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O Rio Paraíba do Sul, que corta nossa região, tem seus mitos e suas lendas.

Como qualquer
rio importante desse planeta. Até hoje, em pleno século XXI, as pessoas humildes, que vivem
nas margens do rio, repetem relatos sobre monstros e seres fantásticos que viveriam
escondidos naquelas águas barrentas e escuras. Cresci ouvindo essas histórias e achava que
ninguém se lembrava mais delas até ouvir uma dessas lendas sendo repetida por um pescador
lá da minha cidade, no último fim de semana.

‘Ururau’
Minha avó morou na margem do rio durante boa parte de sua vida. E falava no “ururau”. Um
jacaré enorme que morava em um trecho profundo do rio, na extremidade de uma das ilhas
que ficam em frente a cidade de Pinheiral. E se alimentava de galinhas, que eram comuns nos
quintais das casas da margem do rio. Eu tinha uns sete, oito anos de idade, e passava as férias
de verão e inverno em Pinheiral. E sempre ouvia a história das galinhas que se aproximavam
muito da margem e desapareciam. Deixando só um monte de penas na superfície. Isso não
intimidava muito a garotada.
Continuávamos brincando no pomar que ficava na margem do rio e nunca surpreendemos o
enorme jacaré, o lendário “ururau” tomando sol na margem. Ele devia ter algum problema de
pele. É claro que algumas lendas tem um fundo de verdade.

‘Caboclo d’água’
A fauna do Rio Paraíba inclui alguns pequenos jacarés de papo amarelo. Mas nada das
dimensões do verdadeiro crocodilo que comia as galinhas da minha avó. Mais fantástico era o
“caboclo d’água” uma espécie de humanoide aquático que atacava pescadores incautos. Tinha
um sujeito em Pinheiral que afirmava ter cortado a mão da criatura e guardado como troféu.
Não sei que fim levou, mas foi essa história que ouvi sendo repetida no último fim de semana.
O caboclo d’água não é exclusivo do Rio Paraíba. Ele faz parte do folclore de outras regiões. O
fato é que essa lenda é tão popular que foi parar em Hollywood, aí no início da década de
1950. E deu origem a um clássico da cultura pop, o filme “O Monstro da Lagoa Negra” do
diretor Jack Arnold. Que passou muitas vezes no cinema de Pinheiral.
O filme é de 1954 e foi um dos primeiros rodados no processo original de 3D. Mas não passou
em terceira dimensão em Pinheiral, o cine Odeon não tinha equipamento para isso. O fato é
que eu e os outros garotos vimos o filme e saímos do cinema com a certeza de que os
americanos tinham “roubado” o nosso caboclo d’água. O roteiro de Harry Essex começa com
um grupo de pesquisadores americanos chegando ao Rio Amazonas. Entre eles está a bela
bióloga Kay Laurence (Julia Adams). Eles viajam de barco até uma lagoa profunda, de águas
cristalinas, onde a mocinha cisma de nadar usando um maiô branco bem ousado para aquela
época.
O monstro, que vive no fundo da lagoa, fica apaixonado pela moça. E tenta sequestra-la para
desespero do seu noivo, o líder da expedição. A criatura é um humanoide cheio de escamas,
com guelras, muito semelhante à criatura que vivia no Rio Paraíba da nossa infância. Mas a
Julia Adams nunca ia nadar nas águas barrentas do Paraíba, daí que eles transferiram a
história para a Amazônia. Uma pena, Pinheiral podia ter ficado famosa mundialmente.
Atualmente, as capivaras
proliferam no rio
Hoje em dia essas lendas só são lembradas por pessoas com mais de 50 anos. O Rio Paraíba
não é mais aquele rio profundo e caudaloso que a minha geração conheceu. E não dá mais
para sonhar com criaturas estranhas vivendo naquelas águas sujas e cheias de esgoto
doméstico. Ótimo para as capivaras, que proliferam e estão virando uma verdadeira praga.
O que me leva a lamentar que não exista mesmo aquele imenso jacaré das estórias da minha
avó.
Quanto ao caboclo d’água, esse deve ter se mudado para águas mais limpas.

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