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Essa busca de um posicionamento de separação é perceptível já em um primeiro contato com
a estética de um terreiro em que a ausência de símbolos católicos é facilmente verificável.
de problemas da vida material e espiritual. Capone chama atenção para o fato
de que
Nos séculos XVI e XVII, diabos, diabas e diabinhos povoaram a vida
cotidiana dos colonos, como se fossem divindades domésticas e
inofensivas. Ainda que soubessem que o ‘comércio’ com esses
diabinhos quase humanos era ilícito. Os habitantes das colônias não
deixavam de invocá-los a cada dificuldade encontrada na vida
cotidiana (2004, p. 95).
Isso não quer dizer que não haja elementos diacríticos que permita,
dentro do contínuo, perceber as especificidades entre as religiões.
Para esse artigo a percepção do culto da macumba como elemento que
merece ser percebido com uma especificidade de modalidade religiosa, que
continua sendo praticado no século XXI, e a percepção disso para um melhor
entendimento do contínuo religioso afro-brasileiro atual e, indo além, sua
relação com outras religiões no campo religioso brasileiro.
A macumba-umbanda
A variedade de religiões acima expostas foi proposta como parte de um
mesmo todo pela primeira vez por Arthur Ramos ainda na primeira metade do
século XX (2001). Para ele as religiões se apresentam organizadas a partir de
uma pureza a um “crescente sincretismo”:
1º. Jeje-nagô
2º. Jeje-nago-muçulmi
3º. Jeje-nagô-muçulmi-banto
4º. Jeje-nagô-muçulmi-banto-caboclo
5º. Jeje-nagô-muçulmi-banto-caboclo-espírita
6º. Jeje-nagô-muçulmi-banto-caboclo-espírita-católico
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Coube aos africanos e descentes residentes no Brasil, oriundos da costa ocidental do
continente africano de reinos como o Daomé e Iorubo e o processo de escravidão resultante
dos conflitos envolvendo grupos dessas regiões e europeus, EXPLICAR A ORIGEM DESSE
GRUPO.
misturados, impuros, sincréticos e como tal degenerados. Sobre os bantus
Nina escreve
Essa visão interna seria composta por intelectuais como Nina Rodrigues,
Artur Ramos, Manuel Querino, Edson Carneiro, Roger Bastide, dentre outros,
que vê na inferioridade biológica ou cultural do africano e seus descendentes
uma explicação para as formas como se apresentam suas expressões
religiosas. Filtradas dessas análises surgem categorias como as de
superioridade e inferioridade; inferioridade e pureza; pureza e impureza;
impureza e mistura; mistura e sincretismo; sincretismo e degenerescência.
Um segundo grupo, já pertencente à “visão externa” é composto por
acadêmicos que apresentam uma forte crítica ao grupo anterior. Suas análises
podem ser verificadas em três de seus expoentes: Peter Fry, Ivone Maggie e
Beatriz Gois. O elemento comum na crítica desse grupo é a denúncia da
improcedência de uma pureza nagô e de uma busca infundada de Áfricas no
Brasil, apresentada como elementos estruturais no primeiro grupo.
Um terceiro grupo, ainda pertencente a ”visão externa”, adjetivada de
“visão crítica” (GOLDMAN, 2009, p. 106) se apresenta como críticos das duas
posições anteriores que parecem ter vergado o bambu teórico de um extremo
ao outro. Goldman propõe como representantes de grupo Ordep Serra e
Gabriel Banaggia. Creio ser possível inserir Sérgio Ferreti, Patrícia Birman
(1997), o próprio Goldman (2009), além de Stefania Capone (2004) que o autor
prefere identificar com o primeiro grupo. Como observa Goldman esse terceiro
grupo faz uma análise crítica aos dois grupos anteriores colocando suas
análises em uma abordagem externa e crítica destacando o lugar e as
abordagens que os pesquisadores utilizaram de bases em seus trabalhos e os
problemas daí resultante3.
