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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas questões que estão sendo
discutidas na pesquisa intitulada “ Dois Mundos: entre o pragmatismo da Umbanda e o
Salvacionismo Espírita – Um Estudo de Caso”, no intuito de propor um diálogo com o
pensamento de alguns autores da Antropologia Clássica, demonstrando como o
conhecimento teórico pode contribuir com a pesquisa que esta sendo desenvolvida, e em
como o campo empírico pode demonstrar a complexidade e a versatilidade das relações
que se estabelecem em um campo aberto, indo de encontro com a proposta da
objetividade fornecida pela teoria. Desta forma, a proposta é trazer o pensar
antropológico da Escola Social Britânica desenvolvida através do método funcionalista
a priori, para contribuir ao entendimento de como as sociedades e grupos sociais são
descritos etnograficamente considerando que a formação da Escola Britânica é marcada
por um novo paradigma, onde o trabalho de campo passa a ser reconhecido
cientificamente, e a pratica etnográfica passa a ser legitimada, A partir daí as sociedades
primitivas recebem a influência do antropólogo, que passa a vivenciar a vida social do
outro em busca da alteridade, e a experiência através da observação participante opera
como pratica de fundamental importância para a produção e impressão do outro que é
sempre diferente. Em suma, a escolha desse pensar antropológico é justamente pela
valorização que o campo recebe, e as críticas que nascem a partir deste novo
enfrentamento teórico vai dar luz a algo muito específico referente ás impressões
decorrentes da experiência de campo vivenciada pela autora deste artigo.

Certamente cabe esclarecer que a idéia não é apresentar a pesquisa que esta sendo
realizada, e sim trazer especificamente duas questões referentes a propostas
metodológicas e outra apresentada pela situação recorrente que sem duvida deu vida e
cor a esta pesquisa, pois as construções iniciáticas da pesquisa só ocorreram por conta
deste fato extremamente central na analise proposta.

Se detendo mais sobre a pesquisa, considera-se que ela contempla o campo religioso1,
indo além este campo religioso pertence ás Religiões de Possessão de um modo geral, e
em específico o campo das Religiões Afro-Descendentes. As restrições se limitam nas
modalidades de culto da Umbanda e do Espiritismo. Mas deve-se esclarecer que o
objeto em analise não é a religião em si, e tais cultos serão analisados conjuntamente
enquanto continuidades pendular entre um e outro, explicitando que uma modalidade
convive com a outra sobre inúmeras formas extremamente dinâmicas, plásticas, com
inúmeros fatores dialéticos entre mudanças e permanências, continuidades e rupturas,
aproximações e afastamentos, ressignificações.

Logo, o objeto desta pesquisa é o continuum religioso. Este conceito vem sendo
estudado desde Arthur Ramos (1934), Ferreira Camargo (1961), Stefânia Capone
(1988). A idéia de continuum foi analisada a partir da idéia de Pureza e Mistura, em que
havia presença de uma supervalorização de cultos do Candomblé Jeje-Nago dos povos
sudaneses, tidos como superiores (mas ainda assim inferiores), em detrimento dos negro
de origem Banto (Congo, Cambinda), que eram vistos como degenerescência e/ou
misturados, logo, eram inferiores. Desta forma, inicialmente, o continuum religioso
tinha como princípio os povos puros como referencia de culto á um constante
sincretismo de povos que recebem outras influencias e passam a ser vistos como
continuidades da matriz Ioruba Nagô. Vistos assim como descaracterização da pureza
Nagô e inferioridade por alterar e deixar de ser puro. Logo a diante, Stefania Capone
retoma a idéia de continuum sob uma nova perspectiva onde se tem dois extremos
marcados, de um lado pelo Candomblé Nagô, e do outro o Espiritismo. O marca tais
extremidades é a africanização e o embranquecimento. E dentro desta lógica de
continuidade existem inúmeras modalidades de cultos religiosos afro-descendentes que
se situam dentro deste continuum, uns se aproximam mais do modelo Africano, outros
mais do modelo Espírita, e quanto mais se permanece próximo á África mais africano,
quanto mais se aproxima do Espiritismo mais branco eu me torno.

