista o tempo todo; “precisava ver o brilho nos
olhos das mulheres por quem se apaixonava”. Em seu segundo
casamento não poderia ser diferente, ele tentava esconder, mas
sempre aparecia rastros da sua infidelidade e por muitas vezes ele
confessava a mim e ao meu avô não ser feliz. A verdade é que ele
não seria feliz em relacionamento algum, pois rotina e cobranças não
eram coisas que faziam bem a ele.
A vida não era totalmente ruim ao lado da esposa de meu pai,
porém eu sempre me sentia desconectada da família. Eram
pequenas críticas e alfinetadas discordando da criação que minha
mãe havia me dado e tenho certeza de que isso incomodava meu
pai, que em nome de um bom relacionamento com ela, ignorava.
Quando ele e eu estávamos sozinhos, o que era raro, meu pai
tentava me recompensar emocionalmente de alguma forma,
demonstrando no olhar o arrependimento por não ter sido tão
presente em minha vida.
Meus pais terem se casado novamente nos distanciou, apesar de
minhas lembranças desse relacionamento se basearem em
discussões; um padrasto e uma madrasta ciumenta não contribuíram
muito para a união familiar. Meus pais se distanciaram para
conseguirem um recomeço e eu fiquei à mercê de suas escolhas.
Quando passava o final de semana na casa de um deles, me sentia
como forasteira na própria casa de meus pais.
Na cerimônia de casamento do meu pai, tive que acompanhar as
sobrinhas de sua nova esposa desfilando como damas de honra,
enquanto eu, com a mesma idade, assistia ao casamento sentada no
banco como uma mera convidada. Era sarcasmo em meio às
migalhas afetivas que me faziam implorar por amor, afeto e atenção.
Não podia formar minha personalidade sozinha, pois desde a roupa
que usava até a forma de pensar eram controladas com rigidez para
que eu me tornasse a decoração que eles queriam.
Aos quinze anos tive uma festa de debutante organizada pela
esposa de meu pai, que impediu, por ciúme, que eu convidasse
minha mãe. Eram sempre lembranças partidas pela metade e
sempre uma meia felicidade, assombrada por outra metade perversa
de abandono e impotência para fazer algo que mudasse aquela
situação. Assumir um relacionamento com uma pessoa que já tem
filhos é conviver diariamente com um passado que não é seu.
Algumas pessoas não têm maturidade para isso.
Aos dezesseis anos meu pai convidou-me a morar com ele e sua
esposa. Sempre muito exigente com meus estudos, meu pai me
acompanhava de perto e, como todo o começo, tivemos ótimos
momentos juntos. Amava nossos cafés da manhã antes de ir à
escola e, todo dia, no percurso, conversávamos sobre vários
assuntos enquanto ouvíamos Yanni. Meu pai me confidenciava seus
problemas e, por algumas vezes, demonstrava desejo de separação.
Eu apenas ouvia seus desabafos, até porque não tinha nenhuma
experiência em relacionamentos.
Meu “Papai Urso”; ele sempre foi um cara grande, muito emotivo,
com um coração e uma sensibilidade enormes. Encantava a todos
que o conheciam, pois era extremamente inteligente e antenado, o
que me fazia admirá-lo. Vivia em sua volta puxando assunto e
tentando ganhar abraços; sua afetividade era minha maior meta. Por
conta da criação que recebeu, meu pai não era inclinado a intensos
chamegos, mas deixava transparecer em pequenos gestos o amor
que sentia por mim, mesmo que com poucas palavras. Toda manhã
ele preparava meu copo de leite com chocolate e cortava a barra de
manteiga — de fato ele tinha um modo especial — a única pessoa
que eu conheço no mundo inteiro que fez isso com tanto estilo: uma
graça de grandão!
Meus momentos a sós com ele eram quase uma realidade paralela
de tudo o que eu vivia naquela casa no restante do dia. Proibida de
receber ligações de minha mãe ou visitas de amigos que a esposa
de meu pai considerava inadequados para mim, eu passava a tarde
toda sozinha enquanto eles trabalhavam. Como diz o ditado: “Minha
casa, minhas regras”; eu não podia questionar.
Um objeto quebrado sem querer rendia horas de sermão do meu
pai, que se sentia pressionado por sua esposa. Eu vivia com medo
de errar, desagradar ou ser notada e, por muitas vezes, fui dormir
mais cedo para evitar confrontos. Foi uma boa dose de pressão
psicológica, me levando a começar a fumar aos 18 anos como um
subterfúgio para fugir, mesmo que momentaneamente, daquela
realidade cruel, o que foi mais um motivo de críticas deles comigo.
Cursava o primeiro ano do técnico no Senai quando a esposa de
meu pai engravidou depois de sete anos de tentativas. Minha irmã
nasceu e eu mal tinha contato com ela, mesmo morando sob o
mesmo teto; não porque eu não queria, mas porque minha madrasta
passava com ela no colo e entrava direto para seu quarto, como se
eu apresentasse algum risco para eles.
A alegação de nossa tensão familiar era sempre a mesma: que eu
não participava da família, que usava suas roupas sem autorização
— mesmo ela usando 44 e eu 52 — e todos os outros problemas
que, talvez, fosse do casamento deles, mas que colocavam a culpa
sobre mim.
Certa manhã, meu pai entrou com o semblante abatido em meu
quarto, dizendo que não conseguia mais lidar com aquela situação e
que ela não me queria mais ali. Ele dizia estar sofrendo, mas minha
irmã ainda era apenas um bebê que precisava da presença e dos
cuidados dele — justo; nunca discordei disso — por amor fui
embora, apenas com uma única mala de roupas, de volta para a
casa de meus avós, pois foi o que ele me autorizou a levar. No dia
seguinte a esposa de meu pai foi na casa de meus avôs pegar o
molho de chaves que meu pai havia me dado. Ou seja: não volte sem
ser convidada! — Eu entendi o recado.
Pouco tempo depois me formei como técnica gráfica em pré-
impressão e consegui meu primeiro emprego. Logo fui morar sozinha
na casa emprestada pelo segundo esposo de minha mãe. Sentindo-
me um peso tanto para a nova família de minha mãe como para a
nova família de meu pai, senti-me obrigada a optar pela solidão
familiar, já que meus avós eram idosos demais para ter a obrigação
de cuidar de mim.
É complicado viver a escassez de contato e quase entrei em
depressão. Minha mãe vivia com seu segundo esposo de forma
simples, porém sem grandes necessidades. Já meu pai conhecia
alguns lugares pelo mundo com sua nova família e eu realmente não
podia contar com ninguém!
Eu joguei a garrafa pela janela para tentar descontar, de alguma
forma, minha frustração. Me questionava sobre o fato de estar à
beira de um colapso; desempregada, sozinha e cheia de transtornos.
Era domingo, fim da manhã, o dia estava muito frio. Olhando
fixamente para o teto, comecei a chorar; tentava imaginar um futuro
em que a casa teria cheiro de bolo, as crianças correriam pela sala e
veríamos filmes comendo pipoca aos sábados à noite. Poderia
levantar-me aos domingos e ir almoçar com a família em alguma
cantina do bairro, tomar um bom café em alguma padaria bonita e
passar em alguma loja para comprar um vestido. — Sempre
acreditei que a verdadeira felicidade mora em momentos simples.
O som da risada dos vizinhos que participavam de um almoço em
família me fez voltar à realidade. Estava de volta àquela casa fria,
vazia e com uma decoração pobre que me fazia lembrar que todo
meu dinheiro não dava para comprar quase nada. Olhava para
minhas roupas penduradas em um cabo velho de vassoura que ia de
uma ponta a outra da parede de um closet improvisado e pensava no
meu pai, na minha mãe, na minha irmã e no meu primeiro amor.
— Onde ele estará agora? Ele deveria estar aqui!
Em meu primeiro emprego conheci um rapaz que me ensinou a
trabalhar. O que eu sentia por ele era bem mais que admiração; um
tesão absurdo. “Meine liebe”, é assim que sempre o chamei. Muito
mais maduro que eu, tornou-se uma referência.
Casado, religioso e muito inteligente, além de um amigo incrível, foi
ele que me apresentou para a religião onde conheci Fred. Já que ele
não poderia viver um relacionamento extraconjugal, por causa de
suas crenças e princípios, Edgar acabou se afastando, ao mesmo
tempo em que se tornava um grande amigo.
Seguimos caminhos opostos, mas eu sempre pensava nele. Vezes
ou outra ele me telefonava para saber como eu estava e sempre foi
uma companhia, apesar da distância. Eram as referências dele que
eu buscava em um homem — o que ele diria vendo que passo por
isso em minha sonhada lua de mel?
•••
De repente toda essa fantasia foi tirada de mim, um silêncio
estarrecedor pairou sobre o ambiente, o ar estava pesado, meu
rosto quente das lágrimas que escorriam. Abri os olhos e lá estava,
naquele fatídico hotel, desamparada, sem saber o que fazer —
levante-se, você já superou tanta coisa!
Como eu me permiti chegar ao ponto de ser agredida e ainda me
sentir culpada? Seria mais uma relação de dependência emocional?
Mais uma vez eu dependeria de migalhas afetivas de outras
pessoas?
Dependentes emocionais são presas fáceis para possessivos
potenciais pois é mais simples silenciar pessoas carentes. Antes
mesmo do Fred eu havia sido bem “doutrinada” por outras pessoas.
Pode-se até receber supostas bondades no meio do caminho, mas
regadas de opressão, gaslighting3 e aprisionamento. Era um misto
de medos e sentimentos que fazia com que eu não tivesse forças
para colocar um fim em algo que havia começado a tão pouco
tempo. Sentiria vergonha por terminar um casamento após vinte e
quatro horas, medo de mais violência caso eu o denunciasse e o
medo da comunidade religiosa me julgar.
Fred finalmente voltou ao quarto do hotel e, ao tomar meu rosto
com seus dedos frios, me fez despertar de um cochilo por exaustão
emocional.
— O que você tem? Estava chorando? — Nesse momento eu tive
a certeza de que me casei com um louco — desculpe amor, não
queria ter feito isso com você. É a pressão do casamento... — Disse
ele com um olhar terno e um pouco arrependido.
Olhei para Fred e disse que tudo ficaria bem para evitar um novo
confronto. Meu pensamento estava longe e eu me desconectei por
completo dele e da minha lua de mel. Durante o restante de nossa
estadia no hotel, Fred me olhava de canto de olho e me perguntava
quase todo instante no que eu estava pensando. Seu medo era que
eu contasse para alguém o que havia acontecido entre nós naquele
quarto, o que seria desastroso para a sua imagem de “caro servo de
Deus”.
Saindo do hotel em Serra Negra fomos para a casa de sua avó no
litoral, totalmente contra minha vontade; eu só queria voltar para
minha casa. Desde a primeira noite de núpcias não transamos, pois
eu estava tão abalada que não se via em mim expressão alguma
além da dúvida e do medo. Na última noite, enquanto eu arrumava as
malas para irmos embora, Fred entrou no quarto.
— Vamos comprar uma pizza?
— Se você quiser…
— Quer ou não quer? Eu te fiz uma pergunta! — Fred subiu o tom
da voz.
— Vamos Fred… — Vesti um casaco e segui de cabeça baixa.
Já na pizzaria enquanto aguardávamos a pizza ficar pronta, Fred
pegou as chaves do carro da minha mão para ir comprar um
refrigerante que não tinha a venda na pizzaria.
— Deixa eu ir com você, amor? — Perguntei introspectivamente.
— Por quê? Não posso andar sozinho no seu carro? — Me olhou
sério, esperando que eu respondesse.
— Vai então…
Estava sufocada emocionalmente. Era como assistir um filme de
terror sendo eu a protagonista.
A pizza ficou pronta e eu estava em pé na porta da pizzaria
esperando-o chegar; foi uma demora considerável.
Como sempre, dirigindo meu carro como um idiota, derrapou os
pneus ao estacionar.
— Oi, voltei! — Falou de dentro do carro através do vidro aberto
— entra!
— Conseguiu comprar o que você queria?
— Você não vai acreditar no que acabou de acontecer comigo! —
Disse Fred com um sorriso amplo no rosto.
— Me conta...
— Duas gatas, enquanto eu passava pela avenida, me pediram
pra entrar no carro e dar uma volta; eu mostrei a aliança dizendo que
agora sou casado. Engraçado, né?
Eu estava de cabeça baixa com a pizza em meu colo e assim
continuei.
— Não vai falar nada?
— O engraçado de toda essa poética história é que você deve ter
passado bem devagar ao lado delas para conseguir ouvir o que elas
disseram a você... Que curioso!
— Pronto, começou... Você é louca, isso sim! Já vi que não posso
te contar mais nada... — bateu as mãos no volante e disse aos
berros — deve estar com inveja, pois tem gente que olha pra mim, o
que não acontece com você, não é mesmo?
— Não me faça rir, Fred.
A intenção dele ao me contar ou inventar aquilo tudo, era me
controlar de alguma forma. Me deixando fragilizada, ele se sentia
mais forte e eu seguia cada vez mais confusa nessa estúpida e
recente relação, tendo absoluta certeza de que aquele não era o
homem com quem eu havia namorado por todo esse tempo. —
Como fui tão tola?
Retornamos aos gritos dentro do carro durante uma situação
caótica. Ao chegarmos em casa a discussão continuou e, depois de
tantos argumentos rudes, comecei a ser ríspida na maneira de
responder buscando me posicionar de alguma forma — Camila, você
precisa se impor!
Ele gritava, se aproximando de meu rosto me fazendo lembrar da
agressão durante a última viagem e, nesse momento dominada por
uma imensa raiva e um profundo arrependimento de ter-me casado
tão cedo com ele, gritei:
— Não pense que é assim que você vai me tratar, Fred! Eu não
me casei para ser tratada desta forma!
— Vamos ver então! — Falou Fred me encarando.
Eu empurrei Fred com meu ombro tentando sair de sua frente. Ele
me virou com toda sua força, deu-me um tapa no rosto e, segurando
meus cabelos, chacoalhava minha cabeça dando fortes socos em
minhas costas, enquanto eu tentava me desvencilhar. Quando
finalmente consegui me ver livre das mãos dele, aos prantos e
assustada me deitei na cama e me agarrei a um travesseiro com a
falsa sensação de proteção.
Fred ficou alguns segundos parado em pé na minha frente com as
mãos fechadas dando a entender que ele reagiria a qualquer
movimento. Arrancou o travesseiro que eu segurava contra o peito e
foi então dormir na sala, batendo a porta do quarto. Durante toda
noite chorei em silêncio tentando não emitir um único ruído.
Fred passou a manhã seguinte inteira me ignorando e
respondendo apenas o básico. Voltamos para São Paulo com a
certeza de que nossa lua de mel foi utilizada para delimitar espaços
e dizer quem mandaria no nosso casamento a partir daquele dia. Eu
estava confusa e não havia contado para ninguém.
Já em minha casa, passava os dedos sobre os presentes ainda
fechados e sentia muita vontade de chorar — meu sonho não
passou de uma mentira.
Sentia profunda raiva e insegurança. Fred sentou-se em um trono
construído em cima de todos os meus medos e eu simplesmente me
calei.
Capítulo 3

As duas grandes perdas

“Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me


consolar e me cumular. Só um tal amor que a própria célula-ovo
das coisas vibrasse com o que estou chamando de um amor.
Daquilo a que na verdade apenas chamo, mas sem saber-lhe o
nome.”
Clarice Lispector
Estava visivelmente abatida. Introspectiva, me afastei dos poucos
amigos e da minha família que percebiam minha drástica mudança;
quando perguntavam-me o que estava acontecendo, eu omitia. Uma
amiga do trabalho tentou me convencer a denunciá-lo após ver
algumas marcas em meu corpo, mas por medo e por não saber o
que fazer, ignorei.
Nessa época minha vida se resumia a ficar assistindo-o viver.
Quando chegava do meu trabalho, Fred sempre decidia o que
faríamos: íamos para a igreja ou ele escolhia algum programa na
televisão. A vida de casada era bem diferente do que eu havia
planejado e sexualmente estava morta com minha autoestima
destruída. Ele vivia me cobrando para que fizesse dietas e fazia
críticas diárias que mexiam com a minha confiança, além da ausência
total de sexo. Sentia falta de carinho e essa necessidade que tinha
de atenção deixava-o ainda mais irritado.
Meu maior desafio passou a ser evitar atritos. Ele vivia isolado
pelos cantos da casa, cheio de mistérios e mantinha seu celular
desligado, o qual havia me proibido de olhar. Para aqueles que não
conviviam conosco, parecíamos um casal feliz, mas eu estava
extremamente frustrada por não ter o companheiro que idealizei e ele
parecia realizado por ter a liberdade que sempre desejou, longe da
fiscalização religiosa de sua família.
Aos poucos fomos criando espaços na casa: eu não me metia em
seus assuntos e ele não se interessava pelos meus. Sofrendo
gaslighting diariamente, tudo o que suspeitava e questionava Fred,
ele revertia dizendo que tudo era ilusão e invenção da minha parte;
quando não se controlava, me agredia.
Quando me lembrava da noite de núpcias e de cada agressão,
chorava copiosamente e sentia culpa, como se fosse eu a
responsável, afinal, em todas as brigas, ele afirmava que só me
batia, pois eu fazia-o perder a cabeça com minhas perguntas sem
sentido.
Nem mesmo financeiramente meu marido dava-me apoio e nunca
me deixava ver seu holerite, fazendo-me assumir todas as dívidas da
casa sem questioná-lo. Fred só pagava algo quando era de seu
interesse. — Nunca imaginei que um dia sustentaria meu próprio
abusador!
Na igreja, ele era o centro das atenções, pois sempre foi muito
sorridente e solícito, despertando, nas pessoas ao seu redor, muita
admiração. Afirmavam o quanto ele era carinhoso e me lembravam
constantemente que eu era uma mulher de muita sorte — parece que
só eu tive sorte e ele o maior azar! — Quando estávamos cercados
por pessoas, nossa situação era confortável e estável, mas quando
estávamos a sós eu vivia apreensiva, temendo por uma nova briga.
Não tinha como não comparar Fred com o meu primeiro amor. Eu
o via em exatamente tudo, pois ele havia me ensinado como era ser
amada e tratada com carinho e respeito.
Na época que morava sozinha, comecei a trabalhar com Edgar e
admirava sua inteligência. Enquanto ele me ensinava na nova
profissão, passava o dia ouvindo música ao seu lado e falando sobre
nossas vidas, sonhos e, principalmente, a nossa visão sobre nossas
crenças. Eu amava ouvi-lo por horas, aprendendo cada vez mais
sobre os diversos assuntos que ele conhecia, e passei a enxergar a
religião que ele era adepto com outros olhos. Ele me admirava mais
a cada dia e eu me apegava mais ainda a ele.
Aos poucos, quase sem que eu percebesse, fui me apaixonando
por Edgar, paixão que crescia a ponto de ficar ansiosa toda manhã
para reencontrá-lo no trabalho, mas sabendo que ele era casado,
tentava não me aproximar ou dar a entender que o queria na minha
vida, apesar de saber que ele não tinha um bom relacionamento com
sua esposa.
Desde muito jovem Edgar embarcou em um relacionamento com
sua esposa, sendo ela a única namorada de toda sua vida. Ele
praticamente não teve adolescência por causa da doutrina religiosa
e, consequentemente, pela precoce união, pois casou-se pouco
tempo depois de seu aniversário de dezoito anos. A cada telefonema
dela, Edgar se tornava cada vez mais frágil e inseguro e eu já estava
percebendo essa mudança.
Todo final de expediente caminhávamos até o ponto de ônibus e,
íamos lentamente, na esperança de ficarmos mais um tempo em
nossas agradáveis conversas e companhia. Ele começou ficar
confuso com os sentimentos que passou a sentir por mim e eu
percebia que, por muitas vezes, ele tentava se afastar, mas isso se
tornava mais difícil a cada dia que passava, pois o nosso sentimento
mútuo ficava cada vez mais forte. Os olhares já não eram mais os
mesmos, a respiração ofegante ao nos encontrarmos toda manhã
deixava no ar ao mesmo tempo uma vontade e uma culpa,
proporcionando uma tensão crescente difícil de controlar.
Ainda era de manhã quando fiz um pedido para Edgar:
— Psiu, me passa a bala!
— Se eu te der a bala de uma outra maneira você aceita? —
Perguntou timidamente.
Fiquei olhando estática para Edgar, tentando lidar com meus
sentimentos. Ele veio deslizando a cadeira até chegar perto da minha
e me beijou. O suave toque da boca dele na minha mudou
completamente tudo o que eu pensava sobre paixão. Ele me olhava
com desejo e, enquanto me beijava, passava a mão em meu rosto.
Passamos o dia todo flertando e por um breve momento esqueci
completamente que Edgar não poderia ser meu. Foram muitos dias
tentando nos evitarmos, pois algo entre nós era inconcebível.
Um dia não resistimos. Após o trabalho fomos para um motel e
fizemos amor pela primeira vez. Passava a mão nos pelos de seu
peito e me dava por conta que estava transando com um homem de
verdade; não era mais um fogo jovem e impetuoso, mas uma troca
intensa de desejos, gemidos e suor.
Me apertando contra seu peito, Edgar me sentou em seu colo na
cama, me preenchendo completamente. Ele passava seus lábios
delicadamente em minha barriga, descendo até minha virilha e, eu
me rendi àquela excitação que nunca havia sentido antes. Edgar me
fez chegar ao orgasmo por três vezes enquanto olhava dentro de
meus olhos. No intervalo entre uma transa e outra ele me observava
como se eu fosse uma escultura e, mesmo com todos os meus
complexos de inferioridade, me fazia sentir a mulher mais desejada
do planeta.
— Eu te amo, lieb… — sussurrava Edgar em meu ouvido.
Me dei conta de que amava Edgar com toda minha alma e, após o
último orgasmo, comecei a chorar. Não sei explicar o motivo real do
meu choro. Talvez fosse por saber que aquela relação era uma ilusão
sem perspectiva ou por nunca ter me sentido amada por alguém
daquela maneira. Finalmente havia encontrado minha alma gêmea,
mesmo que em uma situação como essa que eu jamais poderia
imaginar.
Quando o cansaço tomou conta de nós, deitei-me em seu peito
enquanto ele olhava pensativo para o teto. Uma lágrima escorreu por
seus olhos, pois a realidade da nossa situação pairou sobre nós
naquele momento. Toda aquela sensação boa que nos entorpecera
por um breve momento foi arrancada de nós pela culpa que
sentíamos após Edgar ter traído sua esposa. Era como se algo
fosse tão bom que era proibido, inalcançável, pertencendo
unicamente aos nossos devaneios utópicos. Naquele momento,
Edgar, foi contra todos e seus maiores princípios religiosos; ele não
era satisfeito matrimonialmente, mas acreditava no que havia
aprendido: casamento é para sempre.
Meu pai sempre fez questão de repetir uma frase que leu no livro
Pequeno Grande Manual de Instruções para a Vida de H. Jackson
Brown Jr: — “Escolha bem seu cônjuge, pois podem transformar
sua vida em uma grande alegria ou ser 90% de toda sua desgraça.”
— Edgar não conseguia desejar sua mulher, que o mantinha dentro
de uma religião que o prendia, e passou a culpar-se por cobiçar
outra mulher, que o fazia se sentir livre. Quando eu perguntava a
Edgar sobre o que ele sentia por sua esposa, a resposta era clara e
direta: amor! Ele realmente parecia amar sua esposa da forma como
eles entendiam o que era amor. A necessidade de abrir mão da
felicidade em prol da filha e de seu compromisso era a única coisa
que importava para Edgar naquele momento.
Como estava decidido a não ficar comigo, Edgar se aplicou em
minha conversão na igreja. Ele achava que lá eu conseguiria construir
uma família, e aos poucos comecei a conhecer a doutrina cristã.
Como era carente de respostas sobre espiritualidade, me engajar
nesta religião pareceu ser a coisa certa a fazer, afinal, o que eu
poderia perder? Estava sozinha nessa época.
Acreditando que eu não era uma opção plausível, passei a me
considerar um deslize no meio do caminho que não poderia voltar
acontecer, e eu tinha consciência disso, razão pela qual resolvi me
afastar completamente mudando de emprego.
Ficamos abatidos e Edgar quase terminou seu matrimônio, coisa
que eu não podia permitir. Mesmo com todas as proibições morais e
religiosas, meu amor por aquele homem crescia cada vez mais, as
lembranças do momento incrível que passamos juntos revelava com
clareza onde estava meu desejo e minha ambição, não sendo mais
possível ficar um único segundo sem pensar nele. Meus dias e noites
eram solitários e nostálgicos, aguardando um único telefonema,
mesmo sabendo que eu não podia destruir o casamento de Edgar
para construir o meu. Acabou sendo uma luta constante entre o amor
e a culpa para nos mantermos fiéis aos nossos princípios.
A saudade dele me consumia, culminando com aquela garrafa de
vinho ter sido arremessada pela janela do sobrado naquela noite fria
que contei no início. Era minha primeira grande perda.
O relacionamento com meu pai ficava cada vez melhor e mais
próximo, até que, por incentivo dele, resolvi prestar o vestibular.
Estávamos muito unidos e animados com minha nova jornada
universitária.
A mudança de meu pai estava sendo tão drástica que ele decidiu
se encontrar com minha mãe em uma cafeteria durante uma tarde
para resolverem pendências do passado e se perdoarem. Eu só
soube quando meu avô me contou; ambos não me disseram uma
única palavra sobre isso. Meu pai estava finalmente empenhado em
nossa relação, e não só financeiramente, pois nessa época nos
tornamos grandes amigos. Vez ou outra ele passava, após o
trabalho, em minha casa para jantar.
No dia de saber o resultado do vestibular falei com ele pela
manhã.
— Fala, baixinha!
— Você não perde essa mania, né? Estou quase maior que você,
pai!
— Você é uma baixinha realmente grande! — Rimos.
— Pai, será que eu passei? — Fiz uma pausa — Se eu não for
aprovada você vai ficar bravo?
— Bravo não. Triste por não conseguir comemorar em uma
concessionária. Já está na hora de você ganhar seu carro, né?
— Pai! Que maldade fazer isso comigo! — Ri indignada.
— Amor, nos falamos depois. Me liga, beijos, te amo! — Antes
que desligasse eu gritei:
— Ei! Quero um carro vermelho!
— É essa confiança que gosto de ver em você...
— Te amo, pai! Até daqui a pouco.
Ao chegar, corri ver o resultado na internet. Uma grande alegria
tomou conta de mim: finalmente eu entraria para a faculdade. Meus
amigos me parabenizaram e fiquei extremamente ansiosa para
contar a novidade ao meu pai.
Liguei por diversas vezes mas meu pai não atendia... — Será que
embarcou no avião? Que estranho... Ia demorar quase duas horas.
Consegui falar com a esposa de meu pai, que parecia muito
consternada. Ligaram do trabalho dele informando que ele havia se
sentido mal no aeroporto, mas, que não podiam informar maiores
detalhes. Passei a manhã inteira tentando descobrir o paradeiro
dele, mas, somente quando pressionei sua esposa que fiquei
sabendo o motivo pelo qual ele não me atendia.
Meu pai havia falecido; ele teve um infarto no momento em que
fazia check-in no aeroporto. Ao telefone, a cunhada de meu pai me
disse que tentaram socorrê-lo, mas que ele não havia resistido.
O telefone caiu da minha mão.
Eu não consegui ouvir o restante, pois fui tomada por desespero e
entrei num estado de choque. Comecei a gritar e quebrar as coisas
na minha mesa, mas fui agarrada por um amigo, que agachou-se no
chão comigo me amparando, enquanto, um outro amigo pegava o
telefone para entender o que estava acontecendo.
A lembrança dos meus gritos me assusta até hoje; foram gritos de
desespero que ecoaram pelos corredores da empresa como eu
nunca havia gritado antes, despertando a atenção de todos. Ninguém
entendeu nada, pois há poucos minutos eu esbanjava alegria e
naquele momento só se ouvia gritos de dor. Foi preciso me segurar
com força enquanto eu me debatia.
Muitos me abraçaram, inclusive pessoas com quem eu não tinha a
menor afinidade. Depois de quase uma hora naquela situação,
peguei o telefone e liguei para o Edgar. Era ele quem eu precisava
nesse momento:
— Ele morreu, Ed. Ele se foi… — Edgar tentava me acalmar
dizendo palavras de conforto que de nada adiantavam.
Fui para casa de meu pai e separei o terno que o enterraria ao
som dos gritos de minha irmã. Ao ouvir o choro dela, inocente e
desesperado, me tranquei no quarto e chorei abraçada ao paletó de
meu pai. Passei a noite no IML e, quando seu corpo foi liberado,
após uma demorada autópsia, finalmente pudemos sepultá-lo.
Estava acordada por quase trinta horas e, às cinco da tarde do dia
seguinte, com o sol se pondo, estava deitada no colo de Edgar no
alto do cemitério, vendo ao longe as coroas de flores serem
colocadas por cima da campa onde o corpo de meu pai fora
colocado. Um cemitério sem túmulos, coberto por grama, cercado de
pinheiros e flores que balançavam com o vento forte do fim de junho.
— Não deu tempo de contar que eu passei no vestibular...
Edgar me levou para casa e, por uma semana, chorei sem parar.
Não tem um único dia que eu não sinta a falta de meu pai…
Quando ele chamou minha mãe para conversar parece que sentia o
que estava para acontecer e acredito que foi uma forma de não
deixar pendências e dizer adeus. Ainda bem, pois minha mãe não
pôde estar ao meu lado durante o enterro; a viúva de meu pai a
proibiu de ir, não faço ideia dos motivos que a levaram fazer isso.
Fred me pediu em namoro um mês após a morte de meu pai, foi
então que me apeguei a ele; busquei nele apoio e conforto. Não tinha
mais meu pai e não tinha mais Edgar que, além de não estar comigo,
estava se mudando para mais de mil quilômetros de distância de
mim. Perdi meu pai e meu grande amor, nem um nem outro eu teria
de volta. Duas perdas muito difíceis para lidar.
Esses fatores não explicam os motivos que me fez ficar em
silêncio sobre a violência doméstica, mas através deles eu encontro
uma explicação do porquê me agarrei a Fred tão desesperadamente
e me casei sem conhecê-lo melhor.
Capítulo 4

Atos libidinosos

“Não é só a razão, mas também a nossa consciência, que se


submete ao nosso instinto mais forte, ao tirano que habita em nós.”
Friedrich Nietzsche
Durante uma noite em particular, o auditório estava cheio de
pessoas em busca de orientação. Alguns casais tímidos tentavam
esconder-se nas sombras da sala, enquanto outros riam e interagiam
com todas as perguntas que eu fazia a eles. Em um misto de drama
e comédia stand-up, trazia consciência de que o swing é muito mais
natural do que eles imaginavam. Talvez para aqueles que não fazem
ideia de tudo o que envolve o sexo da forma que é para nós, possa
ser algo chocante e vergonhoso, porém a forma que enxergamos o
sexo liberal é tão natural, que falar sobre isso abertamente é para
mim um prazer.
Entre olhares atentos e sorrisos, finalizei a palestra daquela noite;
muitos me aplaudiram, me fazendo sentir realizada pela construção
desse conteúdo e eu senti um orgulho imenso por estar fazendo isso.
Nunca cobrei por essas palestras, pois aprendi um conceito em
hebraico: Tikun Olam; uma forma de reparar o mundo. Seu papel no
universo é aprender mais de si mesmo e ensinar aos outros mais
sobre você e suas experiências. A cada nova palestra eu conheço
pessoas incríveis com longas histórias e fico muito feliz de ter a
oportunidade de conhecê-las, e mais ainda por elas terem me
escolhido para orientá-las em suas questões.
A maioria das pessoas que vão nas palestras buscam respostas
para algum dilema pessoal: uns por estarem em conflito com a
religião, outros com a sexualidade e alguns com as próprias
barreiras culturais com relação ao sexo e ao swing. Muitos nem
mesmo são liberais, mas buscam alcançar uma fórmula que os ajude
a superar seus obstáculos através de alguém que já transcendera o
tabu da própria sexualidade.
Dentro de uma doutrina religiosa aprendemos que Deus criou
homem e mulher e que há uma fórmula de relação ideal já
preestabelecida. Um casal conservador passa por momentos difíceis
na construção de uma nova perspectiva sexual e até as pequenas
descobertas de zonas erógenas ficam esquecidas para que nossa
sexualidade não seja questionada. A verdade é imutável: muitos dos
que jamais pensariam em fazer algo diferente do convencional,
quando estão sozinhos, veem ou mesmo imaginam, algo nada
tradicional. Alguns chegam a condenar moralmente a busca pelo
prazer, mas alimentam a indústria pornográfica, sendo seus maiores
consumidores.
Não faz muito tempo que Jonas me procurou, pois estava
passando por um sério conflito interno: Casado há 18 anos, com
filhos crescidos e uma vida social para ninguém botar defeito.
Eu percebia que, enquanto cumprimentava as pessoas, ele me
observava de longe enquanto tomava um café; vezes ou outra sorria
para algum casal, mas passou grande parte da espera de cabeça
baixa como se estivesse envergonhado. Ao final só restou Jonas na
sala, então fui até ele.
Contou de forma breve sua história e o motivo de ter ido até meu
encontro, após alguns minutos de conversa ele me perguntou:
— Camila, como eu posso continuar casado com ela sentindo
desejos que ela talvez jamais concordaria? Ela vai questionar tudo o
que eu sempre fui para ela, minha fidelidade, minha masculinidade e
meu amor...
— Mas você acha mesmo que essa é a única solução para você
descobrir sua sexualidade, Jonas? Entenda, eu não sou a verdade
absoluta, mas, de fato, não acredito que você é infeliz casado com
ela. Acha mesmo que vale a pena renunciar a uma história inteira
para satisfazer seus desejos? — Falei com um sorriso acolhedor.
— Eu não sou infeliz casado com ela, tem razão — olhou para
baixo e continuou — mas eu não consigo transar um único dia sem
desejar vivenciar isso. Ela não merece ser traída nem descobrir que
eu não sou aquilo que ela sempre imaginou.
Prestes a explodir, me confessou que queria estar casado com
ela, mas sentia um desejo quase incontrolável de transar com um
outro homem. Membro de uma família conservadora, durante toda
sua vida isso não foi sequer uma possibilidade.
— Jonas, você gostaria de viver um relacionamento com outro
homem, é isso?
— Não… É algo relacionado apenas ao sexo. Foram tantas vezes
que eu quase paguei para transar com alguém, eu vivo em conflito
por anos. Parece que, enquanto eu não realizar isso, não conseguirei
sentir mais prazer com minha mulher. Nas poucas vezes que ela me
procura eu sinto medo de não conseguir sequer ter ereção ou de
deixar transparecer meu desejo reprimido.
Eu sabia por que Jonas havia me procurado, pois sou uma das
poucas pessoas que ele conhece que expôs o rosto e a identidade
na sociedade, falando abertamente sobre swing e arcando com
todas as consequências. A única coisa que ele tinha certeza é de
que eu jamais o julgaria por isso.
Continuou:
— Eu realmente não sei o que fazer. Como posso contar isso a ela
sem que pense que tudo o que vivemos foi uma mentira? Não foi,
entende?
Olhei para Jonas com muita compaixão naquele momento, pois ele
é um grande homem, preocupado com os sentimentos de sua
esposa.
— Você já conversou sobre o universo liberal com sua esposa? Ela
manifestou algum desejo sobre isso? — Perguntei a ele.
— Ela mostrou interesse sobre, mas na primeira discussão que
tivemos ela jogou na minha cara meu pouco amor por ela e me
perguntou como eu teria coragem de entregá-la nas mãos de outro
homem. As palavras dela foram: — É esse o tamanho do amor que
você tem por mim? E olha que eu sequer mencionei sobre minha
vontade bissexual.
Eu sabia o que era esse sentimento que a esposa de Jonas sentia;
a indiferença de Fred comigo era tão grande que, quando ele
mostrava o mínimo de ciúme por mim, eu pensava que ele finalmente
estava se importando. Enquanto o homem falava, eu me lembrava de
todas as mágoas em meu casamento com Fred, principalmente
relacionadas ao sexo. Foi então que me lembrei de quando descobri
sobre os desejos de Fred. Jonas despertou em mim um gatilho de
tudo o que vivi.
•••
Estava há menos de um ano casada e fazia pouco tempo que ele
havia entrado na polícia; era um serviço temporário que duraria
pouco menos de dois anos. Fred começou a vestir farda e eu passei
a ser esposa de um militar, com uma certa preocupação: uma
personalidade impetuosa como a dele, aliada a uma carreira
autoritária, era algo assustador.
Certo dia, fui buscá-lo no trabalho, foi quando, ao estacionar o
carro, Fred disse que precisava me contar algo. Cada vez que isso
acontecia sentia pavor, pois a possibilidade de qualquer briga me
aterrorizava.
— Hoje aconteceu algo muito chato comigo. — Fred abaixou a
cabeça.
— O que foi? — Falei atenta e apreensiva.
— O banheiro próximo da minha seção estava com um problema,
então fui obrigado usar um banheiro feminino que ficava ao lado.
Enquanto usava o banheiro, uma mulher entrou e levou um susto.
Fiquei muda esperando o restante da história.
— Ela me acusou de estar me masturbando e de que eu tentei
assediá-la… Amor, é mentira! Eu não fiz isso.
— Fred, como assim? Que história é essa? — Falei, espantada,
olhando para ele, que seguia com a cabeça baixa
— Por que ela faria essa acusação? — Perguntei transparecendo
minhas dúvidas — Fred, essa história não faz o menor sentido!
— Estou com medo de ser expulso…
— Fred, o que deu na sua cabeça? Entrar em um banheiro
feminino?
— Nem sei o que pensar. Estou tão envergonhado...
— O que você estava fazendo?
— Camila, eu já te disse que não fiz nada — me olhou sério
alertando-me que uma briga estaria por vir caso eu insistisse —
acredite, sou inocente!
Não sou do tipo de pessoa que julga com facilidade, mas, sabendo
quem ele era, ficava difícil de acreditar. Ele conseguia mentir e fazer
todos acreditarem que ele era carinhoso, quando na verdade era
alguém frio e sem controle emocional algum.
Ele só me contou, pois ficaria detido no quartel.
Enquanto ele dormia, li escondida a comunicação sobre a pena
que ele deveria cumprir. Essa era a acusação: atos libidinosos.
ATOS LIBIDINOSOS | SIGNIFICADO
É lascívia, o envilecimento, o prazer dos sentidos em atos
eivados de imoralidade para fins de satisfação sexual.
Eu não conseguia acreditar no que estava lendo... Fred me
bombardeava constantemente com discursos religiosos e até as
músicas que eu gosto ele me impedia de ouvir. Sempre tive dúvidas
com relação à fidelidade de Fred por causa dos segredos com seu
celular, mas imaginar que ele poderia ter assediado alguém era algo
mais difícil de lidar.
Conheci muitos casos de adultério dentro da igreja e algumas
mulheres que conheci me confessaram traição por parte de seus
companheiros, alguns inclusive de dentro do ministério e, o mínimo
esperado, era que eles estivessem fora de qualquer cargo de
destaque na igreja. Algumas delas não diziam a verdade sobre seus
maridos, pois acabariam com suas reputações, afastando-os da
igreja ou porque eram escravas dentro dessas relações. Assim como
eu, preferiam esperar por um milagre: a improvável fidelidade deles.
Estava disposta a descobrir quem era meu marido. Resolvi
averiguar o que ele olhava no computador quando eu estava fora e o
que eu vi me chocou em função dos meus parâmetros na época.
Fiquei paralisada por horas, pensando que, talvez, ele tivesse uma
tendência libidinosa maior do que eu poderia imaginar. Cheguei a
uma conclusão: meu esposo não sentia atração por mim, afinal, as
buscas que ele fazia eram totalmente incompatíveis com a sua
realidade casado comigo. Fred olhava pornografia todos os dias,
mas, obviamente, as mulheres que ele procurava não se pareciam
nem um pouco comigo. Havia vários acessos a um site com homens,
aparentemente heterossexuais se tocando em banheiros públicos,
além de diversos contos eróticos nada ortodoxos.
Tudo começava a fazer sentido: o episódio em seu trabalho, as
longas idas a banheiros públicos em shoppings e o seu apetite sexual
com gostos divergentes daquilo que eu estava acostumada. Não
interagia sexualmente com meu marido, pois Fred ia tomar banho e
pedia para que eu me masturbasse para que ele não perdesse muito
tempo tentando me dar prazer. Quando saia do banho, me pedia
para abrir as pernas enquanto se tocava até chegar ao orgasmo.
Obviamente, não houve uma única vez que eu cheguei ao orgasmo
com meu marido, pois eu fingia todas as vezes para acabar o mais
rápido possível.
Com o passar do tempo, ele começou pedir para que eu o
penetrasse com meus dedos enquanto ele se masturbava e,
sinceramente, eu não me importaria se fôssemos um casal diferente
do que éramos. Na confusamente cruel relação em que vivíamos eu
era obrigada simplesmente a sobreviver, um objeto, extirpado de
todos os seus anseios e ambições, uma casca vazia, morta por
dentro, uma ferramenta moldada para uso alheio e, não se via em
mim qualquer resquício da libido que algum dia eu tive com Edgar.
Sexo anal é realmente um tabu para a igreja, principalmente
quando se trata dos homens, e até por isso ele optou por se
satisfazer sozinho, parando completamente de me procurar. Eu não o
julgava por gostar de prazer anal, até porque as poucas vezes em
que eu me tocava, imaginava uma mulher. A ideia do carinho entre
elas era muito mais do que tudo o que eu havia recebido do meu
marido.
O que me machucava com as visitas dele a sites pornográficos é
que todas as mulheres que ele via eram o oposto de mim e cada dia
mais se tornava ofensivo ele ignorar totalmente a minha presença
para ver pornografia; além de ser uma contradição ao fanatismo
religioso que ele vivia.
Uma manhã Fred acordou e levantou-se sorrateiramente para que
eu não percebesse. — Ele acha que eu estou dormindo? Agora ele
vai fazer isso comigo em casa?
Levantei devagar e dei o maior susto em Fred. Quando entrei na
sala ele desligou o monitor com muita rapidez.
— Fred, liga esse monitor agora!
— Sai fora! Estou aqui fazendo pesquisas.
Com força tentei chegar até o botão — não é possível! Eu não
posso ouvir as músicas que eu gosto e ele pode ver pornografia
embaixo do meu nariz? — Ele me empurrou para longe, chutou a
cadeira e lançou o monitor ao chão, fazendo a tela quebrar.
Não conseguia ignorar o fato de estar vivendo um casamento “de
fachada”. Comecei a dizer tudo o que havia visto, desde os vídeos,
os tipos de mulheres, os homens e todos os contos bizarros que ele
consumia. Chorando, disse que, se ele não quisesse ficar casado
comigo e não sentisse desejo por mim, deveria procurar o que o
fizesse feliz. Ele me olhou com raiva, pois o segredo que ele
guardava tão bem para todos havia sido descoberto pela única
pessoa que ele podia claramente silenciar, da forma como já havia
feito. Tentei me desvencilhar das agressões, mas Fred acertou meu
nariz com um soco que fez o sangue espirrar em minha blusa. Tentei
correr para longe, mas ele agarrou meus cabelos me fazendo cair
para trás e bater com a cabeça no chão. Ali, tentando proteger meu
rosto, Fred me chutava com força me ofendendo com vários
palavrões.
Quando ele finalmente cansou de me chutar, ordenou que eu me
levantasse, limpasse a sujeira e fosse tomar um banho.
Eu pensei em ir a uma delegacia, mas o medo que me dominava
era muito mais forte que eu; ele faria qualquer coisa para manter sua
boa reputação. Depois de calmo, ele me dizia que nada daquilo era
verdade e que eu havia entendido tudo errado. Nada do que eu
argumentava ele assumia e todos os argumentos que eu usava, ele
retrucava com uma paciência sórdida. Emendava suas justificativas
com um discurso religioso dizendo que devíamos nos unir e pedir
forças a Deus para enfrentarmos esse momento. Me pediu para que
orássemos juntos, me obrigou a colocar meu véu na cabeça, me fez
ajoelhar e fez uma bela oração pedindo a Deus por mais calma e
respeito em nossa vida matrimonial. Ele conseguiu me desorientar,
pois eu mal conseguia falar.
Fred tentou me abraçar, mas ameacei denunciá-lo, o que fez ele
me pedir perdão de joelhos. Eu não acreditava nele, mas tinha medo
de que ele tentasse me matar, e esse medo me fez ficar imóvel
diante de toda essa situação. Enquanto Fred dormia eu pensava nas
mulheres que, por diversos motivos, suportam situações
semelhantes. Toda a violência de Fred vinha de um conflito interno
que ele tinha, pois, seus desejos duelavam diretamente com todos os
ensinamentos que ele havia recebido da igreja.
•••
No fim da palestra, o homem me abria o coração e eu pensava
como eram diferentes nossas realidades: ele um esposo preocupado
em não magoar sua esposa por seus desejos; eu violentada de
diversas formas justamente por Fred não buscar entender os seus.
Jonas me olhava, apreensivo e esperançoso de que eu pudesse
ajudá-lo naquela situação. Sugeri então que começasse a despertar
fantasias em sua esposa, com muito diálogo, para entender se ela
estaria inclinada a novas perspectivas sexuais. Se ele não soubesse
conduzir a conversa, poderia estar induzindo-a fazer algo que nunca
quis para manter o casamento e agradá-lo; que foi exatamente o que
Fred fez comigo.
— Compre um vibrador para ela. Quando estiver penetrando-a,
passe o vibrador em seu lábio, fazendo-a chupar. Leve sua esposa a
imaginar uma situação em que ela esteja sendo penetrada e esteja
fazendo sexo oral ao mesmo tempo. Ela é aberta quanto a isso?
— Sim, claro! Nessa parte ela é bem aberta... Adora brinquedos
eróticos! — Falou o homem sorrindo.
— Se ela gostar de sexo anal, repare em como ela se sente
durante uma dupla penetração entre você e o vibrador.
Com certa insegurança ele consentiu, e eu já sabia o que viria
depois. Passados alguns dias, ele me escreveu por mensagens de
texto contando como foi a experiência:
“Camila, eu realmente estou empolgadíssimo com a evolução
sexual dela; nem parece a mesma mulher. Até sua autoestima
mudou!”
“É mesmo? O que houve?”
“Fiz exatamente o que me orientou. Durante o sexo eu falava
constantemente ao seu ouvido o quanto estava delicioso vê-la
insaciável. Ela se excitou como eu nunca tinha visto, mas o
problema foi depois, pois ficou constrangida quando conversamos
e, eu expliquei, que não a julgaria de forma alguma, que ela
poderia se abrir comigo. Eu entendo que isso foi ótimo para nossa
vida sexual, mas o que tem a ver com meus conflitos? “
Demorei um pouco para responder, afinal, eu precisava elaborar
melhor, pois, ainda que minhas soluções para o problema pudessem
ajudá-lo em um conflito, era possível que o colocassem em outra
situação com a qual ele não estaria preparado para lidar.
“Você sente desejo de realizar suas fantasias com outro homem.
Que tal realizarem isso juntos? Ela, entrando no universo liberal, te
dará a possibilidade de conhecer um homem solteiro e, então,
poderão juntos embarcar nessa descoberta. Um ménage à trois
com um homem bissexual.”
“Será? Eu entendo que seja uma possibilidade muito excitante,
porém são muitos conflitos: vergonha, ciúme. Não vamos ter depois
uma sensação de traição?”
“Eu acho que você já está preparado para isso. No universo
liberal não existe traição e isso só aconteceria se ela ou você
fizesse algo sem consentimento. Vocês estarão juntos nessa busca.
Ambos aproveitando e sendo parceiros um do outro na descoberta!
Lembra que, na palestra, eu expliquei sobre homens que são
cuckold? O homem sente prazer em ver sua esposa sair com
outros homens. Esse é um fetiche muito comum, mas que não se
aplica ao seu caso. Minha ideia é que possam aproveitar juntos.”
“E se ela pensar que eu a amo pouco? Como ela mesmo disse:
teve a sensação de que eu estava abrindo mão dela…”
“Então agora é o momento de contar a ela seus desejos e
angústias. Fale sobre a vontade que tem, e compartilhe com ela os
seus medos. Deixe claro que você não fará nada sem seu
consentimento, pois prioriza muito mais a relação e a história de
vocês. Peça a opinião dela sobre suas fantasias e o quanto ela
acredita ser normal ou não. Sem entender o que ela pensa fica
difícil tomar uma decisão.”
“Entendi...”
“Pense nisso: você viverá um grande momento. Estará se
realizando e ela também. Ambos como parceiros nessa nova
jornada, sem mentiras e sem segredos. Como você já despertou o
desejo dela por um ménage, aos poucos vá mostrando a ela a
infinidade de coisas que podem fazer juntos, inclusive o bissexual
masculino.”
Estava torcendo pelo casamento deles, afinal, a longa história que
eles construíram merece mais que uma simples fuga.
O tempo passou e logo veio a notícia por e-mail: eles fizeram um
ménage à trois com um rapaz bissexual que conheceram em um site
de relacionamentos liberais. Ele disse que foi a melhor experiência
sexual que eles tiveram em anos.
“Querida Camila, como você está?
Passou muito tempo desde que nos falamos. Eu precisei ter a
paciência que você me aconselhou e deixei o tempo seguir o curso
natural. Abri meu coração e meus fetiches para ela e, para minha
surpresa, ela me apoiou como eu nunca imaginei que faria. Não só
me entendeu, como também confessou ter desejo de vivenciar uma
experiência sexual com uma mulher, mas que sentia muita vergonha
de me contar.
Após muitas conversas, decidimos com quem sair: ela escolheu
um homem com a idade próxima da nossa. Eu fiquei empolgado
vendo minha esposa excitada, escolhendo um homem para realizar
nossos fetiches e, enquanto não chegava o dia de sairmos, durante
nossas transas, fingíamos que ele estava lá conosco. Falamos tanto
no ouvido um do outro durante o sexo, que era difícil não ter um
orgasmo precoce.
No dia em que nos encontramos estava nervoso, pois não fazia
ideia de como conseguir chegar ao ponto de tocá-lo; estava perdido.
Ela também estava nervosa e apreensiva, mas seu tesão era nítido e
notório. O homem que conhecemos já era experiente e soube nos
conduzir.
Começou beijando minha esposa e ela prontamente me puxou para
perto. Enquanto ela beijava a boca dele, me tocava e deixava-me
louco de tesão. Foi uma experiência incrível e ela me direcionava
como se me ensinasse a forma correta de tocar um homem. O mais
mágico de tudo não foi o sexo, mas a parceria que desenvolvemos
em tudo isso. Em mil anos eu jamais imaginaria viver isso ao lado
dela.”
Encantada e excitada com a riqueza de detalhes daquele relato,
percebi que todas as descobertas foram alcançadas por ambos e,
na visão dela, isso não diminuía em nada a masculinidade dele. Ele
percebeu também que a realidade é diferente das fantasias e aquele
fantasma que pairava sobre ele simplesmente desapareceu. Ele
disse o quanto aquela experiência foi excitante, mas deixou claro que
não gostou tanto assim de estar com um homem como ele havia
imaginado a vida toda. Em suas palavras: “Foi bom, mas nem tanto”.
Ele passou uma vida inteira questionando a própria sexualidade e
descobriu, através de uma única experiência, que não precisava
renunciar a alguém tão especial como sua companheira para
conseguir se entender. Isso acontece; antes de eu entrar
definitivamente para o universo liberal, as ideias eram muito mais
excitantes que a realidade.
Jonas comentou que agora sua esposa está empolgada em ter
uma experiência bissexual e que eles estão prestes a fazer um
ménage com uma mulher que conheceram também na rede social.
Como podemos reprimir nossos desejos e sofrer todos os
impactos de sua incerteza se não sabemos se realmente iremos
gostar deles ou se são reais? Sofremos antecipadamente e
deixamos de nos abrir por medo de julgamentos nos tornando um
mistério para nós mesmos.
Capítulo 5