Para fins desse artigo merece destaque alguns elementos da “visão
crítica” em que, segundo um dos seus representantes, quando das análises
acadêmicas sobre as religiões afro-brasileiras afirma que uma parte acaba por:
(a) [re]produzir uma “minimização da presença dos negros na História, a visão
dos negros (ou do povo-de-santo) como gente sem história”; (b) uma “tentativa
de apartá-los da sociedade brasileira, convertendo-os em seres exóticos; e (c)
3
Sobre essa questão ver: BANAGGIA, Gabriel. Inovações e controvérsias na antropologia das
religiões afro-brasileiras. 2008. 217 f. (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
religioso, perceber suas especificidades em relação as suas congêneres de
contínuo e perceber suas estratégias nesse campo religioso. Perceber outro
segredo de uma mesma macumba.
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Um estudo mais aprofundado sobre esses personagens na macumba do município de Dourados – MS
foi produzido por Rodrigo Casali na dissertação Quando os baianos se pintaram de Dourados.
Uma outra divisão dentro do universo umbandista é a que opõe os
espíritos em duas categorias: de esquerda e de direita. Apesar de
dicotômica, não é menos complexa que a divisão por linhas. Trata-se
de uma categoria moral: a direita representa o bem, a esquerda o
mal, não obstante uma e outra recebam interpretações variáveis
(1996, p. 202-203).
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O quadro apresenta quatro colunas (guias, sem destaque, com destaque, totais) distribuídas,
respectivamente, dessa forma: Caboclos / 54 / 25 / 79; Pretos Velhos / 63 / 5 / 68; Baianos / 47 / 14 /
61; Exus / 58 / 01 / 59; Pombas Giras / 55 / - / 55; Crianças / 50 / 01 / 51; Boiadeiros / 37 / 04 / 41; 27 /
01/ 28; Oguns / 20 / 03 / 23; Zé Pilintras / 09 / 06 / 15; Ciganos / 13 / 01 / 14; Médicos / 13 / 01 / 14.
Bahia ô Africa, vem cá nos ajudar
Bahia ô Africa, vem cá nos ajudar
Força baiana, força africana, força divina
vem cá
vem cá
Tà na hora do seu dendê
Se ele é baiano é que eu quero ver
Ele é baiano
Ele é feiticeiro
Ele é Baiano
Ele é Baiano de terreiro
Ele é Baiano
Ele é Baiano feiticeiro
Com a sua faca na sintura desafio
Com um balaio pra salvar todos meus filhos
Eu vim de Caculé
Come minha farofa e dança meu candomblé
Também compartilham do pertencimento ao seleto grupo nagô
Se ele é Baiano
ele é Baiano feiticeiro
Baiano bom quebrador de macumbeiro
com minha faca na sintura eu desafio
trago um balaio pra salvar todos meus filhos
São do Catimbó
Vamos baianada
Pisar no catimbó
Amarrar os inimigos
Na pontinha do cipó
São da Jurema
Ela É Da Bahia
Ela É Da Jurema
Saravá Sá Baiana
Ela É Açucena!
São tradicionais como Maria Bonita. Mas também podem ser outras Marias
O mar roncou
E as terras tremeu
O mar roncou
E as terras tremeu
Quem pode mais que os baianos
Só Deus só Deus
Quem pode mais que os baianos
Só Deus só Deus
Mas servem de ponte para que eles ‘pisem na macumba’. É assim com
um dos personagens mais fronteiriços do panteão afro-brasileiro: o “seu Zé
Pelintra”. Entidade que se manifesta em religiões como o catimbó, a jurema e
na umbanda em gira de exu, encontra guarida na gira de baiano e, em alguns
terreiros se apresenta como um baiano.
Tranca-ruas e zé pilintra,
São dois fiéis companheiros
Tranca-ruas no caminho e
Zé pilintra no terreiro.