Esta lógica de continuum esta muito ultrapassada, pois ainda sim há o entendimento de
contenção e fossilização onde cada culto ocupa o seu lugar, o que ocorre é que tais
continuidades são dialógicas e dinâmicas, e a vida vivida é tão versátil, complexa e
flexível, que este modelo de continuum não dá conta de explicar tamanha metamorfose
ambulante. Por isso a idéia de rede se encontra mais adequada para explicitar e explicar
teoricamente estes fenômenos de influenciações rituais. O conceito de rizoma onde se
tem a idéia de campo aberto, plural e dinâmico fornece a noção de rede para dar conta
de tamanha flexibilidade, a idéia é propor um entendimento sobre rizoma nas
religiosidades de possessão, mas aqui não é o caso.

Desta forma, não se trata de um estudo sobre um culto mantido em situação de


isolamento e imobilidade, trata-se de um estudo que se propõe ao entendimento da
forma dialógica em que religiões distintas se unem como complementaridade em vias de
sobrevivência e manutenção dentro de um mercado de bens simbólicos, não-simbólicos,
materiais e não-materiais. (BOURDIEU, 2007)

Estão situadas na cidade de Dourados – Mato Grosso do sul, em bairros periféricos da


cidade, duas casas religiosas que possuem fatos enriquecedores para uma analise que se
pretenda antropológica. A Casa (1) é denominada Movimento Espírita Francisco de
Assim – (MEFA), é identificada pelo grupo como Espiritualista, por não possuir
vínculos com a Federação Espírita Brasileira – FEB, e também por adotar algumas
praticas elementares que vão de encontro com os preceitos normativos
institucionalizados pela política federativa. A Casa (2) é denominada Reino de Ogum
Beira Mar, é identificada pelo grupo como “Terreiro de Umbanda”, com especialidade
de ser classificada como “Umbanda Branca”2.

Assim como a casa (1) recebe influências e adotam algumas praticas características da
Umbanda, mesmo legitimando a presença do Espiritismo, há um convívio entre
Umbanda e Espiritismo dentro da casa, mas cada pratica ocupa lugares completamente
diferentes. Já na Casa (2) há praticas Espíritas muito presentes em alternância com a
prática Umbandista que é muito presente e decisiva nas atividades desenvolvidas na
casa. O que ocorre é que há 3 anos atrás, as pessoas do MEFA passaram a freqüentar o
Terreiro de Umbanda, e as pessoas do Terreiro de Umbanda passaram a freqüentar o
MEFA. Desde então isso continua ocorrendo, e é impossível dizer o que é um e o que é
outro, por eu as pessoas se movimentam em transito continuo entre as duas casas. Em
decorrência disso alguns sinais e elementos diacríticos pertencentes à Umbanda, em
específico migraram de uma casa para outra promovendo inúmeras mudanças. Um
exemplo disso é que os pontos que eram “entoados” na casa (2), passam a ser entoados
na casa (1) ao passo que as pessoas começam a transitar de uma casa pra outra. Isto
demonstra mobilidade, instabilidade, mudança, complementaridade, e os conflitos que
ocorrem é devido a estas mudanças que envolvem pessoas que transitam e pessoas que
não transitam.

Por isso a escolha minuciosa desta abordagem teórica é para discutir a idéia de
sociedade harmônica, isolada e contida, e para repensar a hipótese de que as pessoas são
fiéis a apenas uma religião, e indo além desta discussão colocar em pauta a idéia do que
se fortalece no campo do discurso e o que se determina no campo do vivido
efetivamente na pratica cotidiana do campo religioso como um todo, logo, se utilizar do
campo religioso afro-descendente é um modelo para se pensar além destas restrições
aqui expostas.

Por tanto se propõe aqui duas discussões. Primeiramente sobre mobilidades e como as
sociedades e grupos sociais são pensados em campos teóricos da antropologia, e trazer
autores que possam contribuir para esta discussão. E também discutir sobre a forma de
descrever e vivenciar o campo através da observação participante ou participação
observante, sobre o que está posto no campo do discurso e no campo do vivido.
Edmund Leach(....) vai contribuir muito para tal, além de colocar os fundadores e
fomentadores desta corrente de pensamento reconhecendo seu lugar de destaque e
importância na teoria abordada nestes escritos.