Segredos

“Não há segredos que o tempo não revele.”


Jean Racine
Os segredos dificilmente são uma boa receita para um casamento
feliz. Tanto Jonas como diversos outros casais e singles que
aconselhei deixaram claro uma melhora significativa em suas vidas
após contarem a seus cônjuges suas vontades reprimidas. Só
existem duas alternativas: somos apoiados ou não, e só saberemos
depois de criar coragem para revelá-los. Fred continuava
escondendo seus segredos, mas eu já não me importava em
descobri-los. Depois de tudo o que tinha acontecido, tomei uma
decisão: queria me separar.
Fazia pouco tempo que tinha chegado no trabalho e Edgar me
telefonou, carinhoso como sempre.
— Oi, princesa.
— Oi, Ed. Como é bom falar com você. — Falei abatida.
— É tão difícil viver longe de você. Sinto tanta saudade...
— Eu também. Como você está, Ed?
— Do mesmo jeito.
— Pois é — falei desanimada.
— Lieb, o que foi?
Eu questionei se deveria contar ou não.
— Ele é agressivo comigo, Ed.
A ligação ficou em silêncio por alguns segundos.
Edgar respirou fundo e perguntou:
— Ele bateu em você? — Não respondi — seu pai faleceu, mas
você não está sozinha. Eu vou até você e resolverei essa situação. O
que ele está pensando? Ele vai levar a pior surra da vida dele! Você
tem que denunciar ele agora mesmo!
Eu o ouvia esperando que a sua calma de sempre retornasse. O
que ele poderia fazer? Vir para São Paulo, agredir Fred, destruir o
casamento dele, mas e depois?
— Edgar, isso não é problema seu. Não sei por que eu te contei.
Vou desligar!
Ele implorou para que eu não o fizesse. Quando finalmente se
acalmou, prometi jamais olhar para ele outra vez caso tomasse
alguma atitude sem minha autorização. Edgar sempre teve medo de
minhas promessas, pois quando disse que o deixaria, eu o fiz. Eu
não podia permitir que meus problemas viessem a prejudicar a vida
dele. Na tentativa de controlar a situação, disse que não havia
acontecido nada grave; o que era uma grande mentira.
Aos poucos fomos nos aproximando e fui deixando minha
insegurança de lado, afinal, meu parceiro estava novamente perto de
mim mesmo a mais de mil quilômetros de distância. Logicamente, a
maioria das brigas eu omitia, pois se eu contasse a verdade para
Edgar ele não conseguiria cumprir a promessa que fez de se manter
distante dessa situação. Eu tinha muito medo de denunciar Fred e
ele querer se vingar.
Como contar para Edgar que estava casada com um monstro? Ele
não podia imaginar nem um décimo de tudo que passava com Fred.
Meu marido me agredia em qualquer lugar que estivesse e, por
muitas vezes, ele o fez na frente de pessoas na rua sem que
qualquer um intervisse.
Dentro do carro, parados no farol, Fred batia minha cabeça no
banco enquanto frentistas de um posto próximo olhavam assustados;
ninguém disse uma única palavra. Durante uma viagem no litoral com
amigos do trabalho de Fred, ele jogou-me no chão e começou a me
chutar próximo de onde os carros ficavam estacionados. Um homem
parado perto de seu carro assistiu balançando a cabeça em sinal de
reprovação, mas simplesmente entrou no carro e foi embora.
Em uma das vezes que fomos visitar a esposa do meu pai, Fred
na escadaria de incêndio deu-me um soco que quase quebrou meu
nariz. Se eu não estivesse segurando forte no corrimão teria caído
escada abaixo. Entrei chorando e ensanguentada no apartamento de
minha madrasta, dizendo que queria ligar para minha mãe e ir para a
delegacia. Ao invés dela me ajudar a denunciá-lo, abriu a porta para
Fred após ele implorar por perdão. — “Vocês são jovens! Logo se
acertam” — Foram essas as palavras que ela usou para me
convencer a dar mais uma chance para nosso casamento. Será que
seria a mesma atitude que ela teria com a própria filha?
Não contei para minha mãe tentando poupá-la, pois sabia que se
ela soubesse não conseguiria controlar-se. Erroneamente, omiti, com
a falsa sensação de estar protegendo aqueles que me amavam.
Após tantas conversas recebendo carinho e atenção de Edgar, o
inevitável aconteceu: reacendi aquela chama que, por muitas razões,
fui forçada a reprimir dolorosamente como uma tentativa
desesperada de me poupar de todo o sofrimento pela vida que eu
não poderia ter.
Falhei, voltei a sonhar com aquela realidade paralela onde eu
simplesmente era feliz, amando e sendo amada em uma relação
forjada por uma paixão lasciva e verdadeira. Nunca deixei de amar
Edgar, mas fui fiel a Fred, aos meus princípios e às minhas
promessas. Antes de dormir ao lado de Fred, pensava em Edgar e
minha realidade me confrontava a cada segundo.
Durante a noite, enviava mensagens a Edgar e, sempre que podia,
ele me respondia; não era nada de mais, mas significava muito para
mim. Receber uma mensagem de boa noite com carinho era o que
me deixava dormir tranquila.
Como toda manhã, meu celular tocou. Edgar, chorando, me pedia
para perdoá-lo. Eu não entendia nada do que ele dizia:
— Perdoar o que Lieb?
— Ter deixado você! — Disse Edgar aos prantos.
— O que aconteceu? — Perguntei preocupada.
— Minha vida, meu casamento, minha religião e tudo o que eu
acreditei ser verdade não passou de uma grande mentira. Não sei o
que fazer. O que eu faço?
Respirei fundo antes de responder.
A decepção religiosa é algo mais comum do que se imagina.
Existem pessoas que nascem e morrem dentro da mesma religião.
Durante cada jornada surgem questionamentos que muitas vezes a
religião que seguimos não responde e conheço pessoas que
passaram por momentos dificílimos, mas que encontraram a paz em
si mesmas e em sua fé para superá-los. Minha mãe, por exemplo, só
consegue esclarecer suas dúvidas fora de qualquer religião.
Edgar passava por sérias questões em seu casamento e em sua
religião; o questionamento de uma vida inteira finalmente vinha à
tona. Edgar havia decidido por centenas de motivos que não ficaria
mais casado e seu grande sofrimento era por suas filhas. Ele estava
decidido a não levar o casamento adiante, e foi por suas próprias
experiências que chegou a essa conclusão. Se, no início, tivéssemos
ficado juntos, poderíamos ter evitado muitas situações, mas talvez
ele passaria a vida toda se perguntando o porquê ele fez isso. Eu
não podia e não queria ser o pivô de sua separação e, a meu ver, a
verdadeira liberdade só poderia começar assim.
Capítulo 6

Terror nas Montanhas

“Vivemos num mundo onde nos escondemos para fazer amor!


Enquanto a violência é praticada em plena luz do dia.”
John Lennon
A dúvida mais cruel de toda pessoa que ingressa no universo
liberal é: como lidar com a sensação de ver a pessoa que ama com
outra e não sentir ciúme? Muitos me perguntam como consigo lidar
com isso.
Edgar e eu sempre soubemos que o sentimento que tínhamos um
pelo outro era verdadeiro, pois ia além de ficarmos juntos, e o que
nos importava era se nossas escolhas nos fariam felizes. Éramos
capazes de desejar a felicidade um do outro mesmo que fosse com
outro alguém, então isso já foi uma forma de desconstruir meu ciúme
e fortalecer minhas descobertas sexuais futuras no universo do
swing. Eu vi o homem que amei a vida toda com outra mulher.
Ele foi embora na tentativa de me esquecer, coisa que jamais
conseguiu. Seus dogmas o faziam se afastar de mim, mas seu amor
nunca acabou. Como ele já havia decidido não manter mais seu
casamento, ele passou a se sentir livre para me amar sem
sentimento de culpa mesmo com a nossa enorme distância.
Fred e eu faríamos aniversário do segundo ano de casamento.
Apesar de não ter nada do que comemorar, ele sugeriu uma viagem.
Por muito tempo e por causa de toda a violência, ia frequentemente
à igreja e buscava em tudo o que ouvia, forças para esperar pela
mudança de Fred. Ainda que decidida a me separar, não via como
isso seria possível naquele momento.
Partimos em uma viagem pela manhã e, enquanto Fred dirigia, ao
som de uma música clássica, eu olhava pela janela, observando as
árvores encobertas por um nevoeiro. Estávamos indo para uma
cidade montanhosa belíssima e antes mesmo de pegarmos a
estrada que dá acesso à cidade, vimos a paisagem se transformar
em montanhas cobertas por grama que pareciam um sedoso tapete.
Durante a viagem, Fred me olhava e sorria. A música clássica e a
paisagem nos inspiravam a um momento romântico que nunca
tivemos — será que Fred estaria mudando de alguma forma?
Estacionamos o carro e entramos em um gracioso chalé. Quando
a noite chegou, fomos em um restaurante maravilhoso, com velas na
mesa, vinho e boa música. Estava sendo uma noite muito diferente
de tudo o que vivemos até ali.
Retornamos ao chalé e conversamos por muitas horas. Fred me
dizia o quanto minha paciência lhe havia ensinado e, naquela noite,
fizemos sexo com carinho pela primeira vez desde nosso casamento.
Ele me olhava com ternura enquanto dizia coisas que me deixavam
feliz. Apesar de não ter química com Fred da forma como gostaria,
só o fato dele estar sendo carinhoso e realmente querer minha
companhia me fizeram crer que tudo estava valendo a pena, pois
através dos ensinamentos da igreja, era incentivada a manter nossa
relação. Ele finalmente dormiu e eu não pensei em coisas ruins pela
primeira vez.
Amanheceu e, apesar da neblina e do frio, resolvemos passear
pela cidade. Tomamos café da manhã e pegamos todas as dicas no
hotel de onde iríamos. Visitamos diversos lugares na cidade,
compramos lembranças para toda a família e almoçamos em uma
fazenda próxima à região. Tiramos muitas fotos, andamos abraçados
e brincávamos um com o outro, fazendo com que sentisse carinho
por Fred depois de tanto tempo.
Paguei a viagem por completo, porém meu dinheiro já havia se
esgotado; o jantar Fred teria que pagar. Eu esperava ansiosa pela
noite de sucesso anterior se repetir nesta noite. Ao ver o cardápio,
Fred não se agradou muito com os preços e reclamou do prato que
eu havia escolhido. Achou um absurdo pagar aquele preço por um
prato de tutu de feijão. O ar sereno dele não era o mesmo, o
restaurante estava cheio e as pessoas olhavam a forma como ele
falava comigo. Minha seriedade certamente o incomodou, tornando o
jantar tenso, que fez com ele mudasse completamente de humor.
— Você não consegue ficar satisfeita com nada? — Disse Fred já
olhando para o lado.
— Eu não vejo o problema que você está vendo. Nem é tão caro
assim. Nem parece que passamos a noite tão bem como ontem. Por
que de repente seu humor se transforma? — Ele não me respondeu.
Pedimos a conta e fomos para o chalé sem nos falar. Um clima
oposto da noite anterior.
Ao chegar, Fred tirou a roupa jogando-as no chão, colocou o
pijama e se deitou na cama ligando a televisão. O Chalé não era
grande, apesar de ser comprido, possuindo apenas dois cômodos
interligando a sala de estar com o quarto. Todo construído em
madeira com uma decoração regional, foi planejado para tornar
especial a viagem de qualquer casal, mas, ao olhar cada detalhe
daquele quarto, lamentei existir entre nós momentos como esses,
que devastam qualquer noite romântica que pudéssemos ter ali.
— Vamos ficar juntos hoje? — Perguntei de forma introspectiva.
— Como assim ficar juntos? Não estamos juntos? Pelo amor de
Deus...
— Fred, o que eu fiz para você?
— Tirando o fato de termos pago os olhos da cara por um prato
de feijão, nada! — Debochou da pergunta que lhe fiz.
— Eu paguei pela viagem toda… Hospedagem, combustível,
presentes e o jantar de ontem à noite. Ter feito você gastar seu “rico
dinheiro” com um prato de feijão, como você mesmo disse, foi muito
para você? — Perguntei com ironia.
Ele me olhou entortando a boca e balançando a cabeça.
— Você deve ser bipolar, Fred. Nunca vi alguém ter dupla
personalidade como você — falei de cabeça baixa enquanto dobrava
as roupas que ele jogou no chão.
— Dá para você sair da frente e parar de atrapalhar o que eu
estou vendo?
Me virei e olhei para a televisão para ver o que de tão importante
eu estava interrompendo. Algumas mulheres estavam dançando
seminuas no filme que passava.
— Você está brincando, né?
— Eu mandei você sair. Sai! — Gritou Fred.
— Ficou louco? Para de gritar. Já está querendo estragar tudo?
— Chata! É isso que você é. Eu não suporto estar casado com
você.
— Por qual motivo fizemos essa viagem então? Deveríamos ter
ficado em casa e você poderia ter guardado o dinheiro “de pinga”
que gastou. Ou melhor, podemos nos separar e seguir nossas vidas,
que tal?
Sinceramente, não me importava mais. Naquele momento cada
destilada de raiva e ironia era retrucada por mim com mais raiva e
ironia. Fiquei firme em frente a televisão e continuei dobrando as
roupas. Fred se levantou em minha direção e me empurrou para
longe da televisão, fazendo com que eu caísse no chão. Naquele
momento parti para cima de Fred como uma “besta-fera” enfurecida.
O empurrei com toda força e arranquei o fio da televisão. Eu nem me
importava com as mulheres em si, mas o que não suportava era não
haver respeito entre nós e a instabilidade emocional dele; essa
alternância de humor em questão de horas.
Com força, ele veio para cima de mim, tentando ligar a televisão.
Como em uma conquista árdua e mútua de espaço eu segurava
firme o fio que ele, esmagando meus dedos, tentava arrancar. Chutei
Fred que o fez cair para o outro lado.
Olhei firme nos olhos dele e o desafiei, mostrando a ele que eu
também sabia machucar alguém quando queria. Olhava com
satisfação ao vê-lo caído no chão; era bom ver ele provar da mesma
humilhação que me causava. Enfurecido, Fred veio em minha direção
e agarrou, como sempre, em meus cabelos.
Me desvencilhei e corri em direção à porta; ele me puxou pela
blusa e me jogou para longe, imediatamente trancou a porta e
guardou a chave no bolso, vindo após isso na minha direção. Tomada
pelo pânico, enquanto ele me dava tapas, eu tentava arrancar a
chave de seu bolso para conseguir escapar.
Quanto mais eu gritava mais ele se enfurecia, pois havia percebido
que eu queria expor a verdade para todos. — Preciso chegar até
meu celular. Vou chamar a polícia! — Fred me jogou na cama e
colocou as mãos em minha boca enquanto eu gritava.
— Cala a Boca! Cala a merda da sua boca! — Ele gritou.
Parei de me debater e comecei a chorar.
Ele se levantou com o meu celular e o dele. Discava para alguém...
— Alô, é da polícia? Aqui é o soldado Fred — como assim? Ele
está chamando a polícia? Só pode ser brincadeira isso — fiquei
estática olhando para ele, sem acreditar no que ele fazia.
Prosseguiu:
— O caso é o seguinte: minha esposa tem sérios problemas
psicológicos. Está completamente desequilibrada e só porque eu via
televisão partiu para cima de mim e me agrediu. Bateu em mim com
toda a força — após segundos de silêncio ele disse: — Sim, por
favor. Quero o auxílio de uma viatura.
Nesse momento eu comecei a gritar com vontade: — Mentiroso!
Ele está me agredindo; socorro!
Enquanto eu gritava Fred informava o endereço que estávamos e
passava os seus documentos. Eu comecei a chorar e fui para cima
de Fred pegar a chave da porta do chalé. — Será que eu consigo
chegar até o carro e fugir?
Fred me afastava com os braços enquanto esperava na ligação.
Finalmente desligou e jogou na cama o celular.
Olhei para ele com o máximo ódio que alguém pode sentir.
— Mentiroso! Falso! Inescrupuloso! Como teve coragem? Você é
louco Fred! Louco! — Dizia aos gritos.
Ele olhou em meus olhos e disse:
— Então era isso que você queria fazer, né Camila? — Gritava
encostando sua boca na minha — fala Camila!
A cada grito de Fred eu tremia dos pés à cabeça.
— Vai! Vai embora sua desgraçada! — Disse rindo, jogando a
chave do chalé em mim.
Peguei o celular e coloquei em chamadas discadas para retornar
para a polícia, afinal, estávamos em um momento de completa
insanidade. Quando fui retornar a ligação, percebi que o último
número da lista era a ligação que eu havia feito para minha mãe.
Sem entender nada, olhei para Fred, que ria compulsivamente
olhando para mim.
— Você achou mesmo que eu havia ligado, sua trouxa? —
Debochou — Não, eu não liguei! — Fez uma pausa — se você ligar
eu terei argumentos suficientes para transformar você em uma
completa maluca. Pense duas vezes antes de fazer isso ou eu acabo
com você!
Sentada na cama e atordoada, não conseguia acreditar no que
acontecera.
— Arrume suas coisas que vamos embora. Daremos um passeio à
luz do luar de volta para casa — Fred falou olhando pela janela do
chalé — ir embora? Como assim ir embora? — Pensava comigo.
Naquele momento senti o maior medo de minha vida. — Ele
certamente irá me matar. Me matará na estrada e fará parecer um
acidente.
Desesperada, usei tudo o que eu podia a meu favor, pois naquele
instante ele havia se mostrado um completo psicopata.
Com uma manipulação barata, comecei a pedir desculpas a Fred:
— Me perdoe, por favor. Você tem toda a razão. Eu te pressiono e
faço você ter raiva de mim. Vamos ficar essa noite aqui e partimos
pela manhã Fred, por favor. Assim você estará mais calmo e eu
prometo que a partir de hoje serei a esposa que você tanto quer.
Nunca mais irei questioná-lo!
Fred afastava a minha mão do seu rosto e eu insistia. Depois de
muita conversa ele se acalmou e resolveu deitar-se.
Acabamos tendo mais uma hora de discussão passional por parte
dele, onde ele apontava tudo o que eu o desagradava. Como fiquei
submissa aos seus caprichos, ele quis transar. Ficava claro que ele
sentia tesão em minha submissão e por dentro eu estava “morta” de
sentimentos. Mesmo tentando me esquivar, ele insistiu e me obrigou
a transar; só queria fingir o melhor que pudesse para continuar viva.
Ele veio por cima de mim e, na intenção de que ele não visse minhas
lágrimas, me virei de bruços e esperei que ele se satisfizesse por
completo. Ao fim de tudo ele ainda me perguntou o que eu havia
achado. Fingindo gratidão, respondi que havia sido muito bom; ele
então se virou e dormiu.
Me sentei em uma poltrona em frente à janela, me cobri com uma
coberta e olhei para fora, lembrando da noite mais ensandecida de
minha vida onde fui abusada de diversas formas.
Com cuidado e silêncio peguei meu celular, acessei a internet
tremendo e enviei uma mensagem para Edgar.
Escrevi uma mensagem genérica, pois não queria causar
problemas para ele. Naquele momento, precisava dizer algumas
coisas, pois não sabia o que poderia acontecer. Não tinha certeza se
eu estava segura realmente e precisava avisar Edgar, mesmo que a
mil quilômetros de distância.
“Insanidade total!”
Segundos depois veio a resposta:
“O que está acontecendo?”
Respondi:
“Brigamos e hoje estou com medo. Segue minha localização.”
Ativei o GPS do meu celular e marquei o local que estava.
“O que eu faço? Envio ajuda?”
“Não! Apenas espere. Se amanhã não te escrever chame a
polícia”
Edgar replicou inconformado: “Não! Farei isso agora!
“Está tudo bem! Ele dorme. Durma bem!” — Desliguei meu
celular.
Obviamente Edgar não dormiu essa noite, nem eu. Passei a noite
em claro, prevendo todos os movimentos de Fred. Foi a pior noite de
todas...
Na manhã seguinte viajamos de volta. Fred ficou o caminho todo
sem falar comigo e eu preferi não comentar nada na esperança de
chegar em segurança à nossa casa. Ao chegar escrevi para Edgar:
“Estou segura em casa com minha mãe. Não se preocupe”
A resposta veio rápido.
“Alívio! Nos falamos amanhã”
Alguns dias passaram após essa terrível experiência. Pensei que
talvez a própria família de Fred pudesse me ajudar com toda essa
situação caótica.
Era domingo e fomos para a casa da avó dele. Como uma última
tentativa, decidi que era hora de pedir ajuda, mesmo sem saber por
onde começar.
Após o almoço, todos estavam na cozinha enquanto Fred e eu
estávamos na varanda decidindo quem levaria o carro para o
mecânico na segunda-feira. Eu não queria deixar meu carro com
Fred por diversos motivos e então começamos a discutir.
Pela primeira vez eu não tentei acalmá-lo na intenção clara de
causar uma briga para que alguém nos descobrisse. Queria um aval
mais prático e seguro para o divórcio; queria que todos soubessem
como era nosso casamento e que incentivassem Fred a se separar
de mim.
Após muito negar o uso de meu carro a ele, seu pavio foi aceso.
Quando levantou a voz para mim eu virei as costas para Fred, que
agarrou em meu cabelo, jogou-me no chão e começou a me
enforcar. Suas mãos, que envolviam vigorosamente meu pescoço,
estavam frias, ou tudo estava frio porque já me faltava o ar, eu não
sabia mais. Tudo estava confuso, os sons abafados, as cores se
misturando no ar, senti então que estava a segundos de desmaiar.
Fechei os olhos e reuni toda força que me restava, enchi os pulmões
da forma que consegui e, com a voz rouca e reprimida, gritei o mais
alto que pude. Em segundos tiravam Fred de cima de mim.
Ele começou a chorar dizendo que eu conseguia fazê-lo sair de
sua calma. Para minha grande surpresa, a reação da família de Fred
foi a oposta da que eu imaginava. Todos, em comoção, gritavam em
minha direção dizendo o quanto eu transtornei a mente daquele
“pobre rapaz”. Apenas seu primo dizia que ele estava errado em me
bater e que ele não podia perder a cabeça; a sensação que eu tive é
que o primo o conhecia muito bem, aliás, muito melhor que eu.
Eu contei a eles que toda a vez que Fred ficava nervoso, me
agredia, mas, como se não ouvissem, me colocaram como culpada
por aquelas agressões e foi naquele momento que eu soube que não
teria o apoio de ninguém.
Capítulo 7

Libélula

“Ser profundamente amado por alguém nos dá força; amar alguém


profundamente nos dá coragem.”
Lao Zi
O contrato profissional temporário de Fred havia terminado e ele
estava desempregado, o que me deixava em uma situação ainda
mais complicada para o divórcio. Havia passado pouco tempo desde
nossa briga e ele tinha a certeza de que eu não queria mais estar
casada com ele. Ele sabia mais: que eu queria expor para todo
mundo quem ele realmente era.
Minhas conversas com Edgar eram cada vez mais longas e
frequentes e, eu já não me importava se estava na frente de Fred ou
não. Sempre que Edgar me telefonava eu atendia onde estivesse.
Fred olhava, às vezes perguntava, mas sempre se mostrava um
pouco incomodado. Eu não via motivos para esconder dele pois,
apesar de todo o nosso passado e nosso real sentimento, Edgar era
um grande amigo. Ainda que estivesse presa a esse relacionamento
insano, começava aos poucos a me sentir emocionalmente livre de
Fred.
Em uma dessas ligações, Edgar disse que viria a São Paulo a
trabalho e que se hospedaria em um hotel. Fiquei feliz que nos
veríamos novamente, pois até minha mãe sentia saudades de Edgar.
Ao desligar o telefone, Fred perguntou:
— Estava falando com quem? Edgar?
— Sim, era. Disse que vem para São Paulo a trabalho.
— Ótimo! Convide-o para ficar aqui! — Disse na maior
naturalidade.
Olhei para ele e arregalei os olhos, demonstrando surpresa.
— Sim, qual é o problema? Ele não é seu grande amigo? —
Perguntou com ironia.
No fundo eu pensava que seria estranho e confuso ter Edgar em
nossa casa, mas poderia ser uma alternativa para pôr um fim no meu
casamento doentio. Fred o queria por perto, mesmo sabendo que foi
uma pessoa com a qual eu me relacionei e tive uma história de amor;
obviamente havia segundas intenções em tudo isso, mas eu quis
pagar para ver.
Edgar ligou para o meu marido, mas teve que se controlar muito
emocionalmente para não transparecer seu ódio nítido por Fred. Ele
queria a oportunidade de ver de perto tudo o que eu passava, pois
sempre desconfiou que eu omitia meus problemas.
Como a nova casa para a qual nos mudamos tinha somente dois
quartos, minha mãe achou por bem ceder o quarto dela e dormir na
sala; era uma maneira de dar privacidade a Ed e evitar problemas.
Edgar chegou no domingo e Fred não estava em casa. Tanto eu
quanto minha mãe o recebemos com muito carinho! O abracei com a
maior força que pude, com os olhos cheios de lágrimas de emoção e
saudade. O perfume dele era algo surreal! O cheiro da jaqueta de
couro que ele usava me enlouquecia, fazendo-me lembrar de como
era bom sentir esse cheiro todo dia. Passamos a tarde rindo e
conversando somente sobre coisas boas.
Minha mãe quis pizza para a janta e, após o banho, Edgar sentou-
se ao meu lado no sofá da sala. Estávamos esperando Fred chegar
de seu curso e eu mal podia acreditar que ele estava ali...
— Como ele está com você? — Perguntou Edgar.
— Até que estamos mais calmos. — Respondi olhando para fora
da janela, com receio que Fred chegasse e nos pegasse no meio
dessa conversa.
— Você sabe que eu não conseguiria ver Fred sendo rude com
você, né? Isso seria demais para mim.
— Fique tranquilo, Ed, pois não será necessário. Ele não é burro.
— Eu espero de verdade que isso não aconteça. Posso estar na
casa dele, mas não admitirei que ele fale alto com você. — Eu ri —
casa dele?
— Esta não é a casa dele! Eu pago tudo por aqui.
Ed balançou a cabeça em sinal de desaprovação.
— Sua mãe já sabe?
— Não. Nunca desconfiou desse lado impetuoso de Fred, mas
sabe que brigamos muito e que algo não vai bem. — Edgar não
pode desconfiar que ele me bate.
— Como conseguiu esconder seu casamento ruim?
— Eu chorei muitas vezes com a toalha de banho sobre a boca.
Ele é bem esperto quanto a isso e, como minha mãe está sempre no
trabalho, ficamos a maior parte do tempo sozinhos.
Ed abaixou a cabeça e, naquele momento, eu sabia que ele estava
prestes a explodir caso algo acontecesse. Qualquer mínimo deslize
seria suficiente para Edgar dar uma surra em meu marido.
— Ed, você não acha estranho ele ter convidado você para ficar
aqui? — Perguntei olhando em seus olhos.
— Sim, muito para falar a verdade. Mas eu sinto que há algo
prestes a acontecer. Ele não faria isso sem segundas intenções.
— Que intenções ele teria em nos aproximar?
Edgar me olhou e deu um sorriso irônico.
— Não parece óbvio para você? Justamente isso: nos aproximar.
Só não sei o motivo! — Me olhou pensativo.
Fred queria ter algo em suas mãos que o pudesse libertá-lo pois,
se eu revelasse na igreja tudo o que passei, ele perderia seu cargo
na orquestra e teria sua reputação de bom crente devastada. Ele
sabia que não mais poderia agir da forma como fez até aqui e estava
tentando produzir provas claras contra mim. Na última briga eu havia
falado tudo para a família dele, e faria novamente se preciso.
Minha mãe chegou perto de nós e disse:
— Edgar, estou muito feliz que está aqui, mas algo não me soa
bem. Ele não fez isso querendo inocentemente a sua presença.
— Isso eu sei, Dá. Vamos ver o que acontece… — respondeu.
Ela não sabia como Fred era violento, mas sempre sentiu que algo
nele me fazia muito infeliz. Por diversas vezes me questionou os reais
motivos pelo qual eu vivia abatida e sem o meu sorriso contagiante
de sempre.
Quando Fred finalmente chegou para jantar não parecia aquele
homem controlador. Simpático, recebeu Edgar com um sorriso.
Durante o jantar, Edgar me olhava e deixava claro o amor que
sentia por mim sem demonstrar vulgaridade, simplesmente pela
maneira como me ouvia e admirava as coisas que eu dizia, ao encher
meu copo de bebida e na forma como me passava algo à mesa com
carinho. Com a presença de Edgar, me senti segura.
Após um silêncio durante o jantar, Fred me fez um pedido:
— Me passa suas bordas de pizza, Cá — e estendeu o prato.
— Não. Eu quero comê-las — dei a maior mordida que consegui
em uma das bordas, com um ar provocativo.
— O que custa? — Perguntou ele demonstrando irritação.
— Custa sim. E minha vontade não conta? — Respondi seca.
Fred recolheu o prato e disse:
— Come então essa merda. Engorda bastante, mais do que está.
Edgar encarou Fred. Finalmente ele pôde ver com os próprios
olhos o que eu muitas vezes contava por telefone. Os motivos de
nossas brigas não tinham o menor sentido e eram sempre banais.
Fred, percebendo a insatisfação de Ed, piscou para ele no intuito
de parecer que brincava comigo. A única coisa que Fred não
imaginava era que ele sabia que algo no meu casamento não ia bem.
Olhei para as mãos de Edgar e percebi que ambas estavam
fechadas com muita força; ele ponderava muito se não deveria partir
para cima de Fred e descontar nele toda a agressividade à qual me
sentenciou.
— Quem quer sobremesa? — Mudei de assunto.
Fomos dormir sob um silêncio estranho na casa; algo latejava em
minha cabeça: Fred parecia uma bomba prestes a explodir e eu mal
podia esperar para ver tudo o que estava em vias de acontecer.
Ed levou seu carro para consertar e revisar em um mecânico
próximo ao meu trabalho. Nessa tarde, aproveitei para passar o dia
ao seu lado, e tê-lo ali comigo, era a realização de um sonho! Na
hora do almoço caminhamos em um parque repleto de cerejeiras
floridas que ficava próximo. Ele se deitou na grama e eu me deitei
em seu peito; lá não tinha ninguém além de nós! Passei a mão por
dentro da camisa de Edgar e olhei para ele com desejo, implorando
por um beijo. Era uma tarde de calor muito agradável e uma brisa
balançava meu vestido como se fizesse carinho em minha perna; eu
não resisti e beijei Edgar como em nosso primeiro beijo.
Nos entregamos à uma vontade reprimida por muitos anos e eu
flutuava em um misto de excitação e amor. Aqueles segundos de
amor e segurança foram a melhor sensação após todo o tempo de
escravidão em meu matrimônio. Naquele instante tive certeza de que
Fred não significava absolutamente nada para mim além de dor e
medo. Nem mesmo culpa pela religião eu consegui sentir, tamanha
emoção de beijá-lo. Voltamos para minha casa e trocamos olhares o
caminho todo, aumentando cada vez mais nossa paixão ao mesmo
tempo libertadora e proibida.
Como minha mãe e meu tio auxiliavam Ed em seu projeto, ele ficou
mais tempo do que o esperado. Fred se afastava e nos deixava
sozinhos, conversando, e minha mãe desgostando da situação,
sempre tentava ficar entre nós para evitar problemas futuros com
meu marido e com minha reputação na igreja. Ele ficou em nossa
casa por aproximadamente uma semana e meia.
Quase toda noite assistíamos um filme, mas Fred nunca se deitava
ao meu lado, sentando-se sempre ao lado da minha mãe enquanto
eu ficava ao lado de Edgar. Na maioria das vezes se levantava no
meio do filme e ia dormir, o que eu adorava, pois podia conversar
mais com Ed.
Em várias ocasiões, Fred nos surpreendia como alguém à espreita
de algo que desconfiava e começou a deixar claro a intenção de ter
insistido para que Edgar e eu ficássemos tão perto.
Cada dia o espaço reduzia entre nós. Nem parecia que Fred
estava ali!
Finalmente chegou o dia de Edgar ir embora e eu o levaria para
buscar seu carro já pronto no mecânico. Quando caminhamos em
direção à garagem, fui surpreendida por Fred, que saia do meu
carro.
— O que foi fazer no carro? — Fiquei desconfiada dessa atitude
dele.
— Fui verificar a água do carro. Me preocupo com você! —
Respondeu Fred dando um leve “soquinho” no meu queixo.
Edgar me olhou na tentativa de entender a atitude dele. Saímos
com o carro e eu estacionei na primeira oportunidade que tive;
passava a mão pelo porta-luvas e embaixo do banco. Algo estava
errado, só não sabia o que.
— Ele colocou um gravador no carro, Ed — falei enquanto
procurava.
— Imagina, Cá. Por que ele faria isso?
— Porque sim. Meu sexto sentido não falha e tenho certeza de
que ele está querendo me incriminar de algo. Ele não faz nada sem
segundas intenções, Ed.
— Esquece isso, Cá. Vamos que você está atrasada.
Fomos para meu trabalho rindo, cantando e conversando. Durante
todo o tempo que Edgar esteve conosco eu cuidei de todo o projeto
gráfico de seu novo empreendimento. Sua apresentação estava
prestes a acontecer e a cada hora a sua ex-esposa ligava para
discutir com ele; eles estavam em uma profunda crise, pois qualquer
processo de separação é extremamente desgastante. Comecei a
ficar irritada por não conseguirmos prosseguir com o trabalho e
confesso que tinha ciúme ao vê-lo conversar com ela, chegando a
demonstrar.
No fim da tarde, como o carro de Edgar já estava pronto, ele
voltou em seu carro e eu voltei no meu. No meio do caminho ele
desligava nossa ligação para voltar à discussão com sua esposa.
Quando ele retornava minha chamada, eu esbravejava e reclamava
dizendo que ele não dava atenção ao que eu dizia. Eu sentia ciúme,
uma certa intimidade e liberdade de falar o que eu pensava após
aquele beijo com Edgar. Eu o lembrava quem era na vida dele:
aquela pessoa com quem ele fez amor no passado e havia acabado
de beijar; repetia isso diversas vezes para conscientizar ele do tipo
de relação que tínhamos.
— Calma, Cá, a situação não está boa.
Paramos no posto de gasolina para trocar o óleo do meu carro e
Fred me ligou:
— Camila, você vai demorar? — Perguntou apreensivo.
— Não, por quê?
— Não me sinto bem. Estou com um aperto no peito de
preocupação...
— Que conversa esquisita é essa, Fred? Já estou indo. Em dez
minutos estarei aí.
Olhei surpresa para Edgar. Cheguei a pensar que ele estivesse
com ciúme da presença de Ed, o que me pareceu bem mais lógico.
Eu não me importei e confesso que não senti um único segundo de
culpa por beijá-lo.
Chegamos em casa, jantamos e Fred foi dormir, nos deixando a
sós com minha mãe mais uma vez. Desta vez optei por não prolongar
a conversa. Aquela situação me incomodou bastante, até porque
Fred estava chorando, o que era incomum. Pode parecer frieza, mas
eu nem quis saber o motivo e desconfiava que pudesse ser
justamente por eu não estar servindo a ele como de costume.
Edgar, prevendo algo a acontecer, resolveu chamar minha mãe
para uma conversa. Aos poucos contou a ela o que eu passava,
então eu finalmente tive coragem de contar para eles as agressões
que eu sofria com frequência desde minha lua de mel.
Precisei segurar Ed, que queria arrancar Fred do quarto pelo
colarinho. Ambos choravam, tomados de raiva, enquanto eu tentava
silenciá-los com as mãos pedindo pelo amor de Deus que não
fizessem nada que botasse a perder tudo de bom que poderíamos
construir. Eu indagava que não podia me separar, visto que Fred
havia ficado desempregado há pouco tempo e que precisaria de mim
neste instante. Eles não compreenderam a coerência dessa atitude,
afinal, como eu poderia ter compaixão por um homem que me fez
passar por tudo isso? Me fizeram prometer colocar um fim em nosso
casamento antes que algo pior pudesse acontecer. Foi difícil impedir
que ambos fizessem um escândalo naquela noite. Eles queriam ir
direto à delegacia, mas, como havia passado bastante tempo desde
a última agressão, tive medo por não ter provas aparentes contra
ele, o que foi meu maior erro. Eu poderia sim, tê-lo denunciado!
Minha mãe não conseguia mais dirigir a palavra a Fred. Eu via em
seus olhos que a qualquer momento ela seria capaz de pular no
pescoço dele. Todos concordamos que era melhor Edgar ir embora e
foi então que ele partiu, em uma sexta-feira, levando meu coração e
minha paz com ele.
Fechava os olhos e sentia o perfume de Edgar em minha casa.
Como se já não fosse difícil suportar a partida dele, ainda tive que
suportar um fim de semana marcado pelos choros de Fred; eu não
conseguia entender por que ele se comportava daquela forma.
Domingo fomos na igreja e, após uma exortação do ancião que
ministrava o culto, fui até ele tirar uma dúvida acerca das coisas que
ele havia dito. Notei que, ao me ver, o homem ficou bastante
desconcertado e demorou a entender minha pergunta. Fred, de
longe, me olhava, sem entender por que eu estava conversando com
o ancião.
Todos estavam loucos? Que atitude mais estranha. Por que Fred
ficou aflito ao me ver falar com ele e o homem mostrou reticência
ao me atender, por quê?
No carro, Fred me perguntou:
— O que você foi falar com a ancião?
— Só fui tirar uma dúvida. Mas ele estava tão estranho. Mal me
saudou. Por que será?
Fred ficou em silêncio, o que me deixou mais pensativa.
O dia seguinte foi agitado no trabalho. Ao chegar em casa tomei
um bom banho e me sentei ao lado de Fred na cama exausta e
querendo descansar.
— Me diga uma coisa. Algo a entristece sobre nossa vida? —
Perguntou ele.
Com ar de indiferença eu respondi:
— Temos marcas horríveis e eu vou ser sincera: não te quero
mais. — Fred transtornou o olhar. Se levantou e pediu-me para ir até
o computador.
— Coloque os fones e ouça. Ouça sua traidora! — Fred falou aos
gritos.
Ouvindo o áudio, lá estava minha voz discutindo com Edgar,
demonstrando meu ciúme e dizendo sobre nosso passado, sobre a
forma que fazíamos amor — por que eu não me surpreendi? —
Fred havia colocado uma escuta em meu carro, como desconfiei.
Aos berros ele dizia que eu havia feito sexo com Edgar e não
passava de uma adúltera. Que toda a igreja já estava sabendo,
inclusive o ancião — tudo fazia sentido.
— Fred, eu me referia ao nosso passado, no tempo em que eu
fiquei junto com o Edgar. — Tentei me justificar.
— Você demonstra ciúme na ligação, Camila. Isso também é coisa
do passado? Chama ele de “meu amor”! Diz que o ama! Por que
Lieb? Significa amor em alemão, né? Apesar de você ter mentido
para mim, eu sei de tudo.
Começamos a gritar um com o outro e minha mãe se envolveu em
nossa briga pela primeira vez. Comecei a chorar e vi que o circo que
ele preparou já estava todo armado antes mesmo de eu perceber
algo. Minha mãe dizia que mostraria para a igreja tudo o que ele via
na internet e a forma como me agredia. Quando entrei no quarto
atrás de Fred vi que ele já havia levado algumas coisas pessoais e
pegava somente o seu instrumento musical e uma mochila.
Antes de Fred partir eu só consegui falar uma última coisa:
— Como você pode ser tão manipulador e fraco? Conviveu com
Edgar todos esses dias e não teve coragem sequer de tirar
satisfação com ele! Eu não transei com Edgar nesse dia como você
disse, mas eu me arrependo por isso. Deveria ter transado com
Edgar em sua cama! Você faz isso para se livrar de tudo o que me
fez passar nesses anos! — Comecei a aplaudi-lo, inconformada por
minha estupidez e pela sagacidade nojenta dele.
Fred simplesmente me olhou, abriu a porta e saiu em silêncio com
um sorriso irônico de vitória.
Nesta hora minha mãe já recolhia tudo que lembrava Fred. Eu me
joguei na cama e chorei, mas, pela primeira vez desde casada, eram
lágrimas de alívio, pois havia chegado o fim daquele tormento.
Finalmente Fred não dormiria mais ao meu lado!
Começou no abuso, vai terminar no abuso. Não podia esperar
honra de alguém sem caráter e esse foi o relacionamento curto mais
longo de toda minha vida.
Fred tinha razão neste aspecto. Eu menti sobre meus sentimentos,
mas nem sequer quis me justificar, afinal não me importava mais. Ele
não entendia por que Edgar e eu tínhamos tanto carinho um pelo
outro — confesso que até hoje dou risadas sozinha quando lembro
da desculpa que dei quando Fred perguntou o que significava Lieb.
Eu realmente podia ter pensado em algo melhor do que uma
abreviação de libélula.
Capítulo 8

