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ANÁLISE DA VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA DE ÁREAS SUSCETÍVEIS À

INUNDAÇÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL, RS.

Tamiris da Silva Alves1, Flávia Farina2, Jeniffer KunszlerRohmann3, Fernando Petersen Cardoso4,
Tatiana Silva da Silva5
Laboratório de Modelagem Ricardo Ayup Zouain – Departamento de Geodesia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
¹tamiris.salves@outlook.com; 2flavia.farina@ufrgs.br; 3jenifferkunzler@gmail.com; 4nando.petersen@hotmail.com;
5
tatiana.silva@ufrgs.br

RESUMO 1. INTRODUÇÃO

O número de eventos extremos no estado do Rio Grande do O estado do Rio Grande do Sul, nas últimas décadas, tem
Sul, em especial as inundações, tem aumentado nas últimas registrado um aumento na ocorrência de desastres devido às
décadas, resultando em grandes prejuízos ambientais, situações climáticas, especialmente àqueles relacionados às
sociais e econômicos. Frente à necessidade de promover inundações, resultando em grandes prejuízos ambientais,
ações de prevenção e gestão de desastres, este trabalho visa sociais e econômicos.
expor a metodologia empregada para análise da Diante da necessidade de redução dos danos causados
vulnerabilidade socioeconômica de áreas suscetíveis à por estes eventos, após um período de esforços direcionados
inundação, no município de São Lourenço do Sul. Os às ações de resposta e de recuperação, fez-se necessário
procedimentos adotados envolvem: definição da área voltar o olhar para ações de gestão integral do risco e do
suscetível à inundação; levantamento e sistematização de gerenciamento de desastres, incluindo ações de prevenção,
dados relacionados à população e à infraestrutura; mitigação, preparação, resposta e recuperação, conforme a
organização de um banco de dados em ambiente SIG; Política Nacional de Proteção e Defesa Civil [1].
caracterização socioeconômica e das infraestruturas da área No ano de 2011 o município de São Lourenço do Sul,
de interesse e construção e análise de índices de localizado na Zona Costeira do RS (Figura 1), teve
vulnerabilidade. Os resultados obtidos são a representação e aproximadamente, 20 mil pessoas afetadas por um evento de
análise espacial da vulnerabilidade, além de um Webmap inundação, no qual mais da metade da área urbana do
organizado para promover a divulgação de informações de município foi afetada, sendo coberta por água entre 2,5 a 3
fácil acesso e entendimento, tanto a órgãos gestores quanto à metros de altura. Residências foram totalmente inundadas,
população. pontes ficaram submersas impedindo o deslocamento dos
moradores, estabelecimentos comerciais foram danificados,
Palavras-chave— Vulnerabilidade, Inundações, Sistemas de além da ocorrência de oito mortes durante o evento [2].
Informação Geográfica. Em vista do exposto, este estudo apresenta a análise da
vulnerabilidade socioeconômica em áreas suscetíveis à
ABSTRACT inundação, localizadas na zona urbana do município de São
Lourenço do Sul, RS.
Given the need to promote disaster prevention and
management actions, this study aims to explain the
methodology used to analyze the socioeconomic
vulnerability of areas susceptible to flooding in the city of
São Lourenço do Sul. The adopted procedures include:
definition of the area susceptible to flooding; survey and
systematization of data related to population and
infrastructure; organizing a GIS environment database;
socioeconomic characterization and infrastructure
characterization of the area of interest. The obtained results
are the spatial representation and analysis of the
vulnerability, in addition to a Webmap to promote the
dissemination of information that is easily accessible and
understandable to both management bodies and to the
population.
Figura 1: Localização do município de São Lourenço do Sul.
Keywords — Floods, Socioeconomic Vulnerability,
Geographic Information Systems.