Um dos objetivos é, através de um estudo de caso demonstrar que, ao contrario do que


se pensa, as pessoas não possuem apenas uma religião específica. E que a religião
apresenta plasticidade e dinâmicas próprias reinventadas a todo tempo. E em se tratando
de Religiões afro-descendentes isso de torna mais evidente ainda, pois apesar do
mantimento e fidelização de adeptos, estes mesmos atores circulam e freqüentam outros
espaços que de alguma forma apresenta similaridades com relação ao espaço já
freqüentado diariamente.
A antropologia é uma forma de conhecimento estritamente voltada para a cientificidade
histórica. Mais do que isso é uma disciplina que se debruça sobre o outro que é a
alteridade. E em se tratando de conhecer e reconhecer o outro, a teoria antropológica é
formada por um conjunto de relatos e descrições que foram feitas em situações de
contato. A importância da teoria é fundamental para conhecer as produções construídas,
bem como as categorias que foram sendo implementadas ao longo destas experiências.
Indo além, de um modo estritamente particular, ás observações empíricas e as
experiências vivenciadas por análises etnográficas possuem fundamental importância
para a teoria, sendo assim, a Antropologia é uma disciplina versátil com intensas
potencialidades á mobilidade, pois é constantemente atualizada e formatada a partir do
campo e das vivências em um campo especifico.

O trabalho etnográfico é de fundamental importância para o conhecimento


antropológico, no entanto faz-se necessário o conhecimento e reconhecimento de alguns
de algumas teorias estritamente voltadas para a especificidade do tema abordado, bem
como para as teorias que produziram o conhecimento antropológico. Sendo assim, a
teoria exerce um papel extremante importante na produção e desenvolvimento da
pesquisa, pois é através destes arcabouços teóricos que se pode garantir reflexões
inequívocas e enriquecedoras, garantindo o reconhecimento da cientificidade da
pesquisa produzida. Para ir a campo é preciso estar preparado e apto a produzir
reflexões sobre um povo, bem como suas especificidades. Assim, cabe ao etnógrafo dar
luz a um olhar sensível diante daquilo que não se mostra claramente, ouvir aquilo que
não se diz diretamente, e sobretudo escrever a verossimilhança das impressões e
observações colhidas em campo, para que se possa produzir etnologias que não
reproduza a idéia de etnocentrismo. E para que se possa apreender este entendimento
faz-se necessário o conhecimento de alguns conceitos teórico fornecidos por autores que
contribuíram a formação do pensamento antropológico. (CARDOSO DE OLIVEIRA,
2006)

Assim, o presente artigo tem como intuito, apresentar o campo de pesquisa que esta em
andamento, através do pensamento de alguns autores que contribuem ao entendimento
de alguns conceitos e categorias que se considera primordialmente relevante,
demonstrando o papel da teoria para compreender algumas questões vivenciadas nas
observações empíricas. Não se propõe aqui se aprofundar em teorias antropológicas,
mas se utilizar de alguns conceitos que possam dar conta de explicar alguns aspectos
gerais de suma importância, fomentando o pensamento conceitual da antropologia, e
que apesar dos pais fundadores das escolas conceituais mais importantes deste processo
serem senhores do seu próprio tempo, ainda é possível resgatar alguns entendimentos
que ainda prevalecem na contemporaneidade atual. Propõe-se abordar o campo de
pesquisa e ao mesmo tempo buscar alguns autores que vão ao encontro e esclarecem
algumas questões, adaptando as teorias á realidade. (BARTH, 2000)

Fazendo o reconhecimento da importância da teoria antropológica, clássica para o


entendimento e desenvolvimento do pensamento científico que envolve a disciplina,
alguns autores foram extremamente importantes, promovendo rupturas e propondo
novos olhares sobre a disciplina. O autor Eriksen (2007), apresenta os fundadores da
antropologia como precursores de conceitos extremamente importantes, servindo de
pilar para os enfrentamentos das analises produzidas recentemente. Destaca-se assim,
alguns autores que inicialmente estarão presentes nesta discussão proposta, que apesar
das criticas seguidas posteriormente marcaram a transformação do pensar da
antropologia constituindo a espinha dorsal do pensamento modernista, são eles:
Bronislaw Malinowski ( 1884 – 1942) e Radcliffe – Brown (1881 – 1955). (ERIKSEN,
2007)