Caça às Bruxas

“O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles


que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e
deixam o mal acontecer.”
Albert Einstein
A luz do set de filmagem estava irritando meus olhos — vou ter
que tirar os óculos. Fica impossível se concentrar com esse reflexo.
— Camila, você está pronta? Pode falar alto para testarmos seu
microfone? — Falou o produtor.
—Sim, estou pronta. Eu vou aparecer de costas na matéria?
— Exato! Tranquila agora… vamos começar.
Durante alguns minutos eu contei para uma repórter de um canal
de televisão algumas de minhas vastas experiências liberais. Estava
ansiosa sobre a repercussão que isso traria, uma vez que,
obviamente, quando foi ao ar muitas pessoas me reconheceram,
mesmo de costas. A coragem de me expor à sociedade como uma
mulher praticante de swing foi uma construção de tudo o que eu
havia passado durante meu divórcio.
O momento de toda separação nos traz muita tristeza. O baú de
lembranças fica repleto de memórias dolorosas e as escolhas
revelam caminhos incertos.
A insegurança do porvir traz medo, os questionamentos de amigos
só pioram e começa-se a questionar onde se errou. Apesar de meu
baú de lembranças ter pouquíssimas memórias positivas, tentava me
agarrar à religião, que era a única coisa que parecia ter de verdade.
Fiquei de luto pela minha reputação na igreja. Não comia, não
dormia e somente chorava. Fred parecia estar muito bem, pois era
amparado por sua família, que me incriminava como uma adúltera e
me acusava de ter cometido um dos piores crimes da humanidade.
Na igreja as pessoas não me saudavam e estavam sempre
“cochichando” a meu respeito.
Todas as noites, Fred fazia questão de me escrever e dizer o
quanto sentia minha falta, perguntando-me por que eu havia feito isso
com ele. Ele ainda tentava me fazer sentir culpada e me torturar
emocionalmente, mesmo com nossa distância.
Minha mãe chegou, certa tarde, em casa e me deu uma notícia
inusitada.
— Filha, o ancião da igreja me telefonou dizendo que gostaria que
você tivesse com ele uma conversa sobre seu casamento.
— Claro. Por que não?
Me arrumei e fui para a igreja que sempre foi minha congregação.
Apesar de não ser a congregação que Fred frequentava antes de
nosso casamento, ele fez questão de não faltar a um único culto e
tocava na orquestra como um caro santo contrito por tamanho
sofrimento que a esposa infiel o causara.
Ao chegar na igreja, fui recebida pelo ancião que, muito paciente,
já havia ouvido minha mãe.
— Camila, precisamos ouvi-la em frente a uma bancada de
homens do ministério. Podemos marcar para quando? — Perguntou
ele de forma séria.
— Ministério? Como será essa reunião? — Perguntei
desconcertada.
Eu jamais havia falado na presença de homens do ministério. Isso
era algo que me surpreendeu e me deixou bastante aflita e
constrangida.
— Será somente você na presença de muitos anciãos. Seu esposo
estará presente e lhe fará uma acusação. Diante das suas
justificativas, tomaremos a melhor decisão. Somente você poderá
entrar, sem sua mãe ou qualquer pessoa.
Eu consenti, dizendo que iria, e saí da igreja desorientada, sem
saber o que falar. Eu teria que expor minha vida íntima? O que era
isso? Um tribunal da inquisição? Estava prestes a ser queimada
como bruxa em uma fogueira em pleno século XXI?
Como uma bomba prestes a explodir, peguei meu carro e fui para
o litoral sozinha. Na água, olhando para uma ilha distante, que
estampava aquele horizonte perfeitamente colorido com um número
imensurável de tons de azul, tentava organizar as ideias em minha
cabeça. — Será que eles me ouvirão livres das contaminações de
Fred?
Passei o dia no mar, vendo as gaivotas voarem sobre mim. O céu
estava tão azul que ofuscava minha vista. Não fazia tanto calor, mas
eu sentia a água me aquecer e os pássaros me mostravam como
era bom ser livre! E foi essa liberdade que eu senti que me deu
forças para retornar e enfrentar essa reunião.
Era uma situação muito complexa; a religião era tudo o que tinha.
Daquele momento até o fatídico dia, convivi com mensagens
perturbadoras de Fred, na tentativa de me provocar. Buscava forças,
me agarrando a tudo aquilo que eu acreditava e às pessoas que
verdadeiramente aqueciam as minhas memórias. A pressão foi
enorme, quase insuportável, o nervosismo era tão grande que, antes
de sair de casa para a tal reunião, a lembrança de que teria que
encarar Fred sentado ao meu lado me atingiu como uma pontada no
estômago já revirado, me fazendo vomitar.
Apesar de minha mãe não poder entrar, ela me acompanhou até a
entrada da sala e ficou próxima a uma janela na tentativa de ouvir e,
de certa forma, me transmitir um mínimo de conforto ficando o mais
próxima possível.
Eu precisei ir ao banheiro, pois não conseguia parar de chorar de
tanto nervoso. Ao sair, vi os diversos homens caminharem em
direção a reunião. Eram muitos…
Entrei na sala e lá estava Fred. Eu não conhecia essa parte da
igreja, pois só os homens do ministério têm acesso. Assim como o
salão de culto, a sala era toda cinza clara, sem quadros na parede e
com móveis de madeira bem antigos, mas de excelente qualidade.
Era um cômodo comprido com uma enorme mesa que atravessava
quase toda a sala. — Não me lembro de ter visto uma mesa tão
grande quanto essa — sem dúvida alguma, é o ambiente mais frio
que se possa imaginar, sem nada que o torne minimamente
acolhedor.
Olhei para a cadeira vazia que me aguardava ao lado de Fred e
pude reviver os péssimos sentimentos do tempo que estive casada
com ele. Era como sentar-me ao lado da submissão mais uma vez.
Caminhei até a cadeira e antes que pudesse me sentar, Fred
levantou-se e, trajando um belo terno, pegou em minha mão.
Olhando em meus olhos disse com a maior naturalidade:
— A paz de Deus, Camila.
Sério que ele tinha coragem de me desejar paz nesse momento?
Eu tive vontade de cuspir na cara dele.
Eu estava malvestida e com o rosto avermelhado de tanto chorar.
Ele, por sua vez, estava calmo mostrando a maior santidade e
controle que uma pessoa poderia demonstrar naquele momento,
além de parecer ter passado o dia todo em algum Spa. Ele sabia
que eu não teria coragem de dizer certas coisas, afinal, era uma
situação extremamente constrangedora para mim, sozinha, diante de
tantos homens. Sentada e rodeada por eles, mantive minha cabeça
baixa o tempo todo, evitando qualquer contato visual.
A reunião foi aberta. Todos se levantaram para iniciar a oração e
eu me senti em uma praça pública prestes a ser queimada,
apedrejada ou decapitada com olhares frios em minha direção.
“Abrimos essa reunião”.
Todos se ajoelharam e um dos homens ali presentes começou a
orar em voz alta pedindo a Deus sabedoria para que nada ficasse
oculto diante deles.
Nesse momento ouvia o silêncio da minha mente e uma paz
indescritível me tomou por completo enquanto fazia uma prece
individual:
“Deus você está aqui? Por muito tempo errei, mas, de algum
modo, tentando lhe encontrar. Em um sonho lhe fiz uma pergunta:
até quando isso vai durar? Você me respondeu que tudo iria piorar,
mas que não era para temer, afinal, se eu tivesse forças de
suportar tudo o que estaria para acontecer, eu teria uma felicidade
que jamais imaginei. Você me faria deitar como uma palmeira na
ventania, mas me ergueria no momento certo. Estou aqui Deus,
precisando me reerguer.”
Tirei o véu branco que cobria meus cabelos. Ao terminar a oração
Fred parecia muito calmo e eu estava roxa de tanta angústia em meu
peito. Um dos homens se levantou e disse:
— Eu serei o escrevente da reunião. Deixemos as damas falarem
primeiro, afinal, é você que está sendo acusada, não é mesmo, filha?
Respondi com a voz embargada:
— Estou sendo acusada? Como devo me justificar se nem ao
menos sei o motivo? Se ele me acusa que fale primeiro!
Fred olhou surpreso e debochado para mim; ele achou que seria
fácil.
Ambos os membros consentiram e Fred começou então a falar,
chorando copiosamente. — Que choro mais encenado e sem
autenticidade! — Eu, que bem conhecia, sabia o que significava essa
manipulação. Não nego o quanto foi difícil me manter calada diante
das suas acusações. Fazendo força, cerrei meus lábios com muito
nervosismo esperando-o acabar seus impropérios.
Enquanto ele falava eu não podia acreditar no que ouvia. — É isso
mesmo que ele está dizendo? — Tentava me fazer parecer a pior
mulher do planeta.
— Ela me traiu. Tenho provas concretas! — Contou todo o
ocorrido na perspectiva dele. — Eu amei e amo essa mulher. Ela
levou um homem para dentro de nossa casa e, enquanto eu dormia,
eles faziam sexo pelas minhas costas, inclusive, com o
consentimento de minha sogra! Tenho provas! Aqui estão, meus
queridos, um bilhete de Edgar para ela e a gravação da conversa
que eu fiz!
Imediatamente vi em suas mãos o único bilhete que guardei como
recordação de Edgar. Foi um bilhete que recebi com flores após a
morte do meu pai. No bilhete dizia:
“Meine liebe... Deus a abençoe infinitamente!”
Com ódio ao ver aquelas mãos sujas tocarem naquelas palavras,
arranquei com toda minha força o cartão das mãos dele.
— Você não é sequer digno de encostar nesse papel! — Disse
destilando ódio na direção de Fred, que arregalou os olhos para mim
e para os anciões, comprovando a eles o quanto eu era impulsiva,
exatamente como ele dizia.
Fred falou por aproximadamente vinte minutos, me acusando das
mais absurdas mentiras. Imaginem minha mãe consentindo uma
traição diante de seus olhos? Até minha mãe aquele homem acusou.
Ele assinou sua sentença quando disse mentiras a meu respeito.
Eu cheguei a cogitar preservá-lo de um vexame antes daquela
reunião; agora não mais.
— Então, Camila. O que tem a dizer sobre isso?
Foi me dada a palavra; tomada por uma força absurda ignorei o
fato de estar sentada em frente a tantos homens calejados pelo
tempo e por um longo caminho religioso. Abri minha boca e falei
olhando nos olhos de cada um deles e me virando também para
Fred, que pressentiu que não seria tão simples como ele havia
pensado.
Fiz questão de falar alto para que minha mãe e sua tia, que
esperavam ao lado de fora, ouvissem também.
— Desde o dia em que me casei, fui humilhada moralmente e
agredida, inclusive em minha lua de mel! Fui obrigada a presenciar
este homem ao meu lado ser acusado em seu emprego por praticar
atos libidinosos em um banheiro feminino e era obrigada a penetrá-lo
com meus dedos toda vez que ele queria, além de me fazer abrir as
pernas, para que ele se tocasse, usando-me como se fosse um
mero objeto. Além de toda a humilhação sexual que sofri casada com
ele, recebi dele chutes, socos, enforcamentos e todo o tipo de
humilhação — Fred tentou me impedir de continuar — cale-se! Deixe-
a falar! Disse um dos homens.
Continuei.
— Seus estudos bíblicos eram a visitação diária a um site com
vídeos amadores de homens praticando sexo com outros homens em
um banheiro público; quando eu o questionei ele me agrediu. Aqui
nesta sala tem um ancião que viu um corte em meu rosto. Em um
dos cultos que fomos após eu ter levado uma surra de Fred, fui
questionada pelo ancião que ficou intrigado ao ver o ferimento em
minha testa. Por medo disse ao ancião ter sido um acidente na
cozinha.
O ancião consentiu com a cabeça e Fred tentou se justificar.
— Não foi um corte. Era apenas uma marca roxa! — Disse Fred,
como se isso fosse um alívio perante as acusações que eu fazia.
— Marca roxa? Acha que isso muda alguma coisa? Mentiroso! —
Gritava o ancião — eu vi a marca; confesse que bateu nessa mulher!
Fred abaixou a cabeça e confessou me bater, tentando de alguma
forma se justificar. Não acredito que ele fez isso por consciência,
mas sim por não esperar que eu fosse revelar tudo o que havíamos
passado.
De boca aberta, os homens, escandalizados, gritavam coisas para
Fred que o fizeram passar muita vergonha, ao mesmo tempo que
tentavam me fazer parar de falar. Eu fiz questão de descrever
detalhes, pouco me importando com os termos que ofenderiam eles.
Após ter a atenção de todos ali presentes, falei por cerca de duas
horas, contando-lhes os momentos mais dolorosos e vexatórios de
minha vida. Revelava tudo com riqueza de detalhes sem derramar
uma única lágrima sequer.
Uma vez ou outra davam a liberdade para Fred se justificar, que se
enrolava em suas próprias ideias.
Falei, inclusive, do amor que sentia por Edgar, afinal, ele
acompanhou toda minha jornada profissional, o falecimento de meu
pai e foi determinante para meu ingresso na igreja. Sem medos
contei que, antes de me casar, havia realmente tido experiências
sexuais, inclusive com Edgar, mas que pela própria doutrina nos
impedimos de prosseguir em nosso romance, afinal, eu não estaria
casada com Fred se isso não fosse verdade; eu estaria com Edgar.
Concordei ter sido, por esses últimos meses, uma amiga íntima de
Edgar, pois minha carência era tanta que minha luta contra esses
sentimentos era algo constante e incontrolável.
Ao final da reunião, depois dos diversos argumentos de todos ali
presentes, chegou a hora das considerações finais por meio do
presidente.
Do meu lugar eu via os rostos de todos. Alguns deles estavam
tomados por lágrimas e outros perguntaram por que eu não havia
recorrido ao ministério antes.
— Não parece óbvio? Nem mesmo minha mãe soube. Como eu
teria coragem de falar sobre tantos fatos constrangedores?
— Declaro encerrada a reunião, mas antes devo dizer algumas
palavras — fez uma pausa e continuou: — Você, Fred, não aprendeu
desde criança que não se deve bater em uma mulher? Não aprendeu
que, como homem religioso, certas partes do seu corpo são
intocáveis? Que seus olhos deveriam ser somente para sua esposa e
sua vida deveria ser guiada pela doutrina da igreja? Não aprendeu,
Fred?
— Sim irmão, aprendi. — Disse Fred de cabeça baixa.
— Como teve coragem de fazer tudo isso à sua esposa? Vimos
ela crescer espiritualmente em meio a nossa comunidade. Você
casou-se com ela e se arrependeu por ela ser mais velha? Não era
como você desejava?
— Não irmão. Eu desejaria voltar para ela, mas dado a tudo isso,
sei que não terá possibilidades — disse Fred.
— Não mesmo! Nunca mais — afirmei seca e fria!
Prosseguia o presidente da reunião:
— Fred, serei sincero e direto com você. Você convidou para
dentro de sua casa outro homem com quem sabia que ela já tinha
uma história. Fez isso querendo jogar sua esposa nos braços de
outro para se livrar de seu casamento sem maiores culpas e
consequências. Te digo mais: se a Camila errou e chegou a ter
relações sexuais com Edgar, mesmo casada, a culpa foi toda sua.
Você deu motivos suficientes para ela fazer isso. Aos dois será
retida a liberdade religiosa em nossa comunidade devido ao
escândalo. Camila, fique aconselhada a se apartar de seu esposo
até que então, diligentemente, ele busque seu perdão e você possa
perdoá-lo e reatar seu casamento. O divórcio não é uma opção.
Estão liberados!
Eu fiquei sem acreditar no que aconteceu. Me levantei e fui
saudada pelos homens que ali estavam, que me aconselharam a
buscar Deus e ter forças de retomar meu casamento? Era isso?
Fred me olhou inconformado. Suas lágrimas não eram de tristeza,
mas sim de vergonha e ódio. Olhei em seus olhos, levantei-me, sorri
para Fred e apertei sua mão, espremendo seus dedos — dei até
uma leve chacoalhada como quem faz um trato. Virei as costas e,
com um sorriso no rosto, parti me sentindo a mulher mais forte do
mundo. Finalmente encerrei esse capítulo em minha vida. — Perdão?
Talvez. Ele em minha vida, jamais!
Apesar das considerações finais serem a meu favor, estava
inconformada por tudo o que tive que passar e a forma como tive
que me expor para garantir minha honra e a de minha mãe. Aquilo
não passava de uma sociedade prestes a engolir quem não andava
conforme sua lei; um Estado com sua própria legislação. Sabendo
que Fred assumiu a violência, por que não o denunciaram na lei civil?
Estava ali porque queria encontrar Deus. Através disso tudo tive a
absoluta certeza que o Deus que eu buscava não estava ali. Naquela
noite caminhei embaixo de chuva ao lado de minha mãe, como se
lavasse minha alma de toda a dor do passado. Foi então que desisti
das duas coisas que mais me trouxeram problemas até então: meu
casamento e minha religião!
Muitos me questionam sobre a coragem que tive em expor minha
vida liberal. Ao entender minha história fica nítido de onde veio minha
força. Eu fui questionada por meses intermináveis sobre meu caráter
e minha conduta, mesmo tendo passado tudo o que passei durante
aquele infernal casamento. A verdade é que a sociedade não está
preparada para mulheres fortes e seguras de si, principalmente
quando o assunto é tabu!
Capítulo 9

Em busca da Liberdade

“Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente


tem medo dela.”
George Bernard Shaw
Após uma exposição pública negativa como a que tive, fatalmente
me tornei mais independente, deixando de me importar com a opinião
daqueles que, por algum motivo, me criticaram e não me apoiaram
nos momentos em que mais precisei. Não depender mais de
aprovação me fez sentir forte para cobrar o que era meu de direito e
não ter mais receios do que pensariam sobre mim.
Minha mãe se tornou uma forte confidente e foi a primeira a saber
que eu estava curiosa sobre o universo do swing. Quando eu lhe
contei, rindo ela confessou-me que meu pai sugeriu que visitassem
uma casa de swing, mas que devido ao conservadorismo na qual foi
criada, não sentiu-se livre para dar esse grandioso passo. Chegou a
questionar sua decisão, pensando que, talvez, isso pudesse ter
impedido as traições de meu pai, mas ela, na época, tinha uma ideia
errada sobre o universo liberal. Somente após acompanhar meu
trabalho, ela finalmente entendeu que a prática do swing é muito
mais profunda e complexa do que havia imaginado.
Me expor publicamente não foi uma tarefa fácil, pois o preconceito
chega ser cruel na maioria das vezes e foi preciso muita força para
que eu seguisse firme em meu objetivo: mostrar a quem faz parte do
meio liberal que nós existimos, e que não devemos ter vergonha
alguma por isso.
Alguns amigos se afastaram ao saber que fazíamos parte do
universo liberal e por muito tempo desejei que fosse diferente, mas
não posso negar quem sou, e qualquer vínculo, mesmo os mais
significativos, só podem coexistir em uma relação dando-me a
liberdade de ser autêntica, afinal, não nasci para suprir expectativas
de ninguém, e sim para construir meu próprio retrato da vida.
Acredito que, de todas as conquistas possíveis nesse mundo, as
únicas que levarei comigo após a morte são: a boa lembrança que
tive dos outros e as boas memórias que tiveram de mim. Anular-me
para deixar outra pessoa feliz é escolher apenas um desses legados
e, para me acompanhar pela eternidade, eu preciso de ambos: amar
e ser amada genuinamente.
Apesar de me sentir livre, minha jornada com Edgar até o swing
não foi fácil como parece. Ele havia se divorciado e pudemos iniciar
um relacionamento intenso como sempre sonhamos e, nos apoiando
mutuamente, focamos em detalhes importantíssimos que surgiram
após sua separação: a relação com as filhas de Edgar, uma nova
perspectiva profissional e tantos outros desafios que tivemos que dar
as mãos para enfrentar juntos; o swing veio bem depois.
Ed veio morar comigo em São Paulo e me deu coragem para
largar meu emprego que muito me consumia. Começamos a
trabalhar juntos com vendas, viajando por todo o Brasil, crescendo
profissionalmente e nos conhecendo de fato pela primeira vez. Nós
achávamos que nos conhecíamos e isso podia ser verdade antes de
todos esses traumas, mas não nesse momento, pois as cicatrizes
nos fizeram pessoas completamente diferentes, mais fortes e muito
mais seguras.
No dia em que virei as costas para minha religião e para a opinião
das pessoas, achei que finalmente estava livre, mas as feridas foram
tão profundas, que gatilhos emocionais começaram me acompanhar
na minha nova relação.
Todas as dores que Fred causou se faziam presentes em cada
nova discussão com Edgar. Desde a maneira de transar, até seu
modo de falar, ativavam em mim gatilhos emocionais fortíssimos. Se
ele levantasse a voz, minimamente que fosse, eu partia para cima
dele como Fred fazia comigo.
Em um dia especial, durante uma viagem a trabalho, percebi o
quanto isso prejudicava nossa relação. Na estrada, enquanto eu
dirigia, começamos a debater sobre assuntos financeiros e tivemos a
pior discussão desde que ficamos juntos. Edgar, irritadíssimo,
ordenou que eu me calasse, fazendo renascer todo aquele ódio que
sentia pela submissão à qual Fred me submeteu. Parei o carro na
beira da estrada, derrapando os pneus, saí do carro abruptamente,
sem nem olhar se algum carro estava passando perigosamente
próximo, e dei a volta até parar em frente à porta do passageiro.
Arranquei Edgar pelo colarinho de dentro do carro e dei tapas em
seu rosto, chutei e o empurrei, fazendo com que caísse no chão.
Estava fora de mim.
Assustado por meu descontrole emocional e, finalmente
entendendo minhas frequentes reações raivosas, Edgar levantou-se,
correu em minha direção e, abraçando-me forte, disse aos gritos:
— Você não é essa pessoa, Camila! Não permita que ele faça isso
com você! Não aqui, nem nunca mais!
Chorando copiosamente, tentava me desvencilhar dos braços de
Edgar, que me seguravam na intenção de acalmar-me.
— Eu não vou machucar você como ele fazia — olhou fundo nos
meus olhos — eu posso te fazer feliz!
Sentia medo, fraqueza e, acima de tudo, vergonha de ter me
tornado essa pessoa. Foi nesse momento, que a paciência, o
respeito por quem eu fui um dia e o amor de Edgar foram
fundamentais para minha recuperação.
Paramos em um hotel qualquer de beira de estrada, pois
estávamos cansados demais para continuar dirigindo naquela noite.
Em um quarto simples, nada decorado e pouco limpo, dormi em seu
colo. Edgar ficou abraçado comigo a noite inteira na tentativa de
transmitir-me o máximo de segurança.
Infelizmente não parou por aí, pois foram quase 6 meses de
traumas que vinham à tona: não queria ter relações sexuais com ele
e não queria que Edgar me tocasse com segundas intenções. A cada
nova discussão, aquele poço fundo cheio de memórias sombrias se
abria e me via na borda equilibrando-me para não cair. Como
sempre, Edgar se mantinha firme na tentativa de me controlar e
demonstrava a cada dia a força que havia nele por todo o amor que
construímos ao longo desses anos.
Ele também tinha traumas que apareciam quando eu disparava
alguns de seus gatilhos emocionais e, juntos, fomos adoecendo e
nos tornando infelizes. Éramos um casal finalmente, mas o
relacionamento que desejamos por anos encontrava-se à beira do
colapso, devido a feridas que outras pessoas nos causaram. Por
muitas vezes percebia Edgar chorando escondido, pois já estava
ficando sem forças para suportar essa situação.
Notando o mal que todos os meus traumas emocionais causavam,
resolvi pôr um fim neles. Decidida a lutar por aquele homem que
tanto amava, busquei terapia na tentativa de ressignificar minhas
dores.
Era uma noite tranquila. As janelas abertas do quarto deixavam
entrar uma brisa morna típica das noites de verão. Nosso quarto não
tinha muitos móveis nem era grande, mas continha nossa
personalidade. Uma bela cortina branca de voil, uma cama de casal,
um aparador pequeno para a televisão, dois criados-mudos beges e
somente um abajur que ficava do meu lado.
Deitados na cama, com a televisão desligada, apreciando uma
leve brisa que entrava pela janela, Edgar afagou meu rosto e disse
sem demonstrar receio:
— Hoje eu quero lhe contar todas as vezes que menti para você e,
se sentir-se segura, quero saber se houve algum momento em que
precisou mentir para mim.
Surpresa, olhei para Ed, mas, de algum modo, a forma como foi
sincero fez-me confiar nele. Se conseguíssemos falar sobre isso,
possivelmente veríamos nascer uma nova relação, afinal, éramos os
únicos que podiam mudar essa realidade se quiséssemos continuar
juntos. O ciúme e nossa escassa autoestima atrapalhavam nossa
libido e confiança, nos transformando em um casal inseguro e sem
quaisquer perspectivas. Essa conversa seria determinante para que,
juntos, pudéssemos reconstruir nossa história.
Naquela noite contamos todos os nossos segredos, traumas e
inseguranças. Falamos sobre as partes mais dolorosas de nossos
pensamentos individuais e confesso que não foi a conversa mais
agradável de todas, pois verdades doem com igual teor quando são
proferidas e quando são ouvidas. Passamos horas tentando nos
entender e determinar quais eram os gatilhos mais fortes que nos
faziam retornar ao nosso doloroso passado.
Após nos perdoarmos, chegamos a um acordo: decidimos que não
iríamos mais alimentar fantasmas do passado entre nós até que
todas nossas feridas estivessem finalmente curadas.
Começamos por aquilo que estava ao nosso alcance: não levantar
a voz, deixar de atender a ligações, evitar falar com pessoas sobre
nosso relacionamento, não manter certas amizades mais íntimas que
pudessem causar conflitos e acabar entre nós qualquer tipo de
segredos e senhas. Dedicados um ao outro, nos presenteamos com
uma relação totalmente transparente. Fizemos então um pacto pelo
nosso amor.
Passávamos o dia inteiro juntos, sem intervalos. Algumas pessoas
mais próximas não entendiam como era possível que convivêssemos
por tanto tempo sem brigar e acabamos servindo, inclusive, de
exemplo e apoio para alguns casais de amigos que enfrentavam
problemas. A cura que conseguimos para nossas brigas foi deixar de
lado a provocação e a disputa por poder e parar de aplicar erros de
nossos antigos casamentos em nossa atual relação. O diálogo
passou a ser a única solução para qualquer problema,
ressignificando nossos traumas com amor e paciência, de forma
lenta, mas eficaz.
Passei a confiar totalmente em Edgar, mas meu ciúme por ele não
desapareceu por completo, pois minha autoestima ainda estava
muito abalada. Possuía em mim a mais absoluta certeza de que
Edgar estava comigo por amor, mas não conseguia acreditar que ele
não se incomodava com meu peso, ou que não desejasse que eu
fosse diferente, assim como eu queria ser. Meu ciúme estava
relacionado com minha insegurança e não com o comportamento
dele.
Apesar de nosso relacionamento ter melhorado muito, nessa fase
eu não me importava com sexo. Focada no auxílio na criação das
filhas de Edgar, e por muito desejo de ser mãe, minha atenção
estava voltada para uma gravidez que não acontecia. Chegamos ao
ponto de transarmos todos os dias na expectativa que eu
engravidasse, mas isso fazia com que nosso sexo perdesse
completamente o encanto, o carinho e a sensualidade, tornando-se
mecânico e com uma única finalidade.
Já não sentíamos o menor desejo um pelo outro.
Depois de muitas tentativas eu engravidei e foi nesse momento
que passei a viver um sonho: minha tão aguardada maternidade.
Minha gravidez seguia bem e dia após dia aproveitava cada nova
fase que acontecia: o crescimento da barriga, os enjoos e os
exames. Era muita felicidade aproveitando cada segundo daquela tão
sonhada gravidez.
Estava grávida de três meses, quando, durante uma noite fria,
acordei assustada.
— Ed, acorda… — toquei em seu braço — amor, tive um sonho
horrível.
Ele se virou e tocou meu rosto com os olhos cerrados ainda de
muito sono:
— Que sonho amor? O que houve com você?
— Sonhei que o coração do bebê parou — comecei a chorar —
amor, parecia tão real. Eu o segurava em minhas mãos e fazia
carinho nele.
— Cá, foi só um sonho amor! Você está preocupada. Volte a
dormir...
Ele me abraçou e voltou a dormir, enquanto fiquei acordada até o
sol nascer. Como não conseguia parar de pensar nisso, Edgar me
levou ao hospital ainda pela manhã, pois eu precisava ter certeza de
que estava tudo bem.
Deitada na maca, olhando pra cima, senti o gel gelado do aparelho
de ultrassom passar em minha barriga, mas as batidas do coração
do meu bebê, que antes eram fáceis de ouvir, já não se ouvia. Era
apenas o som ensurdecedor do silêncio...
Recebemos a notícia que nosso filho não tinha mais vida e essa
foi, de longe, a dor mais forte que eu já havia sentido — nada se
compara à perda de um filho e meu sonho foi a prova mais
concreta da ligação que havia entre nós.
Saí da sala de ultrassom tentando não chorar na frente das
gestantes que aguardavam ansiosas para serem atendidas e, indo o
mais rápido que pude, corri para o pátio do hospital para que
ninguém pudesse me ouvir. Tudo girava em grande velocidade e
sentia meu coração bater forte por todo o meu corpo, parecia que
meu peito não suportaria tanta pressão e estava prestes a explodir.
Ao chegar no centro do pátio gritei o mais alto que eu pude,
enquanto Edgar me abraçava.
Ficamos em pé por quase meia hora, abraçados sob uma fina
garoa, como se o tempo tivesse parado naquele exato momento. O
desejo de não sair daquela posição, era evitar ter que encarar uma
realidade dura e fria.
— Vamos? — Ele falou enxugando minhas lágrimas.
— Onde?
— Vamos falar com a médica...
Caminhamos por aquele longo corredor bege ao som de meu
salto. A cada pisada sentia uma fisgada no peito, enquanto via no
chão nossa sombra triste e disforme que nos acompanhava.
Fomos recebidos por uma médica muito simpática, de cabelos
louros, que aparentava ter uns 40 anos. Ela me consolava dizendo
que o aborto é normal na minha idade, principalmente por ser a
primeira gestação, mas nada no que ela dizia consolava-me. —
Normal ou natural? Nenhum dos dois…
Aquela gentil médica me deu duas escolhas: esperar meu corpo
fazer todo o trabalho ou fazer um processo invasivo para retirada,
mas que, em ambas, teria que ser forte. Se decidisse tirar meu filho
naquele dia, além da dor, após tudo o que passei, teria que ficar
internada, em observação, ao lado de mães que acabaram de dar à
luz. Se decidisse esperar, ela me daria uma data e, se nada
acontecesse dentro do prazo, teria que passar pela primeira opção
de qualquer maneira.
— Faz diferença para meu corpo uma dessas opções? — Minha
voz quase não saiu quando perguntei, de cabeça baixa.
— Sim, muita. Se esperar que seu corpo faça todo o trabalho
sozinho, em 6 meses você poderá engravidar novamente. Se fizer o
procedimento hoje, de forma invasiva, terá que evitar uma gravidez
por pelo menos um ano inteiro, além de ficar sozinha na sala ao lado
de outras mães e seus bebês.
— Que sistema! Como as mulheres que perdem seus filhos não
possuem um tratamento diferenciado para um momento tão delicado
como esse? — A médica ficou em silêncio — eu vou para casa,
doutora…
— Claro, Camila, como quiser. Vocês têm 40 dias no máximo, tudo
bem?
— Algo que eu possa fazer para ajudar? — Olhei nos olhos da
médica, que me retribuiu com um olhar amoroso e um suspiro fundo
— sei lá, às vezes algum chá, um remédio…
— Vou te passar um remédio, mas que parou de fabricar. Vai ser
quase impossível achar. Se conseguir, tome um comprimido a cada 8
horas. Acredito que apenas um deve bastar. Caminhada ajuda muito
também…
— Obrigada, Dra. Renata — falei caminhando em direção à porta.
— Camila?
— Sim, doutora — me virei em sua direção.
— Isto também vai passar!
Ficamos alguns segundos nos olhando, mas não na condição de
paciente versus médica. Éramos duas mulheres trabalhando a
sororidade e a empatia.
— Obrigada — ainda apática, agradeci aquele abraço emocional
que ela acabou de me dar, mesmo que, nesse momento, eu não
estivesse em condições de ser reconfortada.
Voltei destruída para casa. Abracei os poucos pertences do meu
filho que já havia comprado e chorei mais uma vez. Minha mãe entrou
em meu quarto assustada e, quando olhou para nós, Edgar balançou
a cabeça. Lembro como se fosse hoje, minha mãe colocando a mão
na boca e chorando em pé na porta.
Não achamos o remédio à venda. Minha mãe, ao contar para uma
amiga o que acontecia comigo, descobriu que sua filha havia vivido
situação similar, e que tinha disponível uma cartela de remédio
dentro da validade. Tomei todos os comprimidos no intervalo de
tempo recomendado, mas nada resolvia. Um mês nunca demorou
tanto tempo para passar...
Aguardamos exatos trinta dias para o processo de aborto
começar. Era 3 de junho, e, às seis da tarde, comecei sentir fortes
cólicas. Pela madrugada, já me retorcendo de dor na cama, fui para
a banheira após um forte sangramento. Ali na banheira tive um parto
silencioso ao lado de Edgar, que não me deixou sozinha um único
segundo. Senti dores de parto, mas no final, sem o calor e o choro
do meu filho.
Edgar foi enterrar nosso anjo em uma de nossas roseiras,
enquanto eu, na banheira, via meu sangue se esvair. Exausta, quase
submersa em um mar vermelho, chorei por quase uma hora sem
conseguir me mexer. Edgar e minha mãe, com muito amor, me
deram um banho, me trocaram e me deitaram na cama. Ed me
abraçou mais uma vez, por uma noite inteira.
Quase enlouquecemos, mas permanecemos juntos, nos apoiando
em nossa dolorosa perda e ressignificando esses novos sentimentos.
Os longos caminhos que levam um relacionamento à plenitude,
exigem dedicação constante e muitos casais, infelizmente, não estão
dispostos a atravessar. Edgar e eu entendemos que, para encontrar
a felicidade, não é necessário renunciar à própria individualidade,
mas é fundamental tornar-se parte de um todo, tanto nos bons como
nos maus momentos. Fomos parceiros um do outro para a
construção dessa relação, que só foi possível porque não ignoramos
nossos traumas. Ao invés disso, lutamos juntos pela cura.
Neste longo processo de entender como deve ser um casamento
feliz, chegamos a uma conclusão: viver juntos não é “ter”, mas
permanecer...
Capítulo 10

Um universo chamado swing

“Unir a extrema audácia ao extremo pudor é uma questão de estilo.”