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2. MATERIAIS E MÉTODOS Domicílios Particulares Permanentes, Sexo, Idade, Pessoas
alfabetizadas e Renda per capita. As idades foram
A modelagem das áreas suscetíveis à inundação deu-se em reagrupadas em 4 categorias: crianças (0 a 11 anos);
estudo prévio a este trabalho, no qual empregou-se adolescentes (12 a 18 anos); adultos (19 a 59 anos); e idosos
modelagem hidrológica e hidrodinâmica, executada nos (60 anos ou mais). Os dados relacionados à renda per capita
softwares HEC-HMS e HEC-RAS, integrada ao SIG ArcGIS foram reagrupados em 6 classes: sem renda; até ½ salário
10.4 [3]. O resultado foi a geração de “manchas” de mínimo; acima de ½ e até 1 salário mínimo; acima de 1 e até
inundação para os tempos de retorno (TR) 5, 10, 25 e 50 2 salários mínimos; acima de 2 e até 5 salários mínimos; e
anos, com o intuito de analisar possíveis cenários. Entre os acima de 5 salários mínimos.
diferentes TR simulados, definiu-se para a análise da Para caracterizar a infraestrutura municipal,
vulnerabilidade a situação mais extrema, ou seja, a área selecionaram-se 12 variáveis em relação aos Domicílios
suscetível a inundação na zona urbana, simulada para o TR Particulares Permanentes: com moradia adequada, semi-
50 anos, conforme a Figura 2. adequada ou inadequada; com iluminação pública; com
energia elétrica; com abastecimento de água da rede geral;
com esgotamento sanitário via rede geral de esgoto ou
pluvial, via fossa séptica e via rio, lago ou mar; com esgoto
a céu aberto; com lixo acumulado no logradouro; com
banheiro de uso exclusivo dos moradores ou sanitário; com
lixo coletado; com pavimentação; com calçamento; com
bueiro/boca de lobo e; com arborização.
Posteriormente, empregou-se o software ArcGis 10.4
para a espacialização dos dados obtidos e recorte dos
mesmos, conforme a máxima área de suscetibilidade à
inundação simulada. Para isso, utilizou-se a malha
municipal de setores censitários, composta por 91 setores,
disponibilizada no site do IBGE para download. Através da
sobreposição de dois layers (mancha de inundação e malha
de setores censitários), foi realizado o recorte da área de
interesse, composta por 20 setores censitários. Assim,
considerando os dados coincidentes com o recorte da área,
organizou-se um banco de dados para três escalas de
Figura 2: Área suscetível à inundação na zona urbana do análise: municipal, urbana e área afetada pela inundação
município de São Lourenço do Sul (TR 50 anos).
simulada.
O levantamento das informações referentes aos
Selecionada a área de interesse para a continuidade do
estabelecimentos localizados na área de estudo consistiu,
estudo anterior, a execução do presente trabalho está
inicialmente, na pesquisa em diversas fontes oficiais. Os
organizada em quatro etapas principais: levantamento de
dados relacionados à população e à infraestrutura; dados referentes às escolas foram obtidos consultando-se o
site da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul. Por
organização de um banco de dados em ambiente SIG;
meio de consultas ao Cadastro Nacional de
caracterização socioecônomica e das infraesturuas da área
de interesse e; por fim, construção e análise de índices de Estabelecimentos de Saúde (CNES) foram coletadas
informações quanto à localização dos estabelecimentos de
vulnerabilidade.
saúde. Os estabelecimentos comerciais e de serviços, como
Os dados relacionados à população e à infraestrutura
hotéis, supermercados, farmácias e equipamentos de lazer
foram levantados para a área total do município, no nível de
foram levantados utilizando-se o serviço gratuito Street
setor censitário, com base no Censo Demográfico de 2010
View, oferecido pelo Google. Os demais estabelecimentos
[4], disponibilizado para download na página eletrônica do
como as Instituições Religiosas, Cooperativas, Órgãos
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Públicos, Órgãos Profissionais e Sindicatos, foram obtidos
Através das tabelas de variáveis e da Base de informações
do “Censo Demográfico 2010: Resultados do Universo”, por consultando-se o site da Prefeitura Municipal.
setor censitário, foi possível analisar as informações Ao final desta etapa, organizou-se um Webmap na
ferramenta Google My Maps, onde foram inseridas todas as
disponíveis e selecioná-las de acordo com a relevância das
informações referentes aos setores censitários para as
mesmas para a caracterização da população e da
infraestrutura municipal. Posteriormente, os dados foram mesmas escalas utilizadas anteriormente (Figura 3).
Também foram inseridos marcadores intuitivos no mapa
tabulados e unidos através do geocódigo dos setores
para representar cada tipo de atividade presente na área,
censitários.
além da mancha de inundação e dos estabelecimentos
Para a avaliação das características populacionais foram
localizados na área de interesse que mostraram relevância ao
selecionadas as seguintes variáveis: Pessoas Residentes,