Ambos são os fundadores da Escola Social Britânica, com o objetivo de propor uma
nova abordagem epistemológica, se afastando do pensamento evolucionista, e as criticas
produzidas foram absolutamente o alicerce desta proposta. O principal objetivo era a
promoção do método funcionalista, que em contraste com a antropologia de gabinete,
propunha deter o entendimento de como as sociedades primitivas funcionam e como se
articulam, mantendo suas especificidades. O momento mais marcante do funcionalismo
é quando o trabalho de campo ganha destaque, e as experiências e observações
empiricamente constatadas é prioritariamente o campo central desta nova forma de
exercer e produzir conhecimento á cerca da alteridade. O funcionalismo passa a adotar o
método indutivo onde, através das partes é possível se chegar ao todo mais complexo.
No entanto existem especificidades extremamente pontuais entre Malinowski e
Radcliffe Brown.

Um dos principais equívocos que se faz com relação á malinowski, é dizer que ele
inventou o trabalho de campo. Há muitos já havia sido feitas expedições etnográficas
como a de Cambridge ao Estreito de Torres onde métodos extremamente rígidos foram
aplicados. Sendo assim, o trabalho de campo já estava evidente nas produções
antropológicas, no entanto uma das maiores contribuições na obra de Malinowski é o
caráter cientifico das experiências de campo com a institucionalização do método da
observação participante. Tais inovações atribuídas ao campo da etnografia foi
apresentada no livro “ Argonautas do Pacífico Ocidental”, produzido em uma
experiência de campo nas Ilhas Trobriand.

Uma das principais contribuições de Malinowski é a capacidade com que consegue


chegar a humanização dos nativos que se apresenta sobre outros prismas de
comportamento e entendimento da vida social, sendo assim, sua principal característica
é a forma com que expressa o diferente, trazendo para o campo das nossas
compreensões, demonstrando quão homens se apresentam os ditos “selvagens”
(DURHAM, 2004, p.207). Uma das preocupações centrais do autor é em dar luz a
especificidade de cada cultura de um modo estritamente particular. Destacar as
particularidades é uma forma de deter maior entendimento sobre comportamentos
concretizados de seres humanos de carne o osso que a priori vivem um dinâmica social
completamente diferente da idéia social do pensamento ocidental.

Um dos principais ganhos deste pensamento é que, ao contrário do que supunha


anteriormente, o pensamento e o comportamento do homem primitivo funciona sob uma
lógica extremamente coerente, consistente e racional, com intensas sofisticações e que
cabe ao pesquisador apreender, descrever e analisar. (DURHAM, 2004,p.208). O
próprio malinowski vai constatar que cabe ao etnógrafo estabelecer regulamentos e
normas que regem a vida social daquela sociedade singular, apresentando
anatomicamente e descrevendo constituições sociais. No entanto tais elementos não se
encontram fossilizados e evidenciados em parte alguma, sendo a única evidencia capaz
de demonstrar estes códigos o próprio individuo. Indo além, este entendimento de
regularizações não se encontram formulados em definitivo na cabeça do nativo, desta
forma as leis e normas instituídas socialmente se encontram restritamente no campo do
comportamento, impulso e instintos da vida tribal, e podem ser encontradas menos no
campo ideal do que no campo emocional. Por isso o autor vai enfatizar que as
observações analíticas do comportamento do individuo deve ocorrer no âmago dos
acontecimentos do cotidiano, pois o individuo fornece uma carga extremamente
significativa enquanto estão revestidos de impressões no campo dos sentimentos
emocionais. (MALINOWSKI, p.24....). Eunice Durham expressa esta idéia enfatizando
que:

...coteja diferentes informações, verifica-as através da


observação direta do comportamento das pessoas em situações
sociais especificas, examina a coerência daquilo que observou
em outras situações, analisa o conteúdo emocional do
comportamento manifesto. Para ele, é necessário contrapor as
idéias ás emoções, o comportamento observado ao comentário
que sobre ele tece o nativo, a visão que o antropólogo constrói
da cultura á síntese inconsciente que, presente na cabeça do
nativo, orienta e dá significado ás suas ações. (DURHAM,
2004,p.207)

A partir deste entendimento faz-se necessário considerar e tornar relevante o chamado “


imponderáveis da vida real” (MALINOWSKI,....), como sendo os acontecimentos que
fogem ao nosso controle e que se apresenta no campo da autenticidade, e que é
justamente estes acontecimentos que enriquecem as observações empíricas sobre o
outro que é sempre o diferente. Logo buscar-se-á no desenvolvimento desta pesquisa
entre estas duas casas que possuem especificidades e similaridades, enfatizar aquilo que
se diz no campo do discurso e aquilo que se vive de fato nas praticas rituais do dia-a-
dia. E o que se percebe é que o dito e o vivido servem como complementos de uma
analise etnológica, pois a oposição evidente na pesquisa serve como um contraste, onde
só se torna possível compreender o vivido se eu ouço o que as pessoas tem a dizer sobre
sua própria maneira de lidar com suas experiências de religiosidade. Assim, é notável a
importância de idéias e emoções como relações de dialéticas, onde só é possível
contemplar um campo se eu estiver em contato com a sua oposição.

Proponho dar um espaço para fazer algumas considerações importantes sobre um outro
precursor da Escola Social Britânica, que se apresenta como um estrutural-funcionalista,
que busca concepções teóricas muito distintas ás de Malinowski que estava muito
preocupado com as universalizações de uma sociedade especifica pautado nas ações
individuais no campo do comportamento humano de uma sociedade singular, onde
indutivamente o todo era um contexto social particular. Alfred Reginald Radcliffe
Brown pertencia à geração de Malinowski, mas buscava abordagens teóricas por outros
caminhos epistemológicos. Seu método estrutural-funcionalista foi abordado, pois para
o autor entender como uma sociedade funciona na vida social não é o suficiente, pois as
estruturas exercem papel primordial para garantir que a sociedade permaneça. Por isso o
autor se debruça nas relações de parentesco, por considerar que este sistema fornecia
indícios plausíveis sobre como a sociedade se organiza em um determinado grupo
específico.

Radcliffe Brown pertenceu à corrente difucionista, recebendo grande influencias de


Rivers e Seligman. Recebe também grandes influencias de Emile Durckheim, herdando
a noção de forma estrutural, função e fato social, relação entre parte e todo. Sua
concepção de ciência esta relacionada a busca das leis universais, adotando o modelo
das Ciências Naturais para explicar a sociedade em aspectos gerais. Assim, a morfologia
se apresenta como as estruturas, ou seja, as partes correspondentes a uma mesma
realidade, e a fisiologia como as funções de cada parte contida nas estruturas,
demonstrando assim, a vida em funcionamento. A abordagem epistemológica é
sociológica com inúmeras influencias da Escola Sociológica Francesa, tendo como foco
a sociedade como um todo, dispensando a idéia de individuo.

Busca-se assim estruturas que podem ser observadas empiricamente,a partir de


realidades concretas, adotando um termo denominado sociologia comparada, assim, a
partir de varias situações apresentadas em varias sociedades, constrói-se uma analise
estrutural, onde cada sociedade se apresenta como modelos, que apesar de apresentarem
distinções, possuem aspectos gerais composto por regularidades. Radcliffe-Brown
estava demasiadamente preocupado com estas regularidades com o intuito de produzir
leis gerais que podem ser encontradas em todas as sociedades primitivas de um modo
geral. Assim, consegue-se pensar em uma ciência geral. (BROWN,...)

O autor Mauro de Almeida, ao escrever sobre “A etnografia em tempos de Guerra:


contextos temporais e nacionais do objeto da antropologia”,considera que
diferentemente de Malinowski, Radcliffe – Brown introduz nas preocupações dos
etnógrafos ingleses o espíritos de ordem francês, com a ênfase menos posta nas tensões
do que na manutenção da ordem. (ALMEIDA,....). Considera-se também que o autor
aborda um método coletivista, ligado á Durckeim, destacando a imposição social sobre
o individuo, enfatizando a sobreposição da sociedade sobre os seres humanos. Outra
consideração é que mudanças e processos nas estruturas se apresentam como estáveis,
onde as mudanças acontecem com continuidades, e apesar dos fluxos existentes a
estrutura permanece imutável. (BROWN...)