François Mauriac
Precisava encontrar prazer sexual em meu casamento e
começamos a sentir uma forte necessidade de resgatar aquela
paixão de antes. O fato dele ter ficado tão forte ao meu lado, fez
nascer em meu coração uma paixão ainda mais significativa por ele.
Edgar estava tomando seu café da manhã sentado na cozinha,
enquanto o sol entrava pela janela. Encostada no batente, observava
seus detalhes — amo quando ele veste esse moletom cinza — senti
uma vontade quase incontrolável de fazer amor com ele ali mesmo e,
isso, eu não sentia há muito tempo. Me controlei, para que toda
aquela intensidade de sentimentos viesse à tona durante uma noite
surpresa que eu havia lhe preparado.
— Psiu!
Ele me olhou e sorriu — como estava lindo naquela manhã…
— Diga, princesa!
— Quer dar um passeio comigo hoje? — Sorri de forma maliciosa
— Jura? Claro! Onde? — Perguntou surpreso e curioso.
— Você só vai saber depois — me aproximei e dei um beijo suave
nele — vou sair e já volto. Não foge hein?!
Criei coragem e fui em uma depiladora. Era a primeira vez que eu
faria depilação íntima com cera, mal podia esperar para ver a
expressão de meu marido quando percebesse o que tinha feito.
Parece uma coisa simples, mas que para mim foi um grande passo,
afinal, o constrangimento era maior que minha vontade de fazer algo
novo.
Convidei Edgar para um motel. Estava disposta fazer nosso sexo
se transformar de alguma forma. Foi o respeito, a paciência e a
resiliência de Edgar, que fizeram com que eu me apaixonasse ainda
mais por ele. Não foram presentes caros, mas uma bondade legítima
que transformou nossa relação.
Decidi que me soltaria ao máximo que pudesse com relação aos
meus tabus. Éramos duas almas unidas por uma história e, depois
de ter estado ao meu lado na banheira me vendo tão exposta e
frágil, era hora de apresentar para Edgar uma mulher que ele
sempre desejou desde que me conhecera: aquela Camila do início,
que havia apresentado para ele o significado de liberdade.
Nos beijamos no carro, ainda estacionado na garagem do Motel.
Era como se estivéssemos prestes a fazer amor pela primeira vez.
Ed colocou a mão por baixo da minha saia e, ao perceber o que eu
tinha feito, ficou além de excitado, ainda que um pouco surpreso, não
por eu ter me depilado, mas por eu ter feito algo que jamais faria.
Nada excita mais Edgar que perceber, em mim, confiança.
Mesmo com receio pela beleza padrão das mulheres nos filmes
eróticos, sugeri que colocássemos um filme e, enquanto assistimos,
o toquei com suavidade e desejo. Para minha surpresa, ao invés de
olhar para o filme, ficou olhando para meus olhos, pois notava que,
embaixo de tanta insegurança, existia uma mulher forte, e que havia
passado muito tempo reprimida. Deslizava minha boca por Edgar e o
tocava de forma cada vez mais intensa, atravessando a noite entre
gemidos e orgasmos. Transamos por mais de cinco vezes, o que
para nós era um feito inédito.
Nosso único assunto na semana seguinte foi nossa jornada de
sexo jovem e impetuoso, que nos deu ainda mais vontade para que
aquela aventura sexual continuasse. Nos tornamos exploradores da
nossa própria sexualidade e nosso novo hobby era descobrir sextoys
para apimentarmos ainda mais o nosso sexo. Estava disposta a
explorar cada canto do meu corpo e do dele.
Foi durante uma dessas transas que minha vida mudou para
sempre!
Estávamos em preliminares cheias de lambidas e toques. Quando
eu não aguentava mais de tanto tesão, pedi para que ele viesse por
cima de mim. Quanto mais ele aumentava a intensidade, mais eu o
apertava com minhas pernas e, ao notar minha língua passando por
meus lábios, colocou em minha boca seus dedos, me fazendo chupar
enquanto me penetrava. Ao ver minha nítida excitação, resolveu ir
além: pegou um vibrador que estava ao nosso lado e o colocou em
minha boca.
Fechei meus olhos e me imaginei sendo devorada por dois
homens, e o que mais me excitava era saber que meu próprio marido
fez isso, consciente das imaginações que eu teria.
— Está gostoso chupar enquanto sente que estou dentro de você?
— Cada vez que ele falava isso me segurava para não gozar. Não
era possível que meu marido estivesse me propondo essa
sacanagem — quanto mais eu me excitava, mais Edgar me instigava
imaginar um outro homem conosco naquele momento.
— Ed, vou gozar! — Falei gemendo.
Em uma explosão de sensações, meu coração batia acelerado e,
após aquele intenso orgasmo, flutuava em uma sensação de
relaxamento que nunca esquecerei. Me deitei olhando para o teto
com um sorriso desconcertado, pois tinha ficado claro que eu gostei
da ideia. Já havia me imaginado em uma cena dessas, mas jamais
teria a coragem de falar sobre isso com ele, mesmo eu sendo muito
sincera e transparente dentro do nosso relacionamento atual. Não
queria causar nenhum tipo de insegurança entre nós.
— Você gostou? — Perguntou Edgar com um sorriso malicioso de
canto de boca.
— Sim, gostei — será que ele fez isso pra me testar? Por que
resolveu fazer isso? — Pensava. Não era a hora de demonstrar
desconfiança dele. Era aquele famoso momento que deveríamos
conversar sobre. — Lieb, fantasias permitem tudo. A realidade é
bem diferente disso — e se ele só quisesse me dar essa liberdade
de fantasiar, para que pudesse fazer o mesmo com outras
mulheres? — Eu não me sinto confortável com você fantasiando com
outra mulher, Ed — afinal tínhamos combinado de sermos sinceros.
— Você acha injusto da minha parte pensar assim?
— De forma alguma. Fui eu que coloquei na sua boca — sorriu.
— Você não fica com ciúmes? Não tem medo do que eu possa
sentir? — Perguntei com receio.
— Amor, não saberia dizer se a realidade seria confortável, mas
eu não sei o que esperar, afinal, nunca havia pensado nisso antes.
Eu fantasiei na hora do tesão com essa possibilidade sem medir as
consequências.
Continuamos a noite como se nada tivesse acontecido, mas algo
mudou em mim. Os dias se passaram e aquela fantasia não saía da
minha cabeça. Eu imaginava o tempo todo como seria a sensação de
estar entre dois homens, mas como ignorar o fato de que podia estar
traindo meu marido em pensamento, mesmo que a ideia tivesse
partido dele?
Por muitas vezes me peguei roendo unhas, imaginando como seria
se fosse possível. Estava curiosa para saber se isso existia no
mundo real e se pessoas normais, como nós, teriam fácil acesso a
esse tipo de fantasia.
Alguns dias depois, matutando nessa ideia, me lembrei de uma
conversa que tive com uma amiga há muitos anos — acho que era
swing o nome — eu não tive dúvidas: fui correndo até o computador
e digitei na busca:
| Casas de swing em São Paulo |
Na pesquisa tinha uma lista de sites, totalmente diferentes um do
outro — eu só posso estar louca pesquisando essas coisas —
fechei o computador e fui fazer minhas tarefas domésticas.
Quando caminhava de um cômodo para outro, lá estava o
computador me encarando. Olhava e desistia…
Até que criei coragem. Coloquei o cesto de roupas em cima do
sofá e me sentei novamente na frente do meu computador.
— Dane-se! — Abri novamente a tela.
Lia tudo o que encontrava sobre o assunto: contos, relatos,
notícias, e tudo aquilo me fascinava cada vez mais. Naquela tarde,
lendo sobre swing, ri, fiquei excitada e cheguei até a me emocionar
ao ler a história de uma mulher que teve seu primeiro orgasmo aos
50 anos de idade, em uma experiência swinger. — Quem diria!
Estou chocada...
Chegando à noite, precisava contar para Edgar minhas novas
descobertas.
— Ed, você não vai acreditar nas coisas que eu li!
Ele olhou para a tela e levantou as sobrancelhas.
— Casa de swing? — Falou rindo — está falando sério, amor?
— Ué! Vamos ler sobre…
— Amor, isso é um passo e tanto, sei lá! Será que é certo? Será
que vai nos fazer bem?
— Se você não quiser ler eu vou entender — falei com um sorriso
no canto da boca e voltei olhar para a tela.
— “Naaaaaa”, eu aguento! Chega pra lá.
Gargalhamos muito!
Rimos com todas as possibilidades e cogitamos ao menos ir
conhecer, até que Edgar reparou em uma propaganda de um site.
— Clica nisso aí! — Falou ele com receio da minha reação.
— Sexlog?! Deve ser só um site de pornografia, amor! — Fiz
aquela cara de ironia e ciúme, mas cliquei — fique sabendo que você
não vai conversar com ninguém, ouviu?
— Nem você… — esperto ele; sagaz!
Mais uma vez demos uma boa gargalhada. Parecíamos dois
jovens adolescentes vendo algo proibido. Fiquei chocada com o que
vimos: as mulheres não pareciam ter o menor pudor em postar fotos
íntimas, inclusive de sexo.
— Casadas, Ed! Meu Deus! — E eu achando que só atrizes
pornôs dominam a internet — olha aqui Ed, o próprio marido
exibindo a mulher na live! Gente, parei, isso não dá pra mim!
Após um silêncio eu disse:
— Fala alguma coisa homem!
— Gente… — ele estava com os olhos arregalados e com um
sorriso peculiar. A sensação que tinha, era que Edgar havia
descoberto uma mina do tesouro dentro de algum inferno ao estilo de
Dante, só que representado pela pintura O Jardim das Delícias
Terrenas de Hieronymus Bosch.
As pessoas colocavam fotos em seus perfis, se exibiam e
recebiam muitos comentários de seguidores. Era como ver uma rede
social repleta de influencers4 do sexo.
— Vamos criar um perfil! — Ed disse eufórico — fique tranquila
que você irá conduzir.
— Sei… — falei com receio — Sr. Edgar, nem pense em fazer
algo escondido de mim, hein?
Criamos um perfil com frio na barriga, mas ansiosos com a
possibilidade de conhecer mais sobre o tema e, quem sabe, até
mesmo conhecer alguém na tentativa de protagonizar uma
“safadeza” real. Contudo, exibir-nos estava totalmente fora de
cogitação!
— Ed, nem pensar, não me olhe assim! Não vou postar foto
nenhuma. Eu peso 120 quilos e essas mulheres que estão no site
tem um corpo perfeito. Nem pense nisso!
— Porque você acha que seu corpo não é tão atraente e bonito
quanto o delas, que aliás eu nem gosto.
— Você está falando isso para não me magoar, Ed. — Falei com
um certo deboche.
— Vem aqui que eu quero te mostrar uma coisa — trocou de lado
comigo no computador e digitou na barra de pesquisas:
| Sexy Chubby Girl |
Ao abrir a pesquisa, vi diversas fotos de mulheres com um corpo
parecido com o meu, mas em fotos sensuais.
— Eram essas mulheres que eu via quando queria me masturbar.
Ele passava as fotos e, me contando os detalhes que o deixavam
excitado, as comparava comigo:
— Está vendo essa curva no culote? Isso realmente me
enlouquece.
Toquei meu culote.
— Esse mesmo… — e deu um sorriso.
Constrangida, tirei a mão.
Ed apertou meu culote e colocou minha mão sobre a calça jeans
dele, me mostrando o quanto ele ficava excitado com minhas curvas.
Minhas referências sobre o que excitava meu marido começaram a
mudar. Ele realmente não buscava um padrão de beleza magro e, se
ele pensava assim, com certeza outras pessoas também.
Aquela noite transamos como dois jovens alucinados e passamos
a madrugada rindo e conversando. Vimos, naquela noite, nascer em
nós, uma jovialidade impetuosa cheia de fantasias excitantes e
divertidas.
Com a correria do trabalho não falamos mais sobre. Nosso perfil
na rede social ficou abandonado por aproximadamente um mês,
somente com um texto que explicava quem éramos nós. Recebemos
algumas solicitações de amizade por parte de casais e solteiros, as
quais ignorei por vergonha e receio.
Uma tarde, sozinha em casa, resolvi tirar uma foto: abri a blusa e
coloquei o foco no bico do meu seio — imagina se alguém me
reconhece! Como se isso fosse possível pela cor da aréola! —
Olhei a foto — não é que ficou uma foto bem excitante? — Mordi os
lábios — eu nunca havia me notado por essa perspectiva e a ideia de
outras pessoas me observarem na internet me excitou de imediato.
Eu chegava a fazer o upload da foto, mas cancelava — não posso
fazer isso! Vão pensar o que de mim? E se alguém descobre? Mas
e daí se pensarem? Quer saber, vou publicar! Sou uma mulher
livre, adulta e estou fazendo isso com o consentimento da única
pessoa que poderia se sentir ofendida por isso.
| Enter |
Na tela a mensagem: Foto sendo publicada… — meu coração vai
parar!
| Foto publicada |
Algumas curtidas começaram aparecer entre casais e homens
solteiros. Poucos minutos depois recebo um e-mail:
“Parabéns, sua foto está no Top!”
— Como assim no Top? O que é isso?
Atualizei a página e vi minha foto na tela inicial no site.
— Putz, ferrou! Como eu tiro isso, inferno?
Enquanto eu tentava descobrir como deletar, comecei ler os
comentários que apareciam na barra de notificações:
“Nossa que delícia de mulher”
“Do jeito que eu gosto”
“Bem-vindos! Poste mais suas fotos, delícia!”
“Adoraria sentir sua pele”
Fui desistindo de deletar a foto e passei a tarde lendo os
comentários. Às vezes eu ria, outras pensava indignada:
— Que horror, mas que abusado!
Em todos os comentários, percebia que não era um universo
tóxico, muito pelo contrário. As pessoas passam mais tempo te
elogiando e desejando ter a oportunidade de te conhecer, do que
fazendo críticas sobre sua aparência. Era muito diferente das redes
sociais comuns.
Peguei meu telefone e liguei para o Ed:
— Oi, lieb, onde você está?
— Oi, princesa, estou quase chegando em casa. Estou no posto
de gasolina abastecendo o carro.
— Entra no Sexlog e olha nosso perfil! Beijos…
— Eiii, me conta! Como assim? — Tentou me impedir de desligar,
mas, como sou bem dramática, desliguei na mesma hora.
Minutos depois, uma mensagem chegou no meu celular:
“Estou excitado! Que foto é aquela? E que comentários são
aqueles? Você finalmente está vendo que eu não sou nenhum
louco. Você é deliciosa!!!”
“Você gostou de ver outros homens comentando em minhas
fotos?”
“Teria como não gostar? Eu sou casado agora com uma estrela
do pornô” — que ousadia dele, né?
Ao chegar em casa, Edgar me levou direto para o quarto e, após
lermos juntos todos os comentários, fizemos amor. Me sentia a
mulher mais safada de todas e nosso sexo, que já estava intenso,
ficou ainda mais frequente. Aproveitava qualquer oportunidade que
tinha para arrastar Edgar para o quarto, sempre imaginando e
compartilhando com ele minhas fantasias.
Quanto mais nosso sexo se intensificava, mais vontade tinha de
publicar novas fotos, cada vez mais desinibida. Muitas delas iam
para a página principal do site, que acabou se tornando um jogo
divertido para nós.
Começamos a responder os casais que nos escreviam,
aprendendo cada dia mais sobre o universo liberal. Ed nunca tentou
“forçar a barra”, respeitou meu momento e fazíamos somente o
combinado. Eu conversava com as mulheres e ele com os homens.
Ficamos por muito tempo em um universo totalmente virtual.
Decidida a visitar uma casa de swing, chegamos à conclusão de
que o máximo que aconteceria era não gostarmos do ambiente e, se
isso acontecesse, nunca mais voltaríamos, simples assim. Apesar de
estar insegura por conta de meu corpo, sabia que seria um passo
importante para nós. Ambos precisávamos descobrir quem nós
éramos de fato.
Passei a tarde toda me preparando: arrumei as unhas, o cabelo,
fiz uma maquiagem profissional e coloquei cílios postiços. Quando
ele me viu ficou sem palavras, pois eu usava uma minissaia, uma
blusa transparente preta e um sutiã rendado por baixo. Ed ficou
louco de tesão...
Decidimos ir em uma balada liberal de Moema, que achamos mais
antiga e tradicional. Optamos por ir em um domingo à noite,
justamente por deduzir que o ambiente estaria vazio.
Ao chegar naquela casa de swing, fomos recebidos por um
segurança muito simpático, que nos levou até a recepção. Edgar foi
revistado e uma bombeira civil olhou dentro de minha bolsa,
recomendando que eu a deixasse na chapelaria. Meu coração
palpitava e minhas mãos estavam suadas por um misto de tesão e
apreensão.
Entramos…
O lugar era escuro, mas muito luxuoso e, ao me olhar no espelho
ao lado da mesa que estávamos, reparei que nem meu batom
vermelho e nem meus cílios postiços estavam em evidência pelo jogo
de luz do local — que inferno, já não enxergo nada sem óculos e
esses cílios me atrapalham ainda mais — as paredes pretas com
lustres de cristais deixava o lugar muito impactante.
Logo veio um host local nos levar para conhecer a casa. Grudei na
mão do meu marido, que a apertava como se estivéssemos entrando
em um trem do terror daqueles parques de diversões.
— Amor, estou com medo — falei em seu ouvido.
— Relaxa princesa, vai dar tudo certo!
Nesse momento o host “deixou cair” uma pílula azul, e sabíamos o
que era, mas obviamente ignoramos o sinal, pois o Ed nunca
precisou de nenhum remédio para ereção. Também não tínhamos a
menor intenção de fazer algo naquele ambiente sem antes conhecer
como tudo aquilo funcionava.
Mal sabíamos o que estava para acontecer...
O homem nos explicava os ambientes conhecidos como lounge,
bar, pista de dança, banheiros e saídas de emergência. Ao contrário
do que imaginei, todo o ambiente era muito bem decorado e
extremamente limpo, causando-me a sensação de estar em um
motel caro. Sentia no ar uma fragrância adocicada dos perfumes das
mulheres, que misturava com a essência usada na fumaça da pista
de dança.
Logo parou em frente a um corredor escuro e disse:
— Podem entrar. Lá vocês irão ver um labirinto escuro e algumas
cabines. Fiquem à vontade — apontou o facho de luz da lanterna na
direção do “buraco”.
Peguei na mão de Edgar e o puxei para dentro. Apesar da
apreensão estava muito sedutora naquela noite. Nem parecia a
mesma mulher que sempre fui... Enquanto andava, Edgar passava a
mão por baixo de minha saia encostando suavemente os dedos
próximos à minha virilha, me deixando excitada. Tive certeza de que
meu esposo não tinha ido lá só para conhecer o ambiente, mas
estava disposto a, ao menos, transar comigo mesmo que em uma
daquelas cabines apertadas: um ambiente pequeno e escuro, com
buracos nas paredes para interessados colocarem as mãos ou até
algo mais. Algumas cabines não tinham buracos, mas vidros, dando
visibilidade para alguns observadores que aguardavam algum casal
desinibido para realizarem sua tara de espiar o sexo alheio.
Não cruzamos com ninguém no labirinto, até chegarmos a uma
sala coletiva, onde tinha diversos casais próximos um do outro.
Escolhemos um canto protegido onde nos tocamos e observamos
todo o movimento com olhos de empolgação e expectativa. Passei a
mão sobre a calça de Ed e senti, pelo grande volume, sua ereção
instantânea, o que me deixou ainda mais excitada.
Um casal se aproximou de outro e, depois de algumas trocas de
carícias, as mulheres começaram a se beijar. Ambas apoiaram os
joelhos no sofá enquanto seus maridos as penetravam.
Não conseguia acreditar no que estava vendo: ao invés de sentir
ciúme pelo corpo das mulheres, senti um enorme desejo de estar no
lugar delas. Uma colocou a boca nos seios da outra e, ouvindo seus
gemidos, mordi suavemente meu lábio apertando minhas coxas uma
contra a outra o mais forte que consegui. Era uma cena deliciosa de
ver...
Os dois casais se levantaram e entraram em uma cabine,
fechando a abertura para que mais ninguém pudesse ver. Só se
ouvia os gemidos e batidas nas divisórias enquanto eles transavam.
— Eu queria ver… — Olhei para o Ed com as bochechas quentes e
vermelhas; ele nunca me viu assim.
Falou de forma quente e suave no meu ouvido:
— É isso que você quer? Quer sentir o que elas estavam
sentindo? — Balancei a cabeça, consentindo em silêncio, pois minha
voz não saia — hoje eu quero ver em você, a mulher mais safada
que eu já conheci.
Nesse momento de euforia quase incontrolável, meus sentidos já
não eram possíveis de controlar, o som ficou abafado, as cores não
eram mais nítidas e a única coisa que eu sentia era meu coração a
ponto de explodir, pulsando em todas as regiões do meu corpo. O
que estava acontecendo comigo? Minha boca estava seca, parece
que meus pulmões não encontravam mais ar. Nunca me senti dessa
forma, precisei ir ao toilet me lavar para me recompor um pouco e
retomar o controle sobre meu corpo que agora parecia pertencer a
uma dimensão paralela de êxtase e excitação. Eu nunca havia me
molhado tanto quanto aquele dia.
Entrei no banheiro e me surpreendi com a limpeza do local.
Diferente da escuridão da casa, o sanitário era extremamente
iluminado, totalmente branco e tinha desde enxaguante bucal, até
absorvente.
Ao sair, meu marido, que me aguardava na porta, me levou em
direção a um corredor comprido e vermelho. Quando atravessamos,
fiquei surpresa ao ver um ônibus desativado no meio do ambiente.
Dentro dele, casais transavam enquanto solteiros observavam, foi
quando percebemos que nesse ambiente não havia somente casais.
Não cogitamos, em nenhum momento, entrar naquele ônibus,
preferindo ver, através de um vidro, um casal transando de forma
avassaladora em uma das cabines. Em um sofá de couro preto, o
marido penetrava sua esposa, que fazia sexo oral, através de um
buraco da cabine, em um homem que estava ao lado de fora.
— Você está vendo isso, Ed? — Falei baixo de forma
envergonhada.
— Eu quero ver você assim!
Como assim? Ele quer realmente me ver transar com outro
homem?
— Você ficaria excitada com isso?
— Nesse buraco? Jamais! — Ri.
— E em outra situação?
— Ed, eu não sei amor… — e se ele estiver tomando essa
decisão apenas no calor do momento — eu fiquei muito excitada
com tudo isso, mas ainda tenho receio.
— Receio de que amor? — Ed me virou de frente para ele.
— Receio de você mudar comigo, de não me enxergar a mesma
mulher e até de querer fazer o mesmo. Não sei se estou preparada
para ver o amor da minha vida tocando em outra mulher.
Ed sorriu levemente, segurou em minhas mãos com carinho e
disse:
— Meine liebe, eu jamais vou fazer qualquer coisa que você não
queira. Confie em mim, por favor! Se quiser fazer, faça. Caso
contrário, estaremos juntos e nos divertiremos da mesma forma.
Abaixei a cabeça, concordando, mas não cogitei fazer algo
naquela noite, até porque as mulheres que ali estavam tinham o
corpo da forma que eu sempre quis ter, o que foi coincidência
daquele dia, o que só entendi futuramente. Voltei a olhar para dentro
da cabine e continuei me deliciando com aquele momento surreal
enquanto Ed me abraçava por trás.
Um homem chegou do nosso lado me olhando de baixo até meus
olhos. — Vou sair daqui! — Um certo desespero me tomou, mas Ed
segurou minha mão na tentativa de me tranquilizar. Tentando
disfarçar, olhei para dentro da cabine e senti a mão de Edgar em
meu quadril. Percebi que ele olhou para o homem, que aguardava
sua permissão para encostar a mão em mim. Seguro de que Edgar
havia permitido, o homem passou a mão sobre a minha coxa até
chegar entre minhas pernas.
Encostou a boca em meu ouvido e disse:
— Estou te olhando desde o momento em que você entrou. Eu
preciso sentir você!
Tomada por um sentimento de pânico, fiz uma carícia na mão do
homem como em um ato de agradecimento e puxei Edgar para fora,
na área de fumantes ao ar livre.
— Ed, você viu aquilo? — Falei sorrindo com euforia.
Ele, com um tesão claro estampado no rosto e um leve sorriso,
respondeu:
— Você não está para brincadeira! — Deu um tapinha em meu
bumbum — se solte! Finalmente você vai compreender a mulher que
você é!
Alguns minutos ao ar livre foram o suficiente para que eu
recuperasse o fôlego e quisesse ver tudo o que estava acontecendo
naquele lugar. Alguns casais dançavam na pista, dando a entender
que nem tudo naquele local se resumia a sexo, pois alguns deles
nem ao menos iam para áreas privativas.
Retornamos para a área reservada que somente casais podiam
acessar e para chegar até esse espaço precisamos atravessar um
labirinto apertado de paredes pretas, que foi construído para que
casais se esbarrem ao entrar e sair já criando um clima de
proximidade entre eles.
Quando entramos, dois casais haviam parado de transar e
conversavam em tom baixo, rindo e fazendo pequenos comentários
sobre o momento que haviam acabado de viver juntos. Encostei no
mesmo canto onde estava com Ed anteriormente, perto de um
grande sofá de couro, e comecei a beijá-lo. Minha excitação era
transparente. Não tive dúvidas: abri o zíper da calça de meu marido
e fiz nele um oral enquanto todos nos desejavam. Ed me levantou e,
abrindo minha blusa, lambeu meu seio, deixando um deles totalmente
acessível para que alguém pudesse tocar. Alguns casais olhavam,
deixando clara a vontade de interagir conosco e, dentro de mim,
estava um misto de vergonha e excitação que me inclinava para
finalmente me permitir sentir algo novo.
Ao olhar para o lado, reparei que um dos homens, que havia
acabado de interagir sexualmente com outro casal e sua esposa, me
olhava — por que ele cochicha ao ouvido dela? — Logo entendi: Ele
pedia permissão para se aproximar de nós — ele está vindo na
minha direção — tentei avisar meu marido, que pareceu ignorar meu
toque. O homem parou ao nosso lado e olhou para Ed, que retribuiu
o olhar abrindo ainda mais espaço para o rapaz. Um homem mais
alto que eu, forte e de cabelo liso, com uma franja levemente jogada
para o lado.
Ele me olhava com olhos sedentos de desejo e, suavemente,
encostou sua mão na minha. Ele passava seus dedos nas costas de
minha mão, aguardando que eu retribuísse — eu preciso de beijo,
será que posso beijar esse homem? — Olhei para os olhos daquele
rapaz e me inclinei para um beijo molhado enquanto meu marido se
deliciava em meus seios. Enquanto nos beijávamos, o homem passou
delicadamente a mão por dentro da minha calcinha na tentativa de
me sentir. Ed me virou de frente para o homem e continuamos em
um sedento e caloroso beijo, enquanto, no meio de ambos, era
acariciada de diversas formas.
Edgar levou a mão ao bolso e ofereceu um preservativo ao rapaz
— eu não acredito que isso está acontecendo! — O homem
misterioso abriu sua braguilha e colocou o preservativo dado pelo
meu próprio marido, me deixando em estado de frenesi sexy e
intenso. Meu marido sentou-me no sofá me abaixando para chupá-lo,
e foi então que senti o homem me penetrar. Percebi a diferença ao
sentir outro homem, pois eu já estava acostumada com a forma de
Edgar.
Me segurando com força na medida certa pelo quadril, o homem
me penetrava enquanto eu chupava de forma intensa meu marido;
sequer me lembrei que estavam nos olhando e assistindo nosso filme
erótico real.
Passaram poucos minutos entre gemidos altos e fortes.
— Que delícia de mulher, vou gozar! — Diminuiu a velocidade.
Ele me sentou na cama, me beijou na testa e agradeceu:
— Vocês foram uma experiência incrível. Estava tenso, pois havia
acabado de ter um orgasmo com minha esposa. — Sua esposa
havia recomeçado o sexo com outro casal, mas assistiu a façanha
sexual de seu marido. Olhei para ela sorrindo, que acenou a cabeça
entendendo minha inexperiência.
Edgar arrastou-me para dentro de uma cabine privativa e
transamos como se ainda tivéssemos 20 anos. Gemendo, ele
perguntava se eu havia gostado de ser uma completa devassa
naquela noite; gozamos juntos naquela cabine escura e apertada —
não acredito que acabei de cometer essa loucura! — Eu tive
pouquíssimas experiências sexuais, mas essa, sem dúvidas, ficaria
na memória.
Voltamos rindo no carro, lembrando das peripécias desse novo
casal que havia acabado de nascer. Um casal que, a partir daquele
dia, estaria disposto viver as mais intensas aventuras!
Capítulo 11

O primeiro ménage à trois

“Trinta anos é uma idade difícil. (...) A vida acaba, começa a


existência.”
André Bay
Eu me sentia mais viva do que nunca, pois exalava sensualidade a
cada respiração. Quando andava na rua já não me importava em ser
notada por homens paqueradores, o que antigamente afetava ainda
mais minha autoestima. Esse tipo de atenção não servia mais para
mim pois, em algum lugar do planeta, pessoas reais sabiam a
diferença entre uma mulher real e um espelho do padrão.
Por dias nos sentimos imunes à sociedade. Era como se
tivéssemos acabado de descobrir uma nova civilização muito mais
evoluída e feliz. Pessoas livres realizando suas fantasias sem o peso
do pecado alheio, sem medo de qualquer condenação religiosa e
sem necessidade alguma de qualquer tipo de aceitação.
Apesar de ter vivido junto de meu marido aquela deliciosa
experiência, não considerava ter experimentado um sexo a três,
afinal, foram poucos minutos, intensos, porém sem muita entrega.
Como seria conhecer alguém em detalhes, começando com um
jantar e, movidos pela química e desejo, transar intensamente sem
qualquer preocupação com o tempo?
Conversamos muito sobre a possibilidade de sair com alguns
casais que conversávamos, porém nossas agendas não batiam.
Precisava muito viver essa experiência fora de uma casa de swing,
às claras, sem aquela escuridão tremenda aliada a muita rapidez.
Queria perguntar o nome dessas pessoas e ouvir suas histórias,
para que tudo fizesse sentido para o sexo acontecer. Já desanimada
pela falta de possibilidades, dado um feriado que estava próximo, Ed
resolveu tomar a frente da situação.
— Que acha de marcarmos com um homem solteiro hoje?
— Oi? — Dei uma leve engasgada com o vinho que estava
bebendo — assim do nada?
— Não é do nada. Chame algum single para conversar, veja suas
fotos, e se ele estiver disponível vamos marcar. Já se passaram três
meses desde que fomos àquela casa de swing, e confesso que a
experiência que tivemos lá me deixou excitado por muitos dias. Você
não faz ideia como estava sexy daquela forma.
— Amor, assim você me deixa com vergonha — falei já com as
bochechas rosadas — sei lá, dificilmente alguém vai querer marcar
em cima da hora.
— Tenta… Quem sabe! Vou tomar um banho e depois você me
conta.
Olhei para ele, roendo as unhas, mas com um semblante malicioso
de quem topava uma aventura daquele tamanho.
Dei um último gole no vinho e peguei o celular que estava em cima
da mesa. Estava em nossa varanda interna, com uma grande janela
de vidro que me dava a visão total da rua, tomada de árvores cheias
de flores. Coloquei os pés apoiados sobre a mesa e comecei a olhar
as mensagens, que havia recebido dentro da rede social, com muita
tranquilidade.
Uma em especial me chamou a atenção. Com o nickname de
Doutor Sensual, um homem de São Paulo me enviara uma
mensagem sobre uma das fotos que eu havia postado. Na
mensagem ele contava sobre o desejo que sentia ao ver minhas
fotos e queria uma oportunidade de nos conhecer.
Doutor? Será que é médico? E se for ginecologista? Não estou
preparada para sair com um homem que acha que entende mais da
minha vagina que eu… ri em pensamento.
Resolvi responder:
“Oi… tudo bem com você?”
Logo veio a resposta:
“Que honra… Camila me respondendo.”
“Por que honra? Fiquei curiosa!”
“Você é famosa aqui no Sexlog. Vive no Top!”
“Que exagero, doutor. Deve falar isso para todas… afinal, é
doutor do que mesmo?”
“Ainda de nada. É só uma pretensão de ser mesmo. Aqui todos
podemos sonhar, né? Estou estudando direito — estudando?
Quantos anos ele tem? — Ainda faltam alguns anos pela frente.”
“Você viu minha idade no perfil?”
“Sim, e qual o problema? Eu estou com 24 anos. Vai me dizer
que sou novo demais para você?”
“Vocês, você quis dizer, né?”
“Sim, desculpe por isso. Vocês…”
Conversamos sobre a minha única experiência e ele me contou
das experiências que teve com casais conhecidos através do site. A
forma como ele escrevia me fez sentir segurança de fazer o convite
para mais tarde, ainda naquele dia. Sem hesitar, ele aceitou e,
quando desliguei o celular, fui invadida por uma insegurança.
Abri novamente o celular e fui olhar as fotos do Doutor Sensual, na
tentativa de me convencer de ter feito uma boa escolha, como se
apenas através de fotos pudéssemos medir a química, a
sensualidade da voz, o cheiro e a reciprocidade de alguém.
Ricardo era um rapaz branco, musculoso, com cabelos pretos e
lábios carnudos. Suas fotos, tiradas de baixo para cima, deixavam a
saliência de sua barriga definida ainda mais chamativa. Sempre achei
que um homem com esse perfil jamais se interessaria por mim e
senti angústia por ter, de certa forma, me supervalorizado nas fotos
com ângulos que me beneficiam. O que ele dirá ao descobrir que eu
peso 120 quilos?
A noite chegou e estava pronta para essa aventura. Já no carro,
fiz uma pergunta a Ed:
— Eu mencionei que era gorda, mas não sei se ficou claro nas
fotos — apertei minha unha de leve com os dentes. — E se ele se
decepcionar?
— Ele? E onde entra nossa expectativa nisso? Não nascemos
para agradar ninguém! Lembra sobre a reciprocidade que falamos?
Você deve se preocupar com seus sentimentos e não com os dele.
Cada um tem sua própria perspectiva e não é possível atingir as
expectativas de todos, sempre. Acredito que, nesse momento, você
deve focar no seu prazer, e não na opinião de ninguém — falou
olhando para frente enquanto dirigia.
Coloquei a mão em sua perna e fui acariciada, então ele sorriu e
disse:
— Você está linda como sempre!
Durante todo o caminho quase não conversamos, pois a ansiedade
de ambos estava forte demais para qualquer conversa. A sensação
que tinha era como se estivesse em uma missão, querendo terminar
o mais rápido e ir embora o quanto antes.
Ao chegar na rodoviária e avistar Ricardo de longe, fiquei em
choque. Ed começou a gargalhar e disse:
— Essa eu quero ver! — Olhou para mim tentando conter o riso,
mas quanto mais ele tentava segurar, mais ria — você não chegou
nem a perguntar?
— Ed, eu nem sei o que dizer! — Eu estava rindo, mas com um
grande misto de nervoso — ele deve pesar 50 quilos, nem isso!
— O cara tem 1,50m! Como você não perguntou? — Falava sem
conter a risada.
Eu dei um tapa na perna dele.
— Para com isso amor, ele vai ver. O problema não é ele ser
pequeno, mas eu ser o triplo dele! Como isso vai ser possível? Não
acredito que não olhei a altura e o peso dele na biografia…
— Calma amor, vamos conhecê-lo.
— Mas é óbvio que vamos, né? Não podemos deixá-lo
simplesmente aqui esperando.
Paramos ao lado de Ricardo. Já experiente no meio liberal, ele
não parecia constrangido, mas empolgado em nos conhecer, e já
entrou no carro falando:
— Oi! Que surpresa boa conhecer vocês!
Já virada para trás eu respondi desconcertada:
— A surpresa… ou melhor, o prazer é meu! Quer dizer, nosso! Né
Ed?
— Sim! E aí Ricardo, tudo bem?
— Tudo! Ansioso e com frio na barriga! Camila você é linda! Que
rosto angelical!
— Obrigada! — Acho que ele não conseguiu perceber nossa
diferença de tamanho — aonde vamos?
— Vocês decidem… — Disse Ricardo.
— Que acham de irmos direto ao motel? Tomamos uns drinques,
pegamos uma suíte com piscina e podemos relaxar um pouco —
falou Ed olhando Ricardo pelo retrovisor interno.
— Ótimo! Gosta da ideia, Cá?
Fiz que sim com a cabeça e passei todo o caminho quieta, ouvindo
os rapazes conversarem. — Eu jamais deveria ter aceitado isso.
Quando eu descer do carro ele vai ter um choque e, para ajudar,
estou de salto! Não podia ser pior!
Chegamos no Motel e enfrentamos nosso primeiro
constrangimento. A recepcionista nos olhou como se estivéssemos
cometendo o pior de todos os pecados. Pegou nossos documentos
com a boca torcida e entregou as chaves do quarto pela janela do
carro, quase deixando-as cair, parecendo estar com nojo de
encostar sua mão em Edgar. Olhei seca para ela, deixando claro que
estava ali por minha própria vontade e que ela deveria demonstrar o
mínimo de respeito pela liberdade de nossa sexualidade.
Constrangida pelo meu olhar, disse a Edgar tentando desfazer o
sentimento que nos causou:
— Se precisar de algo basta nos informar — dando um leve
sorriso.
Edgar, como sempre muito gentil, agradeceu e fomos estacionar
na garagem privativa da suíte.
Ambos desceram e me esperaram na frente da porta da garagem
que dá acesso à suíte. Fingindo procurar algo em minha bolsa,
demorava a criar coragem para ficar em pé ao lado de Ricardo,
temendo por sua reação. Se ele me olhasse com desdém, acabaria
com minha noite. Não estava preparada para enfrentar o conflito que
tive a vida toda naquele exato momento.
Desci em câmera lenta, tentando me equilibrar no salto, fechei a
porta e caminhei até eles. Ed me olhava com um sorriso carinhoso
de sempre, sabendo como eu me sentia. Ricardo me olhava,
estático, e quando me aproximei ele percorreu o olhar por todo meu
corpo.
Dando uma apertada em meus lábios, engoli a saliva apreensiva e
levantei as mãos com as palmas para cima, passando a mensagem:
essa sou eu, muito prazer e desculpa te decepcionar. Ricardo
entendeu a mensagem, pegou nas minhas mãos sorrindo e disse:
— Você é linda Camila! Exatamente o mulherão que eu imaginei,
apesar de ser um pouco mais alta. Me desculpa te decepcionar...
Esse sou eu!
Sorri para eles, entendendo que todos nós, de alguma forma,
tentamos por muitas vezes ser quem não somos para nos
encaixarmos no padrão de outras pessoas. Assim como eu, Ricardo
valorizava suas fotos e, de certo, também tinha problemas de
autoestima por causa de sua altura.
Ambos estavam muito cheirosos e a tensão que eu sentia deu
lugar à excitação. Ao entrar no quarto, dei um profundo suspiro,
encantada com a beleza do lugar: uma das suítes mais bonitas que
eu já havia visto. Já na entrada, na sala de refeições, com uma
decoração romântica e acolhedora, aguardava-me um buquê de
flores, uma garrafa de vinho e 3 taças. Com diversos tipos de
iluminação, a suíte tinha, além da saleta e do quarto com uma
grande cama king size, uma área externa repleta de paisagismo, que
cercava uma linda piscina iluminada de azul.
Sentamo-nos ao redor da piscina e Ricardo me serviu uma taça de
vinho, tocando em meus dedos. Constrangida, abaixei a cabeça e dei
um gole.
— Então, — falou Edgar, quebrando o gelo — o que você mais
gosta no universo liberal, Ricardo?
— Para ser sincero eu curto de tudo, Ed! — Ricardo piscou para
mim, fazendo-me rir — eu sou um aventureiro de várias experiências,
já fiz trocas de casais com uma antiga namorada, que foi quem me
apresentou esse mundo, mas minha preferência são ménages. A
entrega, o prazer do casal, meu prazer, tudo isso corrobora para
novas sensações dificilmente experimentadas durante um sexo
somente a dois.
— Você curte ser o pivô desse prazer? — Perguntei tentando
decifrá-lo.
— Como assim, Cá?
— Você curte saber que está no meio de uma relação. Curte ser o
outro?
— Puxa, nunca me perguntaram isso — respondeu com um certo
receio — Não tenho fetiche por estar no meio de um casamento.
Meu prazer não é fingir ser um amante, mas viver de fato o prazer a
três, onde corpos se tocam e se experimentam.
— Que bom, fico feliz em saber disso. Você é bissexual?
— Não! Ed é bi? — Perguntou com um ar preocupado.
— Eu? Ainda não! — Ed riu.
Sempre admirei como Edgar sempre se posiciona de forma livre,
mas, de fato, nem havíamos falado sobre isso, então fiquei surpresa
com a resposta dele. Ele sabia de meus desejos bissexuais, mas
não chegamos a falar sobre uma possível experiência dele. Essa
resposta me fez refletir que ele estaria aberto a falar sobre e, talvez,
não tenha mencionado por algum receio.
Ficamos cerca de uma hora conversando sobre os mais diversos
assuntos e todo aquele nervosismo foi embora. No meio de Ricardo
e Edgar, eu me soltava, ria e encostava neles, tentando reduzir entre
nós os espaços. Já conseguia sentir a excitação necessária para dar
o primeiro passo e tentava controlar o frio na barriga que me dava
toda vez que eu lembrava qual era a finalidade daquela noite.
De repente, a conversa acabou e ambos ficaram olhando para
mim. Um silêncio cheio de desejos e timidez…
— Faz alguma coisa... — disse Edgar.
— Nossa, que delicadeza, Ed! — Respondi.
Todos rimos.
— Desculpa, mas se não partir de você, nenhum de nós tomará
iniciativa. Certo, Rick?
— Certíssimo… — respondeu Ricardo sorrindo.
Levantei, pegando ambos pela mão, e os levei ao quarto.
Sentei-me na cama entre eles. Puxei meu marido pela camisa,
para ficar bem perto de mim, e virei o rosto para beijar Ricardo. Ao
primeiro beijo já estávamos ofegantes pela química que havia
acontecido entre nós três. Enquanto eu beijava Ricardo, Edgar
abaixou minha blusa deixando os ombros de fora. Dando-me beijos
delicados, percorreu com a boca até meu pescoço. Ambos
começaram a lamber meu pescoço, um de cada lado, dando-me
suaves mordidas. Sentia tanto tesão nessas carícias que me
entreguei a um estado de submissão enquanto alternavam-se para o
acesso da minha boca.
Passei a mão por cima da calça jeans deles e senti a intensidade
do tesão que estavam. Durante os movimentos, Ricardo e Edgar se
olhavam como se fossem um time alinhado para me dar prazer. Era
como se Ricardo precisasse da aprovação de Edgar a cada
movimento, o que me fez ficar com mais tesão ainda, me deixando
completamente molhada.
Ricardo me deitou e passando as mãos pelas minhas pernas,
levantou meu vestido. Nesse momento, involuntariamente, hesitei e
me cobri por vergonha.
— Relaxa amor… se solta — falou Ed no meu ouvido.
Ricardo levantou meu vestido mais uma vez e, colocando minha
calcinha de lado, começou a me lamber. Enquanto ele me devorava,
Edgar, sentado atrás de mim, segurando minhas mãos, beijava minha
boca trêmula e cheia de gemidos. Passando a mão em meu rosto,
Ed se posicionou ao meu lado e me fez chupá-lo, enquanto Ricardo
continuava naquele maravilhoso sexo oral.
Vendo-me retorcer, Ricardo começou a me penetrar enquanto
Edgar ocupava inteiramente minha boca. Quanto mais forte Ricardo
fazia, mais eu apertava minha boca em Edgar.
Me trocaram de posição diversas vezes e me rendi àquele sexo
selvagem, obedecendo cada movimento que eles propunham. Foram
quase três horas de transa intensa que me deixou com o cabelo ruivo
molhado do suor de nós três. Ricardo gozou três vezes e, na última
transa, Edgar finalmente chegou ao clímax.
Quando acabamos, olhei para o espelho no teto e vi a gritante
diferença de nossos tamanhos. — Que espelho desnecessário,
pensei.
Ricardo tinha a certeza de que eu tinha gozado, já Edgar sabia que
não.
— Não, né? — Perguntou Ed sussurrando.
— Não. Depois falamos sobre isso.
— Poxa… fiquei triste agora. Achei que tinha sido maravilhoso.
— E foi, Ed! Foi muito maravilhoso!
— Mas se foi tão bom, por qual motivo você não teve orgasmo?
— Ed, jura que você quer ter uma DR aqui? — Falei rindo baixo.
— Certo, vamos, que ele está lá, sozinho!
Fomos os três para a piscina relaxar e passamos a noite
conversando e bebendo o restante do vinho.
— Cá, preciso te confessar uma coisa: você tem, sem dúvida
alguma, a maior bunda que eu já vi de perto — Ricardo riu com ar
debochado.
— Bom, Ricardo, você também é a menor pessoa que eu já fiquei
desde que tinha 16 anos — caímos os três na gargalhada — mas,
falando sério, minha experiência com você foi transcendental. Além
de terem feito eu me sentir uma mulher devorada e realizada, ainda
quebrou mais de mil tabus dentro de mim.
— Tabus? —Perguntou Ricardo.
— Sim, vários! — Falou Edgar, consentindo com a cabeça.
Continuei:
— Você tem ideia de que essa é nossa primeira experiência no
meio liberal? Se não bastasse ser a primeira, ainda me deu a maior
lição de todas.
— É mesmo? Qual?
— Estereótipos! Passei anos demonizando o meu corpo… Estar
hoje com você, sendo praticamente o meu oposto, me fez ter
certeza, que, o que deveria reger a sexualidade humana é a
reciprocidade e não a aparência. Você tem uma beleza radiante,
Ricardo. Me fez sentir, junto ao meu marido, a mulher mais bonita e
sensual de todas, e pela primeira vez na vida, mesmo pesando 120
quilos, me senti leve, sem todo aquele peso emocional que tanto
carreguei.
— Uau! Que demais... Fico feliz por isso!
A conversa se estendeu mais um pouco, mas já era hora de voltar
para casa e nos despedimos sem maiores perguntas ou promessas.
Foi uma noite memorável, mas sem cobranças, incluindo sobre meu
orgasmo. Talvez Ricardo tivesse achado que eu gozei, talvez
estivesse com medo de saber a verdade, mas não ter sido cobrada
por isso tornou tudo muito melhor. No carro, a caminho de casa,
Edgar voltou a tocar no assunto e me perguntou:
— Então, por qual motivo você acha que não gozou hoje?
— Quem disse que eu não gozei... hoje? Já acabou, hoje? —
Finalizei sorrindo maliciosamente.
Ele retribuiu o sorriso e passou a mão em minha perna, querendo
dizer: “deixa comigo”.
— Você não gostou do jeito dele?
— Gostei muito! Só acho que não estava pronta para gozar com
outro homem além de você. Vai chegar o momento, eu sei que vai.
Como era a primeira experiência dessa magnitude, eu tive que lidar
com muitos sentimentos.
— Você repetiria essa experiência com o Ricardo, ou com outras
pessoas?
— Sim! Claro! Acho que vou enxergar os outros sob uma
perspectiva totalmente diferente a partir de agora. Somos todos
desejáveis se encontrarmos as pessoas certas para cada ideal.
Nessa noite, com Ricardo, aprendi uma poderosa lição: para nos
tornarmos desejáveis, é preciso, primeiramente, encontrar pessoas
que, mesmo vivendo em um mundo repleto de padrões, te enxergam
de alguma forma, estando dentro do corpo que você estiver!
Capítulo 12

Nós, vós, eles!

