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Sabrina Sato, rainha de bateria da Gaviões da Fiel, foi atacada por fantasia
Imagem: Ricardo Matsukawa / UOL
O Carnaval chegou e com ele uma série de ataques de fanáticos religiosos contra algumas representações de escolas no Anhembi e na Sapucaí.
Duas dessas vítimas foram Sabrina Sato e o Salgueiro.
Engana-se, porém, quem acha que foi a Bíblia que introduziu esse conceito à cultura ocidental. As origens datam de muito antes do surgimento das
letras gregas e latinas. Foi com a intenção de explorar essas raízes que
P U Bum
L I C I Dtime
A D E de especialistas passou a oferecer a disciplina "Representações do
inferno: de Homero aos contemporâneos" no curso de pós-graduação em Estudos Literários da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). ASSINE
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Desde quando se fala em inferno? O conceito de "outro mundo", antes mesmo de ser nomeado assim, era explorado a partir da ideia da viagem ao
mundo dos mortos. Na "Odisseia" (século 7 a.C.), há a menção à katábasis de Ulisses no canto 21. No livro 4 da "Eneida" (século 1 a.C.), também
acompanhamos o descensus de Eneias. Parece que, nas duas obras, a inspiração foram registros mesopotâmicos do século 21 a.C.
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No romance 'Fim da Infância', adaptado para a TV a Terra é invadida por alienígenas que se assemelham ao diabo cristão
Imagem: Reprodução
E o que era o lugar dos mortos? No poema mesopotâmico "Ana Kurnugê, qaqqari la târi" ("Ao Kurnugu, terra sem retorno: descida de Ishtar ao
mundo dos mortos"), traduzido do acádio para o português por Jacyntho Lins Brandão, em 2019, o mundo dos que partiram é um "lugar de inanição,
reclusão, silêncio e escuridão, do qual ninguém pode retornar", explicam os professores da Unifesp.
Mas o que acontecia lá? Ao descer no submundo, Ishtar provocou um abalo cósmico e causou o fim do ciclo de renovação da vida que se dá por
meio da fecundação. Em outras palavras, a condição própria dos mortos (a impossibilidade de procriação) se estendeu aos vivos, afetando,
inclusive, a tranquilidade dos deuses. Aos nossos olhos, calcados na cosmologia cristã, em que há uma separação entre o mundo sensível e o
transcendental (isto é, o plano divino e o plano mortal), o poema pode parecer estranho, mas ele traz à tona algo que ainda aparece na literatura, nas
artes e na religião, até hoje.
E o inferno, onde é que entra? A ideia de um lugar ruim, para onde serão levados os que foram maus em vida, é fruto de um intenso sincretismo de
ideias e concepções religiosas anteriores ao surgimento do cristianismo — especialmente o Zoroastrismo, religião dualista da região da Antiga
Pérsia. Guiados por Nabucodonosor, os babilônios foram parar em Jerusalém (587 a.C.), onde realizaram saques, destruíram o templo e deportaram
parte da população local. Nesse período, israelitas vivendo na Babilônia tiveram contato com diferentes lendas e tradições mesopotâmicas, como as
encontradas na "Epopeia de Gilgamesh". Na obra, o mundo dos mortos é descrito como um reino de pó e das trevas, o que lembra a caracterização
do Sheol judaico, apresentado como uma grande tumba cavernosa situada nas profundezas da Terra.
Mas "mundo dos mortos" é inferno? A partir desse momento, não. Segundo os professores do curso da Unifesp, antes do exílio babilônico, os judeus
provavelmente não concebiam uma divisão entre céu e inferno. Só depois alguns deles passaram a crer na ideia de um juízo final, defendido
principalmente pelos fariseus (nome dado a um grupo de judeus surgido no século 2 a. C. que defendia a Torá, os ensinamentos contidos nos cinco
primeiros livros da Bíblia). O Zoroastrismo influenciou fortemente o judaísmo no que se refere a ressureição, juízo final, a vinda de um Messias e a
dualidade e luta entre o Bem (Aúra-Masda) e Mal (Arimã). A doutrina sobre a divisão entre os bons e os maus após a morte, e até de uma espécie de
purgatório (entre os zoroastristas, "Hamestagan") para os que cometem bons e maus feitos, também vem daí.