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estudo, tais como escolas, estabelecimentos de saúde, Onde: Pop refere-se à população total do setor, Dd é a
comércio e serviços, além de dados referentes à população e densidade demográfica, Mm é a média de moradores por
à infraestrutura da área. domicílio, Nd é o número de dependentes, Ta é a taxa de
analfabetos acima de 12 anos, Br é a taxa de domicílios com
baixa renda per capita, La refere-se ao número de domicílios
com lixo acumulado no logradouro, Cm é a condição de
moradia (semi-adequada e inadequada) e IDHM é o Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal, considerando-se
para tal o valor de 0,687 referente ao ano de 2010.
Cabe esclarecer que o IDHM do município foi adotado
como a capacidade de suporte e resposta para todos os
setores censitários. Conforme Goerl, Kobiyama e Pellerin
[5], quando ocorre um desastre, apesar dos seus limites
espaciais e temporais, toda a normalidade do município é
afetada e, a primeira resposta ao desastre baseia-se na
capacidade do município em recuperar os danos sofridos.
Tal capacidade pode ser traduzida pelos sub-índices que
compõe o IDHM: longevidade, educação e renda.
Figura 3: Espacialização das variáveis censitárias no Webmap. As unidades foram padronizadas a partir do
escalonamento dos valores entre 0 e 1, sendo 0 o valor
A quarta fase deste trabalho, dedicada à geração e mínimio de cada variável e 1 o valor máximo. O Índice de
análise de índices de vulnerabilidade (IV), teve como base Vulnerabilidade foi agrupado em quatros classes, definidas
metodológica o trabalho de Goerl, Kobiyama e Pellerin [5], pelo desvio quartílico: baixa, média, alta e muito alta.
adaptada para a realidade em questão. Assim, selecionaram-
se oito variáveis para compor o índice de vulnerabilidade, 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
obtidas a partir das variáveis orginais do Censo
Demográfico (Tabela 1). O levantamento realizado por meio de websites públicos
oficiais e da ferramenta Google Street View possibilitou
Variável de
contabilizar na área de interesse cerca de 116
Variável original estabelecimentos voltados para atividades econômicas
vulnerabilidade
(comércio, serviços, hospedagem, alimentação, entre
Pessoas residentes Pop total do setor outros). Ainda, há 19 outros estabelecimentos de
Pessoas residentes / área Densidade demográfica organizações comunitárias ou de infraestrutura/serviços
públicos, dentre eles: serviços de saúde, instituições de
Média do nº de moradores por Média do nº de moradores
domicílio por domicílio
ensino, asilos e estabelecimentos voltados à segurança e
defesa (Tabela 2).
Pessoas menores de 12 anos +
Número de Dependentes
pessoas maiores de 65 anos Organizações, estabelecimentos
Quantidade
ou infraestruturas/serviços público
Número de pessoas alfabetizadas % de analfabetos acima de
com mais de 12 anos de idade 12 anos Serviços de saúde 2
Instituições Religiosas 5
Domicílios sem renda + % de domicílios com baixa
Domicílios com até ½ salário renda per capita Instituições de Ensino 2
mínimo per capita Infraestrutura 2
Domicílios com lixo acumulado Domicílios com lixo Esporte e Lazer 3
no logradouro acumulado no logradouro
Asilo para Idosos 1
Domicílios com moradia semi- % de domicílios com Associação Comunitária 1
adequada + Domicílios com moradia semi-adequada ou Segurança e Defesa 2
moradia inadequada inadequada. Administração Pública 1
Tabela 1: Variáveis selecionadas para cálculo do IV.
Tabela 2: Organizações Comunitárias, Estabelecimentos e
Com base nestas variáveis, aplicaram-se os valores na Infraestrutras/Serviços Públicos localizados na área suscetível
à inundação.
seguinte fórmula para obter o índice de vulnerabilidade de
cada setor censitário: As análises preliminares da vulnerabilidade social, por
meio das variáveis consideradas, apontam que
aproximadamente 30% da população afetada no cenário em