“Mas não se esqueça: assim como não se deve misturar bebidas,


misturar pessoas também pode dar ressaca.”
Martha Medeiros
Depois da experiência que tivemos com Ricardo e nossa primeira
aventura em uma casa de swing, nos sentimos seguros dentro do
universo liberal para experimentar novas fantasias. Cada vez mais
conectados com o universo liberal, a sensação de medo e
inexperiência diminuiu, nos deixando mais audaciosos.
Meu marido reagiu melhor do que eu esperava após nossa
experiência de sexo a três. Tinha um pouco de receio que ele
perdesse o respeito por mim, pois foi construído durante muito
tempo e seria lamentável se romper por causa de uma noite de
fantasias. Conversamos muito sobre os sentimentos que ele teve ao
me ver transando com outro homem de forma tão intensa, mas
afirmou, categoricamente, que não sentiu ciúme, mas que chegou a
ter dúvidas se Ricardo era melhor que ele na cama.
A preocupação pelos centímetros do pênis parecia ser o maior de
seus problemas e quando me questionou se gostaria que o pênis
dele fosse um pouco maior, respondi em um tom jocoso:
— Você acha pequeno, Ed, pois não é em você que entra! — Ri
fazendo cócegas nele.
Continuamos o casal unido de sempre, carinhosos um com o outro
e nos respeitando em tudo. Passamos a ser cúmplices dessa
fantasia, não importando ter sido um ménage com outro homem onde
somente eu interagi. Foi um grande passo, sim, mas dado por
ambos. Não tinha vencedor ou perdedor, nem alguém que acabou se
favorecendo mais. Foi uma experiência única que deu prazer para
nós dois, só que de maneiras distintas.
Descobrimos uma nova forma de lazer e, a cada quinze dias,
visitávamos uma balada liberal com o intuito de dançar, beber e nos
divertir. Edgar e eu passamos a descobrir o mundo noturno, coisa
que nunca fizemos, eu por meus poucos recursos da época e ele
pela religião rígida na qual foi criado. Crescemos sem aproveitar
nossa adolescência, mas, anos depois, pudemos viver tudo aquilo
que não havíamos aproveitado quando éramos jovens de 18 anos.
Nos tornamos conhecidos nas baladas de São Paulo. Adorávamos
espiar outros casais se aventurando e, quando o tesão acontecia
mais forte, entrávamos em uma cabine privativa para transar.
Quando paquerados, arrumávamos uma maneira de nos
desvencilhar, grande parte das vezes rindo, como quem foge de
alguma bagunça que havia acabado de fazer. Não porque não
quiséssemos interagir com ninguém, mas porque estávamos
adorando viver a jovialidade resgatada depois de tantos anos.
Foi incrível não perdermos o romantismo. Algumas vezes
fantasiávamos na cama, apenas nós dois, falando sacanagens no
ouvido um do outro, mas, na maior parte das vezes, fazíamos amor.
Passávamos noites inteiras maratonando séries, jogando
videogame e, quando estávamos exaustos, dormíamos abraçados
como um casal de namorados. Fazíamos amor quando dava
vontade, tínhamos sexo avassalador quando o momento era propício
e nunca cobrávamos um ao outro sobre a frequência em que o sexo
deveria acontecer. Tornou-se um relacionamento leve, maduro e
cheio de possibilidades.
Por causa de nossas acaloradas aventuras noturnas e termos
nossa libido mexida vendo tantos casais interagirem, decidimos que
era hora de ter a primeira experiência com algum casal. Iniciamos
nossas buscas no site de relacionamentos liberais, na expectativa de
conhecer um casal compatível com nossos desejos e idealizações,
com o qual tanto fantasiamos na cama durante esse tempo, mas
dessa vez juntos, afinal, precisava sentir-me segura, pois seria a
primeira vez que veria meu marido tocar em outra mulher, e seria a
primeira vez que eu tocaria em outra mulher.
Queríamos ter uma noite tão maravilhosa quanto a que tivemos
com Ricardo, cheia de reciprocidade e empatia e, apesar de não me
sentir totalmente confiante em ter essa primeira experiência com uma
mulher mais magra que eu, resolvemos que não iríamos buscar
alguém baseando-nos em seus corpos, mas através da
compatibilidade de nossas fantasias.
— Amor, o que você acha desse casal? — Apontou para a tela do
computador — gostei deles… O marido perguntou se topamos entrar
em um grupo de WhatsApp para que as conversas aconteçam com a
participação de todos.
— Gostei das fotos… Animados, né?
— Tiram boas fotos, preencheram bem a biografia e falam em
seus posts sobre amor e reciprocidade.
— Se preencheram a biografia completa são para casar — sorri,
apoiando as mãos no ombro de Edgar enquanto olhava para a tela.
— Ele tem a minha idade, mas ela tem a idade de Ricardo.
— Só tem 24 anos? Será possível que só gente mais nova quer
sair comigo?
— Falou a mulher madura…
— Ed, já passei dos 30!
— E o que tem isso? — Riu.
— “Ela é madura, já tem mais de 30 anos…” — cantarolei.
— Hã?
— A panela velha, Ed… A panela velha! Lembra da música
cantada por Sérgio Reis? — Caímos na gargalhada — não está fácil
pra ninguém, né?
— Você é uma graça, sabia?
— Chega de enrolar! Pode dizer que eu topo entrar nesse grupo
de 4.
— Adoro você de quatro!
Olhei para ele torcendo a boca.
— Por favor, não faça essas piadas em público. Vão achar que
somos mais velhos do que aparentamos. — Rimos novamente.
Cristiano e Mariana eram nossos novos amigos. Passávamos o dia
todo trocando mensagens sobre todo tipo de assunto. Nosso
repertório não se baseava apenas em sexo, nos deixando tranquilos
em relação à possível troca de casais almejada. Ed e eu, desejosos
de repetir a noite agradável com Ricardo, deixamos claro, para o
casal pretendente, que queríamos ir além da interação, pois nosso
desejo era conhecer um casal que, assim como nós, gostasse de
conversar antes e depois do sexo.
Tendo a certeza de que queríamos as mesmas coisas, nos
dedicamos para o desenvolvimento dessa amizade. Durante essas
conversas pudemos nos conhecer minimamente e, apesar de
trocarmos algumas fotos picantes e falarmos sobre algumas
fantasias, não chegamos a mencionar sobre a forma que
gostávamos de transar, até por nossa inexperiência de nunca ter
saído com outro casal.
O que eu mais gostava nessa experiência era a intimidade que
Mari e eu criamos. Ambas desejávamos vivenciar uma experiência
bissexual e, confesso, fiquei mais excitada com a possibilidade de
colocar em prática todas as fantasias que tivemos juntas do que
interagir com o marido dela. Durante o dia, sem esperar, Mari
enviava-me mensagens particulares com algum tipo de safadeza ou
provocação, deixando-me cada dia mais excitada e ansiosa para
conhecê-los.
Depois de algumas semanas de conversa, ela teve uma ideia que
achei brilhante. Faríamos algo inusitado: eu me encontraria primeiro
com Mari em uma cafeteria e iríamos sozinhas para o motel ter, a
sós, uma experiência bissexual. Só então, algumas horas depois, os
rapazes poderiam vir.
Não queríamos deixá-los de fora dessa fantasia, então,
prometemos que tiraríamos algumas fotos para provocá-los
enquanto eles não chegassem. Empolgados com a ideia, nos
incentivaram a colocá-la em prática.
Tentando arrumar uma data que ficasse boa para todos,
conseguimos finalmente agendar o dia e o local para nossa tão
aguardada primeira troca de casais. Durante toda a semana, apesar
de muito excitada, fiquei muito mais tensa. — Não vai ser fácil estar
com uma mulher, principalmente com uma que é tão exigente com
o próprio corpo. Como ela pode me achar atraente, se qualquer
grama a mais que ela ganha, reclama?
Deixei claro como éramos e me tranquilizei ao lembrar daquilo que
Ed me disse: “Não nascemos para suprir expectativas de ninguém”.
— Se ela não gostar, não gostou. Não há nada que mude isso...
Quando chegou o dia do nosso encontro com Cristiano e Mariana,
apesar de estarmos animadíssimos, Ed estava receoso e com baixa
autoestima.
— Eu não sei o que esperar desse encontro. Meu amigo aqui não
é tão grande como o do marido dela, pelo que vi nas fotos enviadas
e meu perfil é bem diferente do dele. Será que ela sentirá tesão por
mim? — Perguntou olhando no espelho enquanto eu me maquiava.
— Ei! Ficou louco? É impossível não se apaixonar por você, Ed! —
Passei a mão em sua barba — tudo em você me faz sentir satisfeita.
— Eu não quero estragar seu clima…
— Fique tranquilo amor… — Ed abaixou a cabeça — psiu, olha
pra mim! Eu estarei com você, ok? Você é carinhoso, educado e
cheiroso… A mulher que estiver com você tem muita sorte! — Como
deve ser difícil para ele!
Mari seria a terceira mulher com quem Edgar teria um contato
íntimo. Podia imaginar a angústia dessa espera, afinal, com sua ex-
mulher e comigo, antes do sexo, houve um namoro íntimo. Com ela
seria apenas algo casual...
No caminho, enquanto dirigia, ouvia o rádio do carro no último
volume, Whole Lotta Rosie do AC/DC, uma banda de rock que sou
apaixonada. Estava me sentindo linda naquele fim de tarde e adorei
ter sido paquerada no farol por alguns motoristas ao lado. É
impossível ficar imune vendo uma ruiva cheia de autoestima em um
carro de 7 lugares cantando rock pesado. — Caralho, que música
foda! — Era uma gravação de um show que eles realizaram no River
Plate, na Argentina, em dezembro de 2009.
Não sei quem me deixa mais eufórica: Angus Young naquele estilo
com sua guitarra, ou Brian Johnson naquele jeans apertado — Ed
tem ciúme dos maduros — ri pensando nas vezes que ele
demonstrou ciúme.
“She ain’t exactly pretty, she ain’t exactly small,
Forty-two - thirty-nine - fifty-six
You could say she’s got it Allllll!!!!!!!!!!!
But you give all you got, weighin’ in at nineteen stone
You’re a whole lotta woman
A whole lotta woman
I gotta whole lotta Rosie”
Rosie era um bocado de mulher como eu: não somos exatamente
bonitas, não somos exatamente pequenas, mas damos tudo de nós,
mesmo pesando 120 quilos — ele nunca teve uma mulher como
nós, não é mesmo, Rosie? A gente rouba o show, garota! —
Pensava, enquanto batucava no volante fazendo dele uma bateria.
Estacionei na Starbucks e lá estava Mariana: uma preta linda de
cabelo curto cacheado, dona de uma pele bronzeada, cintura fina e
quadris largos, Mari era a perfeição em forma de mulher — que
sorriso!
Foi paixão à primeira vista e me encantei por seu cheiro adocicado
assim que nos abraçamos. — Ela tem cheiro de chocolate...
— Estou chocada com a sua beleza! — Falei sorrindo.
— Cá, você tem alguma ideia do quanto é linda? Parece até uma
pintura renascentista. Sabe, aquelas ruivas gordinhas? — Deu uma
risada despojada.
Ela não era tímida como eu, talvez pela própria vivência no
universo liberal, e seu jeito tornava tudo mais suave. Em uma tarde
de café, risadas e muitas histórias, criamos laços ainda maiores
daqueles que já havíamos estabelecido virtualmente. Quem nos
percebeu teve a certeza de que estávamos flertando, pois eram
nítidos os olhares paqueradores uma para a outra.
— Vamos? — Disse Mari sorrindo.
— Ufa... Vamos!
— Está ansiosa?
— Ao ponto de infartar! — Rimos.
Pegamos a estrada rumo ao motel.
— Caramba, gata! Você dirige muito bem! Extremamente sexy…
— falou olhando-me maliciosamente.
Olhando Mari de canto de olho, mordi meus lábios sentindo um
misto de excitação e constrangimento e, de forma abrupta, parei o
carro no acostamento da estrada e tirei meu cinto de segurança. Ela
sorriu, já sabendo qual era minha intenção.
Beijei-a de forma avassaladora enquanto segurava sua nuca.
Demos um beijo longo cheio de poder e lubricidade.
— Você é demais, Camila! Me faz perder o fôlego…
Sempre tive dúvidas sobre minha bissexualidade, mas, naquele
momento, o que sentia sexualmente por ela fez com que eu
soubesse exatamente quem eu era. Senti uma estranha sensação de
estar ao volante levando uma mulher a um motel. Não posso dizer
que afetou minha feminilidade, mas pude, mesmo que por algum
momento, compreender a perspectiva de Edgar sobre mim: uma
sensação de cuidado e poder ao levar minha garota para passear.
Quando me perguntam se me casaria com uma mulher, sou
enfática ao responder que não me casaria com ninguém além de Ed.
Como uma amiga me explicou certa vez, sou heteroafetiva e
bissexual. Rótulo no sentido figurado é a tipificação de algo, e
pessoas são complexas demais para serem rotuladas, pois contém,
cada uma dentro de si, um universo repleto de particularidades.
O motel era antigo, mas com enormes suítes duplex. No quarto
havia duas camas king size, rádio e televisão. Na área externa do
quarto ficava a piscina aquecida, banheira de hidromassagem e um
banheiro espaçoso com duchas coletivas. A iluminação tinha somente
duas opções: acesa ou apagada, ou seja, nada de meia luz para
tornar o ambiente mais sedutor — não acredito que, para chegar em
uma rádio específica, temos que apertar o único botão e passar por
todas as rádios do Brasil!
— Ainda bem que sempre ando com um pendrive de músicas no
carro. Pelo menos tem entrada aqui. Acredita nisso, Mari?
— Também separei um pendrive, mas ficou na mochila do Cris —
breve silêncio — mas, me diz… vamos tomar um banho juntas?
Eu congelei…
— Vamos! — Minhas bochechas estavam ruborizadas.
Mari tirou sua roupa, entrou sob o chuveiro e, na intenção de me
provocar, passava o sabonete branco lentamente por seu corpo,
deixando a cor da espuma em evidência pelo contraste com sua
pele.
— Garota, não me provoca…
— O que você vai fazer?
Dei uma risada tímida — absolutamente nada. Que vergonha!
Mariana riu, entendendo que eu não teria coragem de tomar a
iniciativa. Ela não desistia da provocação e, enquanto tomava banho,
dançava de forma brincalhona, esfregando seu corpo no meu. Ainda
sem saber como reagir e, em uma tentativa pouco eficaz de
permanecer alheia àquela provocação efusiva, mantinha minha
cabeça embaixo do chuveiro, sorrindo, sem acreditar no que estava
prestes a acontecer, enquanto Mari seguia com sua dança e cantoria
abafada pelos pingos d’água ao meu ouvido.
Fui a primeira a sair do banho e decidi esperar no quarto.
Enquanto ela não chegava, lembrei da quantidade de vezes que me
imaginei em uma cena como essa. Minha vida toda reprimi essa
vontade, pois acreditava, ou pelo menos me obrigaram a acreditar,
que não se passava de um pecado perverso. Desistia tão logo o
pensamento de uma vida bissexual teimava em aparecer, gerando
um conflito insolúvel e inexplicável sobre minha própria sexualidade.
Mari caminhou em minha direção, tirou a toalha e deitou-se ao meu
lado na cama. Olhando-me com um sorriso sem vergonha, pegou
uma de minhas mãos, colocando-a em sua cintura. Com beijos
ofegantes, nos acariciávamos uma à outra, nos fazendo explodir em
um frenesi úmido e cheio de calor. Passando minha boca por seu
pescoço desci até chegar em seu peito, e enquanto tocava Mariana,
molhada de tesão, lambia delicadamente o bico do seu seio fazendo-
a gemer mais alto apertando minha mão entre suas pernas.
Ela, extremamente excitada, veio por cima de mim encaixando
suas pernas entre as minhas, e ao esfregar seu corpo no meu, nos
fazia escorregar uma na outra enquanto nos beijávamos. Suave e
sensual, ela encostava seu clitóris no meu, enquanto eu, ensandecida
de tesão, segurava seus seios. Sedenta por senti-la em minha boca,
me virei sobre ela descendo entre suas pernas e, tomada pelo
prazer absoluto daquele momento, chupava Mariana desejando que
ela gozasse em minha boca. Passando minha língua em cada parte
molhada dela e sentindo-a latejar, a penetrei com meus dedos
fazendo com que ela me pedisse para continuar. Mariana veio por
cima pois queria me chupar enquanto eu a lambia, e foi nessa
posição, que cheguei ao clímax.
O sexo com uma mulher era diferente de tudo que imaginei. Meio
sem jeito e com pouca experiência, tentava proporcionar a ela o que
gostaria de sentir e, diferentemente de uma transa com um homem,
Mari não possuía indicadores claros e aparentes, que deixavam-me
em dúvida se ela realmente estava gostando — meu marido está de
parabéns! Como ele sabe onde tocar com a língua? — Era uma
transa somente com preliminares, na qual nos sentimos por inteiro
com nossas bocas e dedos — será que ela teve um orgasmo?
Foi muito bom transar com Mariana, apesar de ter sentido uma
enorme falta da presença masculina de meu marido.
— Não conseguimos cumprir nossas promessas para os rapazes,
né? — Me lembrou abraçada comigo.
— Nem um pouco... Tinha como parar e tirar fotos diante de toda
nossa intensidade? Podemos fazer uma foto agora, se quiser, o que
acha?
— Vamos! — Se ajeitou na cama.
Nos deitamos de bruços e tiramos uma foto sensual que logo
enviamos no grupo. Em seguida Ed respondeu:
“...” — Toda vez que ele está excitado responde assim. Deve
estar explodindo por dentro!
Enquanto eles não chegavam, aproveitamos para comer alguns
snacks que estavam em cima do frigobar e continuar nossa conversa
de antes, mas agora com mais intimidade e sem aquele meu
nervosismo e ansiedade. Passada quase meia hora, o interfone da
suíte tocou. Era a recepcionista querendo saber se autorizávamos a
entrada de Edgar e Cristiano. Meu marido deu carona para o esposo
de Mari, para que chegassem juntos, afinal, esse era o combinado
entre nós.
Apenas de toalha, abrimos a porta para recepcioná-los em grande
estilo. Ela beijou seu marido e eu beijei Edgar, já causando neles
uma boa dose de excitação. Após o beijo com nossos respectivos
maridos, Cris veio até mim, segurou em minha nuca e beijou-me.
Edgar, fez o mesmo com Mari, tornando o clima entre nós muito mais
quente.
Espiei, curiosa, Mariana beijar Edgar e fiquei excitada vendo quão
sedutor ele é. Era incrível ver meu marido beijar a boca de outra
mulher sem sentir ciúme por isso — ele merece ter uma noite
incrível! — Foi o exato sentimento que tive.
O clima era outro. Cris era um homem bem mais alto que eu, não
muito forte, careca e branco. Sua personalidade era o oposto de
Edgar: falava alto, dava risada escandalosamente e fazia diversas
piadas fora de hora, mas muito simpático e prestativo. Edgar estava
envergonhado e, tanto ele como Cristiano, tentavam esconder um
nervosismo latente.
Somente após algumas conversas, meu marido começou sentir-se
mais tranquilo, dando início a um clima sexy e envolvente.
As diferenças entre nossos jeitos começaram a aparecer. Cristiano
pegou uma cerveja e Edgar vinho — eles não vão beber a mesma
coisa, que curioso — Ed e eu somos amantes de rock, jazz e blues.
Cristiano e Mariana gostavam de samba e funk brasileiro.
— Vou ligar o rádio, Ed! — Disse Cristiano já pegando na mochila
um pendrive.
— Vai ser ótimo! Vai ajudar no clima… — respondeu constrangido.
— Se liguem nesse som! Claro que devem conhecer esse grupo…
Nos olhamos sem graça, pois era o tipo de música que não
suportávamos. Gostamos muito de samba raiz no estilo dos
Demônios da Garoa, um grupo mais antigo e tradicional, mas aquele
era um pagode meloso que jamais seria uma opção para uma noite
de sexo — sacaneou! — Dei um sorriso pouco expressivo enquanto
Edgar dizia:
— Uau, nossa, hum, muito bom… — preciso me segurar para não
rir.
Quando eles se viraram de costas para nós, Ed riu e sussurrou:
— Que banda é essa?
— Como vou saber? Não faço ideia! — Respondi rindo.
Estava adorando essa experiência. Quem diria? Nós dois,
descobrindo pessoas!
Diferente do clima sensual com Mari, com os rapazes tornou-se
oposto. Estávamos em uma cama e eles em outra, parecendo-nos
lógico cada um iniciar interação com seu par. Começamos a nos
beijar, acendendo uma chama intensa de tesão entre nós. Enquanto
nos tocávamos, começamos a espiar o sexo de Cris e Mari, que, já
de início, mostrou ser bem diferente. Ele desceu para chupá-la e
sugava com força seu clitóris, puxando com sua boca — agora tenho
certeza de que ela não gozou comigo! Não sei como ela não
dormiu...
Mari e Cris perceberam que os estávamos assistindo, deixando-os
ainda mais excitados. Nossa respiração estava ruidosa, enquanto ela
gemia alto. As diferenças de nosso estilo sexual eram gritantes: ele
cuspia em Mari, dava tapas fortes em seu bumbum, puxava seu
cabelo e, quanto mais forte ele a penetrava, mais alto ela gritava:
— Vai homem, faça direito! Quero mais fundo, quero mais forte!
Isso é jeito de transar?
Sentada na cama, cobri minha boca e olhei para Ed, que me
retribuiu o olhar com desespero.
— Cá, vem ver de perto! — Falou Cris.
Cris abriu as pernas de Mari e a esfregava com força enquanto a
penetrava. De repente senti um esguicho espirrar no meu rosto e dei
um pulo assustada — eu achava que essas coisas só aconteciam
em filme…
— É, garota! Ela faz squirting5! — Falou alto comemorando.
— Agora que a Mari gozou, ela quer mais! Sempre quer mais, né
amor? — Deu um beijo nela e se levantou.
— Vem Ed! — Falou Mari.
Nos levantamos e ficamos parados em pé ao lado deles. Mari o
agarrou pela camisa e o deitou na cama. Cris já veio por trás de
mim, passando a mão em meus seios, virou-me e começou a me
beijar com força. Nas brechas que conseguia, tentava olhar meu
marido, e o vi descendo para fazer sexo oral em Mari.
Cris colocou-me com os joelhos apoiados na cama e quando me
penetrou, dei um grito de dor — Que enorme! — Eu tentava me
encurvar para reduzir a profundidade que entrava e, por
constrangimento, ou por não saber dizer não, fiquei em silêncio
tentando não demonstrar incômodo.
Estávamos tão próximos, mas ao mesmo tempo tão longes…
Tentávamos encostar a mão um no outro, mas tínhamos a sensação
de que eles propositalmente nos impediam de nos tocar.
Ainda com os joelhos apoiados na cama, enquanto Cris me
penetrava, vi Mari mudar de posição e começar a cavalgar sobre
Edgar, que transparecia estar muito excitado. Já eu, nada sentia
além de dor.
Nossos olhares se encontraram e Ed percebeu minha insatisfação,
pois a ausência de meus gemidos e minha expressão indicavam que
eu estava em uma situação extremamente incômoda. Tentava não
demonstrar, pois queria que meu marido tivesse uma boa
experiência, e vê-lo excitado era a única coisa que me agradava
durante aquela troca de casais.
Parei então de ouvir os gemidos do meu marido e percebi que
Mari tentava causar nele uma nova ereção. Querendo terminar a
transa com Cristiano, o apertei entre minhas pernas o mais forte que
pude na tentativa de fazê-lo gozar rápido — deu certo! Ele vai gozar!
— Ufa! Que delícia, Camila! — Exclamou Cris em um tom bem alto
— vou tomar um banho, sua gostosa! Vem comigo?
— Vou continuar espiando! — Estava constrangida e querendo
ficar o mais longe possível dele.
Cris saiu e finalmente senti alívio. Me aproximei deles, percebendo
que meu marido havia perdido completamente a ereção. Não tive
ciúme, mas um sentimento de empatia e parceria muito forte, pois a
pressão que ele sentia para excitar-se com Mari era notável.
No começo da transa, Edgar sentiu prazer, apesar de achar que
Mariana não estava sentindo muita coisa. Quando notou a dinâmica
de Cristiano comigo, pensou ser insuficiente para excitá-la, afinal, o
sexo deles era muito mais “pornográfico” que o nosso. Ao perceber
que eu não me sentia confortável, broxou.
Beijei Edgar, encostando meu corpo no dele, enquanto ela o
chupava.
— Estou aqui, amor… — sussurrei em seu ouvido. Ed me olhou
com saudade, como se eu tivesse acabado de chegar de uma longa
viagem.
Coloquei a mão de Edgar entre minhas pernas para estimular sua
imaginação e gemia em seu ouvido, dizendo coisas que o
provocavam. Nada do que eu tentava parecia resolver, então Mari,
cansada das tentativas de causar nele excitação e constrangida por
não conseguir, me puxou para baixo para que eu pudesse fazer nele
sexo oral. Notando sua nítida dificuldade de responder fisicamente
por causa de toda aquela pressão, coloquei-me na frente dela,
impedindo que conseguisse vê-lo e, fazendo movimentos de ir e vir,
fingi ter causado nele uma ereção. Logo ele percebeu e entrou em
meu jogo, sorrindo discretamente e aliviado.
Ele gemeu enquanto fingia gozar em minha boca — darei até uma
limpadinha no canto da boca — Mari me deu um tapinha nas costas.
—Isso aí garota! Nada como intimidade, não é? — Sorriu
desconcertada — vou para o banho com meu marido!
Quando Mari saiu, Edgar e eu, rimos e nos abraçamos.
— Isso vai entrar para a história! Você é o primeiro homem do
planeta terra que consegue fingir orgasmo!
— Que vergonha! — Ed olhou para baixo — puta mancada hein,
cara!
— Não fala assim dele! Ele sempre trabalhou muito bem comigo…
— Menos mal, né… Se ele falhar dessa forma com você eu
arranco ele fora! Você está ouvindo, né? — Esbravejou com o
próprio pênis — estava bom até eu perceber que ela não gemia
como fazia com ele, então ficou claro que ela não estava sentindo
absolutamente nada.
— Achei que você estava gostando...
— Você viu como ele transa, amor… o cara parece uma britadeira
com ela e, quando notei sua expressão de dor, meu tesão foi embora
na hora!
— Poxa, que chato! Onde será que erramos? Nossa conexão
virtual parecia tão forte — apesar de estar muito mais conectada
com Mariana que Cristiano.
Ed levantou os ombros.
— Vamos tomar um banho também. O sexo não foi como
imaginávamos, mas a noite ainda pode ser boa — dei um beijo nele.
E de fato foi… Depois, sem sexo, voltamos àquele clima de
descontração e conversa de antes e passamos o restante da noite
trocando experiências, falando sobre nossas vidas particulares e
rindo de piadas corriqueiras. Obviamente, Mari ficou decepcionada
conosco, pois, tanto eu quanto ele, não conseguimos suprir suas
expectativas.
Quem entra no meio swinger precisa entender que cada casal tem
suas particularidades, sendo imprescindível falarmos sobre elas
antes mesmo de cogitar qualquer tipo de interação real.
A forma com que eles transavam não era ruim; era apenas
incompatível com o nosso sexo. Culpá-los por uma experiência pouco
satisfatória não seria justo. Era nossa obrigação, como pretendentes
expressar através do diálogo a forma como conduzimos nosso
prazer. Poderíamos ter dito que somos um casal com uma tendência
mais romântica, que prefere transar de forma suave e com muitas
preliminares. Se tivéssemos feito isso, provavelmente eles nos diriam
o contrário e aquela relação continuaria onde estava, pois nem todas
as amizades liberais precisam terminar em sexo.
Capítulo 13

Deus do vinho

“Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de


História.”
Soren Kierkegaard
Todo casal liberal, ao descobrir-se livre, passa por uma fase
neófita. Não chega a ser compulsivo, mas torna-se bastante
frequente uma busca por novas histórias. Iniciantes me perguntam se
essa fase passa rápido, mas depende muito de cada relação e de
como foi a transa no swing, pois fica ainda mais incessante quando
não foram plenamente satisfatórias, daí o motivo da maior diligência
na tentativa de encontrar novos casais e singles para uma aventura
liberal: ter uma experiência que seja boa.
Quanto mais conhecíamos pessoas, mais aprendíamos a amá-las
e esse amor não tinha vínculo com nosso casamento. Não passamos
a nos amar menos quando descobrimos como amar outras pessoas,
pois nosso amor tem relação com a nossa história e não impede de
criarmos vínculos afetivos com outras pessoas. Existem pessoas
apaixonantes e existem pessoas que podem se apaixonar por nós, e
foi, através de um homem solteiro, que aprendemos a lidar com uma
nova situação.
Conhecemos um single que já havia passado dos quarenta anos,
dentro do site de relacionamentos liberais. Daniel era um homem
muito charmoso, divorciado, que morava sozinho em um
apartamento, era muito experiente no universo do swing e que
soube, a princípio, nos conduzir por uma fantasia surpreendente.
Depois de muito tempo conversando virtualmente, encontramo-nos
em um point para tomar uns drinques e gostamos dele logo de cara.
Muito inteligente, passou bastante tempo desenrolando uma
conversa agradável que mexeu com minha libido, talvez pelo fato de
ser muito decidido e direto.
Vivemos com Daniel algo único ao ir até seu apartamento. Na
primeira noite que passamos juntos, após o jantar, vinho e muita
música boa, uma forte excitação invadiu a nós três. Ainda na mesa
de jantar, sentada entre Edgar e ele, senti ambos passarem as mãos
em minhas pernas por debaixo da mesa, me fazendo querer abri-las
para que avançassem cada vez mais. Rasgaram minha meia calça e
me dominaram fazendo-me render ao poder masculino deles. Sentia-
os roçar a barba em meu pescoço, enquanto eu, no meio deles, era
esfregada, lambida, beijada e mordida.
Ali mesmo, Daniel sentou-me em seu colo e, puxando meu cabelo
para trás, fez-me inclinar a cabeça, enquanto ele, sedento, beijava
meu pescoço deixando minha boca livre para sentir a língua de meu
marido. Ele abaixava sua calça enquanto eu arqueava meu corpo,
instintivamente abrindo a calça de meu marido para tocá-lo. Sentia
Daniel me preencher durante minha cavalgada sobre ele e ouvia
Edgar arfando com meu toque forte.
Eles levaram-me ao quarto e transamos loucamente, frenéticos,
sedentos e conectados. Estar entre dois homens másculos nas
diversas posições que me colocavam fez-me sentir dominada a todos
os seus caprichos. Com a pulsação acelerada gemia com
intensidade mesmo estando totalmente preenchida por Daniel, que
latejava em minha boca, enquanto meu marido me penetrava com
força.
— Por favor, não parem… — nunca senti tanto prazer.
Mordia os lábios, mordia os braços de meu marido, mordia o peito
de Daniel e, quanto mais forte eu os abocanhava, mais forte me
dominavam.
— Vou gozar! — Sentia como se meu peito fosse explodir tamanha
lascívia entre nós.
— Goza, meine liebe! Queremos sentir tudo… — respirando
ruidosamente, disse Edgar.
Meu marido chegou ao orgasmo ao mesmo tempo que Daniel
gozava em minha boca e terminamos os três abraçados na cama,
como se fossemos um.
O que vivemos com Daniel foi tão intenso que embarcamos em
uma paixão sexual desmedida. Nos encontrávamos diversas vezes
para transar e mal podíamos nos encostar. Apesar de ambos serem
heterossexuais, a química que rolou entre nós três foi transcendental.
Sempre, após o sexo, passávamos horas conversando, curtindo
músicas e bebendo vinho como se fossemos namorados. Nessa fase
acreditamos ter encontrado a chave do sexo liberal perfeito, tirando
de nós a vontade de conhecer outras pessoas.
Nosso problema foi esquecer que essa proximidade intensa
poderia causar entre nós uma afetividade incomum. Como era
sozinho e estava em busca de uma parceira, Daniel acabou
apaixonando-se por mim, dando vazão para um apego emocional que
não tínhamos permitido e que ele sabia que não poderia alimentar.
Apesar de não incentivarmos essas emoções, não temos como
mudar a estima de outra pessoa, mas era nosso dever prevê-la.
Em uma dessas noites algo mudou. Durante o sexo, Daniel me
olhava diferente. Não acontecia mais toda aquela safadeza de
sempre e, boa parte do tempo, passava namorando comigo através
do olhar. Tentava desvencilhar-me de algum modo, pois sabia que,
se Edgar percebesse as reais intenções de Daniel, o que estava
sendo mágico para nós três, transformar-se-ia em um completo
desastre.
Edgar percebeu e levantou-se no meio da transa, me deixando
sozinha com Daniel. Pedi licença a ele e fui ao encontro de meu
marido no banho, que, apesar de nada dizer, deixava claro em suas
expressões que havia percebido o olhar dele para mim.
— Ed, o que houve? — Eu sabia exatamente o que tinha
acontecido, mas como poderia falar com ele sobre isso, estando no
chuveiro da casa de Daniel, sem transformar toda essa situação
constrangedora em uma briga? — Quer dar um tempo de tudo isso,
amor?
— Você sente o mesmo que ele, Cá? — Perguntou triste olhando
em meus olhos.
— O que eu sinto? Eu sinto que nossa conexão a três é incrível.
— Você viu como ele te olhou, por favor, não diga que não
percebeu que você irá me ofender.
— Não quero te ofender. Só senti que hoje ele olhou-me diferente.
Talvez ele não esteja em um bom dia, amor…
Edgar me beijou no rosto e saiu do banho. Já na sala, o clima era
um tanto quanto constrangedor.
— Estamos indo… — disse Edgar
Daniel abaixou a cabeça e mordeu os lábios segurando algo que
queria dizer.
— Sem problemas! — Respondeu Daniel após um intervalo
silencioso.
Olhei para Daniel e sai com Edgar. Naquela noite, voltamos para
casa sem dizer uma única palavra.
Na madrugada, meu celular iluminou o quarto com uma mensagem:
“Eu preciso lhe dizer algumas coisas. Não sei como aconteceu,
mas o que sinto por você mudou. Estou completamente apaixonado!
Sei que você não poderá ficar comigo, mas será que ele deixaria ao
menos que eu passasse alguns momentos sozinho com você?”
Me virei de lado e Ed estava dormindo — será que eu respondo
sem contar ao Ed? Não! Vou responder primeiro e mostrar a ele a
mensagem já com minha resposta. Não posso dormir sem
responder a Daniel — levantei-me e fui até meu escritório, respirei
fundo e respondi:
“Dani, não se trata de meu marido deixar, mas sim de eu querer,
e eu não quero. Edgar é o homem da minha vida e, por mais que
esteja conectada com você de alguma forma, eu não sinto por você
o mesmo. Sinto uma paixão forte por tudo o que vivemos e, se
pudesse escolher, sentiria isso para sempre, mas seria
completamente injusto com você, fazendo-o viver à mercê de
sobras do nosso relacionamento.”
Logo veio a resposta:
“Então você sente paixão?”
“Paixão pelo que vivemos, sim, mas não para largar meu marido
e iniciar uma vida com você. Somos liberais e você sabia disso
desde o começo” — retruquei.
“Cá, por favor, não se afaste. Não faça isso comigo”
“Daniel, não sou eu que está fazendo isso, mas você. Como um
single experiente no swing, sabe muito bem que esse é um limite
que jamais poderá atravessar. Isso só vai machucar todos nós de
alguma forma e, por mais que seja dolorido te dizer isso, não
poderemos mais nos encontrar. Sinto muito”
Desliguei o meu celular e comecei a chorar, pois seria impossível
ficar imune ao sofrimento de Daniel por causa de um sentimento que
Edgar e eu contribuímos para que acontecesse quando nos
aproximamos dele de forma tão intensa. Deveríamos ter previsto as
consequências dessa demasiada intimidade e, apesar de triste pela
situação, não tive um único segundo de dúvidas se viveria ou não
essa paixão a dois com ele. Meu coração é somente de Edgar!
Lendo a mensagem, Edgar ficou vermelho de tanta raiva e foi a
primeira vez que notei nele um ciúme incontrolável. Ele xingava, batia
nos móveis do seu escritório, derrubando tudo de cima da mesa, e
pediu-me para deixá-lo sozinho. Respeitei sua fúria momentânea e
não me ofendeu de forma alguma, pois no lugar dele estaria sentindo
o mesmo. Só estava triste de vê-lo sofrer por isso, afinal, não tendo
o poder de ler meus pensamentos, a única coisa que o restava era
confiar em mim.
Estava sentada em nossa varanda quando Edgar chegou por trás
de mim, fazendo carinho em meu rosto.
— Me desculpa por isso, tá? — Me virei para Ed e o puxei pelas
mãos, fazendo-o sentar-se ao meu lado — eu tive uma atitude
horrível, eu sei, mas era isso ou ir à casa dele dar-lhe uma surra.
Edgar olhou para cima, respirou fundo e continuou:
— O erro foi meu! Não deveríamos ter repetido tantas vezes!
— Amor, nunca mais repita isso! Foi nosso erro! Estamos juntos,
lembra? Eu sei que você está com raiva… Eu também estaria.
— O que você está sentindo?
— Tristeza, amor. Só tristeza… — fiz uma pausa e continuei —
nunca tive que falar com ninguém da forma que falei com Daniel e,
além disso, não queria que você estivesse sentindo essa raiva ou
tivesse dúvidas sobre mim.
— Tristeza por Daniel? Não posso te impedir de sentir isso, mas
ele sabia que somos um casal feliz. Conheceu nossa história e ele
próprio deu vazão para que esses sentimentos acontecessem.
Toquei carinhosamente em seu rosto.
— Ed, querido... Você já se apaixonou por alguém sem poder? —
Edgar ficou em silêncio, pois lembrou-se de que nossa história
começou através de uma paixão proibida seguida de conversas
frequentes.
Continuei:
— Não julgue a intenção dele, pois todos nós estamos sujeitos a
isso e, em algum momento, podemos nos apaixonar com o coração
e não com a razão… Eu não sei exatamente o que Daniel viu em
mim. Talvez só desejasse ser amado na quantidade e intensidade
que eu amo você. Ele esteve conosco, sentiu nossa ligação e seria
cruel de nossa parte se tentássemos incriminá-lo por isso. Nós
erramos, ele errou… agora não adianta procurar culpados.
Edgar me olhou com ternura e disse:
— Eu jamais amarei outra pessoa como eu amo você!
Apesar de pensativo e silencioso por alguns dias, Edgar entendeu
minha perspectiva. O que o deixou indignado não foi a paixão de
Daniel por mim, mas a confiança que ele próprio depositou nele.
Quando Daniel deixou claro que estaria de braços abertos se eu
quisesse enganar meu marido ou simplesmente deixá-lo, fez com que
Edgar se sentisse traído por um amigo, pois, até então, a amizade
entre eles era tão forte quanto nossa aventura a três.
Nossa trajetória com Daniel deixou Edgar receoso com a
aproximação de novas pessoas em nossa vida liberal. Quando íamos
na balada, mesmo que desse vontade de interagir, após o sexo,
Edgar simplesmente se calava, como que não querendo conversar e
estreitar laços com mais ninguém.
Apesar disso, nosso sexo com novos casais que conhecíamos se
tornava cada vez melhor. Entre boas interações e algumas não tão
satisfatórias, fomos nos tornando especialistas em nos reconhecer
sexualmente dentro do swing.
Se durante o sexo faltasse em mim a mão de Edgar, todo tesão ia
embora, da mesma forma com ele. Nosso deleite era nos ver sentir
prazer com as outras pessoas, mas também conosco. Enquanto um
de nós interagia, o outro estava sempre atento, com as mãos, boca
ou o que estivesse à disposição para fazer daquela troca um sexo
nosso, e não somente com outras pessoas.
Capítulo 14