Estes autores foram de fundamental importância para a localização da proposta da


Antropologia Social, no entanto, com o tempo muito outros autores foram surgindo sob
a influencia destes pensamentos marcantes na formação desta escola de pensamento.
Estas contestações serão apresentadas a partir da pesquisa que esta sendo desenvolvida
no campo religioso afro-descendente, onde alguns entendimentos empíricos observados,
será enfatizado através do pensamento de alguns autores que contribuem a
desconstrução de alguns preceitos formulados especificamente no campo abordado na
Escola Britânica por seus fundadores. Dentre eles estão: Evans-Pritchard, Edmund
Leach e Victor Turner.

A pesquisa que ora se apresenta neste artigo, contempla o campo religioso1 que propõe
analisar a dinamicidade e a plasticidade dos cultos afro-descendentes como
correspondentes de um continuum religioso ( ....autores), tendo como dois extremos o
Candomblé Jeje-Nagô e o Espiritismo, africanização e embranquecimento, assim,
quanto mais próximo da áfrica maiores as chances de identificação com o Candomblé
Jeje-Nagô, quanto mais distante desta modalidade maiores identificações com o culto
Espírita. Desta forma, não se trata de um estudo sobre um culto mantido em situação de
isolamento e imobilidade, trata-se de um estudo que se propõe ao entendimento da
forma dialógica em que religiões distintas se unem como complementaridade em vias de
sobrevivência e manutenção dentro de um mercado de bens simbólicos, não-simbólicos,
materiais e não-materiais. (BOURDIEU, 2007)

Um dos objetivos é, através de um estudo de caso demonstrar que, ao contrario do que


se pensa, as pessoas não possuem apenas uma religião específica. E que a religião
apresenta plasticidade e dinâmicas próprias reinventadas a todo tempo. E em se tratando
de Religiões afro-descendentes isso de torna mais evidente ainda, pois apesar do
mantimento e fidelização de adeptos, estes mesmos atores circulam e freqüentam outros
espaços que de alguma forma apresenta similaridades com relação ao espaço já
freqüentado diariamente.

Esta sendo realizada uma analise etnográfica em duas Casas Religiosas, situadas na
cidade de Dourados-MS. A primeira Casa é denominada Movimento Espírita Francisco
de Assim – MEFA, identificada como sendo Espiritualista2, por não possuírem vinculo
com a Federação Espírita Brasileira e por incorporarem nas suas praticas alguns sinais
diacríticos característicos da ritualística Umbandista, bem como apresentar inúmeras
características voltadas para pratica Kardecista ou Espíritas. A outra casa se chama
Reino de Ogum Beira Mar, identificada como Terreiro de Umbanda propriamente dito,
mas não sendo a Umbanda-Macumba, é caracterizada Umbanda Branca por estar mais
próxima do Espiritismo. Assim, as duas casas estão situadas dentro deste continuum
religioso, o terreiro se situa a caminho de matrizes mais africanas, e a casa espiritualista
esta mais próxima do Espiritismo.

Estas duas casas não podem ser analisadas em isolamento e contenção, pois em um
dado momento estas casas passaram a dialogar entre si, e muitos adeptos do MEFA,
passam a freqüentar o Terreiro, e os adeptos do terreiro passam a freqüentar o MEFA.
Este encontro começa a produzir inúmeras alterações no campo dos rituais simbólicos, e
muitos elementos contidos estritamente em uma das Casas, migram paulatinamente para
a outra e vice-e-versa. E assim, inúmeras mudanças começam a ocorrer e estes fatos são
marcados por mudanças e continuidades, rupturas e permanências, ressignificações,
aproximações e afastamentos. Tais mudanças que ocorrem, estão revestidas de
conflitos e dinâmicas.