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questão é composta por crianças e idosos. Outro exemplo é 4. CONCLUSÕES
a vulnerabilidade econômica dessa população, o que
impacta na sua capacidade de enfrentamento e resiliência Os índices de vulnerabilidade podem servir como subsidio à
frente a este tipo de evento: 51% dos habitantes afetados tomada de decisões em situações de desastre, compondo
têm renda inferior a um salário mínimo e 20% inferior a ½ uma base estratégica para atendimento dos locais mais
salário. A distribuição espacial da população de baixa renda vulneráveis, uma vez que se tem conhecimento sobre
nos setores censitários é exibida na Figura 4. Ainda, características relevantes da área atingida, tais como a faixa
observou-se que 14,7% da população residente na área etária da população, suas condições de renda e de moradia.
possui condições de moradia semi-adequada ou inadequada O Webmap elaborado possibilita o fácil acesso às
e 10,5% são pessoas acima de 12 anos analfabetas. O índice informações geradas, permitindo a análise de diferentes
de vulnerabilidade (Figura 5) calculado a partir das variáveis fatores simultaneamente e proporcionando o amplo acesso
selecionadas, mostra que cerca de 50% da área suscetível à às informações geradas durante este trabalho, tanto à
inundação possui um índice muito alto de vulnerabilidade população quanto a órgãos gestores.
socioecônomica, enquanto que 18,2% apresenta alta
vulnerabilidade. Além disto, cerca de 6.529 pessoas residem 5. REFERÊNCIAS
em áreas de alta ou muito alta vulnerabilidade.
Os desdobramentos atuais do trabalho envolvem a [1] CEPED. Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre
definição e análise dos índices de perigo e de risco, bem Desastres da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
como a inserção no Webmap das representações espaciais de Capacitação em Gestão de Riscos. 2ª. Ed. UFRGS, Porto Alegre,
tais índices e das variáveis socioeconômicas consideradas na 271p., 2016.
sua elaboração.
[2] Sausen, T.M. et al. Análise do evento de inundação brusca
ocorrido em São Lourenço do Sul, RS, em 10 de março de 2011.
INPE, São José dos Campos, 210 p., 2012.

[3] Farina, F.; et al. Mapeamento de áreas suscetíveis à inundação


baseada em modelagem hidrológica e hidrodinâmica integrada em
Sistemas de Informação Geográfica. In: Congresso Internacional
de Tecnologias para o Meio Ambiente, 6., 2018, Bento Gonçalves.
Anais do Evento. Bento Gonçalves: UCS, 2018. p. 1- 8. Disponível
em:https://siambiental.ucs.br/congresso/anais/trabalhosTecnicos?a
no=2018> Acesso em:8 abr. 2018.

[4] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE. Censo


Demográfico 2010. IBGE, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em:
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/
Acesso em: 15 mai. 2018.

[5] Goerl, R.F.; Kobiyama, M.; Pellerin, J.R.G.M., “Proposta


metodológica para mapeamento de áreas de risco a inundação:
Figura 4: Percentual da população com baixa renda. estudo de caso do município de Rio Negrinho – SC”, Boletim de
Geografia, v. 30, n. 1, pp .81-100, 21 jun. 2012.

Figura 5: Vulnerabilidade dos setores censitários.

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