Um casal de solteiros

“A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres


igualmente ciosos da felicidade um do outro.”
Platão
O receio de Edgar durou até conhecermos Luigi; rapaz não muito
alto, um pouco mais jovem que nós e dono de uma libido insaciável.
Extremamente simpático e comunicativo, nos fez querer conhecê-lo
mais profundamente.
A conexão com Luigi era mais leve, tão intensa sexualmente como
a que tivemos com Daniel, mas muito menos pessoal. Sabendo
exatamente seu lugar em nossa relação a três, nos deu ainda mais
confiança para avançar em outras experiências. Sempre deixou claro
uma leveza com relação à sexualidade dele e se assumia como um
bissexual curioso, deixando Edgar ainda mais livre. Apesar de nunca
termos tocado no assunto de uma possível transa bissexual de
Edgar com ele, a conexão deles foi muito maior. Não tinham receio
de interagir comigo e juntos se tornaram uma dupla incrível para
nosso prazer mútuo.
Nossa única dificuldade com Luigi era acompanhar seu ritmo
frenético. Edgar e eu dificilmente repetíamos o sexo em sequência,
já ele tinha fôlego e disposição para ir muito além, o que nos ensinou
novas formas de recomeçar o sexo. A intensidade de nós três foi tão
significativa que senti confiança em Luigi para realizarmos uma tão
sonhada dupla penetração, transformando nossa relação liberal em
algo muito mais complexo.
Luigi tornou-se nossa segunda paixão, mas sem cobranças e sem
invasões de sentimentos como aconteceu com Daniel. Além de sexo,
desenvolvemos uma amizade muito próxima e divertida.
Através dele, conhecemos uma solteira. Lívia era uma das
mulheres que Luigi saia casualmente e quem fez questão de nos
apresentar; logo ficamos amigos. Após tantas experiências, foi
novidade marcarmos com um casal de solteiros que não tinham um
vínculo afetivo. Apenas uma amizade sexual — o que sentiremos
durante essa noite? Será que iremos interagir totalmente
separados? Edgar com Lívia e eu com Luigi?
Apesar de estarmos em um grupo, todos juntos, dei liberdade para
que Edgar conversasse em particular com Lívia para que eles
pudessem construir uma química e, como confiava em meu marido,
deixei que ele aflorasse esse desejo por ela para que juntos
pudéssemos ter uma noite plena, sem brochadas ou qualquer tipo de
ansiedade.
Bissexual como eu, Lívia também conversava comigo e trocamos
diversas fotos para nos conhecer melhor. Diferente das outras
mulheres com quem interagimos, Lívia tinha um corpo muito mais
parecido com o meu. Não tão alta, mas cheia de curvas e seios
fartos, deixando Ed muito mais empolgado que nas outras vezes que
fizemos trocas e ménages com mulheres mais magras.
Como ela e Luigi eram bissexuais, começaram a conversar com
Edgar sobre uma possível experiência deles, mas, por vergonha e
receio de como eu pudesse reagir, Edgar evitava alongar o assunto,
sempre rindo constrangido. Dessa vez ele tinha receios que, se
fizesse algo do gênero, eu poderia enxergá-lo de outra forma e, aos
poucos, através de muito diálogo, fiz com que finalmente Edgar se
abrisse sobre sua sexualidade.
Durante uma franca conversa, confessou sentir desejo de
experimentar toques e sexo oral com outro homem, mas era bem
restrito quanto à penetração, afinal, em nossas descobertas sexuais
logo no início da nossa relação, tentei ajudá-lo a conhecer o prazer
anal, e foi algo que Ed realmente não gostou. Queria que ele se
sentisse livre de abrir-se quanto à bissexualidade se fosse algo que
ele quisesse descobrir e, deixei claro, que nada mudaria com relação
à masculinidade dele para mim. Entendia o prazer de mil outras
maneiras e, mesmo bissexual, não sinto desejo em ter uma relação
afetiva com uma outra mulher, o que me fazia entendê-lo ainda
melhor.
Nossa aventura estava agendada. Iríamos sair com dois solteiros
para uma noite de prazer. Durante os dias que sucederam, pude
conversar com Ed sobre um possível contato deles.
— O que você acha que sentiria? — Perguntei a ele.
— Eu não sei se estou pronto para isso. Você quer muito?
— Ed, quando você me pergunta se eu quero, parece que precisa
de uma desculpa para fazer aquilo que tem vontade. Sente tesão de
imaginar um outro homem com você?
— Não é exatamente um outro homem… — falou constrangido.
— Você não precisa ter vergonha. Pode dizer, amor.
— A ideia de fazer um ménage com um cara e acontecer interação
entre nós três, por exemplo, me deixa realmente mexido. Acho que é
mais pelo sexo sem restrições, entende? Todos os corpos se
tocando… eu não sei se me encaixo em algum rótulo.
— E você precisa de rótulos? — Perguntei de forma sincera,
olhando em seus olhos — olha tudo o que nós vivemos. Lembra da
primeira vez que fomos em uma casa de swing? Dissemos que o
máximo que poderia acontecer é não gostarmos. Se você quiser
viver essa experiência, ou se não quiser, estarei com você!
— Como você acha que será essa noite? É muito diferente…
vamos estar com duas pessoas que não têm relação — Ed fez uma
pausa — espero que tudo fique bem.
— Eu quero que você aproveite ao máximo, ok?
— Você também! — Sorrimos com um ar preocupado.
Por mais que estivéssemos seguros, íamos ao encontro do
incerto, afinal, duas pessoas sem vínculo emocional estariam com
duas pessoas com vínculos. O medo de sermos desrespeitados em
algum momento era assustador, mas, confiando em quem éramos
um ao outro, conhecendo Luigi, e já tendo conversado
profundamente com Lívia, sabíamos que nada poderia abalar nossa
relação, principalmente depois do que passamos com Daniel.
Durante uma noite de quinta-feira, véspera de feriado, fomos
encontrar Luigi e Lívia. De longe já vimos a conexão dos dois, que
riam e conversavam com bastante intimidade. Ainda distantes, Luigi
nos avistou e fez sinal, mostrando também a ela quem nós éramos.
— Ufa, hoje está frio— falou Luigi — oi pessoal! Essa é a Lívia!
— Olá, casal mais lindo! — Disse Lívia com um sorriso.
— Que mulher mais cheirosa! — Respondi empolgada — até que
enfim, né? Estava ansiosa para conhecer você pessoalmente. Luigi
nos instigou muito!
— Esse Luigi, viu! — Riu.
— E você, Ed? Animado? — Perguntou Lívia.
— Animado e ansioso! Foram duas semanas de fantasias com
vocês!
— Estamos com essa bola toda? — Perguntou Luigi rindo.
— Mais do que imaginam!
— Bom, estou de carro, vamos seguir vocês. Até já!
No caminho víamos através do espelho retrovisor, beijos entre
Luigi e Lívia no carro de trás, que começou a nos deixar excitados.
Diferente de outras experiências que tivemos, nosso intuito era um
sexo direto; queríamos que a conversa ficasse para depois.
Lívia é uma mulher muito sedutora. Cabelos ondulados pretos até
o meio das costas, um sorriso largo e muitas curvas que deixaram
Edgar e eu animados. Confesso que senti uma pontada de ciúme
quando Lívia passou a mão na cintura de Edgar enquanto ainda
estávamos estacionados. Passei toda expectativa antes das
primeiras experiências com ciúme, imaginando uma mulher magra
com Edgar, mas foi Lívia que despertou em mim esse sentimento
pela primeira vez, talvez pelo fato de saber que ele se sentia muito
mais atraído por mulheres robustas como eu.
Por ser véspera de feriado, o motel que escolhemos estava bem
cheio, dificultando a escolha dos quartos. O único quarto disponível
possuía uma cama de casal não muito grande e uma hidromassagem
para duas pessoas que ficava logo na entrada. A cama estava
próxima da janela e o quarto não era nem um pouco luxuoso, mas,
como era o que havia disponível, tivemos que nos contentar.
— Quartinho mequetrefe, hein? — Disse Ed resmungando.
— Mequetrefe? Faz anos que não ouço essa palavra — Lívia riu.
Sentamo-nos os quatro na cama e começamos a conversar. Como
tínhamos intimidade com o Luigi, e a libido invejável dele já começava
dar o ar da graça, veio atrás de mim e começou a beijar meu
pescoço, querendo chegar logo ao objetivo da noite. Lívia se
aproximou, tocou em meu rosto e começamos a nos beijar enquanto
os rapazes nos assistiam excitados.
Luigi beijando a mim e Edgar beijando Lívia. O clima esquentou e
começamos a nos agarrar. Aquela troca de corpos e gemidos faziam
com que nos transportássemos a outra dimensão. A cama pequena
nos fazia ficar cada vez mais próximos, encostando uns nos outros,
aumentando ainda mais nosso prazer. Enquanto eu cavalgava sobre
Luigi, Ed passava a mão em meus seios ao mesmo tempo que
penetrava Lívia. Eles souberam nos conduzir de forma maestral e,
numa sinfonia de gemidos, nos entregamos e rendemos a eles. Tanto
Lívia como Luigi, além de um respeito absoluto por nossa relação,
nos fizeram sentir-nos desejáveis, completos e incluídos. Lívia me
puxava para perto dela e, enquanto meu marido satisfazia-a, eu me
dedicava a Luigi com intensidade.
Passando a língua suavemente em mim, Lívia me fez gozar em
sua boca. Durante toda a transa, Ed e eu nos olhávamos curtindo
cada segundo daquela noite. Após Luigi chegar ao clímax, era a vez
de Edgar.
— Ed, agora é sua vez de experimentar a melhor sensação da sua
vida. Aproveita! — Luigi nos pegou pela mão e nos ajoelhou na frente
de Edgar.
Começamos a chupar meu marido, cada uma de um lado, entre
beijos e línguas, enquanto ele segurava nossos cabelos. Eu olhava
para cima e via seu rosto, vermelho de tesão e, ao ver meus olhos
azuis que fitavam sua expressão, deixou transparecer em gemidos a
intensidade daquilo que sentia. Segurando-se para não gozar em
nossa boca, Edgar levantava a cabeça gemendo, respirando fundo e
não acreditando ser possível sentir tanto prazer. Luigi observava de
longe com a sensação de tê-lo presenteado e, ficando excitado
novamente, resolveu se juntar a nós duas. Ed me olhou tenso.
Passei minha mão na dele, deixando claro que ele poderia se
soltar, afinal estávamos conectados naquela noite. Ele relaxou,
respirou fundo e olhou para cima, e então Luigi começou a chupar
meu marido também! Eu fiquei extasiada vendo a liberdade dele
proporcionando prazer ao Ed junto com Lívia, e nesse momento
resolvi me levantar e beijá-lo, esfregando meu corpo no dele
enquanto ele gemia e se entregava ao sexo oral de Lívia e Luigi.
Satisfeitos, nós quatro, deitados na cama, olhávamos para nosso
reflexo no espelho do teto, desacreditados com a experiência que
havíamos acabado de viver. Foi como se o tempo tivesse parado e
faltasse em nós palavras para descrever o quão bom foi viver tudo
aquilo.
— Vem para a banheira — Luigi me puxou, deixando Edgar a sós
com Lívia.
Edgar ria com Lívia deitada em seu peito. Luigi e eu estávamos no
mesmo clima, mas não pude deixar de reparar a sensação de vê-la
deitada em um lugar que é exclusivamente meu. Uma vez ou outra,
eles se beijavam e eu engolia a seco uma dose de ciúme ácido que
descia pela minha garganta. Luigi, sentado atrás de mim, me fazia
uma massagem enquanto eu digeria aquela cena entre eles. — O
que está acontecendo comigo? Por que eu estou sentindo isso? —
Reparei no sorriso aliviado de Edgar enquanto ele conversava com
Lívia e me dei conta que, nas vezes anteriores, ele havia se sentido
ineficiente, e eu pagaria o que fosse necessário para voltar no tempo
e não permitir que meu querido amor se sentisse daquela forma
outra vez. Então eu sorri…
No caminho de casa, pensativa, olhando para fora da janela, revivi
todas as lembranças da noite. Mesmo com frio, abri a janela e deixei
o vento que entrava bater forte no meu rosto, resfriando aquele
caloroso turbilhão de emoções; respirei fundo o ar da noite
paulistana quase no fim, e fechei meus olhos. — O que eu digo a
ele? Falo que senti ciúme e a vergonha que sinto nesse momento
por isso?
— O que você está pensando, hein? — Me perguntou Ed
passando a mão em minha perna.
— O que eu estou pensando? Que eu nunca amei, nem amarei
alguém como eu amo você!
— Eu sei que você ficou com ciúme, amor. Vi em seu olhar quando
você estava na banheira — parou o carro no acostamento e virou
meu rosto com suavidade — não tem problema em sentir isso…
— Eu me senti envergonhada por ter tido ciúme quando
compreendi o quão boa essa noite foi para você e, nada nesse
mundo, vai me dar mais prazer que nossa felicidade. — Abaixei a
cabeça.
— Ei, vergonha? Eu te amo! Eu respeito muito tudo o que você
sente.
— Fui egoísta, amor...
— Você é humana, meine liebe!
Como foi profundo o que Edgar me disse. Cobrar que deixemos de
ter reações humanas por nos tornarmos liberais é cruel e utópico,
pois somos e continuaremos sendo os mesmos. Nada é mais
gostoso que viver um relacionamento seguro, seja ele liberal ou não.
Seria injusto dizer que a ausência do ciúme faz parte da natureza de
algumas pessoas, sem explicar que isso só é possível devido ao
relacionamento saudável em que vivem. Quando descobri minha nova
sexualidade e comecei ter experiências, iniciei um caso de amor
comigo. Era como se eu tivesse ressignificado o que é realmente
atrativo.
Saindo com casais esteticamente dentro do padrão e outros nem
tanto, percebi que, na esmagadora maioria das vezes, os menos
“perfeitos” como Edgar e eu, eram os mais gostosos, intensos e
recíprocos, e meu ciúme daquela noite não tinha relação com minha
autoestima. Talvez fosse pavor de perder Edgar por causa de uma
noite de fantasias, ou medo que ele encontrasse uma mulher melhor
que eu.
Lutar para vencer o ciúme como se fosse um mal iminente é mudar
a natureza daquilo que somos, e ter a esperança de que o ciúme um
dia vai chegar ao fim é criar uma ilusão. Ao invés de tentar, a todo
custo, me livrar desse sentimento, aprendi a conviver com ele. O
problema não está em senti-lo, mas em demonizá-lo, e a diferença
está em como você reage a ele.
Não tenho ciúme quando ele toca um outro alguém, nem quando
beija, nem quando se entrega, porque naquele momento nós
estamos juntos dividindo isso, mas, se eu perceber que ele faz isso
sozinho, vai ser um tombo enorme para mim… Esse tombo poderia
ser uma possibilidade, mas como eu poderia evitar se é algo que não
depende de mim? Ter ciúme é sofrer antecipadamente por algo que
não aconteceu, que na pior das hipóteses, depois de um tombo, por
mais doloroso que seja, é ter que se levantar. As soluções para
aprender a lidar com esse sentimento são duas: treino e respeito.
Palavras mágicas que trazem maturidade para qualquer
relacionamento liberal.
Quando estacionamos o carro eu fiz uma pergunta ao Ed:
— Amor, você sabe que existe uma enorme possibilidade de algum
dia você conhecer uma mulher melhor que eu, não sabe?
— Nenhuma mulher pode ser melhor que você! — Ed sorriu:
— E por que não?
— Porque ela não poderia voltar ao passado e viver tudo aquilo
que eu vivi com você!
Capítulo 15

Nosso arco-íris

“Tão bom morrer de amor! E continuar vivendo...”


Mario Quintana
Estávamos em uma viagem para visitar a família de Edgar que
mora em outro estado, pois sua irmã iria se casar. Dirigimos por 12
horas até a casa de seus pais e me senti feliz por dar uma pausa
naquela vida baladeira. Depois da noite com Luigi e Lívia, passamos
mais de quatro meses sem tocar em assuntos liberais, pois nossas
conversas despertaram em nós uma saudade de aproveitarmos
momentos à sós.
A região onde mora a família de Edgar é belíssima, com pastos a
perder de vista e um pôr do sol inesquecível, proporcionando um
passeio agradável todo fim de tarde para apreciar o céu alaranjado e
namorar. O sexo estava distante, mas nossa conexão, paixão e
romance estavam maiores que nunca.
Em um desses fins de tarde, voltando para a casa da mãe de
Edgar, pedi para que ele parasse o carro.
— Ed, por favor, preciso descer! — Falei já abrindo a porta.
— O que foi amor, o que houve?
Apoiei as mãos na lateral do carro e vi tudo girar — meu Deus, o
que é isso? — Ed, me ajude aqui...
Ele me apoiou e sentou-me novamente no banco do carro.
— Cá, o que está acontecendo? — Perguntou aflito.
— Não sei, me dê alguns minutos…
Eu não conseguia focar minha vista em absolutamente nada. Com
calma, voltei a respirar, na tentativa de fazer aquela terrível
sensação de tontura passar.
— Vamos ao hospital.
— Não é para tanto… Deve ter sido minha pressão, pois hoje não
me alimentei direito. Estava meio enjoada pela manhã!
Ed me olhou com os olhos arregalados e na hora entendi o que ele
pensava.
— Meu Deus, Ed. Será que é isso?
— Só tem uma forma de sabermos… — sorriu.
Fomos até a cidade comprar um teste de gravidez na farmácia e,
chegando na casa de minha sogra, corri o mais rápido que pude para
fazê-lo.
— E aí, amor? — Falou Ed atrás da porta do toilet.
— Ainda nada… — espera, tem uma segunda linha! — Ed,
apareceu uma segunda linha bem clara, que quase não dá pra ver...
— Pelo amor de Deus, me deixe ver isso — abriu a porta e pegou
o teste da minha mão.
— E então, o que você acha? — Perguntei com medo da
resposta.
— Não, deve ser algum erro. Mal dá pra ver… Tem que se
esforçar muito para conseguir enxergar.
Eu não estava convencida, afinal, nunca senti uma tontura daquela
forma.
— Amor, me leve no laboratório. Vou fazer um teste de gravidez
mais confiável.
— Eu não quero que você crie expectativas e se frustre, amor…
Não é melhor esperar mais um tempo?
— Não, quero ir agora.
Chegamos ao laboratório e, para minha surpresa, o resultado saía
em apenas uma hora. Passei todo o tempo andando na cidade de
um lado para o outro, sem rumo, focada somente em pegar nas
mãos aquele papel.
— Já deu tempo, vamos! — Falei eufórica.
— Deu uma hora em ponto — Ele riu da minha ansiedade.
Entrei no laboratório com a sensação de ter borboletas no meu
estômago.
— É positivo, amor! — Gritei de alegria — nosso bebê chegou!
Edgar, emocionado, me abraçou e juntos fomos esfuziantes contar
para toda família! — Uma alegria para todos nós, depois de tudo
que passamos!
Na manhã seguinte, sentada no quintal dos fundos cercado de
árvores plantadas pelo avô de Ed, desfrutava da gratidão pela nova
chance que a vida nos dera. Apesar de muito feliz, todo aquele medo
e tristeza pela perda do meu primeiro filho chegou forte, assustando-
me ao imaginar que pudesse acontecer algo semelhante.
Ed me viu sentada entre as árvores e veio até mim.
— Oi, mamãe… — me abraçou.
— Não me chame assim, amor, por favor. Ainda é muito cedo…
— Amor, você foi mãe do nosso primeiro filho e nada vai mudar
isso. Infelizmente, quis o destino que fosse por breve momento, mas
não se prive de sentir-se mãe por medo. Você é a mamãe mais linda
que eu já conheci!
— Você nem parece real, sabia? Faz com que eu me sinta tão
segura...
— Eu amo vocês! — Colocou a mão em minha barriga.
Decidi que não me importaria com o futuro e viveria aquele
momento sem receios.
Demorei muito para contar para amigos e parentes mais distantes,
mas vivi toda minha gravidez, desde o início, com muita intensidade.
Logo no segundo mês, através de um exame de sangue,
descobrimos que as chances de ser uma menina era grande —
minha doce Lili, vem para alegrar ainda mais nossas vidas!
Nunca pensei que pudesse me dedicar com tanto afinco a algo
como me dediquei à minha gestação. Nossa vida liberal saiu
completamente de cena, nos fazendo viver momentos de muito amor
e companheirismo, nos unindo ainda mais. A cada mês, minha
querida Lili crescia e me transformava como mulher, me fazendo
sentir completa. Todas as vezes em que íamos fazer exames, minha
ansiedade pelo trauma do passado me assombrava, mas
desaparecia a cada boa notícia que o médico nos dava. Mesmo
cuidando-me ao máximo, desenvolvi pressão alta gestacional e,
nessa fase, Ed e eu nos tornamos atentos a qualquer alteração.
Não fazia muito tempo que cancelamos o convênio médico devido
a problemas financeiros que passamos, então, em qualquer
procedimento médico e exames, o esforço para pagar era
redobrado. Essa situação me deixava aflita, o que contribuía, ainda
mais, para o aumento da minha pressão.
Nossa sexualidade ficou adormecida para o universo liberal, mas,
como casal, aproveitamos uma libido intensa. Tomando muito
cuidado, meu marido, dedicou-se ao máximo para me proporcionar
prazer de forma segura.
Com minha filha prestes a nascer, arrumei seu quarto, comprei
suas roupinhas e coloquei em seu berço as duas corujinhas de
pelúcia que havia comprado para o irmão dela: uma rosa e outra
azul. Toda tarde, entrava no quarto verde claro, com cortinas
brancas e um tapete fofo para abraçar aquelas corujas com muito
amor, pois era como se parte do meu primeiro filho estivesse ali
conosco. As tardes eram calmas e aproveitei para dedicar-me à
jardinagem e, de tempos em tempos, na roseira onde enterramos
nosso bebê, nasciam lindas rosas amarelas; eu as colhia e colocava
no quartinho de Lili.
No início do nono mês da minha gestação, orientada pelo médico,
ia a cada dois dias ao hospital aferir minha pressão e verificar os
batimentos cardíacos da bebê. Em uma dessas consultas, prevendo
um aumento drástico, resolveram me internar para induzir o parto.
Estava no mesmo hospital estadual onde minha avó materna
falecera três meses antes em uma noite muito fria de inverno.
Apesar de não ser uma pessoa que se impressiona fácil, as cenas
daquela noite marcaram-me para sempre. Além da própria tristeza
pela perda, às 23h30 tivemos que ir até o IML para fazer o translado
para o cemitério. Como não estávamos com boas condições
financeiras, nosso dinheiro nos permitiu comprar o caixão mais
simples, me deixando ainda mais abatida.
Edgar e minha mãe tiveram que assinar alguns papéis e, para
encontrá-los na saída onde o carro fúnebre estacionaria, tive que dar
a volta, tarde da noite, em um quarteirão escuro, úmido e tenebroso.
Grávida, caminhei até um enorme portão que dava para uma
garagem horripilante. Um homem abriu apenas uma das partes,
rangendo a dobradiça, e no chão estava o caixão de madeira simples
com o corpo de minha avó. Impressionada por ter visto seus cabelos
ruivos com resquícios de sangue devido à autópsia e um lençol velho
esvoaçando conforme o vento batia, travei em pânico. Logo Edgar e
minha mãe chegaram, e antes que eu pudesse evitar, minha mãe viu
toda a cena. Choramos, os três abraçados, nos sentindo em um
filme de terror — se fossemos ricos, minha mãe não teria que
passar por isso! — Além de me chocar, me revoltou, pois com tudo o
que pagamos ao estado, não recebemos o mínimo de dignidade em
um momento tão doloroso como esse. Estar no mesmo hospital onde
tudo aconteceu, mesmo me esforçando para não fazer associações,
revivi toda aquela angústia.
Ao entrar na maternidade, felizmente tudo mudou. Era oposto ao
que tinha conhecido daquele lugar e permitiram que Edgar ficasse
comigo todo o tempo, o que me tranquilizou ainda mais. Ao entrar em
uma sala grande com diversas gestantes em trabalho de parto, achei
que seria algo rápido, mas não foi. Como o sistema público de saúde
só permitia cesarianas após 48 horas, fiquei desde a tarde de
quarta-feira até a noite de sexta em processo de indução. A cada 6
horas os médicos inseriam-me um comprimido via vaginal até meu
colo do útero, fazendo-me gritar de dor e, apesar das contrações, o
parto não evoluía.
Minha mãe, já muito tensa e preocupada, tentava obter
informações com Edgar, que se manteve ao meu lado na maior parte
do tempo. Quando a exaustão acontecia, voltava para casa, dormia
duas horas e retornava para ficar ao meu lado. Ele podia ficar todo
tempo, mas, infelizmente, ao meu lado tinha somente uma cadeira de
plástico sem conforto algum.
Exausta, após três dias, finalmente os médicos decidiram realizar
uma cesariana. Entrei na sala de parto enquanto Edgar foi se trocar
e, de forma fria, sentaram-me na maca, aplicaram-me a anestesia e
começaram a cirurgia. Sem conversas, sem calor humano e sem
amor… — onde ele está?
— Doutor, onde está meu marido?
— Ah, sim, chame o pai para entrar, enfermeira! — Falou sério.
Olhava para os lados e vi Edgar entrar correndo na sala, foi o
tempo exato dele conseguir ver o médico suspender nossa filha.
— Ela nasceu, amor! — Disse emocionado.
— O choro... Por que ela não chora? — Chora, amor…
Finalmente ouvi… — é a música do paraíso! O som do céu com
certeza é as vozes de muitas crianças juntas correndo no parque em
uma tarde de sol. — O som mais doce de todo universo!
O médico a colocou ao lado do meu rosto e eu rocei meu nariz no
dela.
— Sou eu, minha doce princesa, sua mamãe. Não chore querida
Lili, não chore…
— Ela é linda como você, meine liebe! — Disse Edgar chorando.
Mesmo que eu tentasse, jamais conseguiria descrever com
precisão a explosão de emoções ao ver minha filha pela primeira vez.
Nada nesse mundo me trará mais alegria do que aquele dia.
Três dias depois retornamos para casa. Minha mãe, alegre e
emocionada, nos recebeu com muito carinho. Aqueles foram tempos
mágicos! Muito tranquila, nossa bebê, aos dois meses, já dormia a
noite toda. Ficávamos juntos os três, curtindo cada evolução de
nossa pequenina. Ela nos trouxe alegria, ressignificação, maturidade
e plenitude.
Edgar acabou focando em seu novo trabalho e pude me dedicar
100% ao desenvolvimento dela. Apesar de distantes, não havia
cobrança dele para que voltássemos à ativa sexualmente. Ele
entendeu que eu precisava muito daquele momento com minha
dedicação voltada totalmente à nossa filha. Fui ter contato íntimo
com meu marido quando já haviam passado seis meses do parto, e,
tanto ele quanto eu, não nos arrependemos, pois foi a melhor
escolha que poderíamos ter feito. No tempo que eu tinha de
descanso, ao invés de me cobrar sexo, Ed me proporcionava
momentos agradáveis, massagens, sessões de filme e muito carinho.
Um relacionamento feliz não existe por causa do sexo, que é só
uma das muitas consequências de se viver com alguém que faz tudo
ter sentido. Quando um casal liberal me pergunta o que fazer sobre a
ausência de sexo após o puerpério, deixo claro o quanto foi positivo
para nós e para nossa família, esse momento dedicado somente ao
nosso bebê. Não precisei viver experiências com pressa, como se
não houvesse amanhã, pois em cada fase é preciso ter um foco
específico, e aquele foram os melhores momentos de toda nossa
vida!
Nossa querida filha chegou como um arco-íris, colorindo uma parte
de nossos corações que havia se tornado cinza.
Capítulo 16

Identidade

“O presente impõe formas. Sair dessa esfera e produzir outras


formas constitui a criatividade.”
Hugo Hofmannsthal
Fazia quase um ano desde o início da minha maternidade e, com
mais estabilidade financeira, pudemos ter mais tempo para nos
dedicarmos ao nosso relacionamento, que voltava a despertar de um
período longo de hibernação sexual. Com minha mãe morando
conosco, ficou fácil dividir meu tempo entre a criação de nossa filha e
minha vida profissional.
Depois de quase um ano inteiro sem contato com o mundo liberal,
resolvi verificar como estavam nossas contas nas redes de swing.
Para minha surpresa, inbox, havia centenas de perguntas de casais
iniciantes que gostaram de nossos relatos e que tinham dúvidas por
onde começar. Durante a noite, pouco antes de dormir, mostrei a
Edgar a quantidade de pessoas que estavam nos procurando para
entender melhor o universo que já havíamos adentrado. Não éramos
os mais experientes, mas a forma como contávamos nossas
experiências em nossos posts despertaram a admiração de
iniciantes sedentos por descobrir um novo horizonte.
— Amor, chegou a ver a quantidade de mensagens que
recebemos? Fiquei até assustada.
— Mensagens? Sobre o quê?
— Pedindo ajuda, querendo tirar dúvidas sobre como
começamos…
— Que coisa... E você vai responder?
— Passou tanto tempo… será que ainda vale a pena responder?
— Sempre vale! Nunca sabemos em que fase eles estão. Pode
ser uma forma de distrair sua cabeça da nossa rotina.
— Eu amo minha rotina! — Falei irritada — o que tem de errado
com ela?
— Você é uma leoa mesmo, né? Só acho que pode te fazer bem…
Uma mente criativa como a sua, parada por muito tempo, não faz
bem! — Riu.
Edgar tinha razão. Sempre fui muito criativa, mas naquele
momento da minha vida, após nos dedicarmos com tanto afinco em
nossa jornada como pais, me esqueci como era ter um tempo sem
pensar em horários, contas e sistemas.
— Tem razão! Depois que a Lili dormir vou sentar-me no sofá com
meu computador e uma caneca de cappuccino para papear com
toda essa gente — vai ser legal conversar com pessoas novas
depois de tanto tempo — Ed, mas não vamos sair com ninguém! —
Falei alto para que ele me escutasse da cozinha.
— No seu tempo… — gritou de lá.
Ele nunca decepciona. — Esse homem é paciente!
Coloquei um pijama confortável após o banho, duas pantufas
rosas, e com a caneca quentinha em mãos me sentei no sofá como
se fosse resolver todos os problemas do universo naquela noite. Fui
até o início da madrugada respondendo casais, solteiros e solteiras
que haviam nos enviado alguma pergunta. Alguns queriam saber
quando retornaríamos ao meio liberal e ao exibicionismo, outros
querendo saber como começamos, quais desafios enfrentamos,
como superamos, entre muitas outras perguntas que começaram a
chamar minha atenção — assim como eu, eles são carentes de
resposta, afinal, não dá para contar o fracasso de um ménage à
trois para a amiga do trabalho — o conceito de comunidade surgiu
em minha cabeça, pois precisávamos nos apoiar de alguma forma
em nosso peculiar estilo de vida e, ter alguém para dividir problemas
rotineiros, pode fazer toda diferença na vida de um casal swinger.
Conforme os dias foram passando, dividia meu tempo entre a
maternidade, o trabalho e as tarefas rotineiras de casa. Durante as
noites, reservava um tempo para responder a todos que me
procuravam e, como voltei a ter contato com esse universo, minha
libido de antes ressurgiu.
Minha mãe estava na cozinha fazendo a janta.
— Mãe, você ficaria com a Lili para que Ed e eu pudéssemos dar
uma volta? Saímos depois dela dormir e, como ela dorme
praticamente a noite toda, dificilmente vai te dar qualquer tipo de
trabalho.
— Claro, filha! Já era hora de você sair dessa casa!
— Vou convidar o Ed para sair, então.
Peguei meu celular afoita e enviei uma mensagem a ele:
“Não se atrase. Hoje a noite é nossa!”
“Uau! Aonde vamos?” — Respondeu.
“Adivinha?”
“… Sério?”
“Alguma vez eu falei brincando?”
Quando meu marido chegou em casa, já estava pronta, tamanha
era a ansiedade. Arrumada e extremamente sedutora no meu vestido
curto preto e com um batom vermelho intenso nos lábios, chamei a
atenção de Edgar.
— A maternidade te caiu bem, sabia? — Ed falou maliciosamente,
dando um beijo em meu ombro.
— É a maturidade! Minha fase 2.0 — dei um tapinha nele.
Após colocar nossa filha para dormir e despedir-me da minha mãe,
parti rumo a uma balada liberal. Abri os vidros, liguei o som e pude
sentir aquela adrenalina da aventura percorrendo minhas veias
novamente. A excitação invadiu meu corpo, a ponto de, quase
involuntariamente, passar a mão por cima da calça de Edgar,
deixando muito claro que, naquela noite, eu colocaria todo tesão
reprimido desse tempo todo para fora.
— Hoje eu estarei incontrolável naquele lugar! — Falei
audaciosamente!
— Essa eu quero ver! Que saudades eu estava de te ver assim…
Ao entrar na balada, respirei fundo e relembrei nossa jornada ao
sentir o cheiro da mistura de fragrâncias daquele ambiente. Era
como se meu olfato tivesse ficado muito mais apurado depois de ter
passado tanto tempo longe. Um misto de perfume importado, whisky,
fumaça da pista de dança, cigarro vindo do fumódromo e o cheiro de
gente que exalava excitação. Sentia-me como se retornasse às
minhas origens e o meio swinger tivesse feito parte da minha vida
por muito tempo. Os profissionais da casa e alguns casais mais
assíduos logo nos reconheceram. Estava empolgada e decidida a
retornar nossa vida sexual liberal.
Ao passar por uma das cabines, percebi que lá estava uma mulher
com quem ficamos antes de conhecer Daniel. Ela estava com um
homem diferente e com um casal dentro de uma das cabines, mas
com a porta aberta — mal sabem eles — virei meu olhar para Ed,
torcendo a boca, pois revivi toda raiva que senti quando a conheci.
•••
Logo após nossa primeira troca de casais com Mariana e
Cristiano, fomos uma noite na mesma casa de swing e entramos em
uma das áreas destinadas somente para casais querendo conhecer
alguém, na tentativa de ter uma noite satisfatória, principalmente
para o Ed, depois da noite com Mari ter sido como foi.
Edgar me beijava no canto quando vimos aquela mulher. Puxando
a mão de um homem, veio diretamente até nós e, sem rodeios,
colocou as mãos entre meus seios e o peito de Edgar. Espantada
com sua audácia, mas empolgada por ter percebido o desejo do
casal por nós dois, nos entregamos a eles. No começo tudo seguia
bem e revezamos beijos entre nós, mas, quando achei que
finalmente algo delicioso aconteceria, a mulher arrastou Edgar para
uma das cabines ao lado, enquanto o homem me deitava sobre um
grande sofá redondo e preto que ficava bem no centro da sala.
Edgar impediu que ela fechasse a porta e insistiu para que
pudesse ao menos me ver. O homem, entre minhas pernas, desceu
na tentativa de fazer em mim sexo oral. Tentando levantar meu
vestido, dizia afoito e suado como se estivesse sob efeito de algum
entorpecente:
— O que ele é seu? É seu marido? Você gosta de estar com outro
sem ele?
Senti repulsa por ele no mesmo instante.
— Por favor, pare. Ed, volte aqui! — Falei aflita.
O homem tentou tapar a minha boca com um beijo enquanto
tentava me desvencilhar dele.
— Me larga! Ed? — Gritei.
Ao ver a cena, Edgar se levantou, deixando a mulher sentada na
cabine, e tirou o homem de cima de mim.
— Sai fora, cara! Vocês ficaram loucos?
Calmamente, a mulher se levantou sem expressão alguma, pegou
na mão do homem e disse:
— Agora vem comigo — sem nem ao menos nos olhar.
O homem balançou a cabeça decepcionado e ambos saíram
daquela sala. Ed e eu ficamos sentados alguns minutos tentando nos
recompor, pois a sensação era de termos sido atropelados por
alguma locomotiva.
— O que foi aquilo? Eu vou lá falar com o segurança! —
Esbravejou Ed.
— Vamos, é necessário. O que ela fez com você lá dentro?
— Ela abriu minha calça e tentou me masturbar sem nem olhar pra
mim. Eu nem cheguei a ter uma ereção.
— Amor, não podemos permitir que outras pessoas nos separem.
Jamais! Promete para mim que isso nunca mais vai acontecer!
— Isso nunca mais vai acontecer, me desculpe! Eu deveria ter
quebrado a cara dele. Aliás eu vou fazer isso… — Ed se levantou e
eu saí correndo logo atrás para impedi-lo.
Quando estávamos chegando perto da entrada, o homem, já de
saída, olhou para meu marido e sorriu irônico. A mulher que o
acompanhava, ao ver a afronta do homem, o puxou. Tentava evitar
que Edgar chegasse até ele e pedi ajuda aos seguranças, que
vieram em nossa direção.
Todo aquele caos fez o tempo parar e comecei ver tudo em
câmera lenta. O som dos gritos de Edgar e dos seguranças se
misturavam ao da balada, me deixando atordoada. Tentavam impedir
que ele chegasse no homem e, vendo que isso se transformaria em
algo muito mais sério, enfiei-me no meio deles e encarei Edgar,
dizendo rispidamente enquanto segurava seu rosto:
— Edgar, chega! Já deu!
Como se levasse um choque, meu marido voltou à realidade.
— Desculpa, perdi a cabeça.
— Que diabos está acontecendo aqui? — Indagou o segurança.
— Aquele homem que acabou de sair tentou forçar a barra com
minha mulher. A esposa dele presenciando tudo nem pareceu se
importar.
— Na verdade, ela tentou nos separar! — Falei indignadamente.
Um segurança encarou outro de forma suspeita.
— Vamos verificar o que houve. — Foram em direção a entrada.
— Você viu a forma como eles se olharam? — Desconfiei.
— Devem conhecer aquele cara… talvez seja amigo de um deles!
Vamos embora, amor. A noite acabou para mim!
— Poxa, não podemos terminar assim. Vamos sair pra comer algo
pelo menos? — Edgar consentiu com a cabeça e fomos jantar para
tentar chegar em casa mais calmos.
O tempo passou e fomos outras vezes na mesma balada. Já em
outro clima e com mais malícia, conforme conhecíamos novos
liberais, nos sentíamos seguros para interagir e escolher casais, sem
receio de que algo desagradável como naquele dia pudesse
novamente acontecer. Em pelo menos três dessas visitas, demos de
cara com aquela mesma mulher, mas sempre com outros parceiros.
Foi então que entendemos que ela era uma garota de programa
contratada para proporcionar ao seu cliente uma experiência swinger
com algumas daquelas esposas.
Como solteiros pagam um alto preço para entrar, é mais vantajoso
financeiramente contratar uma mulher para entrar pagando o mesmo
preço que um casal, com a vantagem de ter mais chances de
interação com alguma esposa inexperiente.
Os problemas dos casais fakes das casas de swing não são as
garotas de programa, mas seus clientes, sedentos, abusados e que
entram com a sensação de querer levar vantagem para fazer jus ao
dinheiro que gastaram. Não querem sexo apenas: querem transar
com as mulheres de outros homens na frente deles e a garota de
programa que eles contrataram funciona como uma mera distração
para os novatos liberarem suas mulheres de forma rápida a
satisfazer seus clientes. Um casal comprometido jamais vai abordar
outro sem o mínimo de troca de olhares e reciprocidade.
•••
Após fitar meus olhos nela e ver sua cara debochada levantando-
me a sobrancelha e relembrar aquela sensação de revolta, não tive
dúvidas: quando já estava quase no final do corredor, soltei os
braços de Edgar, que tentou me segurar, e me virei com fúria na
direção de volta.
Parei na porta da cabine e lá estava uma esposa iniciante, olhando
muito constrangida para o casal falso e tentando se desvencilhar
junto com seu esposo daquele bote incisivo. Entrei sem nem ao
menos pedir licença e puxei o casal para fora.
— Venham comigo!
— Ei, onde pensa que vai? É a dona deles por acaso? — Disse o
cliente daquela mulher, indignado.
— Fique longe deles! — Falei firme e me virei na direção daquela
mulher — e você, deveria se envergonhar de enganar essas pessoas
aqui!
De longe, o mesmo segurança daquele dia me olhava. Me virei
para ele e disse:
— Vocês sabem o que acontece aqui e não fazem nada?
Inacreditável! — O segurança deu de ombros.
Constrangidos e assustados, o casal tentava entender minha
atitude, mas quiseram a todo momento ficar perto de nós. Enquanto
Ed pedia um drinque no bar com o esposo, fui até o fumódromo com
a mulher, acendi um cigarro e pedi desculpas por minha atitude,
contando exatamente o que havia acabado de acontecer e por qual
motivo tive aquela reação.
— Desculpa, mas não queria que acontecesse com vocês. Apesar
de não os conhecer, o que eu vivi naquele dia, não desejo a ninguém!
Passamos algum tempo conversando, até que acendi outro
cigarro. Contei minhas experiências de forma breve, falei sobre
nossa participação nas redes sociais e deixei claro minha indignação
com os administradores do local.
Nesse momento, Ed e o homem entraram no fumódromo com dois
copos de bebidas para nós.
— Vamos dar uma volta, Cá? — Edgar me entregou na mão o
copo.
— Sim, claro.
— Camila, eu estava tão tensa quando você chegou. Ela queria
que meu marido fosse para outra sala com ela e estávamos
constrangidos de dizer não, mas sem saber como sair daquela saia
justa — seu marido concordou balançando a cabeça — puxa, muito
obrigada, mesmo!
— Disponha… até breve! — Apaguei o cigarro, sorri para eles e
fui em direção à porta.
— Só mais uma coisa. — Disse ela.
— Sim. — Me virei sorrindo.
— Como eu te acho nas redes sociais?
Parei em silêncio por alguns segundos.
— Dama de Espadas! — Sorri e saí pela porta.
Capítulo 17

Ela, Hotwife?