Cabe aqui considerar a capacidade intrínseca de dois grupos sociais distintos


construírem relações dialógicas tanto em seus próprios rituais, como nas relações com
outras casas enquanto busca por complementaridade, tendo em vista que no que se
refere ás duas casas, a Umbanda e o Espiritismo convivem e se influenciam
mutuamente. E que esta relação dialógica só pode existir em situações de contraste. E
assim, a idéia de isolamento e auto-contenção, neste caso é uma fantasia. Logo, alguns
autores como Victor Turner ( ), vai considerar que as sociedades bem como aldeias e
grupos sociais possuem mobilidades e circulam entre outros espaços promovendo
rupturas e fragmentações ao longo do tempo, e estas situações foram extremamente
importantes para alguns estudiosos da África Central, que registraram grandes
mobilidades de um lugar para o outro reconhecendo e enfrentando as situações de
adaptabilidade social e cultural, mudanças e dinâmicas sociais. (TURNER, ....p.31)

O que se propõe discutir neste momento é a desconstrução que alguns autores foram
fazendo com relação à idéia de sociedade coesa, harmônica, contida, descontinua e anti-
conflituosa. Esta idéia é reproduzida desde Malinowski com o advento da
potencialização do campo através da observação participante, e que Edmund Leach fará
inúmeras criticas a forma de descrever as sociedades no campo do ideal . Isto porque à
medida que caminhamos ao entendimento da inexistência sociedades isoladas e as
interações sociais são geradas sob mecanismos extremamente conflitantes, cabe destacar
a facilidade e a habilidade da dinâmica, e as influências que promovem mudanças e
continuidades que geram relações conflituosas e abalam a todo momento a idéia de
imobilidade e/ou essencialidade. Buscar-se-á apresentar autores que contribuíram com a
promoção destas mudanças nos paradigmas do pensar antropológico.

Preocupado em promover explicações sincrônicas, Emile Durkheim buscava analises


que expressassem dados que pudessem ser diretamente observados. Seu pensamento
permeia o entendimento de que as sociedades eram sistemas que funcionam dentro de
uma lógica coesa e integrada, onde todas as partes só poderiam ser compreendidas se
estivessem relacionadas às outras, formando assim a manutenção de um todo. Para este
autor o conceito de sociedade era definido como um organismo social, e apresentava a
idéia de conviviabilidade como um conceito positivo. A expressão do pensamento
durkheimiano, esta voltado para a sociedade, suas instituições e organizações, em
detrimento de mitos, cultura e símbolos. ( CASTRO....)

Este entendimento de vida social passa a ir de encontro a uma constante situação de


contato, onde a diversidade passa a emergir não enquanto condição de isolamento, onde
se refere a idéia de homogeneização em que as diferenças são pensadas enquanto ilhas,
mas partindo da compreensão de que as especificações compõe um mesmo quadro
social, e a diversidade cultural passam a ser vivenciadas a partir das interações entre os
povos, gerando sociabilidades, desconstruindo a idéia de socialidade, onde as relações
passam a ser marcadas por tensões e conflitos instituintes na vida social. Ao passo que
as diferenças culturais são encaradas como uma resposta frente ás novas condições
sociais, passa-se a privilegiar a analise das relações . (cf.WAGNER,....;Barth ,....). Isso
ajuda a compreender a idéia de que em se tratando do campo religioso, as relações são
instrumentos de manutenção e sobrevivência, onde diferentemente do que supunham
muitos antropólogos, a convivência torna possível o diálogo entre duas modalidades de
cultos distintos como complementos, o que não exclui a possibilidade de conflitos que
fomentam mudanças e continuidades.

Ao retrata a mobilidade e o dinamismo que se apresenta a partir das relações, faz-se


necessário compreender que o ideal não condiz necessariamente com a situação
vivenciada na pratica, e que os próprios informantes inseridos neste contexto social em
analise, possui um quadro idealizado da sua própria realidade. Edmund Leach propõe
inúmeras reflexões sobre estas inconsistências contatadas e descritas em analises
antropológicas. Desta forma propõe-se apresentar considerações fornecidas pelo
Funcionalista convicto (Leach), trazendo alguns elementos empiricamente colhidos nas
experiências de campo.

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