Essa é a ideia que os cristãos absorveram? Sim. O conceito de inferno como lugar de castigo é bastante delineado a partir do Novo Testamento
bíblico, e de maneira ainda mais intensa nos textos apócrifos. Nos evangelhos e cartas dos apóstolos, aparece a ideia de um lugar de fogo,
tormentos e de "choro e ranger de dentes". O inferno também passa a ser associado à figura de Lúcifer, que, expulso do ambiente celestial, acabou
se tornando o maior inimigo dos cristãos e o responsável por precipitá-los no fogo eterno.
Então ele é uma construção narrativa plural? Sim. Inferno e o demônio se tornaram assunto de interesse entre importantes autores cristãos na Idade
Média, como São Jerônimo, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Tentações do Maligno se tornaram lugar-comum nos textos hagiográficos que
narram, em prosa e verso, a vida dos santos. Apesar de todo esse histórico, o escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321) foi um dos primeiros
autores a criar um quadro mais bem acabado do inferno. Isso, no entanto, só foi possível porque o escritor, de fato, revisitou obras e tradições
variadas e sincréticas.
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Como ele ganhou chifres e rabo? Miscelânia explica. Gravuras e textos da Igreja acabaram criando uma estética específica da criatura do mal com
cauda, chifres, garfo e características que dialogam também com o credo de povos pagãos, como celtas, latinos e nórdicos. "Buscou-se, com êxito,
dar uma forma mais ou menos invariável a Satã e aos muitos nomes da legião demoníaca como alvo a ser combatido com maior energia e precisão
pela fé, evitando a dispersão dos fiéis e o eventual enfraquecimento e perda de poder, prestígio, terras e dinheiro pela Igreja", explicam os
professores.
Como a cultura pop absorveu esse imaginário? Artistas como Black Sabbath, Iron Maiden, Marilyn Manson, ou mesmo filmes como "O Sétimo Selo",
"O Exorcista", "O Bebê de Rosemary" ou ainda o recente seriado "Lúcifer" trouxeram maior "carnadura" ao diabo. Em outros casos, como no seriado
"Chaves", Satanás se torna o nome do cachorro da Bruxa do 71 — vira figura cômica, em vez de uma referência de pavor. "Esse estado de coisas
permite dizer que tanto as figuras que pregam 'o bem' como as criaturas que, supostamente, induzem ao mal foram, felizmente, dessacralizadas e
passaram a ser tratadas — para mais ou para menos — como aquilo que eram na origem das religiões ocidentais: mitos", comentam os docentes.
O inferno é aqui, mesmo? A representação do inferno ou do mundo dos mortos nunca foi definitiva. Assim como a concepção atual de inferno não
existia antes do cristianismo, o futuro está em aberto: Arthur C. Clarke, na ficção científica "O fim da infância" (1953), fala de uma Terra invadida por
alienígenas que, curiosamente, se assemelham à figura do diabo — a novidade é que eles trazem paz e prosperidade ao mundo. Em "A Invasão
Divina" (1981), de Philip K. Dick, a humanidade é governada por um demônio e Deus está exilado em outro sistema planetário, de onde busca
resgatar sua soberania original. Obras distópicas como "O Conto da Aia" (1985), de Margaret Atwood, exploram o inferno no sentido de uma
realidade infernal. Talvez nosso inferno contemporâneo não esteja em um outro plano astral, mas nos bots das redes sociais e nas caixas de
comentários.
Salgueiro
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Zô Guimarães/UOL
Fontes: professores Cleber Felipe, Francine Weiss Ricieri, Jean Pierre Chauvin, Lavinia Silvares, Marcelo Lachat e Thiago Maerki, que lecionam
sobre Representações do Inferno na pós-gradução em Estudos Literários da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
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