“Às vezes um charuto é apenas um charuto”


Sigmund Freud
— Dama de Espadas? — Perguntou Edgar indignado. — Você tem
ideia do que vai causar com esse perfil nessa rede social?
— Não é tão ruim, vai…
— Camila-do-céu! Se não bastasse, criou também outro perfil no
Sexlog? — Balançou a cabeça inconformado. — E se eu criasse
outro perfil?
— Só criar, amor... Eu confio em você!
— Mas, você… que jogo baixo!
— Já te falei que você fica lindo com ciúme de mim?
— Agora todos os homens do universo swinger vão vir atrás de
você!
— Como se eu fosse tudo isso… Para com isso, amor! Você sabe
muito bem por qual motivo criei esses perfis. Eu quero mudar isso!
— Fiz uma pausa e voltei a falar de forma mais carinhosa — seja
sincero? Você não gostaria que eu tivesse alguém com quem me
aconselhar assim que começamos? Eu contei para minha melhor
amiga quando saímos com o Ricardo e sabe o que ela me disse?
— Não, o que ela disse?
— Sem ficar minimamente constrangida disse que sempre soube
que você tinha cara de corno. Faz ideia de como eu me senti?
Consegue imaginar a dor de perder uma amizade no mesmo instante
em que se percebe, com absoluta certeza, que não terá ninguém
para desabafar?
— Complicado…
— Amor, só quero ajudar iniciantes. Posso até dedicar-me a
escrever sobre o meio liberal com mais frequência. Será possível
que as pessoas só conseguem falar sobre swing através da
pornografia? Quero trazer um conceito novo.
— E como vai fazer isso? Vai mostrar o rosto e dane-se as
consequências?
— Toda nossa família já sabe e ninguém foi contra, pelo contrário.
Que diferença faz “amigos” saberem? O máximo que vai acontecer é
romperem com a amizade e acredito que isso só vai acontecer se a
amizade não for sincera, pois nunca misturamos as coisas.
— É genuína sua intenção, não discordo dela.
— E vou te dizer mais… se der certo vou fazer palestras sobre o
assunto!
Edgar riu chocado com minha audácia.
— Você é única… Está bem, eu te apoio! — Dei uns pulinhos de
alegria — Mas, antes, terá que me convencer por qual motivo
escolheu Dama de Espadas! Esse símbolo, nos Estados Unidos,
representa mulheres de homens cuckold que saem sozinhas com
negros. Você agora vai, de fato, fazer todo mundo acreditar que sou
corno! — Falou rindo.
— Coitado… tão frágil e corno — gargalhamos — está bem, eu
explico! Eu não posso me basear no significado da representação da
Dama de Espadas no swing, apesar de achar que isso ajudará trazer
uma certa relevância. Existem outros contextos que me chamaram a
atenção e é neles que eu me baseei.
— Falou tudo e não falou nada. — Torceu a boca.
— Calma, homem, nem comecei a falar…
— Então fale que eu estou ansioso!
— Atena!
— Atena? — Fez cara de dúvida — jura?
— Sim… — sorri orgulhosa de minha escolha.
— Fale mais sobre…
— No baralho, a Dama de Espadas representa Atena. Muito forte,
sábia e destemida, lutou grandes batalhas e venceu todas; seu maior
medo era deixar de lutar. Já no tarô, a carta da Rainha de Espadas
encoraja a buscar a verdade, ser fiel a você mesmo e organizar
ideias, enfim, minha inspiração. Se as pessoas pensarem que você é
cuckold, é outro problema, mas de verdade, você realmente se
importa com o que as pessoas pensam?
— Bom, terei que achar um personagem também para me
representar!
— Faça isso! Seremos uma dupla e tanto…
— Só tem uma coisa nessa sua história que não bate com você.
Você não fez todo o dever de casa! — Irônico, levantou a
sobrancelha.
— É mesmo? E por que não? — Perguntei com desdém.
— Atena era virgem! — Gargalhou.
Fiquei alguns segundos olhando sarcástica para Edgar, suspirei e
disse:
— Ninguém é perfeito, não é mesmo? Nem mesmo uma deusa!
Capítulo 18

Tirando a máscara

“Às vezes você acha bondade no meio do inferno.”


Charles Bukowski
Pouco tempo depois de começar a escrever pontualmente nas
redes, fui convidada para tornar-me colunista de um projeto com
outras escritoras, e passei a publicar sobre sexualidade e swing na
tentativa de romper barreiras e mostrar as facetas do meio em que
vivia.
Tanto na coluna como em minhas redes sociais, cada vez mais
pessoas passavam a me notar, pois era incomum falar sobre tantos
tabus e mostrar o rosto sem medo.
Decidida a compartilhar meus aprendizados e oferecer
acolhimento, criei um cronograma de palestras gratuitas. Arcava com
todos os custos da locação do espaço e oferecia um café no
término, para que todos ali usassem esse ambiente para conhecer
outros liberais e ter conversas mais próximas comigo.
A cada palestra menos lugares ficavam vazios, nos enchendo de
felicidade e orgulho pois, além de serem noites agradabilíssimas,
ainda arrecadávamos alimentos para doação em um projeto que
chamei de swingers do bem. Muitos me surpreendiam, pois
deixavam muitas sacolas de alimentos e produtos de higiene, muito
além do que havíamos sugerido.
As palestras começaram tímidas, mas evoluíram, tornando-se uma
mistura de reunião motivacional com uma pitada de comédia stand-
up, onde, de forma leve e bem-humorada, contava a eles todos
nossos momentos no swing, como ressignificamos nossos traumas e
como aprendemos a superar o ciúme. A maioria dos casais saíam
gratos, curiosos e empolgados para vivenciar a primeira experiência
liberal evitando os erros que os alertamos.
Com o sucesso dessas noites, começamos a nos tornar
conhecidos em nosso nicho liberal e, ao entrar em qualquer balada,
sempre éramos reconhecidos por alguém! Esse carinho, sempre
contagiante, nos motivava ainda mais.
Minhas redes sociais simplesmente decolaram. Os números de
seguidores começaram a aumentar e, a cada dia, mais pessoas
interessadas no tema liberal me procuravam para tirar suas dúvidas.
Edgar ficou perplexo, e eu também, pois apesar de não se
assumirem publicamente, muitas pessoas me seguiam de seus perfis
reais, realmente interessadas e sem vergonha de nos acompanhar.
Perdemos algumas amizades por preconceito quando descobriram
que éramos liberais, mas ganhamos o triplo de amizades quando
resolvemos nos assumir. É muito difícil acabar uma amizade de anos
ou uma relação de parentesco tão significativa. Perdi relações
importantes e foi muito difícil superar algumas delas.
Algumas pessoas simplesmente se afastaram, enquanto outras
faziam questão de me enviar mensagens tentando me ofender ou me
magoar, como se a escolha de viver minha sexualidade livre fosse
pecaminosa. Tentaram me reduzir ao tamanho que me viam, mas eu
nunca me vi inferior e nunca permiti que me colocassem dentro do
tamanho insignificante que queriam me quantificar.
Quando mostrei meu rosto pela primeira vez, recebi mensagens de
pessoas desesperadas, afirmando que eu sofreria muito preconceito,
pois quase ninguém mostrava o rosto no universo swinger. — Quem
me veria com bons olhos? — Precisei me assumir porque não sei
conviver com a sensação de estar “prestes a ser descoberta”.
Mãe, casada, bissexual e liberal: uma combinação complicada
para pessoas preconceituosas. Sofremos julgamentos, mas não nos
arrependemos.
Algumas amizades antigas permaneceram, e nestas pudemos
enxergar um amor genuíno que dificilmente é percebido em relações
comuns. Mesmo sem inclinação a tornar-se liberais, adoram ouvir
nossas histórias divertidas e mantêm um profundo respeito por nós.
Nos agradecimentos deste livro escrevi: aos amigos que se foram e
aos que ficaram, pois sem eles não seria possível enxergar que só
devemos nos sentar à mesa quando o amor sincero, sem
preconceitos ou interesse, estiver sendo servido.
Nossa relevância no meio swinger só aconteceu porque a maioria
das pessoas adeptas de swing se sentem sozinhas e estão
escondidas por medo da sociedade. Quando me conheceram,
sentiram-se representadas de alguma forma, pois, até então,
achavam que estavam a cometer o pior de todos os pecados.
A maioria de nós swingers levamos uma vida normal, como
qualquer outra pessoa. Seguimos mantendo e educando bem nossos
filhos, limpando a casa, pagando as contas e trabalhando
incansavelmente. As pessoas que menos imaginamos podem ser
liberais: o gerente do banco, a professora dos nossos filhos, o
médico cardiologista do avô, mas isso jamais saberemos, afinal, são
pouquíssimos os que têm coragem de enfrentar qualquer tipo de
juízo sobre si.
A única coisa que mudou para pessoas que nos conheciam antes
do swing e depois foi a forma que elas passaram a nos enxergar,
pois continuávamos sendo os mesmos de sempre.
Eu quis sair da moralidade social, essa é a verdade! O que me
impedia? Deveria me amedrontar quando dizem que sou imoral? Sou
totalmente imoral, mas como diz meu marido, sou terrivelmente ética!
José Saramago respondeu certa vez uma pergunta que lhe
fizeram:
“— Como podem homens sem Deus serem bons?”
Sua resposta foi: “—Como podem homens com Deus serem tão
maus?”
Existe preconceito com pessoas que simplesmente transam com
quem querem, pois parece existir um lado bom e um lado mau, e
quando falamos sobre sexo livre, maduro e consensual, com certeza
não seremos parte da turma dos “mocinhos”. As pessoas têm
aversão ao que reprimem, ou seja, se a pessoa quer ser livre e não
tem coragem, ela passa a recriminar esse comportamento.
Relacionei-me com mais pessoas junto com meu marido,
exercendo uma liberdade que é nossa de direito, dentro de um
casamento ético e sem mentiras, para a moralidade social nos
classificar como um desvio social terminado em “ismo”?
Uma repórter me fez uma pergunta, que infelizmente cortaram na
edição quando foi ao ar na televisão:
— Você falará de swing com sua filha?
— Claro que não! Você conta para os seus filhos como você
transa com seu esposo?
A repórter me olhou desconcertada.
— E como lidará quando ela descobrir?
— Quando tiver idade certa para falar sobre esferas de
relacionamento amoroso, ela terá liberdade de conversar conosco
sobre, afinal, eu ensino desde cedo que ela deve respeitar as
escolhas individuais de cada um. Ela só tem o direito de escolher por
si própria.
Cada dia mais nos reconhecíamos liberais e estávamos seguros
por nossas escolhas.
Edgar me pediu em casamento logo no primeiro ano em que
ficamos juntos e desde então eu já me considerava casada, pois não
via muito sentido em refazer todo um processo burocrático para me
considerar sua esposa.
Nessa fase da vida algo mudou: senti uma grande vontade de
comemorar minha relação com ele — quer saber? É hora de nos
casarmos no papel! — Desta vez seria diferente, pois estávamos em
outro nível de relacionamento. Muito mais maduros, queríamos uma
festa leve, romântica e significativa, assim como nossa parceria.
Passamos três meses organizando todos os preparativos.
Alugamos uma casa paradisíaca por cinco dias no interior,
convidamos nossa família e amigos mais próximos a ficarem conosco
e, somente no último dia, nos casaríamos pela manhã. Meu vestido
foi costurado em tempo recorde e minha filha entraria como dama de
honra ao lado de sua irmã, filha de Edgar do primeiro casamento.
No dia, enquanto todos corriam de um lado para o outro, estava
sentada tomando um café, ainda de pijama, faltando apenas duas
horas para a cerimônia. Via minha filha e suas irmãs na companhia
de minha sogra brincarem no jardim próximo a um lago cheio de
carpas e respirei fundo, sentindo muita alegria de ter feito essa
escolha.
Levantei-me, tomei banho, sequei meu cabelo, fiz uma maquiagem
sutil e coloquei meu vestido — mais pronta que isso, impossível!
Abraçada ao meu tio, irmão do meu pai, ouvíamos a música Soon,
da banda Yes, enquanto todos nos aguardavam. Emocionados,
lamentamos a falta do meu pai naquele dia especial. Era a música
que ele mais gostava e ouvi-la no meu casamento, antes de
entrarmos, teve um significado muito especial para nós. Era como se
enviássemos ao cosmos uma mensagem cheia de saudade. — Te
amo, onde quer que você esteja… — caminhei na direção de Edgar,
que me aguardava com um olhar apaixonado, e finalmente nos
casamos embaixo de um arco cheio de flores e plantas ao lado do
lago cercado pelas pessoas que nos amam e apoiam.
Após trocarmos as alianças, fiz um discurso:
“Desejo...
Pode parecer estranho começar falando de algo que parece tão
superficial nos dias de hoje, pois parece algo egoísta, mesmo todos
sabendo que o mundo só funciona através dele. Desejo por uma
vida próspera, de ter muitos amigos, satisfações sexuais, bens, um
passado sem culpa, um futuro estável e um legado reconhecido.
O desejo é o verdadeiro combustível do mundo! E não para no
mundo físico, pois nós desejamos o paraíso no além vida. A
maioria de nós se assusta com a ideia de desejar apenas um sono
de descanso. Querem mais e desejam mais... Desejamos para nós
e para os outros, pois somos uma fonte inesgotável de criatividade.
Eu não amava Edgar do jeito que eu amo hoje. Eu amava o que
eu desejava que ele fosse. Amava o bom amigo que ele deveria
ser, um bom companheiro, um bom pai e um esposo que só tem
olhos, expectativas e tempo para mim. Me perdoe por ter amado
você de forma errada por tanto tempo. Mal sabia eu, o quanto você
era melhor do que aquele Edgar que eu desejei.
Você me surpreende de todas as formas possíveis a cada dia.
Quando olhei para o homem que você se tornou senti tanto orgulho
de você, pois quando te conheci, você era só um jovem tentando
me provar ser um homem.
Como eu amo você...
Eu desejo que todos que aqui hoje possam dizer que sabem o
que é desejar alguém como eu te desejo.
Quero envelhecer ao seu lado, apoiando nossas filhas e desejo
que as pessoas que querem ser felizes e que tem medo do
julgamento alheio, tenham a coragem que tivemos, pois não foi
fácil! Desejo que gastem todo o dinheiro que tiverem antes de
morrer, pois o verdadeiro legado está em lembranças como hoje,
onde podemos olhar para cada um de vocês aqui presentes e
perceber que mesmo a distância não os impediu de compartilharem
de nossa alegria.
Desejo uma grande família a todos, mesmo que esse todo só se
faça a dois. Desejo amigos como os meus, que são poucos, mas
fiéis, amados e honestos. Poucos, porém, únicos!
Que todos nós tenhamos muitas rugas. Meu avô, que foi meu
maior parceiro na vida, está hoje vivo ao meu lado cheio delas;
acreditem quando eu digo que amo rugas.
Desejo que vocês amem a família que vos recebe ao embarcar
em uma relação, como eu amo a minha nova família. Desejo que
tenham sogros e cunhados como os meus que, mesmo a 1000km
de distância, se fazem mais presentes que alguns familiares de
sangue que se tornaram tão distantes.
Você me mostrou o mundo. Me fez experimentar tudo e me deu a
liberdade de decidir, e, com isso, me fez descobrir que meu único
desejo é você. Desejo que o mundo possa sentir a segurança que
eu sinto ao dividir minha vida com você, e que as pessoas saibam
o que é ter alguém que nos faz sentir a pessoa mais completa do
universo, pois você me fez. Que todos possam brigar como nós
brigamos só para fazer as pazes como nós fazemos...
Desejo que sejam sinceros uns com os outros, como somos
conosco, e que sejam vocês mesmos durante um relacionamento,
para que o amor seja real. Desejo que todos os relacionamentos
tenham a nossa cumplicidade e o nosso desejo de querer satisfazer
nossos devaneios mais íntimos.
E desejo, por fim, que tenham alguém que ronque no ouvido de
vocês, como Edgar ronca ao meu toda noite, afinal, até nossas
manias mais desagradáveis são um lembrete diário que nos diz que
quem amamos ainda está aqui dividindo esse tempo e essa era
conosco. E não é muito tempo, mesmo que sejam 100 anos...
Se existir outras vidas, poderei viver mais mil delas, que em
todas eu prometo encontrar você…”
Capítulo 19

A sociedade da Dama

“A personalidade criadora deve pensar e julgar por si mesma,


porque o progresso moral da sociedade depende exclusivamente
da sua independência.”
Albert Einstein
Acordei pensativa naquela manhã e senti um impulso de
transformar de alguma forma o sistema ao qual pertencemos. Depois
de conhecer tantos casais e singles nas palestras e interagir com
muitos deles, percebemos que a maioria que tem um espírito livre,
como nós, além de muito mais unidos, eram extremamente mais
felizes que antes do swing.
Passei o dia tentando encontrar formas de unir essas pessoas e
ajudá-las a vivenciar momentos prazerosos sem aquele imediatismo
das casas de swing. Era gostoso interagir com pessoas
desconhecidas por ímpeto no momento do tesão, mas quase sempre
o sexo casual nos trazia frustrações, pois é difícil satisfazer-se
plenamente com alguém que não fazemos ideia quem é ou do que
gosta. — E se eu conseguir uma maneira de fazer essas pessoas
se encontrarem e se conhecerem mais intimamente, para que,
então, descubram se possuem afinidades antes do sexo? — Fui
além — e se eu construir uma comunidade que se apoie além do
meio liberal? Amigos com os quais podemos contar...
Edgar estava deitado na cama, quase dormindo, quando o
surpreendi com minha mais nova ideia.
— Ed, está acordado?
— Agora estou. — Falou sonolento.
— Engraçadinho...
— Tomei uma decisão. Vou fundar uma sociedade secreta de
swing.
Edgar deu um pulo na cama e sentou-se perplexo olhando para
mim.
— Como? Você ficou maluca?
— Não! Nem um pouco…
— Como assim uma sociedade secreta? Tipo uma seita do sexo?
— Riu.
— Não diga bobagens, amor! — Parei para pensar em como
responder de uma forma que ele compreendesse, mas faltou-me
palavras… — sim, tem razão. Uma seita do sexo! — Ri.
— Não sei o que dizer… não teremos um único adepto! Seremos a
seita de nós dois!
— Como assim? Lotamos quantos auditórios nas palestras?
Arrecadamos quantos quilos de alimentos? Está pensando de forma
negativa...
— Essas pessoas já podem frequentar casas de swing. Por qual
motivo elas irão querer participar de uma sociedade?
— Não parece óbvio? Pertencer a uma comunidade e fazer amigos
que não nos julguem. Algo seguro, elegante e discreto! E sexo vai
ser apenas uma consequência.
— E como faríamos? Não faço ideia por onde começar…
— Vou pensar com calma sobre isso… Só preciso que acredite na
sociedade tanto quanto eu.
— Sempre te apoiarei, você sabe! — Ficou em silêncio, deitou-se
novamente e olhou para o teto por alguns minutos — sociedade
secreta de swing… De onde você tira tantas ideias?
— Daqui… — apontei para meu coração
— Vem aqui, gata! — Ed me agarrou e me fez deitar com ele.
— Já sabe como vai chamá-la? — Perguntou sorrindo.
— Sim! A sociedade se chamará Voluptas!
— Voluptas… Que nome forte! De onde você tirou esse nome?
— Volúpia é o grande prazer dos sentidos e sensações. É isso
que eu quero que essa sociedade se torne — fiz uma pausa —
Voluptas é prazer em latim.
— Adorei! — Me abraçou — agora dorme que amanhã temos
muitas coisas para fazer!
Não dormi nada naquela noite…
Durante o dia corri com todos meus afazeres o mais rápido que
pude e, depois que minha filha foi para escola, fui até meu
computador dar vida à minha imaginação. — Por onde eu começo?
Domínio na internet parece bom…
Precisava criar algo que fosse fechado, afinal, estava imaginando
uma sociedade secreta, mas que fosse fácil de se achar — mas
como as pessoas vão achar? Eu quero alcançar muitas pessoas
que pensam como nós, mas como torná-la secreta se tiver que
divulgá-la?
Comprei o domínio do site da Voluptas e levantei-me para tomar
um café. Com a xícara na mão, aspirei o vapor quente que subia —
adoro cheiro de café! — Dei um gole — preciso começar por onde
não me agrada. O que eu não quero nessa sociedade?
Eu pensava numa maneira de unir, em uma sociedade swinger,
diálogo, sensualidade, mistério e sexo. — Pensa, Camila, o que
você não quer? Será que é mais fácil começar por onde eu quero
chegar?
Me sentei próximo ao jardim e vi de longe algumas árvores da
casa do vizinho balançando com a ventania — o tempo vai mudar…
acho que vai chover — uma tarde solitária entre nós: a Voluptas
Society, a Dama de Espadas e eu… Me desliguei completamente do
exterior e submergi em meus pensamentos, imaginando quais os
prós e os contras de fundar uma sociedade secreta de swing. — E
se entrarem pessoas maldosas? No swing é tudo tão anônimo…
A reflexão foi perturbadora: poderia eu ter interagido, nas casas
de swing, com abusadores? Um homem como Fred, que bate na
própria mulher e se disfarça atrás da moralidade? Algum pedófilo ou
algum estuprador? — Sim... eu posso ter interagido com pessoas
assim....
Mas como eu poderia ao menos tentar evitar que pessoas assim
entrassem em nossa sociedade?
— Vou quebrar o anonimato! É isso! — Falei alto e dei o último
gole em meu café.
Sentei-me em meu computador e comecei a criar o site da
Voluptas: fundo preto, cores enferrujadas e uma máscara. — O que
a Voluptas vai fazer? Qual é o seu objetivo? — Fechei meus olhos e
imaginei-me rodeada de casais e singles: Pessoas sentindo-se
abraçadas e acolhidas de alguma forma, compartilhando
conhecimento e sensualidade — e se todas as mulheres estiverem
de vestidos longos e máscaras? — Já conseguia ver os homens de
terno abraçando suas esposas por trás, levantei a cabeça e girei a
cadeira que estava sentada.
O som da música All Souls Night, na voz de Loreena McKennitt,
percorria os cômodos da minha casa, enquanto eu girava lentamente
a cadeira, primeiro para um lado, depois para o outro, balançando as
pernas como se estivesse sentada num balanço de algum parque —
noites perfumadas de palha e fogueiras, e de dança até o próximo
alvorecer… Como eu amo essa música! — Uma euforia acontecia
dentro de mim e senti meu corpo vibrar de excitação imaginando a
Dama de Espadas no centro dessa festa.
“I can see lights in the distance
Trembling in the dark cloak of night
Candles and lanterns are dancing, dancing
A waltz on All Souls Night.”
A música entrava em meu peito como um trovão — ela sabe nos
fazer viajar com essa música… Já sei! Vou fazer uma festa em uma
mansão. Todos com o rosto coberto, muito brilho e muito mistério. A
própria dança das almas da Sra. McKennitt! — Percorria a minha
imaginação com cada som diferente no fundo daquela música —
Camila, você vive em um mundo paralelo de fantasias! — Esse
mesmo mundo de fantasias que sempre me tirou de meus abismos
emocionais… — vou me tornar a nova bruxa do século 21. Uma
sociedade do sexo não será bem quista por moralistas.
Estava decidido! Iria mesmo fundar uma sociedade secreta de
swing. Em cada oportunidade que tinha, sentava-me em meu
computador e desenhava a Voluptas, que até então era somente
uma ideia vagando no universo da minha mente. — Como as
pessoas vão querer ir às festas que fazemos, se nunca fizemos
nenhuma festa? — Arrastava minhas tardes pensando em como
dizer às pessoas que a Voluptas era real, era possível, sem dizer
que ela ainda não existia. Eu precisava criar um mistério ao redor e
deixar que a própria imaginação de cada um fizesse seu trabalho.
Era fim de noite quando toda casa ficou em silêncio. Na escuridão
da sala, somente a luz da tela de meu notebook iluminava onde eu
estava. Em minha poltrona de couro bege, com as pernas cruzadas,
olhava o site que acabara de publicar.
Edgar se aproximou.
— Não vai dormir mais? — Sorriu e deu-me um beijo na testa.
— Vou sim. Poderia me fazer um favor?
— Claro!
— Pode pegar seu documento e tirar uma foto comigo?
— Sim, mas por quê? — Ed abriu a carteira e pegou seu
documento de identidade.
— Vem aqui… — o puxei pelo braço — segure o documento e olhe
para a câmera.
Apontei o celular e tirei uma foto nossa.
— Pode me dizer agora o motivo? — Perguntou curioso.
— Coloquei o site da sociedade no ar… quer ver?
— Não perderia isso por nada…
Silêncio enquanto ele olhava com os olhos vidrados na tela.
— Uau! Nem sei o que dizer! Ficou incrível! Como vai ser o
cadastro?
— Os candidatos que quiserem entrar devem preencher este
formulário — indiquei com o dedo na tela — e devem enviar cópia
dos documentos frente e verso e uma foto segurando os respectivos
documentos.
Edgar me olhou sério e pensativo.
— Documentos? Qual o motivo dessa exigência?
— Vamos verificar antecedentes criminais de todos que quiserem
entrar. Eles vão assinar os termos e condições do site concordando,
e então faremos uma pesquisa. Se tudo estiver certo, eles entram...
— Como iremos fazer isso? Faz ideia do preço que essa busca vai
nos custar? Um escritório para pesquisa, seguranças, mansões…
nem posso imaginar. Se for realmente possível vai ser maravilhoso,
mas não vê que isso tudo é meio utópico, além de caro?
— Utópico ou não, iremos fazer. Posso fazer hora extra e o
dinheiro que levantarmos pagará o sistema. Já temos uma equipe
que faz pesquisa dos nossos parceiros. Só iremos pagar mais a
eles... Augustus pode ajudar! Já falei com ele… — um rapaz
prestativo que nos auxilia na busca de antecedentes criminais e
débitos para que possamos contratar novos representantes de
vendas em nossa empresa.
— Vamos fazer hora extra juntos então! — Sorriu.
— Te amo, sabia? É impossível não me apaixonar por você…
Ed deu uma beliscada na minha bochecha.
— Você sabe que as pessoas terão receio de enviar documentos,
né? Tenho medo de você se decepcionar caso não dê certo.
— Já deu certo! Temos um casal na sociedade, sabia? Estou
fazendo o cadastro deles nesse exato momento. — Ele olhou-me
surpreso.
— Quem?
Abri a pasta e mostrei a foto que havíamos acabado de tirar.
— Nós, amor! Primeiro casal oficial da Voluptas!
Ele riu e me abraçou.
— Essa é a minha garota!
Enquanto Edgar dormia, eu imaginava o mundo que havia acabado
de criar e sonhava com todas as possibilidades que poderiam
acontecer. Coloquei meus fones de ouvido e dormi aquela noite
fantasiando com a primeira festa, os encontros e uma magia possível
que pertencia ao meu coração, mas que ainda não era física.
Durante um mês dobrei minhas publicações de textos na tentativa
de trazer relevância para minha mais nova idealização. Poderia ser
que tudo aquilo não passasse de uma besteira da mente de uma
mulher sonhadora, mas se, por um segundo, meus ideais
encontrassem alguém como eu, carente de respostas e que
estivesse desejando não estar só nesse meio liberal, cansado de
sentir-se um pecador marginal desviado da moralidade social, a
Voluptas poderia tornar-se real.
Apesar de meus esforços, nada acontecia. Profundamente
desanimada, entrava no sistema e não havia um único cadastro. —
Era uma ideia tão boa… podia mudar tanta coisa! Uma pena…
Três semanas se passaram e todos os dias entrava animada na
esperança de que alguém se interessasse em fazer parte da
sociedade. Apesar de não dizer nada, Edgar ficou muito triste, pois
minha empolgação ao imaginar a Voluptas acontecer deixou-me
radiante naqueles dias e toda aquela frustração aparecia em meu
olhar.
Uma manhã tudo mudou...
Ao acordar, ao meu lado, na cama, notei um bilhete.
“Não quis te acordar. Levei a Lili para a escola e em cima da
mesa do seu escritório tem uma surpresa para você. Te amo!”
Depressa corri para meu escritório. — Mas só tem meu notebook
na mesa! Qual a surpresa? — Olhei para os lados, sentei e levantei
a tela.
Eu não podia acreditar no que eu via. — Formidável!
Liguei na mesma hora para Edgar.
— Oi...— Ele atendeu.
— Ed, nem sei o que dizer!
— Parabéns, sra. Dama de Espadas! Você tem onze cadastros
para fazer!
— Eu não estou acreditando! Como isso?
— E não é que sua ideia maluca deu certo?
— O que você fez? Pagou essas pessoas? — Ri.
— Você se esqueceu que somos um time? Enquanto você fazia
seus textos, eu comecei a trabalhar no sistema para colocar a
sociedade na busca. Ou você achava que um site, somente por
existir, torna-se conhecido?
— Você… que vontade de te agarrar! Obrigada, amor! Sem você
nada disso seria possível!
— E nem sem você! Não prometo que terão centenas, mas de vez
em quando vai aparecer um ou outro cadastro. Quem sabe ganha
força...
Desliguei o celular e liguei para Augustus.
— Vai começar! Temos trabalho a fazer!
Os cadastros começaram e, assim como Edgar me avisou,
mesmo poucos, aumentavam dia a dia. Algumas pessoas, ansiosas
com a ideia, convidaram outras a fazer parte, acreditando que a
Voluptas já existia há um bom tempo. O que elas não imaginavam é
que não havíamos feito nenhuma festa.
Comecei então a planejar nosso primeiro evento. Visitei diversos
hotéis, mansões e montei uma equipe de profissionais da cozinha,
limpeza, segurança e atendimento, sempre deixando claro tanto para
os profissionais como para os donos desses imóveis o real intuito da
sociedade. Era difícil ser transparente, afinal, por mais elegante que
fosse, o propósito final seria uma noite para adeptos de swing, e
sendo franca, foi constrangedor em alguns momentos, mas
resilientes, aos poucos, fomos conhecendo pessoas que conseguiam
enxergar beleza e sinceridade em minha idealização.
Após quatro meses desde o primeiro cadastro, Edgar decidiu que
era hora de fazermos a primeira festa. Ainda com medo e tendo
apenas 251 cadastros de membros na sociedade, fui encorajada por
ele, que já não aguentava mais notar em mim uma insistente
insegurança.
— Pronto, marquei a data, coloquei no site e abri os vouchers!
Olhando assustada para Edgar, retruquei:
— Como você faz isso sem meu consentimento. Tem noção do que
acabou de fazer? — Cobri o rosto com as mãos em pânico.
— Cá, já chega! Estamos prontos! — Tirou minhas mãos do meu
rosto — Vai ser maravilhoso! Você se dedicou muito nisso.
— Se algo der errado, toda a magia que eu idealizei para a
sociedade vai se acabar...
— Acabar a magia? Ela está só começando! Chega de medo,
princesa!
Edgar tinha razão. Até quando eu iria postergar?
Olhei para Edgar, me levantei e fiz uma ligação para Augustus:
— Oi, sou eu novamente. Sabe aquela mansão mais antiga que
visitamos? Pode fechar com eles. Vamos fazer a primeira festa!
Capítulo 20

Primeiro fim de festa

“O que está feito, feito está.”


Fiódor Dostoiévski
Quando me olhei naquele espelho e me perguntei quem era a
Dama de Espadas, ao fechar meus olhos vi um filme passando em
minha mente. Conforme piscava meus olhos via a garrafa de vinho se
espatifando no chão muitos anos atrás, Fred me batendo pela
primeira vez e lembrei-me da sensação de estar sozinha naquela
sala, diante de tantos homens, tendo que me justificar mesmo após
passar por tudo que passei estando casada com Fred. Meus olhos
voltavam para meu reflexo no espelho e, quando os fechava, mais
lembranças surgiam: aquele pátio frio do hospital e a primeira rosa
que Edgar colheu…
Em ritmo acelerado, como num súbito de adrenalina, meus
pensamentos me mostravam os sorrisos dos novos amigos, algumas
gargalhadas que demos voltando de tantas experiências nas casas
de swing, os gemidos de tantas pessoas livres, os aplausos no fim
das palestras, minhas brigas com Edgar e até o abraço que ele me
deu naquela estrada tentando fazer-me voltar ser a Camila de antes
dos traumas.
A Dama de Espadas é um resumo de tudo aquilo que vivi. Ela é a
soma do amor impossível, da violência desmedida, daquilo que é
superável e de tudo o que precisei ressignificar. Ela é uma força da
natureza que vive em mim e que me fez sobreviver forte e cheia de
esperança para viver aquele momento incrível, quando nascia a
Voluptas Society.
Os quartos foram invadidos por uma libido coletiva e, mesmo
aqueles que não interagiam sexualmente, participavam observando e
tornando o ambiente ainda mais sedutor. Aos arredores da piscina
estavam Luigi, Lívia, Daniel e tantos outros casais e singles que
passaram por nossa história. A presença deles fez com que todos
pensassem que a sociedade Voluptas já existia há bastante tempo,
pois nos viam conversando intimamente — uma estratégia brilhante
de Edgar!
Deu certo o mundo de fantasias que idealizamos com tanto carinho
e dedicação. Cada um desses casais e singles nos deixaram lições
e, apesar de algumas dessas histórias, assim como aconteceu com
Daniel, terem mexido bastante conosco, no meio liberal aprendemos
que podemos superar tudo com muito mais facilidade, então Edgar
fez questão de convidá-lo para a festa, mesmo contra minha
vontade.
No primeiro baile de máscaras da Voluptas, tínhamos conosco
aproximadamente cem pessoas. Todos elogiavam o ambiente, as
pessoas e a minha ideia de criar a sociedade, proporcionando uma
forma de diálogo que antecedia o sexo. Não era como esbarrar em
alguém num corredor escuro de uma casa de swing e torcer para a
química acontecer. Os membros da sociedade podiam agora
conversar, se olhar à meia luz e perceber particularidades que
despertassem uma vontade legítima para o sexo.
Um casal chamou muito minha atenção: jovens e elegantes,
pareciam estar descontentes com a festa, mesmo tendo, entre nós,
casais e solteiros jovens como eles. Passaram boa parte do tempo
observando e no início da madrugada decidiram ir embora. Quando
estavam saindo eu os chamei para conversar.
— Aconteceu algo que os desagradou?
— Camila, por favor, não nos interprete mal. Apenas estamos
institucionalizados com o clima das casas de swing. Foi um desafio
muito grande estar aqui envoltos por toda essa sensualidade.
Adoramos o ambiente, o jantar, mas acreditamos que o escuro do
swing nos faz sentir mais soltos. Consegue compreender?
— Claro! Com certeza! É desafiador ter que falar com as pessoas
antes de interagir. Vi muitos casais, que apenas observavam no
quarto maior, acabarem por interagir em trocas de casais sem nem
ao menos conversar antes, afinal, cada um tem seu estilo e
particularidade. Entendo que foi um choque de realidade para vocês.
Não se sintam constrangidos e, caso queiram voltar, estaremos de
portas abertas.
O tímido casal agradeceu e saiu.
Apesar de ter compreendido, fiquei triste, pois nem sempre
conseguimos agradar a todos. Voltei então meu foco aos que
estavam presentes para darmos início ao jogo dos cartões: uma
brincadeira com sorteio de cartas para que todos se conheçam
melhor.
A ideia do jogo era dar determinado poder erótico ao participante
que tirar uma carta das minhas mãos. Fiquei no centro de uma roda
de membros da sociedade e falei alto para que todos escutassem:
— Ninguém é obrigado a participar, mas quem decidir fazer parte
não poderá negar os poderes ao dono da carta. Nesse baralho, em
minhas mãos, temos os poderes: beijo, strip-tease, amasso no colo,
lambidas em alguma parte do corpo, beijos triplos e passadas de
mão em áreas específicas. — Todos me olhavam sorrindo com
malícia e expectativa. — Quem não se sentir pronto, poderá
observar de longe. Quem decidir participar, durante o jogo das
cartas, não poderá sair até que o último poder seja entregue. Se a
empolgação entre o detentor do poder e o desafiado aumentar,
ambos poderão se ausentar da brincadeira para continuar o que
começaram em áreas privativas.
— Dama, podemos escolher nossos parceiros para realização do
poder? — Perguntou uma esposa que estava fora do círculo.
— Não! A ideia é que interajam com pessoas diferentes.
Percebendo a seriedade e intensidade do jogo, muitos casais
saíram do círculo enquanto outros entraram, porém, todos estavam
decididos a assistir.
Edgar me olhou de longe, sorriu e pronunciou devagar apenas
mexendo os lábios para que eu entendesse:
— Ra-i-nha… — sorri apertando os lábios, constrangida.
Todos que participaram, ativamente ou apenas observando,
despertaram uma forte excitação. Entre brincadeiras descontraídas,
muitos beijos trocados e toques sensuais, corpos desconhecidos se
encostavam à luz da lareira que refletia no brilho de suas máscaras.
Todos olhavam atentos um homem que caminhava pelo círculo
fazendo uma escolha. Nas mãos, carregava uma carta com o poder
de ordenar que qualquer pessoa no jogo tirasse uma peça de roupa,
para que então, ele pudesse tocar com a boca ou as mãos da
maneira que quisesse. Olhava para todos, andando lentamente, e
parou de frente com um casal. Entregou então a carta na mão do
esposo que o autorizou a escolher sua mulher.
Reparava cada movimento que eles faziam e percebi quando a
esposa ofegou excitada com o que estava prestes a acontecer. Ele
levantou delicadamente a blusa preta transparente que ela usava e
abriu seu sutiã de renda, abraçando-a enquanto ela largava os
braços rendendo-se àquele solteiro sedutor que a havia escolhido.
Suavemente, ele abocanhou seu seio enquanto ela inclinava a cabeça
para trás. Atento aos movimentos, seu marido segurava por trás a
cabeça da esposa dando suporte àquela cena espetacular.
Ao redor, todos olhavam desejando participar daquele momento.
Entregue, ela foi além: beijou o homem e puxou seu marido para
que ambos apertassem seus corpos junto ao dela. Ela pegou ambos
pelas mãos e caminharam na direção de um dos quartos da mansão.
Quando o jogo terminou, depois de muitas interações, toda aquela
excitação motivou os participantes a encontrar, entre os membros,
alguém que satisfizesse suas fantasias íntimas, e foi ali, na primeira
festa de máscaras da Voluptas, que pude presenciar um dos
momentos mais eróticos de toda minha vida.
Na frente da lareira, um casal fazia sexo com um solteiro. Eles,
sentados com as pernas entrelaçadas, davam colo à mulher,
totalmente nua e aquecida com o fogo que ardia próximo a eles. Em
um dos sofás laterais, um casal passava as mãos um no corpo do
outro, sentindo-se desejado pela observação dos demais, enquanto,
ao lado deles, em outro sofá, duas esposas se entregavam
alucinadas em amassos intensos enquanto seus esposos as
admiravam com tesão. Na sala da lareira, nos quartos e em outros
espaços da mansão, os membros da Voluptas Society se
entregavam à luxúria intensa despertada pelo jogo dos cartões.
Sentindo-me com dever cumprido, caminhei até a piscina e me
sentei ao lado de Luigi.
— Que legal tudo isso! Quem diria… aquela ruiva tímida que eu
conheci tornando-se a Dama de Espadas!
— Estou aliviada que você está aqui… fez toda diferença! —
Apoiei minha cabeça no ombro dele.
— E Daniel? O vi pelos cantos da mansão sempre te observando
com um semblante sério. O que está havendo?
— O caso é longo, Lu… Edgar resolveu dar mais uma chance para
nossa amizade, mas não sei até onde posso me aproximar dele.
Tenho medo de que ele desperte sentimentos que o tempo já
amenizou...
— Situação complicada… Era melhor ter evitado.
— Você sabe como Edgar é. No coração dele cabem centenas de
universos!
— Verdade, mas todo cuidado é pouco. — Fez uma pausa —
agora me responde, e nós? — Riu já com aquela expressão safada
de sempre.
Olhei para Edgar, que conversava com um casal e balancei a
cabeça apontando para Luigi. Meu marido entendeu o recado e riu.
— Nós, sr. Luigi? Assim que todos forem embora conversaremos,
pois teremos essa mansão somente para nós três, e a primeira noite
da Dama em seu castelo tem que ser especial! — Ele então beijou-
me no canto da boca enquanto eu olhava compenetrada para Edgar
que, vendo a cena, respirou fundo mordendo seu lábio inferior.
Olhei para o relógio que marcava 04h30. De repente meu celular
recebe uma mensagem. Era o casal que havia saído antes do jogo
dos cartões.
“Camila, precisamos te contar o que aconteceu. Saindo da festa
da Voluptas fomos para uma balada liberal próxima, pois
precisávamos terminar a noite de outra forma. Estando lá, apesar
de toda nossa experiência, ficamos perdidos. Ninguém nos olhou,
cumprimentou ou puxou assunto conosco. Foi um choque de
realidade, e pudemos ver com clareza que você tinha razão. Chega
a ser insuportável entrar em um local e não ser notado,
principalmente após termos sido instigados a conversar com tantas
pessoas que não demos muita atenção. Estamos ansiosos pela
próxima festa. Espero que nos receba!”
Fechei meu celular sorrindo aliviada. Sei que existem pessoas que
não irão gostar do nosso estilo, e a diversidade existe justamente
para que todos encontrem o que procuram, mas ter a certeza, que
nossa idealização estava sendo compreendida e aceita, fazia-me
rejubilar.
A noite foi chegando ao fim e já se via no céu a claridade que se
aproximava. A manhã estava fria e sentia minhas mãos geladas, pelo
próprio cansaço de estar acordada por mais de 24 horas seguidas.
Todos se despediam, se abraçavam e trocavam dados de contato,
parecendo não querer deixar a mansão, afinal, aquela noite fez parte
de umas das melhores memórias que já tiveram no meio liberal.
Finalmente tinham amigos e pertenciam a uma comunidade que
estaria ali sempre que a saudade os encontrasse.
Quando todos os casais e singles se foram, despedi-me da minha
equipe agradecendo a todos por aquela noite especial e
reconhecendo, que só se realizou com sucesso, por tamanha
dedicação e respeito que tiveram por todos nós. Achei que ficariam
constrangidos, principalmente aqueles que tinham que entrar nas
áreas privativas, mas me surpreendi com o feedback positivo deles.
— Todos respeitaram vocês? — Perguntei para a equipe de
organização dos quartos e toilets.
— Sra. Camila, nunca imaginei que seria dessa forma. Já trabalhei
em muitas casas de swing, mas sua festa me surpreendeu. É
realmente um outro mundo, parabéns! — Me abraçou.
—Obrigada! Vocês todos fazem parte do sucesso dessa noite —
distribuí a todos um presente especial que preparamos com carinho,
em reconhecimento a todo o profissionalismo deles. — Em breve
teremos outras.
Nem parecia que naquela mansão havia tido uma festa com tantas
pessoas, pois tudo estava impecável, o que me deixou tranquila para
finalmente descansar depois de tanta ansiedade e apreensão.
Ficamos Luigi, Edgar e eu, com aquela mansão inteira somente
para nós três. Trocamos olhares maliciosos e soubemos exatamente
por onde começar. Subi as escadas na frente deles em direção a um
dos quartos e logo vieram atrás de mim observando minhas curvas
como se eu fosse uma presa prestes a ser caçada. No alto da
escada os puxei pelo paletó e alternei beijos entres eles, os
provocando com intensidade.
Cada um de nós escolheu um banheiro diferente para tomar um
banho e eu, ao abrir aquele forte chuveiro quente sobre mim, deixei
com que a água me envolvesse enquanto sorria satisfeita lembrando
das cenas de toda festa como num filme.
Após o banho, nua, em frente a um enorme espelho que pegava a
parede toda daquele banheiro branco e espaçoso, senti minhas
bochechas corarem por tudo o que tinha visto e, também, por prever
a potência sexual que envolveria a nós três naquela manhã. Me
enrolei na toalha e, ao entrar no quarto, já estavam eles na cama me
aguardando para que pudéssemos nos entregar aos nossos
devaneios mais íntimos.
Deitei-me entre eles, de frente para Luigi e com minhas costas
para Edgar. Sentia suas mãos passarem por todo meu corpo: meu
marido acariciava-me por trás entre minhas pernas, enquanto Luigi,
segurava meus seios. Ambos, com seus corpos colados ao meu, me
faziam sentir o volume de todo o tesão que sentiam. Enquanto
mordiscava minha nuca, Edgar levantou uma de minhas pernas e
começou a penetrar-me por trás, enquanto Luigi penetrava-me pela
frente, fazendo-me gemer em seus lábios. Arranhava levemente as
costas dele, e entramos num êxtase poderoso, tamanha
conectividade entre nós três.
Após nos deliciarmos naquela formidável posição, Edgar me faz
montar nele, enquanto Luigi ficou atrás, por cima de mim — três
corpos, um em cima do outro, unidos pelo furor de nossa
gigantesca libido — ambos invadiam todos os meus espaços,
preenchendo-me naquela manhã fria e podíamos sentir o clima do
ambiente contrastar com o calor de nossos corpos, suados,
desejosos e lúbricos.
Sentindo meu corpo estremecer e molhá-los, enquanto ambos,
penetravam-me simultaneamente, descompassados, me fazendo
perceber suas diferenças quando empurravam e traziam meu corpo
para junto deles. Já não aguentando mais segurar meu orgasmo,
pedi que fizessem ainda mais forte e, gemendo alto, os fiz gozar
dentro de mim. Exaustos, saciados e completamente apaixonados
pela intensidade do momento, permanecemos abraçados. Sentia-me
como uma rainha servida por dois súditos sedentos e que, juntos,
entregaram-se à voluptuosidade de minhas maiores fantasias.
Senti-me extasiada pela mágica da Voluptas, que era ainda melhor
do que tudo o que eu havia imaginado.
Capítulo 21

Entre poderosos e ressentidos

“E que minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é


amor, e a outra metade, também!”
Oswaldo Montenegro
Nossa primeira festa consolidou a Voluptas como sociedade e,
todos os que foram, aumentaram ainda mais sua repercussão
divulgando entre conhecidos o que havia acontecido naquela noite.
Satisfeitos com o resultado, fizemos um cronograma extenso e
passamos a realizar todo mês uma festa a pedido de todos, algumas
em novas mansões, outras em hotéis.
Faltando 24 horas para a festa acontecer, enviávamos a eles o
endereço com a senha de entrada e, mesmo que alguém de fora
obtivesse tais informações, não conseguiria entrar. Além de informar
a senha, tinham que apresentar o cartão de membro e passar pela
verificação de seus rostos com base em nosso cadastro. Se
tentassem entrar com parceiros divergentes também eram barrados
e banidos da sociedade.
Recebíamos novos adeptos a cada dia, o que me incentivou a criar
uma rede social secreta, assim, esses mesmos casais e singles,
teriam mais chances de se conhecer antes dos eventos e tornar o
clima de cada encontro muito mais intimista. Passei noites em claro
estudando formas de produzir essa rede e divulgar meu mais novo
projeto: a princípio uma rede simples, onde todos podiam postar
fotos e relatos de suas experiências liberais dentro e fora da
Voluptas.
Todas aquelas pessoas criavam laços de amizade que
transcendiam ao sexo: era um encontro de almas sozinhas que
passaram a dividir suas vidas por afinidades. Montando seus
próprios grupos, apoiavam-se em dilemas rotineiros e se
encontravam sem quaisquer propósitos liberais, apenas pela
companhia uns dos outros.
Convidados diversas vezes para jantares, churrascos e
aniversários, Edgar e eu éramos recebidos com abraços,
acolhimento, gratidão e muito carinho. — Chegaram o Rei e a
Rainha! — Era assim que nos anunciavam, e eu achava graça, pois,
apesar de me chamarem de rainha dentro da sociedade, meu
apelido no meio liberal e na Voluptas se manteve Dama de Espadas,
pois tinha meus motivos pessoais e emocionais para ter escolhido
esse pseudônimo.
Tentava passar despercebida em meio às festas e, em uma delas,
rimos de uma situação inusitada com um casal que ia em um de
nossos eventos pela primeira vez.
Estava recepcionando os membros em uma das festas, quando
avistei um casal: um homem alto vestindo um belíssimo terno preto
acompanhado de sua esposa loira, trajando um vestido dourado
muito brilhante com uma fenda que começava na virilha e deixava
uma de suas pernas bronzeadas totalmente à mostra.
— Sejam bem-vindos — apertei a mão dela.
— Obrigada! — Respondeu sorrindo.
— Posso indicar a vocês o que cada cômodo da mansão
representa nesta noite — segui na direção da entrada na intenção de
acompanhá-los.
O homem me interrompeu, tocando em meu ombro por trás.
— Muito gentil da sua parte como recepcionista, mas precisamos
fazer isso sozinhos.
— Claro, como quiserem. Qualquer dúvida estou por aqui! —
Sorri.
Passado algum tempo desde a chegada deles, enquanto estava
rodeada por amigos próximos à piscina, uma das esposas, já
conhecida por ser veterana na Voluptas desde a primeira festa,
trouxe em nossa direção o mesmo casal que eu havia recepcionado
momentos antes.
— Essa é a Camila! — Apontou para nós — nos confundiram
pensando ser eu a Dama!
— Acho que você tem mais jeito para ser a Dama da Voluptas! —
Peguei em sua mão sorrindo e virei-me ao casal — prazer em revê-
los — sorri.
— Camila, por favor, nos desculpe! — Estavam visivelmente
constrangidos — não imaginávamos que você era a Dama. Se você
estivesse de máscara... teríamos alguma desculpa. É imperdoável!
Os abracei com carinho.
— Não tinha como saberem. Imperdoável seria se não tivéssemos
a chance de conhecê-los! Nas fotos somos diferentes, pois usamos
ângulos que nos favorecem — pisquei.
Os apresentei a uma turma de veteranos e o casal começou a se
enturmar.
A cada festa conhecíamos mais histórias e pessoas com infinitas
diferenças. Nos tornamos uma sociedade pluralista e muito
respeitosa, éramos movidos pela amizade, sensualidade e sexo.
Inexperientes sentiam-se muito seguros ao ir às festas, pois
conseguiam conhecer novas pessoas e observar os mais ousados no
sexo liberal sem qualquer cobrança para que interagissem com
alguém, uma vez que cada casal tem seu tempo de acordo com a
própria personalidade liberal.
Com membros de todo o Brasil e até do exterior, nos tornamos
parceiros de uma grande empresa de tecnologia que produziu para
nós uma nova rede social, muito mais completa — jamais poderia
imaginar que me tornaria sócia dos criadores do site onde me exibi
pela primeira vez.
Grandes oportunidades surgiram e fomos destaques em algumas
revistas, jornais e sites de entretenimento, que contavam nossa
história de superação, sempre mencionando a coragem que tivemos
de iniciar algo totalmente fora dos padrões. A repercussão era
grande e, através dos comentários nas redes sociais, víamos o
tamanho do preconceito sobre nosso estilo de vida.
Swing pode ter definição em textos na internet, mas na vida real é
muito mais complexo que uma descrição feita, provavelmente, por
quem nunca sequer experimentou ou cogitou a possibilidade de
vivenciar — a teoria aceita tudo.
Não é uma perversão sexual, não é um alimento da indústria
pornográfica e não é uma forma de extravasar demônios internos.
Praticantes de swing vivem um lifestyle assim como quem decide ser
vegano ou naturista.
A ideia por trás da sociedade do sexo liberal, além de
proporcionar mais segurança, era dar tempo para que todos
definissem primeiro suas personalidades liberais. Nós, por exemplo,
precisamos de um contexto antes da interação. Deixamos claro que
o primeiro encontro é somente para que possamos nos conhecer e,
todos sabem, que no fim da pizza, cada um irá retornar para sua
casa sem sexo.
Procuramos descobrir afinidades para depois decidirmos se
queremos que a relação evolua para interação. Conversamos sobre
nossos sentimentos e expectativas e, se ambos nos sentirmos bem,
consideramos marcar uma aventura. Já aconteceu da química ser
forte ao ponto de o sexo acontecer na mesma noite, mas antes,
chamei Edgar em um canto e perguntei se ele estava de acordo.
Há aqueles que gostam de sexo direto sem envolvimento, e nosso
propósito era justamente fazer o encontro destas personalidades
diferentes, e claro, mexer com a imaginação de todos.
Depois de um certo tempo realizando noites luxuosas em São
Paulo, foi a vez da festa The Godfather, inspirada na trilogia do filme,
onde nos reunimos vestidos a caráter em uma mansão antiga, como
se estivéssemos na década de 40.
Mais uma vez convidamos Daniel.
— Veja, Ed! — Cochichei em seu ouvido — Daniel está
acompanhado com aquela solteira, lembra dela? Faz pouco tempo
que aprovamos sua entrada.
— É mesmo… será que estão namorando? — Fez sinal com a
cabeça para Luigi, que rapidamente se aproximou.
— E estão chiques, hein? — Disse Luigi.
— Ele está parecendo um comandante com essa roupa.
— Gostou, é? — Riu.
— Se eu não te conhecesse, diria que você está com ciúme de
mim.
— Vai lá com ele, vai! — Brincou.
— Eu iria mesmo, se ele não tivesse acompanhado, é claro!
— Ah, é? — Perguntou Ed com cara de insatisfação.
— Pronto, era o que me faltava! Vocês dois com ciúme de mim —
rimos — vão procurar alguém pela mansão, por favor.
Daniel se aproximou de nós com sua companheira.
— Tudo bem com vocês?
— Olá! — Abracei a mulher — bem-vinda! — Edgar e Luigi
sorriram.
— Obrigada! Onde fica o toilet?
— Ali, naquela porta grande — apontei.
Perguntei para Daniel quando ela saiu:
— Uau, namorando? Que legal!
— Não, é só companhia. Estamos nos conhecendo — estufou o
peito — ela é legal e bem intensa. Tem que vê-la na cama…
— Que ótimo! Espero que aproveitem — me virei para Edgar e
Luigi — vamos? Com sua licença — sorri.
Caminhamos até a piscina para encontrar alguns amigos.
— Você percebeu que ele fez questão de te dizer como ela é na
cama? Você nem sequer perguntou… Quer te causar sentimentos?
— Luigi riu com Edgar.
— Sentimentos em mim? Eu não tenho ciúme do meu marido, vou
ter dele? Achei meio imaturo de sua parte, pois ele a mostrou como
um troféu. Sabem o que eu penso de homens que fazem isso, né?
Diferente das outras festas que Daniel ficava pelo canto com um
semblante fechado, estava sorrindo e exibido — acho que ele está
gostando de estar como um casal.
Aquela festa estava realmente muito elegante. Trocamos todas as
luzes da mansão, deixando-a totalmente alaranjada e, logo na
entrada, todos tinham à disposição piteiras longas, cigarros de vários
sabores, charutos e chocolates. Como em outras festas, fizemos o
jogo dos cartões e preparamos, especialmente para essa, um show
de strip-tease com um casal famoso que costuma dançar juntos em
casas noturnas de São Paulo.
Antes da apresentação, Daniel e sua companheira passaram a
maior parte do tempo conversando em um canto. Sentada em seu
colo, usando um vestido curtíssimo, ela se esfregava nele querendo
provocá-lo enquanto despertava olhares ao redor. Estavam em
perfeita sintonia e, apesar de querer trazê-los à roda de conversas,
queríamos que vivessem esse momento sem serem incomodados.
Quando o casal começou a dançar, todos nos dirigimos à sala
principal para assistir ao show de perto. Daniel parou ao meu lado.
— Você está linda hoje!
— Vocês também! — Dei um beijo nas bochechas deles.
Quando o show chegou ao fim, com o intuito de fazer uma
brincadeira interativa, o dançarino chamou, para dançar, algumas das
esposas e solteiras que o assistiam. Puxava as mulheres para o
centro da sala, tirava suas roupas as deixando somente de lingerie
para que desfilassem para a sociedade.
O dançarino me puxou fazendo toda sociedade vibrar, mas,
timidamente, me esquivei apenas dando um beijo nele. Se aproximou
então da companheira de Daniel, que esticou a mão sorridente na
direção dele, deixando claro que queria participar. Tirou seu vestido e
a colocou em seu colo musculoso, esfregando seu peito contra os
seios dela, enquanto ela ria alto e acenava para todos.
Daniel trombou comigo saindo da apresentação.
— O que deu nele? — Fiquei confusa com sua reação — você
entendeu alguma coisa, Lu?
— Ciúme? Jura? — Balançou a cabeça.
— Será que ele ficou bravo com ela por isso? Mas eles mesmo
disseram que são singles, e outra, quase todas as mulheres estão
participando.
— Vai ver que ele é liberal somente com a mulher dos outros… —
disse Edgar.
Seguramos, os três, o riso para não chamar atenção.
Durante boa parte da festa, percebemos que Daniel discutia com
ela, e na tentativa de auxiliar me aproximei para conversar com ele,
quando vi que ela se afastou.
— Ei, por que todo esse clima?
— Ela foi embora. Não quer mais ficar, e nem eu quero que ela
fique.
— Daniel, por favor. Que atitude mais estranha. Você é um single
liberal, ela também e estão juntos se divertindo… — respirei e
perguntei de forma incisiva — vai dizer que essa discussão foi pela
dança?
— Ela estava comigo, Camila — se exaltou.
— Psiu, fala baixo comigo! Ficou louco? — Olhei para os lados —
você está se comportando igual a um adolescente. Poderia ter
aproveitado o clima para se divertir com ela, enaltecer sua beleza e
transformar essa noite em memorável para vocês.
— Você não sabe o que conversamos!
— Realmente eu não sei o que conversaram… — me levantei —
mas eu sei por que ela foi embora: você não é liberal, Daniel! —
Deixei ele a sós na mesa perto da piscina.
Edgar, vendo-me aproximar, tentava entender minha cara
emburrada.
— O que aconteceu?
— Você acredita que ele criou uma briga com a moça e ela foi
embora? — Estava inconformada — ciúme porque ela dançou com o
rapaz.
— Eu falei que Daniel não tinha o perfil para a sociedade —
argumentou Luigi.
— Que sirva para que eu aprenda… — Edgar respirou fundo e
torceu a cabeça para os lados tentando estalar o pescoço com um
semblante sério.
Daniel bebeu todas naquela festa e, prevendo que algo mais sério
poderia acontecer, pedi para meu segurança ficar de olho nele.
Estava preocupada, pois cerca de dois meses antes da festa,
Daniel havia marcado com um casal para saírem para uma noite no
motel. Mesmo sabendo da dificuldade que o casal tinha de conseguir
horários livres por conta da dinâmica familiar, os deixou a ver navios
para ir em uma de minhas palestras. Deu uma desculpa qualquer
para Mia e Vincent, faltando pouco tempo para o encontro, alegando
que havia esquecido que era a festa de aniversário de seu pai.
No término da palestra ficamos só nós três. Ele deu a entender
que queria sair conosco e, empolgada por Edgar ter consentido com
um remake das nossas aventuras sexuais, fiquei aguardando o
convite que não aconteceu. Confusa com o jeito de Daniel naquela
noite, decidimos nos encontrar com um casal de amigos e irmos para
uma balada, e vendo que não insistimos para passar a noite com ele,
saiu pisando firme.
Ainda enviou uma mensagem desaforada para Edgar:
“Que falta de consideração de vocês, Ed! Até Viagra6 eu tomei!”
“Daniel, nem sabíamos que você viria, e outra, a Camila deu
todos os indícios possíveis de que toparíamos uma noite a três,
apesar de tudo o que aconteceu entre nós... Você simplesmente se
calou! O que esperava?”
Quando chegamos na balada, o casal que Daniel havia marcado
estava lá, afinal, queriam aproveitar a noite que já estava livre.
— Acabamos de encontrar Daniel, que saiu bravo! Uma pena que
não quis vir conosco. Agora nos manda uma mensagem dizendo
estar frustrado por ter tomado remédio para ereção e termos virado
as costas para ele — torci a boca — como se isso representasse
algum compromisso conosco… Cada uma, viu! — O casal se olhou
inconformado.
— Camila, ele furou conosco dizendo que havia esquecido o
aniversário do pai — mordi os lábios e olhei constrangida a Edgar.
Como eu poderia saber? Não foi meu intuito causar estresse,
afinal, éramos todos amigos da mesma turma, e não fazia ideia de
que Daniel tinha marcado de sair com eles.
Por causa da bebedeira de Daniel e do clima tenso na festa, fiquei
atenta a seus movimentos e vi quando ele se aproximou de Mia, logo
que Vincent se levantou para ir ao banheiro.
— Daniel, não temos nada para falar! Você mentiu para nós! Quer
dizer que tomou Viagra para sair conosco, desistiu, quis sair com a
Camila e levou um bolo? Por favor, me deixe.
— Eu tomei porque estou em tratamento com antidepressivos que
abalam minha ereção, e aqueles dois — apontou para nós — não
tinham que ter contato nada para vocês! — Gritou alto, embriagado.
Vincent se aproximou pedindo que Daniel se afastasse e, Edgar
que via toda a cena, resolveu intervir.
— Já chega, Daniel! Vai dar uma volta para se acalmar… — o
auxiliou a se levantar.
— Tira a mão de mim! — Puxou seu braço. Edgar deu de ombros.
Coloquei a mão na testa e olhei para cima. Vincent me chamou.
— Desculpe, Cá. Tivemos que contar a ele.
— Imagina, isso tudo foi culpa dele, que mentiu para vocês. Minha
intenção não era prejudicá-lo, e só contei, pois não fazia ideia de que
ele havia marcado com vocês.
Daniel subiu as escadas e Edgar foi logo atrás. No corredor dos
quartos da mansão, perto de outros membros, ele falava alto,
ofendia a todos e dizia que aquela sociedade só acontecia por causa
dele.
— Eu que banco isso aqui! — Gritou.
— Você ficou louco, Daniel? Nem mesmo pagar sua entrada você
paga. Nunca te cobramos…
— Os singles que mandam no swing! Sem nós, as casas de swing
afundariam! — Disse com a voz arrastada pela bebida, chamando
atenção das pessoas, que nunca tinham visto um comportamento
daquele na sociedade.
— Já chega! Aqui não é uma casa de swing. Vamos descer. —
Edgar fez sinal para o segurança, que encaminhou Daniel para o piso
térreo.
Não contente, foi à beira da piscina onde estavam Vincent, Mia e
eu, para continuar a briga com o casal. Muito nervosa, tive que
intervir.
— Daniel. A festa acabou para você. Seu comportamento é
inaceitável!
— Para com isso… Quero ver quem vai me impedir — o
interrompi.
— Agora! — Falei alto.
Daniel deu bastante trabalho naquela noite. Evitando sair, bebeu
mais três cervejas na sequência, me encarando de longe como se
me desafiasse e, para evitar uma briga maior, Luigi segurou Edgar
na cozinha com uma conversa qualquer. — Se o Lu não conseguir
segurá-lo, teremos sérios problemas!
Cansada do jogo de Daniel, chamei o segurança.
— Por favor, ajude-o até a saída.
— Vamos, Daniel, é melhor assim!
Assim que ele partiu, entrei no sistema e bloqueei seu acesso à
rede da Voluptas.
Edgar ficou furioso por termos distraído ele na cozinha.
— O que você queria fazer? Bater em Daniel? Para com isso,
Edgar. Temos classe!
— Ele ficou encarando você… — deu um grito — que ódio! Eu
deveria ter feito ele engolir aquelas garrafas.
— Calma, Ed. Já acabou… — falou Luigi na tentativa de acalmá-
lo.
Apesar da festa ter sido deliciosa para a maioria, com muito sexo
e conversas, para nós foi frustrante e cheia de estresse.
Quando a bebedeira passou, Daniel tentou justificar-se, mas,
pensando em nossa sanidade e no bem-estar da sociedade, o
bloqueamos em todas as redes, inclusive em nossas redes pessoais.
Um relacionamento liberal falido não deve ser resgatado. Sabemos
lidar com alguns sentimentos que a maioria dos casais
conservadores não sabem, mas nem todos os que estão no meio
são realmente liberais. Alguns solteiros que fazem ménages, jamais
fariam uma troca de casal com suas futuras esposas, e é desse tipo
de comportamento que devemos manter distância.
O segredo de um casal swinger é ter o feeling necessário para
saber com quem sair e quando parar, pois algumas pessoas podem
trazer mais problemas que soluções.
Apesar de tudo, aconteceu algo bom: nos aproximamos de Vincent
e Mia. — E não é que fizemos uma das melhores trocas de casais
de todas?
Capítulo 22

Presente de casamento

“O amor é quando a gente mora um no outro.”


Mario Quintana
Uma das vantagens da Voluptas era termos mais tempo para
conhecer melhor as pessoas e, foi através de muitas festas e
diversos encontros fora do meio liberal, que nos aproximamos de
Alice, uma solteira incrivelmente simpática que aprendemos a amar e
admirar.
Ela sempre demonstrava muito respeito aos casais com que saía
e, por sempre deixar claro que se sentia atraída por Edgar, através
de brincadeiras, resolvi propor a ela um presente por nosso
aniversário de casamento para Edgar: uma noite de motel com nós
duas.
— Nem pense em marcar qualquer coisa hoje. Consegui uma
reserva em um restaurante difícil!
— Já vou te deixar triste, então. Não poderemos ir. Marquei outra
coisa para nós — abracei Edgar e dei um beijo em seus lábios.
— Camila, Camila… O que você aprontou? Não é justo!
— Uma noite entre nós e um bombom trufado maravilhoso!
— Mentira? Jura, que você marcou com a Docinho?
— Sim! — Sorri com cara de sapeca.
— Nem sei o que dizer — apertou os lábios — será que eu dou
conta? Caramba, o que é uma fondue nessa disputa?
— Resolvi marcar com ela, pois a afinidade de vocês foi
construída com o tempo, e sei que você sente confiança nela. Tem
muitas chances para dar certo! Engraçado que antes da Voluptas ela
não era bi… — ri.
— Nossa sociedade muda as pessoas…
— Sim, verdade... Estou ansiosa!
Quando a noite chegou, Edgar estava apreensivo, mas muito
excitado, pois seria a primeira vez que estaríamos com uma mulher
solteira que acabou tornando-se uma amiga com o tempo.
Buscamos Alice em seu apartamento e fomos no mesmo carro ao
motel. Ed, muito tímido, tentava disfarçar a ansiedade, e durante
todo o caminho não perdemos uma única oportunidade de provocá-lo
com brincadeiras. Ele estava excitado, feliz e eufórico ao mesmo
tempo, sentindo-se um jovem adolescente a caminho da primeira
transa.
— Quero que você aproveite completamente cada detalhe de hoje.
— Passei a mão entre as pernas de Edgar, que já estava com
ereção.
Ele mal podia imaginar que ela seria, de fato, o melhor bombom de
toda sua vida.
Alice, ou Docinho, como a chamamos, é uma preta cheia de curvas
que encanta por sua leveza. Sabe chegar com jeito, sabe se portar e
conduz qualquer conversa de forma culta sem ser arrogante;
simplesmente encantadora.
Nessa conversa a três, com um pouco de nervosismo por parte de
Edgar e olhares maliciosos de nossa parte, nos sentamos na cama,
que ficava próxima da piscina.
Mãos se tocando, o clima esquentando, sorrisos fáceis e uma
afirmação a queima-roupa:
— Vou beijar o Ed, Cá.
Edgar flutuou.
Beijando-a e sendo acariciado por mim, depois me beijando
enquanto era acariciado por ela, sentia o corpo de Edgar ficar em
brasas.
Tirei minha roupa, mostrando meu corpo a Edgar, e tirei, na
sequência, sua camisa e sua calça para que ele encostasse seu
corpo ao delicioso corpo dela, que ele próprio já havia despido. Entre
nós, Edgar aproveitava cada suspiro, beijo, carícia e textura, até
que, juntos, começamos a beijar os seios dela e sentir nossos
corpos mais livremente.
Enquanto ele beijava Alice, comecei a chupá-lo e, vendo isso, ela
desceu ao meu lado para que juntas pudéssemos proporcionar o
máximo de prazer a ele.
Passava a língua de um lado, ela lambia do outro. Quando ela
chupava sua glande, eu passava minha língua mais para baixo.
Alternávamos as lambidas em Edgar com beijos quentes e carícias
intensas.
Excitadíssimo, nos colocou de joelhos na cama e começou a nos
acariciar por trás, nos fazendo molhar suas mãos e, em êxtase,
começou a nos lamber alternadamente.
Coloquei o preservativo nele com a boca e Alice, delicadamente,
montou sobre ele, cavalgando e rebolando enquanto eu abria minhas
pernas sobre sua boca para que ele me chupasse. Gemendo com a
boca em mim, Edgar explodiu em um orgasmo intenso, e
continuamos nós duas até alcançarmos o clímax.
Ficamos na cama conversando abraçados, curtindo cada segundo
daquela intimidade.
Resolvemos jantarmos e, após muitas conversas agradáveis,
fomos os três para a Jacuzzi, despretensiosamente.
Seria difícil para Edgar se controlar com duas mulheres nuas
naquela água quente, que se esfregavam nele. Começamos a nos
beijar e novamente a tocar Edgar, que já estava enlouquecido de
desejo. Estávamos tendo nosso ideal de transa perfeita: todos
envolvidos, desejando-se mutuamente, com muita reciprocidade
explícita, sem tabus ou amarras.
Decidi fazer diferente. Fui para a piscina e deixei-os sozinhos
ferverem de tesão na Jacuzzi; Alice começou gemendo fraquinho,
meio rouco, enquanto ele a tocava; ela o retribuía masturbando-o
com uma pegada firme, alternando com movimentos suaves que o
deixaram completamente inebriado. Os gemidos deles agora eram
altos.
Vê-los sentir prazer aumentou ainda mais minha libido, me
incentivando a tocar-me na piscina enquanto os assistia. Ao ver que
eu me masturbava motivada pelo seu próprio prazer, não resistiu e
trouxe Alice para a piscina.
Começamos a nos beijar e novamente ambas começamos a tocá-
lo. Ele nos segurou debaixo d’água pela cintura e nos fez sentar em
suas pernas, uma em cada, enquanto apertávamos e nos
esfregávamos deliciosamente nele.
Era tanto beijo molhado, tanto toque quente, tanto gemido, que
Edgar nos fez um pedido:
— Parem, por favor, pois se continuarem assim, vou gozar aqui
mesmo…
Alice o ignorou. Pegando ainda mais forte, o masturbou com a
firmeza necessária, sem apertar e nem afrouxar, enquanto nós duas
esfregávamos nossas partes íntimas nas coxas de Edgar. Não
conseguindo segurar, gozou mais uma vez, deliciosamente…
Nos entreolhamos de forma maliciosa e tivemos um sentimento
comum: a satisfação pela química e reciprocidade que aconteceu
entre nós naquela noite. Esse é o nosso segredo de uma noite de
sexo liberal de sucesso, e a chave para que isso aconteça é não ter
pressa, deixando que a afinidade de cada encontro se torne cada
vez maior.
Nada como uma boa dose de intimidade...
Capítulo 23

Quem você seria se você fosse você?

“Diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um


imenso prazer para mim dividir um planeta e uma época com
você.”
Carl Sagan
Eram 23h30 quando as luzes todas da mansão se apagaram e
uma sirene incômoda tocou. Todos ouviam a voz de uma mulher que
declamava um poema de Clarice Lispector, Se eu fosse eu, sem
saber de onde. Entrei na sala de vestido longo, com um véu
transparente, usando uma máscara italiana e sentei-me em um
enorme sofá de veludo azul que estava no centro. Refletindo cada
palavra que saía pelo som que tomava os arredores da represa que
estava bem à nossa frente.
A mansão era poderosíssima. Para chegar até ela era preciso
pegar uma estrada de terra até um ponto de encontro. Os membros
estacionavam seus carros e seguiam até o local com nosso chofer.
De vários cômodos podia-se ver a represa, que acabava tornando-se
parte da decoração da festa. Mesmo sendo muito afastada,
conseguíamos, ver de longe, pequenas luzes de outras casas do
outro lado da margem e de alguns barcos que refletiam na água
A voz dizia: “Experimente: se você fosse você, como seria e o
que faria? Logo de início se sente um certo constrangimento: a
mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar
onde se acomodara. No entanto, já li biografias de pessoas que de
repente passaram a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de
vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me
cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria
mudado. Como? Não sei. Metade das coisas que eu faria se eu
fosse eu, não posso contar. E se eu fosse eu daria tudo que é meu,
e confiaria o futuro, ao futuro.”
Todos ouviam as palavras de Clarice com atenção. Emocionada,
sentia em meu coração cada palavra daquele poema.
“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de
viver, parece a entrada nova no desconhecido. — Emocionava-me
com cada palavra — mas também, seríamos por vezes tomados de
um êxtase de alegria tão pura e legítima que mal posso adivinhar.
Não; acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me
senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem
diante de tudo o que é grande demais”
Escolhi esse poema, pois tira-nos de uma complexa zona de
conforto — será que alguém se colocou nesse lugar de fala? Será
que alguém chegou a se questionar: Quem eu seria, se eu fosse
eu? — Através de minha máscara, tentava perceber as expressões
de todos que aguardavam ansiosos por qualquer novo movimento.
Descendo as escadas da mansão seminua ao som de Chandelier
da cantora Sia, todos abriam espaço para a esposa do conhecido
casal Lulu. Passando lentamente por todos, com seus movimentos
leves, ela os observava com um olhar sedutor permitindo que todos a
observassem também. Ela para, então, em minha frente, pega em
minhas mãos e me levanta do sofá.
Lu é uma mulher de baixa estatura, com curvas torneadas e
definidas por causa do mundo da dança. Excelente acrobata, junto
com seu esposo, performam em apresentações no circo e pole
dance que encantam a todos que assistem. Como se tivéssemos
ensaiado, dançamos juntas. Dominadas pela mágica da noite e
inspiradas pelo poema que nos antecedeu, tirei minha máscara e nos
beijamos diante de todos. Pensei: “se eu fosse realmente eu”, assim
como nos pensamentos de Clarice, não veria problema algum em me
entregar para ela que é fisicamente oposta a mim; nem teria mais
vergonha de ser como sou — se eu sou grande demais para ser
levantada, então eu que a levantarei! — Colocando-a em meu colo,
sem perder a sensualidade, nos beijamos enquanto todos aplaudiam.
Parece uma coisa simples, mas significou muito para mim, pois
uma de minhas maiores frustrações é nunca ter sido pega no colo
para um beijo ou durante o sexo. Em filmes pornográficos me
chamava atenção as mulheres no colo dos homens sendo
penetradas, e ver, também, meu marido pegando no colo algumas
mulheres, me causava certo incômodo. Naquele momento em que
peguei Lu no colo, fiz as pazes comigo, pois compreendi que não há
mal nenhum em sermos diferentes e entendermos nossas limitações.
São nossas características que nos diferenciam de outras pessoas
e, aposto, que ela nunca havia sido pega no colo daquela forma por
uma mulher; isso nos faz únicas.
Para obter acesso à piscina da mansão era preciso descer uma
escadaria de pedras. Grande, muito funda e iluminada de azul por
um holofote, se destacava da escuridão das águas da represa, ao
fundo. Todos permaneceram no piso superior, conseguindo ver tudo
do terraço como se estivessem em um camarote.
Descemos só nós duas pelas escadas onde seu esposo a
aguardava com tochas acesas e, ao som de um rock pesado, ela fez
um show de pirofagia. Lançava enormes labaredas de fogo, que
refletiam na água da piscina, na represa e no coração de todos que
estavam ali.
Parada em uma ponta da piscina e ela na outra, éramos dois
paradoxos que se encontraram diante de mais de duzentos casais
que nos assistiam, percebendo nossas diferenças e nossa poesia.
Olhava para cima e via as máscaras que me observavam, os rostos
audaciosos daqueles que se expunham por convicção e o semblante
surpreso dos que viam algo tão diferente no mundo swinger pela
primeira vez.
Fechei meus olhos. — Se eu fosse eu, eu não teria vergonha de
ser como eu sou. Soltei a alça de meu vestido e fiquei totalmente
nua diante de todos. Naquele momento eu não pensei que me
julgariam de alguma forma, nem pela aparência ou pelo pouco pudor.
O que importava era que, naquele momento, eu finalmente pude ser
eu!
Gritei com a maior força do meu pulmão:
— Vocês podem deixar de sentir vergonha de quem são? Podem
começar a dar valor as características de vocês?
O som deu a última batida e mergulhei nua na piscina da mansão
aos gritos de toda sociedade, que repetia uníssona meu nome.
Quando eu mergulhei naquela profunda piscina, sob a água, não
conseguia ouvir mais suas vozes, gritos e assobios; só ouvia aquele
ruído abafado de quando estamos submersos e afundei em meus
pensamentos, lembrando de tudo que me levou até aquele momento,
enquanto mergulhava para o desconhecido — eu fiz, pois se eu
fosse eu, eu entregaria o futuro ao futuro! — Atravessei a piscina
por baixo da água, me sentindo completamente corajosa, forte e
finalmente livre.
Quando emergi, estava rodeada de amigos, admiradores, e ali,
naquele momento que era só meu, não tinha mais espaço para o
medo e nem para aquele certo pudor que Clarice descreveu, diante
de tudo que é grande demais!
Muitos, inspirados pelo momento, pularam na piscina deixando de
lado os vestidos luxuosos, as máscaras e qualquer etiqueta. Edgar,
sorrindo, me olhava de longe orgulhoso de ver até onde eu havia
chegado.
— Vem cá! — Chamei ele com as mãos.
Ele tirou sua roupa e me encontrou na piscina, e como se
estivéssemos sozinhos em nossa lua de mel, fizemos amor à luz do
luar.
Os quartos da mansão serviram de palco para ménages, trocas
de casais, exibicionismo e sexo grupal. Quem não quis entrar nas
áreas de interação se entregou à amizade, à dança e à
comemoração daquela noite transcendental que rompeu a maioria de
todos os tabus que eu já conheci um dia. Todos na maior sintonia,
veteranos e iniciantes, brindando aquela noite de verão. Fomos do
crepúsculo à aurora durante dezesseis horas ininterruptas da festa
Carnevale di Venezia, e o que era para ser somente um baile de
máscaras de uma sociedade secreta swinger, se transformou em
uma aula de empoderamento e liberdade.
Quando a noite começava a ir embora, tomamos um café da
manhã juntos e assistimos ao nascer do sol na beira da represa,
casais e solteiros, como se ainda tivéssemos 19 anos durante uma
viagem em algum acampamento. O DJ aumentou ainda mais o som
que tocava Wake me Up do Avicci, enquanto víamos o sol nascer
majestoso, iluminando as águas e trazendo a vida dos pássaros de
volta. Fizemos um brinde e quem estava longe conseguia ver
somente nossas silhuetas contra a luz do sol — que memória
teremos!
A Voluptas só tem crescido e se tornado essa grande família, pois
somos compostos de pessoas que realmente se preocupam umas
com as outras, que pensam no próximo antes de pensarem em si e
que compreendem o sacrifício de fazer um evento desse porte.
O sentimento de todos nós naquele momento era de gratidão, pois
viver a vida é como um piscar de olhos cheio de boas lembranças,
mas, quando menos se espera, já passou. Todos os que
participaram daquela noite poderão dizer que viveram tudo aquilo de
forma intensa!
Antes eu vivia como se tivesse que me mascarar durante a noite e
retornar para a realidade durante o dia. Naquela manhã eu dei as
mãos para a Dama e pude entender que somos uma parte da outra
e que não seria mais preciso que ela se escondesse sob o sol.
Abraçados como se ainda fossemos os mesmos, Camila e Edgar
de 18 anos atrás, nos olhamos e, sem dizer absolutamente nada,
sorrimos, pois percebemos a grandeza de tudo aquilo que criamos.
Estava grata por não sentir ódio, grata por me perdoar e perdoar
todos aqueles que me feriram de alguma forma. Comecei uma nova
história de vida, incomum, surpreendente e que não cabia a bagagem
pesada do meu passado. Nessa estrada só tinha espaço para nós
duas, lado a lado, Dama e eu, sem malas.
Nesses primeiros anos de Voluptas fizemos incontáveis festas,
diversas histórias de sexo liberal, milhares de casais e singles que
conhecemos, encontros surpreendentes, discussões acaloradas,
muito aprendizado e muita revolução swinger, tudo guardado em meu
coração, que acabou tornando-se um enorme baú de lembranças da
Dama de Espadas. Espero brevemente abri-lo para contar outras
melhores e piores experiências que tivemos, dentro e fora da
Voluptas, mas em um novo livro, pois este foi uma longa e complexa
viagem por mim.
O que a Dama significa para mim?
Ela trouxe-me equilíbrio quando me ensinou a navegar no meu
próprio infinito. Sem culpa ou medo, me mostrou ser possível flutuar
entre dualidades e que podemos viver de forma simultânea novas
relações, uma sexualidade livre, seguir cumprindo com deveres
sociais e tornar possíveis nossas fantasias, nem que, para isso,
precisemos criar uma outra versão de nós mesmos para viver todas
estas.
Só porque a vida é única não significa que ela não possa
recomeçar quantas vezes forem necessárias.
Sobre a autora

Camila Voluptas

Palestrante, escritora e apresentadora do SexlogTV, auxilia casais


conservadores e liberais a encontrarem a plenitude através da
lealdade, da ética e da sexualidade livre.
Camila Voluptas é paulistana, nascida em 1983. Formou-se
inicialmente como gráfica em pré-impressão pelo SENAI, cursando
depois o superior de Tecnologia Gráfica. Após um casamento
violento, tóxico e um divórcio muito conturbado, embarcou em uma
jornada intensa de autoconhecimento. Casou-se pela segunda vez
com seu melhor amigo da juventude e ao seu lado descobriu um
novo estilo de vida. Depois de uma profunda desconstrução,
encontrou no universo da sexualidade liberal uma nova identidade.
Fundou, em 2017, a maior sociedade secreta swinger do Brasil.
Na Mídia
Ouça aqui Podcast NÓS | Trovão Mídia | Série original Spotify
Apresentadoras: Roberta Martinelli e Sarah Oliveira | Ep.5 Não
existe pecado ao sul do equador, 7 de junho de 2021.
Campos Almeida, Fernanda. “Criamos uma sociedade de swing
secreta.” Veja São Paulo, 28 de outubro de 2020,14-15, Edição
2710.
Acesse a matéria Campos Almeida, Fernanda. “Criamos uma
sociedade de swing secreta.” Veja São Paulo, 23 de outubro de
2020. Acessado em 22 de julho de 2021
Acesse a matéria Sato, Mayumi. “Sociedades secretas do sexo:
sim, elas existem!” Universa Uol, 11 de outubro de 2020. Acessado
em 22 de julho de 2021.
Acesse a matéria Universa Uol. “Você pensa que swing é troca de
casais? Entenda mais sobre o assunto.” 24 de agosto de 2020.
Acessado em 22 de julho de 2021.
Acesse a matéria Sexoterapia. “Saí de um relacionamento abusivo
e criei uma sociedade secreta de swing.” Universa Uol, 21 de agosto
de 2020. Acessado em 22 de julho de 2021.
Acesse a matéria Nascimento, Caio. “Usuários de Apps de
paquera se reinventam na quarentena para driblar a carência” O
Estado de São Paulo, 11 de abril de 2020. Acessado em 22 de julho
de 2021.
Acesse a matéria Bertho, Helena. “No mundo do sexo liberal
aprendi a amar meu corpo gordo.”, Revista Marie Claire, 30 de
outubro de 2018. Acessado em 22 de julho de 2021.
Email: contato@thesecretcompany.com
Site: www.editorasecretpress.com
Versão impressa: www.camilavoluptas.com
Fotógrafo: Guigo Sipam | Casamento Camila & Edgar
“Nas curvas existe poder pois é através delas também que
carregamos história. Estradas de altos e baixos, de idas e partidas.
De nascimentos! Elas aumentam, elas diminuem e em muito dos
casos e pessoas nunca jamais deixam de existir; e com o tempo até
se transformam em algo que muitas vezes nós gostamos ainda
menos. Com o tempo nosso coração endurece e nossa pele toma o
rumo contrário. Até para os homens: o que era terno fica duro e
depois a coisa se inverte (literalmente). O tempo é realmente
implacável!”
Camila Voluptas

Pessoas adeptas do universo liberal que vão sozinhas à encontros.


Prática do sexo no mesmo ambiente entre dois ou mais casais, podendo
trocar ou não de parceiros.
Abuso psicológico na qual informações são distorcidas, seletivamente
omitidas para favorecer o abusador com a intenção de fazer a vítima duvidar
de sua própria memória, percepção e sanidade.
Um influencer digital é alguém capaz de influenciar pessoas através da sua
produção de conteúdo nas redes sociais.
O squirt é uma expulsão de grandes quantidades de líquido ejaculatório e é
o equivalente à ejaculação feminina, sem cor ou cheiro.
Remédio para ajudar na ereção.

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